5
O fim do mundo não é para Vamos ter menos chuva e mais calor As temperaturas mé- dias em Portugal po- derão aumentar en- tre dois e três graus centígrados e a preci- pitação diminuir de 24% a mais de 30% até ao final do século, prevê o cenário mais pessimista feito pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) e pelo Instituto Dom Luiz (Universidade de Lis- boa), a que o Expresso teve acesso. As duas instituições fizeram simula- ções distintas para a evolução da tempe- ratura e da precipitação na Terra até 2100, no âmbito do consórcio ECEarth, uma parceria de dez países europeus (in- cluindo Portugal) liderada pela Holan- da. O consórcio contribuiu para o Quin- to Relatório do Painel Intergovernamen- tal para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado na semana passada. Para a Península Ibérica foram conside- rados dois cenários: um moderado, que pressupõe o cumprimento dos objetivos da UE para 2020 de redução de 20% das emissões de dióxido de carbono (CO2) e de aumento de 20% do peso da energia renovável, relativamente a 1990; e um cenário extremo, de uma economia com maior intensidade de carbono. "Verificá- mos nos dois cenários um aumento das temperaturas em Portugal, com zonas onde a subida chega aos quatro graus", explica Pedro Viterbo, diretor de Meteo- rologia e Geofísica do IPMA. "E associa- da a esta tendência encontrámos uma di- minuição da precipitação e oscilações enormes da precipitação anual". Com efeito, as simulações feitas pelos cientis- tas portugueses revelaram períodos de seca de 20 a 30 anos, muito superiores aos registados no passado, o que signifi- ca que, "a verificar-se efetivamente este fenómeno extreme, ofte tJtt§te«m,Partii" gal nenhum mecanismo de resistência e adaptação na rede de barragens e albu- feiras para períodos tão grandes de es- cassez de água", acrescenta Pedr& Viter- bo. Haverá ainda um impacto negativo na produção de energia hídroelétrica. As consequências da subida das tempe- raturas e da diminuição da chuva serão muito diversificadas e vão das mudanças nas castas de uvas para a produção de vi- nho na Região do Douro à deslocação de produções agrícolas para o norte do país (a pêra Rocha produzida na Região Oes- te, por exemplo, precisa de dias frios para se desenvolver), à pressão sobre culturas de regadio muito exigentes em água, co- mo o milho (onde alcançámos produti- vidades semelhantes às do centro da Eu- ropa), a alterações no regulamento ener- gético dos edifícios que irão encarecer a sua construção ou a mais fogos florestais. Zonas costeiras ameaçadas "Em Portugal, as consequências mais graves para o futuro serão nas zonas cos- teiras", avisa Filipe Duarte Santos. Pro- fessor catedrático da Faculdade de Ciên- cias da Universidade de Lisboa, foi revi- sor de edição do capítulo "Impactos, Vul- nerabilidades e Adaptação" de um se- gundo relatório do IPCC sobre impactos e mitigação das alterações climáticas, que será divulgado em 2014. No primeiro relatório, o IPCC prevê que o nível do mar suba entre 26 e 82

O do mundo não - ULisboa | Universidade de Lisboa · de regadio muito exigentes em água, co- ... que recorda que desde a Revolução In- ... nários do Painel Intergovernamental

Embed Size (px)

Citation preview

O fim domundo não é

para jáVamos ter menos chuva e mais calor

Astemperaturas mé-

dias em Portugal po-derão aumentar en-tre dois e três grauscentígrados e a preci-pitação diminuir de

24% a mais de 30%até ao final do século,prevê o cenário mais

pessimista feito pelo Instituto Portuguêsdo Mar e da Atmosfera (IPMA) e peloInstituto Dom Luiz (Universidade de Lis-

boa), a que o Expresso teve acesso.As duas instituições fizeram simula-

ções distintas para a evolução da tempe-ratura e da precipitação na Terra até2100, no âmbito do consórcio ECEarth,uma parceria de dez países europeus (in-cluindo Portugal) liderada pela Holan-da. O consórcio contribuiu para o Quin-to Relatório do Painel Intergovernamen-tal para as Alterações Climáticas (IPCC)da ONU, divulgado na semana passada.

Para a Península Ibérica foram conside-rados dois cenários: um moderado, quepressupõe o cumprimento dos objetivosda UE para 2020 de redução de 20% das

emissões de dióxido de carbono (CO2) ede aumento de 20% do peso da energiarenovável, relativamente a 1990; e umcenário extremo, de uma economia commaior intensidade de carbono. "Verificá-mos nos dois cenários um aumento das

temperaturas em Portugal, com zonasonde a subida chega aos quatro graus",explica Pedro Viterbo, diretor de Meteo-rologia e Geofísica do IPMA. "E associa-da a esta tendência encontrámos uma di-

minuição da precipitação e oscilaçõesenormes da precipitação anual". Comefeito, as simulações feitas pelos cientis-tas portugueses revelaram períodos de

seca de 20 a 30 anos, muito superioresaos registados no passado, o que signifi-ca que, "a verificar-se efetivamente estefenómeno extreme, ofte tJtt§te«m,Partii"gal nenhum mecanismo de resistência eadaptação na rede de barragens e albu-feiras para períodos tão grandes de es-cassez de água", acrescenta Pedr& Viter-bo. Haverá ainda um impacto negativona produção de energia hídroelétrica.

As consequências da subida das tempe-raturas e da diminuição da chuva serão

muito diversificadas e vão das mudançasnas castas de uvas para a produção de vi-nho na Região do Douro à deslocação de

produções agrícolas para o norte do país(a pêra Rocha produzida na Região Oes-

te, por exemplo, precisa de dias frios parase desenvolver), à pressão sobre culturasde regadio muito exigentes em água, co-mo o milho (onde já alcançámos produti-vidades semelhantes às do centro da Eu-ropa), a alterações no regulamento ener-gético dos edifícios que irão encarecer asua construção ou a mais fogos florestais.

Zonas costeiras ameaçadas

"Em Portugal, as consequências mais

graves para o futuro serão nas zonas cos-

teiras", avisa Filipe Duarte Santos. Pro-fessor catedrático da Faculdade de Ciên-cias da Universidade de Lisboa, foi revi-sor de edição do capítulo "Impactos, Vul-nerabilidades e Adaptação" de um se-

gundo relatório do IPCC sobre impactose mitigação das alterações climáticas,que será divulgado em 2014.

No primeiro relatório, o IPCC prevêque o nível do mar suba entre 26 e 82

centímetros até 2100, devido à fusão dos

gelos e dos glaciares no Ártico e na An-tártida. "É uma previsão bastante con-

servadora, porque há muitas publica-ções científicas que apontam para umasubida superior a um metro no pior cená-rio". Em todo o caso, "teremos de inves-tir muito para proteger a costa portugue-sa e evitar inundações", assinala DuarteSantos, recordando que "não há uma car-ta de risco de inundação atualizada, mas

apenas estudos pontuais".O cientista destaca também as conse-

quências do crescimento dos incêndios flo-restais para a saúde das populações de al-

gumas regiões, "que vão viver várias sema-nas consecutivas com a atmosfera comple-tamente poluída", e o impacto para a qua-lidade do ar nas cidades do aumento da

concentração do ozono devido às tempera-turas mais elevadas. Quanto à emergên-cia de doenças tropicais, Duarte Santos re-corda que o laboratório que dirige "fez

um estudo sobre a Madeira em 2006 quealertava para o risco de dengue, propon-do medidas para o evitar. E este acaboumesmo por surgir em 2012".

Viriato Soromenho Marques, membrodo Conselho Nacional do Ambiente e doDesenvolvimento Sustentável, chama a

atenção para o destaque dado pela pri-meira vez no relatório à acidificação dos

oceanos provocada pela absorção doCO2. "A acidificação é gigantesca e podeacelerar o processo das alterações climá-ticas, ao afetar a flora marinha, dimi-nuindo a produção de um aerossol quetem um efeito de compensação do aque-cimento da Terra", explica o professorcatedrático da Universidade de Lisboa.Pedro Viterbo acrescenta que este fenó-

meno "afeta a maior parte da nossa Zo-na Económica Exclusiva".

Um dos temas em destaque no relató-rio é a estabilização das temperaturasglobais nos últimos 15 anos, que tem si-

do muitas vezes referida pelos críticosdo aquecimento global. Soromenho Mar-ques insiste que "negar a subida das tem-peraturas por causa de 15 anos de abran-damento é um disparate criminoso". OIPCC argumenta que esta pausa faz par-te da variabilidade climática, deve-se à

acumulação de energia nos oceanos e o

que conta são as tendências de longo pra-zo, a 30 anos, que se mantêm iguais.

João Corte Real, professor catedráticoda Universidade de Évora, explica queesta paragem "mostra que o efeito doCO2 não foi dominante, perante a varia-bilidade natural do clima". Assim, "conti-nuar a falar de manutenção de uma ten-dência depois de 15 anos de paragemtem de ser feito com cuidado". Por outrolado, o climatologista considera que os

cenários futuros do relatório da ONU pa-recem ser menos alarmistas em relaçãoà evolução das temperaturas globais,"porque foi finalmente reconhecido quea sensibilidade climática que tinha sidoadotada antes era demasiado alta, o quejá fora assinalado por vários cientistasclassificados como céticos".

Depois do diagnóstico do que se passoue dos cenários até 2100, falta encontraras soluções, que passam por reduzir as

emissões de CO2 abaixo de um bilião de

toneladas, "limite crítico a partir do quala probabilidade de a temperatura globalnão ultrapassar os dois graus é pratica-mente nula", sublinha Duarte Santos,que recorda que desde a Revolução In-dustrial já foram libertados 500 mil mi-lhões de toneladas. Esta redução passapor uma aposta nas energias renováveise na economia verde. Mas teremos de es-

perar pela publicação de mais dois relató-rios do IPCC na primavera de 2014: umsobre o impacto das alterações climáti-cas e outro sobre a sua mitigação.

VIRGÍLIO AZEVEDO

[email protected]

CENÁRIOS ATÉ 2100

26a 82 centímetros é quanto poderá subiro nível do mar, fazendo recuar a costa

15anos de estabilização das temperaturasnão alteram tendências de longo prazoa 30 anos, defende a ONU

4graus poderá atingir o aumentoda temperatura em Portugal

24%a mais de 30% poderá ser a redução daprecipitação no cenário mais extremo

90%do calor adicional provocado pelosgases com efeito de estufa é absorvido

pelos oceanos

TRÊS PERGUNTAS A

Nu no LacastaPresidente da Agência Portuguesa do Ambiente

? O interesse da opinião pública pelas al-

terações climáticas tem claramente di-minuído nos últimos anos. Porquê?? Com a crise económica nos países desen-

volvidos as pessoas acabam por estar mui-to focalizadas no curto prazo, mas a verda-de é que por cada ano que passa a ameaçadas alterações climáticas aproxima-se ca-

da vez mais. E é a nossa geração que temde tomar decisões, porque os nossos filhos

já vão sentir na pele as consequências das

mudanças no clima.

? Em todo o caso, o Quinto Relatório doPainel Intergovernamental para as Alte-rações Climáticas (IPCC) divulgado no fi-nal da semana passada não é tão alarmis-ta como os anteriores.D É importante atualizar a ciência do climacomo se faz neste relatório, mas o documen-

to é cauteloso, conservador, teve em contaas críticas feitas ao relatório de 2007. Os

modelos climáticos usados foram testadosmais de 500 vezes e o processo que levou àelaboração do documento, onde participa-ram mais de 800 cientistas de todo o mun-do — 60% dos quais pela primeira vez —

, foimais democrático. Por isso as suas conclu-

sões são também mais credíveis.

? Que impacto poderá ter o relatórionas políticas nacionais relacionadas como ambiente, a energia e o clima?GVai influenciar as decisões dos gover-nos em todo o mundo. Aliás, as declara-

ções dos líderes políticos vão nesse senti-do. E é a base científica para preparar umtratado mundial que suceda ao Protocolode Quioto em 2015- O debate avança jáem novembro, na cimeira mundial daONU em Varsóvia (Polónia).

Portugal adapta-seàs alterações climáticas

Há uma estratégia nacional paraenfrentar as mudanças climáticasque está a ser preparadaem todos os sectores. O primeirobalanço foi divulgado esta semanaOs cenários de evolução climática paraPortugal até ao fim do século XXI apon-tam para condições progressivamentemais desfavoráveis para a atividadeagrícola e florestal, "decorrentes da re-dução da precipitação e do aumento da

temperatura, do agravamento da fre-quência e intensidade dos eventos extre-mos e do aumento da suscetibilidade à

desertificação", salienta o relatório de

progresso da Estratégia Nacional de

Adaptação às Alterações Climáticas,que se encontra na sua fase inicial.

O documento, que analisa áreas tão di-versas como a agricultura, biodiversida-de, energia, ordenamento do território,recursos hídricos ou saúde, foi apresen-tado esta semana na Agência Portugue-sa do Ambiente (AP A), em Alfragide,perto de Lisboa, e considera como "fato-res críticos para a adaptação da agricul-tura às alterações climáticas" a disponi-bilidade de água e a capacidade de re-ga, a fertilidade do solo e a prevençãoda erosão, a gestão de risco face aoseventos extremos e à maior variabilida-de do clima.

Enfrentar as alterações climáticas pas-sa por envolver produtores agrícolas e

florestais, comunidade científica, orga-nizações da sociedade civil e administra-ção pública, tomando medidas para "au-

mentar a resiliência, reduzir os riscos emanter a capacidade de produção debens e serviços que contribuem para odesenvolvimento sustentável do país".

Noutra área, a segurança de pessoas e

bens, observa-se uma importante redu-ção das chuvas na primavera, "permitin-do especular sobre a possibilidade deocorrerem mais cheias no período entrenovembro e janeiro". Esta tendência po-derá levar à redução de água para consu-

mo, ao risco de ocorrência de ondas decalor mais frequentes e ao aumento daseveridade dos incêndios florestais, on-de se admite que "zonas onde atualmen-te existem os índices mais baixos de ris-co possam passar a ser zonas de riscoelevado". Por isso, as medidas a tomarpretendem dotar a Proteção Civil deuma capacidade de resposta adequada"ao grau de gravidade e probabilidadedas consequências expectáveis de even-tos extremos".

Um dos países mais vulneráveis

Nuno Lacasta esclarece que este relató-rio de progresso é influenciado pelos ce-nários do Painel Intergovernamental pa-ra as Alterações Climáticas (IPCC) daONU. O presidente da APA recorda queprojeções feitas pelos cientistas da orga-nização e diversos estudos, "apontamPortugal como um dos países onde os

impactes das mudanças no clima se fa-rão sentir com maior gravidade, dada ainfluência da sua localização geográficano sul da Europa".