65
0 UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR VALE DO IGUAÇU – UNIGUAÇU FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU CURSO DE DIREITO ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA UNIÃO DA VITÓRIA/PR 2010

O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

0

UNIDADE DE ENSINO SUPERIOR VALE DO IGUAÇU – UNIGUAÇU

FACULDADES INTEGRADAS DO VALE DO IGUAÇU

CURSO DE DIREITO

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

UNIÃO DA VITÓRIA/PR

2010

Page 2: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

1

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em Direito, das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel. Orientadora: Profª Ms. Marilucia Flenik. Co-orientador: Prof. Ms. João Marcelo Borelli Machado.

UNIÃO DA VITÓRIA/PR

2010

Page 3: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2

ELAINE KRISTINA KRINSKI SILVEIRA

O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de graduação em

Direito, das Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu, como requisito parcial à

obtenção do título de Bacharel, com a nota 9,5.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Msc. MARILUCIA FLENIK (Orientadora)

Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu

_______________________________________________________

Prof. Msc. JOÃO MARCELO BORELLI MACHADO (Co-orientador)

Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná

_____________________________________________

Prof. GRAZIELA SOARES

Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu

_____________________________________________

Prof. ELVIS JACKSON MELNISKI

Faculdades Integradas do Vale do Iguaçu

Page 4: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3

A

Donivir e Lúcia,

meus amados pais.

Licínio e Jenoveva,

meus queridos avós.

Klaus e Klessio,

meus adorados irmãos.

Gliese,

meu querido.

Page 5: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a DEUS, o verdadeiro responsável pela minha existência e

pela minha insistência em levar adiante tudo aquilo a que eu me proponho a fazer. Em especial agradeço aqueles que me apoiaram cotidianamente para que eu

pudesse desenvolver este estudo: Donivir Silveira e Lúcia Tereza Krinski Silveira, Klaus Kristiano Krinski Silveira e Klessio Kristian Krinski Silveira, Roberto Gliese, Professora Ms. Siomara Cador Edine e também a todos os meus queridos amigos que me acompanharam ao longo desta jornada.

Agradeço ao Professor Ms. João Marcelo Borelli Machado, co-orientador e

incentivador da idéia deste estudo, que acreditando ser possível eu realizá-lo, motivou-me a concluí-lo. Muito obrigada Professor João!

A Professora Ms. Marilúcia Flenik todo meu carinho e reconhecimento diante da sua

honrosa e especial orientação, que com carinho conduziu-me nos momentos de dificuldades.

Page 6: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

5

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos

e não tivesse amor,

seria como o metal que soa ou como sino que tine.

E ainda que eu tivesse o dom da profecia

e conhecesse todos os mistérios

e toda a ciência,

e ainda que tivesse toda a fé,

de maneira tal que transportasse os montes,

e não tivesse amor,

nada seria.”

(Coríntios 13:12)

Page 7: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

6

RESUMO

A pessoa humana é de suprema relevância para a sociedade e para o Direito. O desenvolvimento social depende de pessoas que estejam em pleno gozo de uma vida digna preservando no ordenamento pátrio o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Para assegurar uma vida digna o elemento fundamental para isso é a saúde, deste modo o Direito à saúde é o elemento da universalidade dos direitos sociais. Essencial para o desenvolvimento da sociedade, cidadãos carentes do pleno gozo de bem estar físico, mental, emocional e também espiritual, não conseguem colaborar eficazmente para o crescimento do progresso do Estado. Por sua vez, o Estado tem o dever de respeitar, proteger e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade. Para viabilizar as prestações de saúde é relevante ponderar a Reserva do Possível e o Mínimo Existencial, protegendo da incoerência o orçamento público. O Poder Público promove a saúde financiada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e pela contribuição dos administrados. Assim, o direito à saúde se efetiva quando o Estado cria políticas públicas capazes de atingir a toda população, tais como: postos de saúde, hospitais, programas de prevenção, medicamentos, entre outros mais.

PALAVRAS-CHAVE: PESSOA – PRÍNCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – DIREITOS HUMANOS – MÍNIMO EXISTENCIAL – RESERVA DO POSSÍVEL – POLÍTICAS PÚBLICAS - SAÚDE.

Page 8: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

7

ABSTRACT

The human person is of great importance for the society and for the Law. The social development depends on individuals living a fully of dignified life and on the preservation of the Human Dignity Principle. The health is a fundamental aspect of a dignified life, implying the right to health is an element of universalism of the social rights, essential for the development of the society. Citizens without full physical, mental, emotional and also spiritual conditions are unable to contribute plenty for the State’s grow and progress. On the other side, the State has the obligation to respect, protect and promote the conditions to enable a dignified life. But to supply the proper health care, is necessary to consider the Reserve of the Possible and Existential Minimum principles, protecting the government budget. The State promotes the health care financed by the Federation, States, Federal District and Municipalities, together with the contribution of the people. So, the right to health becomes effective when the State creates public policies capable to reach all the population, supplying the needed clinics, hospitals, prevention programs, pharmaceuticals, and more.

KEYWORDS: PERSON – HUMAN PERSON DIGNITY PRINCIPLE – HUMAN RIGHTS – EXISTENTIAL MINIMUM – RESERVE OF THE POSSIBLE – PUBLIC POLICIES - HEALTH

Page 9: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9

2 OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA ....................................................................................................................... 12

2.1 O SER HUMANO E A PESSOA ............................................................................... 12

2.2 OS DIREITOS HUMANOS ....................................................................................... 16

2.2.1 Os direitos fundamentais ...................................................................................... 19

2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................... 25

3 A RESERVA DO POSSÍVEL, O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS POLÍTICAS

PÚBLICAS ..................................................................................................................... 32

3.1 A RESERVA DO POSSÍVEL .................................................................................... 32

3.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL ........................................................................................ 36

3.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................... 40

3.3.1 A finalidade e os meios da implantação das políticas públicas ........................... 44

4 O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................................. 47

4.1 A SAÚDE ................................................................................................................. 48

4.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO À SAÚDE ......................................................... 49

4.2.1 O Direito à Saúde e a Seguridade Social ............................................................. 53

4.2.2 O Sistema Único de Saúde - SUS ........................................................................ 55

4.3 A PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE ... 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 59

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 62

Page 10: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

9

1 INTRODUÇÃO

O ser humano precisa viver em sociedade, interagindo com outros seres de

sua espécie, agindo e modificando o meio em que vive. Estes estímulos são gerados

a partir desta interação harmônica, a qual é fundamental para a formação de um

mundo organizado pelas pessoas, determinando comportamentos e culturas.

O Estado tem o dever de respeitar, proteger e promover as condições básicas

que possam vir a viabilizar a vida com dignidade. Assim, a dignidade da pessoa

humana é um valor norteador das normas e princípios dispostos no ordenamento

jurídico brasileiro, um pilar para a organização do Estado e para o Direito.

Dentro do ordenamento jurídico pátrio, está assegurado o Direito à saúde,

sendo este um elemento de um conjunto do qual fazem parte uma série de direitos

sociais.

Embora as pessoas vivam para si e não para o Estado, a saúde é essencial

para o desenvolvimento da sociedade. Cidadãos carentes do pleno gozo de bem

estar físico, mental, emocional e também espiritual, não conseguem colaborar

eficazmente para o crescimento do progresso do Estado.

O Poder Público promove a saúde financiada pela contribuição dos

administrados. Assim, o direito à saúde se efetiva quando o Estado cria mecanismos

e condições, tais como: postos de saúde, hospitais, programas de prevenção,

medicamentos, entre outros mais.

Ao não atender na integralidade todos os que buscam por seu direito, o

Estado desvirtua-se do seu fundamento ferindo um princípio constitucional de

grandíssima importância.

Surge então uma indagação: Consolidado o Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana na Constituição Federal Brasileira de 1988, como um dos

elementos fundamentais do Estado, por que o Poder Público deve prover o acesso

igualitário e universal ao direito à saúde?

Cientes de que a Dignidade da Pessoa Humana é um fundamento do Estado

brasileiro e que ao falar de dignidade esta se referindo diretamente aos seres

humanos dotados de vida, cabe salientar que para a manutenção da vida, bem

jurídico maior, há de existir pessoas em pleno gozo de bem estar físico, mental e

espiritual.

Page 11: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

10

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana uma vez disposto na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, transmite sua proteção para

todos os cidadãos e também aos estrangeiros aqui residentes.

Quando nos reportamos a uma vida digna das pessoas não podemos deixar

de lado um elemento essencial à vida humana: a saúde. E este sempre foi um

assunto bastante polêmico. A Saúde é tema de campanhas políticas, alvo de críticas

da população, mas principalmente, uma busca incessante em levá-la a todos os que

dela necessitam e manter a estabilidade daqueles que já gozam desta dádiva.

Estampado na Carta Magna o direito à saúde, o Estado tem o dever de prover

este direito à todas as pessoas, sejam brasileiros ou não, que estejam em seu

território de forma igualitária e universal.

Embora o Estado seja um ente abstrato, as políticas sociais são promovidas

pelo Poder Público, responsável pela real efetivação deste direito social, mas

também fundamental, criando políticas públicas e diretrizes ao atendimento da

população na prevenção e combate das moléstias ou no caso onde isso se faz

impossível, sejam socorridos de forma digna.

Atribui-se a pertinência do tema em questão a uma discussão atual, a

transição de um Estado Positivista para um Estado Social de Direito. A saúde não é

apenas um direito de poucos, mas um direito de todos e um dever do Estado em

provê-la a coletividade.

A intenção desta pesquisa é a demonstração de que o direito à saúde é

corolário à efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana e exige do

Estado políticas públicas capazes de promover, proteger e recuperar a saúde como

bem essencial da vida humana.

O caminho trilhado para chegar às considerações que envolvem o tema em

estudo é complexo, sendo imprescindíveis os apontamentos filosóficos,

antropológicos e sociológicos no seu texto. Tais apontamentos corroboram com a

análise da realidade jurídica que atualmente rege o Estado brasileiro.

Este estudo se caracteriza como um estudo de cunho teórico bibliográfico,

fundamentado na Lei, doutrina e jurisprudências.

Para o desenvolvimento inicial deste trabalho, no primeiro capítulo foi

conceituado o termo pessoa, buscando aprofundar-se no estudo dos Direitos

Humanos e a partir daí realizar a reflexão acerca do princípio da dignidade da

pessoa humana e a sua essencialidade ao Estado Democrático de Direito.

Page 12: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

11

O segundo capítulo foi dedicado à exploração da pertinência das políticas

públicas, passando pelos fatores que podem interferir, positivamente ou

negativamente, na sua implementação: o Mínimo Existencial e a Reserva do

Possível.

Por derradeiro, o terceiro capítulo primou pelo estudo do direito à saúde, o

seu fundamento e as diretrizes a serem seguidas para a garantia deste direito

fundamental para a existência humana e para o desenvolvimento social, sem deixar

de afirmar a sua essencialidade para dignidade humana.

Page 13: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

12

2 OS DIREITOS HUMANOS E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA

Cada pessoa existente é parte intangível da sociedade. O respeito

despendido a cada homem ou mulher é o mesmo respeito despendido a si próprio,

DONNE disse sabiamente: “A morte de cada homem diminui-me, porque eu faço

parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: é por

mim.”1, este pensamento contaminado pelo sentimento da fraternidade era o pranto

por aqueles que padeciam diante da crueldade contra a humanidade.

Poucos tiveram a coragem de erguer sua voz e lutar pelos direitos da

humanidade. Muitos morreram para conquistar o respeito para cada homem e

mulher que sofriam frente a negação dos seus direitos fundamentais.

Entender os direitos humanos hoje é uma busca equilibrada entre o direito

natural e o direito positivo, cujo alicerce é a dignidade humana, de onde se busca a

norma mais favorável à proteção dos direitos da criatura humana.

O presente capítulo suscita uma reflexão acerca da conceituação do termo

pessoa, perfazendo uma linha de estudo entre a criação dos direitos humanos até a

busca pela dignidade da pessoa humana.

2.1 O SER HUMANO E A PESSOA

Desde os primórdios o ser humano buscou respostas a respeito de sua

existência. Surge a preocupação consigo e com aquilo que causava ao seu redor,

ele concebeu a importância da sua existência interativa. Brotava então, a idéia da

relação entre o homem2 e o meio ambiente.

Diferente das outras espécies de animais, o ser humano encontrou em si uma

relação entre o corpo, sensações e sentimentos que o fizeram descobrir uma razão

física, mental e espiritual para existir.

1 DONNE, John. Meditação XVII, escrita em 1624. Disponível em <http://www.citador.pt/citacoes. php?John_Donne=John_Donne&cit=1&op=7&author=415&firstrec=0>. Acesso em 14 de outubro de 2010. 2 Ser humano em geral; mamífero bípede, dotado de inteligência.

Page 14: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

13

Como “animal social”, o ser humano tem necessidade de viver em grupo,

interagindo com outros seres de sua espécie. Desta interação harmônica surgem do

interior do ser humano, estímulos, que segundo DUSSEL3, são fundamentais para a

formação de um mundo ético, organizado pelas pessoas, e que determinam

diferentes comportamentos em culturas diversas. Como animal racional, o homem

estabeleceu padrões morais para viver em grupo.

Embora contrastante, seja na cultura oriental ou na ocidental, buscou-se

incessantemente entender a existência do ser humano. Cada povo com sua cultura

concebe o homem de diferentes formas.

O povo Semita concebe o homem como um ser unitário, um todo indivisível.

Não há a distinção entre “corpo” e “alma”. Para a cultura semita, o corpo é o todo, ou

seja, a carne e o sopro da vida formam o corpo. Isto conforme a teoria monista4.

Em oposição, para a cultura Helênica, era ressaltado e inquestionável na

teoria dualista5, ou seja, a existência do “corpo” e da “alma”.

Ainda que as distintas culturas se diferenciem na forma de pensar sobre o

homem, encontramos um ponto em comum dentro delas, o ente físico e o

metafísico, fundidos ou não.

O pensamento acerca da existência do homem remete a crença em Deus ou

em deuses e deusas. O processo religioso ao longo dos anos foi moldando-se de

acordo com as crenças de cada época em cada cultura sendo de vital importância

para que o homem se libertasse da natureza e da força que ela exercia sobre ele.

Da crença em que raios e trovões eram deuses enfurecidos, o homem

observou o seu meio até descobrir que não passavam de fenômenos naturais que

aconteceriam independente da conduta humana.

O povo hebreu encontrou Deus (YAHVEH), um Deus único, capaz de criar,

descansar, chorar, amar infinitamente, um Deus que se compadece e se encoleriza.

Um Deus que não é zoomórfico, mas sim um Deus antropomórfico. Na

Escritura Sagrada, a Bíblia, estão expressas Suas palavras: “(...) Façamos o homem

à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do céu, e

3 DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. 4 Teoria Monista: segundo DUSSEL é a teoria pela qual não se distingue corpo e alma, estando correlacionados não podendo existir um isoladamente do outro. 5 Teoria Dualista: segundo DUSSEL é a teoria que sugere a existência do corpo e da alma, de formas distintas. O físico e o espiritual.

Page 15: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

14

aos animais selvagens, e a toda a terra, e a todos os répteis que se movem sobre a

terra.”6

A partir desta concepção sagrada acerca do homem, buscou-se ao longo dos

séculos a valorização da pessoa humana. A crença na existência de um Deus

próximo do homem e semelhante a ele transportava o respeito despendido a este

Deus, a cada pessoa existente. Inicia uma nova fase, a relação entre criatura e

criador: a religião7.

Os ensinamentos de Jesus Cristo remetiam ao pensamento de fraternidade e

igualdade entre os homens. Com ensinamentos pacificadores, o Cristo buscou

inserir uma consciência de respeito entre as pessoas.

Em uma de suas passagens bíblicas, indagado sobre como reagir a uma

agressão, ele contrariou a lei de Talião, dizendo: “(...) Eu, porém, digo-vos que não

resistais ao (que é) mau; mas, se alguém te ferir na tua face direita, apresenta-lhe

também a outra.”8

Era o início de um pensamento voltado para a fraternidade e para a harmonia

entre os povos evitando que ações violentas gerassem outras e assim

sucessivamente.

Entretanto, com o passar dos séculos, o humanismo colocou o homem como

o centro de toda ação e o agente principal de todas as transformações sociais.

Mesmo o humanismo não renegando o cristianismo, vale ressaltar que nesta época

iniciam os movimentos críticos à igreja católica.

A partir daí o homem passa fazer a sua própria história, com fundamento no

contexto histórico de cada época, que marcou profundamente cada geração e a

convivência social de cada uma delas.

Diante das concepções sobre o ser humano, e a complexidade deste ser, que

foram levantadas ao longo dos séculos, surgem indagações acerca de termos

usados em relação ao ser humano, com a finalidade de nomeá-lo e conceituá-lo. A

esse respeito, BALLONE escreve:

Pessoa, em nossa cultura, se opõe ao indivíduo, se opõe à coisa e ao animal, ainda que de modo distinto. Enquanto se distancia das coisas e aos

6 BÍBLIA SAGRADA. Livro do Gênesis, cap. 1, ver. 26. 7 Religar: o homem se religando à Deus. 8 BÍBLIA SAGRADA. Evangelho Segundo Mateus, cap. 5, ver. 39.

Page 16: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

15

animais, o termo Pessoa se aproxima do termo Ser Humano, mas não se superpõe a ele.9

O autor supra diz que o termo pessoa existe para definir um ser humano, sem

se referir a ele apenas como uma espécie animal. O termo pessoa tem a intenção de

indicar um ser humano dotado de capacidade de interagir com outras espécies e

principalmente, de relacionar-se com outras pessoas e refletir sobre si.

Seguindo a linha de pensamento de BALLONE, ele descreve o termo pessoa

de melhor forma:

O termo Pessoa remete a algo obrigatoriamente humano e no sentido ético do termo. O Ser Humano recebe uma distinção importante quando o consideramos como Pessoa, assim como a Pessoa recebe uma distinção redundante não menos importante quando a consideramos, por força de expressão, como uma pessoa humana. Subentendendo o adjetivo humano como relativo à ética. Portanto, Ser Humano não é a mesma coisa que Pessoa, como tampouco Ser Humano é o mesmo que cidadão, este muito mais próximo do termo Pessoa. Ser Humano é um termo mais genérico ou indeterminado, que diz respeito à espécie, à classificação, ao mundo zoológico. É por isso que nos sentimos mais à vontade em dizer Homem (ser humano) das cavernas e não pessoa das cavernas.10

Corroborando com a idéia do autor supra, destaco ainda suas palavras:

Pessoa é um termo mais específico, que tem a ver com o mundo civilizado ou, se preferirmos, com a constelação dos valores morais, éticos e jurídicos próprios da civilização. Portanto, ao nos referirmos ao indivíduo da espécie humana merecedor da consideração ontológica e ética devemos dizer Pessoa, não apenas, Ser Humano, Homem, menos ainda Indivíduo e muito menos ainda Elemento, como no jargão policial.11

Em concordância com a lição do ilustre professor, ressalto a importância de

uma terminologia, que dá um sentido ético, moral e jurídico, transformando uma

9 BALLONE Geraldo J. O Indivíduo, o Ser Humano e a Pessoa. Disponível em <http://gballone.sites.uol.com.br/voce/pessoa.html. Acesso em 15 de agosto de 2010. 10 Idem. 11 BALLONE Geraldo J. Op. cit.

Page 17: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

16

simples espécie animal em um ser capaz, importante ao meio e que promove a

convivência interativa com os seus e com outras formas de vida ao seu redor.

2.2 OS DIREITOS HUMANOS

A história dos direitos humanos enleia-se com a luta da humanidade pela

concretização de suas aspirações democráticas. Além da essência ética das

grandes religiões, datam da mais remota antiguidade as primeiras iniciativas neste

sentido.

O poder exercido de forma pungente e coativo contra os povos contribuiu

para a evolução histórica dos direitos humanos, embalando uma luta intensa rumo à

limitação do poder.

A participação dos franceses, auxiliando os americanos na emancipação das

Treze Colônias foi essencial à deflagração da Revolução Francesa de 1789

contemplando desta forma, o fato de que o século XVIII assistia a dispersão do

ideário iluminista, motivando a batalha de várias nações contra a ação de regimes

monárquicos ou contrários ao mecanismo de representação política.

GUIMARÃES trata em seu artigo, da evolução histórica da proteção dos

direitos humanos, e mais, afirma a importância da Declaração da Independência dos

Estados Unidos da América (EUA) e a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão:

As primeiras Declarações de Direitos Humanos a serem positivadas foram as do Estado americano de Virgínia, em 1776 e, posteriormente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, em decorrência dos postulados da Revolução Francesa. Neste momento, os direitos humanos deixam de ser meras intenções para serem considerados direitos positivos e exigíveis. Após a Constituição Francesa de 1791, que incorporou os direitos previstos na Declaração de Direitos do Homem de 1789, passa-se a um segundo momento de constitucionalização e positivação dos direitos humanos, em detrimento de sua universalização.12

12 GUIMARÃES, Marco Antonio. Direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006. p.56-57.

Page 18: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

17

A busca pela dominação e a colonização levaram muitos Estados a guerras

cruéis, condenando povos às mais miseráveis condições de sobrevivência.

Aquilo que era apenas uma fagulha na luta pelo domínio de um mero objeto

se estendeu ao domínio de uma tribo, depois de uma civilização transbordando pela

busca desenfreada pelo poder de dominar tudo aquilo que olhos pudessem

alcançar.

Na brilhante frase de SARTRE ele fala que na proporção que o ódio entre as

pessoas pode alcançar: “Basta que um homem odeie outro para que o ódio ganhe a

pouco e pouco a humanidade inteira.”13

Ao longo da história, numa marcha lenta e sangrenta, brotavam os direitos

individuais frente aos abusos do poder político. A maioria das constituições

promulgadas desde 1919 consagram dispositivos referentes ao resguardo de

direitos individuais.

As revoluções e lutas marcam a história da humanidade. Desde o

renascimento e o humanismo o ser humano vai lentamente consolidando-se como

centro das atenções. O ser humano começa a se preocupar com a pessoa humana

e a partir daí se conscientizam da sua importância.

Quando a criatura humana percebe a importância da pessoa, o embate entre

o surgimento do cidadão sujeito de direito e o surgimento de aspirações por

melhorias sociais, o que é visualizado na transição do Estado Liberal ao Estado

Social. Inicia-se então, um processo de intervenção, obrigando a universalização da

proteção dos direitos humanos:

O século XX presenciou, em diferentes ocasiões, retrocessos nessa batalha contra a intolerância e a tirania, fazendo com que se elevasse a proteção dos direitos humanos para o âmbito de responsabilidade universal. Em 1941, o presidente Franklin Roosevelt enunciou a chamada Doutrina das Quatro Liberdades: de palavra e expressão, de culto, de não passar necessidade e de não sentir medo. Várias vezes reiterados pelos aliados durante a II Guerra Mundial, como na Carta do Atlântico em 1941, na Declaração das Nações Unidas de 1942, e nas conferências de Moscou (1943), Dumbarton Oarks (1944) e São Francisco (1945), esses princípios foram por fim incluídos na Carta das Nações Unidas.14

13 SARTRE, Jean Paul. O Diabo e o Bom Deus, 1964. Disponível em <http://www. /citaccitador.ptoes.php?Jean_Paul_Sartre=Jean_Paul_Sartre&cit=1&op=7&author=19&firstrec=0>. Acesso em 04 de agosto de 2010. 14 ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES LTDA. Rio de Janeiro – São Paulo. v. 6. 1982. p. 306.

Page 19: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

18

Em 10 de dezembro de 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU)

proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com um preâmbulo de

trinta artigos, carecidos de força jurídica coativa, reconhecendo direitos civis,

políticos, econômicos e sociais.

No dia 10 de dezembro de 1948, durante a realização da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Paris, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ao todo foram 48 votos a favor da Declaração, nenhum contra e oito abstenções – URSS, Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, África do Sul e Iuguslávia.15

Começa a partir desta declaração um processo de formulação de outras

declarações com o mesmo foco e intenção, mas que nas palavras de FOLMANN,

parece apenas o início de uma série de adequações necessárias a cada sociedade:

Todavia, esta matriz norteadora do pensamento jurídico, fortalecida pelo pós guerra, não surgiu do nada ou mesmo inseriu-se de imediato. Pelo contrário passou, e passa, por um longo processo de adequação aos anseios de cada sociedade, de cada núcleo, de cada concepção do ser humano.16

O grau de proteção do direito comum evolui conforme aumentam as

necessidades das pessoas. Não basta ter o direito de viver, mas sim de viver de

forma digna.

Com o objetivo de exaltar o modo de proteção voltado a pessoa humana a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) traz:

Artigo VI. Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra

15 VISVANATHAN, Christianne González et al. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/declaracao-universal-direitos-humanos.htm>. Acesso em 14 de outubro de 2010. 16 FOLMANN, Melissa. Direitos Humanos: os 60 anos da declaração universal da ONU. Curitiba: Juruá, 2009. p.284.

Page 20: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

19

qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.17

Mas a proteção da pessoa humana não se resume apenas no

reconhecimento dela como pessoa, mas principalmente, na primazia da sua

existência de forma digna. Ao longo das disposições na DUDH, são elencados

direitos fundamentais para o tratamento dispensado a todo ser humano, como

podemos cotejar no artigo XXV da DUDH:

Artigo XXV.- 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.18

Destacam-se aí, o que MUNIZ19 chama de elementos materiais (físicos e

psíquicos) e imateriais (espirituais).

Ainda no entendimento do professor MUNIZ20, ele faz uma distinção entre

direitos humanos e direitos fundamentais: os direitos humanos possuem um campo

de abrangência mais elevado e está relacionado com tratados internacionais de

posições jurídicas reconhecedoras do ser humano como tal. No tocante aos direitos

fundamentais, estes são direitos dos seres humanos que foram devidamente

reconhecidos constitucionalmente, inseridos no ordenamento jurídico de

determinado Estado.

2.2.1 Os direitos fundamentais

17 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. 18 Idem. 19 MUNIZ, Antonio Walber Matias. Direitos Humanos: os 60 anos da Declaração Universal da ONU. Curitiba: Juruá, 2009. p.49. 20 MUNIZ, Antonio Walber Matias. Op. Cit.

Page 21: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

20

Uma vez reconhecido o ser humano como sujeito passivo de proteção

especial para garantir a sua sobrevivência digna, o ordenamento jurídico de cada

Estado traz elencado um rol de direitos.

Analisando o ponto de vista de alguns constitucionalistas nacionais, podemos

verificar a forma como cada um aborda o conceito, e em alguns casos até mesmo

diferentes terminologias, para explanar acerca dos direitos fundamentais.

Para SILVA, a terminologia mais adequada seria direitos fundamentais do

homem, tal como ele mesmo explica:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas que e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.21

Em contra partida, para o doutrinador BULOS, lhe parece melhor o uso do

termo liberdades públicas, tal como ele diz:

Sugerimos o uso de liberdades públicas em sentido amplo – conjunto de normas constitucionais que consagram limitações jurídicas aos Poderes Públicos, projetando-se em três dimensões: civil (direitos da pessoa humana), política (direitos de participação na ordem democrática) e econômico-social (direitos econômicos e sociais).22

Os direitos fundamentais do homem, ou, as liberdades públicas, existem para

o fim de assegurar que aquele rol de direitos elencados, sejam conforme a

necessidade daquela sociedade, que a proteja com eficiência e não esteja a mercê

da vontade de mandatários de cada época.

Na lição de MORAES, ele explicita a participação do povo através do poder

delegado a ele inerente:

21 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 178. 22 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 513.

Page 22: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

21

O povo escolhe seus representantes, que agindo como mandatários, decidem o destino da nação. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive com a previsão de direitos e garantias individuais e coletivas do cidadão relativamente aos demais cidadãos e ao próprio Estado.23

Em outras palavras, mas no mesmo sentido, SCHMITT apud BONAVIDES,

assevera os direitos fundamentais do homem face ao Estado, conseguindo, a partir

de seus representantes, a intervenção controlada do Estado:

Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência, entende ele, os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face ao Estado. E acrescenta: numa concepção estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e controlável.24

São para a manutenção de uma sociedade livre e protegida que tais direitos

existem, desta forma fazendo um Estado Democrático de Direito. A democracia

depende de uma sociedade equilibrada, sem conflitos.

Para melhor compreender a sua significância, BULOS define direitos

fundamentais como sendo:

(...) o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais, o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive.25

Eis uma definição louvável, que mostra o real sentido da existência destes

direitos.

23 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 25. 24 SCHMITT, Carl. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 561. 25 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 512.

Page 23: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

22

A doutrina buscou classificar os direitos fundamentais. AFONSO diz que:

“nosso Direito Constitucional os agrupa com base no critério de seu conteúdo, que,

ao tempo, se refere à natureza do bem protegido e do objeto de tutela.”26

O doutrinador supra citado, agrupou a classificação27 dos direitos

fundamentais com base na Constituição, ficando da seguinte forma:

a. direitos individuais (artigo 5º);

b. direitos à nacionalidade (artigo 12);

c. direitos políticos (artigos 14 a 17);

d. direitos sociais (artigos 6º e 193 e ss.);

e. direitos coletivos (artigo 5º); e

f. direitos solidários (artigos 3º e 225).

O Ministro MELLO, citado por MORAES em sua obra, relatou a classificação

dos direitos fundamentais em gerações, o que tem sido comum nas doutrinas

analisadas. Entretanto, o ministro tem uma forma peculiar de expor cada geração.

Segundo ele:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais)- que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva, atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. ( STF – Pleno – MS nº 22.164/SP – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206.)28

Quanto a natureza dos direitos fundamentais, tratam-se regras, normas que

visam definir um caráter concreto de proteção a pessoa. Novamente citando o ilustre

doutrinador SILVA, ele ensina a respeito:

26 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 180. 27 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 184. 28 MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 26.

Page 24: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

23

A natureza desses direitos, (...), são situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana. Desde que, no plano interno, assumiram o caráter concreto de normas positivas constitucionais, não tem cabimento retomar a velha disputa sobre seu valor jurídico. (...) Sua natureza passara a ser constitucional, o que já era uma posição expressa no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, a ponto de, segundo este, sua adoção ser um dos elementos essenciais do próprio conceito de constituição.29

No mesmo sentido, BULOS corrobora, afirmando a natureza dos direitos

fundamentais:

As liberdades públicas têm a natureza de normas constitucionais positivas, pois derivaram da linguagem prescritiva do constituinte. Na medida do possível, têm aplicação direta e integral, independendo de providência legislativa ulterior para serem imediatamente aplicadas.30

A aplicabilidade é fator fundamental para a real existência da proteção

sugerida pelos direitos fundamentais. Por se tratar de necessidade primordial a

existência humana, e por ser norma constitucional não sujeita a nenhuma forma de

alteração, sua aplicabilidade é imediata:

Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Essa declaração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular).31

A finalidade da existência de direitos fundamentais previstos

constitucionalmente, é a segurança e o poder da pessoa poder clamar por aquilo

que lhe é essencial, de forma que ela não pereça pela carência de uma

necessidade.

29 SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 179. 30 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 513. 31 MORAES, Alexandre de. Op. cit. p. 27.

Page 25: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

24

A lição de BULOS traz claramente:

A finalidade instrumental das liberdades públicas permite ao particular reivindicar do Estado: o cumprimento de prestações sociais (saúde, educação, lazer, moradia etc.); a proteção contra atos de terceiros (segurança, inviolabilidade de domicilio, dados informáticos, direito de reunião etc.); e a tutela contra discriminações (desrespeito à igualdade, proibição ao racismo, preconceito religioso, distinção de sexo, origem, cor etc.).32

A doutrina é pacífica no que tange diferenciar direitos e garantias

fundamentais. Um é a prescrição o outro instrumento. Da mesma forma que existe

um mecanismo que prevê o direito, em contra ponto deve existir um outro

mecanismo que assegure o cumprimento daquele direito.

Esta diferenciação é facilmente compreendida se observamos a explicação de

LENZA:

Assim, os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.33

Os direitos humanos são fruto de verdadeiras batalhas sociais e político-

jurídicas. Traduzem textualmente o sangue derramado e a dor de gerações de

revolucionários. São conquistas que devem ser defendidas pela geração do

presente e pelas futuras, de forma a jamais retroceder ou esmorecer. Esse é o

sentido do “effet clicket”, ou seja, o princípio do não retrocesso social ou da proibição

da evolução reacionária.

A sociedade deve clamar com todo fervor e manter-se firme no ideal de uma

vida digna, livre e em prol da igualdade e da solidariedade entre os povos.

Entretanto, segundo BONAVIDES:

A Declaração será porém um texto meramente romântico de bons propósitos e louvável retórica, se os países signatários da Carta não se aparelharem de meios e órgãos com que cumprir as regras estabelecidas

32 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. p. 513. 33 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 741.

Page 26: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

25

naquele documento de proteção dos direitos fundamentais e sobretudo produzir uma consciência nacional de que tais direitos são invioláveis.34

Não lutar para que os direitos humanos sejam respeitados seria um

retrocesso na história da humanidade.

Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal acabou por fazer uma afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: a dignidade inerente a todos os membros da família humana. Afirmaram-se, assim, que as pessoas não são sombras, tampouco aparências, mas realidades concretas e vivas, daí o porquê de a Declaração fazer um duplo reconhecimento: 1) acima das leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal; 2) o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica, ou seja, a raiz das fontes do direito. Tratando-se, pois, de direitos humanos, o intérprete deve ter em mente que o direito positivo não pode contrariar ou negar vigência aos direitos fundamentais dos seres humanos, assim como o direito interno não pode contrariar direitos humanos consagrados universalmente por serem indisponíveis e insuprimíveis, dado seu caráter de norma de valor supra constitucional ou de natureza supra-estatal.35

Para a interpretação e aplicação dos direitos humanos, é necessário sopesar

que a pessoa humana é o valor primordial que o direito deve proteger, tanto na

esfera nacional quanto na internacional. O cerne está no respeito às convenções e

aos tratados internacionais reguladores da matéria, recepcionadas pela

Constituição.

2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A palavra dignidade traz como sinônimos: decência, decoro, respeito a si

próprio, honestidade, honra e respeitabilidade. Tendo um significado tão abstrato,

34 BONAVIDES, Paulo. Op. cit. p. 578. 35 MELO, Nehemias Domingos de. O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos Direitos Humanos. Disponível em <http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetal lhe.aspx? Doutrina=1075>. Acesso em 26 de março de 2010.

Page 27: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

26

quando nos referimos à dignidade da pessoa, abre-se a nossa frente um campo

muito vasto no que se refere a sua interpretação.

O neurologista português DAMÁSIO, através de um comentário expressou

sua opinião sobre dignidade:

Do meu ponto de vista, o que se passa é que alma e o espírito, em toda a sua dignidade e dimensão humana, são os estados complexos e únicos de um organismo. Talvez a coisa que se torna mais indispensável fazermos, enquanto seres humanos, seja a de recordar a nós próprios e aos outros a complexidade, a fragilidade, a finitude e a singularidade que nos caracterizam.36

Esse entendimento que o ser humano é um ser frágil diante dos fenômenos

deste mundo é compartilhado com outros autores que asseveram a essencialidade

do princípio da dignidade humana para concretização da aplicação das garantias

fundamentais. É justamente pautado neste princípio que as pessoas têm um

fundamento para exigir e se fazer cumprir aquilo que é essencial para sua

existência.

Partindo das concepções, monista e dualista37, elas descrevem o ser humano

como um ser constituído de dois planos: físico e metafísico. Acompanhando o

raciocínio, pode-se identificar quatro elementos relacionados aos planos supra, que

formam o ser humano: corpo, mente, emoção e espírito.

Só está em “estado de dignidade” o indivíduo que goze, livre, plena e

continuamente destes quatro elementos. Quando um deles é abalado ou suprimido,

coloca-se em risco aquilo que dá ao ser humano a qualidade de pessoa, ou seja, “a

substância humana”.

A substância humana é o sopro da vida. E esta dá ao ser humano a condição

de pessoa humana. Tudo o que abale ou possa impedir a vida, atenta contra a

dignidade da pessoa humana.

Destarte, entendemos que a dignidade está em como a pessoa se vê e como

ela é vista, pois não há como se manter a dignidade humana sem a participação da

36

DAMASIO, Antonio Rosa. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Disponível em <http://pt.wikiquote.org/wiki/Dignidade>. Acesso em 26 de março de 2010. 37 Teorias de DUSSEL já comentadas no capítulo anterior.

Page 28: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

27

sociedade, mas também, sem excluir o interesse e a vontade do indivíduo. Eis uma

situação complexa.

Devemos reconhecer que o homem sempre lutou diante de tantos fatos

negativos (escravidão, perseguições, opressão), sempre buscando defender sua

dignidade enquanto ser humano.

Todavia, com o passar dos anos, a sociedade evoluiu sedenta por novas

descobertas, mas emersa em sangrentas batalhas pelo poder, retrocedendo no

processo da valorização da vida humana.

Da Guerra de Tróia às duas últimas Grandes Guerras Mundiais, o homem

vem percebendo o valor da dignidade através do sofrimento moral, pela dor física,

ou seja, situações catastróficas que levaram a humanidade a uma consciência e a

exigências de novas regras de respeito à vida com dignidade. No ensinamento de

COMPARATO:

(...) a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da história, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos.38

Com as inúmeras perdas humanas que a sociedade teve ao longo dos anos,

a dignidade da pessoa humana passou a ser fundamento de alguns Estados, dentre

eles, o Brasil. Dessa conquista, que tornou a dignidade da pessoa humana um

princípio constitucional, buscou-se elevar a sociedade a um estado de igualdade,

seguindo ainda o autor supra:

(...) todos os seres humanos, apesar de inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos neste mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que, em razão dessa radical igualdade,

38 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 37.

Page 29: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

28

ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais.39

A preocupação com uma vida digna é inerente a todos os povos. Vários

países, que tiveram ou não históricos de violência contra as pessoas, avançaram

rumo a constituições que se fundamentam primordialmente na defesa e proteção da

dignidade da pessoa. Na obra de BULOS ele nos traz uma breve menção acerca do

direito comparado em relação a dignidade da pessoa:

A constitucionalização do vetor da dignidade da pessoa humana vem plasmada em diversos ordenamentos jurídicos mundiais, o que comprova que o homem é o centro, fundamento das sociedades modernas. Daí a Lei Fundamental de Bonn de 1949, diploma que muito influenciou a Constituição Espanhola de 1978, ter enfatizado, logo no art. 1º, “a dignidade do homem (Schutz der Menschenwürde): “A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo poder público”. O mesmo aconteceu com a constituição portuguesa de 1978, que também assegurou o princípio.40

O ser humano é o centro da sociedade, ainda que rodeado de outras

espécies necessárias a sua subsistência é justamente o ser humano que se

organizou em sociedade e para isso buscou a ordem para viver em harmonia.

Internamente, se destaca o mais importante vetor da ordem jurídica brasileira,

colocado como um dos fundamentos da Constituição de 1988, foi a dignidade da

pessoa humana, que, elevou o ser humano ao auge de todo o sistema jurídico,

sendo-lhe atribuído o núcleo da ordem jurídica. No estudo de NEHEMIAS ele traz

belas palavras sobre a dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana, pois, serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais, inclusive) mínimos para que se possa viver e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade.41

39 COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit., p. 01. 40 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 499 41 MELO, Nehemias Domingos de. O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos Direitos Humanos. Disponível em <http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDeta lhe.aspx? Doutrina=1075>. Acesso em 26 de março de 2010.

Page 30: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

29

A Constituição Federal de 1988 trouxe no seu primeiro artigo os fundamentos

do Estado Brasileiro, elencando a dignidade da pessoa humana no seu inciso III:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.42

Na explicação de BULOS, ele especifica a complexidade da significância do

princípio da dignidade da pessoa humana para o nosso ordenamento jurídico e a

idéia do que pode acontecer diante da sua não observância:

Este vetor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujente, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdades públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria. A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem. Notório é o caráter instrumental do princípio, afinal ele propicia o acesso à justiça de quem se sentir prejudicado pela sua inobservância. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido a importância da dignidade da pessoa humana.43

Podemos observar uma melhor especificação acerca do principio da

dignidade humana ao dividi-lo em três dimensões: a fundadora, a orientadora e a 42 Art. 1º, CF/88. 43 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit., p. 499.

Page 31: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

30

crítica. Seguindo a linha de pensamento e ensinamento do autor supra, ele define

esta divisão da seguinte forma:

O princípio constitucional da pessoa humana apresenta-se em três dimensões: 1ª. Dimensão fundamentadora – núcleo basilar e informativo de todo o sistema jurídico-positivo; 2ª. Dimensão orientadora – estabelece metas ou finalidades predeterminadas, que fazem ilegítima qualquer disposição normativa que persiga fins distintos, ou que obstaculize a consecução daqueles fins enunciados pelo sistema axiológico-constitucional; 3ª. Dimensão crítica – serve de critério para aferir a legitimidade das diversas manifestações legislativas.44

Além do mais, a interpretação do princípio da dignidade humana é essencial

para sua aplicação. Por tratar-se de um valor tão complexo sua exegese aborda-o

como um sobre princípio, continuando a citar BULOS, ele diz:

A dignidade da pessoa humana, enquanto vetor determinante da atividade exegética da Constituição de 1988, consigna um sobre princípio, ombreando os demais pórticos constitucionais, como o da legalidade (art. 5º., II), o da liberdade de profissão (art. 5º., XIII), o da moralidade administrativa (art. 37) etc. Sua observância é, pois, obrigatória para a exegese de qualquer norma constitucional, devido à força centrípeta que possui. Assim, a dignidade da pessoa humana é o carro-chefe dos direitos fundamentais na Constituição de 1988. Esse princípio conferiu ao texto uma tônica especial, porque o impregnou com intensidade de sua força, nesse passo, condicionou a atividade do intérprete.45

Desta forma, a importância da dignidade da pessoa humana é conferida como

o centro básico e norteador do ordenamento jurídico, como parâmetro de valoração,

que visa orientar a interpretação e compreensão do sistema normativo constitucional

de um país.

A dignidade da pessoa humana é um valor que, de certa forma, orienta as

demais regras e princípios concebidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo

razão fundamental para a organização do Estado e para o Direito. Desta forma, recai

sobre o Estado um dever de respeitar, proteger e promover as condições que

viabilizem a vida com dignidade.

44 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit. 45 BULOS, Uadi Lammêgo. Op. cit..

Page 32: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

31

Destarte, a dignidade humana é um valor moral, ético e espiritual intangível. É

de natureza de direitos inalienáveis, irrenunciáveis que serve de fundamento do

próprio sistema jurídico: a dignidade da pessoa é a razão do existir da sociedade,

atingindo diretamente o Estado e o Direito.

Page 33: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

32

3 A RESERVA DO POSSÍVEL, O MÍNIMO EXISTENCIAL E AS POLÍTICAS

PÚBLICAS

O Estado é constituído de poder, o qual exerce sobre seus administrados.

Embora este poder seja uno, para uma administração justa e eficaz na realização

dos trabalhos estatais o poder separa-se em três atividades distintas, representadas

pelos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.

Os três poderes são independentes e harmônicos, com um sistema de freios

e contrapesos, visando cumprir, eficientemente, com as obrigações do Estado, sem

que haja a preponderância de um poder em face do outro.

São funções principais do Poder Público: elaborar as Políticas Públicas e ser

regulador e responsável pelo cumprimento das decisões legais, visando sempre o

bem da coletividade

Esta possibilidade de proporcionar aos administrados meios para viverem em

boas condições depende de alguns fatores.

O orçamento público é o vilão e o bem feitor deste tema. Se num primeiro

momento ele é o combustível para a realização das políticas públicas, num outro ele

é também o freio que obstaculiza os mecanismos de implementação das obras

públicas.

Por isso, neste capítulo se pretende abordar três fatores que alteram de forma

positiva e/ou negativa a administração do Estado, promovendo ou deixando de

promover sustentáculos à população, sendo eles: a reserva do possível, o mínimo

existencial e as políticas públicas.

3.1 A RESERVA DO POSSÍVEL

A teoria da reserva do possível é o respaldo mais utilizado pelo Poder

Executivo frente às exigências da sociedade em relação aos direitos sociais. É

justamente a previsão orçamentária do Estado em definir onde e quanto será gasto

na sua administração.

Page 34: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

33

Entretanto, a reserva do possível, não apenas se refere diretamente à

existência de recursos para a realização do direito social, mas à razoabilidade da

sua efetivação. SARLET, ele entende que:

A prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.46

Infelizmente a interpretação adotada atualmente faz menção a uma teoria da

reserva do financeiramente possível47, nos termos que se tornou padrão absoluto à

efetivação de direitos fundamentais sociais.

Conforme o estudo de MÂNICA, ele relata sobre o entendimento da teoria da

reserva do possível:

Nessa perspectiva, segundo entendimento de alguns, a teoria da reserva do possível passou a ocupar o lugar que antes era ocupado pela teoria das normas programáticas, pela separação de poderes e pela discricionariedade administrativa, no sentido de que, se antes se entendia pela impossibilidade jurídica de intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos fundamentais, agora se entende pela ausência de previsão orçamentária.48

Da mesma forma BARCELLOS se reporta a reserva do possível como uma

desculpa à falta de um meio mais coerente para a não efetivação dos direitos

sociais: “Na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível

funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido,

que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais.”49

46 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 265. 47 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Disponível em <http://www.advc om.com.br/artigos/pdf/artigo_reserva_do_possivel_com_referencia pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010. 48 Idem. 49 BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2002, p. 237.

Page 35: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

34

O entendimento jurisprudencial atual tem afastado a teoria da reserva do

financeiramente possível tem sido afastada como respaldo em afastar a

obrigatoriedade de efetivação dos direitos fundamentais sociais pelo Estado.

A simples alegação de falta de recursos não é mais aceita, há que se

comprovar a total ausência de recursos para que a teoria da reserva do possível

seja recebida.

Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, se fazem relevantes as

palavras do ministro MELLO:

(...) É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04)50

A ausência de recursos do Estado em prover o direito pleiteado coloca nas

mãos do Poder Judiciário uma difícil decisão diante da necessidade e da escassez.

Direito e Economia ficam face a face e a decisão por um ou por outro,

inevitavelmente, irá causar insatisfação. Há que se usar o método de ponderação,

para analisa todas as variáveis existentes, ou seja, tomar a decisão que atenda os

princípios da justiça, no sentido de bom senso.

50 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04. Disponível em < http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia. asp?s1=AD PF+45+NAO+S%2EPRES%2E&pagina=2&base=baseMonocraticas>. Acesso em 18 de outubro de 2008.

Page 36: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

35

A prevenção de uma situação danosa, no que concerne ao orçamento público

e também aos direitos sociais, deve ser levada em consideração no momento da

elaboração das políticas públicas. Quando a prevenção não surtiu efeito, cabe a

decisão judicial no caso concreto ser a menos prejudicial possível para ambos.

MÂNICA reforça em seu artigo a interpretação limitada acerca da efetivação

dos direitos fundamentais:

(...) a teoria da reserva do possível também tem sido interpretada como limitação à efetivação de direitos fundamentais sociais em face da incapacidade jurídica do Estado em dispor de recursos para a efetivação do direito. Inexistindo previsão orçamentária específica, estaria obstruída a intervenção do Poder Judiciário na efetivação de direitos sociais.51

Como resposta, a jurisprudência estabilizou juízo acerca da possibilidade de

bloqueio de recursos públicos em caso de descumprimento de ordem judicial

anterior determinando o fornecimento de medicamentos.

Na decisão, infra cotejada, confirma a improcedência do argumento da

impossibilidade jurídica para a efetivação de direitos sociais fundamentais, no caso o

direito à saúde.

(...) 1. A hipótese dos autos cuida da possibilidade de bloqueio de verbas públicas do Estado do Rio Grande do Sul, pelo não-cumprimento da obrigação de fornecer medicamentos a pessoa portadora de doença grave, como meio coercitivo para impor o cumprimento de medida antecipatória ou de sentença definitiva da obrigação de fazer ou de entregar coisa. (arts. 461 e 461-A do CPC). 2. A negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per si, viola a Constituição Federal, pois a vida e a saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano. 3. A decisão que determina o fornecimento de medicamento não está sujeita ao mérito administrativo, ou seja, conveniência e oportunidade de execução de gastos públicos, mas de verdadeira observância da legalidade. 4. O bloqueio da conta bancária da Fazenda Pública possui características semelhantes ao seqüestro e encontra respaldo no art. 461, § 5º, do CPC, posto tratar-se não de norma taxativa, mas exemplificativa, autorizando o juiz de ofício ou a requerimento da parte a determinar as medidas assecuratórias para o

51 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Disponível em <http://www.advc om.com.br/artigos/pdf/artigo_reserva_do_possivel_com_referencia_.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010.

Page 37: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

36

cumprimento da tutela específica (...). (STJ, Resp nº 874.630/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 21.09.06)52

Fica claro que a reserva do possível refere-se àquilo que o indivíduo

necessita e pode esperar da sociedade. Contudo, esta aspiração deve seguir o

critério da racionalidade.

Somente em cada caso concreto é que o Poder Judiciário, respaldado pelo

princípio da proporcionalidade, poderá decidir se o Poder Executivo deverá propiciar

o direito pleiteado, ou se, o direito envolvido na lide pode causar a desestabilização

orçamentária em função de algo desnecessário.

Diante da complexidade de cada questão, haverá uma valoração do direito

social e da obrigação prestacional, através da ponderação de princípios, quais sejam

o da proporcionalidade e da razoabilidade.

3.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL

Um assunto que vem sendo muito discutido é a questão do mínimo

existencial53. Principalmente no que tange a implementação de direitos de segunda

geração (econômicos, sociais e culturais) há uma demanda excessiva de recursos

financeiros, e que na maioria das vezes, acaba extrapolando o orçamento do

Estado.

Todavia, não menosprezando a questão da reserva do possível54, devem ser

viabilizadas a condições mínimas existenciais do ser humano, não podendo o Poder

Público de qualquer forma, deixar de propiciar, parcialmente ou integralmente, o

gozo de direitos fundamentais à pessoa.

Nas palavras da autora BARCELLOS:

52 RECURSO ESPECIAL nº 874.630/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 21.09.06. MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Op. cit. 53 ADPF 45 - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 54 Aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade.

Page 38: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

37

A limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição.55

Um dos problemas em relação ao aspecto prestacional do mínimo existencial

consiste em determinar quais prestações de direitos sociais conformam o seu

núcleo. A autora supracitada o identifica como:

(...) o núcleo sindicável da dignidade da pessoa humana, inclui como proposta para sua concretização os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à Justiça.56

Ressalta ainda, que estes direitos são exigíveis judicialmente de forma direta.

Entretanto, GUERRA e EMERIQUE destacam sobre a mesma temática que: “(...)

não se deve confundir a materialidade do princípio da dignidade da pessoa humana

com o mínimo existencial, nem se pode reduzir o mínimo existencial ao direito de

subsistir.”57

A complexidade dos direitos sociais acarreta inúmeras dificuldades em função

da magnitude de sua eficácia. Tal fato compromete a confiabilidade na eficácia da

aplicação destes direitos.

De modo geral, a tendência é generalizar e a partir daí deixar de fazer valer

os direitos sociais com a desculpa de que sua aplicação é inviável. O que não deve

ser esquecido em nenhuma circunstância é que o mínimo existencial está unido

àquilo que é intrínseco as condições mínimas da existência humana. É com uma

vida digna que as pessoas podem se organizar e participar da sociedade.

No entendimento de RAWLS, o mínimo existencial deve estar vinculado a

igualdade de oportunidades, deixando de ser meramente um objetivo almejado pelo 55 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: O princípio da dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 245 - 246. 56 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit., p. 305. 57 GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/ Revistas/Revista09/artigos/Sidney.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010.

Page 39: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

38

legislador para tornar-se uma garantia constitucional, e num primeiro momento,

desvinculado do Poder Legislativo.

Porém, irão existir prestações que excederam àquele mínimo garantido, e

neste caso, se fará necessário a disposição de lei, conforme as políticas públicas.

Nas suas palavras:

Observes que existe, además, otra importante distinción entre los principios de justicia que especifican los derechos y las libertades básicas en pie de igualdad y los principios que regulan los asuntos básicos de la justicia distributiva, tales como la libertad de desplazamiento y la igualdad de oportunidades, las desigualdades sociales y económicas y bases sociales del respeto a sí mismo. Un principio que especifique los derechos y libertades básicas abarca la Segunda clase de los elementos constitucionales esenciales. Pero aunque algún principio de igualdad de oportunidades forma parte seguramente de tales elementos esenciales, por ejemplo, un principio que exija por lo menos la libertad de desplazamiento, la elección libre de la ocupación y la igualdad de oportunidades (como la he especificado) va más ala de eso, y no será un elemento constitucional. De manera semejante, si bien un mínimo social que provea para las necesidades básicas de todos los ciudadanos es también un elemento esencial, lo que he llamado el “principio de diferencia” exige más, y no es un elemento constitucional esencial.58

As discussões acerca do mínimo existencial aparecem em dois vértices: um

que o trata como garantia e o outro como prestação.

Com um núcleo mínimo garantido impede se que haja a agressão do direito,

visto que ele se destaca a outros direitos ou deveres com a finalidade de propiciar a

satisfação de condições mínimas de existência digna da pessoa. É a forma pela qual

o particular fica vinculado ao Estado.

58 RAWLS, John apud PORTELLA, Simone de Sá. Disponível em <http://www.webartigos.com/artic les/2400/1/Consideraccedilotildees-Sobre-O-Conceito-De-Miacutenimo-Existencial/pagina1. html#ixzz 11CFHRcrK>. Acesso em 06 de outubro de 2010. Tradução livre: Observa que, além disso, há outra distinção importante entre os princípios da Justiça que especificam direitos e igualdade das liberdades fundamentais e os princípios que regem a substituição de justiça básica, tais como a liberdade de circulação e questões de igualdade de oportunidades das desigualdades sociais e econômicas e bancos de dados sociais respeitarem se mesmo. Um princípio que especifica os direitos e liberdades fundamentais abrange a segunda classe de elementos constitucionais essenciais. Mas, apesar de algum princípio da igualdade de oportunidades parte provavelmente esses elementos essenciais, por exemplo, um princípio que exigem pelo menos liberdade de circulação, à livre escolha de ocupação e igualdade de oportunidades (como eu tenha especificado) será mais de plano e não será um elemento constitucional. Da mesma forma, enquanto um mínimo social que fornecem as necessidades básicas de todos os cidadãos também é essencial, o que eu tenho chamado o "princípio da diferença" requer muito mais, e não é essencialmente constitucional.

Page 40: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

39

De outro lado, o mínimo observado do viés da prestação aponta a dificuldade

em determinar quais prestações de direitos sociais conformam o seu núcleo. Esta

determinação deve ser pautada em conforme aos princípios da legalidade e da

razoabilidade. Neste viés, se passa a andar por terreno desconhecido, pois se o

mínimo existencial não trata apenas da subsistência da pessoa, como definir quais

serão as prestações mínimas a serem colocadas a disposição dos administrados?

Na afirmação de GUERRA e EMERIQUE:

Fica a dúvida sobre a possibilidade de estabelecer juízos de comparação entre a situação dos beneficiários, controlando a legalidade e razoabilidade do fator de diferenciação utilizado pelo Estado ao prover, garantir ou promover seletivamente os interesses tutelados pelo direito.59

A análise do mínimo existencial provoca polêmica no que concerne a

conceituação e identificação dos núcleos indispensáveis a uma vida digna. É

justamente frente à escassez de recursos do Estado que o direito se insurge para

dizer se tal núcleo é pertencente ao conjunto dos direitos fundamentais ou não.

Destarte, o que não pode acontecer é que a desculpa de uma

desestabilização econômica dite regras, baseadas em escassez de recursos,

criando um dogma respaldado pelo princípio da reserva do possível, que impeça a

idéia de otimização dos recursos mediante o emprego do máximo possível para

promover a eficácia dos direitos fundamentais.

Neste patamar, destaca-se ainda o estudo de GUERRA e EMERIQUE, que

citam:

A decisão proferida pelo relator Ministro Celso Mello em sede da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 45 MC/DF, promovida contra o veto presidencial sobre o § 2º do art. 55 (renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/03 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. Embora a ação tenha sido julgada prejudicada em virtude da perda superveniente do objeto devido a edição da Lei mencionada, o relator posiciona-se em relação à idoneidade da mesma para viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto

59 GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/ Revistas/Revista09/artigos/Sidney.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010.

Page 41: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

40

constitucional (no caso EC nº 29/00) venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando. Invoca inclusive a importância do papel conferido ao Supremo Tribunal Federal no exercício da jurisdição constitucional de tornar efetivo os direitos, econômicos, sociais e culturais. Assim, mesmo com as limitações em torno da cláusula da reserva do possível, existe a necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo essencial que constitui o mínimo vital.60

A necessidade de uma ação uniformizada da atuação dos poderes estatais

pode assegurar de forma mais eficaz a realização dos direitos sociais, entretanto,

deve se levar em consideração que a fixação de um mínimo padrão pode

menosprezar os direitos já hierarquizados na Constituição.

Contudo, a fim de burlar a falta de vontade política e evitar o favorecimento de

uma categoria em detrimento de outra, a padronização de núcleos essenciais a vida

digna poderiam trazer benefícios a sociedade, que veria a aplicação de seus direitos

básicos de forma imediata.

3.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS

O Poder Público através da administração pública, direta e indireta, se utiliza

das políticas públicas para promover melhorias aos administrados. TEIXEIRA

considera as políticas públicas como nortes e princípios da ação do poder, e assim

escreve:

“Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.

60 GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Op. Cit.

Page 42: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

41

As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais. Como o poder é uma relação social que envolvem vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia.61

Para MELLO, a definição de política pública está meramente relacionada a

um conjunto de atos:

Política Pública é um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os une ao objetivo comum de empreender ou prosseguir um dado projeto governamental para o País. (...) Com efeito, se é possível controlar cada ato estatal, deve ser também possível controlar o todo e a movimentação rumo ao todo.62

De uma forma mais sublime, consideramos as políticas públicas como o

complexo de ações coletivas que visam garantir os direitos sociais, firmando um

compromisso público com a finalidade de suprir determinada demanda nas várias

formas, transformando o que é da esfera privada em ações coletivas na esfera

pública.

E ainda, a adequação da ordem econômica e social ao orçamento público é o

instrumento pelo qual a administração pública mantém o equilíbrio das necessidades

da população, avançando conforme os planejamentos nas áreas que precisem de

maiores investimentos.

A formação ou o planejamento de implantação de uma política pública

depende de definições que determinam que órgão irá implantá-la, a que tempo, com

qual finalidade, e principalmente, qual grupo social será beneficiado por ela.

61 TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/ aatr2/a_ pdf/03_aatr_pp_papel.pdf>. Acesso em 11 de outubro de 2010. 62 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 814.

Page 43: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

42

As diretrizes traçadas em relação as políticas pública tem afinidade com o

regime político contemporâneo ao momento da sua criação e aplicação. Leva em

conta também, a cultura da sociedade onde serão aplicadas.

Ainda no estudo de TEIXEIRA ele realça a diferença entre Políticas Pública e

Políticas Governamentais:

(...) Cabe distinguir “Políticas Públicas” de “Políticas Governamentais”. Nem sempre “políticas governamentais” são públicas, embora sejam estatais. Para serem “públicas”, é preciso considerar a quem se destinam os resultados ou benefícios, e se o seu processo de elaboração é submetido ao debate público. A presença cada vez mais ativa da sociedade civil nas questões de interesse geral, torna a publicização fundamental. As políticas públicas tratam de recursos públicos diretamente ou através de renúncia fiscal (isenções), ou de regular relações que envolvem interesses públicos. Elas se realizam num campo extremamente contraditório onde se entrecruzam interesses e visões de mundo conflitantes e onde os limites entre público e privado são de difícil demarcação.63

O estudioso citado ressalta a importância da participação da população,

agindo e debatendo para que as políticas públicas sejam conquistadas de modo

transparente e que sua elaboração alcance os espaços públicos e não somente os

gabinetes governamentais.

Levando em consideração, as políticas públicas implantadas são fruto do

poder discricionário, normalmente pelos poderes: Legislativo e Executivo, podendo

adequar o problema com a realidade jurídica estatal, conforme escreve MELLO, há

que se verificar a importância da não banalização da discricionariedade do

administrador:

Se a lei todas as vezes regulasse vinculadamente a conduta do administrador, padronizaria sempre a solução, tornando-a invariável mesmo perante situações que precisariam ser distinguidas e que não se poderia antecipadamente catalogar com segurança, justamente porque a realidade do mundo empírico é polifacética e comporta inumeráveis variantes. Donde, em muitos casos, uma predefinição normativa estanque levaria a que a providência por ela imposta conduzisse a resultados indesejáveis.64

63

TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade. Op. Cit. 64 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 821.

Page 44: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

43

Entretanto em entendimento jurisprudencial, a discricionariedade do

administrador pode beirar caminhos obscuros:

(...) Dessa forma, com fulcro no princípio da discricionariedade, a Municipalidade tem liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse público, escolher onde devem ser aplicadas as verbas orçamentárias e em quais obras deve investir. Não cabe, assim, ao Poder Judiciário interferir nas prioridades orçamentárias do Município e determinar a construção de obra especificada (...). (STJ, REsp 208893 / PR ; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004)65

Justamente por serem oriundas do poder discricionário, as políticas públicas

sofrem grande rotatividade de medidas, deixando muitas vezes de se dar

continuidade aos projetos já implantados.

Contudo, o Poder Judiciário também atua nas políticas públicas, muitas vezes

impondo à administração pública, a realização de medidas fundamentais

necessárias aos administrados. Neste sentido, MELLO escreve:

É, pois, precisamente em casos que comportam discrição administrativa que o socorro do Judiciário ganha foros de remédio mais valioso, mais ambicionado e mais necessário para os jurisdicionados, já que a pronúncia representa a garantia última para contenção do administrador dentro dos limites de liberdade efetivamente conferidos pelo sistema normativo.66

Embora as políticas públicas existam para beneficiar e permitir uma vida em

sociedade de forma digna, os jurisdicionados, em muitos casos, têm que recorrer a

via judiciária para ver atendida sua necessidade, um atendimento que o Poder

Administrativo deveria suprir, diante da meta implantada.

Entretanto, em respeito ao princípio da legalidade da despesa pública, a fim

de evitar desvios de verbas e permitir a real conclusão de obras oriundas das

políticas públicas em implantação, obrigou-se o administrador público a respeitar as

autorizações e os limites legais do orçamento público.

65 MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Op. cit. 66 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op. Cit., p. 850.

Page 45: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

44

Ao administrador não é permitido alcançar qualquer despesa se esta não

estiver previamente orçada, conforme o dispositivo constitucional, o artigo 167,

inciso II. Se o administrador permitir tal negligência responderá por crime de

responsabilidade previsto pelo no artigo 85, inciso VI da Constituição Federal.

Tal obste que a princípio seria uma maneira de proteger o orçamento público

e garantir a implantação das políticas públicas criadas, tornou-se uma panacéia com

intuito de afastar a intervenção do judiciário em defesa dos administrados.

Com uma interpretação equivocada, o dispositivo que responsabiliza o mau

administrador é usado como desculpa para não atender as demandas da população.

Sendo assim, o mote da interposição do Poder Judiciário na definição de

políticas públicas é contestado, conquistando novos rumos no cenário

contemporâneo, no qual se busca a concretização dos direitos fundamentais.

Para a proteção dos direitos fundamentais e a efetivação dos direitos

humanos, é imprescindível a apreciação da intervenção do Poder Judiciário no

orçamento público.

3.3.1 A finalidade e os meios da implantação das políticas públicas

São exatamente nos segmentos mais pobres em recursos que as políticas

públicas tendem a suprir suas carências. Entretanto, ao se reportar as demandas

públicas, todos os segmentos devem ser beneficiados.

Ainda que os menos favorecidos demonstrem uma necessidade maior em

projetos de políticas públicas, há que se considerar que o desenvolvimento social

deve abranger a coletividade.

A mobilização da sociedade é primordial para influenciar o Poder Público a

agir nas áreas de necessidade, e em alguns casos, mostrar que determinadas

políticas públicas não atendem os anseios da população.

O Poder Público é o grande agente realizador, mas a participação popular é

seu condutor nas suas realizações. A sociedade tem grande parte da

responsabilidade das concretizações das políticas públicas.

Estas realizações tendem justamente a expandir e concretizar os direitos de

cidadania, logrando uma vida digna a cada administrado. São políticas que

Page 46: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

45

vislumbram meios da população evoluir sustentavelmente frente as oscilações do

desenvolvimento econômico mundial.

Para o autor OLIVEIRA, os objetivos das políticas públicas são: “providências

para que os direitos se realizem, para que as satisfações sejam atendidas, para que

as determinações constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em

utilidades aos governados.” 67

A finalidade das políticas públicas tem a alusão valorativa que permite a

população contemplar os seus interesses e exprimir diante dos controladores do

poder seus anseios e necessidade para a construção de um Estado sólido e de uma

sociedade satisfeita.

É de grande relevância analisar alguns gêneros de políticas públicas com

escopo de identificar o seu grau de atuação e eficácia diante da demandas,

conforme a sua formulação e implementação. TEIXEIRA traz em seu ensaio os

seguintes critérios:

1) Quanto à natureza ou grau da intervenção: a. Estrutural: buscam interferir em relações estruturais como renda, emprego, propriedade etc.; b. Conjuntural ou emergencial: objetivam amainar uma situação temporária, imediata. 2) Quanto à abrangência dos possíveis benefícios: a. Universais: para todos os cidadãos; b. Segmentais: para um segmento da população, caracterizado por um fator determinado (idade, condição física, gênero etc.); c. Fragmentadas: destinadas a grupos sociais dentro de cada segmento. 3) Quanto aos impactos que podem causar aos beneficiários, ou ao seu papel nas relações sociais: a. Distributivas: visam distribuir benefícios individuais; costumam ser instrumentalizadas pelo clientelismo; b. Redistributivas: visam redistribuir recursos entre os grupos sociais: buscando creta eqüidade, retiram recursos de um grupo para beneficiar outros, o que provoca conflitos; c. Regulatória: visam definir regras e procedimentos que regulem comportamento dos atores para atender interesses gerais da sociedade; não visariam benefícios imediatos para qualquer grupo. 68

67 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2006. p. 251. 68

TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/ aatr2/a_ pdf/03_aatr_pp_papel.pdf>. Acesso em 11 de outubro de 2010.

Page 47: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

46

Sob este enfoque, é imprescindível, observar as estratégias conforme a

conotação política em relação a cada tipo. Eventualmente essas políticas

estratégicas não estão sob um controle participativo da sociedade, que é o que

ocorre com a política econômica, tributária e outras mais.

Um outro fator que deve ser destacado em relação as políticas públicas é que

elas podem ter seus efeitos inconstitucionais, segundo MELLO:

Anote-se que pode haver inconstitucionalidade de uma política pública só reconhecível a posteriori, isto é, por seus efeitos, que se revelem contrapostos a diretriz normativa legal ou constitucional. Neste caso o que se pode fazer é deter-lhe a continuidade.69

Uma vez frente a inconstitucionalidade da política pública adota, MELLO diz

que são legitimados o Ministério Público, os habilitados em geral à propositura de

ações civis públicas e a pessoa atingida pelos efeitos da política publica:

São legitimados para opor-se a políticas públicas inválidas tanto o Ministério Público, como os habilitados em geral à propositura de ações civis públicas, como quaisquer cidadãos que possam demonstrar gravame que pessoalmente os atinja pela política pública empreendida ou indevidamente omitida, ainda que tal prejuízo seja disseminado sobre toda uma coletividade. O que legitima o cidadão não é a particularidade do gravame, mas o fato de subtrair um bem jurídico de que pessoalmente desfrutaria se a ordem jurídica fosse obedecida ou o fato de irrogar-lhe um prejuízo que pessoalmente o alcança e do qual estaria livre se a ordem jurídica houvera sido respeitada. 70

Denota-se aí a importância dada ao cidadão, o qual pode insurgir diante da

injustiça para reclamar o direito lesado.

As políticas públicas devem ser formuladas de forma coerente visando

sempre atender na medida necessária os administrados, evitando que seus efeitos

prejudiquem quem quer que seja e que não se excedam de forma a lesar o

orçamento público, impedindo que novas políticas possam ser implementadas.

69 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 814. 70 Idem.

Page 48: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

47

4 O DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA

DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O escopo deste capítulo é demonstrar que para a manutenção de uma vida

digna o elemento primordial é a saúde. A importância do seu estudo, bem como, de

que maneira ela é disponibilizada à sociedade é fundamental para a construção e o

desenvolvimento social.

Ao longo deste estudo fica claro que a questão da saúde não é apenas uma

obrigação da administração pública, mais principalmente, uma mobilização social em

torno de vários fatores que influenciam a saúde. É uma cadeia de direitos e deveres

na qual cada cidadão participa.

A citação infra do presidente cubano CASTRO pode parecer em um primeiro

momento apenas uma provocação política internacional, no entanto, se analisarmos

o cenário atual: a fome, a pobreza, a falta de educação dentre outros fatores, ela nos

direciona a uma realidade triste, mas que pode ser transformada.

Se houve holocausto do povo judeu há apenas 60 anos, hoje trata-se de impedir o holocausto de dezenas de povos ameaçados de serem atacados e, inclusive, exterminados, já que, segundo se anuncia, todas as armas podem ser utilizadas para atacar, preventivamente e de surpresa, em qualquer obscuro rincão do planeta. O denominado mundo ocidental e cristão deveria tomar consciência dessa realidade, antes que seja demasiado tarde, como parece que está ocorrendo, diante do gigantesco holocausto provocado pela pobreza, pela fome, o subdesenvolvimento, a falta de educação e de saúde, a globalização neoliberal e a atual ordem econômica e social imposta à humanidade, que, a cada ano, matam a dezenas de milhões de pessoas, nos países do Terceiro Mundo.71

As garantias conquistadas e almejadas pela sociedade, tal como o direito à

saúde, devem ser defendidas por cada cidadão e pelas esferas do Poder buscando

impedir que atuais e futuras agressões a estas garantias comprometam a dignidade

das pessoas.

71 CASTRO, Fidel. O Pensamento Revolucionário de Fidel Castro: 50 Anos no Poder Buscando Socialismo apud PIZZINGA, R. D. Disponível em: <http://svmmvmbonvm.org/fidel.pdf>. Acesso em 14 de outubro de 2010.

Page 49: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

48

4.1 A SAÚDE

Inicialmente para a ciência médica a saúde era entendida apenas como

estado de ausência de doença. Neste primeiro panorama, a patologia era o ator

principal, seguido da figura do médico, do hospital, visando como objetivo maior o

controle desta até o seu retrocesso.

Com os avanços das pesquisas e da tecnologia, houve a necessidade de

converter a Medicina numa ciência multidisciplinar, abrindo espaço para outros

profissionais e suas especializações nas diversas áreas da saúde, surgindo assim,

um sistema de saúde.

A estes estudos, foram agregados aos aspectos físicos, os psicológicos e os

sociais tornando o significado do termo saúde muito mais complexo e abrangente. A

fonoaudióloga KNOBEL utiliza a definição de REY para explicar o que é saúde, por

acreditar ser a mais completa:

Saúde é uma condição em que um indivíduo ou grupo de indivíduos é capaz de realizar suas aspirações, satisfazer suas necessidades e mudar ou enfrentar o ambiente. A saúde é um recurso para a vida diária, e não um objetivo de vida; é um conceito positivo, enfatizando recursos sociais e pessoais, tanto quanto as aptidões físicas. É um estado caracterizado pela integridade anatômica, fisiológica e psicológica; pela capacidade de desempenhar pessoalmente funções familiares, profissionais e sociais; pela habilidade para tratar com tensões físicas, biológicas, psicológicas ou sociais com um sentimento de bem-estar e livre do risco de doença ou morte extemporânea. É um estado de equilíbrio entre os seres humanos e o meio físico, biológico e social, compatível com plena atividade funcional.72

Os avanços tecnológicos no campo da Medicina e também a evolução das

ciências sociais proporcionaram o desenvolvimento social a tal ponto que a saúde

deixou de ser apenas um estado de ausência de doença, e ainda, ao deixar de

pertencer apenas ao mundo da ciência médica, a saúde tomou novos rumos e maior

significância. O constitucionalista brasileiro, BULOS, definiu o termo saúde em sua

obra da seguinte forma:

72 REY, Luis apud KNOBEL, Keila A. Baraldi. Para você, o que é saúde?. Disponível em < http://www.fonoesaude.org/saude.htm>. Acesso em 14 de outubro de 2010.

Page 50: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

49

Saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do homem, e não apenas a ausência de afecções e doenças. Acompanha a saúde, a nutrição, ou seja, o complexo processo que vai da produção de alimentos até a sua absorção qualitativa e quantitativa indispensáveis à vida humana.73

Com a certeza de que a saúde da população é fundamental para o trabalho e

o desenvolvimento de um País e que não tutelá-la seria uma afronta aos direitos

humanos, a saúde passou a ser um direito garantido em vários Estados, dentre os

quais o brasileiro.

4.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO À SAÚDE

Perante algo tão sublime como a vida humana, o legislador colocou como um

dos fundamentos basilares do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana.

Ao longo do texto da Carta Magna, se ostentou um rol de direitos

fundamentais e sociais com a finalidade de prover uma vida digna às pessoas do

novo Estado que nascia.

No Título VIII, dedicado a Ordem Social, encontram-se os regulamentos que

aprestam o rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal,

que tem como base constitucional o primando do trabalho e o objetivo do bem estar

e a justiça sociais.

A saúde ficou seleta ao rol dos direitos sociais, conforme o fixado no texto

constitucional:

Artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.74

73 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1287-1288. 74 Art. 6º, CF/88

Page 51: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

50

Em face desta colocação, o autor BULOS75 destaca que a saúde foi elevada à

condição de direito fundamental pela primeira vez no Texto de 1988, vinculada à

Seguridade Social.

BULOS, citando o ministro MELLO, confirma pela jurisprudência sua

colocação:

O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por omissão, em censurável comportamento inconstitucional. O direito público subjetivo à saúde traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público (federal, estadual ou municipal), a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição da República.( STF, RE 241.630-2/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 1, de 3-4-2001, p. 49)76

Ao compreender que a vida humana é o bem supremo, o constituinte não se

limitou apenas em mencionar o direito à saúde, ele foi além. Primou em definir a

saúde com um direito e principalmente, chamou à responsabilidade o Estado,

balizando seu dever e o meio pelo qual deveria prover o direito aos administrados:

Artigo 196. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.77

Quanto a efetividade do artigo supracitado, embora ele esteja encravado em

norma programática, não pode ser preterido. Tratando de algo tão delicado como a

saúde, a indiferença do Poder Público seria uma afronta ao direito tutelado.

O Ministro BARBOSA foi coerente em suas palavras ao tratar do assunto:

75 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 1526. 76 Idem. 77 Art. 196, CF/88.

Page 52: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

51

A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade.( STF, RE 368.041, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ, de 17-06-2005)78

A garantia da saúde aos administrados deve provir de programas de

erradicação, prevenção e tratamento de doenças, e ainda, a primazia da

manutenção do estado de incolumidade das pessoas. Para isso a Constituição

destacou os serviços de saúde e a sua execução, seja por via direta ou indireta,

conforme o dispositivo:

Artigo 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.79

O Poder Público não podendo oferecer de forma direta a prestação poderá

delegar a terceiro, pessoa física ou jurídica, inclusive de direito privado para que

este o faça. BULOS assevera que:

(...) o direito à saúde reclama, para sua efetivação, o cumprimento de prestações positivas e negativas. Pela primeira, os Poderes Públicos devem tomar medidas preventivas ou paliativas no combate e no tratamento de

78 BULOS, Uadi Lammêgo. Op cit. p. 1527. 79 Art. 197, CF/88.

Page 53: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

52

doenças. Pela segunda, incumbe-lhes abster-se, deixando de praticar atos obstaculizadores do cabal exercício desse direito fundamental.80

Contudo, quando nos reportamos a situação real e atual afere-se que o Poder

Público embora obrigado a criar mecanismos que viabilizem para as pessoas

prestações de saúde, esconde-se sob a justificativa de déficit no orçamento ou em

promessas irrealizáveis, deixando de suprir a saúde básica, mesmo sendo este um

dever atribuído à ele. Como elucida COSTA:

Homens, mulheres e crianças buscam a atenção do serviço médico. O panorama generalizado desse atendimento é marcado pelo excesso de demanda em relação à oferta, pelo tratamento de baixa qualidade, pela depredação e obsolescência dos equipamentos e unidades de serviços. E na relação médico-paciente, pela impessoalidade, pelo descaso, pelo descompromisso.81

A sociedade não pode ser impedida de gozar do direito garantido à ela pela

Constituição. Entretanto, de acordo com COSTA, tem que existir uma participação

popular na gestão da coisa pública, permitido a fiscalização da prestação e também

na formulação de políticas públicas que possam atender de forma eficaz e coerente

a situação de cada comunidade:

(...) o movimento de saúde representa a emergência de práticas que redefinem as relações entre Estado e população, gerando demandas num espaço, que, apesar de regulado pelo Estado, não controla plenamente a sua mobilização que refletem uma expansão no nível de politização das demandas e a possibilidade concreta de ampliar o nível de participação popular na gestão da coisa pública.82

80 BULOS, Uadi Lammêgo. Op cit. p. 1527 81 COSTA, Nilson do Rosário et al. Demandas Populares, Políticas Públicas e Saúde. v. II. Manguinhos/RJ: Vozes, 1989. p. 32-33. COSTA, Nilson do Rosário et al. Demandas Populares, Políticas Públicas e Saúde. v. II. Manguinhos/RJ: Vozes, 1989. p. 32-33. 82 COSTA, Nilson do Rosário et al. Op cit.

Page 54: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

53

A participação popular é fundamental para a garantia dos seus direitos. Essa

participação está presente na consciência de fiscalizar, cuidar e principalmente, em

cumprir com seus deveres para com o Estado.

4.2.1 O Direito à Saúde e a Seguridade Social

Para melhor definir e garantir o direito à saúde o constituinte o vinculou ao

capítulo constitucional da Seguridade Social.

A seguridade social é entendida como uma cadeia de ações de iniciativa dos

poderes públicos e da sociedade que visam assegurar os direitos relativos à saúde,

à previdência e a assistência social. A Constituição assim determinou:

Artigo 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.83

O financiamento da seguridade será provido por toda a sociedade, de forma

direta ou indireta, mediante recursos originários dos orçamentos da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, juntamente com algumas

contribuições sociais, que ficou disposto:

Artigo 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes

83 Art. 194, CF/88.

Page 55: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

54

dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União. § 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos. § 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I. § 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. § 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante superior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.

Page 56: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

55

§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.84

Desta forma, o direito à saúde fica enleado numa teia de proteção, deixando

de ser mera falácia, obtendo recursos para seu empreendimento e acesso igualitário

e universal das pessoas às suas necessidades.

4.2.2 O Sistema Único de Saúde - SUS

Em 1986, acontecia a VIII Conferência Nacional de Saúde, momento no qual

se discutia os rumos as serem tomados pelo setor da saúde no país. Como fruto

desta discussão adveio a proposta de criação de um Sistema Único de Saúde, o que

sublimemente aconteceu com o advento da Constituição de 88.

A efetiva regulamentação do Sistema Único de Saúde - SUS veio

posteriormente com as Leis 8080/90 e 8142/90.

O SUS está consubstanciado em três diretrizes básicas: a descentralização, o

atendimento integral e a participação da comunidade. Ele foi o órgão criado para

viabilizar as ações curativas e preventivas em relação à saúde pública.

A previsão do SUS na Carta Magna definiu:

Artigo 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

84 Art. 195, CF/88.

Page 57: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

56

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que trata o § 2º; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União. § 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício.85

O modelo legal apresentado leva em conta que a questão da saúde não pode

ser vista isoladamente como sendo meramente o tratamento clínico de patologias,

ou seja, “(...) o que se estabelece, é o direito de todos à implementação de políticas

de saúde, não só de natureza preventiva, como ainda curativa.”86, associada às

políticas públicas que viabilizem o saneamento, a educação, a alimentação, o

desenvolvimento tecnológico de medicamentos. Estas são atribuições do SUS que

poucos conhecem, mas está previsto:

Artigo 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;

85 Art. 198, CF/88. 86 COMPARATO, Konder Fábio. Op cit., p. 352.

Page 58: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

57

II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.87

A prevenção, a cura e a erradicação das doenças estão incluídas e envolvem

uma série de medidas que muitas vezes não são visualizadas ou consideradas, mas

o que se ressalta é que a necessidade de criar um ambiente social incolume

depende de diferentes áreas de atuação do SUS.

4.3 A PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE

Tal como o Estado tem o dever de promover as políticas públicas para prover

os administrados no que tange ao direito à saúde, há que se lembrar que um dos

elementos materiais que formam o Estado é o povo.

Cada pessoa que vive no espaço determinado de um Estado - o território - é

parte deste mesmo Estado, e, portanto, é responsável por aquela sociedade.

Quando falamos de garantias, logo atribuímos todo o dever e obrigação a

administração pública esquecendo que fazemos parte de um sistema no qual cada

administrado tem direitos, mas também tem deveres para com o Estado.

É verdade que o direito a saúde está explícito na Carta Magna e que o Poder

Público tem que prover seus administrados, porém, aos administrados existe a

contraprestação de participar efetivamente das políticas públicas seja no seu

planejamento, na sua aplicação e principalmente na sua fiscalização.

Esta participação também está conectada a conscientização da sociedade na

preservação do meio ambiente, na luta contra a sonegação fiscal, na busca pela

87 Art. 200, CF/88.

Page 59: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

58

educação, nos cuidados com a higiene pessoal e num sentimento de solidariedade

entre as pessoas.

O empenho em alcançar uma vida digna deve partir do individual para o

coletivo, visando sempre a finalidade do Estado: o bem comum. Nenhuma

sociedade considerar-se-á sadia se parte dela, ainda que insignificante88, estiver

maculada pela miséria e o abandono.

88 Entenda-se insignificante como uma pequena parcela ou uma pequena parte. Por mais miserável que uma pessoa possa ser, ela jamais será insignificante.

Page 60: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante todo o conteúdo exposto neste estudo agregamos a ele a crítica que o

tema despertou.

A medida que buscamos nos aprofundar sobre o tema observamos a enorme

complexidade que o enleava, inclusive no tocante a escassa bibliografia sobre ele, o

que aumenta a dificuldade de explanação.

O ser humano é complexo e é dependente. É complexo por que se determina

por vários fatores: físicos, psicológicos e espirituais. É dependente porque não pode

viver sem interagir com o meio: outras pessoas, outros animais e plantas e etc.

A pessoa humana também é frágil. Justamente o que separa a pessoa

humana do ser vivo da espécie humana é a vida, o “estar vivo”.

A questão do sopro da vida é o liame entre a pessoa e o animal da espécie

humana. Isto mesmo somos animais! Racionais, capazes de amar e criar coisas

geniais. O ser humano se destaca as outras espécies por sua capacidade

intelectual.

Por infortúnio, justamente esta capacidade de intelecto guiou as pessoas, ao

longo da história, em dois rumos antagônicos: o caminho em prol da vida e o

caminho direcionado a autodestruição.

Por gerações, a luta de classes travaram guerras com o único objetivo, o de

atingir o poder sem avaliar as medidas e conseqüências.

Algumas daquelas pessoas que resolveram seguir o caminho da vida

primaram em promover a defesa dos direitos humanos. Isto seria simples se o

interesse individual não prevalecesse.

Neste estudo, a grande personagem é a pessoa. Ela é a razão do Direito

existir, é o fundamento da sociedade. Onde houver pessoas, lá existirá a

necessidade de organizá-las para que vivam dignamente.

E o que é a dignidade da pessoa humana senão a possibilidade do homem ou

da mulher poder viver incólume, sem a ameaça da fome, da doença, da miséria, da

ignorância, do medo. Uma vida digna é o que a sociedade deveria galgar tendo o

Estado e o Direito como instrumentos para a concretização do seu objetivo. Uma

vida digna é o que toda pessoa deveria buscar e postular pra si.

Page 61: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

60

Por óbvio, o Estado brasileiro tem o dever de promover a dignidade das

pessoas, pois este é um dos alicerces no qual pautou sua criação. Mas a sociedade,

um dos elementos materiais que constituem este ente abstrato é também a

responsável em buscar sua dignidade.

A grande resposta as negações sofridas pela população é exatamente sua

união para lutar por seus direitos sem deixar de cumprir com seus deveres. Esta é a

roda da vida, o dever de um é o direito garantido do próximo e assim

sucessivamente.

A dignidade da pessoa humana é o valor supremo que deve orientar os

princípios, as normas do ordenamento jurídico, e ainda, a educação de toda

sociedade brasileira para que esta geração e as vindouras respeitem a vida humana

e primem pela sua proteção.

Assim como o grau de proteção dos direito evolui segundo aparecem as

necessidades das pessoas, maior é a destinação de recursos para poder suprir

estas necessidades.

Se a personagem principal deste estudo é a pessoa, o cenário escolhido é

aquele que se faz fundamental para sua existência: a saúde.

E como se fala de saúde! Mas o assunto é muito mais amplo do que parece.

Não trata apenas da ausência de doenças, mas sim de um ambiente no qual se quer

haja qualquer manifestação que possa levar as pessoas a adoecer.

Ao contrário do que parece, isto não é impossível. Diante do argumento de

que promover o direito à saúde é dispendioso, uma quebra no orçamento público,

pode se aferir que trata de falta de vontade tanto da Administração Pública quanto

dos Administrados.

Ao Poder Público está atribuído o dever de criar políticas públicas para prover

o direito à saúde. Este direito não é apenas a distribuição de medicamentos,

consultas nos mais variados ramos da ciência médica, hospitais, profissionais da

saúde a disposição da população e etc.

É antecedente a todos estes agentes, é a criação de mecanismos que não

permitam que as pessoas necessitem do socorro médico. Que o atendimento

médico seja a última etapa desta cadeia. Isso é possível com investimentos a curto,

médio e longo prazo.

Seriam necessárias políticas públicas que focassem o objetivo: uma

sociedade incólume. Para isso, far-se-ia um trabalho de orientação, fiscalização e

Page 62: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

61

aplicação de medidas para tornar o ambiente social livre de qualquer ação contrária

a saúde pública, tais como: campanhas de vacinação; orientação educacional

voltada a prevenção de doenças, incluindo preservação do meio ambiente, higiene

pessoal, cultura, prática de esportes; alimentação em quantidade e qualidade

satisfatórias; saneamento básico; fiscalização dos postos de trabalhos e segurança.

Em contrapartida, cada cidadão tem o dever de zelar pela saúde, a sua e a de

toda a sociedade. As pessoas são os sujeitos que agem de forma que as políticas

públicas sejam eficazes. Participando e fiscalizando, a população pode controlar e

usufruir o bem estar, podendo inclusive prolongar esta situação às próximas

gerações criando uma conscientização de que saúde é um direito de todos e um

dever do Estado e da sociedade.

Infelizmente algumas doenças são inerentes à pessoa, seja pela genética ou

fatores individuais que as propiciem. A estas pessoas com necessidades

particulares, deve o Poder Público provê-las diante de seu infortúnio.

Destarte, a maioria dos casos de doenças que acometem a sociedade

brasileira poderiam ser evitadas pela ação do Poder Público em promover um

ambiente incólume, mas também, pela conscientização da população, o que

reduziria em grande escala o gasto com os seus tratamentos, podendo esta

diferença ser usada para prover outras necessidades.

Por fim, em resposta a este estudo fica explícito que o Poder Público tem o

dever de prover o acesso igualitário e universal ao direito à saúde, principalmente

porque grande parcela da sociedade é carente de educação, que também é saúde,

como há tempos demonstrou o personagem “Jeca Tatu” de Monteiro Lobato, o que

precisa ser suprido. Isto deve-se ao fato de que a prestação do Poder Público não

está atrelada tão somente a distribuição de medicamentos ou atendimento médico-

hospitalar, mas sim na implantação de uma série de medidas básicas para uma vida

digna, que tornem o meio social protegido das afecções, respeitando o orçamento

público e dele se utilizando de forma coerente e eficaz.

Page 63: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

62

REFERÊNCIAS

ADPF 45 - Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. STF, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04. BALLONE, Geraldo J. O Indivíduo, o Ser Humano e a Pessoa. Disponível em http://gballone.sites.uol.com.br/voce/pessoa.html. Acesso em 15 de agosto de 2010. BARCELLOS, Ana Paula. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2002, 327 p. Bíblia Sagrada. Evangelho Segundo Mateus, cap. 5, ver. 39. Bíblia Sagrada. Livro do Gênesis, cap. 1, ver. 26. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. 827 p. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1653 p. CASTRO, Fidel. O Pensamento Revolucionário de Fidel Castro: 50 Anos no Poder Buscando Socialismo PIZZINGA, R. D. Disponível em: <http://svmmvmbonvm.org/fidel.pdf>. Acesso em 14 de outubro de 2010. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 577 p. COSTA, Nilson do Rosário et al. Demandas Populares, Políticas Públicas e Saúde. v. II. Manguinhos/RJ: Vozes, 1989. DAMASIO, Antonio Rosa. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. Disponível em: <http://pt.wikiquote.org/wiki/Dignidade>. Acesso em 26 de março de 2010.

Page 64: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

63

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em <ht tp://www.calpe.ced.ufsc.br/direitoshumanos>. Acesso em 07 de setembro de 2010. DONNE, John. Meditação XVII. Disponível em: <http://www.citador.pt/citacoes.php?John_Donne=John_Donne&cit=1&op=7&author=415&firstrec=0>. Acesso em 14 de outubro de 2010. DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002. 672 p. ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL PUBLICAÇÕES LTDA. Rio de Janeiro – São Paulo. V. 6. 1982. 511 p. FOLMANN, Melissa; ANNONI, Danielle. Direitos Humanos: os 60 anos da declaração universal da ONU. Curitiba: Juruá, 2009. 372 p. GUERRA, Sidney; EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquiv os/Mestrado/Revistas/Revista09/artigos/Sidney.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010. GUIMARÃES, Marco Antonio. Direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2006. 736 p. KNOBEL, Keila A. Baraldi. Para você, o que é saúde?. Disponível em: <http://www.fonOesaude.org/saúde.htm>. Acesso em 14 de outubro de 2010. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1024 p. MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Disponível em: <http://www.advcom.com. br/artigos/pdf/ artigo_reserva_do _possivel_com_referencia_.pdf>. Acesso em 05 de outubro de 2010. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 937 p. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 1119 p.

Page 65: O DIREITO À SAÚDE UM DIREITO ESSENCIAL PARA A EFICÁCIA JURÍDICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

64

MELO, Nehemias Domingos de. O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.saraivajur.com.b r/menuEsquerdo/d outrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=1075>. Acesso em 26 de março de 2010. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 1012 p. OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, 608 p. PORTELLA, Simone de Sá. Disponível em: <http://www.webartigos. com/articles/240 0/1/Consideraccedilotildees-Sobre-O-Conceito-De-Miacutenimo- Existencial/ pagina 1.html#Ixzz11cfHRcrK>. Acesso em 06 de outubro de 2010. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 165 p. SARTRE, Jean Paul. O Diabo e o Bom Deus. Disponível em <http://www. /citaccitador.ptoes.php?Jean_Paul_Sartre=Jean_Paul_Sartre&cit=1&op=7&author=19&firstrec=0>. Acesso em 04 de agosto de 2010. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 926 p. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial nº 208893/PR; Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 22.03.2004. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Recurso Especial nº 874.630/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 21.09.06. TEIXEIRA, Elenaldo Celso. O Papel das Políticas Públicas no Desenvolvimento Local e na Transformação da Realidade. Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/ dados/cursos/ aatr2/a_ pdf/03_aatr_pp_ papel.pdf>. Acesso em 11 de outubro de 2010.