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O discurso de Dilma Rousseff e suas repercussões na pauta da mídia e da agenda internacionais 1 Amanda Rodrigues Lima Cardoso 2 Diana Zacca Thomaz 3 Rafael Piccinini Machado 4 Introdução O presente artigo busca analisar o discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura da 66ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas à luz da linha seguida pela política externa de seu governo, levando em consideração alguns temas importantes nele abordados. Buscaremos aqui comparar diretamente o que é falado no discurso e o que de fato é praticado pela diplomacia brasileira na gestão das relações exteriores. Desde o início de seu mandato, a presidente brasileira vem atraindo a atenção da mídia internacional tanto pela atuação da política externa de seu governo – ainda que tenha uma atuação mais discreta que a de seu antecessor – quanto pela crescente importância do Brasil no sistema internacional. Assim, a percepção de jornais estrangeiros acerca das relações exteriores do governo Dilma contribuiu sobremaneira para a análise do discurso. Utilizaremos as pesquisas desses jornais para fornecer base analítica e factual, uma vez que partimos da compreensão de que a política externa de um país também é influenciada pela comunicação política oriunda da mídia, tornando tal instrumento um agente político nos processos decisórios. Nesse primeiro ano de 1 Este trabalho se originou da pesquisa "A Política Externa Brasileira na Imprensa Internacional" realizada no âmbito do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira da Universidade Fedreal Fluminense - LEPEB/UFF, sob a orientação do prof. Dr. Adriano de Freixo. 2 Graduanda em História pela Universidade Federal Fluminense e bolsista de iniciação científica - FAPERJ 3 Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense e bolsista PIBIC/UFF 4 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense

O discurso de Dilma Rousseff e suas repercussões na pauta ... · Amado Cervo divide a história da inserção internacional brasileira em quatro períodos orientados por paradigmas

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O discurso de Dilma Rousseff e suas repercussões na pauta da mídia

e da agenda internacionais1

Amanda Rodrigues Lima Cardoso2

Diana Zacca Thomaz3

Rafael Piccinini Machado4

Introdução

O presente artigo busca analisar o discurso da presidente Dilma Rousseff na abertura

da 66ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas à luz da linha seguida

pela política externa de seu governo, levando em consideração alguns temas

importantes nele abordados. Buscaremos aqui comparar diretamente o que é falado no

discurso e o que de fato é praticado pela diplomacia brasileira na gestão das relações

exteriores.

Desde o início de seu mandato, a presidente brasileira vem atraindo a atenção

da mídia internacional tanto pela atuação da política externa de seu governo – ainda

que tenha uma atuação mais discreta que a de seu antecessor – quanto pela crescente

importância do Brasil no sistema internacional. Assim, a percepção de jornais

estrangeiros acerca das relações exteriores do governo Dilma contribuiu sobremaneira

para a análise do discurso. Utilizaremos as pesquisas desses jornais para fornecer base

analítica e factual, uma vez que partimos da compreensão de que a política externa de

um país também é influenciada pela comunicação política oriunda da mídia, tornando

tal instrumento um agente político nos processos decisórios. Nesse primeiro ano de

1 Este trabalho se originou da pesquisa "A Política Externa Brasileira na Imprensa Internacional" realizada no âmbito do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira da Universidade Fedreal Fluminense - LEPEB/UFF, sob a orientação do prof. Dr. Adriano de Freixo. 2 Graduanda em História pela Universidade Federal Fluminense e bolsista de iniciação científica - FAPERJ 3 Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense e bolsista PIBIC/UFF 4 Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal Fluminense

governo Dilma, percebemos que as linhas gerais da política externa da Era Lula foram

mantidas, porém há diferenças de estilo e de ênfase, com questões como os direitos

humanos passando a ter maior centralidade, conforme analisamos ao discorrer sobre a

“responsabilidade ao proteger”. De modo geral, os artigos de opinião já definem o

país como um global player que deve ser levado em consideração nas questões

centrais das relações internacionais contemporâneas.

A comunicação divide-se em três partes. Primeiramente, iremos traçar um

panorama dos pontos mais destacados do discurso, entendendo-os como relativos à

crise econômica global e à posição brasileira em meio à ela. Buscaremos analisar se

aquilo que a presidente aponta em seu discurso condiz com a prática da política

externa brasileira. Para tanto, será utilizado o paradigma do Estado logístico, como

definido por Amado Luiz Cervo, para analisar os elementos da crise internacional e

da política externa brasileira presentes no discurso. Tal base conceitual nos servirá

somente para esse tópico, pois o tema da crise econômica global abrange o discurso

de forma mais geral. Para uma visão também um pouco mais ampla acerca desses

temas, são necessários melhores instrumentais teóricos. Observaremos o destaque

dado pela presidente Dilma à maneira como o Brasil tem lidado com a crise (por meio

de medidas econômicas e de sua diplomacia), entendendo a atuação brasileira como

condizente com o paradigma do Estado logístico. Tentaremos explicitar também a

clara sintonia entre o discurso da presidente e a prática da política exterior brasileira.

Os tópicos seguintes, por serem mais específicos, não se utilizam da mesma

base teórica. Assim, analisaremos mais detalhadamente dois aspectos fundamentais da

diplomacia brasileira, também abordados no discurso: a reivindicação brasileira pela

reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e a ideia da “responsabilidade

ao proteger”, levando em conta o contexto da Primavera Árabe. A demanda brasileira

por um assento permanente será analisada considerando o histórico das discussões,

tanto no Brasil quanto no exterior, acerca da necessidade de reformar-se dita

instância. No discurso da Dilma, o tema aparece no sentido da defesa e da

necessidade de democratizar os processos de decisão do sistema internacional, em um

cenário cada vez mais dinâmico e no qual potências ditas emergentes ganham cada

vez mais espaço e importância. Tentaremos demonstrar também como a presidente

considera que a maior representatividade do Conselho, inclusive no amadurecimento

da “responsabilidade ao proteger”, é fundamental para fornecer maior legitimidade a

suas decisões.

A introdução do conceito pelo governo Rousseff da “responsabilidade ao

proteger”, diretamente relacionado à ideia de não intervenção, frequentemente

defendida pelo ex-chanceler Celso Amorim, é uma forma de criticar a maneira como

foram feitas as intervenções no contexto da Primavera Árabe. Sua aplicação está

diretamente ligada à preocupação com violações no âmbito dos direitos humanos e de

como proceder para que elas não ocorram, nem abram brechas para um direito de

ingerência, o qual prejudicaria a soberania de um determinado Estado. O debate sobre

o conceito insere-se na esfera mais ampla de princípios tradicionalmente defendidos

pela diplomacia brasileira, como a não intervenção e a autodeterminação dos povos.

1. O discurso e a prática brasileira em meio à crise econômica

1.1 Os paradigmas de inserção internacional do Brasil

É necessário, para analisarmos as passagens que discutem a crise e a economia

internacional no discurso da presidente Dilma, estabelecer uma base conceitual. Para

tanto, utilizaremos como instrumental o conceito de Estado logístico criado por

Amado Luiz Cervo. O modelo conceitual dos paradigmas de inserção internacional do

Estado brasileiro no mundo nos ajuda a pensar a política externa do Brasil em cada

período da história. Este modelo traduz as aspirações do país, e a função da

diplomacia nacional na realização destas. Assim, a partir da análise do discurso da

presidente Dilma Rousseff na abertura da Assembléia Geral da ONU, tentaremos

mostrar como a política externa atual pode ser entendida à luz do paradigma

supracitado.

Amado Cervo divide a história da inserção internacional brasileira em quatro

períodos orientados por paradigmas distintos. Em um primeiro momento, durante

grande parte do século XIX e ainda durante a Primeira República, as relações

internacionais do Brasil foram orientadas pelo paradigma liberal-conservador. Dentro

deste paradigma vigorou a ideologia do liberalismo de matriz europeia, aplicado ao

Brasil(Cervo, 2008)5. Assim, entendia-se o papel do Brasil como país da periferia.

Nossa diplomacia voltava-se para a defesa do nosso principal produto de exportação,

mantendo a dependência dos insumos industriais dos países centrais.

O paradigma desenvolvimentista que vigorou entre 1930 e 1989 foi marcado

pela modernização e industrialização orientadas pelo Estado brasileiro. Com a crise

dos anos 1930 foi ficando claro à sociedade a necessidade da criação de um modelo

econômico distinto do anterior, que se baseasse na indústria nacional e na busca por

maior autonomia internacional. O Estado brasileiro, desta forma, fortalecia-se e

ganhava prerrogativas para intervir diretamente na economia com o intuito de realizar

o projeto nacional de industrialização. Na busca pela autonomia, o país vai se fechar

às importações de produtos manufaturados, buscando proteger as indústrias nascentes.

Por isso “essa nova orientação traduziu-se numa política explícita de fomento da

industrialização por substituição de importações”6. A política externa brasileira vai,

assim, buscar meios de dar o suporte necessário à industrialização.

O paradigma do Estado normal, ou neoliberal, tem como características

principais o retorno às regras impostas pelos países centrais de modo passivo e pelo

desmantelamento abrupto (mas não total) da concepção de desenvolvimento expressa

5 CERVO, Amado Luis. Inserção internacional: formação dos conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 69 6 SINGER, Paul. “Evolução da Economia e Vinculação Internacional”. In Brasil: Um século de transformações. organização SACHS, Ignacy, WILHEIM, Jorge e PINHEIRO, Paulo Sérgio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 97.

pelo paradigma anterior. Além da adesão à ideologia neoliberal por parte de inúmeros

líderes latino-americanos, as determinações externas contribuíram para a mudança de

paradigma. Aliado a isso, estavam as idéias de abertura dos mercados de consumo, de

valores, do sistema produtivo e de serviços, fazendo com que a inserção internacional

brasileira ficasse à mercê da agenda estabelecida pelas maiores potências, em especial

pelos EUA, então potência hegemônica.

É imperativo explicarmos os paradigmas anteriores ao Estado logístico, pois

este é a síntese dialética de características do modelo desenvolvimentista e do modelo

neoliberal.7 Muitos intelectuais, políticos e acadêmicos perceberam que o referido

modelo não servia aos interesses brasileiros. Dever-se-ia, portanto, buscar um

caminho alternativo que tirasse o país da subserviência e o revalorizasse. Para Amado

Cervo, a ideologia por trás do modelo de Estado logístico identifica um elemento

externo, o liberalismo, associando-o a um interno, o desenvolvimentismo. Ou seja, o

país não mais deveria se isolar da ordem internacional na busca do desenvolvimento,

mas participar dela. O modelo logístico se diferencia do desenvolvimentista porque

transfere à sociedade algumas responsabilidades do Estado-empresário. Também não

é igual ao neoliberal, pois cabe ao Estado a manutenção da estabilidade e a afirmação

dos interesses da sociedade.

Ao mesmo tempo em que o Estado atua diretamente no mercado - como se

verifica ao longo do governo Lula e já no primeiro ano do governo Dilma - ele

mantém alguns mecanismos de caráter neoliberal, identificando-o como elemento

externo. Porém, toma medidas em prol do desenvolvimento, trazendo novamente à

tona um discurso que o valorize. Politicamente, o paradigma logístico busca recuperar

a autonomia decisória nacional, adentrando (diferentemente do modelo

desenvolvimentista) na economia globalizada e interdependente (Cervo. 2008. p. 85).

1.1 A política externa do governo Dilma

7 Idem 1. p. 84.

Falar da política externa do governo Lula e do governo Dilma é falar de alguns

princípios expressos pela Política Externa Independente (PEI), pois as relações

internacionais do Brasil se pautaram na busca de diversificação de parceiros com

vistas a conseguir um posicionamento internacional mais autônomo.8 Tal visão de

política externa baseia-se no pensamento nacionalista, entendendo que a inserção

brasileira se dá através da luta pelo desenvolvimento em um sistema mundial de

poder. Daí seu caráter pragmático e autonomista.9 É evidente que no governo Lula,

dado o diferente contexto internacional de seu período, mudam-se alguns

componentes desta política. Nas palavras de Vizentini, durante o governo Lula “a

diplomacia política (...) representa um campo de reafirmação dos interesses nacionais

e de um verdadeiro protagonismo nas relações internacionais, com a intenção real de

desenvolver uma “diplomacia ativa e afirmativa” 10.

Portanto, aqui se encaixa o conceito de Estado logístico proposto por Cervo. É

no governo Lula que este paradigma se estabelece. Nele, a inserção do país busca

nova relação com o mundo e maior integração com a América do Sul, área natural de

expansão da economia brasileira. Na esfera global, o país forja coalizões com outros

emergentes como Índia, Rússia, China e África do Sul que o reforçam como ator

importante e permitem bloquear as estruturas hegemônicas, possibilitando abertura do

caminho rumo ao desenvolvimento e a melhor e mais confortável inserção

internacional brasileira. (Williams, 2010).

Entendemos aqui que o primeiro ano de governo da presidente Dilma Rousseff

pautou-se em uma orientação similar no que tange a política externa. Dilma mudou a

ênfase da política em alguns temas, como veremos em outro momento deste artigo.

8 GONÇALVES, Williams. “Panorama da Política Externa Brasileira no Governo Lula da Silva”. In: A política externa na era Lula: um balanço”. Org. Adriano de Freixo, Luiz Pedone, Thiago Moreira Rodrigues e Vagner Camilo Alves. 9 CERVO, Amado Luis e BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 3. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2010. 10 VIZENTINI, Paulo Fagundes. Relações Internacionais do Brasil: De Vargas a Lula. 3. Ed. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2008. p. 106

Entretanto, os princípios que guiam a política exterior mantêm-se basicamente os

mesmos do governo anterior.

1.2 Elementos da Política Externa presentes no discurso

O discurso da presidente Dilma é marcado por referências diretas à atual crise

econômica global. Em diversos momentos, ela destaca o que deve ser feito em

conjunto para que os países superem a crise e pontua seu discurso com críticas à

postura dos Estados desenvolvidos na tentativa de debelá-la. Ela sustenta que os

países emergentes não foram tão afetados pela crise quanto aqueles que a criaram:

“Como outros países emergentes, o Brasil tem sido, até agora, menos afetado pela

crise mundial.” Além disso, tenta mostrar ao mundo quais políticas e instrumentos o

Brasil vem utilizando para evitar o contágio direto da crise. Entretanto, reconhece que

a imunidade às turbulências não é ilimitada: “(...) sabemos que nossa capacidade de

resistência não é ilimitada.”

Ao contrário do que se poderia imaginar, percebe-se um afinamento entre o

discurso e a prática da política externa brasileira. É evidente que, como chefe de

Estado, seu discurso esteja de acordo com os princípios pregados pela política

exterior. No entanto, a prática da diplomacia brasileira de fato confirma muito do que

Dilma menciona. Seu discurso pode parecer, em alguns momentos, uma síntese da

política externa de seu governo. É de se esperar, todavia, que existam alguns pontos

discrepantes, onde o discurso se distancia da prática. Mesmo assim, estes pontos não

constituem elementos centrais de sua fala.

A parte do discurso que versa sobre a crise gira em torno da necessidade de

uma ação coordenada e multilateral. Refletindo a recente mudança nas relações de

poder, ela enfatiza que é necessária a participação de mais países na busca de

soluções: “Essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos

países. (...) como todos os países sofrem as consequências da crise, todos têm o direito

de participar das soluções.” Após assumir que os países desenvolvidos são os

responsáveis pela crise (embora não mencionando isso diretamente: “Agora, menos

importante é saber quais foram os causadores da situação que enfrentamos, até porque

isto já está suficientemente claro.”), Dilma aproveita para fazer uma crítica

contundente às ações dos países desenvolvidos, algo que, aliás, já vem fazendo há

algum tempo11: “Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países

desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É (...) por falta de

recursos políticos e (...) de clareza de ideias.”

Ao mesmo tempo, ela dá grande destaque à ascensão dos países emergentes, o

que também está em sintonia com o que é praticado pela diplomacia brasileira.

Defende a maior participação destes países nos foros multilaterais já existentes (como

o FMI, o Banco Mundial), assim como uma imprescindível cooperação entre os

emergentes e os desenvolvidos, assumindo que a configuração de poder no plano

internacional mudou: “Um novo tipo de cooperação, entre países emergentes e países

desenvolvidos, é a oportunidade histórica para redefinir, de forma solidária e

responsável, os compromissos que regem as relações internacionais.”

A postura da diplomacia brasileira no que tange uma inserção brasileira no

sistema internacional mais justa e participativa é clara ao longo do discurso. Vê-se

que o país pretende ganhar mais espaço nas instituições multilaterais já existentes,

através de reformas que aumentem a representatividade destes foros. Daí a

importância da ação concertada do Brasil com outros emergentes, componente que,

como inúmeros outros, foi herdado da política externa do governo Lula. Seu discurso

deixa claro o pensamento pragmático da política externa brasileira: busca-se alterar a

ordem global a partir de coalizões de Estados com objetivos convergentes. (Williams,

2010 p. 168). A posição e a atuação brasileira no que concerne à ampliação do

Conselho de Segurança das Nações Unidas é um exemplo desta tentativa, como será

demonstrado mais detalhadamente em outro momento.

11 Como fica claro na reportagem de 7 de outubro de 2011 publicada no El País: Disponível em <http://internacional.elpais.com/internacional/2011/10/07/actualidad/1318012382_401325.html>

Podemos perceber, entretanto, outros elementos presentes no discurso da

presidente Dilma que, mesmo não constituindo pontos centrais, não necessariamente

condizem com as ações de seu governo e de sua diplomacia. Ao mencionar a questão

da guerra cambial, por exemplo, Dilma defende que se imponham controles à

manipulação do câmbio por parte dos Estados, assim como defende evitar políticas

monetárias demasiadamente expansionistas ou taxas de câmbio fixas. Ora, o Brasil

tem feito cada vez mais uso de políticas de restrição à entrada excessiva de dólares

(através de taxações como o IOF, por exemplo) numa tentativa de desvalorizar sua

moeda.

Em outro momento, Dilma mostra que a posição brasileira é terminantemente

contra o protecionismo: “O protecionismo e todas as formas de manipulação

comercial devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira

espúria e fraudulenta.” Mais uma vez, vê-se que a postura brasileira na prática não

condiz com o discurso, pois se verifica, recentemente, um movimento rumo a maior e

melhor proteção da indústria nacional, principalmente contra as importações de

manufaturados chineses12.

A presidente afirma em seu discurso que as presentes ideias neoliberais, que

ainda regem as economias de muitos países, não são mais úteis para lidar com a crise:

“O desafio colocado pela crise é substituir teorias defasadas, de um mundo velho, por

novas formulações para um mundo novo. Enquanto muitos governos se encolhem, a

face mais amarga da crise - a do desemprego - se amplia.” Ao colocar que o mundo

necessita de “novas formulações”, Dilma aproveita para mostrar que o Brasil tem

adotado políticas diferentes daqueles países, as quais o permite manter um bom nível

de estabilidade e crescimento econômico: “O Brasil está fazendo a sua parte. Com

sacrifício, mas com discernimento, mantemos os gastos do governo sob rigoroso

controle, a ponto de gerar vultoso superávit nas contas públicas, sem que isso

12 Mas não só contra produtos chineses. O Brasil vem adotando também algumas medidas de retaliação contra o fechamento da economia argentina: Disponível em < http://www.ieco.clarin.com/economia/Brasil- tomaria-medidas-exportaciones-argentinas_0_564543647.html>

comprometa o êxito das políticas sociais, nem nosso ritmo de investimento e de

crescimento.” Ora, é patente neste trecho a presença de elementos condizentes com o

paradigma do Estado logístico, definido por Amado Cervo. Como mencionado, o

modelo logístico de inserção internacional “mescla em seu curso (...) os outros dois, o

desenvolvimentista e o neoliberal” (Cervo, 2008. p 83). O país encontra o equilíbrio

entre políticas econômicas de mercado ou com características neoliberais (por

exemplo, como ficou claro na passagem supracitada: “mantemos os gastos do

governo sob rigoroso controle”); e políticas voltadas para o desenvolvimento e

crescimento econômico (“sem que isso comprometa o êxito das políticas sociais, nem

nosso ritmo de investimento e de crescimento”).

O caráter desenvolvimentista condizente com a política externa brasileira fica

ainda mais evidente na passagem: “Temos insistido na inter-relação entre

desenvolvimento, paz e segurança; e que as políticas de desenvolvimento sejam, cada

vez mais, associadas às estratégias do Conselho de Segurança na busca por uma paz

sustentável.” Está claro que além de estar de acordo com a política exterior brasileira,

a passagem também corrobora com o paradigma logístico, onde se volta a falar de

desenvolvimento, embora com um caráter diferente daquele de períodos anteriores.

Em outro momento, seu discurso mostra clara sintonia com o novo paradigma:

“Uma parte do mundo não encontrou ainda o equilíbrio entre ajustes fiscais

apropriados e estímulos fiscais corretos e precisos para a demanda e o crescimento.”

Admite que seja necessário cortes orçamentários do governo, mas, ao mesmo tempo,

considera importante uma política de estímulo à demanda, como fomentador do

crescimento econômico, através dos gastos do setor público.

Com base no que foi definido como Estado logístico, podemos perceber que o

discurso da presidente Dilma Rousseff, assim como a política internacional brasileira

do atual governo de forma geral, encaixa-se em tal modelo conceitual criado por

Amado Cervo. Vemos no discurso elementos que, à primeira vista, parecem opostos e

antagônicos (como o corte de gastos e o estímulo à demanda), mas que são

perfeitamente aceitáveis dentro do paradigma logístico, no qual o Estado identifica a

presença de uma economia de mercado globalizada, mas, ao mesmo tempo, busca

novo papel de indutor do desenvolvimento. Deste modo, depreende-se também que a

política externa do período trabalha nesse cenário, buscando obter maior autonomia

decisória, o que abriria caminho para o desenvolvimento econômico e social.

2. A recorrente demanda do governo brasileiro por um assento

permanente

A reivindicação brasileira por um assento permanente no Conselho de Segurança

também é um tema recorrente na mídia internacional quando se fala da política

externa brasileira. Tal demanda está diretamente relacionada com a maior autonomia

que se busca dentro do paradigma logístico, pois, como veremos, apesar de não ser

uma demanda recente, recebeu maior ênfase a partir do governo Lula, principalmente

se comparada à atenção dada pelo governo anterior.

A abordagem da Organização das Nações Unidas foi cada vez mais

questionada a partir dos atentados de 11 de setembro e da ação unilateral dos Estados

Unidos e seus aliados na invasão do Iraque, conforme constata Paulo Afonso Velasco

Júnior. Somados ao bombardeio do escritório das Nações Unidas em Bagdá, em 2003,

tais fatores levaram o então secretário-geral, Kofi Annan, a reconhecer a fragilidade

do momento e a propor reformas urgentes para a organização.13 Apesar de a

declaração de Annan não ter surtido nenhum efeito prático no que concerne a reforma

do Conselho de Segurança, o tema não foi esquecido e costuma assomar à pauta dos

assuntos internacionais com mais frequência e intensidade do que as potências

detentoras de um assento permanente no Conselho (conhecidas como P5) gostariam.

Isso se deve à crescente influência de Estados emergentes, muitos considerados

potências médias e líderes regionais, que não se sentem suficientemente representados 13 VELASCO Jr., Paulo A. Conselho de Segurança: Uma Reforma, muitas propostas, nenhum acordo. Candelária vol. 3, Jul/Dez, 2005, p. 52

na ONU. Nesse contexto, o discurso da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, na

abertura da 66ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas ilustra plenamente tal

questão, na medida em que clama por “uma solução para a falta de representatividade

do Conselho de Segurança, que corrói sua credibilidade e sua eficácia”.

O Conselho de Segurança pode ser considerado o principal órgão da

Organização das Nações Unidas. A Carta de São Francisco atribui-lhe a função de

determinar a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão

(art. 39), cabendo-lhe o poder de decisão das medidas a serem tomadas para a

manutenção ou restabelecimento da paz e segurança internacionais. Os membros do

Conselho são divididos entre permanentes (cinco) e não permanentes (dez), e apenas

os primeiros detêm o poder de veto, o qual garante a unanimidade do processo

decisório. A desigual distribuição de poder, explicitada pela existência do veto,

encontra-se em dissonância com a igualdade entre os Estados prescrita na Carta das

Nações Unidas. Atualmente, seu poder discricionário para constatar quaisquer

violações da ordem levanta sérios questionamentos sobre a legitimidade de suas

medidas coercitivas.14

2.1 Propostas de reforma

A configuração do Conselho de Segurança quando da criação da ONU foi essencial

para evitar um fracasso semelhante ao da Liga das Nações, e para que as potências

vencedoras da Segunda Guerra Mundial aceitassem seu funcionamento. O grande

número de novos países membros da ONU, devido à descolonização afro-asiática,

levou à reforma do Conselho em 1963, com o objetivo de tornar-se mais

representativo. Assim, ampliou-se de 6 para 10 os membros não permanentes.

Todavia, o número de membros da ONU continuava a crescer, e mesmo essa reforma

não foi suficiente para adequar a organização às rápidas transformações que se

14 SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. P. 128

processavam. Desde então, não houve qualquer outra mudança, mesmo com a nova

configuração mundial oriunda do fim da Guerra Fria e do multilateralismo e

cooperação intensificados a partir da década de 1990.

A primeira proposta concreta de reforma do CSNU foi apresentada pela Índia,

em 1991. Três anos depois, o Grupo de Trabalho encarregado de estudar o tema

percebeu que havia posições muito distintas acerca da questão e acabou por não

apresentar nenhuma solução efetiva. Em 1997, o embaixador da Malásia e presidente

da Assembleia Geral, Razali Ismali, propôs a incorporação de dois novos membros

permanentes oriundos do grupo de países desenvolvidos (Alemanha e Japão seriam os

nomes mais prováveis) mais um Estado de cada região em desenvolvimento,

totalizando cinco (2+3).15 No mesmo período, os Estados Unidos admitiram pela

primeira vez a ideia de reforma do Conselho, mas defendiam somente um quick-fix,

ou seja, a incorporação de apenas Japão e Alemanha, o que iria ao encontro de

interesses estadunidenses, visto que os EUA poderiam dividir os gastos – como os

altos custos de operações de paz – sem diluir significativamente o poder dos membros

permanentes.

Parece claro que a simples incorporação de Japão e Alemanha não aumentaria de forma

suficiente a representatividade do órgão, nem lhe garantiria uma maior legitimidade, ainda mais

se considerando que boa parte das ações do Conselho incidem justamente sobre países em

desenvolvimento, que continuariam excluídos do rol de membros permanentes. (VELASCO,

2005, p. 55)

O tema da reforma voltou com força total em setembro de 2004, quando Brasil, Índia,

Japão e Alemanha, formando o G4, buscam apoiar mutuamente suas aspirações a um

assento permanente. A proposta oficial do G4 previa a ampliação do órgão para 25

membros, com 6 novos membros permanentes – inclusive com poder de veto – e 4

não permanentes. A proposta foi mal vista pelo P5, mormente porque a extensão do

veto significaria o congelamento das decisões, tal como ocorrido durante a Guerra

Fria. Posteriormente, uma nova proposta, na qual se excluía o poder de veto, foi feita,

15 VELASCO Jr., Paulo A, op. cit. p. 54

mas o grupo frequentemente esbarrava na resistência daqueles que temiam o êxito de

suas proposições. Trata-se de países vizinhos que se sentiram ameaçados ou

desprestigiados com a união e constituíram o principal foco de resistência ao G4 –

México e Argentina se opuseram à candidatura brasileira; Paquistão foi contrário à da

Índia; China não aceitou a do Japão e a Itália não concordava com a alemã.

2.2 O Brasil e a reivindicação por um assento permanente

Em 1989, na abertura da 44ª sessão da Assembleia Geral, o Brasil se lançou como

candidato a um assento permanente no Conselho de Segurança pela primeira vez, e o

então presidente brasileiro, José Sarney, defendeu mudanças na estrutura do

Conselho. Na década de 1990, a gestão Fernando Henrique Cardoso manteve um

discurso menos intenso, provavelmente para evitar atritos com sua mais importante

sócia comercial no MERCOSUL, a Argentina.16 A questão foi retomada com vigor a

partir do governo Lula, em 2003. Desde então, o discurso da política externa

brasileira orienta-se em favor da democratização dos processos decisórios

internacionais, bem como de maior representatividade nos mesmos.

Além de estar entre os 15 países que mais contribuem para o orçamento da

ONU, o Brasil foi um dos países fundadores da organização e argumenta contribuir

sobremaneira para a paz e segurança mundiais. Desde 1956, quando enviou um

batalhão para o Oriente Médio, já participou de 25 operações de paz, em quase todos

os continentes. A concepção brasileira é voltada para um sistema de segurança

multilateral, no qual a força é utilizada somente depois de esgotados todos os recursos

diplomáticos.17 Ademais, a presidente Dilma Rousseff salienta, em seu discurso na

abertura da Assembleia Geral, o caráter pacífico das relações do país com seus

vizinhos há mais de 140 anos; os bem-sucedidos processos de integração e

16 Idem, p. 58 17 AMORIM, Celso. A ONU aos 60. Política Externa, vol.14, nº 2, setembro-novembro, 2005. p. 19

cooperação e a atuação como mediador em crises e conflitos regionais.18 Rousseff

relembra ainda como o Brasil, ao contrário dos atuais membros permanentes, abdicou

do uso da energia nuclear para fins que não fossem pacíficos. A temática do

desenvolvimento, aliada ao combate à fome e à pobreza, também vem ganhando

destaque desde o governo Lula, tanto interna quanto externamente.

As maiores resistências à candidatura brasileira, no âmbito regional, vêm do

México e Argentina, conforme mencionado anteriormente. Os vizinhos brasileiros

não acreditam em uma verdadeira representação regional e temem que a posição

privilegiada seja usada a título pessoal, possibilitando o surgimento de desequilíbrios

na região. Outro argumento constantemente utilizado por aqueles que rejeitam a

candidatura brasileira, inclusive alguns membros do P5, relaciona-se com as grandes

disparidades do país, relacionadas à má distribuição de renda e à pobreza, além das

denúncias de violação dos direitos humanos. Todavia, a presidente brasileira

reconhece tais problemas em seu discurso, mas assegura que todos os países, em

maior ou menor medida, sofrem com “o autoritarismo, a miséria, a pena capital, a

discriminação”, que seriam “algozes dos direitos humanos”. Por isso, o Brasil

condena quaisquer atitudes de um ou mais Estados que possam levar à violação dos

direitos humanos, conforme veremos ao analisar a “responsabilidade ao proteger”.

Desse modo, os argumentos pessimistas baseados na alegação de violações não são

suficientes para barrar uma possível entrada do país no grupo dos membros

permanentes do Conselho de Segurança.

Por todo o exposto, podemos afirmar que a reforma do Conselho de Segurança

das Nações Unidas parece ser a solução mais justa e eficaz para que a sociedade

internacional enfrente os novos desafios do mundo pós-Guerra Fria. Apesar da

complexidade do tema, é possível verificar mudanças graduais, porém lentas, de

posições das potências inseridas no P5. Um bom exemplo dessa transformação, no

caso específico de nossa análise, é a posição dos Estados Unidos, que em 1994 eram

contra a entrada do Brasil no grupo dos membros permanentes, porém, dez anos

18 VELASCO Jr., Paulo A, op. cit. p. 59

depois, já se mostravam favoráveis à ideia. Por fim, o discurso da presidente Dilma

Rousseff acerca da reivindicação brasileira por um assento permanente no Conselho

de Segurança pode ser sintetizado por sua vontade de que a reforma procure refletir o

mundo contemporâneo tal como ele é.

3. O Brasil diante das intervenções humanitárias

Outro ponto levantado pela presidente em seu discurso na Assembleia da ONU foi

aquele relativo ao posicionamento brasileiro diante das intervenções internacionais

baseadas no princípio da responsabilidade de proteger (R2P, em inglês).

Mencionando os levantes da Primavera Árabe, Rousseff expressou sua solidariedade

para com as populações que buscavam a emergência de uma ordem democrática e

social justa. Ao mesmo tempo, salientou seu posicionamento contrário a ingerências

externas irresponsáveis nesses contextos de instabilidade política, dado os efeitos

perversos que poderiam gerar. Nesse sentido, ela propõe que as ações internacionais

em defesa de populações civis, submetidas a governos que não querem ou não são

capazes de resguardar seus direitos humanos, sejam pautadas por uma

“responsabilidade ao proteger”.

Os levantes da Primavera Árabe, que despontaram no cenário internacional ao

longo de 2011, suscitaram diferentes respostas da sociedade internacional. Assim,

vislumbram-se casos em que se apoiou retórica e diplomaticamente as reivindicações

populares contra os regimes em vigor (como no caso do Egito e da Tunísia), mas

também estas foram por vezes ignoradas (como no caso do Bahrein). Houve ainda

posicionamentos internacionais mais diretamente contrários aos governos autoritários

instalados, buscando intervir para o fim dos conflitos internos através de uma ação

militar direta, como no caso Líbia, ou através da imposição de sanções, como no caso

da Síria.

Poucos meses antes do pronunciamento de Dilma na abertura da Assembleia

Geral, o Brasil havia explicitado seu posicionamento contrário à iniciativa de

autorizar uma intervenção na Líbia sob o capítulo VII da Carta da ONU19. Apesar da

abstenção brasileira, a Resolução 197320 foi aprovada no mês de março, e, ainda que

não se apresentasse literalmente como pautada no princípio do R2P, refletia seu

conteúdo ao permitir o emprego de “todas as medidas necessárias” para proteger os

civis dos ataques do governo de Muammar al-Gaddafi.

A declaração feita pela embaixadora Maria Luisa Viotti, representante

permanente do Brasil junto à ONU, na sessão do Conselho que aprovou a referida

Resolução foi bastante explícita em se opor a esse tipo de intervenção armada,

afirmando que:

Estamos (...) preocupados com a possibilidade de que tais medidas tenham os efeitos involuntários de exacerbar tensões no terreno e de fazer mais mal do que bem aos próprios civis com cuja proteção estamos comprometidos.21

Essa linha de conduta empregada pelo Brasil e sua proposição pela busca de uma

“responsabilidade ao proteger” têm gerado repercussões internacionais, o que se

reflete na mídia estrangeira. A seguir, buscaremos apresentar brevemente essas

repercussões, efetuando antes, porém, uma análise de como essa formulação se

relaciona com o princípio da não indiferença, defendido anteriormente pelo ministro

Celso Amorim durante os governos do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

19 O capítulo VII , sob o título “Ação Relativa a Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agressão”, estabelece a possibilidade do CS aprovar que se leve a cabo “por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.” L.cO texto da Carta da ONU está disponível em http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf (último acesso em maio, 2012) 20O texto da Resolução encontra-se disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/268/39/PDF/N1126839.pdf?OpenElement (acesso em maio, 2012). 21Ministério das Relações Exteriores. “Aprovação da Resolução 1973 do Conselho de Segurança da ONU sobre a Líbia”, Nota Nº 103.http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/aprovacao-da-resolucao-1973-do-conselho-de-seguranca-da-onu-sobre-a-libia (acesso em maio 2012)

O princípio da não indiferença surgiu na África (SEITENFUS, ZANELLA &

MARQUES, 2007) a partir do massacre deflagrado em Ruanda, em 1994, no qual se

estima que teriam morrido cerca de um milhão de pessoas. A postura

internacionalmente consentida então apontava para a não intervenção em assuntos

internos dos países, respeitando sua condição soberana; o que pareceu, naquele

momento, inconveniente diante da tragédia humanitária e da real incapacidade de

países africanos, como Ruanda, de sustentarem sua condição como efetivamente

“soberanos”. A partir de então, estes países, reunidos na recém-instituída União

Africana (UA), passaram a adotar um novo corpo doutrinário para a política regional,

pautado no princípio da não indiferença, permitindo a intervenção em um Estado

africano em casos de golpe de Estado ou de circunstâncias humanitárias graves.

Ainda segundo SEITENFUS et al. (2007), a partir do governo Luís Inácio

Lula da Silva, o Brasil passa a sinalizar – dentre outras inflexões com o que vinha

sendo empreendido pelo governo anterior – que esse tipo de lógica solidária também

seria empregada pela política externa do país. A atitude de ruptura, nesse aspecto,

ultrapassa a relativa ao governo anterior, abrindo caminho para uma flexibilização do

princípio da não intervenção, consolidado desde a gestão do Barão do Rio Branco. A

participação brasileira na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti

(MINUSTAH) foi justificada oficialmente pela chancelaria brasileira no governo Lula

como baseada no princípio da não indiferença, o que se exemplifica no seguinte

trecho da declaração proferida por Celso Amorim em 2010, durante a Sessão Especial

do Conselho de Direitos Humanos sobre o Haiti:

O respeito pela autodeterminação em conjunção com a decisão de ajudar aqueles extremamente

necessitados é o que chamamos de “não-indiferença", princípio que não afeta a não-intervenção,

mas traz nova perspectiva sobre ela.

Após ter visitado o Haiti nove vezes desde 2004, posso garantir: a não-indiferença trouxe

resultados em termos de maior segurança, de reforço da governança democrática, de progresso

sócio-econômico e de maior autoconfiança.”22

22Ministério das Relações Exteriores. “Discurso do Ministro Celso Amorim por Ocasião da Sessão Especial do Conselho de Direitos Humanos sobre o Haiti- Genebra, 27/01/2010”.

A partir disso, pode-se pensar a proposta feita por Dilma em seu discurso no que

concerne a “responsabilidade ao proteger” como uma atualização do pensamento e

posicionamento brasileiros diante de situações humanitárias drásticas. Todavia, as

linhas gerais da não indiferença foram mantidas, sobretudo no tocante à resistência

em intervir pela força. A diplomacia brasileira, tanto no governo Lula como no atual,

procurou não romper com o princípio de respeito ao direito internacional e à

soberania dos Estados, já que, como salienta Mariana Kalil (KALIL, 2011) e Kai

Kenkel (KENKEL, 2012), o Brasil tem buscado se envolver somente em missões de

manutenção de paz cujo limite de atuação seja o Capítulo VI da Carta da ONU. Outro

fator que a presidente critica, e que afastaria o Brasil de apoiar intervenções que

prevêem o uso da força em nome do R2P, é a falta de representatividade do Conselho

de Segurança (CS) enquanto instância decisória. Nesse sentido, a ausência de

legitimidade das decisões tomadas no âmbito do CS, dada a sua rígida configuração

desde o pós-Segunda Guerra Mundial, relaciona-se à demanda brasileira pela reforma

desse órgão, discutida anteriormente.

A responsabilidade de proteger foi proposta inicialmente em 2001, por um

relatório elaborado pela International Comission on Intervention and State

Sovereignty (ICISS)23, e tinha como motivação tentar evitar a repetição de genocídios

como aqueles verificados em Camboja, Ruanda e Bósnia. Quatro anos depois, o

World Summit da ONU resultou em um acordo entre os Estados (Resolução 60.1 da

AG24), pelo qual eles se comprometeriam com o R2P, implicando que a soberania dos

Estados passaria a ser considerada a partir da responsabilidade de proteger suas

populações de sérias violações de direitos humanos e quadros humanitários graves. A

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/discursos-artigos-entrevistas-e-outras-comunicacoes/ministro-estado-relacoes-exteriores/494723400879-discurso-do-ministro-celso-amorim-por-ocasiao-da (acesso em maio 2012) 23ICISS “The Responsability to Protect”, dezembro de 2001. http://responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf (último acesso em maio 2012) 24General Assembly. “Resolution adopted by the General Assembly -60/1. 2005 World Summit Outcome”. http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/un/unpan021752.pdf (acesso em maio 2012)

comunidade internacional deveria apoiar os Estados a cumprir essa tarefa e, quando

não fosse viável pela via pacífica, deveriam garantir a proteção da população contra

as violações e crimes de seu próprio governo através, em última instância, do

emprego coletivo da força autorizado pelo CS sob o Capítulo VII.

Quando da emergência do conceito, em 2001, o Brasil se posicionou de forma

claramente contrária à implantação do princípio no plano internacional. Como

assinalado acima, este ia de encontro aos valores estimados pela política externa

brasileira, tais como a não ingerência, o respeito à soberania dos Estados e a solução

pacífica das controvérsias. O uso da força previsto nesse novo conceito em debate

repelia o apoio da diplomacia nacional, que historicamente enfatiza a necessidade de

se investir na diplomacia e na negociação. A questão de a decisão do emprego da

força recair sobre uma instância que o Brasil não julga como verdadeiramente

multilateral e justa também pesa na oposição do país à operacionalidade do R2P.

Entretanto, como analisa Kenkel (2012), nos últimos anos, mais precisamente

desde 2005, o Brasil tem se inserido mais no debate acerca do R2P. Para o autor, essa

mudança na postura brasileira pode ser explicada pela sua condição de potência

emergente, o que expande suas considerações ao nível global e dificulta seu

isolamento em tais debates multilaterais. Rompendo com sua oposição inicial, o país

chega em 2011 à elaboração de uma proposta própria acerca do assunto, com a

“responsabilidade ao proteger”, lançada inicialmente no discurso aqui estudado.

Ao discurso da presidente na Assembléia Geral seguiu-se, dois meses depois,

no âmbito do Conselho de Segurança, a veiculação de um artigo conceitual elaborado

pelo chanceler Antonio Patriota em que ele desenvolve o conceito de

“responsabilidade ao proteger”25. Em linhas gerais, propõe-se que se estabeleçam

parâmetros para que uma intervenção militar em nome do R2P seja levada a cabo.

Para que esses parâmetros sejam implementados de fato, são necessários mecanismos

de monitoramento para que o mandato não seja extrapolado. Nas entrelinhas, critica-

se a intervenção na Líbia, que ultrapassou seu objetivo explícito de impor uma zona

25 United Nations Security Council. “Agenda items 14 and 117”. Disponível em: http://www.un.int/brazil/speech/Concept-Paper-%20RwP.pdf (acesso em maio 2012)

de exclusão aérea e se envolveu na guerra civil até obter a derrota definitiva de

Gaddafi, com seu assassinato. Dentre os parâmetros propostos, encontram-se o

recurso à força como última opção, ênfase na prevenção, limitações ao emprego da

força, proporcionalidade nas repostas, equilíbrio das conseqüências e prestação de

contas.

Assim como ao defender o princípio da não indiferença, a “responsabilidade

ao proteger” demonstra a preocupação da política exterior com violações graves de

direitos humanos, ao mesmo tempo em que procura impedir que esse tipo de

consideração abra espaço para a criação de um droit d’ingérence internacional, que

menospreza a soberania dos Estados e permite intervenções inconsequentes. Ao se

posicionar como potência emergente, o Brasil busca influir nesse debate premente na

agenda internacional, renovando seu vocabulário e atualizando sua conduta sem

perder de vista os princípios supracitados.

A proposta brasileira tem ganhado notoriedade internacional, em geral

positiva, o que se visualiza em alguns artigos midiáticos. A matéria veiculada em The

Guardian intitulada “Welcome to Brazil's version of 'responsibility to protect26'” é

bastante elogiosa à diplomacia que o Brasil vem desenvolvendo e que contribui para

discussões acerca de R2P em meio a dilemas como o enfrentado atualmente na Síria.

Na revista Foreign Policy27, o conceito brasileiro foi reconhecido como um indicativo

de que é necessário incluir os países do sul global para que as discussões e ações

internacionais acerca das intervenções humanitárias sigam em frente. A The

Economist28

já se posiciona na contramão dessas análises, publicando uma matéria

sobre as relações Brasil-EUA (no contexto da visita de Rouseff à Casa Branca), na

qual pontua seu ceticismo diante da nova proposta brasileira, já que o país não 26 The Guardian “Welcome to Brazil's version of 'responsibility to protect”. 10/04/2012. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2012/apr/10/diplomacy-brazilian-style.(acesso em abril 2012) 27 Foreign Policy. Syria’s Crisis and the Future of R2P. 16/03/2012. Disponível em: http://mideast.foreignpolicy.com/posts/2012/03/16/syrias_crisis_and_the_future_of_r2p (acesso em maio 2012) 28The Economist. Dilma Rousseff's visit to America: Our friends in the South. 07/04/12. Disponível em: http://www.economist.com/blogs/democracyinamerica/2012/04/dilma-rousseffs-visit-america (acesso em maio 2012)

costuma participar de intervenções que prevêem o uso da força e, que, assim, a

proposta não traria mudanças concretas de política externa.

Por fim, em meio ao debate suscitado pela proposta do governo Rousseff,

chama atenção também a matéria lançada em Project Syndicate29. Nela, Gareth

Evans, um dos principais mentores da doutrina de R2P no âmbito da ONU, enfatizou

a importância daquilo que o Brasil estava propondo como uma nova perspectiva a ser

considerada e desenvolvida pelos Estados para que uma ação conjunta possa ser mais

coerentemente encaminhada. Somente assim, para Evans, seria possível dar

prosseguimento ao caminho que vinha sendo trilhado pelos Estados no sentido de

impedir que atrocidades como as verificadas nos anos 1990 se repitam em meio à

inação global.

Considerações finais

Procuramos, através de uma análise do discurso de Dilma Rousseff na abertura da 66ª

Assembleia Geral da ONU, ressaltar pontos centrais concernentes à política externa

de seu governo. Em um momento em que o Brasil fortalece sua posição de potência

emergente, o país busca participar de maneira mais ativa e autônoma dos debates

globais, marcando sua posição e defendendo vias próprias para lidar com questões

que atravessam fronteiras. Nesse sentido, identificamos no discurso a perspectiva

brasileira para lidar com a crise econômica internacional, a proposta por uma

“responsabilidade ao proteger” e a reiteração da demanda por uma reforma do

Conselho de Segurança da ONU como questões nas quais o país busca influir de

maneira direta na arena global e que definem posicionamentos da política externa

brasileira no governo Dilma Rousseff.

A crise econômica global tem destaque em sua fala, que busca ressaltar a

perspectiva privilegiada de um país que continua crescendo em meio a um quadro de

29 Evans, Gareth. Responsability While Protecting. Project Syndicate, 27/01/12. Disponível em: http://www.project-syndicate.org/commentary/responsibility-while-protecting (acesso em abril 2012)

recessão e estagnação em grande parte dos países ricos. Assim, salientamos que as

ponderações, propostas e alternativas lançadas por Rousseff para lidar com a crise

mostram-se condizentes com o modelo do Estado logístico, já que, reconhecendo a

interconectividade entre as economias num contexto mundial globalizado, prega-se

uma participação do Estado para viabilizar o desenvolvimento socioeconômico.

No palco dos debates políticos e securitários internacionais, procuramos

fornecer um exame da defesa brasileira por uma “responsabilidade ao proteger” e da

necessidade de se reformar o Conselho de Segurança da ONU, temas estes

intimamente interligados. A diplomacia brasileira que, no governo anterior, pautava

seu posicionamento diante de intervenções humanitárias no princípio da não

indiferença, recicla seu vocabulário e adapta-o às novas discussões através da defesa

da “responsabilidade ao proteger”, sem abrir mão de sua contrariedade a intervenções

armadas arriscadas. A essa demanda, soma-se à da reforma do Conselho de

Segurança, mudança necessária para torná-lo efetivamente representativo ao incluir

membros permanentes provindos do mundo em desenvolvimento. Sem uma reforma

desse porte no Conselho, não haveria, segundo a diplomacia brasileira, como

encaminhar intervenções aprovadas em seu âmbito sob a justificativa da

responsabilidade de proteger populações civis de governos violentos e violadores dos

direitos humanos.

Em um momento em que o Brasil ocupa a posição de sexta maior economia

mundial, a política externa do governo Dilma busca demarcar os posicionamentos do

país nas discussões globais e influenciar na definição da agenda dos debates. Por fim,

percebe-se que embora mantenha uma linha de atuação mais discreta, se comparada a

do seu antecessor, podemos evidenciar atitudes e posicionamentos do governo

brasileiro que repercutem na pauta de discussões globais e na mídia.

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