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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 245 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AS INTENCIONALIDADES DO DISCURSO PUBLICITÁRIO EMPRESARIAL VERDE Igor Rafael de Paula (Graduando em Geografia pela UNIFAL) [email protected] Marina de Oliveira Penido (Mestre em Geografia pela UFF) [email protected] Resumo Com o pós-guerra, na segunda metade do século XX, emerge o paradoxo ambiental e o ideário do desenvolvimento sustentável, com isso as empresas devem reaver conceitos de produção, e, o mais importante, estratégias de como continuar vendendo seus produtos. Em um tempo onde o ganho econômico é o que importa, a noção do “ecologicamente correto” ganha força em discussões ao redor do mundo, portanto faz - se necessário um discurso onipresente que assegure uma nova ideologia, garantindo segmento de consumo. O presente artigo analisa o discurso publicitário verde veiculado nos meios de comunicação de massa por parte dos organismos centrais do capitalismo e suas implicações ao se construir um discurso socioambiental a fim de propagar uma imagem favorável aos consumidores, bem como possíveis posicionamentos para o enfrentamento de tal problemática. Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável; Capitalismo; Discurso Socioambiental; Segmento empresarial. Abstract With the post-war, in the second half of the twentieth century, emerging environmental and sustainable development paradox, therefore companies must recoup production concepts, and, most importantly, strategies on how to continue selling their products. In a time where is economic gains what matters, the notion of "environmentally friendly" gains momentum in discussions around the world, then it is necessary to ensure a ubiquitous discourse a new ideology, ensuring consumer segment. This article describes, explains and analyzes the relationships and constant use of the means of mass communication by the central institutions of capitalism and their implications when building a social and environmental discourse in order to propagate a positive image to consumers, as well as possible placements for confronting and overcoming such problems.

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AS INTENCIONALIDADES DO … · 2018-11-09 · O discurso do desenvolvimento sustentável apresenta-se como ... final de um caminho único para evolução

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O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AS INTENCIONALIDADES

DO DISCURSO PUBLICITÁRIO EMPRESARIAL VERDE

Igor Rafael de Paula (Graduando em Geografia pela UNIFAL)

[email protected]

Marina de Oliveira Penido (Mestre em Geografia pela UFF)

[email protected]

Resumo

Com o pós-guerra, na segunda metade do século XX, emerge o paradoxo ambiental e

o ideário do desenvolvimento sustentável, com isso as empresas devem reaver

conceitos de produção, e, o mais importante, estratégias de como continuar vendendo

seus produtos. Em um tempo onde o ganho econômico é o que importa, a noção do

“ecologicamente correto” ganha força em discussões ao redor do mundo, portanto faz-

se necessário um discurso onipresente que assegure uma nova ideologia, garantindo

segmento de consumo. O presente artigo analisa o discurso publicitário verde

veiculado nos meios de comunicação de massa por parte dos organismos centrais do

capitalismo e suas implicações ao se construir um discurso socioambiental a fim de

propagar uma imagem favorável aos consumidores, bem como possíveis

posicionamentos para o enfrentamento de tal problemática.

Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável; Capitalismo; Discurso

Socioambiental; Segmento empresarial.

Abstract

With the post-war, in the second half of the twentieth century, emerging environmental

and sustainable development paradox, therefore companies must recoup production

concepts, and, most importantly, strategies on how to continue selling their products. In

a time where is economic gains what matters, the notion of "environmentally friendly"

gains momentum in discussions around the world, then it is necessary to ensure a

ubiquitous discourse a new ideology, ensuring consumer segment. This article

describes, explains and analyzes the relationships and constant use of the means of

mass communication by the central institutions of capitalism and their implications

when building a social and environmental discourse in order to propagate a positive

image to consumers, as well as possible placements for confronting and overcoming

such problems.

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Keywords: Sustainable Development; Capitalism; Social and Environmental

Discourse; Bussiness Segment.

Introdução

Comumente, há, para muitas questões, discursos prontos, programados,

verticalizados de cima para baixo, que, por sua vez se propagam com fluidez, e

ganham legitimidade na sociedade, hoje, globalizada. O discurso como prática

constituída histórica e socialmente constitui-se, para Foucault (2008), como elemento

de poder, de inserção de noções de verdade na realidade social em que se insere:

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso [...] não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é também aquilo que é o objeto do desejo; e visto que - isto a história não cessa de nos ensinar - o discurso não é simplesmente aquilo que traduz lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar (FOUCAULT, 2008, p. 10).

Para Foucault, o poder é um elemento que não se restringe à escala do

Estado, sendo composto por relações de força que buscam constituir verdades. Na

vontade de verdade, de um “discurso verdadeiro”, “o que está em jogo, senão o desejo

e o poder?” (FOUCAULT, 2008, p. 20). O poder, nessa perspectiva, está intimamente

ligado à sua condição de relação e de assimetria entre as partes, ou seja, preside

trocas nas quais não existem condições de equilíbrio entre os atores/grupos sociais.

Considerando que o discurso é sempre realizado a partir condições de

produção específicas associadas a “di-visões” (de classes, de funções, de

capacidades...) inerentes ao social, as estratégias discursivas acionadas pelos

agentes ultrapassam o texto e nos remetem tanto ao contexto mais imediato da

enunciação, quanto ao espaço social que estrutura as relações interdiscursivas

(PÊCHEUX, 1997; ORLANDI, 1989).

O discurso do desenvolvimento sustentável apresenta-se como uma ideologia,

uma verdade irrefragável, livre, pela maioria daqueles que o recebe, de contestações.

Nesse quadro, o presente artigo objetiva realizar uma analise do discurso ambiental

veiculado na mídia através de propagandas, desmistificando o discurso empresarial

verde.

Para tanto, objetiva-se interpretar não só o conteúdo, mas a forma do discurso,

ou seja, “como este texto significa”, explicitando que há uma relação íntima entre

linguagem, discurso e ideologia (ORLANDI, 2001). A análise levará em conta a relação

entre a forma e o conteúdo do texto, isto é, a relação entre o conteúdo proposicional e

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a forma de proferir os argumentos que, tomados no seu conjunto, permitem a

apreensão do significado do discurso e das formas de convencimento presentes em

tais textos.

Como todo discurso ideológico é lacunar e ganha coerência através daquilo

que não pode ser dito, de “termos ausentes que garantem a suposta veracidade

daquilo que está explicitamente afirmado” (CHAUÍ, 1980, p. 4), a seleção que o sujeito

faz entre o que diz e o que não diz é extremamente significativa (se diz “x” para

silenciar “y”...). A ideologia1, nesse sentido, cumpre o papel de elaborar uma imagem

particular universalizada, fundada em crenças e discursos que, ao longo da nossa

história, foram capazes de “coincidir com as coisas”, substituir a realidade por

constatações tidas como verdades imutáveis (CHAUÍ, 1980).

No caso, o discurso ambiental atual encontra-se sob a égide da ideologia do

desenvolvimento sustentável, que tem como prerrogativa a possibilidade de

conciliação entre exploração econômica e preservação ambiental. Se num primeiro

momento, as preocupações ambientais eram sinônimos de custos, de ônus para o

segmento empresarial, hoje, a incorporação das externalidades ambientais

apresentam-se como oportunidade de lucro, na medida em que é valorizada pelo

mercado e pela sociedade como um todo.

Os órgãos mantenedores do capital, isto é, as empresas de “grande” porte,

veem nesse “discurso-ambiental-dominante” a possibilidade de idealizar uma imagem

responsável para o consumidor. A preocupação das empresas em prol de um “planeta

sustentável” mascara o seu real objetivo, de caráter estritamente econômico, ao fazer

uso do discurso ambiental como estratégia de “marketing verde”.

A ideologia do desenvolvimento sustentável

A noção de desenvolvimento remete a imagem de progresso, crescimento,

evolução, adjetivos positivos que escondem o real sentido impregnado nas

sociabilidades e políticas desenvolvimentistas do regime globalista-neoliberal. De

praxe, quando se diz que algo se desenvolve, quanto à opinião pública, dificilmente há

correlação a maus-sentidos em sua definição, longe disso, ouve-se, e, lê-se,

corriqueiramente, manchetes anunciando as condições de vida nos países

1 “A ideologia, forma específica do imaginário social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si mesmos o aparecer social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência […] é o ocultamento ou a dissimulação do real. [...] O discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, destarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique pensamento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada, isto é, a imagem da classe dominante” (CHAUÍ, 1980, p. 3).

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desenvolvidos, que, como modelos de desenvolvimento, instituem-se como meta para

os países ditos subdesenvolvidos.

Como explicita Esteva (2000, p. 61), “o desenvolvimento ocupa o centro de

uma constelação semântica incrivelmente poderosa. Não há nenhum outro conceito no

pensamento moderno que tenha influência comparável sobre a maneira de pensar e o

comportamento humanos”. Nesse quadro, o autor explicita o caráter ideológico da

noção de desenvolvimento ao apresentar-se como meta inexorável e linear para o

mundo e ao mascarar uma comparação valorativa entre países desenvolvidos e

países subdesenvolvidos. O “farol do desenvolvimento”2 ilumina, portanto, o estágio

final de um caminho único para evolução do mundo através do modo de produção e

de vida urbano-industrial.

A propagação do ideário do desenvolvimento aponta para a massificação de

um discurso-dominante balizado em uma cultura específica, eurocêntrica, em

detrimento de outras, ferindo a diversidade de costumes e tradições. Diversos autores

latino-americanos tem discutido a noção de desenvolvimento em sua intrínseca

relação com a “colonialidade”. A “colonialidade”, portanto, sobreviveu ao colonialismo

(no stricto sensu), por meio dos ideais desenvolvimentistas eurocêntricos, mantidos e

revigorados no contexto da globalização neoliberal: “Todos querem ser desenvolvidos

como a Europa e os EUA e, assim, o horizonte está marcado pela colonialidade do

saber e do poder, posto que não se consegue pensar fora dos marcos desse

pensamento moderno-colonial” (PORTO-GONÇALVES, 2013, p. 51).

Diante da problemática ambiental, a ideia-colonizadora mais bem sucedida de

todos os tempos, o desenvolvimento, vem sofrendo restrições e precisou incorporar a

palavra “sustentável” para não perecer. Logo, a noção de sustentabilidade surge como

estratégia política de desenvolvimento, já que a noção de desenvolvimento sustentável

sobressai (no rol das várias teorias do desenvolvimento) como a mais capacitada para

lidar com os problemas contemporâneos (PENIDO, 2011).

A necessidade de impor limites ao estilo de vida criado pelo capitalismo

industrial se acentua a partir de 1972, quando é publicado, pelo Clube de Roma, o

relatório The limits of Growth, organizado por cientistas do Massachusetts Institute of

Technolgy, liderados por Dennis L. Meadows. As reflexões do Clube de Roma, em tom

catastrófico e alarmante, apontavam para a limitação dos recursos naturais

(principalmente de origem fóssil), para a tese malthusiana de crescimento geométrico

2 Wolfgang Sachs (2000, p. 11) utiliza a metáfora para explicitar que “o desenvolvimento foi, por várias décadas, aquela idéia que, como um altíssimo farol orientando marinheiros até a praia, guiava as nações emergentes em sua viagem pela história do pós-guerra”.

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da população mundial e para o paradigma tecnológico que acarretava a aceleração da

aproximação dos limites ambientais (PENIDO, 2011).

Ainda em 1972, sob forte influência do diagnóstico do Clube de Roma, ocorreu

em Estocolmo, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente

Humano, a primeira reunião de caráter oficial a tratar de assuntos ambientais a nível

global. A partir desta Conferência, cria-se o conceito de ecodesenvolvimento,

expressão da fusão entre desenvolvimento e meio ambiente (e forma embrionária

daquilo que mais tarde se consagraria como desenvolvimento sustentável).

Na década subsequente à Conferência de Estocolmo, a noção de

“ecodesenvolvimento” entra em desuso e começa a ser substituída pelo conceito de

desenvolvimento sustentável. A noção de desenvolvimento sustentável aparece pela

primeira vez formalizada em 1987, no Relatório Brundtland, Our Common Future,

preparado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

Sustentável (CMMAD, 1991), presidida pela então primeira-ministra da Noruega, Gro

Harlem Brundtland. O conceito “oficial” de desenvolvimento sustentável, instituído pela

Comissão Brundtland, tão amplamente divulgado e reproduzido, refere-se à

competência de garantir que “o desenvolvimento atenda as necessidades do presente

sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas”

(CMMAD, 1991, p. 46). O tripé do desenvolvimento sustentável alicerça-se sobre a

“relevância social, prudência ecológica e viabilidade econômica” (SACHS, 2002, p.

35).

Em 1992, sob forte influência do Relatório Brundtland, realizou-se na cidade do

Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento (também denominada Rio-92, Eco-92, Cúpula da Terra ou Grande

Encontro da Terra), na qual a noção de desenvolvimento sustentável foi

definitivamente consolidada e difundida.

É hora de fazer cair a máscara: o discurso empresarial verde

Para Leff (2013, p. 61), o enfrentamento ambiental “surgiu nas últimas décadas

do século XX como uma crise de civilização, questionando a racionalidade econômica

e tecnológica dominantes”. Sob este ângulo, o que se nomeia por “crise”, com os seus

mais diversos qualificativos, testemunha a “reafirmação da vontade e da recorrente

capacidade do capital em transferir a seu meio ‘externo’[...] as conseqüências de

contradições que são, exclusivamente, suas; no sentido que surgiram das relações de

produção e de propriedade que o fundam” (CHESNAIS; SERFATI, 2003, p. 4 – grifos

meus).

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Numa perspectiva crítica, vários autores têm questionado o discurso

institucionalizado do desenvolvimento sustentável, apontando-o como um “novo

paradigma do progresso”, preocupado apenas com o estresse ecológico sobre os

projetos econômicos (CAVALCANTI, 1998; ESTEVA, 2000; SACHS, W., 2000;

ZHOURI; LASCHEFSKI; PEREIRA, 2005). Um ideário que visa ocultar as formas de

apropriação privada e desigual dos recursos naturais, as contradições, os conflitos

ambientais e o antagonismo de classes. Trata-se, segundo Carneiro (2005), de uma

noção de caráter normativo, sem delimitações científicas precisas e acabadas. Talvez

por isso mesmo, e pela dimensão que a ECO-92 deu ao termo, ele se tornou uma

espécie de “panacéia da moda” (SILVA, 2000).

Elaborada a partir de uma perspectiva que visa “revigorar os pilares de

sustentação do progresso econômico” (ASSIS, 2005), a noção de desenvolvimento

sustentável crê na possibilidade de exploração regular e contínua dos recursos

naturais a partir de adequações, mitigações e técnicas ambientais. Tal perspectiva se

insere na chamada modernização ecológica,

processo pelo qual as instituições políticas internalizam preocupações ecológicas no propósito de conciliar o crescimento econômico com a resolução dos problemas ambientais, dando-se ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso (ACSELRAD, 2004, p. 32).

A atribuição ao mercado da capacidade institucional de resolver os problemas

ambientais vem tornando o meio ambiente uma “oportunidade de negócios”, o que

revela uma racionalidade econômica operando envolta sob uma aparência dita

ambiental (LAYRARGUES, 1998; PENIDO, 2011). Nesse quadro, não podemos deixar

de destacar o papel do segmento empresarial, tanto nacional quanto transnacional, na

conjunção de poderosos atores adeptos ao ideário do desenvolvimento sustentável.

Para tanto, examinaremos práticas publicitárias de distintos segmentos

empresariais - produtos de higiene e limpeza, de produção e distribuição de energia, e

de distribuição de combustíveis – a fim de desconstruir o discurso ambiental

dominante.

A propaganda comercial analisada, da marca de produtos de limpeza Ypê, da

indústria química paulistana Química Amparo3 faz referência ao Projeto Ypê Florestas,

3 Operando desde 1950, com sede na cidade de Amparo – SP e filiais em Salto- SP e Simões Filho – BA,

a Química Amparo detém os direitos da marca Ypê, líder de vendas de sabão em barra no país, além de exportar produtos para fora do Brasil. Disponível em: http://www.industriabrasileira.com/empresas/quimica_amparo_ltda. Acesso em: 06/04/2014.

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realizado em parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica.4 Tal programa

proporcionou a empresa prêmios ambientais no Brasil, sendo referência de empresa-

verde no país.5 Para melhor análise, será reproduzido a seguir o texto presente na

publicidade:

O conforto de hoje provoca efeitos na natureza. Pensando nisso, a Ypê vai plantar milhares de árvores, e você não gasta nada a mais com isso. (Trilha sonora) Compre Ypê, a gente planta árvores para você!

Nas imagens do reclame, vê-se uma mulher escolhendo em um corredor de

supermercado um produto Ypê, de repente, todo o cenário a sua volta se desfaz,

transfigurando-se em um ambiente natural, e o produto Ypê se transforma em uma

muda de planta a virar árvores. Então, aparecem crianças – símbolo da esperança –

que testemunham árvores a brotar da terra, o renascer do verde, que subliminarmente

pode representar a venda de muitos produtos Ypê se revertendo no plantio de uma

imensa floresta. Tudo isso ao som de uma trilha sonora angelical, a adicionar

avivamento às cenas.

Ao tomarmos a primeira frase: “O conforto de hoje provoca efeitos na

natureza.” Inferir-se-ia que, para que se tenha uma melhor qualidade de vida, deve-se

pagar um preço. O desmatamento, crescente no país, sobretudo na região da

Amazônia Legal, parece ser o preço a se pagar, segundo a lógica presente no material

de publicidade supracitado.

Logo, como resolução do problema - “Pensando nisso, a Ypê vai plantar

milhares de árvores, e você não gasta nada a mais com isso.” - a instituição mostra ao

consumidor o quanto se preocupa com o desmatamento. O comercial passa para o

telespectador que ao comprar produtos Ypê ele estará ajudando no reflorestamento,

sem ter qualquer tipo de ônus/gastos a mais com isso. A pausa para a trilha sonora

instrumental é um momento em que a “magia” da natureza e a esperança da

restauração entram em cena, como fórmula a comover e convencer o interlocutor. A

intenção é reforçada no último argumento “Compre Ypê, a gente planta árvores para

você!”. O verbo “compre”, no imperativo, e início de frase, investe no principal do

marketing, que é apresentar e convencer o consumidor a comprar o produto. O

4 O Projeto Florestas Ypê, faz parte do Programa Florestas do Futuro, da Fundação SOS Mata Atlântica e teve seu início em 2007. “Os plantios são realizados em diferentes propriedades nas regiões das cidades de Campinas e Itu, no interior de São Paulo, em APPs (Áreas de Preservação Permanente), dentro das bacias dos rios Atibaia e Tietê”. Disponível em: http://www.ype.ind.br/compromisso/florestas-ype/. Acesso em: 03/04/2014. 5 Por cinco anos consecutivos (2007, 2008, 2009, 2010 e 2011), a Ypê recebeu o prêmio Top of Mind da Folha de São Paulo, na categoria Top Meio Ambiente, e o TOP Ambiental ADVB-SP, em 2008. Disponível em: http://www.ype.ind.br/compromisso/florestas-ype/. Acesso em: 03/03/2014.

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argumento que sustenta o verbo “compre” é evidentemente ambiental: compre Ypê

porque plantamos árvores para você. Por sua vez, o emprego do pronome “você”,

mostra uma relação de proximidade entre a Ypê e o consumidor e favorece a

construção de uma tônica de benefícios para o cliente. Além de comprar o produto, o

consumidor tem a possibilidade de contribuir para o reflorestamento. Logo, a peça

publicitária atrela os produtos da marca Ypê à imagem de responsabilidade ambiental,

ao mesmo tempo em que responsabiliza o consumidor, que, ao comprar produtos da

referida marca, poderá contribuir com a recuperação de florestas.

Outra empresa que tem se valido amplamente do discurso ambiental é a

Cemig6, que em vários anúncios publicitários, afirma ser a única empresa de energia

latino-americana no Índice Dow Jones de Sustentabilidade, como explicita a figura 01:

Figura 01:

Fonte: Revista Ação Ambiental, UFV, Viçosa/MG, ano XI, n. 39, p. 36, nov./dez. 2008.

No texto da publicidade acima consta: “Entre o mundo dos negócios e o mundo

das pessoas, ficamos com os dois. Cemig, 9 anos como a única empresa de energia

da América Latina no Índice Dow Jones de Sustentabilidade”. O Índice Dow Jones

6 A Cemig é uma companhia de capital aberto controlada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, que possui 114 mil acionistas em 44 países. O Grupo Cemig “responde, em Minas Gerais, por 96% da área de concessão […]”, sendo “responsável pela operação de 65 usinas, com capacidade instalada de 6.925 megawatts”. “A atuação da Cemig estende-se a 22 estados brasileiros […]”. Também possui participação em empresas transmissoras de energia elétrica (TBE e Taesa), investimentos no segmento de gás natural (Gasmig), telecomunicações (Cemig Telecom) e eficiência energética (Efficientia)”. Disponível em: http://www.cemig.com.br/pt-br/a_cemig/quem_somos/Paginas/default.aspx. Acesso em: 04/04/2014.

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(DJSI) é o mais importante índice mundial de sustentabilidade e é utilizado como

parâmetro para análise dos investidores social e ambientalmente responsáveis.

Como se observa no discurso do anúncio, a Cemig opta pela conciliação entre

o mundo dos negócios e o mundo das pessoas, que na imagem é representada por

dois círculos que focalizam, com uma área de interseção, a figura de uma indústria e a

de duas crianças.

O texto que segue abaixo da imagem publicitária diz:

Em 2000, ano em que Joana e Davi nasceram, a Cemig esteve pela primeira vez no Índice Dow Jones de Sustentabilidade - DJSI World. Desde então, o Cemig é uma das duas únicas empresas do setor elétrico no mundo listados no Índice. É que, ao gerar energia, a Cemig preserva, para a vida das pessoas, valores essenciais como ética, respeito, transparência e conservação do meio ambiente. Valores que nos inspiram a ser uma Empresa cada vez melhor. Produzir energia para mais de 17 milhões de pessoas é o nosso negócio. Criar valor para clientes e acionistas, empregados e parceiros para esta e as futuras gerações é o nosso compromisso.

Nesse enunciado a empresa reafirma sua participação no Índice Dow Jones de

Sustentabilidade desde o ano de 2000, ano em que as crianças do anúncio publicitário

nasceram, Joana e Davi. A utilização de nomes para as crianças e a referência ao seu

ano de nascimento, denota uma proximidade da empresa com as pessoas, o que

também justifica sua responsabilidade socioambiental. Ao exercer sua função que é

“gerar energia”, o anuncio afirma que a Cemig “preserva, para a vida das pessoas,

valores essenciais como ética, respeito, transparência e conservação do meio

ambiente”. Na sequência, o texto afirma que o negócio da empresa é produzir energia

para 17 milhões de pessoas e que o seu compromisso é criar valor para clientes

acionistas, empregados, parceiros e para as futuras gerações. Desta forma, ao

mesmo tempo em que a Cemig preserva determinados valores e conserva o meio

ambiente, ela assumi que o seu negócio e o seu compromisso encontram-se na esfera

econômica.

Da imagem ao enunciado, observa-se a conciliação entre as esferas ambiental,

social e econômica, exatamente o que compõe os princípios basilares da noção de

desenvolvimento sustentável, como explicita a figura 02 a seguir:

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Figura 02: Tripé do desenvolvimento sustentável

Fonte: MENDES, H. A vantagem em ser sustentável, em 18/02/2013. Disponível em: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/. Acesso em: 04/04/2014.

Outra publicidade que trabalhamos é da empresa da rede de postos de

combustível Ipiranga, do Grupo Ultra7, do ano de 2014. Protagonizando, um casal de

bebês dialogam ao chegar ao posto Ipiranga. Observe:

[Bebê 01] - O que que tá acontecendo? [Bebê 02] - Ah, papai veio comprar leite, pão, essas coisas... [Bebê 01] - Mas porque que ele vem sempre nesse posto? [Bebê 02] - Você não viu ele falar que é Ecoeficiente? Ajuda a cuidar do planeta! [Bebê 01] - E esse cartão carbono zero? [Bebê 02] - Ah, é que ajuda a controlar a emissão de gases! [Bebê 01] - Aaah... entendi!

Antes de tudo, a peça publicitária objetiva promover a ideia de uma

organização “ecologicamente correta”. Digamos, pois, que o “Bebê 01”, que faz as

perguntas, representa o interlocutor da publicidade e o “Bebê 02” a empresa. Na

segunda resposta - “Você não viu ele falar que é Ecoeficiente? Ajuda a cuidar do

planeta!” - mais uma vez aparece os genes do “discurso-ambiental-dominante”. No

portal eletrônico da empresa consta algumas informações sobre o funcionamento dos

postos Ecoeficientes Ipiranga. Basicamente, o posto Ecoeficiente é pautado na Gestão

de Água, Energia, Materiais, Resíduos e Solo, através de técnicas de coleta,

reaproveitamento e reutilização do que o sistema climático fornece (sol e chuva) ou do

que é descartado (reaproveitamento de materiais), com utilização de tecnologias que

permitem o menor consumo de recursos naturais e a menor degradação ao meio

7 O Grupo Ultra ou Ultrapar é um dos maiores grupos empresariais brasileiros, com posição de liderança

em seus mercados de atuação. A companhia atua no setor de distribuição de combustíveis, por meio da Ipiranga e da Ultragaz, na indústria de especialidades químicas, com a Oxiteno, no segmento de armazenagem para granéis líquidos, por meio da Ultracargo, e no setor de varejo farmacêutico, através da Extrafarma. Com um quadro de 13 mil funcionários diretos, a Ultrapar detém operações em todo o território brasileiro e possui, através da Oxiteno, unidades industriais nos Estados Unidos, no Uruguai, no México e na Venezuela e escritórios comerciais na Argentina, na Bélgica, na China e na Colômbia. Disponível em: https://www.ultra.com.br/Ultra/ Acesso em: 06/04/2014.

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ambiente. O projeto baseia-se na política dos “4R’s” – repensar, reduzir, reutilizar e

reciclar – no âmbito da construção e do funcionamento do próprio posto.

Num primeiro momento, o sistema preparado para reaproveitamento de

recursos parece favorável, e, diga-se de passagem, não deve ser descartado.

Contudo, averiguando, reverdece-se a lógica econômica do complexo empresarial ao

encontrarmos expressões como “não-desperdício”, “menos recursos”, “somente o

necessário”, o que nos conduz a crer numa justificativa econômica fantasiada de

caráter ecológico. Em suma, “repensar”, “reduzir”, “reutilizar” e “reciclar”, resultam em

ganhos, antes de tudo, econômicos, por intermédio da redução de gastos, de melhor

aproveitamento dos recursos naturais e do próprio marketing verde.

No portal digital do posto Ipiranga Ecoeficiente, que serve também como meio

publicitário, lê-se a discursiva de que “89,4% das pessoas já preferem utilizar postos

que valorizem ações voltadas para o Meio Ambiente. (Midas Marketing; Fevereiro de

2011)”, o que reafirma o valor econômico embutido nas ações ecológicas da empresa.

Outro argumento, que se encontra na página eletrônica da empresa, é:

“Abastecendo num posto com selo Ecoeficiente, você estará ajudando a proteger o

meio ambiente.” Aqui, compreende-se a tentativa de aproximação da empresa com o

cliente/consumidor, fundindo-os como agentes em prol do verde, dando a entender,

implicitamente na mensagem, que o posto está a espera do consumidor-verde-

consciente, para que juntos protejam o meio ambiente e cuidem do planeta. Para isso,

basta abastecer seu veículo nos postos Ecoeficientes da rede Ipiranga.

No mesmo sentido opera a discursiva do programa “Cartão Carbono Zero”8,

que promete recompensar a emissão de gases poluentes dos veículos automotivos

através do pagamento em cartão de crédito. Ao pagar com o cartão Carbono Zero, o

cliente obtém uma série de descontos em serviços da própria rede Ipiranga, além de

“contribuir para a preservação ambiental”, na medida em que a empresa investe parte

dos gastos do consumidor em programas de neutralização de carbono (CO2), como o

plantio de árvores.

As contradições entre o processo de acumulação capitalista e o discurso

ambiental do segmento empresarial não aparecem nas propagandas analisadas. Os

impactos causados pelos produtos de limpeza nos corpos d’água não são

mencionados, por exemplo, pela Ypê. Como explicita o relatório produzido pelo

8 O Programa Cartão Carbono Zero é realizado em associação entre a rede de postos Ipiranga, o banco

Itaú e o grupo Bureau Veritas Certification. O Bureau Veritas Certification é um grupo internacional, fundado em 1828 que realiza serviços de avaliação de conformidade e certificação, nas áreas de Qualidade, Segurança e Saúde Operacional, Meio Ambiente e Responsabilidade Social. Está presente em 140 países, conta com 930 escritórios, 330 laboratórios, 48.000 colaboradores e atende 400.000 clientes em todo o mundo. Em 2010, a receita do Grupo Bureau Veritas atingiu 3,4 bilhões de euros.

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Ministério do Meio Ambiente, a poluição causada por produtos de limpeza fica meses

ou até anos acumulada nos rios e lagos. A espuma oriunda de tais produtos diminui a

passagem do oxigênio (processo chamado de eutrofização das águas) e o resultado é a

destruição de espécies de plantas e peixes. Ainda conforme o Ministério:

a poluição das águas nos rios, lagos, mares e oceanos ocorre não apenas pelo despejo individual de uma substância ou outra mas também pela reação química resultante da soma dos inúmeros produtos de limpeza que usamos em nossas residências: detergentes, sabão em pó, amaciante, sabonetes, shampoos, cremes dentais, desinfetantes, limpa-vidros, água sanitária […], amoníaco, entre outros. Essa combinação potencializa os impactos sobre a qualidade das águas, sobre a fauna e flora dos ecossistemas, assim como aumenta o perigo para as populações que consumirem estas águas ou se alimentarem desses animais aquáticos posteriormente (Branco, 1990 apud BRASIL, s.d, s.p.).

Da mesma forma, a Cemig, com 65 usinas hidrelétricas em operação no país,

não menciona em seus textos publicitários os impactos socioambientais decorrentes

da produção de energia. Entre os impactos ocasionados pela implantação de usinas

hidrelétricas, pode-se mencionar: a realocação das comunidades ribeirinhas, que

sofrem com as alterações das redes de sociabilidade, com a desestabilização de seu

modo de vida e com as perdas dos referenciais materiais e simbólicos existentes no

lugar de vivência anterior ao deslocamento compulsório; inundação de terras

agricultáveis; o surgimento de endemias locais, decorrente da disseminação de

patologias ocasionadas ou facilitadas pelo empreendimento, como: Leishmaniose,

Peste Bubônica e doença de Chagas; desmatamento e inundações de grandes áreas

com prejuízos à flora e à fauna; inibição da piracema; além dos impactos à jusante do

projeto (chamados impactos indiretos) que afetam outras comunidades ribeirinhas em

função da redução da vazão da água e de sua qualidade.

Quanto ao posto Ipiranga, é sabido que nos postos de gasolina há riscos,

sobretudo de contaminação do solo, dos corpos d’água subterrâneos e superficiais,

em decorrência de vazamentos ou descarte inadequado de efluentes. Nesses termos,

os postos, tal como a rede Ipiranga, podem utilizar de tecnologias ambientais para

evitar tais impactos. Entretanto, mais do utilizar técnicas para prevenir impactos

ambientais ou para sua auto-sustentabilidade é importante refletir sobre a

insustentabilidade inerente a qualquer posto de combustível, cujos principais produtos

de venda são combustível fósseis e o etanol. No caso dos combustíveis fosseis sua

atestada insustentabilidade encontra-se no fato do petróleo ser um recurso não-

renovável e causar danos ao meio ambiente, já que sua queima aumenta a emissão

de gases de efeito estufa (GEE), resultando no chamado aquecimento global. No caso

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do etanol, derivado da cana-de-açúcar, além dos impactos ambientais de sua

produção pautada em monoculturas, deve-se destacar seus impactos sociais atrelados

ao processo de violação dos direitos humanos e trabalhistas e de espoliação de

comunidades rurais em todo o Brasil. Ademais, a sociedade automobilística é, em sua

essência, insustentável, não só pelo consumo/queima de combustíveis fósseis, como

também pela grande quantidade de energia e matérias-primas utilizadas para

produção de veículos automotivos como aço, ferro, borracha, plásticos e alumínio,

assim como uma grande quantidade de substâncias que destroem a camada de

ozônio (PENIDO, 2011).

Enfim, no discurso ambiental das empresas não aparecem as contradições, os

impactos socioambientais e os conflitos ocasionados direta ou indiretamente por suas

práticas econômicas. Nesses termos, o discurso ambiental passa a se vincular às

oportunidades mercadológicas, onde a proteção ambiental pode significar não mais

restrição competitiva, mas lucro e vantagens comparativas (PENIDO, 2011, p. 86).

Considerações Finais: outros discursos e práticas são possíveis?

A nossa "insatisfação com o mundo" e "o desgosto com o estado das coisas" (Arendt, 1990, p. 241), no entanto, não nos isentam da responsabilidade pelo mundo. Um traço característico do pensamento de Arendt é o "apesar de": Apesar de tudo - mesmo apesar da barbárie do mundo moderno -, precisamos apostar no mundo humano. Esse é o espaço humano e ao mesmo tempo humanizante. (ALMEIDA, 2008, p. 471).

Na vigência da chamada globalização neoliberal, quem governa o meio

ambiente é o mercado. Como conseqüência, tem-se a despolitização do debate

ambiental, na medida em que o discurso empresarial verde não coloca em xeque as

instituições da sociedade vigente.

Sob a visão do mercado, a questão ambiental passa a ser tratada no âmbito da

“modernização ecológica”, a partir de técnicas e de programas de mitigação e

compensação ambiental. Em momento algum as “propagandas verdes” induzem a

redução do consumo por parte dos clientes/consumidores como medida de

sustentabilidade. Pelo contrário, a compra e o consumo é que conduziriam a via do

chamado desenvolvimento sustentável e da proteção ao meio ambiente.

As iniciativas empresariais voltadas para a gestão ambiental e proteção do

meio ambiente, certamente, reduzem alguns efeitos deletérios da reprodução

capitalista, entretanto, são apenas paliativas, já que as relações de produção e

reprodução permanecem intocáveis. Logo, o “discurso-ambiental-dominante” serve, a

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grosso modo, como técnica para facilitar a reprodução do capital, através da

apropriação da causa ambiental e do espaço pelo mercado.

Acreditamos, pois, que contradições e conflitos socioambientais de fundo

estrutural não encontram na técnica uma solução. A técnica, como menciona Porto-

Gonçalves (2013, p. 95), possui um papel mediador, garantindo a barreira que separa

homem-natureza, transformando-os em sujeito-objeto, respectivamente. Nesse

quadro, o Homem não se vê mais como natureza e passa a enxergar a natureza como

recurso a garantir lucro e conforto. Logo, a técnica gera tantos problemas, quanto

soluciona.

Nas ruas, nas mídias, e o pior, nas escolas aposta-se no discurso-ambiental-

dominante (1) do plantar árvores (2) do reciclar, reaproveitar, reutilizar (3) do consumo

consciente de produtos ambientalmente corretos, (4) do “proteger o mundo”, “fazendo

cada um a sua parte”. Na situação de degradação em que vivemos, obviamente,

atitudes individuais são importantes. Entretanto, a dimensão da problemática

ambiental, nos obriga a atentar para os atores hegemônicos da seara ambiental, a

saber: o mercado, o segmento industrial e o próprio Estado, na medida em que há um

alinhamento entre políticas públicas e a lógica de acumulação do capital, inserindo o

meio ambiente num processo de “economicização ecológica”.

Na era do “ecologicamente correto”, “politicamente correto” e “eticamente

correto”, as mudanças permanecem nos limites da ordem vigente e a própria

educação ambiental surge conversando com o discurso-dominante, reproduzindo uma

visão uníssona e institucionalizada da natureza.

A questão, portanto, não é meramente técnica, mas política e encontra

possibilidades de mudança numa educação ambiental de fato crítica, que questione o

discurso ambiental hegemônico.

Há generalizada degradação ambiental e social que ora presenciamos também

é fruto da opressão ao pensar, o que nos lança para refletirmos sobre as

possibilidades da educação como meio de transformação socioambiental.

Com urgência, como reproduzido na epígrafe, “a insatisfação com o mundo” e

“o desgosto com o estado das coisas” a que Almeida (2008) faz referência, deve ser o

combustível que nos move, para a abdicação da mesquinhez de interesses parcelares

e efêmeros.

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