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1 Introdução O desenvolvimento partidário na África Subsariana pôs-independente, foi marcado por regimes autoritários e totalitários, particularmente militares ou de partido único, assistindo-se na década de 90, uma vaga de transições para a democracia. Os partidos políticos que emergiram e se desenvolveram nesses ambientes políticos complexos têm sido considerados organizacional e institucionalmente fracos, com baixos níveis programáticos e de ideologia, mais baseados em relações étnicas, clientelares e patronagem (Erdman e Basedau, 2007; Bogaards, 2004; Mozzaffar, 2006; Salih, 2003). Mas alguns partidos, particularmente aqueles que foram protagonistas das independências, antigos movimentos de libertação ou aqueles que foram coprotagonistas das mudanças políticas na década de 90, mesmo tendo sido sujeitos ao mesmo contexto, possuem uma forte estruturação e institucionalização. A transição para a democracia em Angola, não muito diferente da maioria dos países da África subsariana, teve início na década de 90, depois de um longo período de partido único e conflito armado desde a independência. Essa transição é essencialmente o resultado dos acordos de Bicesse entre o MPLA (Governo da República Popular de Angola) e o movimento armado UNITA, com vista a realização de eleições multipartidárias em 1992, ainda que as alterações institucionais começaram a ser introduzidas antes da assinatura dos referidos acordos (Anstee, 1997; Santos, 2005). Porém, a não-aceitação dos resultados eleitorais por uma das partes dos acordos a UNITA e o reinício do conflito armado, bloqueou a transição (Bratton e Walles, 1997). Em seguida, assistiu-se a períodos de nem guerra e nem paz, em que coexistia simultaneamente um parlamento multipartidário e um Governo de Reconciliação Nacional e, conflitos militares intensos em algumas zonas do país, até o final da guerra em 2002 e a posterior realização de eleições legislativas em 2008. Assim, ao lado das principais forças políticas angolanas (MPLA, FNLA e UNITA) com origens históricas ligadas aos movimentos de libertação da década de 50 e 60, viriam juntar-se uma centena de partidos (PRS, PLD, PDP-ANA, PADEPA, PAJOCA, PRD, FpD) que participaram nas eleições gerais de 1992 e legislativas de 2008. Porém, um ambiente político caracterizado por uma transição democrática inconclusiva (com avanços e recuos) num contexto de paz e de conflito (Messiant,

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Introdução

O desenvolvimento partidário na África Subsariana pôs-independente, foi

marcado por regimes autoritários e totalitários, particularmente militares ou de partido

único, assistindo-se na década de 90, uma vaga de transições para a democracia. Os

partidos políticos que emergiram e se desenvolveram nesses ambientes políticos

complexos têm sido considerados organizacional e institucionalmente fracos, com

baixos níveis programáticos e de ideologia, mais baseados em relações étnicas,

clientelares e patronagem (Erdman e Basedau, 2007; Bogaards, 2004; Mozzaffar, 2006;

Salih, 2003). Mas alguns partidos, particularmente aqueles que foram protagonistas das

independências, antigos movimentos de libertação ou aqueles que foram

coprotagonistas das mudanças políticas na década de 90, mesmo tendo sido sujeitos ao

mesmo contexto, possuem uma forte estruturação e institucionalização.

A transição para a democracia em Angola, não muito diferente da maioria dos

países da África subsariana, teve início na década de 90, depois de um longo período de

partido único e conflito armado desde a independência. Essa transição é essencialmente

o resultado dos acordos de Bicesse entre o MPLA (Governo da República Popular de

Angola) e o movimento armado UNITA, com vista a realização de eleições

multipartidárias em 1992, ainda que as alterações institucionais começaram a ser

introduzidas antes da assinatura dos referidos acordos (Anstee, 1997; Santos, 2005).

Porém, a não-aceitação dos resultados eleitorais por uma das partes dos acordos – a

UNITA – e o reinício do conflito armado, bloqueou a transição (Bratton e Walles,

1997). Em seguida, assistiu-se a períodos de nem guerra e nem paz, em que coexistia

simultaneamente um parlamento multipartidário e um Governo de Reconciliação

Nacional e, conflitos militares intensos em algumas zonas do país, até o final da guerra

em 2002 e a posterior realização de eleições legislativas em 2008. Assim, ao lado das

principais forças políticas angolanas (MPLA, FNLA e UNITA) com origens históricas

ligadas aos movimentos de libertação da década de 50 e 60, viriam juntar-se uma

centena de partidos (PRS, PLD, PDP-ANA, PADEPA, PAJOCA, PRD, FpD) que

participaram nas eleições gerais de 1992 e legislativas de 2008.

Porém, um ambiente político caracterizado por uma transição democrática

inconclusiva (com avanços e recuos) num contexto de paz e de conflito (Messiant,

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2008) e posteriormente de paz efectiva e de realização de eleições, agravou as

fragilidades estruturais internas e o baixo nível de institucionalização atribuída aos

partidos políticos africanos. Mas ao mesmo tempo, possibilitou alguns partidos políticos

(MPLA, UNITA e em certo sentido o PRS) atingir um nível de desenvolvimento, quer

do ponto de vista da sua estruturação, quer do ponto de vista da sua institucionalização,

repercutindo-se na sua estabilidade eleitoral e legislativa. Neste sentido, o objectivo

geral da presente dissertação consiste em explicar o processo de desenvolvimento

partidário em Angola entre 1992 e 2008. Mais especificamente, os objectivos traduzem-

se, primeiro, em analisar o grau de estruturação partidária; segundo, explicar o processo

de institucionalização dos partidos; terceiro, em analisar as implicações da guerra no

desenvolvimento dos partidos políticos; quarto, em explicar o papel das eleições na

evolução do processo político-partidário.

A grande maioria dos estudos sobre o fenómeno partidário na África subsariana

tende a incidir sobre os sistemas partidários, desde o seu processo de institucionalização

(Kuenzi e Lambright, 2001; Mozaffar e Scarritt, 2005; Sanches, 2014) e o seu papel no

contexto da democratização (Kuenzi, 2005; Anja, 2013). Porém, apesar desses grandes

contributos teóricos e empíricos para compreender o fenómeno partidário, a presente

dissertação procura abordar a institucionalização dos partidos tomados individualmente

(Randall e Svasand, 2002; Basedau e Stroh, 2008), inserindo no debate as

particularidades de um sistema de partidos pouco institucionalizado, como tem sido

referido o caso angolano (Sanches, 2010), mas onde se regista grandes diferenças entre

os partidos em termos de institucionalização, sendo que alguns são fortemente

institucionalizados e outros não. Contudo, dado que os mesmos partidos foram sujeitos

a um mesmo contexto político tiveram desenvolvimentos diferentes, a presente

dissertação procura explicar as desigualdades do nível de desenvolvimento dos

principais partidos políticos angolanos, entre as eleições de 1992 e 2008. Assim, a

questão fundamental que constitui o ponto de partida do seu eixo problemático, pode ser

colocada nos seguintes termos: o que é que explica o desenvolvimento desigual dos

partidos entre os processos eleitorais de 1992 e 2008?

A explicação do desenvolvimento partidário e do sucesso eleitoral em África

tem sido conotado com factores como a etnicidade, personalismo, clientelismo,

patronagem (Marcus e Ratsimbaharison, 2005; Norris e Mates, 2003; Randall, 2006).

Mas as relações étnicas são usadas estrategicamente, tal como noutras realidades

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africanas (Mozzafar, 2006) para criar laços de lealdades e construir ou alargar as bases

partidárias e capturar ou influenciar o exercício do poder político. Assim, se é verdade

que esses factores, com inúmeras variações, estão presentes no contexto partidário

angolano (Sango, 2002; Caley, 2002; Kajibanga, 2004; Wheeler e Pélissier, 2009;

Kwononoka, 2012), não é menos verdade que estes factores são incapazes de explicar

isoladamente o desenvolvimento partidário em Angola. Neste sentido, a etnicidade foi

incapaz de levar a UNITA, conotado com o maior grupo etnolinguístico (ovimbundo) a

sair vitorioso das duas eleições ou pelo menos a de 1992, do mesmo modo que a FNLA,

conotado com o grupo etnolinguístico bacongo e o PRS lunda-chokwe respectivamente,

foram incapazes de obter maior sucesso eleitoral comparado ao MPLA, nas zonas

geográficas correspondentes aos referidos grupos. O mesmo aconteceria com o PLD nas

eleições de 1992 em zonas onde não havia qualquer coincidência com as lideranças. O

clientelismo e a patronagem, também viriam a ser factores salientes nas duas eleições,

na medida que seriam observáveis no MPLA, UNITA, FNLA, PRS e em menor escala

nos outros partidos. O personalismo também tem lugar na realidade partidária angolana,

pois a longa trajetória política ou intelectual dos líderes é usada como um factor de

mobilização político e eleitoral.

Por mais que esses factores estejam presentes na realidade angolana, a guerra e

as eleições constituem variáveis fundamentais para compreender o desenvolvimento

desigual dos partidos. A guerra minou a transição democrática e impediu a realização de

eleições, limitando consequentemente o exercício da actividade partidária e o seu

desenvolvimento. Mais do que isso, a guerra reforçou o poder dos partidos associados à

guerra civil (MPLA e UNITA) que partilhavam os recursos políticos disponíveis e o

controlo do processo político em curso. E o final da guerra civil serviu para reforçar a

hegemonia do MPLA (Governo da RA), que havia derrotado militarmente a UNITA (o

partido armado). As eleições foram fundamentais para abertura do regime e para

emergência do multipartidarismo, mas acabaram por reproduzir a supremacia dos

partidos envolvidos no conflito armado. Neste sentido, como acontece na maioria dos

países da África Subsariana, as eleições não geraram maior competição político-

eleitoral (Lindberg, 2009a; 2009b; Schedler, 2002; 2010) e acabaram por fragilizar

ainda mais os partidos não associados à guerra civil e aumentaram o predomínio dos

partidos políticos incumbentes. A partir do acesso e controlo dos recursos disponíveis,

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os partidos incumbentes e aqueles associados à guerra civil recorrem ao clientelismo e a

patronagem para reforçarem a ligação aos eleitores.

A guerra tem implicações no desenvolvimento dos partidos políticos (Zeeuw,

2009; Bjornlund, Cowan e Gallery, 2007) e nesta lógica, a institucionalização tem sido

maior nos partidos que participaram nos conflitos armados, golpes de Estados ou

agitações civis (Boogards, 2004; Erdmann e Basedau, 2007) quando não forçados a

abandonar o poder ou quando não participam activamente nas mudanças, enquanto os

novos partidos fadados a desaparecer, têm sido cooptados ou limitados da competição

pelo poder. Assim, o MPLA e a UNITA, os partidos com maiores níveis de estruturação

e institucionalização, beneficiaram do seu envolvimento no conflito armado e do seu

papel preponderante nas suas diferentes fases, aliado a sua trajetória político-histórica,

ou seja, o seu envolvimento na luta de libertação. Contrariamente, a FNLA apesar do

seu envolvimento na luta de libertação, o afastamento dos cenários políticos posteriores,

particularmente a guerra civil pôs-independente e os acordos de paz, afectou o seu nível

de desenvolvimento. Contudo, o PRS, mesmo não tendo sido beneficiado pelo

envolvimento no conflito armado, possui uma menor personalização comparado a

grande maioria dos partidos do seu tempo - PLD, PDP-ANA – e uma base de apoio

etno-regional (leste de Angola) que foi consolidada no contexto da guerra, pela perda de

influência da UNITA nas suas zonas de domínio, mas também pelo apoio que

beneficiou do MPLA, por força do suporte às eleições gerais de 1992.

Enquadramento metodológico: Casos, fontes e métodos de pesquisa

A presente dissertação incide em particular sobre o desenvolvimento partidário

em Angola, assumindo-se nesta perspectiva como um estudo de caso. Nesse sentido,

procura-se as ‘particularidades e complexidades’ (Gerring, 2007) do desenvolvimento

dos partidos políticos em Angola, numa perspectiva histórico-comparativo (Mahoney e

Villegas, 2007), na medida que a investigação incide sobre as dinâmicas

organizacionais e a institucionalização entre 1992 a 2008. O horizonte temporal se

justifica, por um lado, pelo facto de constituírem os marcos da realização de eleições em

Angola, legislativas em 2008 e gerais em 1992, por outro lado, porque foram realizadas

em contextos diferentes entre si e com resultados variados. As primeiras eleições gerais

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de 1992 foram inconclusivas e realizadas depois de um conflito prolongado e num clima

de tensão político-militar, ao passo que as eleições legislativas de 2008, apesar de serem

realizadas num contexto pós-conflito prolongado, foram conclusivas e ocorreram num

clima de paz. Mas neste período havia aproximadamente cento e cinquenta partidos

(150) legalizados em Angola, pelo que parece relevante definir os casos a observar e

analisar até 2008. Atendendo a esse quadro, a opção recaiu, por um lado, para os

partidos políticos que (re) emergiram com o multipartidarismo (MPLA, FNLA e

UNITA) e para aqueles que emergiram e participaram nas eleições de 1992, mas que

obtiveram assentos legislativos e que conseguiram ainda participar nas eleições

legislativas de 2008 (PRS, PLD, PDP-ANA).

Essa escolha justifica-se, quer por razões de ordem longitudinal, dado que o

MPLA, UNITA e FNLA são partidos políticos com raízes históricas nos movimentos de

libertação nacional e que sempre fizeram parte da história política angolana, aliás, os

dois últimos foram as partes envolvidas nos conflitos militares desde a independência

até 2002 e signatários dos Acordos de Bicesse (1992) que deram origem a transição

democrática. Para além desses factores longitudinais, esses partidos foram escolhidos

por factores de ordem político-eleitorais, uma vez que foram os três partidos mais

votados nas eleições de 1992 e fizeram parte dos cinco primeiros partidos nas eleições

legislativas de 2008. O segundo grupo de partidos escolhidos – PRS, PLD, PDP-ANA –

foi criado no auge da transição multipartidária em 1992 e é constituído por forças

partidárias novas, pelo menos do ponto de vista longitudinal, o que parece interessante

para analisar o impacto da guerra e das eleições em partidos políticos historicamente

diferentes, mas sujeitos a um mesmo ambiente político. Para além disso, esses partidos

políticos partilham factores de ordem político-eleitoral, na medida que em 1992, o PRS

e o PLD fizeram parte dos quatro partidos mais votados e em 2008, o PRS foi o terceiro

partido em termos de votos e lugares parlamentares. O PLD mesmo tendo sido

ultrapassado, foi a par do PDP-ANA e da coligação Nova Democracia, o sétimo partido

mais votado nas eleições de 2008. Portanto, a opção recaiu para os principais partidos

políticos angolanos até 2008, quer por força do peso político-histórico quer político-

eleitoral factores políticos-eleitorais, que permitem compreender as diversidades, mas

também a complexidade das dinâmicas organizacionais e a institucionalização ao longo

do período compreendido entre 1992 a 2008.

O acesso aos dados afigura-se bastante difícil, por um lado, os partidos políticos

são muito fechados e limitam o acesso à informação sobre as suas estruturas e sobre as

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actividades que desenvolvem, revelando por isso os seus membros de direcção,

indisponibilidade crescente para conceder entrevistas ou responder a inquéritos; mas por

outro lado, assiste-se a uma grande escassez de estudos sobre o fenómeno partidário em

Angola, a excepção de alguns estudo produzidos sobre a evolução do sistema político e

sobre os partidos e sistemas partidários (Sango, 2002; Amundsen e Weimer, 2008;

Sanches, 2010;). E finalmente, porque os próprios partidos não possuem uma base de

registo de algumas das suas actividades e dos seus filiados.

A luz dessas limitações, a opção metodológica é essencialmente qualitativa,

privilegiando-se também a dimensão comparativa dos casos escolhidos, sendo que as

principais fontes do trabalho se baseiam em dados documentais e bibliográficos, com

destaque para as fontes escritas e não-escritas. As fontes escritas incluem os

documentos oficiais, desde a legislação produzida sobre o fenómeno partidário até

documentos oficiais internos dos próprios partidos produzidos neste período, com

realce para os estatutos, regulamentos, comunicados de imprensa, etc. Alguns partidos

têm informação disponível nos sites, como é o caso do MPLA e da UNITA e que se

revelam importantes para o período anterior a 2002. Para além disso, as fontes escritas

também incluem documentos não oficiais, produzidos pela imprensa, revistas e outras

publicações. Mas a grande maioria desses documentos não oficiais foram obtidos

através de jornais, dos quais se destaca, por um lado, o único diário nacional – Jornal

de Angola – sobretudo para as datas anteriores à 2002 e por outro lado, os jornais

privados semanais – Agora, Angolense, Cruzeiro do Sul, Semanário Angolense –

datados entre 2002 a 2008. Para além disso, alguns portais informativos oficiais, como

ANGOP, LUSA e outros foram fundamentais para a obtenção de dados relativos ao

período anterior a 2002. Uma outra fonte imprescindível para a realização dos trabalhos

é a estatística, sobretudo a eleitoral, quer seja corrente e proveniente da Comissão

Nacional Eleitoral (CNE), quer seja tratada por outras institucionais ou autores.

Finalmente, ainda que se regista uma grande escassez de trabalhos sobre a realidade

angolana, procurou-se explorar o máximo a literatura crítica sobre o fenómeno em

Angola. Aqui destaca-se também os relatórios produzidos por órgãos não estatais,

desde relatórios ou outros documentos produzidos pelas organizações da sociedade

civil, sobretudo sobre os processos eleitorais.

As fontes não escritas incluem os registos de áudio e vídeo obtidos através das

principais rádios existentes, com destaque para a Rádio Nacional de Angola, Rádio

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Eclésia, LAC e Rádio Despertar e a única estação televisiva, a Televisão Pública de

Angola. Aqui a enfase recai sobre os tempos de antena, entrevistas e outros

pronunciamentos públicos das principais figuras afectos aos partidos políticos. Os

dados recolhidos serão objectos de uma análise crítica, recorrendo a uma triangulação

da informação obtida (Ketele e Roegiers, 1999; Saint-Georges, 2011), sobretudo por

causa do volume de informação acedido por via dos jornais, rádio e televisão.

Privilegiou-se assim uma estratégia comparativa, sobretudo na análise dos documentos,

para perceber as similitudes e diferenças, por exemplo no caso dos estatutos, a

disposição dos órgãos ao longo do território, suas competências, etc. Mais do que isso,

procedeu-se ao tratamento dos dados por via da análise estatística dos dados e análise

de conteúdo, procurando-se descobrir o significado mais próximo da realidade dos

conteúdos observados, recorrendo-se igualmente a uma análise do discurso, para

contextualizar os actores e os períodos em que os mesmos têm lugar, procurando-se um

sentido mais próximo da realidade que os discursos pretendem retratar.

A presente dissertação está dividida, para além da introdução, em quatro

capítulos distintos e interligados, dos quais o primeiro capítulo procura fazer um

enquadramento teórico-conceptual, delimitando o conceito desenvolvimento partidário,

a partir da estruturação e da institucionalização partidária, bem como o contexto político

em que esse processo tem lugar, abordando-se nesse caso concrecto, a guerra, as

eleições, a engenharia e a regulação partidária; o segundo capítulo procura abordar a

evolução político-partidária em Angola, enfatizando a guerra e as suas diferentes fases

no processo político-histórico, bem como a transição para a democracia e os processos

de formação partidária; o terceiro capítulo aborda os processos eleitorais de 1992 e

2008, enfatizando a campanha, a participação e os resultados eleitorais, para além dos

impasses que se registaram ao longo dos dois processos. Finalmente, o quarto e último

capítulo aborda a parte central da dissertação, as dinâmicas partidárias e a

institucionalização dos partidos políticos, enfatizando por um lado, a estruturação

partidária, a coesão e estabilidade interna, a relativa autonomia da liderança e por outro

lado, o enraizamento dos partidos na sociedade, a sistematização, autonomia e a

coerência dos partidos políticos. A conclusão procura resumir o papel da guerra e das

eleições no processo de desenvolvimento partidário, particularmente das desigualdades

patentes na institucionalização dos principais partidos políticos abordados.

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Capítulo - I: Enquadramento teórico-conceptual

A discussão e análise das diferentes perspectivas teóricas sobre os partidos

políticos, parece relevante para a delimitação do conceito de desenvolvimento

partidário. Porém, isso implica que se proceda à uma discussão sobre a dimensão

organizacional e institucionalização partidária, bem como os contextos ‘ambientes

externos’ em que esse processo pode ocorrer, sobretudo em regimes de transição para a

democracia, marcados por situações conflito armado. E antes de mesmo de se discorrer

sobre essas duas grandes questões teóricas, parece ser fundamental relevar as

características essenciais dos partidos.

1.1.Caracterização dos partidos políticos

O conceito de partido político, apesar da multiplicidade de acepções existentes1,

pode se reduzir aqui, por um lado, a uma concepção mínima, em que o partido político é

“qualquer grupo político que se apresenta em eleições e seja capaz de colocar através de

eleições, candidatos a cargos públicos” (Sartori, 1982:85-86). Um conceito centrado no

aspecto político-eleitoral, que tende a excluir organizações que actuam à margem do

sistema político e eleitoral (Janda, 1993) e que parece limitado ao contexto

ocidentalizado pós-2ªguerra mundial (Malamud, 2003). Por outro lado, a uma

concepção ampla em que o partido é uma “organização visando mobilizar indivíduos

numa acção colectiva conduzida contra outros, paralelamente mobilizados, a fim de

alcançar, sozinhos ou em coligação o exercício das funções de governo” (Seiler,

2000:25); uma “instituição que procura influência no Estado, frequentemente pela

tentativa de ocupação de posições no governo e que agrega e representa interesses

sociais diferentes” (Ware, 1996:5). Um conceito que apesar das suas limitações, não se

limita à critérios demo-liberais (cf. Mair, 1995).

A partir dessa discussão conceptual, os partidos políticos podem ser

caracterizados, como uma organização durável e identificável, com uma implantação

generalizada ou aceitável2 e que perdura para além dos seus líderes temporais; capaz de

apelar a uma base de apoio consistente, agregando e articulando diversos grupos sociais;

1 Para uma discussão mais profunda sobre essa questão ver Scarrow (2006); Ware (1996) e White (2006). 2 Um mínimo de organização, isto é, uma estrutura que permite a participação dos seus inscritos

(Pasquino, 2010).

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cujo objectivo é colocar os seus representantes em posições governamentais ou

parlamentais; por via da competição eleitoral3 (Schwartzenberg, 1979; Janda, 1993;

Seiler, 2000, Pasquino, 2010). Essa caracterização permite relevar as diferenças entre os

partidos e outras organizações afins4, por mais que se reconheça as dificuldades de

abarcar na totalidade, a complexidade das fronteiras entre os partidos e outras

instituições (Ware, 1996:2-5). Mas tende a incluir o partido único ou partido-Estado5,

próprio dos regimes não democráticos, que possui uma natureza diferente, pois, a sua

íntima ligação ao Estado não permite uma clara diferenciação entre ambos, para além de

funcionar numa lógica não competitiva e estar voltado para as funções de mobilização e

de comunicação (Schwartzenberg 1979; Lewis, 2006). Neste sentido, a ideia de partido

aqui, deve ser visto numa perspectiva competitiva, orientado sobretudo para os regimes

democráticos ou em transição para a democracia.

Os conceitos apresentados, não obstante a sua utilidade, ignoram as dinâmicas

partidárias internas, porque concebem os partidos como actores unitários, quando eles

constituem estruturas complexas, compostos por diferentes actores, normas, estruturas e

processos de decisão (Lisi, 2009:35). Assim, assume-se aqui a perspectiva que distingue

as três faces ou componentes do partido, o partido no território, como organização e o

no Parlamento e no Governo (Katz e Mair, 1995; Lisi, 2011). O partido no território

(party on ground) é a face do partido como “organização de membros e potencialmente

os eleitores leais ao partido” (Mair, 1994:4), aquela componente que inclui os militantes

e as estruturas de base, o enquadramento dos filiados e o tipo de participação interna

(Lisi, 2011:13); o partido como organização (party in central office) constitui a face que

“organiza e representa geralmente o partido no território” (Mair, id., ibid.), aquela que

se relaciona com a estrutura do partido a nível central, os órgãos nacionais, os seus

dirigentes e funcionários (Lisi, id., ibid.); finalmente, o partido no parlamento e no

governo corresponde a face encarnada pelos membros do partido, titulares de cargos

públicos nas referidas instituições (Katz e Mair, 1995:5; Cotta, 2008:21- 33).

3 Contudo, poderá também ocorrer por via da restrição ou da subversão. Sobre essa matéria vide Janda

(1993). 4 Os partidos diferem dos movimentos de libertação, grupos de pressão/interesses e movimentos sociais,

quer na sua componente organizacional, mobilizacional, quer a nível dos meios e dos objectivos que

possuem. Para uma discussão mais detalhada sobre essa questão, ver Boniface (1996); Della Porta,

(2003); Schwartzenberg, (1979); Seiler, (2000). 5 Na presente dissertação, os termos partido único e partido-Estado serão usados indistintamente.

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1.2. O desenvolvimento partidário: organização e institucionalização

O desenvolvimento partidário está associado a dimensão organizativa e a

institucionalização dos partidos (Duverger, 2002; Panebianco, 2005; Zeeuw, 2009) e

consequentemente, a dimensão eleitoral, na medida que possui uma estabilidade

eleitoral e legislativa. Porém, esse desenvolvimento parece ser moldado condicionado

pelo ambiente externo em que os partidos emergem e evoluem, havendo por isso, uma

uma relação de interdependência com as dimensões organizativas e institucionalização,

aliás, conforme enunciado anteriormente, os partidos constituem estruturas que

apresentam diferentes faces “internamente articuladas em que ocorrem dinâmicas

complexas” (Cotta, 2008:19).

1.2.1. Organização partidária

A organização partidária é complexa (Duverger, 2002; Panebianco, 2005; Mair,

1994) e está associada a existência de uma estrutura que compreende um conjunto de

órgãos e recursos, ou mais explicitamente “órgãos, leis, regulamentos, recursos

financeiros, dirigentes, membros, apoiantes e activistas, ligações as outras instituições”

(Zeeuw, 2009:40), bem como uma coordenação entre as diferentes unidades

constitutivas do partido (Harmel e Janda, 1994). A estrutura partidária parece

influenciada pelo processo de formação do partido, que tanto pode ocorrer através da

penetração territorial, quando existe um centro que “controla, estimula e dirige o

desenvolvimento da periferia, a formação das associações locais e intermediárias do

partido”, quanto da difusão territorial, quando “as elites locais, constroem as

associações partidárias e depois são integradas numa organização nacional” ou ainda,

por uma combinação dos dois processos (Panebianco, 2005:94-95)6. A presença de uma

entidade externa que promove a formação do partido e que tem implicações na estrutura

e na lealdade dos membros. Se a comunidade partidária é formada por membros de

outras organizações, com as quais o partido mantém relações, a estrutura e a lealdade

dos membros é indirecta, ao passo que se for formada pelos próprios membros, a sua

6 O autor argumenta que o processo de formação do partido é muitas vezes um ‘unicum histórico’ e

rejeita qualquer aproximação com a tipologia de Duverger, justificando que os processos de penetração e

difusão podem caracterizar tanto um partido de criação interna, quanto um partido de criação externa.

Porém, não deixa de haver similitudes, entre o processo de criação interna e a penetração territorial e a

criação externa e a difusão territorial (cf. Ware, 1996 e Lopes, 2002).

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estrutura e a lealdade dos membros é directa (Duverger, 2002:35-36). A ausência de

uma entidade externa na formação do partido confere legitimidade própria ao partido,

quer na formação da identidade organizacional, quer na “capacidade de distribuir

benefícios pelos membros e até na própria autoridade interna dos dirigentes” (Lopes,

2002:2). A presença de um líder carismático também tem implicações na estrutura e na

lealdade dos membros, pois que o seu envolvimento activo no processo de criação tende

a criar laços de lealdades ao líder e não a organização, sendo “o partido essencialmente,

uma criatura e um veículo de afirmação do líder, o idealizador e o intérprete

incontroverso de símbolos políticos que se tornam inseparáveis da sua pessoa”

(Panebianco, 2005:97-98)7. A personalização torna-se aqui um traço distintivo, na

medida que líder e partido tendem a coincidir, particularmente porque “a existência do

partido é inconcebível sem referência ao líder” (Lopes, id., p.22). Portanto, o processo

de construção do partido é fundamental para compreender os laços de lealdade e a

legitimição interna.

Todavia, essa análise da estrutura dos partidos, não explica as dinâmicas

organizacionais, a sua ‘articulação geral’ (Duverger, 1985; 2002), a sua estrutura interna

de poder (Panebianco, 2005). A articulação geral está associada a relação entre as

comunidades de base do partido, os seus laços de dependência e as suas instituições

dirigentes. Aqui distingue-se, por um lado, uma articulação fraca e relações horizontais,

quando há um baixo nível de centralização e de disciplina, a ausência de normas rígidas

sobre a estrutura dos órgãos e de compartimentos rigorosos nas relações entre os

diferentes organismos do partido, bem como poucas limitações à ascensão de novos

membros; e por outro lado, uma articulação forte e relações verticais, quando se regista

um alto nível de centralização e disciplina, uma regulamentação estatutária rigorosa que

coordena actividade dos órgãos partidários com a base, para além de grandes limitações

à ascensão de novos membros (Duverger, 1985:81; 2002:72-73;82). A articulação geral,

quer pela relação entre as comunidades de base do partido, quer pelo sentido em que se

desenvolvem as relações entre os diferentes organismos do partido, revela-se

fundamental para compreender a relevância que a coordenação assume na análise das

dinâmicas organizacionais dos partidos. Nesse caso, evidencia a importância de um

certo equilíbrio entre a necessidade de assegurar um mínimo de integração, para manter

7 O autor chama atenção para não se confundir carisma, em que a existência do partido é inconcebível

sem referência ao líder e prestígio, em que o líder embora desfrute de um grande poder, a organização

pode ser concebível sem referência a ele (Lopes, 2002:21).

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unida a organização e de diferenciação, dada a especialização crescente para a

realização de funções e actividades cada vez mais específicas (Lisi, 2011:12), ou seja,

garantir uma certa coesão e estabilidade organizativa e assegurar o funcionamento da

organização num ambiente marcado por tensões entre as componentes e uma

diversidade de arenas de actuação.

Contudo, é preciso analisar também a estrutura interna de poder, ou seja, “como

o poder é distribuído dentro da organização, como se reproduz, como se modificam as

reações de poder e com quais consequências organizativas” (Panebianco, 2005:41). O

poder é encarado aqui como “uma relação de troca desigual” que se manifesta numa

“negociação desequilibrada”, em que “um agente ganha mais do que o outro” (id., p.45).

Apesar do carácter desequilibrado da negociação, o poder nunca é absoluto e “os seus

limites estão implícitos na própria natureza da interacção”, o seu exercício efectivo

depende da capacidade de satisfazer exigências e expectativas das partes na relação.

Essa negociação desigual ocorre entre líderes e seguidores8, dos quais os primeiros

oferecem “benefícios ou promessas de benefícios futuros” e os segundos a “participação

necessária ao funcionamento da organização” (id., p.46-47). Os benefícios oferecidos

pelos líderes, podem ser colectivos “incentivos de identidade, relacionados aos

objectivos organizativos” e/ou selectivos, “incentivos materiais, compensações

monetárias, patrocínios e serviços de assistência” (id., p.48-49).

Entretanto, torna-se fundamental analisar o que torna a troca suficientemente

desigual ao ponto dos líderes garantirem a sua supremacia na relação. Aqui coloca-se a

questão do grau de possibilidade ou não da substituição dos incentivos organizativos, o

que supõe que, a troca se reverte ao favor dos líderes, quando menor é a possibilidade

de substituição dos incentivos e, quanto maior a possibilidade de substituição, mais a

troca se reverte ao favor de um maior nível de exigências dos militantes. E mais do que

isso, coloca-se a questão dos recursos do poder organizativo, isto é, as zonas de

incerteza que corresponde aos factores e/ou prestações vitais de que depende a

sobrevivência e o funcionamento da organização. As zonas de incerteza incidem sobre

seis factores principais: primeiro, a competência, que enfatiza “o saber especializado, a

experiência no manejo das relações político-organizativas internas e externas ao

partido”, que confere o reconhecimento de qualidades no agente que o tornam

8 A negociação não ocorre só através dos jogos de poder verticais (líderes e seguidores), mas também

entre elites dirigentes (jogos de poder horizontais). Porém, Panebianco (2005) conclui que os jogos de

poder verticais são a precondição, ao menos lógica, dos jogos de poder horizontais e que os êxitos das

negociações entre os líderes dependem dos êxitos das negociações entre líderes e seguidores.

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indispensável para a organização; segundo, as relações com o ambiente, que enfatiza a

capacidade de determinados agentes da organização, de facilitar contactos com outras

organizações e influenciar o ambiente; terceiro, a comunicação, que enfatiza o controlo

sobre os canais de comunicação; quarto, as regras formais, que incide sobre a definição

e manipulação das regras organizativas; quinto, os financiamentos, que enfatiza o

controlo sobre os canais por meio dos quais aflui o dinheiro; sexto e último factor, o

recrutamento, que incide sobre o controlo sobre o acesso e a exclusão nos cargos afectos

à organização, (Panebianco, 2005:64-70).

Porém, a teoria dos incentivos não constitui o único factor para compreender as

assimetrias da negociação entre líderes e seguidores, na medida que a própria

organização tende a cristalizar o sistema de desigualdades internas (cf. Michels, 2001).

Ainda assim, o tipo de recursos disponíveis para um determinado partido tanto restringe

como fornece para o partido, a forma de organização que toma (Ware, 1996:106) e neste

caso, as relações de poder internamente. Neste caso, a teoria dos incentivos é útil para

compreender quem controla os recursos disponíveis nos partidos, sobretudo porque,

como assegura Panebianco “os recursos de poder são cumulativos, quem controla uma

certa zona de incerteza tem grandes probabilidades de adquirir controlo também sobre

outras” (Panebianco, 2005:70).

A liderança não é só uma consequência da organização, é também uma

necessidade circunscrita à própria representação do ideal da organização e embora tende

a variar conforme os partidos9, os líderes constituem na perspectiva de Lisi “um

instrumento necessário para conciliar duas exigências distintas, alcançar maior eficácia

externa e, ao mesmo tempo, criar um sentido de pertença para os que fazem parte da

organização (2009:37). Mas um líder não é capaz de dispor de forma absoluta, o poder

sobre a organização, já que “ele está no centro de uma coligação de forças internas”

(Panebianco, id., p. 73). A estrutura de liderança dos partidos pode ser aferida a partir da

identificação dos actores do vértice do poder, que segundo Lisi, compreende no centro

os líderes, que corresponde na maior dos casos, a “cargos pessoais e monocráticos,

desde secretários-gerais ou presidentes”; em seguida, o núcleo duro ‘inner core’, que

9 O processo de formação também pode ter implicações no grau de coesão e na autonomia da elite

dirigente, dado que na penetração territorial, o centro coeso que impulsiona a criação do partido constitui

“o primeiro núcleo da sua futura coalizão dominante”, ao passo que na difusão territorial, a existência de

vários “líderes locais autónomos que aspiram à liderança da organização” tende a tornar “o processo

tormentoso e complexo” (Panebianco, 2005:96).

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corresponde ao grupo constituído pelos “colaboradores mais próximos dos líderes, o

executivo dos partidos, secretariado ou comité directivo ou até mesmo por

representantes de instituições representativas”; finalmente, a coligação dominante que

corresponde ao grupo constituído pelos “órgãos representativos permanentes,

concelhos, comissões nacionais ou comités centrais, que por regra, dispõem do “poder

de elaborar as normas internas e as orientações programáticas” (id., p.38-39). A relação

entre a estruturação organizativa e autonomia da liderança pode configurar 4 cenários

possíveis: primeiro, uma liderança fragmentada, autonomia mínima dos líderes e uma

estruturação fraca dos partidos; segundo, uma liderança consensual, uma autonomia

limitada e uma estruturação forte dos partidos; terceiro, uma liderança burocrática, uma

alta autonomia e uma forte estruturação organizativa; quarto e último, uma liderança

personalizada, uma autonomia alta dos líderes e uma fraca estruturação dos partidos

(id., p.58-61). Porém, fora do vértice dos partidos pode existir órgãos que influenciam,

ainda que, de maneira menos determinante, o processo de construção da decisão ou a

sua implementação, como os órgãos intermédios dos partidos, os dirigentes regionais ou

locais, que muitas vezes, integram mesmo a coligação dominante10.

1.2.2 Institucionalização partidária

A institucionalização constitui também, para além da organização ou

estruturação partidária, uma dimensão fundamental para compreender o

desenvolvimento partidário e pode ser definida a partir de Huntington (1968), como

“um processo pelo qual os partidos adquirem valor e estabilidade” (Janda, 1993:167;

Randall e Svasand, 2002:10). Trata-se de um “processo através do qual, uma prática ou

uma organização se torna bem estabelecida e largamente conhecida, se não

universalmente aceite” (Mainwaring e Torcal, 2005:210). Nestes termos, Panebianco

definiu-a como o processo de consolidação organizacional, mediante o qual o partido

passa de uma fase de fluidez estrutural inicial a uma fase de estabilidade” (2005:35). A

institucionalização pode ser vista tanto numa perspectiva dos sistemas partidários

quanto dos partidos políticos tomados isoladamente (Randall e Svasand, 2002; Basedau

e Stroh, 2008). A maioria dos estudos tende a situar-se na primeira perspectiva e a

10 Lisi (2009) refere-se que os estatutos podem atribuir por inerência, cargos nos órgãos superiores a

alguns dirigentes intermediários.

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incidir à análise nas dimensões relevantes da institucionalização dos sistemas

partidários, cujo destaque recaí para a estabilidade da competição eleitoral, o

enraizamento dos partidos na sociedade, a legitimidade das eleições e a organização

partidária (Mainwaring, 1999; Mainwaring e Torcal, 2005). Essas dimensões têm sido

utilizadas também no mundo em desenvolvimento, particularmente na África subsariana

(Kuenzi e Lambright, 2001; Kuenzi, 2005; Sanches, 2010; Anja, 2013;). Mais

recentemente Sanches (2014) utilizou essas dimensões, com algumas modificações e

construiu um conjunto de indicadores para estudar a institucionalização dos sistemas

partidários em 19 países africanos11.

Apesar da utilidade dos indicadores propostos, a perspectiva adoptada aqui

encara a institucionalização dos partidos tomados isoladamente, independentemente das

relações que os partidos mantêm entre si. Essa opção é justificada em primeiro lugar,

pela importância que a institucionalização possui no desenvolvimento dos partidos

políticos, o que constitui o objecto da presente investigação; em segundo lugar, porque

os indicadores do sistema partidário não se aplicam na totalidade aos partidos

isoladamente, sobretudo em contextos onde a transição foi bloqueada e as eleições

suspensas, como no caso angolano (Sanches, 2014:60). Nesse caso, seguindo de perto

Janda (1993), Panebianco (2005) e Randall e Svasand (2002), a institucionalização é

vista na perspectiva da estabilidade e da autonomia dos partidos políticos, ou nos termos

de Basedau e Stroh, “o processo pelo qual os partidos políticos que participam em

eleições individualmente, experimentam um incremento na estabilidade e no valor da

organização” (2008:8). Nesta lógica, os partidos devem se institucionalizar em certa

medida a fim de sobreviver (Ware, 1996:98), mas não se institucionalizam todos do

mesmo modo e com a mesma intensidade, podendo assistir-se inclusive processos de

desinstitucionalização (Lopes, 2002). Há várias dimensões e indicadores para medir o

grau de institucionalização dos partidos políticos isoladamente, ainda que tende haver

algumas similitudes com as medidas para aferir os sistemas partidários.

11 Desse conjunto de indicadores que procuram captar as particularidades dos contextos africanos,

destacam-se a volatilidade eleitoral, volatilidade legislativa, percentagem de votos obtidos por novos

partidos, alternância no governo, quota de lugares pelo partido mais votado (padrões de competição);

votos dos partidos formados em 1960, 1970, 1980, quota de lugares dos partidos indenpendentes

(enraizamento social); força eleitoral das fusões partidárias, força eleitoral dos partidos divididos, força

legislativa das fusões partidárias e força legislativa dos partidos divididos na dimensão organizativa

(Sanches, 2014:75-79).

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16

Panebianco entende que a institucionalização pode ser condicionada pelo

processo de construção do partido12 e pelas condições ambientais e, apresenta duas

dimensões interligadas para medi-la, o grau de autonomia ou dependência da

organização face ao contexto e a sistematização ou coerência/incoerência estrutural

interna, assente na interdependência entre as diversas partes da organização (2005:103).

Neste caso, um partido institucionalizado é um partido com uma relativa autonomia e

uma coerência estrutural interna (Lopes, 2002:25). Por seu turno, Janda adverte que a

institucionalização não é apenas um processo, mas também uma propriedade ou estado

em que “um partido é reificado na mente do público como uma organização que existe

para além dos seus líderes momentâneos, enquanto se engaja regularmente em padrões

de valores comportamentais” e pode ser medido pela idade, estabilidade eleitoral,

legislativa e a mudança de liderança (1993:167). A partir das abordagens referenciadas,

Randall e Svasand introduzem quatro dimensões para medir a institucionalização. A

primeira dimensão é a sistematização e se refere ao “crescente escopo, densidade e

regularidade das interações que constituem o partido como uma estrutura”; a segunda é

a autonomia na decisão que remete para “liberdade de interferências na determinação de

suas próprias políticas e estratégias”; a terceira é a infusão de valores e tem a ver com a

medida em que “actores do partido e simpatizantes, adquirem uma identificação e

compromisso com o partido, transcendendo os mais instrumentais ou auto-interesses

incentivos à participação”; por fim, a reificação que é “a extensão a que a existência do

partido é estabelecida na imaginação do público” (2002:13). A operacionalização dessas

dimensões será feita com recurso à Bogaards e Stroth (2008) e Sanches (2010), a partir

de um conjunto de indicadores que permite determinar o grau de institucionalização dos

partidos políticos que serão objecto de análise. Neste caso, substituir-se-á a designação

12 O processo de penetração territorial tende a desenvolver instituições fortes, ao contrário da difusão

territorial que se vê afectada pela competição para o controlo dos recursos partidários entre as elites

fundadoras. Os partidos não patrocinados ou legitimados internamente estão isentos de constrangimentos

impostos externamente e caminham em direcção à uma institucionalização forte. A presença de uma

liderança carismática constitui uma resistência à institucionalização do partido. Finalmente, um partido

que nasce e se desenvolve na oposição, apenas possui recursos próprios para fortalecer a própria

organização e tende a ter uma institucionalização forte, comparado a um partido que nasce e evolui no

governo (Panebianco, 2005; Ware, 1996). Essa perspectiva tende a ser limitada pelo número de casos

estudados pelo autor (Alemanha, França, Itália e Reino Unido). E ainda assim, partidos carismáticos

podem apresentar um alto grau de institucionalização como nos casos da FN (França) e do FPÖ (Aústria)

desde que revelam capacidades de ultrapassar ou equilibrar a identificação das bases partidárias com o

líder, mediante o desenvolvimento de uma organização que adopta uma routinização de procedimentos,

constrói e mantém um consenso interno e possui uma estabilização eleitoral (cf. Levitsky, 1998; Pedahzur

e Brichta, 2002).

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reificação por enraizamento na sociedade, mantendo-se as expressões sistematização,

autonomia e coerência, conforme proposto por Randall e Svasand (2002).

Quadro nº 1.1. Institucionalização dos partidos políticos

Dimensão de Análise Indicadores

Enraizamento do partido na sociedade

- Idade partidária;

- Mudanças no apoio eleitoral nas últimas eleições;

- Implantação territorial

Sistematização

- Força dos membros;

- Realização regular de congressos;

- Recursos materiais e/ou financeiros e humanos

Autonomia

- Número de alternâncias às lideranças partidárias;

- Mudanças no apoio eleitoral depois da alternância;

Coerência - Coerência do grupo parlamentar;

- Relações moderadas entre os grupos intra-partidários

Fonte: Elaborado a partir de Janda (1993), Panebianco (2005); Basedau e Stroh (2008).

O enraizamento do partido na sociedade pode ser medido a partir da idade

partidária, que inclui na presente investigação partidos que se transformaram com o

processo de transição multipartidário (MPLA, UNITA e FNLA) e partidos que se

tenham formado com esse processo político (PRS, PLD e PDP-ANA). E essa idade

pode ser medida, adaptando o cálculo de Sanches (2010:125), a partir da soma das

idades do partido entre a primeira eleição e a segunda, dividindo por dois13. As

mudanças de apoio eleitoral nas últimas eleições é o segundo indicador para medir o

enraizamento social e será calculado a partir da diferença entre os votos obtidos por

cada partido de uma eleição para outra (cf. Basedau e Stroh, 2008). Finalmente, a

implantação territorial, que será aferido pela média da percentagem de votos das últimas

duas eleições do partido em cada um dos 18 círculos eleitorais provinciais14; A

13 Porém, a autora adapta o cálculo de Mainwaring (1999) e soma a idade dos partidos com + 10% de

votos até as eleições em causa e divide por dois. Nesse caso, somanos a idade do partido em 1992 mais a

idade do partido em 2008 e dividiu-se por dois (idade do partido até 1992 + idade do partido em 2008/2).

E a idade será considerada baixa se for igual ou inferior a 8; média se for igual ou inferior a 15; alta se for

maior do que 15. 14 A implantação é considerada muito elevada, se o partido possui uma média de votos superior a 40% em

1/3 dos 18 círculos eleitorais; elevada se possui uma média de 21 a 40% votos; média se possui uma

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sistematização será aferida qualitativamente a partir do grau de estruturação partidária

(rígida ou flexível) e quantitativamente a partir do número de congressos realizados

desde a implantação do multipartidarismo e os gastos dos partidos nas campanhas

eleitorais, para além dos subsídios estatais. A autonomia será avaliada a partir do

número de alternâncias à liderança e a percentagem de votos ganhos ou perdidos depois

das alternâncias. E a última dimensão, a coerência implica um grau de congruência nas

atitudes e nos comportamentos dos membros do partido e engloba um alto nível de

coesão e um baixo nível de faccionalismo (Janda, 1993:74) e sugere que o partido age

como uma organização unificada (Basedau e Stroh, 2008:12). A coerência pode ser

avaliada pelo número de incidentes ou crises que se verificaram no partido e pelos actos

de indisciplinas a que foram sujeitos os Deputados, durante ou depois da legislatura15.

O desenvolvimento partidário está associado a um alto nível de estruturação

partidária, isto é, uma burocracia desenvolvida, com recursos capazes de fazer funcionar

a máquina partidária, um sistema equilibrado de distribuição de incentivos e um nível

de institucionalização médio ou alto que lhe permite, não só o mínimo de sobrevivência,

mas também a capacidade de aumentar na relação com os outros partidos, os seus

recursos de poder. Isso pressupõe também, uma coesão e estabilidade organizativa, para

além de uma relativa autonomia na liderança e de uma coordenação das diferentes

arenas de intervenção16. A burocracia do partido corresponde a “componente

administrativa da organização, o conjunto de funcionários destinados a funções de

manutenção da organização sobre o total de membros da própria organização”

(Panebianco, 2005: 440) e pode ser avaliada pelos recursos financeiros alocados pelo

Estado17, já que permite obter o maior número de funcionários para as actividades

diárias do partido; a coesão está relacionada a presença de tendências e não de facções

na organização, ao passo que a estabilidade organizativa se refere a conservação das

linhas de autoridade interna (Janda, 1993:74).

média de 11 a 20; baixa se possui uma média de 6 a 10% dos votos; muita baixa se possui uma média de

0 a 5% dos votos. 15 A questão é saber se houve expulsão, se houve suspensão ou outra medida disciplinar. 16 A coordenação pode ser interna, quando incide sobre a gestão da acção dos representantes no Executivo

e no Parlamento; externa quando incide sobre acção de activistas e de inscritos, bem como em rede

quando incide sobre a gestão das múltiplas faces (Lisi, 2011). 17 Uma vez que os próprios partidos não disponibilizam os dados referentes ao número de funcionários do

partido. Aliás, mesmo em relação aos recursos financeiros, os dados disponíveis são resultados de

informações prestadas publicamente, por intermédio dos media.

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Quadro nº 1.2: Desenvolvimento partidário: Dimensões e indicadores

Desenvolvimento partidário

Dimensão organizativa Dimensão da Institucionalização

Burocracia desenvolvida

Coesão e estabilidade organizativa

Relativa autonomia da liderança

Coordenação das arenas de actuação

Enraizamento do partido na sociedade

Organização

Autonomia

Coerência

A dimensão eleitoral está implícita no desenvolvimento partidário, porque ela

está associada à força do partido, quer na sua arena parlamentar, quer na arena extra-

parlamentar (Blondel, 1990), repercutindo-se nos níveis de organização e implantação

do partido, sobretudo por causa dos recursos que estão disponíveis através dessa arena.

Se é verdade que a dimensão organizativa e da institucionalização tendem a se

repercurtir na dimensão eleitoral, na medida que um partido com um alto nível de

organização e institucionalização, tende a obter bons resultados eleitorais, não é menos

verdade que a capacidade de obter continuamente bons resultados eleitorais, permitem

obter recursos para a máquina funcionar e atingir os seus objectivos formais e reais.

1.3. O ambiente externo dos partidos políticos: A natureza do regime e o

contexto político

O desenvolvimento partidário é sobretudo moldado pelas relações que os

partidos mantêm com o seu ambiente externo (Panebianco, 2005; Randall e Svasand,

2002), já que as pressões e as mudanças ambientais têm repercussões na organização e

até mesmo na institucionalização dos partidos. Esse ambiente externo dos partidos pode

referir-se ao contexto político e sócio-económico concreto em que os partidos estão

inseridos18, desde o regime político até o modelo económico, ou mais particularmente

aos factores de ordem institucional ‘coerções institucionais’ e as arenas de actuação dos

partidos (Panebianco, 2005). O ambiente dos partidos políticos é caracterizado por um

‘grau de incerteza’, que varia em função da sua complexidade, estabilidade e

18 Num sentido mais amplo, pode referir-se também às dinâmicas regionais e globais que afectam

indirectamente os partidos políticos.

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hostilidade19 (Panebianco, 2005) e que varia também conforme as capacidades de

adaptação e de envolvência de cada partido político, dado que um mesmo ambiente

pode se revelar, ao mesmo tempo, mais complexo e mais instável para um partido e

menos para outro.

O regime político é um ambiente institucional que afecta directamente os

partidos políticos, já que influencia o aumento ou a diminuição da incerteza ambiental,

quer a organização, quer a institucionalização dependem também da capacidade do

próprio partido adaptar-se e responder (Harmel e Janda, 1994)20, ao tipo de regime e aos

incentivos que ele produz na arena eleitoral e parlamentar. Porém, o grau de incerteza

ambiental é particularmente maior em regimes de transição democrática, ainda que,

possa haver variações num mesmo regime político, em função de um conjunto de

factores institucionais. A transição democrática reporta-se a uma passagem de um

regime autoritário e/ou totalitário para um regime democrático, ou conforme os seus

principais cultores, “o intervalo entre um regime político e outro, que ocorre através do

lançamento do processo de dissolução de um regime autoritário e da instalação de

alguma forma de democracia, o retorno para algum tipo de regime autoritário, ou o

surgimento de uma alternativa revolucionária” (O’Donnell e Schmitter, 1986:6). Esse

processo pode ser dirigido pelas “forças políticas do próprio regime, que iniciam e

controlam o processo”, pode ter lugar através das forças da oposição, ou ainda, através

da “revolta violenta ou guerra revolucionária” (Stepan, 1986:70-80; Linz, 1990:16;

Fishman, 1990:439-440). É preciso não negligenciar-se, a presença simultânea de outras

demandas e outros processos de profundas mudanças nas estruturas socio-económicas e

valores culturais (Schimitter, 1995:8-9), bem como o contexto internacional em que ela

ocorre (Monclaire, 2001).

A transição tende geralmente afectar o tipo de regime e de política que se

desenvolve posteriormente (Munck & Leff, 1997), tendo por isso repercussões nas

regras institucionais, nos padrões de competição e até mesmo no posicionamento dos

actores político-partidários. Nestes termos, revela-se um período fulcral para os partidos

políticos, quer aqueles que emergem a partir do zero e constituem partidos inteiramente

novos (Lisi, 2009; Jalali, 2007), quer aqueles que emergem a partir de grupos pré-

19 A complexidade ambiental refere-se a diversificação e a heterogeneidade; a estabilidade ambiental

reporta-se a ausência de grandes ‘oscilações e mudanças’, ao passo que a hostilidade do ambiente remete

para um meio muito ameaçador e adverso (Panebianco, 2005:399-402). 20 Harmel e Janda (1994) argumentam que os partidos são organizações que se adaptam às mudanças

ambientais para sobreviver.

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existentes ou aqueles que se adaptaram ao novo contexto político (Ishiyama e Quinn,

2006). E a estratégia dos partidos, tende a variar entre o reforço da própria organização,

a obtenção de maiores poderes no seio das instituições, a utilização da mobilização para

alcançar uma maior legitimação e para alterar as relações de força dos actores políticos

dentro do novo regime (Lisi, 2007:182). Contudo, sendo uma fase caracterizada

sobretudo pela incerteza (O´Donnell et. al., 1986; Linz e Stepan, 1999), por situações de

grande fluidez política (Monclaire, 2001), os desafios são particularmente enormes para

os partidos políticos, posto que, as transformações são muito rápidas e muito complexas

e envolvem simultaneamente, a formação de um novo sistema político, um sistema

económico e um novo regime constitucional e as vezes, a formação de um novo Estado

(Enyedi, 2006:228).

O desenvolvimento dos partidos políticos nos contextos de transição para a

democracia tem sido considerado relativamente baixo, com fraco nível de estruturação

interna21 e de implantação territorial, bem como de uma baixa articulação com a

sociedade e uma grande inclinação para o Estado (van Biezen, 1998; Jalali, 2007) 22.

Nas transições pôs-comunistas da Ásia Central e da Europa do Leste, variás restrições

aos partidos políticos, com enfâse para o autoritarismo, a guerra civil, etc., conduziram a

uma fluidez e imaturidade organizativa dos partidos políticos, dominados pelas suas

lideranças e pelo papel secundário dos membros (Enyedi, 2006:229-234); na América

Latina, parece marcante a ausência de estabilidade competitiva entre os partidos

políticos, que apresentam vínculos programáticos ou ideológicos fracos com os eleitores

(Mainwaring e Torcal, 2005); na África Subsariana, os partidos políticos apresentam

baixos níveis programáticos e de ideologia e fortes ligações étnicas, clientelares e

neopatriomoniais (Erdman e Basedau, 2007; Bogaards, 2004; Randall e Svasand, 2002;

Salih, 2003).

Entretanto, apesar de se registar um baixo nível de desenvolvimento dos

partidos, tem havido partidos políticos que apresentam alto nível de organização e

institucionalização, como ilustra a maioria dos partidos incumbentes e até mesmo

21 O fraco nível de estruturação partidária, significa que se regista uma fraca especialização, baixo nível

de diferenciação vertical e horizontal, uma baixa padronização dos procedimentos e um sistema de

comunicação escrita pouco eficaz, para além de um alto nível de informalização e um baixo nível de

burocratização. 22 Parece haver algumas similitudes com as organizações partidárias das novas democracias, que

apresentam níveis de adesão e de identificação partidária relativamente baixos, alta volatilidade eleitoral e

níveis de abstenção habitualmente elevados (cf. van Biezen, 1998; Curtis e Zeeuw, 2009).

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22

aqueles partidos que fizeram parte dos principais processos políticos nos seus

respectivos países23. O grau de envolvimento desses partidos políticos nos principais

processos de transformações políticas, permitiu a sua participação na definição e até

mesmo no controlo das regras e do acesso aos recursos políticos disponíveis, o que

consequentemente aumentou a sua capacidade de reduzir a incerteza ambiental. O

Estado se apresenta como a principal fonte de recursos indispensáveis para a

organização e funcionamento dos partidos (Katz e Mair, van Biezen, 2008), a

possibilibidade de se “apoiar na burocracia estatal e utilizar o Estado e o seu aparelho”

(Panebianco, 2005:127)24 confere ao partido incumbente, vantagens competitivas que

permite expandir a organização e por conseguinte, a mobilização necessária para ganhar

eleições. Aliás, a presença no governo concede um certo poder de controlar os recursos

(Carothers, 2002) e as zonas de incerteza ambiental, o que confere maior capacidade de

previsibilidade, o que explica muitas vezes, como na maioria dos paises de transição as

eleições foram ganhas pelas antigas elites autoritários, através de novos partidos ou até

mesmo de partidos antigos (cf. Gandhi e Pzeworski, 2007).

Exceptuando-se os casos de Cabo Verde, São Tomé e Zâmbia, onde os partidos

incumbentes foram desafiados pelos partidos recém-criados no processo de transição

democrática (Ishiyama e Quinn 2006; Sanches, 2010). E para além destes partidos que

tendem apresentar um nível de desenvolvimento partidário, pode incluir-se também

outros partidos políticos da oposição, pelo seu envolvimento no processo de transição e

a sua participação na definição das regras de jogo, que lhe permitiu não apenas adaptar-

se melhor, mas também aceder a determinados recursos disponíveis. Contrariamente, os

novos partidos políticos apresentam-se fragilizados, por um lado, carecem de recursos

para se organizar e funcionar, uma vez que a fraca ligação à sociedade fá-los depender

de recursos estatais sob os quais não participa na sua gestão e, por outro lado, a sua

incapacidade para reduzir a incerteza ambiental lhe coloca numa situação de hostilidade

e instabilidade frequente.

23 Essa tendência pode ser ilustrada pelos casos do ANC na África do Sul, do BJP na Índia, KMT na

República da China, o PRI no México, entre muitos outros. Sobre essa questão vide Randall (2006). 24 Porém, Panebianco entendia que a colagem ao aparelho estatal era uma desvantagem para a

institucionalização do partido.

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1.3.1. O contexto político e o desenvolvimento partidário: A guerra civil e as

eleições.

O contexto político é determinante para a transição democrática e para o próprio

desenvolvimento partidário, já que a competição e a cooperação político-eleitoral

parecem moldadas pelas condições proporcionadas pelo próprio ambiente político.

Aliás, o mundo em desenvolvimento revela que factores externos e internos ao ambiente

político, desde a administração colonial, autoritarismo, guerra civil, ausência de

parlamentarização e de concorrência eleitoral, etc., foram fundamentais para a estrutura

de oportunidades e de constrangimentos para os partidos políticos (Randall, 2006;

Enyiedi, 2006; Zeeuw, 2009). Nestes termos, parece desde logo fundamental nos países

que em que o desenvolvimento partidário foi marcado pela existência de uma guerra

civil, avaliar as suas consequências nos processos políticos posteriores. A natureza do

conflito armado, ou mais especificamente “as causas específicas, a intensidade e a

duração do conflito armado” (Zeeuw, id., p.99) são fundamentais para os padrões de

competição político-eleitoral que se estabelece, logo após o termino do conflito

armado.25

A guerra é um conceito contestado e remete para um conflito violento e

organizado que opõe grupos ou colectividades, que mediante o uso de forças armadas

ou militarizadas procuram atingir determinados objectivos políticos (van der Dennen,

2005; Gori, 2008). E a mesma difere de outros tipos de conflitos violentos, pelo elevado

número de mortes directas, pelo recrutamento, treino e uso de forças armadas, pela

legitimação por parte de organizações governamentais ou quase-governamentais e pelo

carácter psicológico ou económico intrínseco ao processo de luta (van der Dennen,

2005:6). Contudo, a guerra possui desde logo uma natureza instrumental e intencional,

na medida que se traduz, nos termos sugeridos por von Clausewitz26, num conflito

armado para fazer triunfar uma vontade. A guerra civil não escapa a essa

instrumentalidade e intencionalidade e refere-se a um “um conflito armado declarado no

seio de um Estado e que opõe as suas autoridades a um ou mais agrupamentos

insurreccionais” com finalidades políticas diversas (Boniface, 1997:166). Tal pressupõe,

25 A questão essencial não é certamente perceber as causas ou motivações, mas sim as justificações dos

grupos, as repercurssões da intensidade e a duração do conflito nas estruturas de oportunidade e de

constrangimento dos partidos políticos. 26 Ver o clássico “Da guerra” disponível online.

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por um lado, uma militarização do conflito que opõe uma autoridade estatal e uma

organização militar e, por outro lado, ocorre dentro de um limite territorial definido, ou

seja, um desafio doméstico directo contra autoridade soberana de um Estado específico

(Kalyvas, 2007:417)27. O fim do conflito nem sempre significa o fim das hostilidades,

sobretudo porque a guerra por mais que vise a paz, é sempre, conforme asserção de

Santos, uma paz favorável aos vencedores (apud Barbosa, 2005:16), as rivalidades

existentes tendem a permanecer, por mais que o confronto armado cesse.

Contudo, a transição para a democracia revela-se aqui, ainda mais complexa,

porque para além das transformações políticas, económicas e sociais profundas

necessárias para a criação de um novo regime, assiste-se também a um conjunto de

transformações na arena militar, o que aumenta o grau de complexidade ambiental para

os partidos políticos. O ambiente de guerra civil não é favorável à evolução partidária, e

do mesmo modo, “o ambiente pós-conflito não é propício para o desenvolvimento dos

partidos políticos, ainda que os desafios específicos podem variar de pais para país”

(Curtis & Zeeuw, 2009:1). Uma vez que a transição política é profundamente moldada

pela natureza do conflito armado, o desenvolvimento partidário depende do seu

resultado, ou seja, o que cada uma das partes envolvidas ganhou e perdeu com a guerra

e a paz. E isto depende da maneira como o conflito terminou, já que reflecte-se na

capacidade dos actores mobilizar os recursos organizativos e ganhar preponderância na

arena institucional. Se o final do conflito foi produto de “um acordo de paz assinado

pelos principais actores políticos da guerra”, a competição política tende a ficar limitado

a estes actores, o que não se pode dizer o mesmo, quando o conflito terminou “numa

vitória militar de um deles” (Zeeuw 2009:135), na medida que confere um quadro de

vantagens a parte vitoriosa.

Ainda assim, o partido vencido, em função da intensidade e da duração do

conflito apresenta algumas capacidades organizativas e mobilizativas, sobretudo em

sociedades fragmentadas ou socialmente heterogéneas. Porém, a questão central aqui

seria perceber se as justificações dos grupos envolvidos nos conflitos armados possuem

condições para mobilizar uma franja significativa da população mesmo depois do

conflito. E como nem todos partidos estiveram envolvidos no conflito armado ou tem

27 Na generalidade, factores estruturais, políticos, económico-sociais e culturais, associados à participação

das elites políticas na instigação dos grupos, têm sido apontados como principais catalisadores da guerra

civil (Brown, 2001).

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ligações aos grupos armados, o seu papel depende da capacidade de mobilização fora

das bases de apoio dos grupos armados. Tal revela-se difícil, pois, depende do grau de

fracturação da sociedade e do ambiente político-eleitoral resultante da guerra, ou seja, se

o desfecho do conflito permitiu criar um ambiente político-eleitoral para que todos os

partidos políticos, nas mesmas condições, pudessem participar no pleito eleitoral.

As eleições multipartidárias constituem um dos passos fundamentais da

transição democrática, já que tendem a simbolizar abertura do regime, permitindo a

inclusão e a participação política de diversos actores políticos e sociais, com destaque

para os partidos políticos que procuram competir pelo poder abertamente e facilitar o

processo de decisão pública. Porém, em sociedades pôs-conflitos, as eleições não se

limitam a um papel de representação ou de legitimação política e nem constituem

apenas uma fase da transição, elas são partes importantes dos acordos de paz,

constituem mecanismos de transformação da luta armada em “formas não violentas de

competição” (Bjornlund et al., 2007: 64). Aqui as “urnas tomam o lugar das balas,

permitindo que antigos beligerantes prossigam as suas ideologias conflituantes e

programas de forma pacífica”, concedendo-lhes oportunidade para “capturar o poder

político através da mobilização da opinião pública” (Kumar, 1998:7). Procura-se assim

“legitimar a nova liderança e instituições que emergem de um acordo de paz ou do fim

de uma guerra civil, constituindo por isso, um grande passo para o fim da guerra e a

para a democratização” (Lyons, 2002:5-6). Mas estas eleições pós-guerras ocorrem

enquanto “os esforços de reconstrução ainda estão em curso” e são caracterizadas por

um grau de envolvimento significativo de actores externos na “administração,

supervisão, observação e financiamento das eleições” (Garber, 1998:1). E apesar da

envolvência das organizações internacionais, as eleições têm lugar num quadro repleto

de fragilidades estruturais, desde “ausência de infraestruturas governamentais ao longo

de todo território, ameaças de violência e a existência de deslocados internos”

(Bjornlund et al., id., p.111) que tendem a agudizar o ambiente de complexidade,

estabilidade e hostilidade para os partidos políticos.

Assim, o ambiente político-eleitoral revela-se difícil para os partidos políticos

que não estiveram envolvidos na guerra civil, ou que não foram co-protagonistas da

transição, porque vêem-se confrontados com a exclusão no processo de negociação

política ou limitadas as possibilidades de influenciar efectivamente o processo

político em curso. Estes partidos políticos apresentam dificuldades de aceder aos

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recursos políticos disponíveis e revelam-se incapazes de se deslocar com segurança

ao longo do território e contactar os seus apoiantes (cf. Bjornlund et al., 2007).

Contrariamente, aos partidos políticos envolvidos na guerra civil fica reservado um

papel central no processo político posterior, na sequência do resultado do conflito

armado, gozando um estatuto diferente no processo de transição. A realização de

eleições implica uma mudança na natureza da competição, a competição por via do

conflito dá lugar ao conflito por via eleitoral e, nesse caso, os antigos beligerantes

continuam a manter a hegemonia da luta política, na medida que continuam a

beneficiar dos recursos humanos, materiais, financeiros e até simbólicos que muitas

vezes, fizeram parte do próprio conflito armado. As estruturas estatais que se limitam

à capital e alguns centros urbanos são ainda precárias e estão de longe de

funcionarem, para além de serem tendencialmente dominadas pelos partidos

governistas. Portanto, as eleições não geram competição pluripartidária e não

conduzem a processos de consolidação democrática (cf. Schedler, 2002; 2010;

Lindberg, 2009a; 2009b), antes aumentam a hegemonia dos partidos incumbentes ou

envolvidos na guerra civil. As raríssimas excepções incluem aqueles partidos

políticos, que embora se apresentam àquelas limitações, conseguem ultrapassar o

limite de sobrevivência e até se institucionalizar, mercê fundamentalmente da

mobilização etnolinguístico e etnoregional (Relly, 2008).

Essa questão da mobilização étnica é interessante, porque tem sido

apresentado tal como o clientelismo e a patronagem, como um dos factores que

estruturam a identificação partidária e eleitoral no mundo em desenvolvimento, por

causa da ausência de clivagens sociais muito bem cristalizadas (Randall e Svasand,

2002; van Biezen, 2008; Salih, 2003, Eneydi, 2006). A etnicidade28 como um

fenómeno político e simbólico possui um carácter instrumentalista e mobilizacional,

integrado no quadro de uma ‘estratégia política e consciente’ (Mozaffar, 2006), sendo

que as fronteiras internas29 que os grupos mantêm na sua interacção social (Sango,

2002) só ganham contornos de poder e/ou status quando elas são utilizadas como

“foco efectivo de mobilização de grupo para a realização de objectivos políticos

28 A etnicidade remete para a ideia de um senso colectivo de pertença, uma forma de organização social

expressa numa relação entre grupos que se apresentam ou se assumem diferentes, por razões de ordem

cultural, linguística, religiosa, origem histórica (cf. Horowitz, 1993; Poutignat e Streiff-Fenart, 1998;

Sango, 2002; Chandra, 2000). 29 As fronteiras internas estão associadas às divisões sociais que os grupos estabelecem no processo de

interacção social.

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concrectos” (Glaze e Moynihan, 1995:18). Essa mobilização é feita a partir da defesa

de grupos etnolinguísticos concretos, através do nome adoptado, dos apelos explícitos

nas posições públicas, da activação implícita das identidades étnicas, da base de apoio

ou grupo de votos e da liderança étnica (Chandra, 2000). Nesta perspectiva, a relação

entre a etnicidade e os partidos políticos é estratégica e contingencial (Mozaffar,

2006), sobretudo quando os partidos possuem baixos níveis organizacionais e

programáticos. Mas a etnicidade é um processo ou uma forma expressa e validada na

interacção social, com um carácter dinâmico, situacional e susceptível de

manipulação e de variação, podendo perder alguns dos seus atributos ou ganhar

vitalidade ao longo do tempo, consoante a força da interacção entre os grupos

(Horowitz, 1995; Poutignat e Streiff-Fenart, 1998; Norris e Mates, 2003)30. Neste

sentido, a guerra, dado o carácter de transformação sociopolítico parece determinante

para o tipo de interacções que se desenvolvem entre os grupos étnicos, podendo

agudizar as tensões ou diminuir o foco da manifestação das fronteiras entre os grupos.

O clientelismo e/ou a patronagem também são factores que têm sido usados para

para reforçar o poder internamente ou fazer face a outros desafios políticos, sendo por

isso, um recurso vital para o desenvolvimento dos partidos políticos (Randall, 2006;

Hopkin, 2006; Jalali e Lisi, 2009). Embora a ideia de clientelismo abrange uma

multiplicidade de trocas entre diferentes actores, o que tende a complexificar a sua

conceptualização, ele refere-se geralmente a “uma distribuição selectiva de benefícios a

indivíduos ou grupos claramente definidos, em troca de apoio político” (Hopkin,

2006:406)31. Nestes termos, o clientelismo difere da patronagem32, um conceito

próximo, que se define pelo uso dos recursos públicos, desde empregos, bens e decisões

públicas, enquanto objecto de troca entre patrões e clientes (Piattoni, 2001:5). Trata-se

concretamente da “distribuição de cargos na administração pública” a pessoas ou grupos

concretos em troca de apoio eleitoral (Jalali e Lisi, 2009:443), sendo por isso essencial

compreender “o alcance da permeação dos partidos políticos nos sectores públicos e

semi-públicos” (id., p.444). Nesta lógica, o controlo sobre os recursos públicos e o

30 Para uma abordagem mais aprofundada das tradições teóricas sobre a etnicidade, consultar Connor

(1994); Fearon e Laitin (1996:); Suny (2001); Petterson (2002); Collier e Hoeffler (2004); Collier e

Sambanis (2004); Posner (2005). 31 Para uma análise mais profunda sobre o clientelismo ver, Eisenstadt e Lemarchand (1981); Roniger e

Gunes-Ayse (1994); Piattoni (2004). 32 O clientelismo e a patronagem são conceitos muito próximos e por isso são muitas vezes usadas

indistintamente. Porém, diferem da corrupção porque têm lugar numa troca aberta que não viola uma

disposição legal ou um costume (cf. Varese, 2009).

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poder de indicação em posições no sector público e semi-público são determinantes no

processo de desenvolvimento dos partidos, na medida que constituem, por um lado,

“recursos vitais para a construção e fortalecimento da organização” e por outro lado,

“um recurso central no processo de formulação de políticas públicas” (id., p. 443).

Embora parece complexo medir o clientelismo (cf. Hopkin, 2006) e a patronagem,

diversos estudos apontam para indicadores como o crescimento do sector público e

semi-público, com a criação de instituições e cargos, parcerias público-privadas,

envolvimento de determinados sectores ou grupos nas campanhas eleitorais ou outras

formas de apoio político em troca de benefícios.

Sendo que o Estado constitui “o activo principal, enquanto fonte de dinheiro,

empregos, informação ao público, etc.,” (Carothers, 2002:2), o controlo do aparato

estatal permite aceder aos recursos públicos e influenciar o curso da acção pública.

Assim, os partidos incumbentes possuem maiores capacidades para recorrer ao

clientelismo e a patronagem, porque o acesso ao aparato estatal lhes confere maiores

possibilidades de distribuir os benefícios selectivos e os postos na administração

pública. O mesmo acontece com os partidos beligerantes, sobretudo em sociedades

muito fragmentadas e dilaceradas pela guerra civil, pois, os recursos materiais,

financeiros e até simbólicos disponíveis e a baixa presença do aparato estatal e a

escassez de bens e serviços, permite substituir a administração pública e intensificar as

relações de troca com os grupos e as populações locais.

1.3.2. A engenharia política e a regulação partidária

A engenharia política e a regulação partidária desempenham um papel central

nas transições para a democracia, dado que o “estabelecimento das regras básicas do

processo político futuro, constitui um dos grandes desafios do período entre o regime

autoritário e o primeiro governo livre baseada em eleições” (Linz, 1990:18). Tratando-

se de um processo que procura legitimar o novo regime político, as alterações

constitucionais assumem um papel relevante, porque constituem o marco sobre a qual

tem início o processo de transição, em que se procede a substituição formal do regime

anterior. Porém, seguindo de perto mais uma vez, Benjamin Reilly, afigura-se

importante distinguir, por um lado, a engenharia política que consiste num “processo

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proactivo, usando o conhecimento teórico para projetar um resultado específico”, em

função do contexto político do país e, por outro lado, a regulação que assenta “num

processo essencialmente reactivo uma resposta à observação empírica (2008:6), que

tende a ocorrer em momentos subsequentes à existência dos partidos, ou seja, reformas

na legislação existente. Contudo, em ambos os casos, procura-se definir ou redefinir a

arquitetura constitucional e consequentemente o sistema de governo, o sistema eleitoral,

influenciando igualmente o sistema partidário, em função dos objectivos concretos que

se pretende alcançar. Mas, no domínio partidário-eleitoral, o que parece mais relevante

aqui, assiste-se a uma grande intervenção estatal, influenciando o grau de estruturação e

funcionamento dos partidos políticos e dos processos eleitorais.

No âmbito partidário, estabelece-se as condições da emergência, organização e

funcionamento dos partidos políticos, quer através da definição de um “corpo de leis

que afectam os partidos políticos”, quer através de “regras internas que orientam a vida

interna dos partidos” (Janda, 2009:3; Muller e Sieberer, 2006:435). Desde a constituição

até a sua regulamentação posterior, por via da lei dos partidos políticos ou até mesmo de

decretos e outros dispositivos legais 33, a intervenção estatal varia entre a proscrição, se

a legislação pretende proibir o funcionamento partidário ao todo, negando-lhe um

estatuto legal; a permissão, quando admite a sua existência e o seu funcionamento

livremente34; a promoção, quando se fomenta a criação e se apoia de maneira activa os

partidos; a protecção, quando se apoia e se exclui uns em detrimento de outros e

finalmente, a prescrição, quando se determina, limita ou fixa o exercício da actividade

partidária (Janda, 2009)35. No domínio eleitoral, a questão central recaí para o marco e a

administração eleitoral, definidas por via da lei eleitoral e de outros dispositivos

normativos36, procurando-se definir as estruturas de gestão do processo eleitoral, bem

como o conjunto de regras que orientam a competição eleitoral.

Contudo, o Estado não se apresenta apenas como principal regulador da

organização interna e da actividade externa dos partidos, mas também sua principal

33 Porém, nem sempre há um reconhecimento formal ou autorização dos partidos, pelo menos

constitucionalmente, limitando-se nesse caso, há um reconhecimento de facto. 34 Neste caso concreto, a legislação não faz referência específica a militância, a organização, a eleição dos

seus dirigentes e ao financiamento das suas operações. 35 Mas tratando-se de modelos ideiais, há variações significativas na prática, pois, ainda que

aparentemente contraditórios, pode se verificar a combinação entre os mesmos. 36 Para além da lei eleitoral, destaca-se a lei da campanha eleitoral, o conjunto de normas que regulam a

campanha em períodos eleitorais e a lei do financiamento eleitoral, que define as regras sobre o acesso às

fontes de financiamento em fase eleitoral.

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fonte de recursos (Katz e Mair, 1994; Mair, 2003; van Biezen, 1998; 2008). Nestes

termos, o financiamento político, que inclui tanto o financiamento dos partidos políticos

e candidatos em períodos eleitorais, quanto ao financiamento em períodos não

eleitorais, através de diversas modalidades. Mas, o financiamento político não se resume

aos recursos provenientes do Estado, na medida que se regista também as contribuições

financeiras dos próprios membros ou até doações de outras organizações.

Em países marcados por uma guerra civil prolongada, particularmente em

sociedades etnicamente plurais, a engenharia política e a regulação partidária parecem

decisivas para criar um ambiente de estabilidade e de segurança no processo político,

possibilitando “o progressivo alargamento da legitimação de normas para a solução

pacífica e a contenção dos conflitos” (Morlino, 1987:18). Aqui tende-se a incluir

restrições à criação e até à participação eleitoral de partidos de base étnica ou sectorial;

a introdução de incentivos positivos para a formação de partidos transnacionais, com a

introdução de bases partidárias regionais ou requisitos de adesão para competir nas

eleições (Reilly, 2008:4). Diversos mecanismos que incluem a introdução de limiares de

apoios ou suportes transnacionais, outros tipos de regras espaciais e até mesmo, a

utilização dos sistemas eleitorais para moldarem o desenvolvimento do sistema

partidário e de pequenas regras de votação no Parlamento37 (id., p.5).

A intervenção estatal não é uma realidade abstracta, antes pelo contrário, é uma

realidade concrecta que envolve os próprios partidos políticos, na medida que, a

regulação ou engenharia é sempre resultado da sua participação activa, através do

Parlamento ou do Governo. Neste caso, os próprios partidos em função dos seus

interesses, podem estrategicamente limitar a emergência de novos partidos, o acesso aos

recursos do Estado e até mesmo, a reorganização do sistema partidário. Portanto,

mesmo a regulação constitui um processo vital para os partidos políticos representados

no Parlamento, que estão mais orientados para a sua prórpia sobrevivência e para

aumentar a sua esfera de influência, procuram limitar acção do Estado, para actores

partidários não presentes, com estratégias orientadas para a negociação de incentivos e

coopreação entre eles. Assiste-se a um conjunto de práticas de cartelização, assente

numa estratégia orientada para limitar à entrada de novos competidores.

37 A introdução de pequenas regras de votação no Parlamento, bem como outras estratégias visam

assegurar uma maior disciplina do partido.

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Capítulo – II: Evolução político-partidária em Angola

Uma caracterização histórico-política de Angola é uma componente importante

para compreender o contexto em que se formaram e desenvolveram os principais

partidos políticos, sobretudo aqueles que têm as suas raízes nos movimentos de

libertação, cujos percursos políticos atravessaram as diversas experiências históricas. E

mais do que isso, ajuda a compreender o papel da guerra no processo de evolução

político-partidária, mas também a compreender o processo de transição para a

democracia e os processos de formação dos partidos políticos.

A colonização em África foi diferente conforme o tipo de colonizador e o

contexto político, social e económico das regiões colonizadas, ainda que a escravatura,

o trabalho forçado, a brutalidade e a repressão parecem aspectos comuns (Davidson,

1977; Benot, 1981; Bender, 2001; Sango, 2008). E as independências foram resultados

dessas variações, assistindo-se nas colónias britânicas e francesas, reformas políticas

com vista a uma gradual descolonização e nas colónias belgas e portuguesas, conflitos

ou violência entre os movimentos de libertação e as respectivas potências colonizadoras

(Mcqueen, 1998; Salih, 2003). O período pós-independência foi marcado, com

raríssimas excepções para o Bostwana, a Gâmbia e as Maurrícias, pelo aparecimento e

consolidação de regimes autoritários ou totalitários, militares ou de partidos-Estados

(Diamond, 1998; Bratton, 2000). Esses regimes políticos que eram muitas vezes

mantidos e suportados pelas potências da guerra fria, foram abalados pelas

transformações da conjuntura internacional dos finais da década de 80 e princípios de

90, com o final da guerra fria, o desmembramento da Ex-URSSS e a consequente queda

do muro de Berlim. Em consequência disso, assistiu-se também internamente, aberturas

políticas por parte dos partidos no poder38, pressões populares e iniciativas da sociedade

civil39, acordos40 ou até mesmo conflitos civis ou golpes de Estado41 (Diamond, 1998;

Lemarchand, 1995; Kadima, 2008). Em consequência disso, observou-se na década de

90, uma série de eleições multipartidárias na maioria dos países, entre os quais, mais da

metade nunca haviam realizado (Bratton e van de Walle, 1997; Ibrahim, 2003;

Ishiyama, 2006). Mas a transição para a democracia na África Subsariana, que se

38 Nigéria, Quénia, Zâmbia, Guiné Equatorial. 39 Benim e Chade, Togo, Níger, Madagáscar, Congo, Gana, Gabão, Camarões, Zâmbia, Malawi. 40 África do Sul, Moçambique e Namíbia 41 Mali e na República Democrática do Congo.

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estendeu até finais da década de 90, particularmente com a queda do regime no ex-Zaire

e a realização de eleições posteriormente, gerou em muitos casos, situações de conflito

civil ou até revoltas populares, com manifestações de protestos, prisões, estados de

emergência, não abrindo caminho para a consolidação da democracia.

2.1. A guerra em Angola

Um processo de evolução política similar registou-se em Angola, com a

diferença de que a guerra fez sempre parte das transformações políticas que ocorreram

desde a implantação colonial portuguesa. Porém, longe de abordar todos os conflitos

militares que se registaram desde esse período, discutir-se-á apenas as guerras que

tiveram lugar desde 1961, altura em que se intensificou a luta anticolonial. Neste

sentido, as guerras serão agrupadas em quatro fases, a primeira compreende a guerra

colonial que opõe os três movimentos de libertação e o Estado colonial português, a

segunda corresponde a pôs-independente e opõe primeiramente os três movimentos de

libertação entre si e posteriormente apenas o MPLA e a UNITA, a terceira compreende

a pós-eleitoral e opõe o Governo de Angola (MPLA) e o partido insurrecional (UNITA)

e a quarta corresponde ao período pós-Lusaka e mantém os mesmos contendores.

2.1.1. As fases da guerra

A primeira fase da guerra angolana corresponde ao período colonial (1961 -

1974), que opõe os movimentos de libertação (MPLA, FNLA e UNITA) e o Estado

colonial Português, cujo fundamento centra-se na libertação de Angola por parte do

primeiro e na anexação de Angola, província ultramarina, por parte da segunda. Os

movimentos emergiram na segunda metade do séc. XX como resposta às práticas

coloniais e foram influenciados por manifestações cívicas anteriores, conduzidos

associações políticas, culturais e desportivas (Pestana, 2002; Wheeler e Pélissier, 2009).

O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), um dos primeiros a surgir na

luta anticolonial com objectivos nacionais, tem uma origem bastante discutida e

controversa, mercê das várias versões que tem sido objecto a sua fundação (Pacheco,

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33

1997; Lara, 1998; Rocha, 2003). Porém, no contexto diferenciado de posições, pode-se

aperceber que tem origens a partir do lançamento do Manifesto pelo PLUA42, ao qual

juntar-se-iam o MIA e o MINA, entre mestiços, brancos e negros. Contudo, tende a

datar-se (1959/1960) como fundação enquanto organização nacionalista estruturada

(Lara, 1998; Rocha, 2003; Bernardo, 2008; Cardoso, 2008). O segundo movimento, a

Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) tem as suas origens na segunda

metade do século XX, com a criação da União das Populações do Norte de Angola

(UPNA) em 1954 ou 1957, a partir de um pequeno núcleo de bakongo protestantes em

Leopoldiville e em Matade, no ex-Zaire43(Rocha, id., p.140; Oliveira Pinto, 2008:117).

A mesma dá lugar à União das Populações de Angola (UPA) e posteriormente, em 1962

dá-se a fusão entre a UPA e o Partido Democrático Angolano (PDA) da qual resulta a

FNLA (Bernardo, 2008:53)44. E o terceiro, a União Nacional para Independência Total

de Angola (UNITA) foi criada por antigos membros da UPA/FNLA45, aos quais juntar-

se-iam outras personalidades radicadas na Zâmbia (Guerra, 2002; Fernando, 2012). A

fundação ocorreu exactamente na localidade de Muangai (Móxico) em Março de 1966

(UNITA, s.d., p.12-13).

Quadro n.º 2.1 Similitudes entre os Movimentos de Libertação

Movimentos

Dimensões

MPLA UNITA FNLA

Objectivo Principal

Lutar (...) para a

liquidação total do

sistema colonial

português (...) e pela

independência imediata

e completa de Angola.

Liberdade e

independência total

para os Homens e

para a Pátria Mãe.

Luta política para a

independência de

Angola.

Órgãos principais

Presidente

Congresso

Comité central

Presidente

Congresso

Presidente

Congresso

Força Armada Existente FAPLA FALA ELNA

Fonte: Elaborado a partir de Rocha (2003); UNITA (s.d.); MPLA (s.d.) e FNLA (1992).

42 O manifesto data de 10 de Dezembro de 1956 e apela a formação de múltiplos grupos, associações,

movimentos de luta anticolonialista para a luta de libertação de Angola. 43 Os Estatutos da FNLA apontam o ano de 1954 como data da fundação da UPNA. 44 Liderada por Holdem Roberto, a FNLA criou em Abril de 1962 o Governo Revolucionário Angolano

no Exílio (GRAE) que viria a ser reconhecido em 1963 em Dakar – Senegal na reunião da OUA como

legítimo representante do povo angolano. 45 O seu principal mentor, Jonas Savimbi foi Ministro dos Negócios Estrangeiros do GRAE, demitindo-se

em Julho de 1964.

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34

As similitudes, conforme o quadro apresentado, contrasta com os apoios e as

influências, pois o MPLA detinha “simpatia do bloco comunista e de países neutros

marxista (...) era filha da movimentação antifascista e pró-comunista”, apoiado também

pela Zâmbia e a República do Congo, a FNLA, “filha da missionação evangélica norte-

americana” era apoiada pelos EUA e pelo ex-Zaire (Bernardo, 2008:52; Sango,

2002:10), ao passo que a UNITA fora apoiada primeiramente pelo movimento maoista

(China), configurando um quadro ultraesquerda ou maoista (Sango, id., ibid.)

posteriormente pelos EUA e pelos portugueses, pelo menos até 1973, (Guerra,

2002:61-70) para além dos apoios da Zâmbia.

A guerra entre esses três movimentos e o exército português tem início com o 4

de Fevereiro e o 15 de Março de 1961, com os assaltos às cadeias de Luanda e aos

ataques às plantações de café no Norte de Angola, lideradas pelo MPLA e FNLA,

alongou-se até aos acordos de cessar-fogo de 1974. Os três movimentos de libertação

viam na guerra contra às autoridades coloniais, a única possibilidade de impor os seus

objectivos. Porém, os movimentos estavam confinados, a uma área delimitada de acção

(Fernando, 2012:93) e, por conseguinte, “combatiam-se entre si, criando zonas

exclusivas para combatentes de cada organização” (Sango, 2002:8), o que sugere que,

para além do conflito armado, contra o regime colonial português para a independência,

os movimentos lutavam também entre si para aumentar a sua zona de influência no

vasto território angolano. As zonas exclusivas de cada organização, coincidia com às

origens dos movimentos e das suas elites e conferiu um carácter etnolinguístico e etno-

regional46 aos mesmos, que persistiu para além desse período. O MPLA que nasceu no

meio de mestiços, brancos e negros dos centros urbanos, a sua zona de conforto

correspondia assim ao eixo Luanda, Malange e Kwanza Norte; a FNLA oriundo de

bacongos, a sua zona de conforto correspondia ao noroeste de Angola, ou seja, ao eixo

Uíge e Zaíre e, finalmente a UNITA, que nasceu de meios ovimbundos, a sua zona de

exclusividade corresponderia ao planalto e ao sul de Angola, ou seja, o eixo Huambo,

Bié e Benguela (Guerra, 2002; Wheeler e Pélessier, 2009). Porém, essa coincidência

não significa que não havia membros influentes, adeptos e activistas de outros grupos

etnolinguísticos que participaram activamente na formação e consolidação dos

46 A etnização do conflito entre os movimentos nessa primeira fase da guerra, era também acentuada pelo

regime colonial português, com as políticas de reordenamento estratégico e rural das populações do

Norte, Centro, Sul e Leste. (cf. Bender, 2001).

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movimentos47. Contudo, quer a mobilização quer a acções militares eram conduzidas

nas suas zonas de influências, marcadamente pela sua localização e pela ausência de

bases em outras regiões (Bender, 2001: 278-279)48. Mas o carácter regional e étnico do

conflito era ainda agudizado por relações difíceis entre as lideranças dos movimentos,

que numa lógica de exclusão e de hegemonia, trocavam acusações mútuas, muitas das

quais com incidência etno-regionalista (Guerra, 2002; Fernando, 2010).

Contudo, essa fase da guerra que se alongou até aos acordos de cessar-fogo entre

os movimentos de libertação e o Estado português através do MFA, foi sucedida

também por um período de tréguas entre os movimentos e por conseguinte de paz, com

os acordos de Mombaça e posteriormente de Alvor, com a criação de um Governo de

Transição que se estenderia até a declaração de independência. Assiste-se também nesse

período, uma diminuição do carácter etno-regionalista que marcara a luta pela

independência, tal como refere Bender “inicialmente, a campanha dos nacionalistas

para conquistar adeptos através de toda colónia, atenuou os antagonismos raciais, já que

negros, mestiços e brancos aderiram aos três movimentos” (Bender, id., p. 372).

A segunda fase da guerra (1975-1991) corresponde ao período da queda do

governo de transição e com ele, o reinício da guerra até a cimeira de Gbadolite e os

acordos de paz de Bicesse. Apesar do ambiente de tréguas entre os movimentos,

firmado pelo compromisso assumido nos acordos de Mombaça e posteriormente Alvor,

o Governo de Transição não conseguiu contrariar o ambiente de hostilidades latentes

entre os movimentos, marcados por lógicas totalitárias e hegemónicas. Nesse caso, as

trocas de acusações, com ataques verbais entre as partes deram origem a confrontações

militares e o retorno da guerra, com uma maior internacionalização para além dos

tradicionais aliados da guerra-fria, URSS (MPLA) e EUA (FNLA e UNITA),

registando-se a entrada de tropas cubanas para o MPLA, zairenses para a FNLA e sul-

africanas para a UNITA. O desfecho da guerra foi favorável para o MPLA, que

47 Pode-se citar os casos de N´zau Puna, António da Costa Fernandes oruindos de Cabinda, A.

Vakulukutu do Cunene, entre outros muitos outros. Alías, Valentim (2005) afirma que houve uma altura

que o peso da existência da UNITA estava concentrado sobre a província do Cunene e sobre as

populações Kwanhama. Na FNLA existe os casos de Ngola Kabangu, oruindo de Malange e muitos

outros provenientes de outras regiões do país. No MPLA abundava a pluralidade étnica e os exemplos

incluem desde Chipenda, originário do Planalto a Liberdade do Leste de Angola. 48 A FNLA mobilizava a partir da região Norte e a contar com as populações dessas zonas estabelecidas

dos dois lados da fronteira, a UNITA a partir das fronteiras que o Sudeste e Leste mantêm com Namíbia e

a Zâmbia, com grande influência do caminho-de-ferro de Benguela. O MPLA também procurava manter

a sua influência nos centros urbanos, sobretudo na capital, mas procurava ao mesmo tempo criar frentes

nas outras zonas do país.

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conseguiu manter a capital onde já estava sediada, obrigando a FNLA a retirar-se para o

Uíge e o Zaire e a UNITA para o Huambo (Muekalia, 2010:35-36). A declaração de

independência não alterou a posição dos movimentos, O MPLA declarou

unilateralmente a independência e foi reconhecida pela maioria dos Estados africanos,

em detrimento da RDA criada da proclamação da independência pela FNLA e UNITA.

Com o afastamento da FNLA do cenário político-militar, a guerra-civil se bipolariza e

se intensifica com a presença já enunciada de tropas cubanas e sul-africanas.

A UNITA, com a participação de tropas sul-africanas consolida a sua posição no

planalto e sobretudo no Sudeste, com peso significativo das províncias do Cunene e

Kuando-Kubango, na medida que as ligações com as autoridades militares sul-africanas

eram feitas a partir dessas localidades (Valentim, 2010:190). Mais do que isso, a partir

do seu IVº congresso (1977) reafirma-se o objectivo de “generalizar e intensificar a luta

armada em todo território nacional, continuando o processo de tomada de vilas, o que

levará inevitavelmente a captura das cidades e à tomada do poder” (Muekalia, 2010:82).

Os congressos subsequentes dão vida a essa ideia de generalização da luta, pois, para

além de participantes da grande maioria das províncias49, assiste-se nessa fase da guerra

a construção de um pseudo-Estado “As terras Livres de Angola”, que apresenta um

exército semi-regular, serviços de segurança, saúde e educação, relações diplomáticas

com as representações no exterior, moeda50, etc., (Muekalia, 2010; Valentim, 2010). O

MPLA, por sua vez, transforma-se em partido-Estado, propõe-se a reformular o governo

e define como prioridades a construção do socialismo, a reconstrução, a integridade

territorial e a unidade nacional na expressão ‘um só povo, uma só nação’. Esses desafios

contribuem para diminuir a influência etno-regional, já que tem a possibilidade de usar

o seu poder para acomodação das diferenças, como ilustra o seguinte gráfico (2.1.). Mas

como ilustra Sango, “a representatividade no Governo reflecte bem o nível de

participação dos vários grupos na luta de libertação nacional dentro do MPLA, bem

como o nível de preparação técnica” (2002:80), o que explica a presença significativa de

membros afectos aos ambundos. Porém, é preciso contextualizar essa

representatividade, sobretudo do grupo etnolinguístico Fiote e Nhaneka, que está acima

49 O V congresso realizado em Mavinga em 1982 contou com participantes de dez províncias, incluindo

as Lundas, Malange, Kwanza-Sul e Benguela (cf. Muekalia, 2010:144-149) 50 Em Julho de 1985, por exemplo o Presidente Sul-africano Pieter Botha visitou a Jamba. E em termos de

moeda, o escudo como única moeda válida, pelo menos, foi assim definido no Vº Congresso (cf.

Muekalia, 2010).

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do Bacongo (quadro 2.1.), pois aqueles fizeram parte do símbolo de resistência do

MPLA.

Portanto, a guerra pós-independência que se alonga até finais da década de 80,

diminui o carácter etno-regional do conflito, porque as partes vejam-se obrigados a

proceder alterações, com a inclusão de membros de outros grupos étnicos, com destaque

para o MPLA que se tornara governo. Aqui também, a guerra é interrompida por um

cessar-fogo entre as partes, primeiramente com cimeira de Gbadolite e depois com os

acordos de Bicesse.

Gráfico 2.1. Membros do governo por grupos etnolinguísticos (1975-1985)

Fonte: Sango (2002)

A terceira fase da guerra (1992-1994) emerge de uma fase pós-eleitoral, pois, as

eleições gerais de 1992 não contribuíram para a paz, com a crise que se instalou depois

da publicação dos resultados, de que a UNITA afirmava haver fraude. Essa rejeição dos

resultados pela UNITA e a sua consequente reorganização e mobilização das suas forças

em todo país (HRW,1999:33) conduziu ao retorno de uma guerra-civil ainda mais

violenta, com a ocupação de municípios, vilas e províncias por parte da UNITA. Essa

guerra violenta é ainda marcada por uma tentativa de negociação de paz em Adis-Abeba

e posteriormente Abidjan e por uma resolução do Conselho de Segurança que “condena

a rejeição dos resultados eleitorais pela UNITA, a sua retirada das FAA e a tomada de

sedes provinciais e municipais” (Muekalia, 2010:284). Mais do que isso, é também

marcada por um embargo à UNITA, na compra de armamentos e petróleo e a não

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aquisição de novo armamento ao Governo. Mas tais resoluções não alteraram o

ambiente de guerra e a UNITA viria “a financiar a reconstrução das suas forças

militares através do seu controle das zonas diamantíferas, contrabandeada para a

Europa, a partir da RDC, Congo, África do Sul, Ruanda, Namíbia e Zâmbia” (HRW,

id., p.21), chegando a controlar até finais de 1993, cerca de 70% do território angolano.

O Governo respondeu e adquiriu armamento de países como a Bulgária, Brasil,

Bielorrússia, China, Eslováquia, Ucrânia e África do Sul, através de empréstimos

bancários, remessas de lucros do petróleo, das minas e outras concessões, invertendo o

quadro militar em 1994, reduzindo o controlo da UNITA para 40% do território

nacional (id., p. 34).

Essa guerra diminuiu mais ainda o carácter etnoregional, com expansão militar

da UNITA e a posterior recuperação do Governo, mas aumentou a intervenção da ONU

no conflito, com as sanções àquela organização que tiveram implicações na sua imagem

internacional (cf. Patrício, 1998). Aqui também a guerra foi interrompida por um acordo

de cessar-fogo, com o Protocolo de Lusaka, embora continuava a se registar alguns

incidentes, com muitas lutas localizadas o que propiciou um ambiente de “não paz e não

guerra” (Messiant, 2008). O referido protocolo retomava as questões pendentes de

Bicesse, o cessar-fogo, integração de Generais da UNITA nas FAA, desmilitarização,

incorporação de tropas na Polícia Nacional e a proibição de qualquer outra polícia ou

organização de vigilância. Seguiu-se a tomada de posse dos Deputados da UNITA e dos

membros do GURN em Abril de 1997.

A quarta fase da guerra (1998-2002) corresponde ao período pós-Lusaka até ao

final da guerra em 2002 e o período que o antecede é o mais longo de paz desde a

guerra civil pôs-independente. O protocolo de Lusaka, apesar de algumas violações em

1995 e 1996, parece criar um ambiente propício para uma paz efectiva, com os

encontros entre os líderes da UNITA e do Governo, primeiramente em Lusaka (Maio de

1995) marcado por declarações de reconhecimento entre ambos, em seguida no Gabão

(Setembro de 1995) e Bélgica (Março de 1996), onde reiteram a sua dedicação à paz e a

reconciliação nacional. Mas o processo é comprometido pela UNITA51, que cria

dificuldades à extensão da administração do Estado nas suas áreas de controlo,

seguindo-se novas sanções do Conselho de Segurança e suspensão da sua presença na

51 Foi oferecido o cargo de Vice-Presidente ao líder da UNITA, mas este viria rejeitar no Congresso

Extraordinário do seu partido em 1996.

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Comissão Conjunta e, finalmente o retorno da guerra. Neste quadro, o Governo lança

ofensivas militares no Bailundo, Mungo e Andulo e a UNITA no Huambo, Kuito e

Malange, fazendo recrudescer o conflito armado. Regista-se a criação da UNITA-

Renovada por Jorge Valentim e Ernesto Manuvakola, que parece dividida entre os

membros no Parlamento e no Governo, mas obtém aceitação do Governo que se

predispõe a negociar com ela. Ao mesmo tempo o MPLA realiza o seu IVº e assegura

que “o único caminho para uma paz duradoura é o isolamento de Jonas Savimbi e do

seu movimento” (HRW, 1999:48), revogando o estatuto especial atribuído ao líder da

UNITA e aprovando uma resolução que o considera “criminoso de guerra e terrorista

internacional” (id.,p.49).

Nesta perspectiva, o Governo está disposto avançar com uma vitória militar

“fazer a guerra para alcançar a paz”52 e lança a operação Restauro no Centro e Norte de

Angola, toma o Bailundo e o Andulo e concebe uma estratégia de criar dificuldades às

saídas regionais da UNITA, com compromissos militares no Congo e na RDC53. O

Governo avança com as ofensivas militares e a UNITA é abalada por perdas territoriais

significativas, deserções e o seu líder é morto no Moxico a 22 de Fevereiro de 2002, no

âmbito da operação Kissonde e segue-se o cessar-fogo. O Memorando de Entendimento

do Luena54 é resultado do cessar-fogo unilateral do Governo, que apresenta o seu Plano

de Paz, voltado para questões militares no âmbito dos acordos de Bicesse e Protocolo de

Lusaka, ou seja, a desmilitarização e reintegração na vida política e amnistia de todos

crimes cometidos ao longo do conflito armado (Griffits, 2004:24).

As diferentes fases da guerra proporcionaram condições diferentes aos actores

envolvidos nelas, em função das alterações do contexto nacional e internacional, bem

como do fundamento da sua continuidade, criando um quadro de vantagens e

desvantagens para os actores envolvidos, influenciando quer as relações de forças quer

os resultados eleitorais. O quadro comparativo (2.2) ilustra também que os acordos de

paz variaram em função do peso dos actores e no papel da comunidade internacional,

por exemplo, nos acordos de bicesse e até mesmo no Protocolo de Lusaka, a força

relativa dos actores parecia mais equilibrada, mesmo que no terreno, os desfechos

militares favorecessem um ou outro. Contrariamente, o Memorando de Entendimento

52 Frase proferida pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos. 53 A guerra é sancionada pelas potências internacionais, com destaque para o EUA (cf. Muekalia, 2010),

um antigo apoiante da UNITA. 54 Assinando primeiramente no Móxico e solenemente em Luanda, a 4 de Abril de 2002.

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do Luena (2002) criou um quadro desigual entre os actores, tendo sido praticamente

imposto à UNITA, a força derrotada militarmente.

Quadro nº 2.2. As fases da guerra

Fases

Dimensões

1ª Fase

(1961 - 1974)

2ª Fase

(1975-1990)

3ª Fase

(1992 - 1994)

4ª Fase

(1998 - 2002)

Actores envolvidos MPLA, FNLA e

UNITA

UNITA e MPLA* MPLA e

UNITA

MPLA e

UNITA

Imagem dos

Actores55

Legítimos

representantes de

Angola

Imperialismo vs

Comunismo

Governo vs

Rebelde

Governo vs

Rebelde

Lógica do Conflito Multipolar Bipolar Bipolar Bipolar

Acordo de Paz

(Duração)

Menos de 1 ano Menos de 1 ano Mais do que 1

ano

Paz efectiva

Resultado para as

partes

(Benificiou)

MPLA MPLA e UNITA MPLA MPLA

2.2. A transição para a democracia

A internacionalização do conflito armado em Angola, tanto se verificava nos

apoios militares como nas influências diplomáticas, pois que as duas potências da

guerra-fria procuravam ganhar o conflito angolano. Esse mesmo empenho viria a ser

fundamental nos esforços de aproximação das partes em conflito (MPLA e UNITA),

para a obtenção da paz e para a transição democrática. A condenação da OUA em

relação à invasão sul-africana em apoio a UNITA, seguida de uma exigência de

55 Como as partes eram vistas no plano mediático pela imprensa nacional e internacional.

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retirada, foi igualmente adoptada pelo Conselho de Segurança da ONU56 (Wright,

2001:252-253). Desse esforço da ONU na pacificação da região, associado às posições

assumidas pelo Governo da Angola, EUA, Cuba e África do Sul, vai ser assinado um

acordo trilateral (Angola, Cuba e África do Sul) e um acordo bilateral (Cuba e

Angola)57 que previa a retirada das forças cubanas em Angola e sul africanas da

Namíbia (Anstee, 1997).

Esse acontecimento que revelou o aumento do espaço de intervenção das

potências da guerra-fria na arena diplomática, acabou por ter influência, em certo

sentido, na manifestação das partes envolvidas no conflito para a cessação das

confrontações militares e a negociação da paz. É nesse contexto que se realiza a 22 de

Junho de 1989, a Cimeira de Gbadolite (actual RDC), envolvendo conversações entre o

Governo da RPA e a UNITA sob a mediação do presidente Mobotu Sesse – Sekou, com

a participação de diversos chefes de Estado africanos. As partes envolvidas no conflito

armado manifestaram “a vontade de pôr fim à guerra e de proclamar perante o mundo a

reconciliação nacional, a cessação das hostilidades assim como a proclamação do

cessar-fogo” (MPLA, 1989:28). Mas registou-se uma controvérsia quanto ao “exílio

voluntário e temporário do Presidente da UNITA” (Valentin, 2010:41), que era recusada

veemente pela UNITA e que o Governo da RPA assegurava ser necessário durante as

negociações. Por força disso, a cimeira não produziu resultados práticos e gerou uma

série de incompreensões entre os participantes58, sobretudo devido à ausência de um

comunicado final, agudizando “a crise profunda de confiança entre as partes envolvidas

no conflito em Angola” (id., p.46 e 49).

Não obstante, as negociações retomaram em 1990 com a mediação de Portugal,

em virtude também de uma intervenção directa dos EUA, que se manifestara “disposto a

encorajar o Governo Angolano e a UNITA, a iniciarem negociações sobre a paz o mais

depressa possível” (id.,p.105.). Segue-se uma declaração de tréguas, concessões e

negociações entre as partes até se chegar aos acordos de Bicesse em 1991, sob a

mediação portuguesa e a observação dos EUA e da Rússia. Esse quadro de negociações

político-militares, ocorre também num período de grandes transformações na arena

internacional, com o desmembramento do bloco socialista, a queda do Muro de Berlim

56 Pela Resolução 435/88. 57 Os acordos tiveram lugar em Nova Iorque a 22 de Dezembro de 1988. 58 O Presidente da Zâmbia Keneth Kaunda afirmou publicamente que o líder da UNITA havia aceitado o

exílio voluntário e temporário, uma opinião que foi partilhada pelo Presidente Mobutu.

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e o final da guerra fria, que punha em contradição dois blocos antagónicos (EUA e

URSS) que estavam envolvidos directamente no conflito armado angolano. Neste caso,

as negociações de paz que começaram após os acordos tripartidos de Nova Yorque, com

as cimeiras de Gbadolite, Harare e finalmente Bicesse, incidiu também sobre a transição

multipartidária e realização de eleições universais, livres e justas.

As repercussões das alterações do contexto internacional nos dois principais

intervenientes do conflito armado revelaram-se ainda mais, no posicionamento, na

agenda política e nas lógicas discursivas. O MPLA realiza o seu IIIº congresso em

Outubro de 1990, adoptando um conjunto de resoluções com vista a sua transformação

ideológica, passando de uma base marxista-leninista para o socialismo democrático e

mais do que isso, à abertura democrática e pluripartidária. Mas na esfera económica, as

alterações datam já dos finais da década de 80 com o Saneamento Económico e

Financeiro (SEF), um programa económico que se adequava aos padrões do FMI e

defendia cortes orçamentais, privatizações, etc. Por seu turno, a UNITA realiza o seu

VIIº congresso em Março de 1991, que lançou linhas gerais para adaptar-se a um novo

tipo de luta, numa altura em que faz parte das negociações para paz, a ideia da transição

multipartidária59.

Em decorrência das conversações de Lusaka entre o Governo da RPA (MPLA) e

a UNITA, o cessar-fogo foi decretado entre 14 e 15 de Maio de 1991 e a assinatura dos

Acordos de Paz de Bicesse teve lugar a 31 de maio de 1991. Esses Acordos de Paz de

Bicesse em que os actores internacionais até então envolvidos no conflito armado pôs-

independente foram fundamentais para a sua concretização, foram cruciais para a

transição e cobriam todos aspectos do conflito, desde o acordo de cessar-fogo e as

acções que ambos os lados deveriam realizar até ao estabelecimento da paz60; o

reconhecimento pela UNITA do Estado Angolano, do Presidente José Eduardo dos

Santos e do Governo até a realização de eleições; a participação livre da UNITA nas

actividades políticas de acordo com uma constituição revista, baseada nas leis de uma

democracia multipartidária. A última parte dos acordos, o Protocolo de Estoril, definia o

59 Aliás, faz parte da retórica da UNITA, desde que se viu apoiada pelos EUA e pela África do Sul, a luta

pela democracia e pelo fim do regime autoritário em Angola (cf. Valentin, 2010; Muekalia, 2010). 60 Dentre estas acções, destacam-se o acantonamento das tropas e proibição de se adquirir material de

guerra, uma vez que parceiros externos (EUA-URSS) concordaram em cessar com o fornecimento de

material de guerra e encorajaram os outros países a fazerem o mesmo. Porém, os acordos de Bicesse

preconizava ainda a supervisão política global do processo, ou seja, a sua verificação seriam da

responsabilidade de um grupo internacional de controlo.

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quadro de realização de eleições, com a marcação da data61 e a participação de todos

partidos no processo eleitoral (Anstee, 1997:34-39).

Todavia, a transição angolana tal como a grande maioria que ocorreu na África

subsariana, não se deve apenas a factores internacionais, por mais “peso e

singularidade” que se lhe atribui (cf. Messiant, 2008), mas sobretudo a factores internos,

em que os principais actores políticos nacionais foram determinantes, para que ela

tivesse lugar, na medida que a transição foi resultado de um acordo de paz entre as

partes envolvidas no conflito pós-independência. Aqui a iniciativa não coube à

sociedade civil, nem tão pouco a referendos ou a golpes de Estado, mas sim ao partido

no poder, com a participação activa da UNITA. Porém, essa iniciativa não foi natural e

como sugere Messiant, “não foi por imposição da sociedade angolana que o governo

teve de ceder” (2008:138), mas sobretudo pela pressão da conjuntura internacional e do

próprio processo de negociação para a paz. Assim, ao mesmo tempo que está em curso

um longo processo de negociação de paz para Angola, com os seus avanços e recuos, o

MPLA, partido no poder vai conduzir um conjunto de reformas político-institucionais,

que procuram materializar as mudanças preconizadas no IIIº Congresso de 1990. Essa

materialização é consagrada na Lei de Revisão Constitucional62 cuja nota introdutória

assinalava:

“os principais objectivos da presente revisão visam fundamentalmente (...) consagrar o

pluripartidismo e a despartidarização das forças armadas (...) criar a abertura democrática que

permita ampliar a participação organizada de todos os cidadãos na vida política nacional e na

direcção do Estado, ampliar o reconhecimento e a protecção dos direitos e deveres fundamentais dos

cidadãos no âmbito de uma sociedade democrática”.

Porém, essa revisão constitucional vai ser simultaneamente acompanhada por

um pacote legislativo, que procurava dar corpo ao “pluralismo de expressão e

organização política e o respeito e garantia dos direitos e liberdade fundamentais”

consagrada na referida lei constitucional63. Portanto, se é verdade que a transição

angolana deve-se em parte a factores externos, como assegura Messiant “a

61 Entre Setembro a Novembro de 1992. 62 Lei n.º 12/91 de 6 de Maio. 63 Esse pacote legislativo incluía a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 13/91) que alterava as condições de

atribuição, aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade, no quadro das transfrmações político-

constitucionais; a Lei das Associações (Lei n.º 14/91), que criava condições de formação de organizações

da sociedade civil; a Lei dos Partidos Políticos ( Lei n.º 15/91), que criara a possibilidade de formação de

partidos; a Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação (Lei n.º 16/91) e a Lei sobre o Estado de

Sítio e Estado de Emergência ( Lei n.º 17/91).

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democratização institucional e as eleições são menos objectivos procurados por si

próprios do que meios para atingir a pacificação” (id.,ibid.) em que os actores

internacionais da guerra-fria jogam um papel preponderante, não é menos verdade que

os actores internos, principais “protagonistas de uma guerra civil de raízes históricas

bem determinadas na rivalidade das elites dirigentes” (Pestana, 2002:1) foram

fundamentais para um processo que para além da pacificação, assentava numa

estratégia de competição pelo poder por via eleitoral. Mais do que isso, parece

evidente que esse processo fora começado, mesmo antes das mudanças profundas no

contexto político internacional, com todas aquelas alterações no sistema político e

económico, impulsionados posteriormente, com os acordos de paz de Bicesse. A ideia

de “imposição pelo exterior e pela força” argumentada por Messiant (2008) é também

limitada pelos resultados posteriores de acordos, cuja a intervenção internacional foi e

não significativa64 e pela discricionariedade, como assinala Chabal (2008) no ritmo

das reformas económicas e até mesmo políticas.

2.2.1. Processos de formação dos Partidos Políticos

Os movimentos de libertação que conduziram a luta armada pela independência

não eram partidos propriamente ditos e as transformações posteriores a independência

nas suas estruturas não alterou essa lógica. Essas transformações conduziram o MPLA a

tornar-se partido-Estado, registando-se uma relação complexa entre o partido (MPLA) e

o Estado, confundindo-se muitas vezes um e outro, aliás o Presidente do Partido e do

Estado, Agostinho Neto assegurava que “os órgãos do Estado da Republica Popular de

Angola guiar-se-ão pelas directrizes superiores do MPLA mantendo-se assegurada a

primazia das estruturas do movimento sobre as do Estado (MPLA, 1985:37). Era mais

do que evidente a encarnação do partido no Estado e não numa organização, próprio de

um partido político como tal. Essa categorização inclui também a UNITA, ora auto

designando-se partido ora movimento de resistência nacional, com uma faceta

militarizada que criou um pseudo-Estado “As Terras Livres de Angola” (UNITA, s.d.,

p. 26) onde exercia a sua autoridade política e militar.

64 A referência recaí aqui para o Protocolo de Lusaka (1994), que não alterou significativamente nem o

processo de paz, nem a transição e o Memorando de Entendimento de Luena (2002) que foi alcançada

numa total ausência da comunidade internacional.

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Assim, os partidos políticos no sentido pluralista (competitivo) datam apenas da

primeira metade da década de 90, com a transição para a paz, para o multipartidarismo e

para a economia de mercado. O processo de formação não foi uniforme e nem

automático, apresentando uma diversidade de factores, cuja descrição e classificação

afigura-se difícil, ainda que os factores exógenos e os endógenos parecem

determinantes. Os factores exógenos estão relacionados às alterações políticas e

económicas do contexto internacional (desmembramento do bloco socialista, queda do

Muro de Berlim e fim da Guerra Fia), que criaram condições favoráveis para o início da

transição democrática em Angola, com as alterações nos principais intervenientes no

conflito armado65. Não obstante, o impacto das transformações não foram tão

determinantes nos partidos que emergiram nos primeiros anos da década de 90, sem

qualquer trajetória política ao longo da história dos grupos políticos angolanos. Ainda

assim, há que assinalar a sua influência nos núcleos de base da formação dos referidos

partidos, cujos membros renunciaram as três forças políticas existentes (MPLA, UNITA

e FNLA)66. A respeito das influências das alterações da conjuntura internacional, André

Milton Kilandomoko, Presidente do PSDA assegurava que:

“O final da guerra-fria também foi importante para nós, sabíamos que o fim do regime também

estaria próximo em Angola (...) a ideia do partido já estava presente, mas não havia condições para

concretizar (...) Mas quando muro de Berlim caiu, URSS caiu e começamos a ver aqui em África Estados

a cair, sabíamos que aqui também ia cair” (Menezes, 2007:58)

Por seu turno, os factores endógenos estão associados às transformações

ocorridas ao nível interno e que podem ser divididos em político-institucionais e

económico-sociais. No primeiro caso, a incidência recaí primeiro, para os Acordos de

Paz de Bicesse entre as partes envolvidas no conflito armado, que punha fim ao conflito

armado e que preconizava a realização de eleições pluripartidárias com o princípio de

que “todos os partidos e pessoas interessadas poderem organizar e participar no

processo eleitoral em condições de igualdade, independentemente das suas posições

políticas” (Santos, 2005:21). E segundo, para a Lei de Revisão Constitucional67 que

consagrava o pluripartidarismo e o pluralismo de expressão e organização política e um

65 Essas alterações foram um impulso para a negociação com vista a paz e o multipartidarismo. 66 No caso do MPLA, esses membros incluem Joaquim Pinto de Andrade e Luís dos Passos (PRD);

Alberto Neto (PDA), Miguel Jõao Sebastião ‘’ Tetembwa’’, Alexandre Sebastião André (PAJOCA); José

Manuel Miguel (PSD), Eduardo Kwangana, António Mwatchikungo (PRS) entre outros; Na UNITA

realce para George Chicoti (FDA), N´zau Puna, António da Costa Fernandes (TRD) e na FNLA,

Nfulupinga N´landu Victor (PDP-ANA) entre muitos outros 67 Lei n.º 12/91 de 6 de Maio.

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quadro legislativo posterior que definia o processo de constituição, organização e

funcionamento dos partidos políticos. No segundo caso, a incidência recaí para o

impacto das transformações políticas na dimensão económica e social dos indivíduos,

tomados isoladamente ou em grupo, uma vez que o contexto de “crise económica e

fracasso social” (Messiant, 2008:137), criava incentivo para a constituição de uma

comissão instaladora e posterior legalização do partido, pelo acesso aos recursos

disponíveis68. Mais do que isso, havia ainda a possibilidade de afirmação social, com

aquisição de outro status social, pois, aos membros de direcção daquelas estruturas eram

proporcionados alguns privilégios.

Os processos de formação de partidos políticos conheceram três fases. A

primeira fase (1991-1992) corresponde ao período em que a transição para a paz e para

a democracia tem início, com Acordos de Paz de Bicesse e a revisão constitucional,

assumindo-se o princípio do multipartidarismo. A revisão constitucional consagra a

ideia pluralista de partido ao concebe-lo como organização que “concorre em torno de

um projecto de sociedade e de um programa político, para a organização e para

expressão da vontade dos cidadãos por meios democráticos e pacíficos”. Essa

consagração constitucional viria a ser concretizada pela Lei dos Partidos Políticos69, o

instrumento legal para a formação, organização e exercício da actividade partidária. O

processo de constituição de partido político, no quadro dessa legislação, passava por

três fases: a primeira corresponderia à criação e legalização de uma Comissão

Instaladora (CI) que se ocuparia dos preparativos de criação, organização e inscrição do

partido 70 ; a segunda fase, o pedido de inscrição ao Tribunal Popular Supremo (TPS),

acompanhada de um mínimo 3 mil cidadãos (maiores de 18 anos e no pleno gozo dos

seus direitos políticos e civis), dentre os quais, pelo menos 150 residentes em cada uma

das 14 províncias das 18 que integram o país71; Finalmente, a terceira e última fase,

corresponderia a publicação da decisão do Presidente do TSP, acompanhado dos

estatutos, programas, sigla e logotipo gráfico do partido (artº 17). Esse reconhecimento

68 Como veremos adiante, estavam disponibilizadas verbas avaliadas em 15 e 60 milhões de Kwanzas

para as CI e partidos políticos. 69 Lei nº 15/91 de 6 de Março. 70 A CI poderia solicitar o credenciamento através da descrição dos objectivos, síntese do programa,

estatutos e projecto de denominação, bem como a relação nominal dos membros da CI (7 a 20 membros),

acompanhada do BI e Certificado do Registo Criminal (Art.º 13: 1-2). Uma vez credenciada era atribuída

um prazo de 6 meses para requerer a inscrição do partido. 71 A este pedido, juntar-se-ia a relação nominal dos requerentes, com indicação do respectivo local de

residência e domicílio, o documento comprovativo da capacidade eleitoral, os estatutos e programas do

partido e a declaração dos requerentes que aceitam os estatutos e programas. Era também exigida uma

prova da aprovação dos Estatutos e programas em Assembleia Nacional ou em Congresso (Art.º 14:1;5);

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formal é relevante, não só para a sua legitimação, a partir da aquisição de um status

legal que lhe confere autoridade para exercer qualquer actividade política, mas também

para beneficiar de quaisquer privilégios definidos, quer sejam financeiros ou não.

Mas essa engenharia partidária, assentava num modelo prescritivo cuja

estratégia estava voltada para a determinação de limites na constituição e no exercício

partidário, procurando-se com isso restringir a formação de partidos com bases

etnolinguísticas e etno-regionais, anular a componente ou ligação à organizações militar

ou paramilitares e até eliminar qualquer influência estrangeira, sobretudo no domínio do

financiamento político-partidário72. Esse modelo foi incapaz de viabilizar a formação de

partidos, já que num clima de tensão político-militar, apesar do cessar-fogo e a paz em

curso, era difícil cumprir com todos requisitos legais73. Essas dificuldades apontadas na

Reunião Multipartidária 74, gerando alterações no tipo de regulação partidária, com

adopção de uma Resolução sobre a simplificação da constituição dos partidos que criou

facilidades burocráticas75 e no domínio financeiro, um decreto76 que assegurava a

prestação de apoio financeiro por parte do Governo, com aprovação de ‘subsídios de

instalação’ de 15 milhões de Kwanzas para as CI e 60 milhões de Kwanzas para os

partidos já legalizados77, bem como adopção de facilidades protocolares. Essas medidas

viriam a ser consagradas na nova Lei dos Partidos Políticos78 que acrescentou ainda s

facilidades aduaneiras e mais do que isso, alterou o número de assinaturas, de 3 mil para

1500, dentre as quais, 100 para cada uma das 10 províncias, das 18 que integram o país,

resultando na legalização de 26 partidos políticos, incluindo aqueles oriundos dos

movimentos de libertação.

72 Ver artº 4 da Lei de Revisão Constitucional (Lei nº 12/91 de 6 de Maio) e artº 5 e 6 da Lei dos Partidos

Políticos (Lei nº 15/91). 73 Uma das grandes dificuldades era o número de assinaturas exigidas ao nível nacional e por províncias,

bem, sobretudo por causa do tempo disponível para a organização desse processo (6 meses) e as

dificuldades em recolher assinaturas nas zonas controladas pela UNITA, para além das dificuldades

financeiras para custear essas despesas (vide Santos, 2005:47-50). 74 Reunião de Auscultação entre o Governo e outras formações políticas ao abrigo do acordo de Bicesse

era um canal fundamental de reivindicação e manifestação da opinião dos partidos recém-formados,

ainda que tivesse natureza não vinculativa. Esta foi realizada entre 14 e 25 de Janeiro de 1992. 75 A Resolução nº25/91 de 6 de Dezembro garantiu a dispensa do atestado de residência aos cidadãos

requerentes do pedido de inscrição, nos casos em que a residência já consta do bilhete de identidade, a

emissão do atestado de residência pelas autoridades locais, também por via do averbamento no verso da

ficha individual de inscrição; a substituição da fotocópia do bilhete de identidade por outros documentos

e, finalmente, a possibilidade de renovar o credencimento dos membros das CI. 76 Decreto-lei nº 78/91 de 20 de Dezembro. 77 Com a possibilidade de compra de moeda estrangeira (dólares). 78 Lei nº 4/92 de 27 de Março.

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A segunda fase do processo de formação dos partidos (1993-1997) corresponde

ao período pós-eleitoral e está marcado por períodos intercalados de guerra e de paz.

Nessa fase, a ausência da influência de factores exógenos é marcante, pois o contexto

internacional está sobretudo voltado para a paz e para realização da 2ª volta das eleições

presidenciais. Porém, os factores político-institucionais e económico-sociais também

foram determinantes para o processo de formação, em função do contexto variável de

guerra, de paz e de eleições. No primeiro caso, o destaque recaí para a crise pós-eleitoral

e o reinicio da guerra, com contornos ainda maiores, uma vez que toda acção do Estado

está voltada para a guerra e para a legitimação do processo eleitoral ainda inconclusivo,

mercê da não realização da segunda volta das eleições presidenciais. Mas essa questão

não se colocava ao nível das eleições legislativas, onde os resultados ainda que

contestados, deram vitória ao MPLA, que se manteve no poder. Há que referir ainda

assinatura do Protocolo de Lusaka, que retoma os pontos pendentes de Bicesse e cria

um ambiente de quase paz e quase guerra. Contudo, mantém-se o mesmo quadro

legislativo pré-eleitoral e assim também, as influências de factores económicos e

sociais, sobretudo no domínio do financiamento do processo de formação partidária.

Mantém-se as regalias económicas da constituição de partidos, com os subsídios de

instalação às CI’s e aos partidos legalizados, sobretudo num contexto marcado por

enormes disfuncionalidades económicas e sociais, alta inflação, informalidade da

economia, pobreza, corrupção (Messient, 2008)79.

A terceira e última fase (1997-2008) corresponde ao período de implementação

do Protocolo de Lusaka, a tomada de posse da maioria dos Deputados da UNITA, a

institucionalização do GURN, seguindo-se o agudizar do conflito armado e com ele, o

alcance da paz em 2002, registando-se uma alteração profunda no quadro legislativo

existente. Procurava-se com a publicação da nova Lei dos Partidos Políticos80, diminuir

o surgimento do “elevado número de partidos políticos e comissões instaladoras e

assim, estabelecer um quadro consentâneo com a seriedade e a dignidade constitucional

ao papel dos partidos na sociedade angolana”. E a estratégia consistiu em aumentar

significativamente o número de assinaturas requeridas, passando de mil e quinhentos

(1500) para cinco mil (5000) e dentre os quais 150 de cada uma das 18 províncias,

79 Parecia tentador a ideia de criar um partido político, com todas aquelas facilidades administrativas e ter

acesso à todos aqueles benefícios económicos, aos quais, juntar-se-iam as facilidades protocolares e

aduaneiras, assistindo-se a emergência do maior número de partidos políticos. Nesta fase constituiram e

legalizaram-se 92 partidos políticos. 80 Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 2/97 de 7 de Março)

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contrariamente as 100 assinaturas de 14 províncias da legislação anterior. Mais do que

isso, retirou-se o apoio financeiro que era prestado às CI’s, passando-se a condicionar o

credenciamento dos membros à apresentação de “documentos comprovativos do

património e dos recursos financeiros de que se dispõe para o início da sua actividade”,

e limitou-se às facilidades protocolares à legalização do partido.81Porém, a alteração

continuou com o final da guerra em 2002 e o aumento das expectativas eleitorais,

dando origem a uma nova lei82, que aumentou ainda mais o número de assinaturas,

passando de cinco mil para sete mil e quinhentas, emergindo apenas dois partidos83.

Portanto, aqui já não se trata de promover a criação, nem tão apoiar activamente a

constituição e o funcionamento de partidos, mas sim conter a propagada proliferação

partidária (Santana, 2006:96) vivamente criticada e até mesmo reduzir o número

existente84.

Quadro nº 2.3. Processos de Formação dos partidos políticos

Fases

Dimensões

1ª Fase

(1991-1992)

2ª Fase

(1993 – 1997)

3ª Fase

(1997– 2008)

Nº de assinaturas requeridas 1500 1500 5000* e 7500**

Simplificação administrativa Sim Sim Não

Subsídios de instalação às CI Sim Sim Não

Facilidades protocolares e

aduaneiras

Sim Sim Limitada

Total de partidos criados 27 92 8

*Conforme a Lei nº2/97 de 7 de Março. ** Conforme a Lei nº 2/05 de 1 de Julho.

Fonte: Elaborado a partir da Lei nº 4/92 de 27 de Março; Lei nº 2/97; Lei nº 2/05

81 Não há registo público de qualquer comissão instaladora credenciada nesse período e os partidos

políticos legalizados ANIA, PREIA, UPA, UNRD, PUDAD, PUFRAS e FEDA deram entrada do

processo de legalização antes do novo quadro legal. 82 Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 2/05 de 1 de Julho) 83 PDUNA e ADAC. 84 Pela primeira vez, a legislação consagrou a extinção do partido por via jurisdicional, sempre que o

partido não participe por duas vezes consecutivas nas eleições, o número de filiados seja inferior a 7500,

não apresente registos das actas comprovativas (durante 7 anos) de eleição dos órgãos de direcção do

partido, não possua delegações ou representantes em pelo menos 12 províncias do país e não atinja uma

percentagem eleitoral equivalente a 0,5 em eleições legislativas

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Capítulo – III: Os processos eleitorais de 1992 e 2008

3.1. O processo eleitoral de 1992

O processo eleitoral de 1992 nasceu essencialmente dos acordos de paz e de

Bicesse, por mais que as transformações políticas e económicas tivessem começado

desde os finais da década de 80 e princípio de 9085, que definiu dentre os documentos

essenciais, o Protocolo do Estoril, cuja primeira parte era dedicada às eleições. Aqui

definia-se a realização de eleições presidenciais e legislativas, precedidas de campanhas

eleitorais, a participação de todos cidadãos adultos, bem como de todos partidos

políticos, aos quais seria garantida, a total liberdade de expressão, associação e acesso

aos meios de comunicação social. A gestão do processo eleitoral foi encarregue ao

governo, cujo aparelho do Estado era ainda controlado pelo MPLA, tendo a UNITA

recusado fazer parte de qualquer instituição estatal (cf. Santos, 2005; Muekalia, 2010).

Paralelamente à preparação das eleições, estava em curso a supervisão do acordo de

cessar-fogo, a desmobilização, a criação de um exército único, a extensão da

administração do Estado aos territórios sob o controle da UNITA, também previsto nos

acordos de paz, com uma lógica diferente, na medida que não havia um limite temporal

para a sua concretização.

Mas apesar de se ter definido um limite temporal para a realização das eleições

(1/09 a 1/11/ de 1992), a sua convocação tardava a acontecer, criando alguma tensão

entre as partes. Em posições desencontradas, o Governo defendia que “a data das

eleições não podia ser fixada até que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) fosse

definido” e que “não poderia haver eleições nas áreas controladas pela UNITA, a menos

que administração central do Estado pudesse ser alargada a essas áreas” (Anstee,

1997:133;136). Por seu turno, a UNITA defendia a sua marcação imediata, sem a qual

poderia haveria problemas e, assinalava a “subordinação de todas as outras actividades

ao calendário eleitoral” (Santos, id., p.26). O anúncio da data das eleições (29 e 30 de

Setembro) foi seguido de um conjunto de medidas, sobretudo da parte do Governo, a

quem os acordos atribuíam responsabilidades no âmbito do controlo formal do Estado

85 Aliás esse conjunto de alterações só seriam possíveis num contexto de paz efectiva.

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até as eleições86, cabendo proceder alterações à Lei Constitucional e a preparação do

pacote legislativo-eleitoral e um processo de consultas através das reuniões

multipartidárias87. Adoptou-se o sistema de governo semipresidencial e um parlamento

composto por 223 Deputados, eleitos pelo sistema eleitoral de representação

proporcional, com três círculos eleitorais (nacional, provincial e do exterior)88 listas

fechadas e bloqueadas. Para as eleições presidenciais foi definido o sistema maioritário

a duas voltas. Uma vez definido esse quadro legal foi constituído o CNE, composta por

34 membros, escolhidos ou indicados pelas autoridades governamentais, judiciais,

partidários e eleitorais (ver quadro nº 3.2.), cuja estrutura estava repartida entre a

directoria e os conselhos provinciais. Seguiu-se o recenseamento eleitoral, que numa

maré de dificuldades logísticas e financeiras para aceder aos lugares remotos e

inacessíveis durou 80 dias e registou-se 4. 828. 626 eleitores.

3.1.1. Campanha eleitoral, participação dos eleitores e resultados

A candidatura dos partidos políticos não foi precedida de qualquer pré-

condições, bastando apenas a sua legalização, o que facilitou a formalização dos 17

partidos e uma coligação para as eleições legislativas, bem como as 11 candidaturas que

se registaram para as eleições presidenciais, onde a regra foi o apoiar os candidatos dos

dois grandes partidos (MPLA e UNITA)89. A campanha eleitoral foi intensa e abriu

oficialmente para a maioria dos partidos políticos a 29 de Agosto, embora os dois

principais partidos já estavam envolvidos em actos políticos de massas, antes mesmo

desse período, em províncias como o Huambo, Huíla e Luanda, com apelos à paz,

eleições livres e justas, mas também com declarações de victória antecipada. Nesta

lógica, ela foi sempre dominada pelos dois partidos envolvidos no conflito armado, que

86 O Ministério da Administração do Território (MAT) foi criado pelo Decreto nº 35/91 com

competências no domínio eleitoral, sobretudo promover a realização do recenseamento eleitoral e

assegurar o registo dos cidadãos eleitorais. 87 Dessas actividades foram elaboradas e aprovadas a Lei Constitucional de 1992, a Lei Eleitoral, a de

Observação Internacional, a do Conselho de Comunicação Social, o de Direito de Antena dos Partidos

Políticos e da Reguladora do Exercício da Actividade de Radiofusão. 88 O círculo nacional elege 130 Deputados através do método de Hare, os círculos provinciais (18

círculos, uma vez que cada província corresponde a um círculo e elege 5 Deputados) elege 90 Deputados

através do método de Hond´t. 89 Os 17 partidos políticos participantes nas eleições legislativas foram o MPLA, UNITA, FNLA, PLD,

PRS, PRD, PSD, PAJOCA, FDA, PDP-ANA, PNDA, CNDA, PSDA, PAI, PDLA, PDA, PRA e a

coligação AD-Coligação.

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para além de possuir estruturas que permitissem conduzir a campanha por todo país,

beneficiavam ainda das fragilidades dos outros partidos, recentemente criados e sem

recursos e ideias claras sobre o processo. A campanha serviria assim para intensificar a

bipolarização política, pois, o MPLA ainda Governo, detinha poder sobre a

comunicação social pública e a UNITA, tinha “a bem estabelecida Rádio Vorgan e um

serviço de TV” (Anstee, 1997:179), assim como uma máquina partidária, que conseguia

mobilizar ao longo do país, com os seus líderes a embarcarem numa sequência de

discursos extenuantes perante grandes multidões, numa combinação de moderação e

radicalismo da parte da UNITA e de moderação e diplomacia da parte do MPLA

(Anstee, 1997; Guerra, 2002; Valentim, 2010).

Por sua vez, os pequenos partidos, procuravam mobilizar nas principais

províncias do país, muitas das quais o acesso era limitado, sobretudo nas zonas

controladas pela UNITA. Para além dessas dificuldades de acesso, apresentavam ainda

algumas limitações nos seus recursos financeiros, na falta de transportes, nas

dificuldades de acesso à comunicação social, mas também limitações dos seus recursos

humanos, sobretudo na incapacidade de preencher o tempo de antena na televisão e na

rádio, quando não proporcionavam “monólogos enfadonhos” (Anstee, 1997:179).

Embora tivesse uma herança histórica que lhe permitisse assegurar-lhe como a terceira

força política, a FNLA não conseguiu evitar a bipolarização da campanha, com

comícios pouco concorridos, nem com os apelos de reconciliação e perdão presentes

nos discursos do seu líder (Albuquerque, 2002:180; Anstee, 1997:187). Apesar da sua

intensidade, marcada pela pressão mútua dos dois partidos envolvidos no conflito, com

retóricas de vitória e incidentes no Huambo e no Kuito (Bíe)90, a campanha foi

relativamente pacífica e a participação dos eleitores foi ainda mais pacífica e mais

ordeira (Santos, 2005; Valentim, 2010; Muekalia, 2010).

A participação dos eleitores foi significativa, tratando-se de uma primeira

eleição e do clima de tensão militar em que ela ocorreu, sobretudo nalgumas localidades

do país. A falta de uma tradição eleitoral e a falta de conhecimentos sobre o

funcionamento dos boletins também foi refletida nos votos nulos e brancos, aliás, o total

de votos brancos e nulos (13%) é superior quer ao terceiro partido mais votado, quer ao

90 Esses incidentes que registaram o uso de armas de fogo, ocorreram nestas províncias envolveram

militantes do MPLA e da UNITA (incluindo soldados) e resultaram em quase uma dezena de mortes e

feridos. O relatório da Comissão Conjunta Política e Militar (CCPM) que era constituída essencialmente

pela UNITA e o MPLA concluiu que os actos deviam-se a um clima de medo e suspeição das partes. (cf.

Anstee, 1997; Alburquerque, 2002).

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conjunto dos partidos (10%), sem o MPLA e a UNITA (77%). Assim, os dois principais

partidos envolvidos no conflito armado foram os principais vencedores, cujas diferenças

com os demais partidos, incluindo a FNLA foi significativo. Entre os partidos políticos

mais pequenos, o PRS ultrapassou a FNLA em termos de assentos legislativos, ainda

que tenha obtidos menos votos e o PLD esteve próximo ao PRS, ao passo que o PDP-

ANA conseguiu 1 assento legislativo, ainda que com menos de 1% dos votos.

Quadro nº 3.1. Partidos, candidatos e resultados eleitorais (1992)

Partidos – Líder91

Resultados

Eleições Legislativas (%) Eleições Presidenciais (%)

MPLA – JES 54 49

UNITA – JS 34 41

FNLA – HR 2,4 2.1

PRS-AM 2 -

PLD-AVP 2 0,3

PDP-ANA – NLV 0,3 -

Fonte: Santos (2005); Clemente-Kersten (2004)

Porém, se a campanha eleitoral e o acto de votação foi particularmente pacífico,

o mesmo não se pode dizer relativamente à contagem dos votos, que foi alías, o ponto

da discórdia e por conseguinte, o móbil do reinício do conflito armado. Como o acto

eleitoral decorreu durante dois dias, colocava-se a questão da segurança dos boletins

eleitorais, sobretudo a noite de contagem e apuramento dos resultados. A UNITA

construiu o seu argumento de fraude, particularmente através da presença de mesas de

votos fantasmas, para além da violação da lei eleitoral durante o apuramento e a sua

fiscalização (Muekalia, 2010:280), mas também do transporte de urnas para os centros

de contagem, sem uma contagem prévia nas assembleias locais e a divulgação dos

resultados pela comunicação social pública em paralelo à CNE (Valentim, 2010:293).

91 JES (José Esduardo dos Santos); JS (Jonas Savimbi); HR (Holden Roberto); AM (António

Muatchikungo); AVP (Anália de Victória Pereira); NLV (Nfulipinga Nlandu Victor). O PRS e PDP-ANA

e os seus respectivos líderes desisitiram da corrida presidencial e apoiaram o MPLA e a UNITA. Os

outros candidatos eram Alberto Neto (PDA), Honorato N´landu (PDLA), Luís dos Passos (PRD), Pedro

Bengui (PSD), Simão Cacete (AD), Daniel Chipenda (PNDA) e Rui de Victória Pereira (PRA).

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Mas argumenta-se que as deslocações das urnas ocorreram com “a cooperação dos

membros dos Gabinetes municipais e foram igualmente testemunhados por

observadores internacionais e pelos delegados de listas”, da mesma forma que “as urnas

contendo votos, deixaram de ser acompanhados pelos representantes dos partidos”

(Santos, 2005:154). E apesar de algumas irregularidades no processo de contagem, os

resultados eleitorais não foram afectados ao ponto de configurar fraude eleitoral (id., p.

157-158), aliás, conforme a declaração da representante das Nações Unidas, Margareth

Anstee, “não houve evidência de fraude sistemática ou de que as irregularidades fossem

de uma magnitude que pudesse ter um efeito significativo sobre os resultados (...)”. E

continuava “nem sequer (…) se poderia determinar que tais irregularidades tivessem

penalizado ou beneficiado um só partido ou conjunto de partidos” e por isso, “com

todas as insuficiências levadas em consideração, as eleições podem ser consideradas, de

uma forma geral, livres e justas” (id., p. 2005:183). Portanto, o MPLA, o partido

vencedor das eleições legislativas (nas presidenciais era preciso uma 2ª volta) alinhava

no discurso da comunidade internacional, com o seu líder a assegurar “nada, nem

ninguém pode pôr em causa a justeza e a isenção da contagem” (Valentim, 2005:302).

Mas a declaração da comunidade internacional foi insuficiente para contrapor o

argumento da fraude da UNITA, que assinalava que “o MPLA não está a ganhar, nem

pode ganhar” (Anstee, 1997:274). E estando em causa não só a perda das eleições, mas

sobretudo “o prestígio da UNITA e do seu líder e candidato” (Santos, 2005:164), “o

retorno à guerra era única saída para os combatentes” (Valentim, 2010:295).

3.2. O processo eleitoral de 2008

As eleições de 2008 também foram realizadas num contexto pôs-conflito, tendo

sido igualmente precedido de um ‘acordo de paz’, embora aqui a possibilidade de

retorno ao conflito era quase nulo. O Memorando de Entendimento do Luena (2002)

não é propriamente um acordo, pois que foi basicamente concebido pelo Governo para

questões estritamente militares, pendentes dos acordos de Bicesse e do Protocolo de

Lusaka. As eleições não faziam parte dos princípios essenciais do Memorando, mas a

sua realização era uma exigência pôs-conflito, sobretudo para a reposição do quadro

político-institucional de uma transição democrática. Mas não estava pré-estabelecida em

parte alguma como em 1992 e neste caso, não havia limite temporal, a sua marcação

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dependia sobretudo de um possível acordo entre o Governo92 e outras forças políticas,

que pressionavam a sua realização, sobretudo depois do final da guerra. A UNITA

fragilizada pela derrota militar perdeu todo o seu poder de chantagem, o que lhe restava

articular com os outros partidos da oposição para pressionar o Governo, que detinha

toda a legitimidade, mas também toda vontade de adiar as eleições em função dos seus

interesses políticos.

3.2.1. Os impasses eleitorais

A pressão política para a realização de eleições, data da segunda metade da

década de 90, quando emerge na opinião pública, a discussão sobre o longo mandato do

Presidente e dos Deputados, sobretudo no período pôs-Lusaka, em que se assiste a uma

quase paz, com a tomada de posse dos Deputados da UNITA e do GURN. O final da

guerra aumentou consideravelmente a pressão política por parte da oposição para a

realização de eleições, contando com o concurso de organizações da sociedade civil,

através da organização de debates, fóruns, marchas tímidas e pressão diplomática, para

a realização de eleições (Santana, 2011; Samakuva, 2013). O Governo justifica a não

realização de eleições à alteração constitucional em curso, com a criação da Comissão

Constitucional e a aprovação dos 27 princípios que delimitavam a aprovação de uma

nova constituição93 (Santana, id., p.21-24)94. Porém, a oposição exige a marcação das

eleições sem quaisquer pré-condições e abandona a comissão constitucional em 200495,

para forçar o Governo a fazê-lo, mas também para levar a discussão constitucional para

além do fórum parlamentar. Essa estratégia política da oposição parlamentar, parecia

pela primeira vez encontrar uma plataforma consensual, para exercer pressão política ao

92 O Governo era resultado do processo eleitoral de 1992 e do arranjo institucional de 1994, resultado do

protocolo de Lusaka, para integração da UNITA e de alguns partidos, como parte da solução para a paz.

Porém, era dirigido pelo MPLA na sua condição de vencedor das eleições e o papel dos membros de

outros partidos era secundário 93 A Comissão Constitucional criada a 28 de Outubro de 1997, cuja composição dependia da

proporcionalidade presente na Assembleia Nacional, aprovaria a 28 de Fevereiro de 1999, os princípios

de que serviria de bases para uma nova constituição. 94 O Presidente da República falou na possibilidade de realização de eleições em 2001 em visita a Cabo

Verde, vide o Jornal semanal Angolense de 04 a 11 de Junho de 2004, edição nº 281, página 7. 95 A oposição parlamentar era constituída principalmente ela UNITA, PRS, FNLA, PLD e pelo grupo dos

7 partidos, que possuíam apenas um Deputado.

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Presidente96. A oposição parlamentar contrariava assim a posição do Presidente sobre a

convocação de eleições gerais para 2006, ao considerar haver condições para a sua

realização, ainda no segundo semestre de 2005. Mais do que isso, considerava que o

MPLA tinha “um sentido de Estado com pendor totalitarista e monopartidarista e que a

oposição revelava um verdadeiro sentido de Estado democrático e multipartidário” e

procurava contrapor sobretudo “a vontade unilateral do Presidente e do MPLA”, com

acções de sensibilização nacional e no estrangeiro e até mesmo “acções mais

contundentes”97. O Governo acusava a oposição de “falta de sentido de Estado

institucional e de privilegiar o diálogo”98.

Não obstante, a oposição ter conseguido com a pressão, a realização do

Conselho da República e a sua deliberação para apresentação de um cronograma com a

data da realização das eleições, o impasse que se registou retardou o processo eleitoral e

esvaziou por completo a eficácia da estratégia da oposição, quando se extinguiu a

Comissão Constitucional por iniciativa do MPLA99. Essa iniciativa foi precedida da

apresentação de uma proposta de calendarização eleitoral, que definia desde a

aprovação do pacote constitucional e legal, a organização do registo eleitoral, a

preparação das condições logísticas, a organização e funcionamento da CNE,

apresentação de candidaturas pelos partidos até a organização do próprio acto eleitoral.

Essa proposta que procurava na expressão do MPLA, clarificar o seu posicionamento,

apresentava um cronograma que ia desde Outubro/2004 até Setembro/2006, data em que

as eleições deveriam ocorrer. O que parecia revelar um resultado desejável à oposição,

sobretudo com apresentação da proposta de calendarização pelo Governo, acabaria por

se transformar num handicap, quando concordou com a proposta de eleições para 2006,

contrariamente à posição evidenciada anteriormente (2º semestre de 2005) e quando

assumiu que as eleições poderiam ser realizadas sem uma nova Constituição100.

96 O comunicado de imprensa acusava o Presidente de “usar palcos estrangeiros para dar possíveis data

das eleições e não dizer em Angola”. Ver Semanário Angolense (22/29 de Maio de 2004). 97 As acções contundentes estavam centradas em manifestações de rua, conforme declarava Daniel

Maluka, Deputado da Bancada da UNITA. Jornal Angolense (04/11 de Junho de 2004). 98 Bornito de Sousa, líder Parlamentar do MPLA, em reacções à iniciativa da oposição parlamentar em

abandonar a Comissão Constitucional. Semanário Angolense (22/29 de Maio de 2004). 99 A Comissão Constitucional foi extinta a 9 de Novembro de 2004 sob o protesto da oposição. 100 Ismael Mateus referiu-se num artigo de opinião que, a oposição conseguiu inicialmente levar o

Presidente da República, a auscultar outras vozes e trazer para o primeiro plano, o debate sobre as

eleições, mas que acabou por meter-se num beco sem saída, com a sua incapacidade de fundamentar o seu

contínuo boicote. Também Graça Campos assina pelo mesmo diapasão, quando afirma que ao mérito da

realização do Conselho da República, seguiu-se paradoxalmente a perca do fôlego, quando a oposição

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Assim, a proposta de calendarização apresentada pelo MPLA, parecia ganhar

ímpeto e uma vez suspenso a questão constitucional, a prioridade passava pela

discussão e aprovação do pacote legislativo eleitoral. Esse processo teve duas fases

distintas, uma consensual, que se consubstanciou na discussão e aprovação de um

conjunto de leis (Lei da Nacionalidade, dos Partidos Políticos, da Observação Eleitoral,

do Registo Eleitoral e até as alterações à Lei do Financiamento dos Partidos Políticos) e,

uma não consensual, em que aprovação ocorreu por via da maioria do partido do

Governo, representado no Parlamento (Santana, id., p.28). No centro das divergências

da aprovação da Lei Eleitoral, estava o modelo de CNE, as suas competências, bem

como o envolvimento do MAT e a criação da Comissão Interministerial para o Processo

Eleitoral (CIPE). A oposição reivindicava uma CNE ‘independente’, mas que também

integrassem seus membros e que pudesse gerir todas as questões relacionadas ao

processo eleitoral. Na mesma proporção, o MPLA propunha uma comissão

‘independente’, mas que fosse integrada também por Juízes e outros membros da

Sociedade Civil, com destaque para o Conselho de Comunicação Social e que,

partilharia as competências do registo eleitoral com um órgão executivo101. Embora essa

divergência tenha resultado na aprovação unilateral da Lei Eleitoral e por conseguinte

do modelo proposto pelo partido no poder, a verdade é que o referido modelo foi em

grande parte, resultado das opções tomadas pela oposição parlamentar ao longo do

debate, que não foi capaz de apresentar “um modelo coerente” e que adoptou uma

“posição no mínimo ambígua (...) queria de facto uma comissão técnica, credível,

profissional e isenta e ao mesmo tempo o preenchimento dos cargos na CNE” (Santana,

2006:35-36).

Assim, não muito diferente da composição de 1992, o modelo combinava

integrantes provenientes das autoridades governamentais, judiciais, partidárias (através

da Assembleia Nacional) e da sociedade civil e, a sua estrutura compreendia para além

dos órgãos nacionais, os órgãos provinciais e municipais, que reproduziam a mesma

mudou subitamente de opinião e apontou 2006 como data das eleições. Ver Semanário Angolense, de

28/08 a 04/09 de 2004 101 O Governo considerava o registo um acto administrativo. E ao MAT foi atribuída a preparação das

condições técnicas e materiais para a realização das tarefas conducentes à realização de eleições, bem

como a organização, gestão e manutenção do FICRE Ficheiro do Registo Eleitoral (FICRE).

A discussão se intensificou com a criação da Comissão Interministerial para o Processo Eleitoral (CIPE)

pela Resolução do Conselho de Ministros 34/04 de 21 de Dezembro e era constiuído pelo MAT,

Ministério dos Correios e Telecomunicações e Ministério do Interior, sob coordenação do titular do MAT

cuja finalidade assentava na preparação das condições técnicas, materiais e administrativas para a

organização e realização de eleições gerais.

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lógica constitutiva, distinguindo-se no número de membros (9)102. A grande diferença

nesse aspecto particular está relacionada à diminuição do número de integrantes da

CNE, de 34 para 11 membros e a anulação de representantes das candidaturas

individuais, bem como na redução de integrantes dos órgãos executivos (Presidente e

Governo) e até mesmo judiciais103. Contrariamente às eleições de 1992, houve uma

alteração na gestão do processo eleitoral, pois ao Governo não coube a responsabilidade

total de gestão do processo, uma vez que o seu papel ficou limitado ao registo eleitoral,

através do MAT e da CIPE104.

Quadro nº 3.2. Composição da CNE (1992 e 2008)

Órgão de indicação

e/ou Proveniência

CNE (1992) CNE (2008)

Presidente da República *(5) cidadãos

*Director-Geral das Eleições

* 2 cidadãos

Órgãos Judiciais

* 1 Juiz eleito pelo TSP

* 1 Magistrado Judicial indicado

pelo Presidente do TSP

* 1 Juiz do TS indicado pela

Plenária do tribunal

Órgãos Governamentais * Ministro da Administração do

Terrritório

* 1 representante do MIREX

* 1 representante do MAT

Partidos Políticos * 1 representante para cada

partido

* 6 cidadãos (indicados através da

Assembleia Nacional por razão da

proporcionalidade da representação

dos partidos)

Candidatos às Eleições

Presidenciais

* 1 representante para cada

candidato

__________________________

Conselho de Comunicação

Social

* 1 representante * 1 representante

Total 34 11

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Santos (2005) e da Lei nº

102 Aqui o Presidente é substituído pelo Governador, enquanto autoridade da província. 103 Quanto aos órgãos judiciais, a discussão recaiu sobre a constitucionalidade da integração de juízes na

CNE e nas estruturas provinciais e municipais eleitorais. Ver Santana (2006). 104 O coordenador da CIPE, Virgílio de Fontes Pereira, afirmava ainda que era preciso ter atenção a uma

série de dificuldades que o processo poderia encontrar, com destaque para a vulnerabilidade das fronteiras

nacionais terrestres e a fragilidade das estruturas locais, ver Jornal de Angola, de 6 de Setembro de 2006.

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Um processo eleitoral que parecia cada vez mais longo e complexo, conheceu

ainda “inúmeros bloqueios e atrasos” (Gomes, 2009), mesmo depois dos passos dados

na aprovação do pacote legislativo eleitoral, na definição da composição e das

competências da CNE, bem como do MAT e da CIPE. Para isso contribuiu a discussão

sobre a realização simultânea ou não das eleições legislativas e presidenciais, da qual a

oposição defendia eleições simultâneas e o MPLA eleições separadas105, até que se

chegou a um consenso quando foi anunciado no comunicado final da reunião do

Conselho da República (Dezembro de 2006) que por unanimidade, recomendava-se a

realização de eleições separadas, entre Maio e Agosto de 2008 (eleições legislativas) e

em 2009 (eleições presidenciais). O registo eleitoral começou em Novembro de 2006 e

durou quase um ano, contrariamente os 80 dias de 1992, sendo que após os seis meses

de registo, foi necessário prolongar por mais 90 dias, registando-se 8. 302. 657 eleitores,

com mais de 500 brigadas, cerca de 57. 323 Brigadistas e 13.764 fiscais dos partidos

políticos106, acompanhado também de observadores nacionais e estrangeiros, contando

nesse grupo com os 473 observadores de longa duração107. O concurso de organizações

da sociedade civil para a educação cívica eleitoral foi fundamental, sobretudo na fase do

registo, cuja acção de mobilização estendia-se para além das campanhas, incluindo

formação e sensibilização de eleitores para as fases subsequentes108, envolvendo

igualmente igrejas e autoridades tradicionais.

Se é verdade que o processo eleitoral foi longo e complexo, comparado a de

1992, não é menos verdade de que foi mais dinâmico e mais participativo, com um

envolvimento que começava no próprio executivo, no âmbito das estruturas criadas para

o registo eleitoral, MAT e CIPE, mas também de ministérios como o da comunicação

social, que definiu um programa de formação de jornalistas para cobertura eleitoral.

Porém, contrariamente às eleições de 1992, o processo de candidatura não foi

automático, ou seja, não coincidiu apenas com a estrita legalidade do partido, uma vez

que a legislação eleitoral109 exigia pré-requisitos mínimos para apresentação de

105 Há questão da realização do registo aos cidadãos no estrangeiro também provocou alguma controversa

entre a oposição e a CIPE, mas o mesmo acabou por não acontecer. Vide Jornal de Angola (6/11/2007). 106 Os partidos políticos beneficiaram de um financiamento estatal para o registo eleitoral. 107 Esses observadores faziam parte de um programa conhecido como PNASCAE, cujo objectivo era

observação e monitoria do processo eleitoral. 108 A CIPE, conforme o seu coordenador, defendia um reposicionamento de regras que determinassem o

modo de intervenção das ONG, cuja participação dependia da associação do seu objecto social ao

processo de participação, particularmente uma conexão com alguma actividade relacionada à educação

cívica eleitoral. Jornal de Angola (6/11/2007). 109 Lei Eleitoral (Lei nº 06/05 de 10 de Agosto).

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candidaturas, que consistia na subscrição de 500 a 550 assinaturas para os círculos

provinciais e 15 000 para o círculo nacional. Essa cláusula de exclusão foi sobretudo

questionada pela oposição extraparlamentar, que organizou uma frente reivindicativa

constituída por 31 partidos, argumentando que esse pressuposto era inconstitucional,

pois que “coloca em causa a capacidade e a personalidade jurídica dos partidos que já

foi adquirida a partir da sua legalização” para além da sua imprecisão, na medida que,

“não sabemos se vai ser simplesmente por uma rúbrica, se vai se exigir fotocópia do BI,

do cartão eleitoral”110. Esse pressuposto legal reduziu significativamente o número de

partidos concorrentes às eleições legislativas, pois, do universo de 98 partidos

considerados legais, apenas 10 partidos e 4 coligações reuniram os requisitos mínimos.

A legislação eleitoral manteve o sistema de representação proporcional para as eleições

legislativas, com listas plurinominais, fechadas e bloqueadas.

3.2.2. Campanha eleitoral, participação e resultados eleitorais

A campanha eleitoral foi intensa, mas menos emotiva e até dinâmica comparada

as eleições de 1992111 e embora oficialmente tenha sido aberto em Agosto de 2008, há

longos meses que os principais partidos políticos haviam intensificado a realização de

actividades políticas, desdobrando-se em actos políticos de massas e campanhas de

sensibilização do eleitorado nas principais praças eleitorais (Luanda, Benguela,

Huambo, Huíla, Bié, Uíge). Contudo, contrariando a bipolarização marcante em 1992, a

campanha foi claramente dominada pelo MPLA, que para além de possuir estruturas

que permitissem conduzir a campanha por todo país, beneficiavam do domínio do

aparato estatal e das fragilidades dos outros partidos, quase todos assolados por algumas

crises internas. Enquanto governo desde a independência, o MPLA detinha poder sobre

a comunicação social pública e mais recursos humanos e financeiros para as eleições,

verificando-se no nível programático e organizativo da sua campanha eleitoral. O

MPLA beneficiou ainda da entrada do seu líder, José Eduardo dos Santos, que também

110 Declaração política lida por Manuel Fernandes, em Conferência de Imprensa, no dia 06 de Dezembro

de 2007, ver Jornal de Angola do referido dia e Angolense, de 08 a 15 de Dezembro de 2007. Ver

também a edição do Jornal ‘A Capital’ de 08 a 15 de Dezembro de 2007. 111 Quase todos os jornais eram claros nesse domínio. Ver por exemplo as edições de Agosto e Setembro

dos jornais semanais ‘A Capital, Agora, Angolense, Cruzeiro do Sul, Independente, Semanário

Angolense, Folha 8’ entre outros.

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era simultaneamente Presidente da República e que desdobrou-se em visitas e

inaugurações oficiais em províncias como Benguela, Lunda-Sul, Huambo, Huíla e

outras, assumindo sobretudo nesta última o seu papel na campanha quando afirmou

“sou jogador, vou jogar pelo MPLA”112. A UNITA estava longe da sua performance de

1992, enfraquecida pela derrota militar e pela perda do seu líder, conformava-se com a

reinaugurada Rádio Despertar e com os tempos de antenas na rádio e na televisão. A sua

máquina partidária, fragilizada também por algumas crises internas113, não conseguiu

mobilizar ao longo do país e não tinha a mesma intensidade de 1992. Porém, continuava

a revelar ser o líder da oposição, apresentando o seu programa político e o seu manifesto

eleitoral, cerca de 7 meses antes das eleições, levando posteriormente a cabo actividades

de sensibilização do eleitorado, com comícios e outros actos políticos em diversas

regiões do país.

Por sua vez, os pequenos partidos apresentavam algumas dificuldades, sobretudo

a fraca experiência no domínio da “concepção, estruturação e implementação de

campanhas eleitorais” (Santana, 2011:80) e os tempos de antena na rádio e na televisão

eram muitas vezes preenchidas com conteúdos muito pouco atractivos para o eleitorado.

Os programas eleitorais apresentam ideias desconexas e eram mal interpretados até

pelos próprios membros que apareciam na televisão e na rádio. A maioria dos partidos

reivindicava ainda a escassez de recursos para a campanha. O PRS atravessava uma

pequena crise interna, com a expulsão de alguns parlamentares, com destaque para o seu

líder parlamentar, Lindo Bernardo Tito, uma figura que marcara o partido na última

década. Porém, organizou a sua campanha através de actos de massas e de

sensibilização porta a porta, procurando mobilizar nas principais províncias do país,

sobretudo no Leste, sua principal base eleitoral; a FNLA continuava marcada pelas

crises permanentes entre as duas alas114, pois colocava-se a questão do reconhecimento

pelo Tribunal Constitucional. Mas reconhecida a FNLA de N´gola Kabangu, essa ala

conduziu uma campanha bastante fraca, mais voltada para as suas bases de apoio, o

Norte de Angola e para Luanda, dado o peso no contexto nacional. O PLD, o único

partido liderado por uma mulher, apesar de algumas crises não padecia do problema das

112 Discurso proferido na Huíla num comício. Ver Jornal Angolense (04/11/2008). 113 Para além dos episódicos acontecimentos referentes a expulsão de 4 Deputados do partido, registava

também alguns desentendimentos internos, como por exemplo, ilustrava os pronunciamentos de Abel

Chivukuvuku quanto a candidatura à presidência da República. Ver por exemplo, a reportagem sobre

Angola publicada pelo Expresso em 2005. 114 Uma expressão cunhada pelos jornalistas, para se referir as facções internas que levam a divisão do

partido político.

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alas, conduzia a sua campanha sem muita agressividade, concentrando-se em acções de

mobilização porta a porta e passeatas pelas zonas urbanas das cidades. Finalmente, o

PDP-ANA que tinha perdido o seu líder carismático, Nfulupinga Nlandu Victor e que

parecia atravessar dificuldades de superar a ausência deste na campanha, com o seu

lema “voto útil para a salvação de Angola” 115. A campanha foi ordeira e pacifica,

assistindo-se igualmente uma participação significativa dos eleitores e as campanhas

cívicas foram eficazes na diminuição dos votos nulos (- 3%) e até mesmo dos votos

brancos (- 1%) comparado a 1992:

Gráfico nº 3.1. Eleições de 1992 e 2008

Fonte: Elaborado a partir dos dados da CNE.

Os resultados eleitorais evidenciaram o domínio do MPLA e o enfraquecimento

da UNITA e da FNLA e muito mais ainda do PLD, ao passo que o PDP-ANA registou

um crescimento e o PRS, a par do MPLA, foi o partido político vencedor (3.3.). E as

eleições foram consideradas livres e justas pela maioria das organizações nacionais e

internacionais, apesar de um rolo de recomendações sobre a transparência no uso dos

recursos públicos e as oportunidades para os demais partidos no acesso aos órgãos de

comunicação pública fora dos tempos de antena116. A não aceitação dos resultados

eleitorais por parte dos partidos concorrentes não se colocou, aliás, quase todos os

principais partidos aceitaram a derrota e até felicitaram o MPLA (Santana, 2011:111).

115 Em entrevista à Rádio Despertar, a 28 de Julho de 2008. 116 Ver os relatórios da União Europeia e da Human Rights Watch sobre as eleições legislativas de 2008.

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Quadro nº 3.3. Resultados eleitorais obtidos pelos principais partidos angolanos

Partidos Políticos Votos Obtidos (%)

Eleições de 1992 Eleições de 2008

MPLA 53,7 81,64

UNITA 34.1 10,39

FNLA 2.4 1,11

PRS 2.3 3,17

PLD 2.4 0,33

PDP-ANA 0.3 0,51

OUTROS 4,8* 2,85

Fonte: CNE (2012); Clemente-Kersten (2004)

Todavia, apesar da questão da não aceitação dos resultados não ter se colocado,

alguns partidos com destaque para UNITA, apresentaram uma série de factos que

indiciavam ter havido erros gravíssimos, sobretudo em Luanda, que configuraram “um

exemplo típico de subversão da democracia” (IDD e FKA, 2009:1). Neste caso, a

UNITA recorreu primeiramente à CNE e depois ao Tribunal Constitucional para

contestar as eleições em Luanda e solicitar a sua repetição, bem como para ilegalizar o

acto de votação depois da hora estipulada por lei (Santana, id., ibid.). O PDP-ANA

também contestou as eleições, mais concretamente a distribuição dos assentos

legislativos, pois reivindicava atribuição de um lugar no parlamento. Contudo, se o

Tribunal Constitucional considerou infundadas as reclamações da UNITA, por não ter

sido apresentadas no quadro definido por lei, o que parecia pouco discutível (cf.

Santana, 2011), o mesmo não se pode dizer em relação ao PDP-ANA, pois o argumento

de que não tinha atingido o limiar legal e por força disso, o lugar havia sido distribuído

pelo maior resto. Por um lado, não havia um limiar legal definido e a interpretação foi

feita por jurisprudência e por outro lado, havendo duvidas, o lugar teria sido atribuído

atendendo à representação proporcional.

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Capítulo - IV: Dinâmicas organizacionais e institucionalização partidária

4.1. Estrutura organizativa dos partidos políticos

Os principais partidos políticos foram transformados e formados na primeira

fase do processo de criação dos partidos (1991-1992), num período em que a

regulação partidária estava voltada para a promoção de partidos, com a diminuição do

número de assinaturas, simplificação administrativa, subsídios de instalação às CI’s e

as facilidades protocolares e aduaneiras para a inscrição e legalização do partido.

Porém, essa estratégia de promoção dos partidos políticos jamais teria implicações no

MPLA e a UNITA117 que foram os protagonistas das transformações políticas e

económicas, aliás, a transição democrática foi resultado dos acordos de paz (Bicesse)

assinados pelos dois partidos. Assim, o MPLA enquanto governo da RPA desde 1975,

procedeu alterações na sua ideologia no IIIº congresso (Outubro de 1990),

preconizando abertura democrática e procurando adaptar-se à condição de partido

político num contexto de competição político-eleitoral. Beneficiando da participação

activa no processo de transição e da sua herança histórica como movimento de

libertação e partido único, não precisou de qualquer credenciamento e foi legalizado a

27 de Julho de 1991; a UNITA também engendrou mudanças no seu VIIº congresso

(Março de 1991) designado ‘Congresso da Viragem’, para abandonar a tomada do

poder pela força (cf. Muekalia, 2010:82) e adoptar uma outra forma de luta política,

particularmente no âmbito dos acordos de paz que incluíam a transição

multipartidária. Beneficiando igualmente da sua posição no processo de transição e do

seu papel activo na guerra pós-independência, sem qualquer credenciamento viria a

ser legalizado como partido a 14 de Abril de 1992. Contudo, a FNLA mesmo tendo

sido um dos três movimentos de libertação, a sua ausência do cenário político-militar,

não permitiu colocá-lo na mesma posição que os outros dois movimentos envolvidos

no conflito pós-independência e nos acordos de paz. Neste sentido, foi influenciado

pelas mudanças da conjuntura internacional e posteriormente no contexto interno,

117 E mesmo a FNLA que se manteve ausente do cenário político-militar, mantinha uma estrutura em

alguns países, nomeadamente a França, onde se encontrava o seu líder e no Zaire (actual RDC).

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reorganizando-se a partir de Paris118 e posteriormente é credenciada (Agosto de 1991)

e legalizada em Maio de 1992.

A flexibilização das condições de formação de partido não se aplica tout court

aos partidos com uma longa tradição histórica como movimentos de libertação, partido

único e movimento de resistência armada, mas sim aos novos partidos que

apresentavam dificuldades para cumprir as exigências anteriores para a inscrição e

legalização de um partido político119. Neste âmbito, foi credenciado (Junho de 1991) e

legalizado (Julho de 1992) o Partido de Renovação Social (PRS), fundado em

Novembro de 1990, por um grupo de antigos funcionários do Estado durante a vigência

do partido-Estado, maioritariamente originários da região Leste de Angola (Lunda Sul,

Lunda Norte e Moxico). Nas mesmas condições foi credenciado (Janeiro de 1992) e

legalizado (Julho de 1992) o Partido Liberal Democrático (PLD), formado por

“angolanos exilados em Portugal” (Amundsen e Weimer, 2008:21) que se organizaram

no âmbito das reformas político-institucionais. Finalmente, o Partido Democrático para

o Progresso de Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA) credenciado (Julho de 1991) e

legalizado (Julho de 1992) foi fundado em Março de 1991 por antigos membros da

FNLA, maioritariamente bacongos, muitos dos quais radicados no Congo Democrático

(Amundsen e Weimer, id., p.25).

Contudo, a maioria desses partidos políticos tiveram um processo de construção

por penetração territorial, pois foi a partir de um centro mais ou menos coeso, que se

estimulou e promoveu a expansão do partido, ainda que tenha havido influência externa,

quer ao nível do apoio na definição da identidade ideológica, quer ao nível da sua

projecção externa, sobretudo aqueles cujas bases de criação estão assentes no contexto

da guerra fria, como ilustra os casos do MPLA, UNITA e FNLA (cf. Sango, 2002).

Porém, a UNITA apresenta uma faceta que combina também a presencia de um líder,

Jonas Savimbi, sobre o qual gravitou todo processo de criação e expansão do partido, do

mesmo modo que o PDP-ANA, onde Mfulupinga Nlandu Victor está na base de todo

seu processo de emergência. O mesmo não ocorreu com o PLD e o PRS, cuja existência

de uma pequena elite mais ou menos unida esteve no processo de criação dos referidos

partidos.

118 No âmbito das alterações internacionais, apresentou o seu Projecto de Paz (Paris) em Janeiro de 1990. 119 Ver ponto referente aos processos de formação dos partidos políticos (2.2.1)

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A estruturação desses partidos políticos é similar na forma de disposição dos

órgãos, na medida que apresentam uma organização nacional e uma organização

regional ou local120. A organização nacional, compreende os órgãos de carácter

directivo, executivo e/ou deliberativo central ou nacional, variando as designações

entre um e outro partido, ao passo que a organização regional ou local, compreende os

órgãos de carácter directivo, executivo ou deliberativo, de acordo com o princípio da

territorialidade, assente na divisão político – administrativo do país. Nesta lógica, para

o MPLA a organização nacional compreende o congresso – órgão supremo do partido

que reúne de 5 a 5 anos, para apreciar, discutir e definir a estrutura e funcionamento da

organização partido, bem como as linhas gerais da política nacional e internacional; o

Comité Central – constituído por 193 (e posteriormente 281) membros eleitos em

congresso é o organismo de direcção que estabelece a linha de orientação no quadro

das decisões do congresso; o Presidente do Partido – representante máximo e eleito em

congresso, coordena e assegura a orientação política do partido121; o Bureau Político –

constituído por 23 membros eleitos pelo Comité Central, corresponde o organismo

permanente de direcção do partido. Possui ainda ao nível da organização nacional, o

Secretário-Geral – eleito pelo Comité Central e é o órgão executivo permanente que

coordena a acção política e dirige a organização administrativa; o Secretariado do

Bureau Político, constituído por 6 membros eleitos pelo Bureau Político, que dirige os

diferentes departamentos e gabinetes do aparelho auxiliar do partido e a Comissão de

Disciplina e Auditoria, eleita pelo Comité Central.

A UNITA não está longe dessa tendência, com uma diferença clara quanto ao

aumento do número de instituições formais que compõem a organização nacional.

Contudo, o congresso é igualmente o órgão superior de direcção, que reúne de 4 a 4

anos, ao qual compete aprovação da linha ideológica, a estratégia e os programas, bem

como a deliberação sobre qualquer assunto do interesse do partido; a Comissão Política,

equivalente ao comité central no MPLA, constitui um órgão superior de direcção

composto por 54 membros designados pelo Presidente e aprovados em congresso. O

mesmo reúne de 4 a 4 meses e é responsável pelo desenvolvimento e execução da

estratégia do partido definida em congresso; o Comité Permanente, que se assemelhe ao

120 Embora alguns estatutos fazem referência a órgãos intermédios, optou-se por órgãos regionais ou

locais, uma vez que estes órgãos estão confinados a uma localização geográfica específica (província).

Por outro lado, agrupou-se numa só categoria os órgãos regionais e locais atendendo a divisão político-

administrativo a que estão sujeitos. 121 Foi introduzida no V Congresso em Dezembro de 2003, a figura do Vice-Presidente.

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bureau político no MPLA, corresponde ao órgão superior de direcção constituído por 20

membros designados pelo presidente que reúne uma vez por mês e que cuja

competência se traduz em determinar os objectivos e formas de actuação do partido em

função dos programas e estratégia traçadas pelo congresso e pela comissão política.

Porém, a estrutura nacional distingue os órgãos superiores de direcção dos órgãos

executivos nacionais, que contempla o Presidente do Partido – representante máximo do

partido, convoca e preside as reuniões da Comissão Política e do Comité Permanente,

bem como traça a linha política interna e externa; o Secretariado-Geral – constituído

por 13 a 15 membros é um órgão executivo encarregado da aplicação dos programas e

decisões dos órgãos superiores de direcção; o Comité executivo, chefiado pelo Vice-

Presidente122 e corresponde ao o órgão central da acção governativa123. Por seu turno, a

FNLA apesar de possuir menor número de instituições formais na sua organização

nacional, não apresenta um quadro diferente do MPLA e da UNITA, ao nível dos

órgãos de decisão do partido. Assim, o Congresso é o órgão superior que reúne de 3 a 3

(posteriormente 4 a 4 anos) ao qual compete definir a estratégia política do partido124; o

Comité Central é o órgão responsável pelo desenvolvimento e implementação da

estratégia política definida pelo congresso125; o Presidente do Partido é o representante

máximo do partido, ao qual cabe presidir os trabalhos dos órgãos centrais e apresentar

publicamente a posição do partido; o Bureau Político é o órgão da direcção política

permanente, ao qual compete estabelecer os objectivos, critérios e formas de actuação

do partido em função da estratégia política definida pelo Congresso e pelo Comité

Central; o Secretariado Geral126 é o órgão de direcção do partido, dirigido por um

Secretário-Geral, ao qual compete, representar o partido na celebração de quaisquer

contactos, dirigir o funcionamento dos serviços centrais do partido, elaborar e submeter

o orçamento e as contas do partido.

Os partidos políticos sem uma longa tradição histórica como movimentos de

libertação reproduziram a mesma estrutura organizativa. O PRS apresenta o Congresso

como órgão superior do partido, que reúne de 5 a 5 anos, ao qual compete apreciar,

122Órgão coadjuvante do Presidente. 123A estrutura nacional contempla ainda os órgãos consultivos nacionais, onde se encontra o Bureau

Político, a Assembleia Representativa dos Interesses Nacionais e a Conferência Nacional. 124 As competências incluem ainda aprovação e modificação dos estatutos e dos programas, a eleição do

presidente e dos membros do comité central. 125 Embora o número de membros varia em função do congresso, a sua composição compreende os

representantes eleitos da Comissão Nacional de todas províncias, eleitos pelo congresso, da JFNLA, da

Comissão Nacional Feminina e dos antigos combatentes. 126 Os estatutos não clarificam a sua composição e competências.

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discutir e aprovar o relatório do Comité Nacional, analisar as matérias relacionadas à

vida política, económica e social do país e estabelecer a linha política do partido127; o

Comité Nacional (CN) é o órgão de direcção constituído por 90 membros eleitos pelo

congresso que assegura a orientação geral do partido no quadro das resoluções do

congresso, a direcção e o controlo das actividades de todos organismos128; o Presidente

do Partido é o porta-voz principal do partido; o Conselho Político (CP), constituído por

25 membros efectivos é o órgão deliberativo do CN que conduz a actividade quotidiana

do funcionamento do partido; o Secretariado Executivo Nacional (SEN) é constituído

pelo Presidente, Secretário-Geral e Secretários dos departamentos eleitos pelo CP, ao

qual compete cumprir e fazer cumprir as orientações emanadas pelo CP e pelo CN. Por

seu turno, o PLD apresenta também o Congresso como órgão deliberativo e supremo do

partido, que reúne de 2 a 2 anos, ao qual compete fixar a orientação geral do partido,

bem como discutir e votar propostas e moções129; o Conselho Nacional (CN) é o órgão

deliberativo fundamental encarregue de definir a estratégia do partido dentro da

orientação fixada pelo congresso, bem como analisar a situação política e aprovar

moções130; a Comissão Política Nacional (CPN) é o órgão deliberativo normal

encarregue de traçar a linha política do partido no desenvolvimento da estratégia

definida pelo congresso, analisar e pronunciar-se sobre as suas condicionantes externa e

sobre a situação partidária131. A organização nacional compreende ainda, os órgãos de

intervenção política, onde se encontra o Presidente, representante máximo do partido, a

Comissão Directiva, órgão que assegura a intervenção política permanente do partido no

âmbito da CPN e o Grupo Parlamentar132. E finalmente, o PDP-ANA que possui nesse

127 O Congresso é constituído pelos delegados eleitos em assembleias a todos níveis e pelos membros

efectivos do Comité Nacional. As suas competências incluem ainda revisão, modificação ou aprovação do

programa e dos estatutos, eleição do presidente e do comité nacional bem como a expulsão de qualquer

membro que infrinja as normas e disciplina estatutárias. 128 As suas competências incluem ainda, eleger o Conselho Político e o Secretário-Geral sob proposta do

Presidente, deliberar a convocação do congresso, efectuar a selecção, distribuição e promoção dos

quadros do partido e em ratificar as sanções disciplinares aplicadas aos membros superiores. 129 O Congresso é constituído por delegados por inerência (maioritariamente oriundo dos órgãos de

direcção central, provincial e municipal do partido) e de delegados por eleição (eleitos a partir de

assembleias provinciais, municipais, núcleos, etc.). As suas competências incluem ainda, aprovar ou

alterar o programa e os estatutos, eleger o presidente do partido, a mesa do congresso, os membros da

comissão directiva, comissão política nacional e do conselho nacional. 130 O CN é constituído pelo Presidente e Vice-Presidente, por membros da comissão directiva, da CPN e

demais órgãos de direcção provincial. A sua competência inclui também, convocar o congresso, discutir e

aprovar os orçamentos e as contas do partido. 131 O CPN é constituído pelos presidentes dos órgãos de direcção central, provincial, municipal e de

organizações autónomas e equiparadas. 132 Existe ainda os órgãos de controlo, onde se encontra a Comissão Nacional de Jurisdição e a Comissão

Nacional de Fiscalização

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grupo, um número elevado de instituições formais na organização nacional, onde

apresenta o Congresso, como órgão máximo de concepção, orientação e decisão, que

reúne de 5 a 5 anos, ao qual compete ratificar as decisões do Comité Central, formular

moções133; a Convenção, que substitui o congresso em condições específicas; o Comité

Central, que reúne de 6 a 6 meses e é o órgão de concepção, orientação e decisão a um

nível mais abaixo, ao qual compete acompanhar e desenvolver a estratégia política do

Partido, de acordo com as orientações, resoluções do Congresso ou da Convenção; o

Bureau Político, que reúne 1 vez por mês é o órgão que substitui o Comité Central no

intervalo das suas sessões, ao qual compete pronunciar-se sobre determinadas matérias

de caracter urgente e estratégico, bem como velar pelo cumprimento das decisões,

diretrizes e orientações do Comité Central; o Presidente que preside os órgãos de

direcção e todas as actividades do partido, ao qual compete também velar pela aplicação

das resoluções, decisões e orientações do Congresso134; o Secretariado-Geral, o órgão

de execução a nível nacional, constitui o principal órgão de ligação entre os órgãos de

âmbito nacional, provincial assim como os das estruturas de base no exterior do País.

A mesma estrutura nacional, com excepção a órgãos como o congresso e o

Presidente, se reproduzem ao nível da organização regional ou local dos partidos,

compreendendo os órgãos de carácter directivo, executivo ou deliberativo. Assim,

regista-se os órgãos provinciais, constituido pelo Comité provincial, as comissões

executivas, de disciplina e auditoria (MPLA), ou ainda o Comité e Secretariado

(UNITA), o Comité e a Assembleia (FNLA e PRS), bem como o Conselho e Comité

(PDP-ANA). Observa-se igualmente os órgãos municipais e comunais, que apresenta

uma matriz organizativa similar, acrescendo-se um ou outro órgão, tal como ocorre ao

nível dos órgãos de base, com o sector ou zona, célula ou povoção. Mas a estrutura

organizativa compreende ainda, as organizações de massas da juventude e da mullher,

cuja organização compreende igualmente, órgãos de direcção, executivo e deliberativo,

a nível nacional, regional ou local.

133 Constituído por membros do Comité Central, delegados eleitos a nível dos conselhos provinciais e a

nível das estruturas de base do exterior do País. As suas competências incluem ainda, eleger e demitir o

Presidente do Partido e os membros do Comité Central, de acordo com o regulamento interno do

congresso e aprovar ou emendar os estatutos. 134 As suas competências incluem igualmente, representar o Partido a nível nacional e internacional;

tomar a iniciativa da acção disciplinar para os membros do Bureau Político, do Comité Central, do

Secretariado Geral e de outros membros; usar do direito de designar dos delegados do Congresso ao

Comité Central; designar e exonerar o Secretário permanente do Bureau Político.

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Esse desenho organizativo similar dos principais partidos políticos, ilustra a

presença de uma estruturação orgânica rígida, onde a proeminência recaí para os

organismos centrais ou nacionais, aos quais os estatutos atribuem o controlo do

processo de tomada de decisões, quer sobre a gestão dos recursos financeiros, quer

sobre a nomeação ou indicação de membros nos órgãos decisórios partidários e

nacionais. Regista-se assim organicamente uma articulação forte e ligações verticais no

sentido de Duverger (1985), em função do alto grau de centralização e disciplina,

assente numa regulamentação estatutária rigorosa e num relacionamento que tende a ser

efectuado do topo à base, uma vez que as decisões, conforme estatuído, estabelecem-se

do centro para a periferia. Mas ilustra também uma estrutura que requer um aparato

burocrático complexo, que exige um alto grau de especialização para o seu

funcionamento, dado a multiplicação de papéis atribuídos aos órgãos. Contudo,

inicialmente (1992) esse aparato administrativo não reunia as condições necessárias

para o seu funcionamento, sobretudo para os partidos recém-criados (PRS, PDP-ANA,

PLD), quer porque os recursos financeiros eram escassos e estavam orientados para os

exigentes desafios eleitorais de 1992, quer porque a escassez de recursos humanos

obrigava a utilizar os quadros para as tarefas eleitorais imediatas. Embora em proporção

menor, a FNLA apresentou também algumas dificuldades, devido em parte a deserção

de um número significativo de membros que alinharam na criação de novos partidos e a

escassez de recursos financeiros para um partido com uma base de apoio nacional. O

MPLA e a UNITA pareciam não apresentar dificuldades para preencher as necessidades

burocráticas, quer ao nível dos recursos financeiros, quer ao nível dos recursos

humanos. No primeiro caso, o MPLA dirigia o governo até as eleições de 1992 e a

UNITA era o movimento de resistência armada e beneficiava da ajuda financeira norte-

americana (cf. Guerra, 2002; Fernando, 2012); no segundo caso, alicerçada à primeira

razão, possuía capacidades e recursos de mobilização e integração de quadros

disponíveis.

O período pós-eleitoral foi marcado por uma guerra civil que se estendeu até

2002 e agudizou ainda mais as fragilidades dos partidos nesse domínio, sobretudo nos

pequenos partidos políticos (PRS, FNLA, PLD, PDP-ANA), pois aumentou a escassez

dos recursos humanos e financeiros. Uma vez que o ambiente político estava voltado

para a guerra e para paz, não havia qualquer financiamento para actividade partidária,

sobretudo na terceira fase da guerra (1992-1994), porque ela foi contida pela

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intensidade do conflito armado. Porém, essa realidade não se colocava do mesmo modo

aos dois partidos envolvidos na guerra, por um lado, o MPLA enquanto governo

condicionava acção político no Estado e, por outro lado, a UNITA que se constituiu

como um partido armado, controlava quase metade do território. Porém, antes mesmo

do final da guerra em 2002, com assinatura do Protocolo de Lusaka (1994) e a

consequente tomada de posse dos Deputados da UNITA e a formação do Governo de

Unidade e Reconciliação Nacional (1997), o quadro alterou-se significativamente, uma

vez que os pequenos partidos (PRS, FNLA, PLD, PDP-ANA) fizerem parte do referido

governo e mais do que isso, passaram a receber os subsídios legais atribuídos aos

partidos por força do seu peso parlamentar. O final da guerra e as perspectivas de

realização de eleições alterou ainda mais essa realidade, pois as exigências político-

eleitorais dominavam a agenda política nacional e até mesmo internacional. Nessa

altura, assistiu-se também a extensão da administração pública estatal a zonas

anteriormente ocupadas pela UNITA e a multiplicação da imprensa privada e as

oportunidades de aparição pública.

A coesão e estabilidade que existia inicialmente nos partidos políticos, foi

abalada por crises internas e os pequenos partidos que haviam sido formados no início

da década de 90 (PRS, PDP-ANA, PLD) foram assoladas pelas disputas pelo poder

internamente, dividindo-se pelas alas. O primeiro partido a confrontar-se com essa

realidade foi o PDP-ANA, quando Francisco Armando desafiou a liderança a

Mfulupinga Nlandu Victor e foi expulso do partido. Posteriormente, o PRS aquando do

Congresso de 1999, o seu Vice-Presidente António Muatchikungo foi expulso por

alegadas fraudes na gestão dos fundos partidários e criou a sua ala partidária, dando

origem a um processo no Tribunal Supremo. Seguiu-se finalmente o PLD, quando

Joaquim Nogueira (Secretário das Finanças) e Fátima Galeano acusaram a líder do

partido de má gestão do dinheiro e de nepotismo por indicação da filha para o GURN

(Sango, 2008:28). Dentre os principais partidos, a FNLA também foi atingida por crises

internas, quando Lucas Ngonda impôs uma nova liderança e foi contrariada pelos

membros afectos à liderança de Holden Roberto, dando origem a duas alas. A UNITA

foi abalada por uma crise em 1997, com a deserção de vários militantes que se

encontravam em Luanda, entre eles Jorge Valentim e Eugénio Manuvakola, dando

origem a UNITA-RENOVADA. O MPLA embora não tenha sido abalada por crises

internas, sobretudo que dessem origem à um desafio na sua liderança, registou alguma

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contestação interna, sendo os casos visíveis os de Marcolino Moco e dos irmãos Justino

e Vicente Pinto de Andrade.

Esse quadro de falta de coesão e estabilidade teve um desenvolvimento diferente

conforme o partido político, na medida que o PDP-ANA conseguiu facilmente

ultrapassar essa situação, com a decisão da direcção de expulsão do membro

contestatário e do mesmo modo, no PLD, a direcção conseguiu silenciar as vozes

discordantes internamente, sem ter havido posteriormente grandes repercussões ao nível

das estruturas capazes de pôr em causa a unidade do partido. O mesmo não se pode

dizer em relação ao PRS, onde a questão prevaleceu até as eleições de 2008, quando

António Muatchikungo supostamente expulso do partido, apresentou também uma

candidatura para as eleições legislativas de 2008. Mas o Tribunal Constitucional validou

apenas a candidatura da direcção de Eduardo Kwangana, que se encontrava

representado no Parlamento. Neste caso, A FNLA constitui o caso mais problemático,

onde as alas conseguem apoios de membros que vão desertando de um lado e do outro

e, nem mesmo o congresso da reconciliação (2004) conseguiu dirimir as diferenças

entre as alas de Lucas Ngonda e de Ngola Kabango. A UNITA conseguiu ultrapassar

uma divisão que apenas durou até a morte do seu líder (2002) e ainda que tenha

permanecido alguma contestação interna à liderança de Isaías Samakuva, eleito em

2003 e 2007, conseguiu alcançar internamente algum nível de coesão e estabilidade. O

MPLA constituiu até a data posterior às eleições, o partido político que apresentou

maior nível de coesão e estabilidade interna, não se registando contestação suficiente

para gerar crises que abalariam a unidade do partido.

Apesar dos partidos políticos apresentarem um desenho organizativo muito

próximo uns dos outros, as crises internas a que foram sujeitos ao longo da sua fase

evolutiva, sugere que a relação entre a estruturação e as lideranças (cf. Lisi, 2009),

configura um quadro diferente conforme a organização. Porém, os exemplos

contrastam em alguns aspectos com as hipóteses propostos por Lisi (2009), na medida

que o MPLA combina uma liderança consensual, na medida que não parece haver

ondas de contestação internas que conduzem a um desafio à liderança, o que se reflecte

numa uma alta autonomia dos líderes, mas que ao mesmo tempo apresenta uma

estruturação partidária forte, assenta numa multiplicidade de órgãos, leis, regulamentos,

etc; a UNITA parece encaixar-se num modelo de liderança consensual, já que as

contestações internas e até mesmo crises atestam não abalaram a confiança da maioria

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dos militantes, o que se traduz numa autonomia relativa, ao mesmo tempo que

apresenta uma estruturação forte; a FNLA apresenta uma liderança fragmentada, mercê

das crises que assolam o partido, o que explica a sua fraca autonomia e fraca

estruturação partidária; O PRS apresenta uma liderança consensual, pois apesar da

crise, o líder parece reunir apoio das bases e das estruturas de poder, o que lhe confere

uma relativa autonomia, bem como uma forte estruturação partidária; o PLD encaixa-se

numa liderança consensual, já que as contestações internas não geraram crises, uma alta

autonomia e uma forte estruturação partidária. Finalmente, o PDP-ANA parecia

marcado também por uma liderança consensual, uma alta autonomia e uma forte

estruturação partidária. Contudo esse quadro apenas se registou sem grandes alterações,

a partir do final da guerra em 2002, pois antes disso, a UNITA apresentava claramente

uma liderança personalizada, uma alta autonomia e uma forte estruturação partidária,

do mesmo modo que o PDP-ANA e a FNLA. Os outros partidos PLD e o mantinham

uma liderança consensual, alta autonomia e forte estruturação (MPLA) e alta

autonomia e fraca estruturação (PRS e PLD).

A comunidade partidária dessas forças políticas é formada pelos próprios

membros, não se registando quaisquer indícios de ligações directas a outros grupos

nacionais (organizações sociais específicas) ou internacionais. Porém, parece difícil

uma precisão do termo membro, sobretudo na perspectiva dos círculos concêntricos de

Duverger (2002), já que ele tende a variar de partido para partido, não havendo até na

maioria dos casos, nenhuma referência sobre a categorização dos membros135. Contudo,

parece essencial distinguir os eleitores, que compreenderia todos aqueles que votaram

nos partidos que se apresentaram as eleições, cujo crescimento foi variado conforme os

partidos, o MPLA e o PRS, em função dos resultados eleitorais, aumentou

consideravelmente essa quota, seguido pelo PDP-ANA, ainda que numa proporção

relativamente menor. Por sua vez, a UNITA e o PLD reduziram drasticamente a sua

quota de eleitores. Finalmente, os militantes136 cujos anúncios formais variaram desde o

final da guerra até as eleições de 2008, no MPLA entre 2 a 3 milhões de militantes137,

na UNITA entre 800 mil a 1 milhão e no PRS138 entre os 500 aos 700 mil (Santana,

135 Excepção feita ao PDP-ANA que distingue militantes e simpatizantes. 136 Os simpatizantes e aderentes são categorias difíceis de medir, particularmente numa realidade onde os

próprios partidos não possuem bases de dados daqueles com os quais possuem ligações. 137 Sobre o MPLA, houve vários pronunciamentos públicos por parte dos seus dirigentes. 138 Dados fornecidos pelo Secretário para Informação, Lindo Bernardo Tito, em entrevista ao jornal

semanal Angolense (22 a 29 de Maio de 2004).

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2006), o PLD entre 400 a 600 mil, a FNLA entre 500 a 700 mil e o PDP-ANA entre

200 a 300 mil139.

Qudro nº 4.1. Número de militantes e de eleitores dos principais partidos

Partidos Políticos Número de Militantes

(até 2006)

Número de Votantes

(Eleições de 2008)

NV140 - NM

MPLA 2 a 3 milhões 5. 266. 216 3. 266. 216

UNITA 800 mil a 1 milhão 670. 363 (-) 329. 637

FNLA 500 a 700 mil 71. 416 (-) 428. 584

PRS 700 a 800 mil 204. 746 (-) 495. 254

PLD 400 a 600 mil 21. 341 (-) 378. 659

PDP-ANA 200 a 300 mil 32. 952 (-) 167.048

Total 4. 600. 000 6. 267. 034 5. 065. 398

Fonte: Elaborado a partir de Angolense (2004; 2006); Semánario Angolense (2006;

2008); Santana (2006).

Conforme pode se observar no quadro (4.1.), a massa militante apregoada pelos

partidos tende a não coincidir com a realidade, uma vez que os resultados eleitorais

revelaram haver diferenças abismais entre o número de militantes avançados e o

número de votos obtidos. Nesse caso, a excepção do MPLA que apresenta um número

de filiados inferiores ao número de votantes (-3.266.216), a generalidade dos partidos

políticos apresenta um número de filiados superior ao número de votantes, como ilustra

os casos do PRS (+ 495. 254), FNLA (+ 428. 584), PLD (+ 378. 659), UNITA (+329.

637), o PDP-ANA (+167. 048). Assim, o MPLA apresenta um rácio de 1 filiado para

cada 2,6 votantes, a UNITA um rácio de 2,6 filiados para cada votante, a FNLA 7

filiados para cada votante, o PRS apresenta 3,4 filiados para cada votante, o PLD 18,7

filiados para cada votante e o PDP-ANA apresenta 6 filiados para cada votante.

139 Esses dados referentes ao PLD foram extraídos da entrevista da Presidente do Partido, Anália de

Victória Pereira ao jornal Semanário Angolense (18/25 de Novembro de 2006). Os dados do PDP-ANA

foram avançados ao Jornal semanal Angolense (12 a 19 de Agosto de 2006). Finalmente, os dados da

FNLA foram referenciados pelo jornal semanal Angolense (12 a 19 de Agosto de 2006). 140 Considerou-se os valores mais baixos.

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75

4. 2. Institucionalização partidária

A institucionalização partidária, conforme foi discutida anteriormente, constitui

“um processo no qual os partidos políticos que participam em eleições individualmente

experimentam um incremento na estabilidade e no valor da organização” (Basedau e

Stroh, 2008:8). E nestes termos, pode ser medida a partir do enraizamento do partido na

sociedade, a organização, autonomia e a coerência (Randall e Svasand, 2002; Sanches,

2014) e em cada uma dessas dimensões, encontram-se um conjunto de indicadores,

conforme proposto no primeiro capítulo, no quadro (1.1.)141.

4.2.1. Enraizamento do partido na sociedade

Os partidos políticos angolanos, embora tenham ganhado forma no sentido

pluralista no começo da década de 90, podem ser divididos, do ponto de vista etário,

entre aqueles que possuem origens históricas associados aos movimentos de libertação e

aquelas cujas raízes não datam para além do início da transição democrática. O primeiro

grupo é constituído por três partidos, dos quais se destaca o MPLA, um antigo

movimento de libertação formado entre 1956 a 1960, que se transformou primeiramente

em partido-Estado (1975-1990) e posteriormente, a partir do seu IIIº Congresso (1990) e

da transição democrática, um partido em competição aberta com outros partidos; a

UNITA também parte dos movimentos de libertação, formado no final da segunda

metade da década de 60, transformou-se num movimento de resistência armada e

posteriormente, num partido político propriamente dito, com a transição democrática de

que é parte activa; por fim a FNLA, também um antigo movimento de libertação, que

ficou fora do contexto político-militar pós-independência, mas que se reorganizou e se

transformou em partido político, com o início da transição democrática.

141 No enraizamento do partido na sociedade, os indicadores são a idade partidária desde o

multipartidarismo; mudanças no apoio eleitoral nas últimas eleições e a implantação territorial; na

dimensão organização, os indicadores são a força dos membros; realização regular de congressos;

recursos materiais e/ou financeiros e humanos; Na dimensão autonomia os indicadores são o número de

alternâncias às lideranças partidárias; mudanças no apoio eleitoral depois da alternância; finalmente na

dimensão coerência, Coerência do grupo parlamentar e relações moderadas entre os grupos intra-

partidários.

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76

O segundo grupo é constituído pela maioria dos partidos políticos que nasceram

com a transição democrática, como o PRS, PLD e o PDP-ANA que foram credenciados

e legalizados entre 1991 e 1992. O primeiro grupo, constituído por partidos políticos

com raízes históricas tem sido considerado como hegemónicos pela maioria das análises

sobre a realidade política angolana (Sango, 2002; Gomes, 2009; Sanches, 2010). Mas

nesse grupo, o destaque recai para o MPLA e a UNITA que condicionaram o ambiente

político durante o período de guerra civil, fizeram parte do processo eleitoral de 1992 e

conseguiram sobreviver e participar nas eleições legislativas de 2008. Contrariamente, o

ambiente político parecia instável, hostil e complexo para o PRS, FNLA, PLD e PDP-

ANA, uma vez que eram incapazes de interferir na agenda política nacional, sobretudo

num contexto de guerra civil intensa que marcou a primeira fase do seu crescimento.

A idade partidária dos principais partidos pode ser medida, adaptando o cálculo

de Sanches (2010:125)142, a partir da soma das idades do partido entre a primeira

eleição e a segunda, dividindo por dois, ou seja, a idade do partido em (1992) mais a

idade do partido em (2008) a dividir por 2. E a idade será considerada baixa se for igual

ou inferior a 8; média se for igual ou inferior a 15; alta se for maior do que 15. E a partir

dos resultados do quadro (4.4), pode-se ilustrar a idade partidária desde o

multipartidarismo (1992). E esses resultados indicam que o MPLA possui uma idade

partidária alta (44), do mesmo modo que a FNLA (38) e a UNITA (34), ainda que

possuem valores relativamente mais baixos do que o MPLA, ao passo que o PRS (8),

PLD (8) e PDP-ANA (8) apresentam valores que configuram uma idade baixa.

Um outro indicador importante para ajudar aferir o grau de enraizamento dos

partidos está ligado às mudanças de apoio eleitoral entre duas eleições, que pode ser

medido pelos ganhos e perdas de cada partido de uma eleição para outra (cf. Basedau e

Stroh, 2008). Mais concretamente pela diferença de votos (%) ganhos ou perdidos entre

duas eleições. Parece relevante incluir nessa análise, o número de lugares ganhos ou

perdidos por cada partido entre as duas eleições legislativas (1992 e 2008), conforme o

quadro (4.2) que a seguir se apresenta.

142 Vide capítulo I, no ponto referente a institucionalização.

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Quadro nº 4.2. Mudanças no apoio eleitoral nas eleições (1992 e 2008)

Mudanças no apoio

eleitoral nas últimas

eleições;

Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Votos Ganhos (+) 27. 94 0 0 (+) 2.87 0 (+) 0.18

Votos perdidos 0 (-) 23.71 (-) 1.29 0 (-) 2,07 0

Lugares Ganhos (+) 62 0 0 (+) 2 0 0

Lugares perdidos 0 (-) 54 (-) 2 0 (-) 3 1

Fonte: Elaborado a partir dos resultados eleitorais (1992 e 2008).

O quadro ilustra que o MPLA obteve maiores ganhos entre as duas eleições,

quer em termos de percentagem de votos (+ 27.94%), quer em termos de lugares (+ 62),

seguido pelo PRS que obteve mais (2.87%) de votos e mais 2 lugares e pelo PDP-ANA

que apesar de ter ganho (0,18%) de votos, perdeu 1 lugar. A UNITA sofreu o maior

número de perdas em termos de percentagem de votos (- 23.71%) e em termos de

lugares (- 54), seguido pelo PLD que perdeu (- 2.07%) dos votos e 3 lugares no

Parlamento; FNLA que obteve menos (1,29%) dos votos e perdeu 2 assentos

legislativos.

A implantação territorial também constitui um indicador do grau de

enraizamento do partido na sociedade e pode ser aferida, a partir da média de votos

obtidos entre as duas últimas eleições, em pelo menos 1/3 dos 18 círculos eleitorais,

sendo considerada muito elevada, se o partido possui uma média de votos superior a

40%; elevada se possui uma média de 21 a 40% votos; intermédia se possui uma média

de 11 a 20; baixa se possui uma média de 6 a 10% dos votos e muita baixa se possui

uma média de 0 a 5% dos votos. A luz do quadro (4.3) que em seguida se apresenta

demonstra que o MPLA possui uma implantação territorial muito elevada, com uma

média de votos superior a 50% em todos círculos eleitorais, seguido pela UNITA que

apresenta uma implantação média, com a excepção de alguns círculos eleitorais em que

possui níveis altos. A FNLA e o PRS apresentam uma implantação baixa, ao passo que

o PLD e o PDP-ANA possuem valores que indicam um nível muito baixo143.

143 Os níveis de implantação territorial foram classificados, atendendo à média de votos obtidos nas duas

eleições. Nesse caso, a implantação é muito elevada quando o partido obtém mais do que 50% dos votos

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Quadro nº 4.3. Média dos resultados obtidos nas eleições de 1992 e 2008144

Províncias Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Bengo 80% 12% 4% 0,7% 0,08 0,08

Benguela 65% 37% 0,55 0,93% 1,65 0,19

Bié 52% 44% 1% 1% 2,6 0,20

Cabinda 67% 24% 1% 1% 0,68 0,50

C. Cubango 60% 35% 1% 1,2% 1,12 0,21

Cuanza Norte 90% 4% 1% 1% 0,14 0,17

Cuanza Sul 82% 12% 1% 1% 1,15 0,18

Cunene 87% 4% 0,3% 1% 0,14 0,13

Huambo 55% 39% 1% 1% 2,6 0,16

Huíla 79% 13% 1% 1% 1,12 0,25

Luanda 70% 19% 2% 1% 0,42 1,17

Lunda Norte 68% 5% 1% 27% 0,45 0,51

Lunda Sul 55% 17% 1% 33% 0,62 0,36

Malange 86% 6% 1% 1% 1,08 0,13

Moxico 76% 13% 1% 8% 1,6 0,17

Namibe 82% 8% 0,3% 1% 1,08 0,14

Uíge 75% 15% 3% 1% 1,61 0,40

Zaíre 54% 20% 12% 2% 0,41 0,89

Elaborado pelo a partir dos dados eleitorais da CNE (2008); Santos (2005).

Esse quadro contrasta com as práticas discursivas assentes numa lógica de

implantação territorial ao nível nacional, apregoada pelas lideranças dos partidos

políticos, revelando até uma certa concentração em determinadas regiões do país. E

na maioria dos círculos eleitorais existentes; elevada quando fica entre os 20 aos 50; intermédia quando

atinge os 10 aos 20; baixa quando atinge os 3 aos 10 e muito baixa, quando é inferior a 3%. 144 Com excepção do MPLA e da UNITA e em casos da FNLA, os valores utilizados em algumas

províncias são referentes às últimas eleições, na medida que os valores das eleições de 1992 foram muitas

vezes inferiores a 0,05 que não constam nas estatísticas disponíveis.

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mais, revela também as dificuldades que os próprios partidos atravessaram ao longo dos

16 anos sem competição. Com excepção dos dois grandes partidos – MPLA e

UNITA145 – apenas o PRS conseguiu aumentar o número de votos ao longo de alguns

círculos eleitorais fora da sua base de apoio, como nos casos do Benguela, Bié,

Cabinda, Cuando Cubango, Cuanza Sul, Luanda, Huambo, Huíla, Uíge, Zaire. O PDP-

ANA pode ser incluído nesse grupo, apesar de ter conseguido valores muito baixos do

1% dos votos em dois terços dos círculos eleitorais provinciais.

Portanto, o quadro (4.4.) sintetiza o grau de enraizamento na sociedade dos

principais partidos políticos, concluindo-se que o MPLA possui um alto grau, a UNITA

um grau elevado, a FNLA e o PRS baixo e o PLD e o PDP-ANA muito baixo.

Quadro nº 4.4. Enraizamento social dos principais partidos

Indicadores Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Idade partidária (anos) 44 34 38 8 8 8

Mudanças no apoio eleitoral

nas últimas eleições (%

votos)

(+) 27.94 (-) 23.71 (-) 1.29 (-) 0.87 (-) 2,07 (+) 0.18

Implantação territorial ME M B B MB MB

Enraizamento social ME E B B MB MB

Legenda: ME (Muito Elevado); E (Elevado); M (Médio); B (Baixo); MB (Muito Baixo).

E conforme o quadro, a idade partidária permite avaliar a existência dos

partidos políticos até as eleições de 2008, quer para os partidos políticos com origens

nos movimentos de libertação da década de 50 e 60 que detêm a hegemonia dos

resultados eleitorais, atingindo uma percentagem de (92,8%) de lugares parlamentares

(Sanches, 2010); quer ainda para os partidos que se formaram na década de 90,

totalmente desconhecidos para a maioria dos eleitores e que foram sujeitos a 16 anos

sem competição político-eleitoral, tendo revelado uma grande capacidade de se adaptar

e até de sobreviver, sobretudo num período longo de guerra e num quadro de uma

145 A UNITA, mesmo tendo reduzido o número de votos em alguns círculos provinciais, os valores

estiveram sempre acima dos demais partidos, com execepção do MPLA.

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bipolarização marcada por poderes hegemónicos (MPLA e UNITA). Por seu turno, as

mudanças no apoio eleitoral, tendem a reflectir a capacidade dos partidos aumentarem

ou reduzirem a sua esfera de influência e mobilizar para além das suas bases de apoio

tradicionais. Desse ponto de vista, o MPLA não só manteve a sua base de apoio, como

também alargou, ao passo que o PRS conseguiu manter a sua base de apoio e conseguiu

alargar até as zonas circunvizinhas e, o PDPA-ANA manteve mais ou menos a mesma

percentagem de votos. O mesmo não aconteceu com a UNITA, FNLA, PLD que se

mantiveram longe dos resultados de 1992. A implantação territorial permite avaliar o

grau de aceitação do partido, pelo menos em termos eleitorais, ao longo do território.

Nestes termos, quanto maior aceitação, maior a percentagem de votos nos diferentes

círculos eleitorais provinciais, o que tende a revelar a ligação do eleitorado ao partido.

Isto revela a dispersão do partido, como o caso do MPLA, que obtém mais de (50%) de

votos nos 18 círculos provinciais eleitorais e a concentração, como no caso do PRS na

Lunda Norte e Sul, a UNITA no Bié, Cuando Cubango e Huambo e a FNLA no Zaire.

4.2.2. Sistematização

A organização partidária, conforme abordado anteriormente, reproduz o formato

político-administrativo do Estado, que coincide também com a organização eleitoral e,

apresenta traços comuns entre as formações políticas. Mais do que isso, uma estrutura

que revela uma articulação forte e ligações verticais, registando-se uma coordenação

assinalável das diferentes componentes do partido, devido em parte do domínio do

partido-organização sobre as demais componentes, impulsionados em parte, por alguma

coincidência nos papéis dos órgãos que participam e influenciam a sua organização e

funcionamento. Assim, observa-se com isto um alto nível de centralização e disciplina,

que confere um controlo da cúpula do vértice do poder, normalmente sob alçada do

Presidente do partido. Neste sentido, a força dos membros é relativamente baixa, dada

sobretudo a sua fraca participação nas actividades dos partidos, para além dos actos

electivos em que se regista a necessidade de legitimar os cargos. E o acesso a esses

cargos parece ser dificultado, sobretudo quando se trata de cargos associados ao vértice

do poder na organização, na medida que se coloca grandes limitações à ascensão de

novos membros. Neste sentido, colocam-se exigências que parecem difíceis de serem

cumpridas pela maioria dos membros, como por exemplo, no MPLA onde se exige um

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tempo mínimo de militância de 15 anos (PR), 10 (Vice-PR), 10 (SG), no caso da

UNITA, a “militância comprovada e testemunhada mínima de 15 anos” para PR

(Santana, 2006:113). Embora os estatutos da FNLA, PRS e o PLD são omissos quanto

a esta questão, a prática evidencia um quadro de ascensão difícil dos novos membros,

uma vez que parece haver constrangimentos no sentido de concorrer para os órgãos

decisórios146. Nestes termos, o congresso não acrescenta nada à força dos membros, na

medida que se traduz num fórum de confirmação e aclamação dos candidatos propostos

pelos actores do vértice de poder. Os congressos realizados nos partidos políticos

abordados confirmam essa tendência, pois, não se registando grandes alterações na

cúpula do partido, salvo em casos onde a indicação de um novo membros serviu para

recompensar ou reafirmar o poder do Presidente, ou ainda para afastar ou expulsar

membros que abriram uma linha de contestação interna.

A fraca contribuição dos membros agrava ainda mais essa realidade, pois,

apesar dos partidos políticos contemplarem nos seus estatutos, contribuições financeiras

dos membros, parece ser quase consensual que, para além dos militantes que

desempenham cargos públicos, a grande maioria contribui timidamente. Neste caso, a

maior contribuição financeira provém das verbas estatais, atribuídas de acordo ao peso

parlamentar e de outros subsídios definidos pelo Estado. Nesta ordem, o MPLA recebe

20 milhões de dólares por ano, a UNITA 15 milhões, o PRS perto de 1 milhão, o PLD 1

milhão e o PDP-ANA perto de 120 mil de dólares (ver quadro 4.7.). Apesar de ter

direito de um subsídio 1 milhão de dólares americanos, a FNLA ficou privado de ter

acesso ao referido valor, por força das crises internas que marcaram a ultima década.

Esse quadro tende a dificultar a existência de um aparato administrativo funcional, pois

que os desafios aos partidos, sobretudo no contexto eleitoral exigem recursos

financeiros e até humanos, capazes de cobrir um território extenso e dispendioso, onde a

televisão e a rádio não são acessíveis em determinadas zonas do país. Exceptuando mais

uma vez o MPLA e em certo sentido a UNITA, que possuem capacidades para ter

presença ao longo do território e criar estruturas funcionais do partido. Relatos diversos

referem que esses partidos políticos possuem representações nas 18 províncias, a julgar

pelos símbolos (bandeiras) espalhados, como procuravam ilustrar a grande maioria das

146 Os congressos da FNLA sempre opuseram membros das elites fundadores do partido, ao passo que nos

congressos do PRS e PLD, não houve sequer outro candidato para além dos respectivos líderes

fundadores do partido.

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reportagens dos jornais privados147 ao longo da pré-campanha e campanha eleitoral de

2008. Essa presença do MPLA e da UNITA estende-se para além dos centros urbanos

nas diversas províncias, ao passo que outros partidos políticos (FNLA, PRS, PLD e

PDP-ANA) apresentam algumas representações nas províncias, mas estão confinadas

algumas sedes de província e apresentam um alto nível de precaridade.

Quadro nº 4.5. Sistematização

Indicadores Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Grau de estruturação

partidária

Rígida Rígida Rígida Rígida Rígida Rígida

Número de Congressos

realizados desde o

multipartidarismo

3 3 2 2 2 1

Gastos das campanhas a par

dos recursos estatais

565. 625.

000. 00

523. 43 0 793.712 0 0

A sistematização partidária enquanto dimensão da institucionalização pode ser

medida qualitativamente a partir do grau de estruturação partidária (rígida ou

fléxivel)148 e quantitativamente a partir do número de congressos realizados desde a

implantação do multipartidarismo e os gastos nas campanhas eleitorais a par dos

recursos estatais. O resultado do conjunto desses indicadores confirma as similitudes na

forma organizativa dos partidos, pois, a excepção da diferença entre os gastos

financeiros para além das campanhas eleitorais, onde o MPLA parece sobressair-se

sobre os demais partidos, seguido pelo PRS e pela UNITA, apresentam uma estrutura

rígida e realizaram entre 1 a 3 congressos no período em análise.

147 As reportagens são dos jornais Agora (06 de Setembro de 2008), Angolense (22 a 29 de Maio de 2004;

12 a 19 de Agosto de 2006;10 a 17 de Maio de 2008; 04 de Setembro de 2008;), A Capital (8 a 15 de

Dezembro de 2007; 26 de Janeiro a 02 de Fevereiro de 2008), Cruzeiro do Sul (12 a 19 de Abril de 2008)

e Semanário Angolense (04 a 11 de Fevereiro de 2006). 148 Trata-se de uma adaptação ao conceito de ligações verticais e horizontais de Duverger (2002). A

estruturação é rígida quando se regista um alto nível de centralização e disciplina, bem como uma

regulamentação estatutária rigorosa que coordena actividade dos órgãos partidários com a base, ao passo

que a estruturação flexível se verifica quando há um baixo nível de centralização e de disciplina, bem

como a ausência de normas rígidas sobre a estrutura dos órgãos.

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4.3.3 Autonomia e coerência

A autonomia e a coerência149 constituem dimensões relevantes da

institucionalização dos partidos políticos e podem ser avaliados a partir de um conjunto

de indicadores, desde o número de alternâncias à liderança e a percentagem de votos

ganhos ou perdidos depois das alternâncias (autonomia) ao número de incidentes ou

mais concretamente crises que se verificaram no partido e pelos actos de indisciplinas a

que foram sujeitos os Deputados, durante ou depois da legislatura (coerência)150. A

autonomia dos principais partidos políticos face ao contexto político parece maior, em

função do nível de enraizamento social e da organização apresentado, no MPLA,

UNITA e relativamente menor no PRS e muito baixo na FNLA, PLD e PDP-ANA. As

mudanças nas bases eleitorais da maioria dos partidos é corolário da sua incapacidade

de criar estruturas funcionais e atrair o seu eleitorado de pertença. Mais do que isso, as

crises internas que os partidos registaram, dando origem a um alto nível de

faccionalismo, sobretudo na FNLA, enfraqueceu as ligações às suas bases de apoio, na

medida que o eleitorado ficou dividido. Porém, no PRS a outra ala criada pelo antigo

vice-Presidente António Muatchikungo não sobreviveu por falta de apoio da base do

partido, reforçada também pela decisão judicial. Por seu turno, o PDP-ANA e o PLD

revelaram igualmente capacidade de ultrapassar as crises internas, ao passo que o

MPLA foi capaz de resolver ou adiar algumas contestações internas.

As alternativas às lideranças não se colocam na maioria dos partidos, porque

assiste-se a quase uma messianização do líder, que parece impensável internamente a

sua substituição. Essa realidade decorre da sua participação no processo de criação do

partido, nalguns casos o partido se revela até parte de si, como parecia ser o exemplo da

UNITA até Jonas Savimbi, considerado um “líder incontestado e carismático”

(Fernando, 2013:94) e ao mesmo tempo “patrão e dono” (Guerra, 2002:75). E não

muito longe, encontra-se o caso do PDP-ANA até Mfulupinga Nlandu Victor, que

parecia o único membro de direcção do partido. A FNLA viveu uma situação similar

até a liderança de Holden Roberto, ainda que tenha sido desafiado por um membro de

direcção, mais por ausência no país do que por razões de perda de confiança dos

membros. Mas essa tendência, ainda que se manifestava de maneira diferente no

149 O termo coerência significa alguma congruência nas atitudes e nos comportamentos dos membros e

implica que o partido age como uma organização unificada (cf. Capítulo I). 150 A questão é saber se houve expulsão, se houve suspensão ou outra medida disciplinar.

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MPLA, ao seu líder “carismático e de grande influência” (Neto, 2008:24) também lhe

era reconhecido competências que já não se via em mais ninguém, pelo que a sua

substituição também era inconcebível. A mesma realidade parecia visível no PLD, onde

Anália de Victória Pereira parecia mais do que líder, o próprio partido, ao contrário do

PRS, onde Eduardo Kwangana tornou-se líder incontestável com grande apoio da

cúpula do partido. Contudo, houve ao longo das duas eleições, períodos marcados por

crises internas, como os casos da FNLA, PRS, PDP-ANA, PLD e UNITA que

acabaram por ser resolvidas por força de medidas extremas dos líderes nos três últimos

com a expulsão dos membros151.

Quadro nº 4.6. Autonomia e coerência

Autonomia Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Tempo no cargo até a

alternância ou as eleições de

2008

29 42 45 16 16 16

Número de alternâncias às

lideranças

0 1 1 0 0 1

Razões da alternância - Morte Morte - - Morte

Percentagem de votos ganhos

ou perdidos depois da

alternância

- (-) 23.71 (-) 1.29 - - (+) 0.18

Coerência Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Número de crises 0 1 6 1 0 1

Expulsões ou repreensões aos

Deputados

- 4 - 6 - 1

Fonte: Elaborado do autor a partir do jornal Angolense (2007); Semanário Angolense (2006);

UNITA, s.d., MPLA (2009);

O quadro apresentado confirma o argumento exposto anteriormente, a respeito

da alternância às lideranças, os casos do MPLA, PRS e PLD ilustram que os congressos

151 No caso da UNITA, merece destaque, quer o caso dos 16 Deputados que contrariaram a sua

substituição pela liderança do partido, quer o caso de Jorge Valentim. No PRS, os casos de Muatchicungo

e posteriormente de Lindo Bernardo Tito e outros. Na FNLA, os casos de Lucas Ngonda em relação ao

fundador do partido. E no MPLA, a contestação pública da Tendência de Reflexão.

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85

serviram apenas para reafirmar a legitimidade dos seus líderes e neste sentido reforçar o

seu poder face a outros organismos na estrutura do partido. No caso do MPLA, os 3

congressos realizados foram mais para analisar a conjuntura política, económica e

social e fazer opções políticas, sendo que a questão da liderança jamais foi mencionada;

os congressos realizados no PRS e no PLD foram exactamente para elaborar estratégias

eleitorais, uma vez que se avizinhava as eleições de 2008 e era preciso reorganizar o

partido. No caso da UNITA, FNLA e PDP-ANA a realidade não está muito distante

dos outros partidos, na medida que alteração na liderança da UNITA foi forçada, ou

seja, deve-se mais a morte do seu líder do que propriamente a uma exigência

estatutária. Aliás, a UNITA apesar de ser o partido que maior número de congressos

realizou, em nunca ter havido alternância. E a morte do seu líder Jonas Savimbi teve

repercussões na estrutura interna da organização e mais concretamente na competição

político-eleitoral, uma vez que a UNITA perdeu (23.71%) dos votos e 54 assentos

legislativos. E mesmo nas eleições de 1992, o seu líder obteve mais votos (41%) do que

o seu próprio partido (34%). A FNLA em menor grau também foi abalada pela

alternância, já que perdeu (1,29%) dos votos e 2 assentos legislativos. O PDP-ANA

também perdeu o seu líder e por força disso, registou o seu primeiro congresso para

além do constitutivo (1990) e alternância na liderança. Não obteve perdas eleitorais, já

que aumentou (0,18%) dos votos, mas obteve perdas parlamentares porque perdeu o

assento legislativo que tinha. Nesse caso, embora aparentemente o partido tenha ganho

mais votos, a verdade é que não foi capaz de se apresentar ao mesmo nível que 1992,

particularmente numa altura em que a competição político-partidária era dominada pelo

MPLA.

Esse panorama está igualmente associado à uma cultura de liderança enraizado

no mando individual e não colectivo (Sango, 2002) que parece ser facilitado também

pelo domínio das zonas de incerteza por parte dos líderes, pois revelam em comparação

aos demais membros do vértice do poder, maior controlo sobre os recursos do poder

organizativo. Em primeiro lugar, revelam uma maior competência política, que se

traduz no seu conhecimento do funcionamento das instituições políticas e na imagem

política que possui junto ao seu eleitorado, que lhes confere ao nível do partido, a ideia

de indispensável para os objectivos da organização; em segundo lugar, a sua relação

com o ambiente externo, revelada pelos contactos privilegiados que mantêm fora da

organização e que se revelam muitas vezes indispensáveis para o próprio partido; em

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86

terceiro, o domínio das fontes de financiamento, pois que, ainda que tenha proveniência

estatal, os líderes têm a capacidade de definir o plano de distribuição pela organização;

em quarto, o controlo das regras formais do partido, uma vez que pode sempre

influenciar a sua interpretação, usando uma série de constrangimentos

organizacionais152; quinto, o processo de recrutamento e de selecção, quer no âmbito

das instituições do partido político, quer no âmbito das instituições representativas;

finalmente, controlam também os canais de comunicação, o que lhes permite quando

podem retardar ou manipular a informação no âmbito dos seus interesses. Contudo, os

líderes não controlam isoladamente e em absoluto esses recursos do poder organizativo,

já que tendem a partilhar com outros actores do vértice do poder, mas como participa

muitas vezes na sua indicação, exista uma grande articulação e até mesmo um sentido

de lealdade por parte desse grupo para com o líder. Essa situação aumenta o poder dos

líderes, pois dificilmente vêem-se confrontados com a oposição de um grupo que

partilha uma ou outra zona de incerteza.

A realidade angolana ilustra uma tendência para partidos políticos que

apresentam uma grande autonomia da liderança, revelando grandes sinais de

centralização do poder e um grande controlo das acções dos membros partidários.

Nesse sentido, a excepção da FNLA e do PRS, as relações entre os grupos intra-

partidários são moderadas, não se registando conflitos internos que ganham contornos

de faccionalismo. O controlo e articulação do líder com os outros membros da cúpula

do poder que lhe são leais, contribui para grande coerência do grupo parlamentar. A

forte disciplina no seu funcionamento contribui também significativamente para essa

coerência do grupo parlamentar para e a resistência ao controlo do líder na maioria

senão todos partidos evidenciados aqui, revelaram-se desfavoráveis aos membros que

desafiaram as respectivas lideranças, como ilustra o caso da UNITA. E embora o

quadro ilustra não ter havido crises153 no MPLA e no PLD, esses partidos registaram

algumas ondas de contestação interna, ainda que se revelaram insuficientes para pôr em

causa a unidade do partido. Aliás, quer no âmbito do partido organização, quer no

âmbito parlamentar o MPLA revelou uma grande coordenação e unida, mesmo em

questões mais fracturantes, como foi o caso da remodelação do Bureau Político e do

152 Agrava-se o facto de na maioria das vezes, não haver uma referência expressa ao número de mandatos

ao nível dos líderes partidários. 153 O conceito de crise refere-se aqui há um conflito interno manifesto, ou seja, em que as partes se

confrontam para além do ambiente interno do partido.

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87

Comité Central no congresso de 1998, em que as elites tradicionais do partido foram

substituídas por jovens tecnocratas também afectos ao partido. No PLD registou-se

uma contestação a liderança da Presidente do Partido, por parte de um membro de

direcção regional, tendo sido expulso por alegadas práticas de má gestão dos fundos do

partido ao nível daquela localidade.

Contrariamente, os casos da FNLA, PRS, UNITA e PDP-ANA indicam que as

crises internas são resultados de relações fraccionadas entre os grupos intra-partidários.

Na FNLA a crise se alastra desde o final da década de 90, com a divisão do partido em

duas facções (alas), a de Ngola Kabango154 e a de Lucas Ngonda, que longe de se

entenderem, vão vivendo situações de contestação interna nas suas próprias facções. Os

congressos realizados pelas facções, que deram vitória aos respectivos líderes foram

contestadas pelas partes que perderam, registando-se uma onda de deserções de ambas

as partes. O nível de faccionalismo é tão grande que o congresso de reconciliação em

2004 não foi capaz de unir as partes em confronto e apresentação de duas candidaturas

nas eleições legislativas de 2008 foi o culminar de um processo que tende a polarizar

ainda mais as partes. E apesar do Tribunal Constitucional ter aceitado o processo de

candidatura da facção de Kabango, há um processo de litígio em tribunal entre as

facções.

O PRS registou igualmente crises internas, ainda que em proporção menor, na

medida que a solução judicial acabou por ser favorável a uma das partes em conflito,

aquela que se apresenta como oficial, liderada por Eduardo Kwangana. Essa crise opôs

o seu vice-presidente Mwatchikungo ao presidente Kwangana, sendo o primeiro sido

expulso por alegados desvios de fundos do partido. Essa expulsão que parecia ser

apoiada pela maioria dos delegados do congresso de 1999, foi abalada com a criação de

uma outra ala e posteriormente apresentação de uma outra candidatura em nome do

partido em 2008, subscrita por alguns membros do partido155. Essas crises internas

foram assoladas também pelo afastamento do Conselho Político, suspensão e posterior

expulsão do secretário para informação e líder da bancada parlamentar, Lindo Bernado

Tito, acusado de desvio de fundos do dinheiro do grupo parlamentar156.

154 Substituiu o líder fundador Holdem Roberto, que pereceu em 2007. 155 Recorde-se que a legislação leitoral obrigava um mínimo de 500 assinaturas para cada um dos 18

círculos eleitorais e 15 mil para o círculo nacional. 156 Pronunciamento públicos feito por Benedito Daniel, Secretário para os Assuntos Políticos, ver Jornal

de Angola de 13 de Junho de 2008.

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A UNITA registou também crises internas, sendo que a primeira data de 1998

quando alguns militantes se distanciaram do líder Jonas Savimbi que se encontrava no

interior em guerra contra o Governo angolano. Nessa altura Jorge Valentim (antigo

porta-voz) e Eugênio Manuvakola (antigo secretário-geral) criaram a UNITA-

Renovada, os seus membros integraram o GURN e até mesmo alguns deputados

aderiram ao grupo. Porém, com a morte de Jonas Savimbi em 2002, o partido

reconciliou-se e o congresso de 2003 que elegeu Isaías Samakuva acabaria por unir o

partido. Porém, essa união parecia aparente, já que em 2006 16 Deputados na

Assembleia Nacional recusaram ser substituídos pela direcção do partido, que alegava

“a normalização da bancada respeitando a ordem de listas de precedência de 1992”157.

Essa situação criou um fracionamento da bancada parlamentar da UNITA entre um

grupo de Deputados que se solidarizava com os 16, entre os quais se destacam os dois

antigos líderes da UNITA-Renovada e um grupo afecto actual liderança. Disso resultou

a expulsão de quatro membros do partido158 e a suspensão de Eugênio Manuvakola

todos eles Deputados159 na V sessão da Comissão Política. E a onda de contestação

registou-se ainda no congresso de 2007 que reelegeu Samakuva em detrimento de Abel

Chivukuvuku, que sempre manifestou alguma pretensão de ser o candidato do partido

para as eleições presidenciais.

Finalmente o PDP-ANA, que apesar de ter sido o primeiro partido atravessar

uma crise interna em 1994, ela não foi suficiente para dividir o partido160. Porém, após a

morte do seu líder Mfulupinga Nlandu Victor, realizou-se um congresso em 2005 para

eleger o novo presidente do partido, que opôs Sediangani Mbimbi e Malungo Belo,

tendo o primeiro se tornado presidente por força da vitoria eleitoral. Posteriormente, isto

é, em 2009 registaram-se trocas de acusações entre os dois, tendo se assistido a

suspensão do Secretário-geral (Malungo Belo) por alegadas práticas de desvio de

fundos da campanha eleitoral de 2008. Este acusava o líder do partido por ignorar o

Bureau Político e demais membros de direcção e por praticar má gestão dos fundos do

partido161.

157 Portal de Notícias ANGOP de 16 de Janeiro de 2006. 158 Os membros expulsos foram Jorge Valentim, Mwanza wa Mwanza, José Kativa e Malheiro Elavoko.

Ver ANGOP de 10 de Março de 2006. 159 Os outros membros foram absolvidos (Evaristo Hungulo e Celeste Chipepi). 160 O referido membro que desafiou a liderança do partido foi expulso. 161 Ver Jornal de Angola de 19 de Novembro de 2008.

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89

Portanto, a luz da discussão sobre o enraizamento do partido na sociedade, a

organização, autonomia e coerência, a institucionalização é relativamente maior no

MPLA e na UNITA, comparado com o PRS, FNLA que apresenta uma

institucionalização mínima, ao passo que o PDP-ANA e o PLD apresentam um

baixíssimo nível de institucionalização. No caso do PLD, a situação tende agravar-se

pela extinção do partido, por não ter atingido 0,5 % dos votos, conforme a legislação

partidária162.

4.3. A guerra e as eleições no desenvolvimento partidário

O desenvolvimento dos partidos políticos está associado ao grau de estruturação

interna e a institucionalização, que parecem ser condicionados pelo ambiente externo,

ou seja, pela capacidade de adaptação e de resposta dos partidos políticos. O contexto de

transição em que emergiram ou reemergiram os partidos políticos angolanos foi

marcado, para além de primeiras eleições gerais que se revelaram inconclusivas, por

uma guerra civil intensa que conheceu períodos intercalares de quase paz (cf. Messient,

2008). Esse contexto político moldou o ambiente de competição e de cooperação

político-eleitoral que sucedeu a guerra, ou seja, que vai da paz até a realização das

eleições legislativas de 2008. Neste sentido, a guerra e as eleições contribuíram para

definir o quadro de desenvolvimento partidário em Angola, moldando o ambiente de

hostilidade, instabilidade e complexidade dos principais partidos políticos.

A guerra que se desenrolou até 1991, em duas fases distintas (1961-1975 e 1975-

1991), conforme abordado anteriormente, criou laços de lealdade entre os partidos

políticos (antes movimentos de libertação) envolvidos e determinadas regiões do país,

particularmente aquelas em que os mesmos estavam confinados e que na maioria das

vezes coincidiam com as origens das elites, dando origem a uma grande ligação. Essa

tendência que se desenvolveu na primeira fase da guerra (1961-1975), com a imagem de

‘nacionalistas e libertadores’ foi fundamental para a hegemonia marcante na história

política angolana. Porém, se na primeira fase da guerra, estão presentes o MPLA, FNLA

e a UNITA, a perda das capacidades militares da FNLA no inicio da segunda fase da

162 Conferir os quadros 4.4. sobre o enraizamento; 4.5. sobre a organização e 4.6. sobre autonomia e

coerência.

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guerra (1975-1991) marca exactamente a bipolarização da vida política nacional que se

registou durante algumas décadas.

As eleições gerais de 1992 reproduziram essa evolução política, na medida que

os dois protagonistas da última fase da guerra acabariam por ser igualmente as

principais forças políticas. A guerra teve um efeito mobilizador significativo em torno

dos dois partidos políticos envolvidos no conflito armado, não havendo por isso “uma

punição severa sobre os dois contendores de uma guerra civil que arrasara o país”

(Santos, 2005:189). As eleições eram partes de um processo de transição política,

resultado do processo de negociação entre as duas partes, que envolvia tarefas no

domínio militar e que estavam concentradas sobretudo na criação da estabilidade e da

segurança. Neste caso, o período da transição democrática que condicionou às partes

adaptar-se à condição de partido numa lógica competitiva, proporcionou-lhe igualmente

condições para a sua hegemonia, sobretudo no caso do MPLA, mercê dos resultados

eleitorais que obteve em 1992 e que com excepção das eleições presidenciais, atingiu a

maioria absoluta. Do mesmo modo a UNITA, parte activa do processo, apresentava-se

igualmente como um candidato a vencer as eleições, mas que caba por perder, apesar de

conseguir disputar os votos em quase todos os círculos eleitorais e nas eleições

presidenciais impôs uma segunda volta, mesmo que nunca tenha sido realizada. Os

discursos e apelos etnoregionais do seu líder foram insuficientes para obter apoio do

maior grupo etnolinguístico, de onde era originário o seu líder e ainda é a grande

maioria dos actores que ocupam o vértice do poder (cf. Kwononoka, 2012). A FNLA

vê-se confrontada com a sua ausência do cenário político-militar, pois não permite

colocá-lo na mesma posição que os outros dois movimentos, deixando de ser um

interlocutor válido. E os resultados eleitorais espelham exactamente essa tendência,

ficando longe dos outros dois partidos com raízes históricas, sendo inclusive

ultrapassado nas eleições legislativas pelo PRS (pelo menos em termos de lugares) e nas

eleições presidenciais, pelo candidato Alberto Neto163.

O processo eleitoral era novo e o nível organizacional era marcado por muitas

disfuncionalidades, colocando-se ainda o problema de natureza militar, impossibilitando

os partidos recentemente criados de competir em determinadas zonas, sobretudo aquelas

controladas pela UNITA. Essa situação era agravada pelo seu fraco enraizamento social

e os meios limitados (Gomes, 2009) de que dispunham para concorrer às eleições, num

163 Candidato do Partido Democrático Angolano.

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contexto marcado por uma bipolarização político militar. Nesse caso, o resultado não

podia ser diferente, sobressaindo o PRS que conseguiu votos próximos a FNLA e o

PLD que atingiu metade dos votos destes. O PDP-ANA acabou por não atingir sequer

1% dos votos, mas na lógica da distribuição dos restos, acabou por conseguir um lugar.

Quadro nº 4.7. Número de eleitores e lugares obtidos pelos principais partidos

Partidos Políticos Eleições de 1992

Eleitores (%) Votos Lugares

MPLA 2.124.126 53.7 129

UNITA 1.347.636 34.1 70

FNLA 94.742 2.4 5

PRS 89.875 2.3 6

PLD 94.269 2.4 3

PDP-ANA 10.608 0.3 1

Fonte: Elaborado a partir de Clement-Kersten (2004); Santos (2005)

O período que se seguiu às eleições de 1992, foi marcada por uma guerra civil

ainda mais intensa dividida em duas fases (1992-1994 e 1998-2002), porém com

desfechos diferentes apesar de se manter a bipolarização. Por um lado, a não aceitação

dos resultados eleitorais e o regresso à guerra por parte da UNITA é condenado pelas

Nações Unidas, que posteriormente conduz um embargo e, por outro lado, os EUA que

sempre haviam apoiado a UNITA, reconhecem oficialmente o Governo de Angola, que

é dirigido pelo MPLA. Essa fase é politicamente desfavorável para a UNITA, embora

consegue obter ganhos no domínio militar, já que ocupa quase 70% do território

angolano. O longo período de cessar-fogo que se registou entre 1994 a 1998, dando

lugar ao funcionamento do parlamento em toda a sua plenitude e ao GURN, por força

do protocolo de Lusaka, acabaria por ser posteriormente violado pela UNITA. A

segunda fase da guerra agudizou ainda mais a situação da UNITA, em função da guerra-

civil pós-eleitoral, pela aplicação de sanções por parte do Conselho de Segurança e pela

degradação da sua imagem pública nacional e internacional. Estava longe da imagem

construída como combatente da liberdade, como era apregoada pelos EUA no contexto

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da guerra fria, agora era visto como um grupo rebelde, insurrecional que combatia um

governo legitimado. E finalmente, a morte do seu líder em combate pós fim a guerra e

tentativa de alterar a ordem política por via da força. Por seu turno, o MPLA que por

força do resultado eleitoral manteve-se governo, onde praticamente sempre esteve,

alongando o seu mandato por força da guerra até a alcançar a paz através de uma vitória

militar sobre a UNITA, o que permite afirmar-se e como artífice da paz.

Esse contexto de guerra que se registou até 2002 foi marcante para o período de

paz que se seguiu, na medida que alterou a relação de forças que existia entre os dois

partidos políticos, pois a derrota militar da UNITA acabou com a bipolarização que

existia anteriormente. O próprio Memorando de Entendimento do Luena que

oficialmente pôs fim a guerra, era um plano de paz do Governo que estava voltada para

o processo de reintegração e desarmamento e não fazia referência a qualquer questão

política. Essa realidade alargou-se para esfera política, uma vez que as eleições foram

geridas ao ritmo do Governo, desde a calendarização até a gestão do processo, ainda que

dentro de um quadro legalmente definido.

O MPLA que beneficiou da participação activa nos processos políticos da

história de Angola, com destaque para a governação do Estado pós-independente e a

legitimação nas primeiras eleições de 1992, que permitiu estender o seu mandato

governamental, por força do retorno à guerra-civil, acabaria por ter autoridade para

restringir a actividade política aos seus interesses. Neste sentido, consolidou as diversas

faces partidárias, desde o partido-organização, onde consolidou a sua estrutura

organizacional e melhorou o seu aparato administrativo, o partido no eleitorado, onde

aumentou consideravelmente a sua base de apoio e o partido no parlamento, onde a sua

maioria absoluta, lhe permitia aprovar os actos normativos necessários para governar.

Procurando congregar as diversas etnias, como sempre fizera (Malembe e D’Oliveira,

2001; Kwononoka, 2012), beneficiou da sua presença no aparato estatal para acomodar

os diferentes interesses étnicos. Para além disso, esse controlo do aparato estatal

permitiu estabelecer e consolidar relações clientelares e patronagem. Nas zonas mais

recônditas, o apoio ao partido era realizado em troca de recompensas diversas, quer

através dos seus dirigentes locais, quer através de organizações sociais aliados ao

partido (AJAPRAZ; Movimento Nacional Espontâneo). Muitas vezes, esses apoios

eram intermediados por autoridades locais (autoridades tradicionais) que detinham o

controlo ou a influência sobre os cidadãos locais na atribuição do voto aos partidos.

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Mais do que isso, o crescimento do sector público, decorrente da paz e do processo de

reconstrução em curso, que era facilitado pela ajuda financeira que recebera da China e

do aumento crescente do preço do petróleo no mercado internacional. Isso levou ao

aumento de postos na administração pública, mas também no sector semi-público, com

a criação de parcerias público-privadas. Por exemplo, o número de funcionários

públicos no final da guerra em 2002 era de 200. 621 mil e passou para 297. 571 mil em

2008, sendo que esse crescimento foi maior no Cunene (180%), Bié (152%), Zaire

(148%), Bengo (145%), Huambo (136%), Malange (129), Cuando Cubango (122) e

Cuanza Sul (1113%). Essa dimensão organizativa, aliou-se a um alto nível de

institucionalização, com um elevado enraizamento na sociedade (quadro nº 4.4.), um

alto grau de sistematização (organização) e de autonomia face ao ambiente político e de

coerência interna, revelando uma grande estabilidade eleitoral e legislativa. Os

resultados eleitorais de 1992 e 2008 viriam a demonstrar a sua preponderância no

contexto político angolano, conseguindo obter assentos legislativos, em 17 das 18

províncias do país, nas legislativas de 1992 e em todas as províncias, nas legislativas de

2008, conforme ilustra o gráfico, que a seguir se apresenta:

Gráfico nº 4.1. Número de lugares obtidos pelo MPLA nos 18 círculos eleitorais

(1992 e 2008)

No universo dos 18 círculos provinciais eleitorais existentes, o MPLA obteve

uma maioria absoluta em 13 províncias em 1992 e 17 em 2008, configurando um

quadro de ancoragem social diversificada e significativa. O MPLA ganhou 59 (65%)

dos 90 lugares disponíveis em 1992 e obteve 26 lugares a mais em 2008, ou seja, obteve

85 (94%) assentos legislativos dos 90 disponíveis em 2008.

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A UNITA, associada ao conflito pós-eleitoral e ao incumprimento de alguns

compromissos para restabelecer a paz, sobretudo com o Protocolo de Lusaka,

agravadas pelas sanções internacionais e mais do que isso, pela sua derrota militar

encontra-se numa situação de complexidade, hostilidade e instabilidade ambiental.

Assim, os resultados de 2008 confirmam essa tendência, elegendo apenas Deputados

em 2 províncias das 18 que integram o país e não tendo conseguido obter nenhuma

maioria absoluta, como ilustra o gráfico (4.3.). Portanto, a sua sobrevivência à transição

democrática foi condicionada pelos factores ora enunciados, contribuindo para o

reforço da legitimação do MPLA, enquanto Governo e maioria no Parlamento, pois, a

guerra constituía barreira para uma nova eleição. Mais do que isso, regista algumas

mudanças nas suas bases eleitorais e perde as eleições legislativas por maioria absoluta

pelo MPLA, em 13 das 18 províncias. E contrariamente as eleições legislativas de 1992

onde conseguiu obter 4 maiorias absolutas nas suas zonas de conforto e conseguiu obter

assentos legislativos em 13 círculos provinciais eleitorais, conforme ilustra o gráfico

(4.2).

Gráfico 4.2. Número de lugares obtidos pela UNITA nas eleições legislativas

nos círculos províncias (1992 e 2008)

A crise interna que assolou o partido e que abalou a coerência interna,

distanciando também os grupos internamente, muitos dos quais marcadas pelas

rivalidades entre “bienos, Chyacas e bailundos” (Caley, 2002; Malembe e D’Oliveira,

2001) foram determinantes para o afastamento de determinadas figuras nas eleições de

2008. Acresce-se a isso, alguma contestação ao presidente Samakuva e as fragilidades

no domínio organizativo, desde a fraca coordenação e articulação entre as diferentes

faces. Aliás, um relatório pós-eleitoral do Gabinete de Estudos, Pesquisa e Análise

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(GEPA) da UNITA164 admitia haver ‘debilidades internas do partido’ que decorriam

de:

“debilidades de direcção dos quais se destacava falta de coesão no seio da direcção,

incapacidade da liderança em congregar as diferentes franjas; debilidades estruturais que

resultam da não implantação efectiva do partido nos centros urbanos, quase total abandono das

zonas rurais do partido e as estruturas centrais se tornaram demasiado pesadas e absorvidas pela

dinâmica de Luanda e perdendo de vista o que se passa no conjunto do território nacional;

debilidades funcionais que resultavam da ausência de divulgação dos símbolos do partido na

base social de apoio e do eleitorado em geral, ausência de acções concrectas tendentes a

ultrapassarem o preconceito étnico e falta de uma acção de organização partidária e de

mobilização política actuantes” (Semanário Angolense, 2008:6-7)

Esse conjunto de debilidades internas do partido fragilizaram ainda mais o

partido, que perdeu a guerra e consequentemente o seu líder e viu-se confrontado com a

incapacidade de distribuir incentivos selectivos, na medida que os recursos económico-

financeiros escassearam. O partido possuía recursos financeiros para distribuir pelos

seus apoiantes espalhados pelo território nacional, por via da exploração diamantífera e

dos apoios financeiros que recebia dos EUA, passou a viver apenas de “dotações do

Orçamento Geral do Estado”165. E mesmo ao nível dos incentivos colectivos, o partido

já não pode agitar como antes a bandeira da defesa da democracia, uma vez que a

guerra foi o resultado da não aceitação dos resultados eleitorais e o seu prolongamento

deve-se a várias manobras do seu líder em contornar as sucessivas tentativas de acordos

de paz.

Os outros partidos políticos, fragilizadas pelo reinício da guerra pós-eleitoral,

foram beneficiadas pela presença parlamentar e governamental, com a criação do

GURN, mas continuaram espectadores de um ambiente político que era inicialmente

bipolar e que passou a ser posteriormente dominado pelo MPLA. Os gastos da

campanha ajudam a revelar as diferenças em termos de recursos financeiros entre os

demais partidos e o MPLA:

164 O relatório foi reproduzido na integra pelo jornal semanal Semanário Angolense de 01 a 08 de

Novembro de 2008, páginas 6 e 7. 165 Fernando Heitor, Deputado da UNITA e 2º Vice-Presidente da Assembleia Nacional, em entrevista ao

jornal semanal privado Cruzeiro do Sul, de 17 a 24 de Maio de 2008;

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Quadro 4.8. Recursos financeiros dos principais partidos angolanos.

Recursos Financeiros Partidos

MPLA UNITA FNLA PRS PLD PDP-ANA

Verba atribuída anualmente 20. 000.

000

15. 000

000

1.000

000166

953.

388.777

1.000

000

112.

529.039

Verba atribuída para a

campanha eleitoral

91.071.

428.57

91.071.

428.57

91.071.

428.57

91.071.

428.57

91.071.

428.57

91.071.

428.57

Gastos das campanhas a par

dos recursos estatais

565. 625.

000. 00

523. 43 0 793.712 0 0

Fonte: Elaborado a partir de Santana (2006); Amudsen e Weimer (2009); Angolense (2006).

O ambiente político era claramente complexo, hóstil e instável para a maioria

desses partidos políticos, cujos resultados eleitorais vieram confirmar esse predomínio

do MPLA:

Quadro nº 4.9. Número de eleitores e lugares obtidos pelos principais partidos

políticos (1992 e 2008)

Partidos

Políticos Eleições de 1992 Eleições de 2008

Eleitores (%) Votos Lugares Eleitores (%) Votos Lugares

MPLA 2.124.126 53.7 129 5.266.216 81.6 191

UNITA 1.347.636 34.1 70 670.362 10.3 16

FNLA 94.742 2.4 5 71.416 1.1 3

PRS 89.875 2.3 6 204.746 3.1 8

PLD 94.269 2.4 3 21.341 0.3 0

PDP-ANA 10.608 0.3 1 32.952 0.5 0167

Fonte: Elaborado a partir de CNE (2008); Clement-Kersten (2004).

166 Ficou privado desse valor, por força das crises internas. 167 Apesar de as contas terem dado um lugar ao partido, a partir da distribuição dos restos. Porém, a CNE

e posteriormente o Tribunal Constitucional confirmou que a distribuição dos restos era feita apenas entre

os partidos que haviam conseguido obter assento legislativo. Contudo, a legislação era omisso nesse

aspecto e o Tribunal Constitucional confirmou a tese da CNE.

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O PRS constitui a grande excepção ao choque externo que os partidos políticos

registaram durante o período em estudo. Neste caso, o partido conseguiu manter a sua

base de apoio estável e até em certo sentido, bem como beneficiou das fragilidades da

UNITA nos referidos círculos eleitorais (Lunda Sul, Lunda Norte e Moxico), para além

de ter crescido também ao nível dos outros círculos, mesmo que os resultados tenham

sido inexpressivos (menos de 2%). Conforme a tabela (4.9) passou de 89.875 (2.3%)

votantes para 204. 746 (3.1%), obtendo mais dois assentos legislativos do que em 1992.

Mais do que um nível de estruturação forte, também presente nos demais partidos

políticos, a elevada coesão e estabilidade interna, associadas ao domínio das zonas de

incerteza por parte do líder e outros actores do vértice do poder permitiu ultrapassar as

crises internas e aumentar a autonomia do líder.

Os recursos financeiros disponíveis para o partido anualmente, atingem

conforme o quadro (4.8.) um valor aproximado a 1 milhão de dólares (953.388.777

USD), para além das contribuições de 10% do salário dos 6 parlamentares e dos seus

membros no Governo, um Ministro (Ciência e Tecnologia) e um Vice-Ministro

(Pescas). Contrariamente aos outros partidos políticos (FNLA, PLD, PDP-ANA,

UNITA), por força do apoio eleitoral ao MPLA nas eleições presidenciais, foi

recompensado com um Vice-Ministro no Governo e um Vice-Governador, mesmo antes

do GURN. Apesar de fazer apelos à unidade e reconciliação nacional, bem como ter

uma pequeníssima presença em algumas províncias do país (ver quadro 4.1), o PRS é

um partido com uma grande base etnoregional (Amundsen e Weimer, 2009),

manifestada pela sua estrutura de liderança e pela sua base de apoio. A relação que

mantém com os grupos etnolinguísticos na região do Leste de Angola, muitas vezes

também por relações de clientelismo, sobretudo em zonas mais recônditas e pobres da

região, que é rica no sector minério (diamantes). Para além de uma organização bem

estruturada e uma autonomia e coerência, assiste-se uma ligação que lhe permite um

enraizamento social elevado, sobretudo nessas zonas, conferindo-lhe um certo grau de

institucionalização e consequentemente de desenvolvimento partidário.

A FNLA foi exarcebada por crises internas que abalaram a estabilidade da sua

base de apoio, sobretudo com o aumento de partidos políticos com lideranças

associados ao grupo etnolinguístico bacongo. A baixa coesão e estabilidade interna que

se registou, com as crises internas que dividiram o partido em duas facções ‘alas’ não

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permitiu a sua expansão, nem tão pouco a manutenção do seu eleitorado. Essa

instabilidade interna privou-o de aceder aos recursos estatais disponíveis anualmente

para o partido, avaliado em 1 milhão de dólares americanos (quadro 4.8), o que agravou

ainda mais os recursos financeiros limitados acessíveis aos partidos políticos. Assim,

perdeu uma fatia do seu eleitorado conforme o quadro (4.9), obteve menos 23. 326

votos (1.3%) equivalentes a 2 lugares, descendo de 5 para 3 lugares no Parlamento.

Contudo, um partido político historicamente etnoregional (cf. Rocha, 2003; Cardoso,

2008; Kwononoka, 2012) conseguiu manter um certo apoio nestes círculos eleitorais

(Zaire e Uíge), pelas relações que a sua estrutura de liderança mantém pela sua base de

apoio. Essa relação é também marcada pelo clientelismo, pois, por ter feito parte dos

três movimentos de libertação, tem direito a uma quota atribuída pelo Governo para a

categoria ‘antigos combatentes’, aqueles a quem o Estado legalmente compensa por

subsídios financeiros mensais em função das patentes definidas. Nesse caso, o controlo

desses recursos permitia trocar por votos, na medida que conseguia compensar as

pessoas afectas à região norte e até mesmo procurar compensar outros membros do

partido. Essa distribuição de incentivos selectivos permitiu manter um certo

enraizamento social nesta região, mesmo com o faccionalismo patente. Porém, esse

nível de enraizamento social tende a diminuir, sendo agravada pela fraca organização,

autonomia e coerência, que diminuiu o seu grau de institucionalização e

consequentemente de desenvolvimento partidário.

O PLD que também estava confinado a um ambiente complexo, hostil e instável,

apresentava uma elevada coesão e estabilidade interna, não tendo registado nenhuma

crise interna, a par de uma contestação de um dirigente no Bié. A par disso, o partido

possuía uma estruturação forte e coerência interna, explicada pela grande autonomia da

liderança, que controlava as zonas de incerteza. Os recursos financeiros que acedia ao

Estado atingia 1 milhão de dólares, conforme o quadro (4.8), era fundamental para um

esforço de implantação que procura levar a cabo. Porém, a sua base de apoio, a julgar

pelos resultados eleitorais de 1992, coincidia com a da UNITA (Bié e Humbo), da

FNLA (Uíge) e do PRS (Lunda Sul), para além de círculos que eram dominados pelo

MPA (Cuanza Sul e Malange). Neste sentido, a sua presença nos centros urbanos,

sobretudo nas capitais dessas províncias, foi insuficiente para consolidar os pequenos

grupos de apoio que parecia haver em 1992. Essa realidade foi ainda agravada pelo

investimento do Governo no Centro-Sul, em termos de recuperação de infra-estruturas e

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criação de empregos, bem como pelo crescimento do PRS na sua base eleitoral. Neste

caso, obteve menos 72. 928 votos (2.1%) e perdeu os 3 assentos legislativos que

possuía, para além de ser extinta por via judicial, por não ter superado a cláusula de

exclusão168. Sem uma base de apoio consolidada e sem recursos suficientes para apelar

ao clientelismo, não conseguiu um certo enraizamento social, abalando o seu processo

de institucionalização e consequentemente de desenvolvimento partidário.

Finalmente, o PDP-ANA que também marcado por uma complexidade,

hostilidade e instabilidade ambiental, apresentava uma elevada coesão e estabilidade

interna, que conseguiu ultrapassar a crise interna (1994) que se registou no partido. Para

além disso, possuía uma estruturação forte e coerência interna, decorrente da grande

autonomia de uma liderança personalizada que domina as zonas de incerteza. A sua

base de apoio coincide com a FNLA (Uíge e Zaire), embora com maior incidência nas

zonas fronteiriças com a RDC. Era o partido político que recebia menos recursos

financeiros (112. 529. 039 USD)169, em função do seu número de votos comparados aos

outros dois partidos. Ainda assim, as suas actividades partidárias eram dinamizadas pelo

seu líder, que conseguia com as suas intervenções enérgicas no Parlamento e os

processos em tribunais, dar alguma visibilidade ao partido. Contudo, a morte do seu

líder (2004) não foi compensada com uma melhor estruturação interna e abalou ainda

mais o enraizamento social que ia criando em Luanda (sobretudo no Palanca e Mabor) e

no Uíge. Apesar de ter obtido mais 22. 334 votos (0.2%), perdeu o lugar que obtinha no

parlamento, ainda o mesmo tenha sido sujeito a uma contestação por parte de alguns

partidos170. Essa realidade foi ainda agravada pela controversa atribuição do seu suposto

assento legislativo, que sem uma base de apoio consolidada e sem recursos suficientes

para apelar ao clientelismo, o seu processo de institucionalização foi abalado e do

mesmo modo o consequentemente desenvolvimento partidário.

168 A cláusula de exclusão partidária é de 0.5% dos votos validamente expressos. 169 Vide quadro (4.7.) sobre os recursos financeiros. 170 Como foi o caso da FpD e do próprio PDP-ANA. Sobre essa questão, vide Santana (2006).

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Conclusão

A transição para a democracia e as eleições multipartidárias em Angola,

resultantes das alterações profundas ao tecido político e económico e social, com a 1ª e

2ª revisão constitucional, aos quais se juntaram um conjunto de leis que consagravam o

pluralismo, a liberdade de reunião e manifestação, criou a possibilidade de constituição

e legalização de partidos para participar nas primeiras eleições multipartidárias de 29 a

30 de Setembro de 1992. Porém, as eleições foram inconclusivas e deram reinício a

guerra civil intensa, marcadas por períodos intercalados por quase paz, até ao seu

término em 2002, com a morte em combate do líder UNITA e assinatura do

Memorando de Entendimento do Luena. Num quadro de paz, seguiu-se posteriormente

as eleições legislativas em 2008, marcadas por vários impasses entre o partido no poder

e a oposição quanto à organização do processo eleitoral. A questão fundamental que

constituiu a problemática central da presente dissertação, está ligada ao

desenvolvimento partidário desigual que se observa nos principais partidos políticos

angolanos, ainda que tenham sido sujeitos a uma mesma complexidade, hostilidade e

instabilidade ambiental. Neste caso, analisou-se por um lado, a dimensão estrutural dos

partidos, a partir do desenho organizativo, coesão e estabilidade, bem como autonomia

da liderança e, por outro lado, a dimensão da institucionalização, a partir do

enraizamento social do partido, a sistematização, autonomia e coerência.

No domínio organizacional, os partidos revelaram similitudes no desenho

organizacional, com um nível de estruturação que reproduz a organização político-

administrativo e consequentemente eleitoral, com uma organização nacional e regional.

Porém, o desenvolvimento burocrático é maior nos partidos mais antigos, a excepção da

FNLA, onde o nível de coesão e estabilidade é muito baixo, comparado ao PLD, MPLA

e PDP-ANA, ao passo que a UNITA e o PRS apresentam um nível intermédio. A

autonomia da liderança é relativamente grande em todos partidos, onde os líderes

controlam as zonas de incerteza, sobressaindo em alguns casos uma certa messianização

dos líderes, como revelaram os casos da UNITA e do PDP-ANA e em menor

proporção, no MPLA, FNLA, PRS e PLD. Essa estruturação partidária é resultado de

um processo de criação dos partidos, por via da penetração territorial, marcada pela

existência de uma elite que controla todo processo de expansão do partido. Mais do que

isso, controla as zonas de incerteza da organização partidária, revelando um domínio

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sobre o financiamento, recrutamento e os canais de comunicação interna, bem como

com o ambiente externo. Essa realidade patente nos partidos estudados – MPLA,

UNITA, FNLA, PRS e PLD – revelam grandes diferenças na forma como essa elite

evoluiu ao longo do tempo. No caso dos partidos históricos, essa elite foi confrontada

por dissensões em diferentes fases do seu percurso anterior a transição multipartidária,

como no caso MPLA, que elevaram o grau de centralização e de disciplina e

intensificaram o domínio exercido pelas lideranças. Essa tendência se consolidou e se

manteve intacta no período em estudo, tendo sido reforçado pelo final da guerra e pelos

ganhos da paz, atribuídos ao líder do partido. Na UNITA, a presença de um líder

carismático que revelava uma ligação umbilical ao partido, confundia a estrutura com o

líder e agudizava o grau de centralização de um partido de um homem só. Essa

tendência foi limitada drasticamente com a morte do líder, mas em contrapartida

reacendeu algumas tensões entre grupos intrapartidários. A FNLA também apresentava

um líder carismático, mas que havia perdido com o tempo o domínio sobre a estrutura

partidária, mercê fundamentalmente da desmobilização das suas bases militares ainda

no período pós-independência. No caso dos novos partidos políticos – PRS, PLD e

PDP-ANA – essa elite consolidou o seu poder e criou um quadro de recompensas para

os membros que pareciam leais e de punição para aqueles que tentaram desafiar a sua

autoridade interna. A guerra foi determinante para legitimação dessas elites dirigentes e

para o aumento do grau de centralização do seu poder internamente, a sobrevivência do

partido num ambiente marcadamente complexo, instável e até hostil (sobretudo para os

pequenos partidos) era encarada como uma consequência das acções das lideranças.

No domínio da institucionalização, o enraizamento social foi marcado por um

alargamento da base de apoio do MPLA ao longo do território nacional e redução da

UNITA, enquanto se registou igualmente uma manutenção das ligações do PRS a região

do leste de Angola, da FNLA e do PDP-ANA ao Norte, por força de práticas

clientelares. O PLD não conseguiu manter as suas bases de apoio, que coincidia em

muitos casos com zonas de hegemonia do MPLA e da UNITA, bem como do PRS e da

FNLA, a maioria das quais não possui nenhuma ligação. Esse alargamento da base de

apoio do MPLA foi resultado da sua permanência no governo desde a transição

multipartidária e o reinício do conflito armado até 2002, que lhe permitia aceder e

controlar o aparato estatal, extrair recursos necessários e suficientes para expandir a

organização e cooptar quadros. A guerra e sobretudo a forma como terminou, por uma

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vitória militar do MPLA, agudizou as relações de forças com os outros partidos

políticos, favorecendo ainda mais o seu domínio sobre o ambiente político,

condicionando-o em função do seu quadro de interesses. E se as eleições de 1992

serviram para confirmar a natureza bipolar do conflito político, as eleições de 2008

acabariam por comprovar a hegemonia do MPLA. A UNITA, havia perdido a guerra, o

seu líder e capacidades de influenciar o processo político, para além de ser incapaz de

assegurar continuamente a distribuição de incentivos selectivos aos membros

espalhados pelo território nacional. Em função disso, viu-se confrontado com mudanças

significativas no apoio eleitoral, com a perda de mais de meia centena de assentos

legislativos e com crises internas, afastamentos e expulsões de membros influentes do

partido. O PRS consolidou as suas bases de apoio no leste de Angola e com isto

aumentou a sua percentagem de votos e lugares e, as crises internas foram incapazes de

condicionar o apoio às lideranças e expandir a organização. A FNLA e o PDP-ANA

procuraram manter o seu eleitorado de pertença no Norte de Angola, mas a crise que se

instalou no primeiro, desde finais da década de 90 e que se prolongou até mesmo o

período pós-eleitoral de 2008, limitou o acesso aos recursos que tinha direito e gerou

deserções massivas de membros afectos ao partido. Já o segundo viu-se confrontado

com a perda do seu líder e com a incapacidade de preencher as capacidades de

mobilização política que o mesmo detinha, não sendo capaz de alargar as bases de apoio

para além das zonas de origens das elites dirigentes. Finalmente, o PLD não conseguiu

manter as suas bases de apoio, sobretudo porque coincidiam com as zonas tradicionais

da UNITA e MPLA, cujas ligações aquelas áreas datam desde as décadas de 60 e 70.

O desenvolvimento partidário revelou-se maior no MPLA e na UNITA

comparado aos demais partidos, sobretudo a FNLA, que perdeu o seu peso político para

o PRS e o PDP-ANA, ainda que este último, tal como o PLD tenha perdido o(s)

lugar(es) no Parlamento e tenham tido um desenvolvimento muito baixo. E longe de

factores como a etnicidade, o clientelismo e a patronagem, também presente na

realidade partidária angolana, esse desenvolvimento dos partidos políticos foi

profundamente condicionado pela guerra e pelas eleições de 1992 e 2008. A guerra

alterou a relação de forças entre os principais actores partidários, primeiramente assente

numa lógica tripartida – MPLA, FNLA e UNITA – e posteriormente bipartida – MPLA

e UNITA – com a perda de capacidades militares da FNLA, prolongando-se até as

eleições de 1992, com o processo de bipolatização político-eleitoral. Porém, essas

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eleições definiram o quadro de governação, mesmo com a recusa dos resultados por

parte da UNITA, pois o MPLA permaneceu Governo e a UNITA recorreu ao conflito

armado. Apesar da presença parlamentar e posteriormente governamental a que se

observou, por força do GURN no quadro dos resultados eleitorais, a bipolarização

mantinha-se. Mas o final do conflito alterou a lógica das relações, com a vitória militar

do MPLA, que assumiu a hegemonia político-partidária e que reforçou com a vitória

eleitoral em 2008, por maioria absoluta dos votos e dos lugares.

Essa realidade confirma a tendência do argumento de que o ambiente de guerra

e de pós-guerra não é propício para o desenvolvimento partidário, salvo para os partidos

incumbentes ou envolvidos na guerra. E o mesmo modo, as eleições contribuem para

reforçar o poder e as desigualdades crescentes entre os partidos incumbentes e/ou da

guerra e os partidos na oposição. Os primeiros tendem a revelar uma forte

institucionalização, por força do acesso aos recursos públicos e do controlo do aparato

estatal, sobretudo da mídia e do sector público e semi-público, que lhes permite usar o

clientelismo e a patronagem para alargar a sua base de apoio. Os segundos tendem a

revelar uma fraca institucionalização ou experimentar um processo de

desinstitucionalização, em função dos constrangimentos que estão sujeitos, desde os

bloqueios à midia estatal até ao acesso limitado dos recursos estatais, quer por força do

seu peso parlamentar, quer pela fraca ligação à sociedade. As implicações desiguais da

guerra e das eleições no processo de institucionalização partidária têm efeitos

sistémicos, quer para a institucionalização do sistema partidário que se vê moldado

também por padrões irregulares de competição eleitoral, de enraizamento do partido na

sociedade e de legitimidade das eleições, quer para o processo de democratização, que

tende a ser limitado pelos partidos incumbentes e/ou envolvidos na guerra civil, abrindo

caminhos tortuosos para a consolidação democrática. Contudo, abre-se uma questão

interessante que consiste em comparar o desenvolvimento partidário em países

marcados por uma guerra civil prolongada que colocou inúmeros entraves no processo

de democratização e países que não registaram essas transformações. Mais

concretamente, a tendência evidenciada no trabalho também se regista em contextos em

que a guerra civil não fez parte do processo de democratização, mas em que as eleições

parecem também agudizar as desigualdades entre os partidos incumbentes e a oposição,

revelando um sistema de partido predominante e um processo de democratização

controlado.

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