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O DISCURSO DE ÓDIO E SEU REFLEXO NA REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA DAS MINORIAS
Ingrid Gili Martins (Universidade Estadual de Maringá)
Valéria Silva Galdino Cardin (Universidade Estadual de Maringá) Resumo
A presente pesquisa realizou, por meio de revisão bibliográfica, reflexões acerca do
discurso de ódio enquanto ferramenta de poder que legitima a exclusão e a
opressão das minorias no espaço político, bem como das consequências
simultâneas sofridas por indivíduos de grupos minoritários, que têm seus direitos
fundamentais lesados. Como casos práticos das consequências do discurso de ódio,
analisar-se-á, assim, o afastamento de representantes da diversidade no espaço
político, os quais possuem defesas parlamentares dos direitos do movimento
LGBTQ+, do movimento negro e também possuem pautas de combate ao
feminicídio e assédio sexual, como também, explanar-se-á, casos emblemáticos de
homicídios que demonstram a materialidade do discurso.
Palavras-chave: Direito; Discriminação; Espaço de fala; Hate speech; Invisibilidade.
Introdução
O discurso de ódio, também conhecido como hate speech, abarca
manifestações de pensamentos de indivíduos de uma classe ou grupo considerado,
representativamente, como a maioria, em detrimento de grupos minoritários, sejam
eles étnicos, religiosos ou sexuais, com o fim exclusivo de incitar a discriminação e a
marginalização, colidindo diretamente com os direitos fundamentais dos indivíduos
desses grupos vulneráveis.
De acordo com Samantha Ribeiro Mayer-Pflug (2009, p. 97), o discurso de
ódio tem como alvo de discriminação os grupos minoritários, tendo em vista que
“não se confunde com o insulto individual, ou seja, com a difamação de um indivíduo
em particular, mas sim com o insulto a um determinado grupo ou classe”.
Destarte, apesar de possuir caráter linguístico/verbal e não verbal, o discurso
de ódio apresenta potencialidade de transformação em ações violentas, isso é,
quando a prática deixa o seu caráter eminentemente discursivo e, materializa-se
passando a ser propagado em forma de violência.
Usado como ferramenta de dominação, esse tipo de manifestação pública de
pensamento, possui potencial ofensivo ainda mais exorbitante quando manifestado
por líderes políticos, tendo em vista que esses sujeitos possuem uma enorme
influência sobre inúmeras instituições que reproduzem o discurso de forma
materializada, com o escopo de calar ou de excluir minorias sociais.
Nessa linha de pensamento, Michel Foucault (2014, p. 8) destaca que:
[...] em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.
Para o autor, as instituições sociais praticam várias formas de controle na
sociedade, entre as formas encontra-se a prática discursiva e os diversos tipos de
poder que as permeiam. O ilustre filósofo argumenta que, o discurso deve sofrer
limitações por interdições como o tabu e as circunstâncias, em outras palavras, não
se deve falar sobre qualquer assunto em qualquer circunstância.
Salienta-se que o discurso de ódio difere-se de uma mera manifestação de
opinião por possuir capacidade de lesar os direitos dos destinatários, uma vez que:
De fato, o discurso em sentido estrito não deve ser considerado como a simples liberdade de expor “o que quiser”. Ele é uma ação com viés comunicativo que, quando assume ênfase no ato de desvalor da vítima, deixa de ser uma mera opinião, configurando-se como um discurso de incitação ao ódio, já que
acarreta efeitos materiais lesivos a seus destinatários (CAZELATTO; CARDIN, 2016).
Ao examinar a atual conjuntura política brasileira, percebeu-se que, após uma
intensa propagação do discurso de ódio, durante e depois das eleições presidenciais
de 2018, houve um apagamento de mulheres e de pessoas que não fazem parte do
padrão branco-hetero-cisnormativo no cenário parlamentar.
A título de exemplo, segundo a matéria veiculada no Jornal g1.globo, em
janeiro do ano de 2019, Jean Wyllys, deputado federal do Partido Socialismo e
Liberdade, do Rio de Janeiro (PSOL-RJ), decidiu não assumir o terceiro mandato
parlamentar, tendo em vista que, segundo o político, o mesmo sofreu ameaças de
morte por razões discriminatórias, tendo que se exilar do país por segurança.
Segundo o deputado federal, tal violência aumentou com a perseguição dos
seguidores do atual presidente e depois do assassinato de Marielle Franco
(CALGARO; VIVAS, 2019).
Durante a sua atuação na política, Jean Wyllys apresentou vários projetos de
leis que visavam combater violências discriminatórias como a LGBTfobia, com a
proposta de criação de espaços de vivência específicos para travestis e transexuais
em estabelecimentos penais, e, em parceria com Marielle Franco – mulher, negra,
ativista e política, assassinada à tiros quando voltava de um evento com jovens
negras –, ele apresentou proposta de combate às violências contra as mulheres com
o projeto de companha permanente de conscientização e enfrentamento ao assédio
sexual em transporte público (WYLLYS, 2017).
Sob a luz de uma perspectiva de representatividade, as presenças e as
atuações de políticos como Jean Wyllys e Marielle Franco são essenciais, dado que
integram grupos que exercem menos espaço de fala e, consequentemente, gozam
de menos espaço para reivindicarem por seus direitos. Sem essas presenças,
pautas como feminicídio, racismo, LGBTfobia são tratadas por privilegiados que
relativizam ou, até mesmo, negam a sua existência – o que ecoa sobre os números
de homicídios e outros tipos de crimes que crescem e permanecem velados por
índices que não representam a realidade.
Consequentemente, percebe-se uma concomitância do apagamento da
diversidade na política junto com uma crescente violência em outros espaços
públicos e privados, naturalizada e legitimada pela disseminação do discurso de
ódio, como por exemplo, o simbólico caso do assassinato de Moa Katendê, mestre
de capoeira esfaqueado por ter se manifestado contra o presidente da República, e
o espantoso número de casos de feminicídios registrados já o começo no ano de
2019, sendo que, no mês de janeiro, foram contados cento e sete casos em todo
Brasil (CAPETTI;GRANDELLE, 2019), enquanto, no ano de 2018, o Ministério dos
Direitos Humanos registrou o número de 27 feminicídios ocorridos em janeiro até o
mês de julho (BRASIL, 2018).
Dessa forma, o discurso de ódio de líderes políticos possui influência direta na
exclusão da diversidade em espaços públicos, como na esfera da política, o que
reflete não apenas a desestruturação social em caráter coletivo, mas também
legitima atentados aos direitos individuais de pessoas pertencentes aos grupos alvos
de discriminação.
Desenvolvimento
Existem diversas maneiras de exercer poder sobre o outro, a propagação de
um discurso de ódio consiste em uma delas, tendo em vista sua potência em
legitimar e propagar a discriminação, a exclusão e até mesmo a violência física
quando materializado.
No espaço político, o discurso de ódio reflete na representatividade política
das minorias, o que causa, por consequência, um impacto no cerceamento dos
direitos fundamentais dos sujeitos pertencentes aos grupos vulneráveis, como o
direito à vida.
Portanto, pode-se observar uma concomitância entre a exclusão da minoria
na esfera política e o crescente número de feminicídio, e atentados contra a vida de
pessoas LGBTQ+ e pessoas não brancas.
Considerações finais
Em suma, o discurso de ódio, manifestação pública de pensamento usada
como instrumento de poder por líderes políticos, possui capacidade de propagar e
legitimar a violência, o que reflete diretamente na política brasileira, impactando não
apenas na ausência de integrantes de grupos minoritários em cargos parlamentares,
mas também sobre as vidas de mulheres, pessoas não brancas e LGBTQ+ em
outros ambientes públicos e privados.
Referências
BRASIL, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. MDH divulga dados sobre feminicídio. 2018. Disponível em: < https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/agosto/ligue-180-recebe-e-encaminha-denuncias-de-violencia-contra-as-mulheres>. Acesso em: 20 fev. 2019. CALGARO, Fernanda; VIVAS, Fernanda. Jean Wyllys decide não tomar posse para novo mandato em razão de ameaças. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/01/24/deputado-jean-wyllys-nao-tomara-posse-para-novo-mandato-diz-assessoria.ghtml>. Acesso em: 16 fev. 2019. CAPETTI, Pedro; GRANDELLE, Renato. Cento e sete casos de feminicídio foram registrados em 2019, diz estudo. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/brasil/cento-sete-casos-de-feminicidio-foram-registrados-em-2019-diz-estudo-23390072.html>. Acesso em: 16 fev. 2019. CAZELATTO, Caio Eduardo Costa; CARDIN, Valéria Silva Galdino. O discurso de ódio homofóbico no Brasil: um instrumento limitador da sexualidade humana. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, Maringá, v. 16, n. 3, p. 919-938, set./dez. 2016. ISSN 2176-9184. Disponível em: <periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/view/5465/2893>. Acesso em: 18 fev. 2019. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 24. ed. São Paulo: Loyola, 2014.
MAYER-PFLUF, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. WYLLYS, Jean. Projetos de lei. Disponível em: <http://jeanwyllys.com.br/acessivel/?page_id=2136>. Acesso em: 20 fev. 2019.