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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X O EMPODERAMENTO FEMININO: ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DA MULHER MANAUARA FRENTE A UMA AUTARQUIA ESTADUAL LACERDA, Ana Cláudia dos Santos/a 1 PEDRAÇA, Aline dos Santos/a 2 ARAÚJO, Clóvis Sena de/a 3 Resumo: O presente estudo busca analisar as mudanças ocorridas no cenário mercadológico da cidade de Manaus focalizando a inserção da mão de obra feminina e suas condições de trabalho nesse contexto. O objeto específico de análise é a forma de trabalho da servidora pública que exerce suas atividades numa esfera tradicionalmente exclusiva aos homens. Evidencia-se que, apesar da apropriação desse espaço, ainda são muitos os impasses para atuação feminina nessas áreas cujas demandas são desafiantes e extremamente diferentes das exigidas na esfera do lar. O perfil dessas mulheres, as transformações sociais conquistadas que possibilitaram o ingresso delas no espaço público, a leitura masculina sobre essa realidade, a forma de seu ingresso nessa esfera e os conflitos que enfrentam cotidianamente, são dentre outras, questões aqui refletidas. A pesquisa tem como base autores que facilitaram a compreensão da realidade contemporânea a partir das transformações ocorridas nos últimos séculos, que envolvem questões de gênero, o mercado de trabalho e outras especificidades do mundo moderno como Hannah Arendt, Eric Hobsbawn, Iraildes Calda Torres, Heloísa Lara Costa e Karl Marx, dentre outros. Concluiu- se que fatores econômicos, políticos, sociais, o processo de globalização contribuíram para a inserção da mulher manauara no espaço do trabalho público, apesar das desvantagens que essa condição acarreta para que seja estabelecida um sistema de igualdade, objeto amplamente tratado quando se pensa a questão de gênero. Palavras-chave: Trabalho. Capitalismo. Gênero. Servidora Pública. Introdução No mundo dinâmico em que vivemos, existe um desempenho crescente das diversas profissões quer por homens, quer por mulheres e, o acesso destas a um leque de profissões cada vez mais diversificado, que outrora eram habitualmente desempenhadas por homens, percebe-se o despertar do interesse feminino por profissões onde sua presença era, até pouco tempo, quase inconcebível. Diante das situações ocorridas, acredita-se que motivado pelas evoluções sociais, econômicas e culturais que levam a questionar os papéis tradicionais de cada gênero. Neste contexto, a presente produção científica investiga a condição da mulher, no mercado de trabalho dando ênfase à servidora pública na esfera estadual do serviço 1 Bibliotecária CoordenadoraUniversidade Nilton Lins; Aluna Especial do Programa de Pós Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia PPGSCA Universidade Federal do Amazonas - UFAM. 2 Assistente Social; Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia Universidade Federal do Amazona - UFAM 3 Sociólogo - Aluno Especial do Programa de Pós Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia PPGSCA Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

O EMPODERAMENTO FEMININO: ANÁLISE DA … · Manaus focalizando a inserção da mão de obra feminina e suas condições de trabalho nesse contexto. O ... Capitalismo. Gênero. Servidora

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

O EMPODERAMENTO FEMININO: ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DA

MULHER MANAUARA FRENTE A UMA AUTARQUIA ESTADUAL

LACERDA, Ana Cláudia dos Santos/a1

PEDRAÇA, Aline dos Santos/a2

ARAÚJO, Clóvis Sena de/a3

Resumo: O presente estudo busca analisar as mudanças ocorridas no cenário mercadológico da cidade de

Manaus focalizando a inserção da mão de obra feminina e suas condições de trabalho nesse contexto. O

objeto específico de análise é a forma de trabalho da servidora pública que exerce suas atividades numa

esfera tradicionalmente exclusiva aos homens. Evidencia-se que, apesar da apropriação desse espaço,

ainda são muitos os impasses para atuação feminina nessas áreas cujas demandas são desafiantes e

extremamente diferentes das exigidas na esfera do lar. O perfil dessas mulheres, as transformações sociais

conquistadas que possibilitaram o ingresso delas no espaço público, a leitura masculina sobre essa

realidade, a forma de seu ingresso nessa esfera e os conflitos que enfrentam cotidianamente, são dentre

outras, questões aqui refletidas. A pesquisa tem como base autores que facilitaram a compreensão da

realidade contemporânea a partir das transformações ocorridas nos últimos séculos, que envolvem

questões de gênero, o mercado de trabalho e outras especificidades do mundo moderno como Hannah

Arendt, Eric Hobsbawn, Iraildes Calda Torres, Heloísa Lara Costa e Karl Marx, dentre outros. Concluiu-

se que fatores econômicos, políticos, sociais, o processo de globalização contribuíram para a inserção da

mulher manauara no espaço do trabalho público, apesar das desvantagens que essa condição acarreta para

que seja estabelecida um sistema de igualdade, objeto amplamente tratado quando se pensa a questão de

gênero.

Palavras-chave: Trabalho. Capitalismo. Gênero. Servidora Pública.

Introdução

No mundo dinâmico em que vivemos, existe um desempenho crescente das

diversas profissões quer por homens, quer por mulheres e, o acesso destas a um leque de

profissões cada vez mais diversificado, que outrora eram habitualmente desempenhadas

por homens, percebe-se o despertar do interesse feminino por profissões onde sua

presença era, até pouco tempo, quase inconcebível.

Diante das situações ocorridas, acredita-se que motivado pelas evoluções sociais,

econômicas e culturais que levam a questionar os papéis tradicionais de cada gênero.

Neste contexto, a presente produção científica investiga a condição da mulher, no

mercado de trabalho dando ênfase à servidora pública na esfera estadual do serviço

1Bibliotecária Coordenadora– Universidade Nilton Lins; Aluna Especial do Programa de Pós –

Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia – PPGSCA – Universidade Federal do Amazonas -

UFAM. 2 Assistente Social; Mestranda em Serviço Social e Sustentabilidade na Amazônia – Universidade Federal

do Amazona - UFAM 3 Sociólogo - Aluno Especial do Programa de Pós – Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia –

PPGSCA – Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

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público de Manaus, que hoje ocupa lugares outrora habitualmente preenchidos por

homens, atuando muitas vezes, com melhor desenvoltura.

Nesse sentido, existe por parte da sociedade, o reconhecimento da capacidade

feminina em atividades antes atribuídas apenas aos homens, e hoje com as várias

mudanças socioeconômicas, a mulher tem conquistado um espaço cada vez maior na

sociedade e têm alcançado os mais diversos cargos e funções no mercado de Manaus,

outrora ocupados pelos homens, nas mais variadas esferas do setor público. Diante deste

fato, esta produção científica possibilita a compreensão de como se processa as

transformações do perfil da servidora pública que se tornou massa pungente na

governabilidade de nossa cidade, independente da esfera pública em que a mesma se

encontre, transformando a relação de trabalho no meio que ela está inserida.

A hipótese inicial é a de que apesar da mulher estar conquistando um amplo

espaço no setor público, mostrando competência, e respondendo e correspondendo às

exigências requeridas pela esfera pública, ainda assim há muito que ser feito, uma vez

que as mulheres ainda são a minoria, sobretudo nos primeiros escalões ou em cargos

eletivos, mesmo imbuídas das mesmas condições e capacidades que os homens.

O crescimento da participação da mulher nos mais variados espaços da

sociedade local, nacional e internacional é inegável, na iniciativa pública não é

diferente, o Brasil foi governado por uma mulher no Planalto Central e também o

mesmo ocorre em alguns Estados, além disso, a participação feminina vem se alastrando

em todas as áreas públicas, hoje temos as mulheres a frente de Ministérios, Secretarias,

Fundações e Autarquias federais, estaduais e municipais. A mulher tem conseguido

romper à barreira do preconceito e adquirido a confiança do empregador de um modo

geral, seja ele público ou privado.

As mulheres nestes últimos anos protagonizaram inúmeras batalhas por um

mundo de igualdade contra toda opressão e direitos iguais. “Aos poucos a mulher

conquista seu espaço no mercado de trabalho, contudo sempre reivindicando tratamento

igualitário ao do homem no acesso ao emprego e nas condições de trabalho.”

(NASCIMENTO, p.45).

Nesse contexto, faz-se necessário um estudo sobre como, porque e por quais

fatores a mulher adentrou no mundo do trabalho, saindo da esfera doméstica para um

patamar mais elevado, conquistando maiores espaços, chegando a ocupar postos de

comando nas grandes corporações, tendo inclusive muitos homens como seus

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comandados, tanto na iniciativa privada quanto na pública. Faz-se necessário, no

entanto, conhecermos não só o contexto histórico, mas também alguns conceitos

essenciais para entendermos as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e o

reconhecimento da capacidade feminina em postos que antes eram atribuídos apenas aos

homens. Diante disso, a produção científica se constitui de três partes principais. A

primeira dedicada aos conceitos e explanação sobre o trabalho, capital e educação,

desde Henry Ford até a valorização do setor de serviços com o advento da acumulação

flexível; A segunda parte enfoca a questão de sexo e gênero nas relações do trabalho; e

por último, a mulher como força motriz no mercado de trabalho, tanto na esfera privada

quanto na pública, onde foi traçado um perfil dessa mulher que conquistou seu espaço

dentro das organizações e que continua participando ativamente das transformações

desse mundo corporativo.

A metodologia adotada para esta produção científica foi a pesquisa bibliográfica,

que consistiu no exame da literatura científica, para levantamento e análise do que já se

produziu sobre o tema. Para Ruiz (1996) “é uma atividade de localização e consulta de

fontes diversas de informações escritas, para coletar dados gerais ou específicos a

respeito de determinado tema”. (p. 150). Essa pesquisa auxilia na escolha de um método

mais apropriado, assim como num conhecimento das variáveis e na autenticidade da

pesquisa.

A pesquisa deu-se em uma Autarquia estadual da cidade de Manaus – AM. Os

sujeitos investigados foram mulheres que trabalham nesse Órgão Público e que exercem

as mais diversas funções, da mais simples até níveis de gestão. O critério de seleção das

mulheres pesquisadas ocorreu de forma aleatória, pois se respeitou e obedeceu-se a livre

escolha de cada participante na pesquisa. Nestas condições, também foram feitas

entrevistas e questionários com questões semi - estruturadas e não - diretivas. Utilizou-

se uma linguagem simples e direta para que a pesquisada respondente compreendesse

com clareza o que estava sendo perguntado. Foi feito uma abordagem exploratória, visto

que tais mudanças exigiram alterações na base da sociedade, nas relações de produção e

gestão.

Capital, trabalho e educação

Karl Marx (1974) relata: “trabalho é condição natural da existência humana”.

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a

natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona,

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regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a

natureza como uma de suas forças. Põem em movimento as forças naturais de

seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos

da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. [...] Uma aranha

executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um

arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da

melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-

la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já

existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. (MARX; ENGELS,

1987, p. 148)

Com o advento da Revolução Industrial em 1750 e fortalecido após a 2ª guerra

mundial, o capitalismo dita as regras do jogo econômico, político e social. A

implantação, por Henry Ford, do ‘dia de oito horas e cinco dólares’4, deu início ao

chamado fordismo, que consistia em um modelo de produção, que começava na fábrica

e que se expandia para fora de seus muros sob um caráter ideológico, político e cultural.

Ford acreditava que o novo tipo de sociedade poderia ser construído

simplesmente com a aplicação adequada ao poder corporativo. O propósito

do dia de oito horas e cinco dólares era obrigar o trabalhador a adquirir a

disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta

produtividade. (HARVEY, 1992, p. 122)

Até os dias de hoje o capitalismo continua dando as cartas do poder no mundo

moderno. As transformações na economia política do capitalismo vão desde os

processos do trabalho a hábitos de consumo.

O capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo

produtivo, por meio da constituição das formas de acumulação flexível, do

downsizing, das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos

modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, onde se destaca

especialmente o “toyotismo” ou modelo japonês. (ANTUNES, p.47).

As relações sociais do trabalhador nas condições de produção capitalista

envolvem o controle social das capacidades físicas e mentais. A educação, o

treinamento, sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade aos

companheiros, o orgulho local ou nacional) e propensões psicológicas (a

busca da identidade através do trabalho) desempenham um papel e estão

claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos

meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais,

pelos vários setores do aparelho do Estado, e afirmadas pela simples

articulação de sua experiência por parte dos que fazem o trabalho (HARVEY,

1992).

O movimento estabelecido por Henry Ford alcançou a sua forma mais

contundente entre os anos de 1945 a 1972. Com o advento da Organização das Nações

Unidas - ONU, Ford se aliou fortemente a Keynes5, no fortalecimento do capitalismo

através do fomento fabril com a criação das zonas francas nos países estrategicamente

4 Forma de recompensa para os trabalhadores da linha automática de montagem de carros; oito horas de

trabalho por cinco dólares. 5 Teoria econômica consolidada pelo economista inglês John Maynard Keynes que propunham a

intervenção estatal na vida econômica com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego.

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colonizados provocando um surto de expansões internacionalistas de alcance mundial.

Mas, com a grave recessão de 1973, o modelo fordista-keynesiano desmoronou em

meio às crises política e econômica.

“Os sindicatos, por tratar dos seus próprios interesses, se viram cada vez mais

atacados a partir de fora, pelas minorias excluídas, pelas mulheres e pelos

desprivilegiados” (HARVEY, 1992).

Deve-se acrescentar a isso todos os insatisfeitos do Terceiro Mundo com um

processo de modernização que prometia desenvolvimento, emancipação das

necessidades e plena integração ao fordismo, mas que, na prática, promovia a

destruição de culturas locais, muita opressão e numerosas formas de domínio

capitalista em troca de ganhos bastante pífios em termos de padrão de vida e

de serviços públicos [...] Movimentos em prol da libertação nacional –

algumas vezes socialistas, mas com frequência burguês-nacionalistas –

mobilizaram muitos desses insatisfeitos sob formas que por vezes pareciam

bem ameaçadoras para o fordismo global. (HARVEY, 1992, p. 133)

A estrutura rígida estabelecida por Ford e pelos governos estadistas-militares

que se estabeleceram quase que em sua totalidade pelo mundo afora dificultavam a cada

dia os investimentos de capital fixo em longo prazo, impedindo a flexibilidade de

planejamento do mercado. Nesse contexto, o mundo capitalista entrou em crise e

precisava de uma estratégia para sair do caos e reestruturar a economia.

A questão de sexo e gênero nas relações do trabalho

[...] o Polo Norte e o Polo Sul, são igualmente polos, sua essência é idêntica, e o

mesmo acontece com o sexo feminino e o sexo masculino, que formam uma única e

mesma espécie, uma única essência - a essência humana (Marx, Engels)

No ambiente de trabalho, muitas vezes, vemos e/ou sentimos que homens e

mulheres não são tratados da mesma maneira, principalmente quando se define

hierarquia e posições de comando. Geralmente, as mulheres “preferem” ser mandadas

por homens, pelo hábitus6, ou preconceito. Segundo Torres (2005) adotar uma

perspectiva de gênero implica estabelecer um diálogo com sujeitos sociais, homens e

mulheres que possuem opiniões e posicionamentos diferenciados no cotidiano de suas

ações.

6 Segundo Miceli, a categoria habitus é um sistema de disposições do passado que sobrevive no atual,

atualizando-se nas práticas, e tende a perpertuar-se. Seria o produto de todo esse longo trabalho de

inculcação e de apropriação que, mesmo que muito mais intenso e determinante durante as primeiras

experiências do mundo social, prolonga-se por toda a existência dos agentes. A relativa homogeneidade

dos habitus subjetivos (de classe, de grupo) encontra-se assegurada na medida em que os indivíduos

internalizam as representações objetivas segundo as posições sociais de que efetivamente desfrutam.

(Fraxe).

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O gênero é construído na relação com a diferença e vai além das diferenças

biológicas, portanto, o gênero é plural e dinâmico e constitui as relações

sociais por jogos de poder. A desigualdade da mulher na perspectiva do

trabalho tem raízes nas relações sociais de dominação, reforçando

preconceitos e exploração (SWAIN, 2005).

Segundo Marx e Engels (1977) “A primeira divisão do trabalho é a que se fez

entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos, [...] que o primeiro antagonismo

de classes que apareceu na História coincide com o desenvolvimento do antagonismo

entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a

opressão do sexo feminino pelo masculino” (NOGUEIRA, p. 244)”.

Na visão de Gambini apud Torres (2005) “o poder masculino esconde um

grande medo: encontrar dentro de si algo que contradiga aquilo que está afirmando [...]

O homem diz que a mulher é inferior porque inconscientemente, sabe que ela é mais

forte”.

Na discussão sobre gênero e trabalho não se pode desqualificar o papel dos

movimentos feministas, principalmente após 1960, quando as mulheres conseguiram

direito ao voto - com exceção de alguns países islâmicos, onde até hoje as mulheres são

vistas como objeto apenas de reprodução – e iniciaram uma verdadeira revolução,

levantando questões sobre como a mulher pode combinar carreira com casamento e

família; liberação sexual; igualdade no tratamento e oportunidade no mundo do

trabalho. Mudaram os papéis femininos e alargou-se a margem de liberdade individual.

As mulheres estão entre os grupos sociais que construíram a sua cidadania

em meio ao derramamento de sangue e às perdas de vida, desde o marco da

Revolução Industrial. Elas transgrediram leis, subverteram papéis e

enfrentaram a dominação com um espírito aguerrido e heroico, comparado ao

das guerreiras amazonas que abraçavam a luta como um ofício especializado

(Torres, 2005).

Nesse cenário, as servidoras públicas amazonenses têm evoluído historicamente

e se organizado nos diversos setores, como educação, saúde, etc., para lutar por

interesses coletivos, conquistando espaços, ampliando seus ideais políticos e sociais,

abrindo um leque para outros setores e categorias, encorajando as mulheres da nossa

sociedade a avançar em todos os níveis, classes sociais e credos. Nesse sentido, as

mulheres desempenham um grande papel no processo de transformação no mundo

corporativo, saindo da limitada esfera doméstica para alcançar os mais variados postos

de trabalho, indo das mais simples funções às mais complexas, ocupando postos em

setores outrora dominados pelos homens.

A servidora pública no mercado de trabalho

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A conquista do espaço feminino no mundo do trabalho é histórica. A

Constituição Federal Brasileira profere que homens e mulheres possuem direitos e

obrigações iguais e que é proibida a diferenciação de salários, de exercício, de função e

de critério de admissão por motivo de sexo, cor, credo ou estado civil. E a luta da

mulher para que esses direitos sejam realmente postos em prática é longínqua.

[...] as mulheres sempre foram detentoras de um certo poder decorrente de

um saber próprio, transmitido por gerações. Foram curandeiras, parteiras,

rezadoras, cartomantes, quiromantes. Detinham o conhecimento de ervas a

partir de onde produziam remédios naturais. Seu poder se estendia a medida

que ampliavam sua clientela. Com isso passaram a constituir uma ameaça ao

poder médico e foram combatidas nas Universidades e também porque ao se

reunir passavam segredos e informações que perturbavam aos homens pelo

desconhecimento (COSTA, 2005, p. 101).

Conforme Nogueira (2004), o processo da flexibilização abriu as portas para o

maior número de mulheres no mercado de trabalho, porém de maneira mais precária e

desigualdade salarial. Ou seja, o capitalismo intensificou a desigualdade e a exploração

da mão de obra feminina.

O mesmo se deu proporcionalmente nas organizações públicas, onde a mulher

até bem pouco tempo, com raríssimas exceções de perfil e função, exercia papeis

meramente auxiliares ou menores expressões.

O capital utilizou-se da mulher no mundo do trabalho, o que acarretou

significados distintos: se por um lado, o ingresso do trabalho feminino no

espaço produtivo foi uma conquista da mulher, por outro lado, permitiu que o

capitalismo ampliasse a exploração através do universo do trabalho feminino

(NOGUEIRA, p. 248).

O capitalismo, ao mesmo tempo em que cria condições para a emancipação

feminina, acentua a sua exploração ao estabelecer uma relação aparentemente

“harmônica” entre precarização e mulher, criando formas diferenciadas de extração do

trabalho excedente (NOGUEIRA apud ANTUNES, 2004, p. 277).

Antes desse espaço, dado pela flexibilização, a mulher pertencia quase

exclusivamente à esfera doméstica, sendo responsável pelo cuidado com os homens e as

crianças da casa. Conforme afirma Nogueira (2004), acreditava-se que a mulher não

tinha capacidade de pensar e refletir sobre as ações políticas, econômicas, culturais e

sociais.

Tal pensamento perdurou por séculos, sendo quebrado através das constantes

lutas, reivindicações e mudanças nos diversos cenários da sociedade.

Nos primórdios da divisão social do trabalho, tanto a mulher livre quanto a

mulher escrava tinham o seu espaço de trabalho pertencente à esfera

doméstica, pois eram responsáveis pala manutenção da subsistência e

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reprodução, passando por vários campos, como o da alimentação, higiene dos

homens e das crianças (NOGUEIRA, p. 244).

O processo de inserção da mulher é marcado por essa influência histórica e pela

relação de poder desigual entre os gêneros. Por desafio ou por necessidade, as mulheres

entraram no mundo do trabalho, enfrentando tarefas antes restritas aos homens.

A entrada em massa de mulheres casadas – ou seja, em grande parte mães –

no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior

formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o

impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da década

de 1960. (HOBSBAWM, 1995, p, 305).

Uma das maiores mudanças no século XX foi à inserção de mulheres casadas na

classe operária e em outros setores da sociedade, como por exemplo, na educação

superior, “um farol de emancipação feminina” (HOBSBAWM, p. 305)

Os motivos pelos quais as mulheres casadas foram inseridas no mercado de

trabalho deveram-se mais pela pobreza, pela mão de obra barata, por serem mais dóceis

e pelo aumento de famílias chefiadas por mulheres, do que pela posição e direitos da

mulher (HOBSBAWM, p. 307).

Apesar da crise de desemprego na década de 80, “’a atividade feminina não

parou de crescer’. Esse período caracterizou-se pela feminização do contingente

assalariado, em particular no setor terciário (serviços)” (NOGUEIRA, 2004, p. 255).

A inserção feminina no mundo do trabalho ao longo de todos esses processos

vem acompanhada de discriminações, exclusões, baixos salários, e muita luta pela

igualdade social e trabalhista.

Nas organizações públicas brasileiras, sobretudo na local, tal fator foi favorecido

em virtude do regime trabalhista vigente até a Constituição de 1988, que era celetista

mesmo no âmbito público, sendo modificado a partir do governo do Presidente José

Sarney, que passou todos os celetistas para o regime estatutário.

No que diz respeito aos menores salários, a mulher encontra-se sempre

predominante, quando comparada aos homens. Ambos, homens e mulheres,

nos mesmos setores de atividades, concentram-se em faixas distintas de

salários, apontando uma acentuada desigualdade em relação aos valores

médios pagos para os trabalhos realizados conforme o sexo. (NOGUEIRA,

2004 p. 270).

Mas, há também muitas conquistas. Com o estabelecimento de concursos

públicos, com a ampliação de novas instituições de ensino, a busca constante e

crescente de um maior aperfeiçoamento por parte da mulher, cresce exponencialmente o

número de mulheres no mercado de trabalho, tanto na iniciativa pública quanto na

privada. As estatísticas apontam que há mais mulheres que homens no Brasil. Mostram

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também que elas vêm conseguindo emprego com mais facilidade que seus concorrentes

do sexo masculino. E que seus rendimentos crescem a um ritmo mais acelerado que o

dos homens.

A gestora pública

A feminização do mundo do trabalho é por certo positiva, uma vez que permite

avançar o difícil processo de emancipação feminina e, desse modo minimizar as formas

de dominação patriarcal no espaço doméstico (NOGUEIRA, 2004, p. 275).

O capitalismo, embora explorador em relação à mulher, [...] propiciou um ataque

à patriarquia, abrindo oportunidades públicas à mulher e também oportunidades de

organização mais efetiva, que nas formas históricas anteriores de organização do

trabalho (COSTA, 2005, p.79-80).

O gerenciamento de empresas sejam elas públicas e/ou privadas pelas mulheres

é uma conquista recente que vem acompanhada de rupturas de paradigmas, conflitos e

tensões nas relações de poder com o gênero masculino. Essa é uma tendência mundial e

em nosso país avança a passos largos, vermos as mulheres ocupando os principais

postos, atualmente não só nossa Presidente é uma mulher, mas também, existem

mulheres ocupando os principais cargos em nosso país que vão desde a mais alta corte

da magistratura, Ministérios, Secretarias diversas em todas as esferas, às Empresas

mundialmente conhecidas e estratégicas dentro da governabilidade brasileira como a

Petrobrás, sem falarmos do avanço das mesmas na iniciativa privada.

[...] a mulher para ser aceita e respeitada, absorveu algumas atitudes e

características masculinas, negando a sua identidade, reformulando seus

projetos pessoais e enfrentando atitudes de preconceito por parte de homens e

mulheres, tendo que provar cotidianamente que tem capacidade para

desempenhar o papel de comando (TORRES, 2005).

Nesse sentido, é essencial que a mulher para acessar o mercado de trabalho

competitivo, estabeleça relações com o conhecimento científico, especializando-se cada

vez mais.

O perfil das mulheres gestoras inclui algumas características como a

sensibilidade, afetividade, versatilidade, submissão, percepção aguçada, entre outras,

que até pouco tempo eram consideradas fraquezas, hoje, passaram a somar a outras,

como proatividade, pontualidade, foco e são consideradas essenciais no processo

produtivo de gerenciamento. Características que as mulheres, sempre cultivaram como

um dom, buscando sempre desenvolvê-las e amadurecê-las em cada situação.

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Assim, a mulher vem conquistando seu espaço no mundo do trabalho,

conciliando sua atividade profissional, com a atividade, familiar, maternal, matrimonial,

mas mudar o atual “status quo” dominante de séculos não é uma tarefa fácil e simples.

É preciso ressaltar que as condições de vida das mulheres no sistema capitalista, onde

prevalece o neoliberalismo, são caracterizadas pela ausência de políticas públicas

especialmente voltadas para as mulheres, onde se observa a falta de valorização da mão

de obra, e que para o capitalismo a mulher só aumenta o exército de reserva.

Considerações finais

Indubitavelmente, as mulheres representam um importante papel na economia

mundial, nacional, estadual e municipal. A globalização aumentou a competitividade

nacional e internacional e implicou na perda de postos de trabalho, corte de custos de

produção, aumento da flexibilidade, terceirização e formas temporárias de emprego.

Um dos efeitos da globalização é a introdução de novas tecnologias e de novas

formas de organização e de gestão para elevar a produtividade. Durante os últimos anos

vimos uma grande mudança nas funções tanto de empresas da iniciativa privada quanto

nas organizações públicas, paralelo a rápida evolução dos métodos de trabalho em todas

essas áreas e setores.

A globalização se instalou definitivamente entre nós. Em curto espaço de tempo

o conhecimento ficou obsoleto e a busca da informação se tornou incessante.

A economia sofreu transformações pelo impacto da flexibilidade do trabalho,

pela mão de obra rotacional e pelo consumo exagerado, até mesmo pelas coisas

consideradas fugazes (moda, estética, espetáculos, etc.) fomentando o setor de serviços

e consultorias. Essa nova estrutura do mercado de trabalho também deu acesso a

posições mais privilegiadas às mulheres, porém com uma remuneração extremamente

baixa e a força de trabalho mais explorada, ocasionando uma migração natural da

mulher para o setor público, impulsionada pela crescente oferta de concursos e pela

estabilidade.

A educação também foi renovada e serviu como uma alavanca de poder para a

mulher. O acesso ao conhecimento científico e técnico deslanchou com um aumento

crescente de universidades, institutos de pesquisas e escolas técnicas, que visam não só

o acesso ao conhecimento, mas também o lucro, fomentando assim um capitalismo mais

competitivo.

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Com o advento da globalização a mulher conquistou um espaço antes

inimaginável no mercado de trabalho, saindo do papel meramente coadjuvante passando

a assumir em muitas famílias, empresas, negócios e atividades afins o papel de

protagonista o que lhe permitiu avançar nas mais diferentes áreas trabalhistas, sociais,

familiares, etc.

Ocupou espaços antes legados somente a homens, até mesmo no campo militar e

político, bem como, em áreas que “supostamente” requereriam mais força física,

quebrando assim o paradigma de que ela, mulher, é o sexo frágil. Inseriu-se em postos

de chefia, inaugurou novas formas de gerenciamento, com mais feminilidade,

sensibilidade e relacionamento interpessoal.

Enfim, conquistou seu espaço e transformou a economia, a família, o mercado,

as mais diversas formas de relações. Não se trata de reivindicar a supremacia feminina,

mas de construir um novo relacionamento entre homens e mulheres, fundamentado nos

melhores valores de cada um.

Na verdade, o jeito feminino de administrar, de gerir, de gestar não é superior

e/ou substituto do modelo masculino, mas singular. A ascensão feminina não representa

uma ameaça ao homem, mas, um diferencial que com suas habilidades naturais pode

contribuir perfeitamente de maneira simbiótica para o sucesso não só de uma empresa

e/ou de uma organização pública, mas também de toda e qualquer área pessoal e

profissional.

REFERÊNCIAS

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WEBER, Maximillion. A Ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:

Marin Claret, 2006.

Female empowerment: analysis of women's participation before a state autarchy

Astract: The present study seeks to analyze the changes that occurred in the market

scenario of the city of Manaus, focusing on the insertion of the female labor force and

its working conditions in this context. The specific object of analysis is the form of

work of the public servant who carries out her activities in a sphere traditionally

exclusive to men. It is evident that, despite the appropriation of this space, there are still

many impasses for female performance in these areas whose demands are challenging

and extremely different from those demanded in the home sphere. The profile of these

women, the conquered social transformations that allowed them to enter the public

space, the masculine reading about this reality, the form of their entry in this sphere and

the conflicts they face daily, are among others, issues reflected here. The research is

based on authors who have facilitated the understanding of contemporary reality

through the transformations that have occurred in recent centuries, involving questions

of gender, the labor market and other specificities of the modern world such as Hannah

Arendt, Eric Hobsbawn, Iraildes Calda Torres, Heloísa Lara Costa and Karl Marx,

among others. It was concluded that economic, political, social factors and the

globalization process contributed to the insertion of the Manauara woman in the public

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

work space, despite the disadvantages that this condition entails in order to establish a

system of equality, an object widely dealt with when one thinks The gender issue.

Keywords: Labor. Capitalism. Gender. Public Servant.