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O DIREITO MINISTERIAL E PASTORAL

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Extrato do livro A Igreja de Cristo

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O Ministério é Uma Ordenança

Divina e Permanente na Igreja

O DIREITO MINISTERIAL E PASTORAL

Uma vez que tratamos e pusemos de lado o assunto

do tempo do culto da Igreja, a sequência da discussão

nos leva à consideração do poder da Igreja com referên-

cia ao ministério ou ao agente do culto público; ou à

consideração do direito e dever da Igreja de separar um

grupo específico de homens para que desempenhem as

obrigações contidas na administração do serviço a Deus.

Há certos deveres que fazem parte do culto da Igreja, os

quais não podem ser exercidos de modo indiscriminado

pelos membros da congregação. No dever da reunião de

oração no culto público, é preciso haver alguém que

possa agir como veículo do restante do grupo para ex-

pressar as suas súplicas todas de forma audível, e apre-

sentá-las a Deus tanto em nome deles como em seu

próprio nome. Na leitura ou na pregação da Palavra, que

são outra parte importante do culto normal, é preciso

haver alguém que tenha o dom da palavra e seja capaci-

tado para o trabalho de fazê-lo na presença da congre-

gação, e de tal forma que sirva para a edificação e a ins-

trução de todos. Na dispensação das ordenanças e dos

sacramentos, que também pertencem ao culto público

como parte normal dele, é impossível que os membros

da Igreja ajam de forma coletiva ou indiscriminada; e é

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preciso que alguém seja indicado de forma adequada

para desempenhar essas obrigações em favor do restan-

te do grupo. Se o culto público é uma ordenança de

Deus para ser celebrado regularmente na Sua Igreja em

um dia a cada sete, e se deveres como a reunião de ora-

ção e o louvor, a leitura e a pregação da Palavra em pú-

blico, e a dispensação dos sacramentos são deveres que

devem ser exercidos de forma permanente na sociedade

cristã, então segue-se de forma inevitável, mesmo com

base apenas nos princípios da razão natural, que algum

grupo especial precisa ser investido da função e do po-

der necessários para esses serviços, e deve ser encarre-

gado de desempenhá-los em favor do restante do grupo.

A permanente administração desses serviços na Igreja

necessariamente traz consigo a garantia e a autoridade

de separar certos ministros que se distinguem do restan-

te do grupo para desempenharem essa obrigação. Se a

Igreja de Cristo não fosse mais do que uma sociedade

voluntária, e o culto da Igreja no Sábado não fosse mais

do que uma solenidade de origem humana, a prática em

breve prescreveria a necessidade disso. Qual deve ser a

característica ou quais os poderes apropriados a esses

ministros? Essa questão se define pela natureza do ser-

viço que eles devem prestar. Mas em toda e qualquer

sociedade organizada, seja de indicação divina, seja de

arranjo humano, havendo numerosas e importantes

obrigações por desempenhar, há uma necessidade de

veículos e ministros de algum tipo ou outro que atuem

em favor da sociedade, e que executem as suas obras

específicas; e a necessidade não diminui, mas aumenta,

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se essa sociedade existe por indicação divina, assim co-

mo o é a Igreja Cristã, e se a obra por executar é a cele-

bração do culto divino e a administração das ordenan-

ças divinas em favor dos membros da Igreja.

Podemos afirmar com segurança que há uma neces-

sidade que paira sobre a Igreja Cristã, em comum com

toda e qualquer outra sociedade, de haver ministros de

algum tipo, ou um ministério, com o propósito de agir

em favor da sociedade e para administrar os seus negó-

cios, mais especialmente para conduzir o culto perma-

nente e normal da Igreja. Aqueles que defendem o sis-

tema eclesiástico dos quacres são o único grupo religio-

so disposto a rejeitar essa proposição geral; todas as

outras denominações, por mais que divirjam entre si

quanto à natureza da função ministerial ou quanto ao

poder embutido nela, consentem em sustentar o princí-

pio geral de que um ministério de um tipo ou outro é

necessário para o correto desempenho das obrigações

da Igreja. Uma classe de homens especialmente separa-

da para a obra do ministério na Igreja Cristã é, contudo,

uma instituição cuja legitimidade é negada por aqueles

que defendem a teoria quacre, com base no mesmo fun-

damento em que negam a divina autoridade ou obriga-

ção de toda e qualquer instituição formal do Cristianis-

mo. A luz interior concedida a todo cristão, e as influên-

cias extraordinárias concedidas pelo Espírito são, de

acordo com o sistema deles, suficientes para deixar de

lado as instituições formais de todo e qualquer tipo; e

especialmente a função do ministro, como uma função

de ensino e dispensação da Palavra e dos sacramentos, é

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considerada inconsistente com a função do Espírito, e

por isso é por eles considerada ilegítima1. Fora do círcu-

lo das denominações religiosas, são aqueles que consi-

deram a Igreja como nada mais do que uma sociedade

humana e voluntária que rejeitam o ofício de um minis-

tério cristão como uma instituição permanente na Igre-

ja, e cujas opiniões a respeito da própria Igreja fazem

com que considerem o ministério como um mero siste-

ma opcional e econômico, adotado pela sociedade cristã

conforme esta o queira ou não, e sem possuir autoridade

além da que a própria sociedade lhe concede. Os

quacres afirmam que a ordenança do ministério é ilegí-

tima, e a consideram uma usurpação injustificável da

função do Espírito de Deus. Aqueles que consideram a

Igreja como uma mera sociedade humana afirmam que

a ordenança do ministério é ilegítima e destituída de

autoridade, e não possui nenhuma autorização além da

vontade humana e da conciliação voluntária dos mem-

bros do grupo. Com ambos os partidos, a função de um

grupo específico de homens, separados para conduzir o

culto e executar a obra da Igreja de Cristo, é uma função

destituída de autoridade da parte dEle, e desprovida de

todo e qualquer direito genuíno de ser considerada uma

indicação divina e permanente na Igreja.

Quando chegamos, então, à consideração do poder

da Igreja com respeito ao ministério para o culto, a pri-

meira pergunta que nos ocorre refere-se ao direito da

1 [Barclay, Apology, 10ª ed., Londres, 1841, págs. 264–268, 282–310, 328–386.]

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Igreja de separar alguns dos seus membros para essa

função. Qual é a origem dessa função: humana ou divi-

na? Será que ordenar certos homens para a obra do mi-

nistério é assunto de mero ajuste e comodidade na soci-

edade cristã, assim como qualquer outra sociedade hu-

mana e voluntária separa ministros para agir em seu

favor, e para fazer o seu trabalho; e será que esses ho-

mens não têm autoridade maior do que a mera autori-

dade humana para exercerem a posição que ocupam?

Ou será, pelo contrário, que a Igreja tem um direito

recebido de Cristo para ordenar homens em Seu nome

para serem despenseiros da Sua Palavra e dos Seus mis-

térios; e será que a função para a qual eles são dessa

forma separados é uma indicação de Deus e algo per-

manente na Igreja Cristã? É para essas perguntas, no

início da nossa discussão, que voltaremos agora a nossa

atenção.

I. A função dos pastores e mestres é uma ordenança

permanente de Cristo na Sua Igreja. O ministério é uma

instituição divina, e é uma função permanente na Igreja

Cristã.

A evidência que temos para confirmar essa proposi-

ção geral deriva de várias e abundantes fontes.

Em primeiro lugar: A ordenança do culto, como

uma indicação normal e permanente na Igreja Cristã,

exige a função do ministério para a sua administração.

No próprio fato de a Igreja possuir instituições indicadas

para o culto e o serviço público do santuário, e que fa-

zem com que sejam perpétuos na sociedade cristã, te-

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mos uma forte evidência da divina indicação e da natu-

reza permanente também da função ministerial. Nós já

tivemos oportunidade de provar que o culto público,

com todas as suas ordenanças práticas, teve a sua ori-

gem em Deus na Igreja, e foi designado para ser uma

ordem permanente para os cristãos em todas as épocas;

e não é necessário, agora, voltarmos a apresentar essas

evidências. Mas a prova genérica então apresentada vai

muito além da demonstração de que as ordenanças do

culto têm sua origem em Deus, e são obrigação constan-

te para a Igreja. Uma vez que essas ordenanças não po-

dem administrar-se a si mesmas, a prova em favor delas

também traz consigo uma evidência em favor de um

grupo permanente de homens separados, e necessários

para a sua administração. Se o próprio culto da Igreja é

uma ordenança divina e permanente, isso inevitavel-

mente indica que existem, por um lado, aqueles que

cultuam, e, por outro lado, a administração desse mes-

mo culto — a função daqueles que recebem a ministra-

ção no serviço religioso, e a função daqueles que minis-

tram.

Em segundo lugar, a nomeação dos apóstolos feita

por nosso Senhor, com a comissão que lhes foi dada:

“Ide, fazei discípulos de todas as nações”, é por si só

uma evidência da Sua intenção de empregar, na conver-

são do mundo, não apenas a missão do Espírito Santo,

mas a missão de homens que tivessem uma função e a

empregassem para tal uso. Não foi apenas aos apóstolos

pessoalmente que Cristo disse: “Ide, portanto, fazei dis-

cípulos de todas as nações, batizando-os em nome do

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Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. A promessa que Ele

acrescentou a esse mandamento: “E eis que estou con-

vosco todos os dias até à consumação do século (ἑως της

συντελειας του αἰωνος)”2 sugere claramente que a fun-

ção de ensinar e administrar os sacramentos devia ser

perpétua e permanente na Igreja. Na comissão dessa

forma dada aos primeiros mestres da Palavra, ligada

como está à promessa da Sua presença espiritual com

eles por todas as eras, encontramos de fato a dupla

agência que Cristo usará para a conversão dos homens,

e a evidência de que ambas as figuras dessa agência de-

veriam ser igualmente permanentes na terra. Primeiro,

existe a agência do ministério humano da pregação da

Palavra e da dispensação dos sacramentos; e, segundo,

existe a agência do Espírito que estará presente com eles

e o tornará eficaz. De ambos se faz menção na comissão

e na promessa concedidas aos apóstolos como represen-

tantes da Igreja; e ambos deviam ser instrumentos cons-

tantes e permanentes para a conversão dos homens “até

à consumação dos séculos”.

Em terceiro lugar, descobrimos que os apóstolos

providenciaram um competente grupo de pastores e

mestres que os sucedessem depois que eles mesmos

fossem removidos deste cenário, e que suprissem a sua

ausência nas Igrejas de onde haviam sido separados. Na

história do Novo Testamento, descobrimos os homens

inspirados, que são comissionados para tornarem-se os

fundadores da sociedade cristã, zelando para suprir com

2 Mt 28.19,20; Mc 16.15,16.

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mestres e ministros as Igrejas que haviam fundado. A

Timóteo o apóstolo Paulo deu esta ordem: “E o que de

minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso

mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para

instruir a outros”3. A Tito ele diz o seguinte: “Por esta

causa, te deixei em Creta, para que pusesses em ordem

as coisas restantes, bem como, em cada cidade, consti-

tuísses presbíteros, conforme te prescrevi”, homens de

quem se pudesse dizer: “apegado à palavra fiel, que é

segundo a doutrina, de modo que tenha poder tanto

para exortar pelo reto ensino como para convencer os

que o contradizem”4. Em todo e qualquer lugar, a pri-

meira ocupação dos apóstolos era providenciar a conti-

nuação do ministério.

Em quarto lugar, temos várias passagens das Escri-

turas em que tanto as qualificações como as obrigações

dos pastores e mestres são descritas e ordenadas — uma

evidência decisiva de que não tinham sido indicados

simplesmente para um certo período, e que deveriam

desaparecer com a era apostólica, mas que foram desig-

nados para serem ordenança permanente na Igreja Cris-

tã. As cartas de Paulo a Timóteo e a Tito, normalmente

conhecidas como cartas pastorais, possuem extensos

trechos que se ocupam com orientações do apóstolo

quanto ao exercício da função ministerial, quanto às

qualificações exigidas daqueles que ocupam essa função,

e quanto às responsabilidades que lhes tinham sido pos-

3 2 Tm 2.2.

4 Tt 1.5,9.

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tas nas mãos. Na Primeira Epístola aos Coríntios, encon-

tramos o mesmo apóstolo apresentando minuciosamen-

te os princípios que evitariam os abusos e a desordem

no exercício dos dons ministeriais, e esforçando-se cui-

dadosamente não para colocar de lado a função como se

fosse algo temporário, mas antes aplicando um remédio

perpétuo e permanente ao seu uso incorreto; e, espalha-

das por todos os escritos do Novo Testamento, encon-

tramos numerosas passagens que ordenam as responsa-

bilidades do ministério, de forma que claramente se

infere que ele foi designado para ser uma ordenança

permanente e normal na Igreja Cristã.

Em quinto lugar, como contraparte dos deveres im-

postos aos pastores e mestres no Novo Testamento,

existem os deveres impostos ao rebanho por intermédio

dos seus ministros — outra evidência, se dela precisás-

semos, da natureza permanente da função. Paulo diz:

“Devem ser considerados merecedores de dobrados ho-

norários os presbíteros que presidem bem, com especia-

lidade os que se afadigam na palavra e no ensino”; “Mas

aquele que está sendo instruído na palavra faça partici-

pante de todas as coisas boas aquele que o instrui”; e

Cristo diz: “Vede, pois, como ouvis”5; etc. Passagens

desse tipo consideram como certa que a responsabilida-

de dos membros da Igreja para com os seus pastores e

mestres era um dever normal e permanente; e eles nos

autorizam a dizer que a própria função não era tempo-

rária, mas, pelo contrário, tinha por objetivo ocupar um

5 1 Tm 5.17; Gl 6.6; Lc 8.18.

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lugar perpétuo de autoridade e edificação na Igreja Cris-

tã.

Em sexto lugar, os próprios nomes e títulos dados

aos pastores e mestres nas Escrituras declaram-nos co-

mo função permanente na Igreja Cristã. Eles são cha-

mados de “ministros de Cristo”; são representados como

“despenseiros dos mistérios de Deus”; fala-se deles como

“embaixadores de Cristo”; são descritos como “trabalha-

dores da seara do Senhor”6. Todos esses títulos ou de-

signações parecem, além disso, proibir a ideia de que a

função deles fosse apenas temporária, e prestes a ser

abolida. Pelo contrário, elas são uma decisiva evidência

de que essa função era de autoridade permanente e

constante na Igreja Cristã.

Essa, então, é a evidência clara e abundante que

temos da perpetuidade da função do ministério na Igre-

ja Cristã. Ela não é um mero artifício humano, nem um

sistema opcional a que se recorre para a conveniência da

sociedade cristã e para a edificação dos seus membros.

A conveniência e a edificação que estão ligadas tão in-

tima e claramente a essa função estão entre as últimas

das suas alegações para ser perpetuada e respeitada na

Igreja de Cristo. Ela consiste numa das instituições prá-

ticas de Cristo, por meio da qual Ele fez provisão para

todas as épocas para o progresso e aperfeiçoamento da

Sua própria obra na terra; e, equipados com Sua autori-

dade, e apelando a Ele para serem justificados, os minis-

6 1 Co 3.5, 4.1; 2 Co 11.23; Tt 1.7; 2 Co 5.20; Mt 9.38; Lc 10.2.

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tros da Igreja são capacitados a exigir que sejam consi-

derados, num sentido elevado e peculiar, como Seus

representantes e servos em toda a obra do seu ministé-

rio, e como a Sua viva e permanente ordenança para a

dispensação da Palavra e dos sacramentos na Igreja. O

fato de que um certo grupo de homens deva ser separa-

do e ordenado para a função de conduzir o culto e or-

denar os negócios da sociedade cristã não é, por parte

deles, a apropriação de poder ou autoridade estranhos

ao caráter e hostis aos interesses da Igreja. Isolar uns

poucos membros da Igreja do restante do grupo, e or-

dená-los para responsabilidades peculiares em benefício

de todos, não é artimanha nem plano humano, movido

por amor ao poder ou pela pretensão, por parte de al-

gum grupo seleto, de algum direito misterioso e mais

eminente do que o direito dos demais. Quaisquer que

sejam o poder ou os direitos que pertencem a eles, não é

possível negar que uma função do ministério e um gru-

po de ministros foram instituídos por Cristo em Sua

Igreja. A função dos pastores e mestres é indicação divi-

na e possui autoridade permanente na Igreja de Cristo7.

Mas depois de demonstrar essa proposição geral,

deparamo-nos com uma outra questão de muita impor-

tância, e que exige nossa consideração e resposta. De

onde se deriva o direito e o título da função do ministé-

rio; e quais são as pessoas que receberam comissão e

7 Jus Divinum Ministerii Evangelici. By the Provincial Assembly of London.

Londres, 1654, Parte I, caps. i–iii. Gillespie, Miscell. Quest. cap. i. [Calvin, Inst. liv. iv, cap. iii, 1–3. Turrettin, Opera, tomo iii, loc. xviii, cit. xxii.]

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autoridade para exercer essa função? Parece-nos que

existe evidência clara e satisfatória para provar que essa

função foi indicada por Cristo à Sua Igreja, e foi desig-

nada para ser permanente e perpétua. Quem, então,

tem direito de assumir a autoridade e as responsabilida-

des decorrentes dessa função; e quais são as garantias

que o indivíduo que legalmente exerce a função pode

apresentar para exercê-la? De que pessoa ou pessoas se

deriva esse direito ministerial?

II. O direito de posse da função ministerial é confe-

rido pelo chamado de Cristo.

A função pertence a Cristo, e o direito de assumir

essa função também pertence a Ele. “Ninguém, pois,

toma esta honra para si mesmo, senão quando chamado

por Deus.” É o “Senhor da seara” que “envia trabalhado-

res para a sua seara”. Foi Deus que nos “habilitou para

sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas

do espírito”8. O direito à função ministerial é um direito

concedido a indivíduos pelo divino Cabeça da Igreja, e

qualquer indicação a essa função sem uma comissão

dessas da parte dEle é nula e vazia. Segue-se, como ine-

vitável resultado do fato de Cristo haver reservado para

Si mesmo toda direção e autoridade em Sua Igreja, que

Ele ainda as exerce de acordo com a Sua própria vonta-

de, e que, como o Cabeça eternamente vivo e eterna-

mente presente nas ordenanças, Ele não apenas as insti-

tuiu no início, mas continua a administrá-las na socie-

8 Hb 5.4; Mt 9.38; 2 Co 3.6.

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dade cristã desde então. Não é possível exercer nenhu-

ma autoridade na Sua Igreja que não tenha sido conferi-

da diretamente por Ele, e nenhum poder pode ser ad-

ministrado exceto aquele que Ele concede. Cristo não

conferiu à Igreja nenhum depósito de poder e autorida-

de que ela possa comunicar aos seus ministros ou servi-

dores, e que possa ser recebido e administrado por eles

como se tivesse sido concedido pela própria Igreja. Pelo

contrário, Cristo reteve todo o poder e autoridade em

Sua própria mão, e os concede direta e pessoalmente

àqueles que Ele indica para servir ou governar na Igreja.

Os ministros da Igreja recebem a sua função não da

Igreja, mas do próprio Cristo; eles conservam a sua fun-

ção, não por meio da Igreja, mas por meio do seu Cabe-

ça; eles administram a sua função, não em virtude do

poder ou da autoridade conferidos pela Igreja, mas em

virtude da garantia e do poder concedidos pelo seu di-

vino Senhor. A Igreja não se coloca entre o seu Cabeça e

os seus próprios ministros, para colocá-los na função

que exercem, nem lhes concede a comissão e os dons

necessários para o seu desempenho. A função vem de

Cristo, a autoridade para administrar as suas funções

vêm de Cristo, os dons e as graças e a habilidade neces-

sários aos homens para exercê-las de forma apropriada e

correta vêm todos de Cristo. Eles não seriam “ministros

de Cristo” se fosse de outra forma; eles seriam apenas

pessoas nomeadas pela Igreja. Se um ministro é minis-

tro do Salvador, ele precisa receber a sua incumbência

não do homem, mas do Senhor. Se ele é “embaixador de

Cristo”, ele precisa receber suas credenciais do próprio

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Cristo. Se ele foi “chamado por Deus, assim como o foi

Arão”, ele precisa receber o seu chamado diretamente

de Deus, sem a intervenção de terceiros. Até mesmo o

próprio Cristo recebeu a incumbência da Sua função por

meio de um chamado direto da Palavra de Deus dirigida

a Ele: “Cristo a si mesmo não se glorificou para se tornar

sumo sacerdote, mas o glorificou aquele que lhe disse:

Tu és meu Filho, eu hoje te gerei”9. E aquilo que foi ne-

cessário para atribuir validade à função de Cristo não é

menos necessário para conceder validade à função de

qualquer pastor ou mestre na Igreja de Cristo na terra. É

o chamado direto e a garantia de Deus dirigida ao mi-

nistro que lhe concede o direito à função ministerial.

De que forma se obtém o chamado ou a incumbên-

cia ou a garantia que todo verdadeiro ministro recebe da

parte de Cristo para a função ministerial? Ou de que

forma o próprio indivíduo chega a saber que recebeu

esse chamado? A resposta a essa pergunta não é difícil

de encontrar. As próprias Escrituras nos dão uma regra

clara e confiável por meio da qual se pode apurar quem

é e quem não é chamado e autorizado por Cristo para

ser Seu servidor na obra do ministério. Elas descrevem

os dons e as capacitações que Cristo concede a todos

que Ele chama e a quem atribui o Seu encargo. Existem

“diferentes dons segundo a graça que nos foi dada”,

dons, segundo a declaração do apóstolo, apropriados

para as diversas funções da Igreja; dons de “profecia”, de

9 Hb 5.5-10.

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“ministério”, de “ensino”, de “exortação”, de “presidir”10.

E esses dons especiais e peculiares para o ministério,

dessa forma concedidos por Cristo e recebidos por indi-

víduos, são o sinal e a evidência para esses indivíduos de

que eles têm a autoridade do chamado de Cristo para

essa função. Não há necessidade de um chamado sobre-

natural pessoalmente dirigido ao indivíduo para assegu-

rá-lo da sua autoridade para servir a Igreja de Cristo em

seu ministério. Nada de luz miraculosa na estrada, ne-

nhuma voz vinda do alto, como no caso de Paulo na

estrada de Damasco; nada disso é necessário, hoje, para

intimá-lo ao serviço público de Cristo. Mas os dons e as

graças para o ministério, quando conferidos, são a in-

cumbência de Deus e o chamado para o ministério. Na

concessão especial de capacidade para a obra que Cristo

dá encontramos a autoridade dEle e o documento com-

probatório que concedem ao indivíduo o direito de con-

cluir que foi escolhido para o trabalho. Quando um ho-

mem sente que possui tanto as capacidades espirituais

como também o desejo espiritual de servir a Igreja no

ministério de Cristo, quando se unem “o zelo pela honra

de Deus e o amor pela alma dos homens” — quando são

de fato seus “motivos primordiais e desejos mais impor-

tantes”11 — na busca dos dons e das graças especiais que

capacitam para o ministério, ele tem razão de concluir

que isso tudo é o chamado de Cristo, e que, a não ser

10 Rm 12.6-8.

11 Questions before Ordination or Induction, 7. Auth. Documents of the

Free Church, pág. 39, no final da obra Subordinate Standards, Londres, 1860.

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que ele tenha entendido e interpretado mal a incum-

bência, ele recebeu de Cristo, que é o único que pode

concedê-lo, o direito à função ministerial na Igreja.

III. Em circunstâncias normais, o direito ao exercí-

cio da função ministerial é conferido por Cristo por

meio do chamado da Igreja.

Há uma distinção, e uma distinção extremamente

importante para nossa argumentação, que se deve traçar

entre o direito de possuir a função ministerial, e o direi-

to de exercer a função ministerial. O primeiro, ou seja, o

direito à função, é uma dádiva direta de Cristo; o Seu

chamado, endereçado diretamente ao indivíduo, conce-

de-lhe esse primeiro direito. O último, ou seja, o direito

a exercer a função, também é dádiva de Cristo; contudo

não é concedida diretamente, mas é conferida por meio

da indicação formal e exterior da Igreja.

O primeiro direito, ou seja, o direito à função mi-

nisterial, está embutido no chamado do próprio Salva-

dor, dirigido e proclamado ao indivíduo por meio da

concessão dos dons especiais e das graças espirituais

que são as únicas coisas que o capacitam para o ministé-

rio. O segundo direito, ou seja, o direito de exercer o

ministério, está embutido no chamado da Igreja, quan-

do, pela ordenação e pela investidura formal, ele é sepa-

rado exteriormente para o desempenho das obrigações

que dizem respeito ao ministério. A autorização tanto

para possuir como para exercer o ministério se completa

apenas quando ele recebeu tanto o chamado direto de

Cristo como o chamado exterior da Igreja. O primeiro

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desses, ou seja, o chamado interno dirigido a Ele pelo

Seu Senhor que está no céu, concede tanto permissão

como autoridade de possuir a função ministerial; e essa

autoridade produz o efeito de conferir o direito — não à

possessão, mas além disso — de exercer a função minis-

terial, quando ele é reconhecido pela Igreja como vindo

do seu divino Cabeça, e quando a Igreja, em respeito à

Sua escolha assim confirmada, faz a sua parte efetuando

o chamado exterior, e ordenando de forma solene a se-

paração do indivíduo assim escolhido para a função do

ministério. A preferência dos antigos teólogos, anteri-

ormente adotada com respeito à localização do poder da

Igreja, é a mesma preferência que se deve adotar no caso

em consideração de um direito à função ministerial.

Esse direito pode ser considerado como existente in

esse, e pode ser considerado como existente in operari; e

em todos os casos normais um deve suplementar o ou-

tro antes que um homem tenha o direito de assumir o

poder de desempenhar as responsabilidades do ministé-

rio. O direito in esse é conferido diretamente pelo cha-

mado de Cristo, expresso ao indivíduo por meio da con-

cessão dos dons e graças especiais adequados para a

função. O direito in operari também é conferido por

Cristo, mas em circunstâncias normais apenas por meio

do chamado da Igreja a esse mesmo indivíduo, reconhe-

cendo nele a escolha de Cristo, e efetuando o solene ato

da ordenação para separá-lo para a função do ministé-

rio. Em circunstâncias normais, a autoridade tanto da

possessão como do exercício da função ministerial do

indivíduo não se completa até que esse chamado formal

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e exterior da Igreja seja acrescentado ao chamado inte-

rior de Cristo.

Não pararei a esta altura para investigar o que cir-

cunstâncias extraordinárias podem justificar ou exigir, já

que trataremos disso mais adiante. Mas em toda e qual-

quer ocasião normal, o direito à função ministerial in

esse e o direito a ela in operari precisam atuar juntamen-

te; e o chamado de Cristo e o chamado da Igreja preci-

sam unir-se antes que um homem esteja autorizado a

entrar na obra do ministério. A investidura exterior por

meio da ordenação eclesiástica é necessária para a obra

do ministério, juntamente com o chamado, interior e

soberano, de Cristo para a função do ministério. Um

precisa unir-se ao outro antes que o homem possa exer-

cer regularmente as responsabilidades eclesiásticas na

Igreja.

Tanto a imposição das Escrituras como também os

exemplos fornecidos pelas Escrituras justificam a exi-

gência de que, em circunstâncias normais, o ministro

seja ordenado para sua função por aqueles que antes

dele já exercem o ministério. A ordenação, por meio da

qual o indivíduo é admitido ao exercício do ministério, é

uma prática muito claramente confirmada e exigida pela

autoridade apostólica. A imposição de mãos dos minis-

tros da Igreja não era uma mera cerimônia vazia e desti-

tuída de significado, mas era o ato final e rematador por

meio do qual o chamado pessoal de Cristo ao indivíduo

era reconhecido e entrava em vigor de forma prática, e

ele era separado para a obra do ministério. Quando se

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declarou à Igreja o chamado extraordinário de Deus

dirigido a Paulo e Barnabé para entrarem no seu minis-

tério aos gentios — quando foi dito aos ministros de

Antioquia: “Separai-me, agora, Barnabé e Saulo para a

obra a que os tenho chamado” — a Igreja agiu para co-

locar em prática e cumprir o chamado celestial por meio

da ordenação para a obra. “Então, jejuando, e orando, e

impondo sobre eles as mãos, os despediram”12. Quando

Timóteo foi separado para a obra de evangelista, vemos

outra vez o duplo chamado de Deus em primeira ins-

tância, e o chamado da Igreja logo após. Somos infor-

mados que o dom lhe “foi concedido mediante profe-

cia”, o que indica um chamado de Deus; e, juntamente

com isso, “com a imposição das mãos do presbitério”, o

que indica um chamado por parte da Igreja13. Quando

Paulo instrui Timóteo sobre como colocar em ordem as

coisas na Igreja, ele o faz orientando especificamente o

seu discípulo: “A ninguém imponhas precipitadamente

as mãos” — uma ordem que claramente indica o cuida-

do que Timóteo devia ter para verificar se as pessoas

ordenadas pela Igreja para o ministério tinham recebido

o prévio e indispensável chamado da parte do divino

12

At 13.1-3. [“Quorsum isthæc segregatio et manuum impositio, postquam suam electionem testatus est Spiritus Sanctus, nisi ut ecclesi-astica disciplina in designandis per homines ministris conservaretur? Nullo igitur illustriore documento ejusmodi ordinem approbare Deus potuit quam dum Paulum gentibus apostolum se destinasse præfatus, eum tamen ab Ecclesia vult designari.”—Calvin, Inst. liv. iv, cap. iii, 14.]

13 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6. [Cf. Calvin in loc. e vol. ii dessa obra, Parte iv, cap. iv]

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Cabeça14. Em suma, a ordenação por parte da Igreja era

o método normal e autorizado na prática apostólica

para a investidura para o ministério dos considerados

aptos pelo fato de terem recebido o chamado prévio e os

dons especiais concedidos por Cristo. Não é que a orde-

nação por parte da Igreja conferisse o direito de exercer

o ministério. Esse direito havia sido conferido previa-

mente por Cristo; e a ordenação, em si, não era mais do

que a Igreja reconhecer esse direito assim concedido, e o

acolhimento, por parte da Igreja, do indivíduo ao exer-

cício da função a que ele tinha sido chamado. O solene

ato da ordenação, por meio do qual ele era formalmente

admitido ao ministério, ou pelo qual lhe era concedido

o direito de desempenhar suas funções, não deve ser

confundido com o direito prévio ao ministério, provindo

de uma fonte mais elevada; muito menos deve ser con-

siderado como se ele mesmo conferisse esse direito. Não

é o direito à função, mas o direito ao exercício da função

— não a função in esse, mas a função in operari — que

Cristo concede por meio do chamado exterior e normal

através da Igreja15.

IV. O direito à função pastoral, juntamente com a

função ministerial, precisa ser confirmado pelo consen-

14 1 Tm 5.22: Χειρας ταχεως μηδενι ἐπιτιθει. Χειρας ou τας χειρας ἐπιτιθεναι ― essa é a invariável frase usada na cerimônia de ordenação no Novo Testamento. Cf. At 6.6, 13.3; 1 Tm 4.14.

15 Jus Div. Minist. Evang. Parte I, cap. iv, 5–7. Poole, Quo Warranto, Lon-

dres, 1658, caps. vii–x. [Calvin, Inst. liv. iv, cap. iii, 11–13. Owen, Works, edição de Goold, vol. ix, págs. 431–462; vol. xiii, págs. 31–49.]

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timento ou escolha dos membros da congregação para a

qual o ministro está sendo indicado.

Há uma evidente distinção ― embora frequente-

mente não levada em conta — entre a função ministeri-

al e a função pastoral. O direito à função ministerial, e

ao exercício normal de todos os seus poderes e para o

desempenho de todas as suas responsabilidades, se

complementa pela junção do chamado interno de Cristo

com o chamado exterior da Igreja. A ordenação efetuada

pelos ministros da Igreja completa o direito, e faz do

indivíduo ordenado um ministro da Igreja universal,

livre para exercer a função onde quer que a Providência

abra caminho para ele. A existência da função ministeri-

al não depende de forma alguma dos membros da Igre-

ja, nem o consentimento ou escolha do povo são neces-

sários para validar a ordenação. Já com a função pastoral

é diferente. A ordenação para essa função faz do indiví-

duo não tanto um ministro da Igreja universal, mas sim

um ministro de uma congregação específica; e o relaci-

onamento pastoral se forma entre ele e um rebanho

específico. Esse relacionamento pastoral indica necessa-

riamente a escolha, ou, no mínimo, o consentimento do

povo, para tornar legítimo o vínculo; e por essa razão

esse elemento se apresenta como essencial na posse da

função pastoral. Em acréscimo a esse chamado conjunto

de Cristo e da Igreja, que é necessário para dar o direito

ao exercício da função ministerial, há também o consen-

timento ou escolha do povo, que são necessários para

constituir o caráter pastoral, além do ministerial. O pas-

tor não consegue desempenhar apropriadamente as

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tarefas da função pastoral sem o consentimento do povo

para o qual foi indicado e para o qual vai ministrar. O

ministro, quando não se encontra num relacionamento

pastoral desse tipo com alguma congregação específica,

não necessita da escolha ou do consentimento do povo

para lhe dar um direito válido à função que exerce16.

É verdade que a função ministerial é necessária pa-

ra o pleno desempenho das responsabilidades implícitas

na função pastoral; e que esta última jamais é conferida

sem a primeira, embora a primeira possa ser conferida

sem esta última. O pastor precisa sempre ser um minis-

tro, embora não seja necessário que o ministro seja

sempre um pastor. A separação entre a função ministe-

rial e a pastoral, com vistas ao correto entendimento do

assunto, precisa ser mantida com clareza na mente, em-

bora essa separação não seja, na prática, em circunstân-

cias normais, algo essencial. Quando tratam da ordena-

ção dos ministros, os teólogos de Westminster dizem o

seguinte: “Está de acordo com a Palavra de Deus, e é

muito aconselhável, que aqueles que estão para ser or-

denados ministros sejam designados para alguma Igreja

16 [São de Calvino estas palavras expressivas: “Est impia Ecclesiæ spoliatio quoties alicui populo ingeritur episcopus, quem non petierit, vel saltem liberâ voce approbârit”. E outra vez, ao falar do método de ordenação da Igreja Católica Romana: “Ceremonias adhibent vel ex Judaismo arcessitas, vel ex se ipsis confictas; quibus abstinere satius foret. De vero autem examine (umbram enim illam quam retinent nihil moror), de populi consensu, de aliis rebus necessariis, nulla mentio.” — Inst. liv. iv, cap. v, 3, 5. Compare também cap. iii, 15, iv, 10–14, v. 2–5; Necessity of Reforming the Church; Vol. i dos tratados relativos à Reforma, Calvin Transl. Soc. Edimburgo, 1844, pág. 171.]

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específica ou para algum outro ofício ministerial”17. Mas

qualquer coisa que, na prática, possa ser aconselhável,

não se pode duvidar que existe uma ampla e importante

diferença na natureza das coisas abrangidas pela função

ministerial e aquelas abrangidas pela função pastoral. A

ordenação para o ministério, a fim de assegurar a sua

validade, não exige mais do que o chamado de Cristo

por um lado, e o chamado da Igreja por meio dos seus

ministros por outro lado. O direito ao ministério — o

direito de seguir e pregar o Evangelho de Cristo, onde

quer que Cristo conceda oportunidade de fazê-lo — não

exige a espera do consentimento do povo, e não depen-

de da escolha ou do convite dos homens. A ordenação

para o pastorado, por outro lado, para ser legítimo e

correto, precisa, em acréscimo ao chamado de Cristo, e

à ordenação por parte dos ministros da Igreja, ter tam-

bém o consentimento e a escolha do povo. É a função

ministerial ligada a uma congregação específica, e não o

desempenho das suas funções de maneira geral; e tanto

as Escrituras como a razão testificam de forma abun-

dante que para essa função é obrigatório o consenti-

mento da congregação18.

17 Form of Church Government. Concerning the Doctrinal Part of Ordina-tion of Ministers, 6.

18 Milton pergunta: “Por que não se pode confiar na piedade e na consciência dos ingleses, quando considerados como membros da Igreja, para escolherem os pastores para funções que não dizem nenhum respeito a um monarca, assim como a sabedoria humana deles é respeitada quando considerados como membros do Estado, ao escolherem os seus nobres e representantes para os assuntos que são da alçada do rei? ... Por essa razão, como já existe uma espécie de eleição

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O direito ao ofício pastoral juntamente com o mi-

nisterial requer o fortalecimento e a confirmação do

chamado do povo19.

eclesiástica antiga e apostólica em nosso Estado, que perversidade não seria se nos fosse imposta uma espécie de compulsória e majestosa eleição em nossa Igreja! E que cegueira não é pensar que aquilo que em nossa política, por feliz acaso, já é evangélico, se tornasse incompatível com o que foi ordenado por Deus com respeito ao ministério!” — Prose Works, Londres, 1753, vol. i, pág. 25. Cf. Gillespie. Assertion of the Gov-ernment of the Church of Scotland. Edimburgo, 1641. Parte ii, cap. v, págs. 154–157. Esta é a observação de alguém que não deseja ser considerado parcial com respeito aos pontos de vista e aos costumes da histórica Igreja da Irlanda: “Não pode ser exagero afirmar que, se a prática de eleger bispos pelo sufrágio universal (entre os membros da Igreja) continuasse, os hábitos da liberdade teriam sido tão espalhados entre o povo, que as mudanças que testemunhamos em nossos dias poderiam ter sido antecipados em muitos séculos, e poderiam ter ocorrido com o patrocínio do catolicismo”. — Lecky, History of Rationalism, vol. ii, pág. 153. Compare também as observações de Schekel a respeito das consequências da falha em desenvolver o elemento congregacional popular na Igreja Luterana — Art. Kirche in Herzog’s Real Encyclopädie.]

19 “Lors qu’on examine bien ce que c’est que la vocation pour s’en former une juste idée, on trouve que c’est proprement une relation qui resulte de l’accord de trois volontez, savoir de celle de Dieu, de celle de l’Eglise, et de celle de la personne appellée: car ces trois consentemens font toute l’essence de la vocation, et les autres choses qu’on y peut ajoûter, comme l’examen, l’élection, l’ordination, sont ou des conditions préalables, ou des signes et des ceremonies exterieures, qui regardent plus la manière de la vocation que la vocation mesme. En effet, on ne peut remarquer dans une vocation que trois interêts qui y puissent estre engagez, celuy de Dieu, puis que l’appellé doit parler et agir en son nom: celuy de l’Eglise, qui doit estre instruite, servie, et gouvernée; et celuy de l’appellé, qui doit remplir les fonctions de sa charge, et luy consacrer ses veilles, ses soins. et ses travaux; d’où il s’ensuit que la vocation est suffisamment formée lorsque Dieu. l’Eglise, et la personne appellée en demeurent d’accord, et que l’on ne peut raisonnablement y concevoir autre chose.… Pour la volonté de l’Eglise, on ne peut pas, ce me semble, desavouer que naturellement ce ne soit celle de tout le corps, et non

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simplement celle des pasteurs, qui y doit intervenir. Car ce ne sont pas les seuls pasteurs qui ont interest dans la vocation d’un homme, c’est generalement tout le corps de l’Eglise, c’est celle qui en doit estre, comme j’ay dit, instruite, servie, et gouvernée, c’est celle qui doit rece-voir les Sacremens des mains de l’appellé, et qui doit estre consolée, edifiée par sa parole. Son consentement y est donc necessaire, et il est de l’essence de la vocation qu’il y intervienne.” — Claude, Défense de la Réform. 4me Partie, cap. iii, 8, Trad. inglesa, 1683, págs. 59–76. Turrettin, Opera, tomo iii, loc. xviii, qu. xxiii, xxiv, 11–24, onde são bastante salientados os princípios da não-intrusão da Igreja primitiva; assim também em Gillespie, na referência abaixo. Jus Div. Minist. Evang. Parte I, caps. viii, ix. Poole, Quo Warranto, Londres, 1658, caps. xii, xiii. Gilles-pie, English Popish Ceremonies, Parte iii, cap. viii, Digress. I, Prop. iii.; Miscell. Quest. cap. ii. [Apollonii, Jus Majest. Parte I, Seção ii, cap. i. The Plea of Presbytery, Glasgow, 1840, págs. 5–25. Cunningham, Works, vol. ii, págs. 189–196, iii, págs. 534–545, iv, págs. 290–565.]

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