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5/10/2018 ODireitoComoObjetodeConhecimento-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/o-direito-como-objeto-de-conhecimento 1/10 Tópico I O Direito como Objeto de Conhecimento: Perfil Histórico Tércio Sampaio Ferraz Junior IED - Prof. Juliana Monitor: Bernardo Zettel 1. Direito e conhecimento do Direito: origens O direito das sociedades primitivas está fundamentado no princípio do parentesco, segundo o qual tudo aquilo que pode ser considerado como direito se esgota no modo de ser da própria comunidade. As regras de direito se confundem com as próprias regras da convivência dentro da comunidade parental, ou seja, não existe uma diferenciação entre o significado do Direito e as formas de convivência dentro de um determinado clã. Com isso, o direito de fundamenta nos costumes e nas práticas de cada grupo, e a ordem que ele mantém é a ordem sagrada, aquela querida pela divindade. A característica principal dessas sociedades primitivas está na baixa diferenciação social. Não existem segmentos sociais distribuídos em função de diferentes papeis que exercem na sociedade. Todos são responsáveis pela aquisição e produção de bens materiais mínimos para a sobrevivência, através da caça, da agricultura e da produção artesanal. Em virtude dessa homogeneização, é reduzida a interdependência funcional entre os membros do clã, o que também reduz as possibilidades de conflito envolvendo interesses distintos. Na verdade, essas sociedades são formadas com base em uma comunhão de valores bastante rígida e que é pautada, em última análise, na representação de uma divindade. A violação do direito é a própria violação desse conjunto de valores básicos que formam a sociedade. O agente infrator é visto como alguém que não mais está possibilitado do convívio no clã, devendo ser imediatamente expulso. A complexificação das relações sociais que é proporcional ao aumento dos fluxos econômicos de mercado gera a necessidade de novas regras para sua regulamentação. O direito formado com base no princípio do parentesco não dá conta da complexidade e dos novos conflitos sociais. O individuo passa a ganhar maior autonomia quando do surgimento das  polis, verdadeiras cidades- Estado em que surge a figura do cidadão político, voltado também para a vida pública, mas que conserva liberdades fundamentais inerentes à condição de homem. O direito ganha procedimentos especializados para a tomada de decisões, superando-se a visão do direito como o bem. A distinção, pois, entre direito-objeto e direito-ciência exige que o fenômeno jurídico alcance uma abstração maios, desligando-se de relações concretas. A sociedade busca no direito um mecanismo regulativo social capaz de acolher indagações a

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Tópico I

O Direito como Objeto de Conhecimento: Perfil Histórico

Tércio Sampaio Ferraz Junior

IED - Prof. Juliana

Monitor: Bernardo Zettel

1. Direito e conhecimento do Direito: origens

O direito das sociedades primitivas está fundamentado no princípio do parentesco, segundo oqual tudo aquilo que pode ser considerado como direito se esgota no modo de ser da própriacomunidade. As regras de direito se confundem com as próprias regras da convivência dentro dacomunidade parental, ou seja, não existe uma diferenciação entre o significado do Direito e asformas de convivência dentro de um determinado clã. Com isso, o direito de fundamenta noscostumes e nas práticas de cada grupo, e a ordem que ele mantém é a ordem sagrada, aquelaquerida pela divindade.

A característica principal dessas sociedades primitivas está na baixa diferenciação social. Nãoexistem segmentos sociais distribuídos em função de diferentes papeis que exercem nasociedade. Todos são responsáveis pela aquisição e produção de bens materiais mínimos para asobrevivência, através da caça, da agricultura e da produção artesanal. Em virtude dessahomogeneização, é reduzida a interdependência funcional entre os membros do clã, o quetambém reduz as possibilidades de conflito envolvendo interesses distintos. Na verdade, essas

sociedades são formadas com base em uma comunhão de valores bastante rígida e que é pautada,em última análise, na representação de uma divindade. A violação do direito é a própria violaçãodesse conjunto de valores básicos que formam a sociedade. O agente infrator é visto comoalguém que não mais está possibilitado do convívio no clã, devendo ser imediatamente expulso.

A complexificação das relações sociais que é proporcional ao aumento dos fluxos econômicos demercado gera a necessidade de novas regras para sua regulamentação. O direito formado combase no princípio do parentesco não dá conta da complexidade e dos novos conflitos sociais. Oindividuo passa a ganhar maior autonomia quando do surgimento das  polis, verdadeiras cidades-Estado em que surge a figura do cidadão político, voltado também para a vida pública, mas que

conserva liberdades fundamentais inerentes à condição de homem.

O direito ganha procedimentos especializados para a tomada de decisões, superando-se a visãodo direito como o bem. A distinção, pois, entre direito-objeto e direito-ciência exige que ofenômeno jurídico alcance uma abstração maios, desligando-se de relações concretas. Asociedade busca no direito um mecanismo regulativo social capaz de acolher indagações a

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respeito de divergentes pretensões. Assume o direito a forma de um programa decisório, em queo resultado se torna controlável por instrumentos de decisão próprios do direito.

2. Jurisprudência Romana: o direito como diretivo para a ação

Na Antiguidade Clássica, o direito era um fenômeno de ordem sagrada. Era o exercício de umaatividade ética, a prudência, virtude moral do equilíbrio e da ponderação dos atos de julgar. Oformalismo do direito pretoriano era caracterizado pelos esquemas de ação para determinadosfatos-tipos e em fórmulas para a condução do processo. Somente com a influência dos jurisconsultos, corpo de juristas profissionais, que o direito romano ganhou procedimentos maiselásticos para a decisão dos casos concretos.

A jurisprudência romana foi influenciada pelo pensamento grego filosófico, mas especificamentepela virtude da dialética. A dialética é a virtude do discernimento, com o qual o jurisconsulto é

capaz de ponderar os argumentos que lhe são apresentados (por meios das responsas) e tomar amelhor decisão. O trabalho do jurisconsulto é testar os argumentos que são apresentados paradefesa de interesses diversos no caso concreto. Esse teste envolve a indicação dos pontospositivos e negativos de cada argumento a fim de que revelem suas eventuais falhas. Buscava-sea alteridade e a identidade dos argumentos, com objetivo de verificar qual deles seria a base dodireito para o caso concreto.

Em primeiro lugar é apresentada uma questão ao jurisconsulto para que ele possa solucioná-la.Segue-se uma série de possibilidades de soluções organizadas em um conjunto de alternativaspara as quais se busca um ponto de apoio tendo em vista uma argumentação. A jurisprudência se

desenvolve na busca por regras gerais que possam regular os mais diferentes casos. É diferenteda forma como o Common Law estrutura o direito, na medida em que a jurisprudência romananão busca um antecedente específico para cada caso concreto, mas sim descobrir e contrapor asrazões favoráveis e desfavoráveis e ampliá-las de tal forma que possa obter uma regra geral quedecide o caso e sirva para outros. O uso da dialética também representa um saber prático voltadopara a resolução dos casos concretos e que trabalha com conceitos pré-constituídos pela própria jurisprudência.

Diferente das sociedades primitivas, o pensamento prudencial possibilitava a inclusão do

comportamento desviante no direito. Era considerado um ato ilícito, mas que nem por issopoderia ser afastado da esfera jurídica. Por isso, disponibilizava-se ao infrator a possibilidade deresponder ao processo com base em argumentos com os mesmos valores e regras. O direitodeveria ser capaz de responder aos ilícitos a fim de estabilizar as relações sociais.

Na dimensão política, a autoridade (auctoritas) estava relacionada com o passado da fundação deRoma. O jurista, mais do que por seu saber, era respeitado por sua gravitas, o que indicava estar

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ele mais perto dos antepassados. A teoria jurídica romana era, nesse sentido, a manifestaçãoautoritária dos exemplos dos feitos dos antepassados e dos costumes daí derivados. Assim, opensamento jurisprudencial romano, embora se ligue de alguma forma à prudência e à retóricagregas, tem um sentido próprio, alheio até certo ponto ao problema da relação estanque entreteoria e práxis. A jurisprudência romana era uma confirmação do certo e do justo para o casoconcreto, com objetivo de conservar a ordem social construída ao longo da história.

3. Dogmaticidade na Idade Média: o direito como dogma

O crescente poder da religião católica teve decisiva influência na teoria jurídica da Idade Média.O homem passou a ser considerado em sua qualidade intrínseca, ou seja, lhe foi conferida umadignidade própria, a dignidade humana. Com base na ideia de que o homem foi criado à imageme semelhança de Deus, ele havia de conformar-se à Ordem divina expressa nas leis.

Segundo Tomás de Aquino, filósofo medieval, o direito é uma ordenação da razão direcionadaao bem comum, promulgada por aquele a quem incumbe o cuidado da comunidade. Percebe-senessa definição a estreita correlação entre a ordem divina e o direito, na medida em que esteúltimo passa a ser fundamentado na própria vontade de Deus.

O direito assume um caráter de sacralidade transcendente, diferente dos romanos, que eraimanente. O saber prudencial estava voltado para a interpretação das leis divinas. O pensamentoprudencial sofreu alterações em sua estrutura: deixou de analisar casos problemáticos com basena equidade, para analisar casos paradigmáticos, em que se buscavam os princípiostranscendentais que poderiam trazer a solução. O jurista deveria buscar reconstruirharmonicamente o ordenamento com base em casos paradigmáticos.

No cenário político, ocorre a divisão entre a auctoritas e a  potestas. A Igreja toma para si aprimeira, enquanto deixa a  potestas para o poder real dos Príncipes. O pensamento jurídicoassume o caráter dogmático, em que autoridade e razão se misturam para garantir acoercitividade das regras jurídicas.

Ao se colocar o rei como personagem central do edifício jurídico, aparece um conceito-chave,que ira dominar a organização jurídica do poder: a noção de soberania. A problemática em tornodessa questão, cinge-se na possibilidade de fundamentação e de limitação do poder soberano. Aquestão era saber se o direito poderia ser um instrumento de limitação do poder político

soberano, ou se estava subordinado a este poder.

Na Idade Média, a soberania ainda estava limitada pela ideia de soberania divina, ou seja, de umpoder político que encontrara sua fonte e seu limite em Deus. A  potestas derivava-se dessasuprema auctoritas.

Potestas – Igreja – fundamento divino

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Auctoritas – Poder Real

4. Teoria Jurídica na Era Moderna: o direito com ordenação social

O Renascimento marca uma tentativa de resgate do pensamento grego clássico e abandono dos

dogmas que estavam consagrados pelo pensamento teológico sagrado. Mas, no período doDireito Racional (1600-1800), diferentemente do pensamento grego clássico, não há apreocupação com a consagração de uma ordem natural, baseada na natureza das coisas. O direitoracional se ocupa do problema da produção de ordem social a parir do uso da racionalidadehumana. Os modernos pensadores não indagam mais das relações do bem na vida, mas sim desuas condições efetivas e racionais de sobrevivência. Com isso, o direito passa a ser consideradoum instrumento para alcançar a harmonia entre os homens e garantir relações sociais estáveis. Éa fase de tecnicização do saber jurídico.

Têm-se, assim, duas características desse período: a racionalização e a formalização.

O traço característico da formalização do direito tem que ver com sua sistematização. Mais queum agregado ordenado de verdades, o sistema pressupõe a correção e o rigor dedutivo emcoerência interna indispensável (Christian Wolf). O ordenamento jurídico deve ser visto comoum organismo com proposições logicamente relacionadas e um princípio comum que ligas aspartes numa totalidade.

O sistema é um complexo de regras aplicáveis por dedução. Quando se pensa o direito como umsistema de regras evidencia-se o seu caráter lógico-demonstrativo e a sua estrutura fechada. Ateoria jurídica arquiteta uma concatenação de proposições jurídicas que podem ser testadasdentro do sistema, ou seja, que possuem relação entre si e respeitam os princípios do direito

natural.

Pufendorf é expoente de um momento de transição no desenvolvimento do pensamento jurídicodo século XVII. Acentuou o caráter sistemático do processo de secularização do Direito Natural,iniciado com Grotius e Hobbes. Para Pufendorf, o direito possui uma função imperativa e umafunção indicativa. Conforme a função indicativa, a norma jurídica apenas mostra o conteúdo daprescrição, mas somente aufere força vinculante pelo seu caráter imperativo. É a necessidade deviver em sociedade que leva o homem a observar o conteúdo do Direito Natural (socialitas). Noentanto, o caráter imperativo do Direito não se confunde com o conteúdo do Direito Natural. É asanção divina que confere imperatividade à norma jurídica. Com isso, percebe-se na teoria do

direito natural de Pufendorf, a conjugação da dedução racional com a observação empírica, ouseja, uma tentativa de relacionar as leis naturais com a realidade social. O sistema do direitonatural possui normas absolutas e relativas. As primeiras obrigam independentemente dasinstituições estabelecidas pelo próprio homem, enquanto as segundas as pressupõem. Com isso,revela-se uma flexibilização do conteúdo do direito natural a partir de um pensamento sistêmicoque busca apreender a própria realidade social através de mecanismos empíricos.

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O caráter dogmático do direito não é abandonado, mas lhe é conferido uma qualidade de sistemaque se constrói a partir de premissas cuja validade repousa na generalidade racional. Com isso, ateoria jurídica passa a ser um instrumento de crítica da realidade e do direito, em nome deprincípios éticos reconhecidos pela razão.

A teoria jurídica consegue transformar o conjunto de regras que compõem o direito em regrastécnicas controláveis na comparação das situações vigentes com as situações idealmentedesejadas. O direito passa a ser interpretado a partir de sua funcionalidade. Nesse sentido, areconstrução racional do direito, que passa a ser entendido como um conjunto, um sistema deenunciados respaldados na razão, adquirindo validade por meio de uma posição divina, põe-se aserviço de um processo de conexão entre dominium e societas, a unidade do Estado e asociedade, que ocorre entre os séculos XVI e XVII. O domínio do direito legitimado na ideia derazão humana organiza a ameaça da violência e o uso do poder em favor da sociedade política.

Contexto político: centralização e burocratização dos modernos aparelhos estatais entre os

séculos XVII e XVII. A reconstrução racional do direito, que passa a ser entendido como umconjunto, um sistema de enunciados respaldados na razão, permite que seja fundamentada embases mais sólidas a obrigatoriedade da obediência. O domínio jusnaturalisticamente legitimadoorganiza a ameaça da violência e o uso do poder em favor da sociedade política. Nesse ponto, oEstado de Natureza serve como um parâmetro para analisar e compreender o homem civilizado.

O entendimento é de que a razão humana é capaz de alcançar por si só alguns princípios naturaispara a orientação das condutas dos indivíduos em sociedade. São leis naturais básicas queasseguram as liberdades e a segurança em um meio social. É desenvolvido o constructo doEstado de Natureza, como um estado pré-social, em que os homens ainda não são capazes de agir

racionalmente e, portanto, não há mesmo sequer possibilidade de falar sobre ação orientada porcertos fins. No Estado de Natureza, segundo Hobbes, há uma constante tensão entre os homens, éa guerra de todos contra todos. Surge, portanto, a necessidade de ordem. Ordem social quesomente pode ser obtida por meio do agir racional, por meio da organização da sociedade combase em leis naturais. O direito natural substitui o fundamento ético e bíblico pela ideia naturalde Estado de Natureza, de onde se retira os padrões para analisar e compreender o homemcivilizado. Elimina o pensamento jurisprudencial como uma busca pelo certo e pelo justo, paraconceber o pensamento sistemático como técnica racional de convivência.

A razão supera a prudência romana com base em conceitos e valores pré-definidos a partir da

avaliação do Estado de Natureza.

Fundamento de validade do Direito:

Direito Romano ordem divina ligada à fundação da cidade de Roma

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Direito Medieval ordem divina transcendental

Direito Racional razão humana capaz de distinguir leis naturais para a ordem social

5. Positivação do Direito a partir do século XIX: o Direito como norma posta

No plano político, verifica-se o fortalecimento dos Estados nacionais e o princípio da separaçãodos poderes. No plano técnico-jurídico, a lei assume o caráter privilegiado de principal fonte dodireito e se desenvolve a concepção direito como normas postas. A ideia de soberania nacionaldemanda um Poder Judiciário independente, sendo-lhe vedada qualquer forma de atuaçãolegislativa. Com isso, quer-se neutralizar o judiciário de toda influência política, dentro dosquadros ideológicos do Estado de Direito.

A partir da separação entre política e direito, se dão aparecimento de uma nova forma de saber

 jurídico: a ciência do direito do século XIX.

Importante mudança de paradigma para o pensamento jurídico é representada pela concepção dalei como principal fonte do direito. O direito sempre fora percebido como algo estável,fundamentado na tradição (para os romanos), na revelação divina (na Idade Média) e na razão(na Era Moderna). Ao focalizar a lei no centro das estruturas jurídicas, como fonte máxima dequalquer regulação normativa, o positivismo trouxe para o direito seu caráter mutável.

O sentido filosófico de positivação designa o ato de positivar, isto é, de estabelecer o direito porum ato de vontade. O direito é um conjunto de normas que valem por serem postas pela

autoridade competente. A positivação requer que todas as decisões valorativas sobre regras eexpectativas de comportamento na sociedade sejam filtradas através de procedimentos decisóriosantes de adquirir validade jurídica.

Escola Histórica: o direito é visto como um fenômeno histórico. Para Savigny, o jurista deve seocupar do chamado “espírito do povo”. As relações vitais, típicas e concretas que sãoestabelecidas nos diversos institutos sociais (ex. família, mercado, escola etc.), que sãoconcebidos como totalidades orgânicas, um conjunto vivo de elementos em constantedesenvolvimento. As regras jurídicas que são construídas nesses institutos de direito devem serobjeto de análise do jurista, e não as leis abstratamente idealizadas pelo legislador.

Importante destacara que o conceito de História é definido como um processo derivadoexclusivamente da realização humana, ou seja, da experiência humana que possui um começo,um meio e um fim. Esse processo deveria ser captado pelo historiador a partir de suas regras deformação, de forma objetiva. Do mesmo modo, o direito, como um fenômeno histórico, deveriaser captado pelo jurista. O direito feito, ao cabo desse processo, é o direito vigente.

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Portanto, a Escola Histórica desenvolve o processo de sistematização da experiência jurídica,descambando já ao final do século XIX, para o positivismo legal, preocupado com o estudo dalei positiva.

Ciência Dogmática do Direito: características do sistema do direito:

I) trata-se de um sistema fechado, que não apresenta lacunas. O direito constitui uma totalidadeque se manifesta no sistema de conceitos e proposições jurídicas em íntima conexão. As lacunassão apenas aparentes, e devem ser preenchidas por meio de uma atividade interpretativa, e nãopela criação de nova lei especial.

Obs: Jurisprudência dos Conceitos: escola do Direito que se desenvolve em meio ao processo desistematização do direito acima referido, e que tem o sistema jurídico como manifestação de umaunidade imanente e acabada. A pirâmide dos conceitos enfatiza o caráter lógico-dedutivo dosistema jurídico, enquanto desdobramento de conceitos e normas abstratas da generalidade para a

singularidade.II) é tido como um método para aplicação do direito. Mais especificamente, é o método desubsunção: estabelecimento de uma premissa maior, a qual conteria a diretiva geral genérica, eda premissa menor, que expressaria o caso concreto; a conclusão final é a manifestação do juízoou decisão.

Tópico II

Positivismo Científico e Positivismo Jurídico

O Positivismo Científico apresentou um novo modelo de conhecimento para as Ciências Sociais,transpondo para esta os métodos típicos das Ciências Naturais. Nesse sentido, o paradigmadominante, isto é, os métodos aplicados para a produção dos conhecimento deveriam serobjetivos e neutros.

Kelsen: o positivismo jurídico normativista

O objeto de estudo da Teoria Pura é o direito positivo, isolado de acordo com o modelo propostopelo paradigma dominante nas Ciências Sociais. Kelsen delimita o fenômeno estritamentenormativo, que deve ser o objeto da Ciência do Direito, e se preocupa em descrevê-locientificamente a partir da metodologia própria proposta pelo paradigma dominante.

O direito possui uma dimensão ou uma parcela situada na dimensão da natureza, ou seja, possuiuma interface natural que se revela pela manifestação externa da conduta humana ou por um fatoque possui conseqüências naturais (ex. um indivíduo pronuncia um discurso na frente de outroindivíduo que se encontra de pé a sua frente – o processo exterior significa juridicamente que foiprolatada uma sentença). Possui também uma dimensão jurídica relacionada com o significado jurídico de cada ato ou fato.

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A norma: o fato externo que possui um significado jurídico é um evento sensorialmenteperceptível determinado pela lei da causalidade que rege a natureza. O que transforma esse fatoem um fato jurídico não é sua faticidade, mas o sentido objetivo que lhe é concedido por umanorma. A norma fornece significação jurídica para um elemento da natureza, para um fatonatural, e o transforma num ato que é objeto do conhecimento estritamente jurídico.

O Direito constitui-se como ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normasque regula o comportamento humano. Com o termo norma se quer significar que algo deve serou acontecer, busca-se prescrever uma conduta. A norma pode conter um comando diretamentedirecionado para uma conduta individual, determinando o comportamento humano singular,assim como pode conferir a outrem o poder de estabelecer normas.

O dever é um ato intencional dirigido à conduta de outrem. A norma pode não só comandar, mastambém permitir e conferir competência. Norma é o sentido de um ato através do qual umaconduta é prescrita, permitida ou facultada no sentido de atribuída à competência de alguém. Por

isso, a norma se diferencia do ato de vontade, na medida em que ela representa um dever ser e oato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser.

“A distinção entre ser e dever ser (...). Ninguém pode negar que o enunciado: tal coisa é –  ouseja, o enunciado através do qual descrevemos um ser fático  –  se distingue essencialmente doenunciado: algo deve ser – com o qual descrevemos uma norma – e que da circunstância de algoser não se segue que algo deva ser, assim como da circunstância de que algo deva ser não sesegue que algo seja.” (p.6)

“A conduta estatuída na norma como devida (como devendo ser), e que constitui o conteúdo da

norma, pode ser comparada com a conduta de fato e, portanto, pode ser julgada comocorrespondente ou não à norma.” (p.7)

Sentido objetivo e subjetivo do dever ser: o primeiro expressa que um ato de vontade se tornouconteúdo de uma norma, fornecendo significação a um fato, de modo a torná-lo objetivamentereconhecido como válido. A conduta devida passa a ser obrigatória não apenas do ponto de vistado indivíduo que manifestou sua vontade, mas também para terceiros. O sentido subjetivo dizrespeito a todo ato de vontade que intencionalmente se dirige à conduta de outrem. Somentequando tal ato tem também objetivamente o sentido de dever ser é que o designamos comonorma. A norma válida, portanto, é aquela em que o ato intencional de vontade que constitui seu

sentido subjetivo obteve um sentido objetivo, tornando-se obrigatório independentemente daprópria vontade de seu criador.

Vigência: é a existência específica de uma norma, expressa quando descrevemos o sentidoobjetivo ou o significado de um ato de vontade (com o qual uma conduta é preceituada) comoválido. A existência de uma norma é diferente da existência do ato de vontade de que ela é osentido objetivo. A norma pode valer quando o ato de vontade já não existe.

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Obs: Kelsen admite um mínimo de eficácia para necessário para a existência de uma norma,como condição mesmo de sua vigência. Importante destacar que essa ressalva representa umrompimento parcial com a ideia de isolamento e neutralização do direito. Ao vincular aexistência da norma a um mínimo de eficácia, Kelsen promove uma aproximação entre direito esociedade, na medida em que condiciona a normatividade à faticidade (aos efeitos da norma nomundo social).

Norma e valor: juízo de valor e juízo de realidadeQuando a norma estatui uma determinada conduta como devida (no sentido de “prescrita”), a

conduta real (fática) pode corresponder à norma ou contrariá-la. Corresponde a norma quando étal como deve ser segundo a norma; e contraria a norma quando não é tal como deve ser, porsignificar uma conduta contrária àquela da norma.

Nesse sentido, a norma representa o fundamento para o juízo de validade. Na medida em que asnormas são estabelecidas por atos de uma vontade humana, os valores através dela constituídos

são arbitrários. Aqui Kelsen completa a relação entre o sentido objetivo e o sentido subjetivo dodever ser, ressaltando que a norma é composta por u ato de vontade arbitrário, ou seja, que écapaz de vincular qualquer ordem sem ter que obedecer a qualquer tipo de valor pré-estabelecido.

O primeiro é um juízo que verifica se uma conduta real corresponde a uma norma consideradacomo objetivamente válida; o segundo não faz qualquer referência a uma norma objetivamenteválida, mas enuncia que algo é ou como algo é. A conduta real a que se refere o juízo de valor eque constitui objeto de valoração (tem um valor positivo ou negativo) é um fato da ordem do ser,existente no tempo e no espaço.

A vigência de uma norma que prescreva uma conduta como obrigatória, bem como o valor porela constituído, não exclui a possibilidade de vigência de uma oura norma que prescreva aconduta oposta e constitua um valor oposto (ex. N1 protege o valor vida quando proíbe ohomicídio; N2 excepciona N1 em circunstâncias de legítima defesa ou de estado de necessidade).

As normas criadas pelos homens são arbitrárias e apenas possuem valore relativo. Isso significaque o valor que constitui a norma não é determinante de sua vigência, não é condição para suavalidade normativa, mesmo porque é arbitrário (deriva de uma escolha feita pelo homem).

Ordem social: ordem normativa que regula a conduta humana na medida em que ela está

imediata ou mediatamente em relação com outras pessoas. Sua função é obter uma determinadaconduta por parte daquele a que esta ordem está subordinado ou obter a omissão de uma condutaque é considerada socialmente prejudicial. O fator motivador para obter essa ação ou omissão é aprópria norma, a partir da sanção por ela prevista para o caso de seu descumprimento.

As ordens sociais podem ser distinguidas conforme o modo como as ações humanas sãoprescritas ou proibidas. A ordem jurídica prescreve uma determinada conduta precisamente pelo

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fato de ligar a uma conduta oposta algum tipo de desvantagem, ou seja, uma pena no sentidomais amplo da palavra. Uma determinada conduta somente pode ser considerada como prescritaquando a conduta oposta é pressuposto de uma sanção. O ser-devida da sanção contém o ser-proibida da conduta que é o seu pressuposto específico e o ser-prescrita da conduta oposta.

A ordem jurídica: o direito é uma ordem coativa porque reage contra as situações perniciosas(condutas ilícitas) com um ato de coação que assume o caráter de sanção. O direito exige umadeterminada conduta como devida na medida em que atribui para a conduta oposta uma sanção.

O princípio da imputabilidade: a sanção é o elemento distintivo do direito enquanto ordemsocial. É aquilo que se imputa enquanto conseqüência jurídica de uma conduta proibida. Está naordem do dever ser – é aquilo que é devido na estrutura normativa.

É a ordem jurídica que regula taxativamente as condições sob as quais a coação será exercida epor quais órgãos deverá ser aplicada. Garante um mínimo de liberdade, ou seja, o direito regula a

conduta humana não somente no sentido positivo – quando prescreve uma determinada condutaao ligar um ato de coação à conduta oposta  – mas também no sentido negativo  – nos casos emque não liga um ato de coerção a uma conduta, isto é, quando não proíbe esta conduta e nemprescreve a conduta oposta (é a conduta juridicamente permitida).