O ESTATUTO DO TRABALHO NACIONAL

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    O ESTATUTO DO TRABALHO NACIONAL

    Inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini, Theotnio Pereira chamou -

    lhe a Magna Carta do Estado Novo.

    A corporativizao da vida econmica e social foi um desgnio do salazarismo e

    uma trave mestra da construo de um Estado autoritrio e tendencialmente

    totalitrio, imagem do fascismo italiano, de que se sentia prximo nos ideais e na

    concepo burocrtico-administrativa. O Estatuto do Trabalho Nacional foi uma pea

    fundamental dessa corporativizao estatizante.

    De forma velada e muitas vezes de forma explcita a corporativizao daformulao econmico-social foi encarada pelos seus idelogos como uma forma de

    pacificao das relaes laborais e de interveno nas orientaes de poltica

    econmica das empresas privadas. Tratava-se de, atravs da interveno do Estado,

    limitar a conflitualidade das habituais relaes de produo de uma economia liberal,

    capitalista, atravs de mecanismos administrativos e, se necessrio, atravs da

    represso policial e judicial.

    Em Portugal, essa tutela das liberdades (de sindicatos e patres) iniciou-se pela

    represso da vida associativa, logo nos primeiros tempos da Ditadura Militar. Quando,

    em Setembro de 1933, foi promulgado o Estatuto do Trabalho Nacional e a restante

    legislao corporativa, o associativismo livre no tinha j qualquer viabilidade de

    resistncia imposio do Estado.

    Assustadora crise de trabalho

    Embora fossem menos visveis os efeitos da crise internacional de 1929-1933 nas

    condies arcaicas da formao econmico-social portuguesa (por comparao, por

    exemplo, com a Inglaterra ou os Estados Unidos da Amrica), eles no deixaram, no

    entanto, de fazer-se sentir.

    Em 1931, a crise monetria europeia teve efeitos visveis nos sectores bancrio e

    cambial e, de forma indirecta, nas finanas pblicas, na actividade industrial e no

    trabalho. Os novos senhores do poder, com Salazar frente dos destinos do Pas (e o

    apoio cerrado dos militares), decretaram decrscimos nas despesas e receitas pblicas

    (de 7,8% e 8%, respectivamente), emagrecendo o Estado e provocando desemprego

    no funcionalismo. Para regular a concorrncia, intervieram na economia privada,

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    atravs do condicionamento industrial (decreto-Lei n. 19354, de 14 de Fevereiro de

    1931), atingindo, entre outros, sectores de trabalho intensivo como a cortia, a

    tecelagem, a pelaria e os costumes.

    Em resultado destas restries, o movimento associativo (de razes liberais), do

    patronato aos empregados pblicos e operrios, passando pelos artesos comtrabalho pea ou em sistema de empreitada, desencadeia um fortssimo movimento

    reivindicativo, no que acompanhado pelos camponeses alentejanos e, no final do

    ano, pelos mineiros de S. Domingos-Aljustrel.

    Tratava-se de um movimento geral de protesto, disperso por inmeros sectores

    econmicos e diferentes locais do Pas, mas sem uma direco poltica e sindical: com

    o estilhaar do anarco-sindicalismo cgtista, no final da I Guerra Mundial, outras

    formas organizativas apareceram luz do dia, dos comunistas (CIS) aos socialistas e, no

    extremo oposto, o sindicalismo catlico e os nacionalistas, com destaque para os

    camisas azuis de Rolo Preto. Confrontavam-se concepes diferentes e antagnicas,

    em pouca correspondncia com o movimento social reivindicativo e, principalmente,

    ineficazes (seno inteis) na sua dramtica pulverizao.

    No entanto, o movimento social reivindicativo deste incio da dcada de 30 era

    impressionante: de 80 reunies sindicais ocorridas em Lisboa durante o ano de 1931, a

    mdia de participantes variava entre os 50 e os 200 trabalhadores. Os estivadores do

    Porto de Lisboa renem 400 associados em 23 de Julho; antes, a 6 de Maro, 1000

    trabalhadores da construo civil protestavam contra o desemprego e, nesse mesmo

    ms, a 25, uma reunio de 2000 trabalhadores da Federao Nacional dos Transportes

    e Comunicaes protestava contra a crise do trabalho, segundo os relatrios da

    Polcia ao Ministrio do Interior. Este movimento social alastraria por todo o Pas. A 8

    de Abril, o governador civil de Braga telegrafava ao ministro do Interior temendo os

    distrbios causados por cerca de 3000 trabalhadores de Famalico que reclamavam o

    regime das 8 horas dirias, tendo os industriais encerrado as fbricas. Dos plos

    industriais (Braga, Porto, Covilh, Lisboa, Setbal, Faro, etc.), a crise de trabalho atingia

    tambm os campos: Portalegre, vora Neste ltimo distrito, haveria de 400 a 500

    desempregados por cada concelho, no ano de 1931. O governador civil previa os

    maiores desatinos e o crescimento de uma especulao criminosa por parte dos

    meneurs polticos sobre os desempregados.

    Sem expresso econmica e poltica, estes movimentos reivindicativos acabaram

    por ser desmembrados pela nova orgnica administrativa, policial e judicial da

    Ditadura Militar e por uma poltica de enquadramento das peties e de

    apaziguamento dos conflitos, sem, contudo, se terem verificado melhorias na condio

    social dos trabalhadores e operrios.

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    Em Se

    embro de1933 por altura da publica o do Estatuto do Trabalho Nacional,

    Antnio Lopes Jorge, um delegado da associa o dos trabalhadores da indstria t til

    da Covilh, ouvido pelojornal Repb

    a de20 deSetembro de1933, traava, a traos

    negros, o quadro do sector: 300 desempregados, sem nenhuma perspectiva de

    soluo. Para alm do mais, o imposto de2 para o Fundo de Desemprego, decretado

    pela Ditadura, ainda no tinha bene iciado qualquer operrio na Covilh. Pelocontrrio, tinha funcionado o fundo desolidariedade: durante dois anos, desde1931,

    os desempregados tinham sempre recebido uma fria mnima de 25 escudos, aos

    sbados, fruto dascontribui es do sindicato.

    Refo m

    uto it i

    do st

    do

    Mesmo antes da publicao do co pu legislativo que, a partir de Setembro de

    1933, deu uma feio constitucional ao corporativismo estatizante do Estado Novo, a

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    Ditadura Militar procedeu, de forma progressiva, ao desmantelamento do

    associativismo operrio e das suas prticas sindicais e reivindicativas.

    As oportunidades no faltaram. Depois de uma relativa acalmia em torno do

    advento da Ditadura e da fronda anti-silvista que agregou todos contra os bonzos do

    Partido Democrtico, em 1925-26, o irrequietismo sindical voltou carga no primeirobinio do regime militar. Respondendo aos apelos dos sectores republicanos mais

    radicais da oposio Ditadura esquerdistas de Jos Domingues dos Santos,

    alvaristas e seareiros vastos sectores do mundo urbano, sindicalizado e

    revolucionrio participaram activamente nas primeiras grandes revoltas reviralhistas

    contra a Ditadura em Fevereiro de 1927 e em 1928 (Revolta do Castelo). Da segunda

    vez, com palavras de ordem de Abaixo a ditadura e a tirania!, foi mesmo accionada a

    greve geral revolucionria em todas as redes ferrovirias do Pas.

    Tal bastou para que, logo em 1927, a Ditadura aproveitasse a ocasio para acabar

    com o movimento associativo livre e proceder limpeza de todos os resqucios

    revolucionrios que o ps-guerra tinha visto surgir, em manifestaes sociais pujantes

    e perigosas para uma ordem econmica e poltica frgil.

    Como considerou Passos e Sousa, o ministro da Guerra em 1927, a revoluo de 3 -

    9 Fevereiro tinha sido um incidente lamentvel, mas talvez providencial: permitia a

    depurao do funcionalismo, o afastamento dos militares impuros e a dissoluo

    de todos os centros polticos e associaes de qualquer natureza que tivessem

    tornado parte na preparao e na execuo da revoluo. Entre outros, foram

    encerrados os Sindicatos dos Profissionais da Imprensa, do Pessoal da Cmara

    Municipal de Lisboa e dos Marinheiros e Moos da Marinha Mercante. Por outro lado,

    entre os milhares de prisioneiros e deportados, encontravam-se alguns dos mais

    intransigentes lderes do movimento associativo sindical, todos eles com estada

    garantida, por largos anos, nas prises atlnticas e nos primeiros campos de

    concentrao coloniais.

    Ao mesmo tempo, eram reformadas as polcias polticas e criado o Tribunal Militar

    Especial de Lisboa (decreto-Lei n. 13392, de 31/3/1927). Eram instituies novas,

    onde predominava a fora militar, o principal esteio do processo de purga e de

    desmantelamento do Estado liberal, muito antes da institucionalizao do Estado

    Novo Constitucional e das leis que instaurara m o Estado Corporativo.

    Ao lado dos instrumentos de controlo policial / judicial, a censura (tambm ela

    dirigida por militares) garantia a domesticao da opinio e reduzia clandestinidade a

    imprensa crtica da Ditadura. Por outro lado, para garantir a execuo das medidas

    ditatoriais da primeira fase, a Ditadura Militar substituiu, na grande maioria, as

    administraes locais (concelhias e distritais) por administraes militares fiis s

    novas orientaes polticas. Da em diante, as polcias locais e os tribunais comarcais

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    perderam poder e independncia: prendiam os suspeitos de oposio Situao e

    mandavam-nos para Lisboa, onde os rgos centrais se encarregavam do seu

    julgamento, condenao e (muitas vezes) deportao.

    A agna carta do Estado Novo

    A publicao do Estatuto do Trabalho Nacional, em 23 de Setembro de 1933,

    constitui para Pedro Theotnio Pereira, o sub-secretrio das Corporaes e

    Previdncia Social poca, a magna carta do Estado Novo. Para alm da

    organizao corporativa (titulo III), o Estatuto agregava a magistratura do

    trabalho (ttulo IV), um ttulo segundo sobre A propriedade, o capital e o trabalho e

    um primeiro sobre Os indivduos, a Nao e o Estado na ordem econmica e social.

    Na sua concepo, o Estatuto pretendia-se portanto, como o instrumento fundador da

    nova ordem econmica e social que iria presidir orientao da poltica do Estado

    Novo salazarista. Tinha sido concebido para responder aos anseios de resoluo daquesto social, tal qual era concebida na poca. Ainda antes da sua publicao, a 18

    de Setembro, o novo Governador Civil de Setbal no deixava dvidas nos seus

    desgnios: A integrao das classes operrias na nova mecnica estadual a minha

    maior ambio e ser, por isso, a minha maior preocupao. Acrescentava ainda que,

    no sendo a questo social de molde a criar receios, aguardava com maior

    ansiedade o Estatuto do Trabalho Nacional, pois Setbal, o seu distrito, constituiria

    um magnfico campo experimental.

    A arquitectura deste sistema sustentava-se sobre os sindicatos nacionais e os

    grmios, organismos primrios de toda a orgnica corporativa. Uns e outros, emboracom capacidade jurdica reconhecida em lei, eram, antes de mais, organismos

    concebidos pelo Estado Novo para exercerem a sua actividade no plano nacional,

    isto , no estrito cumprimento do plano poltico definido pelo regime. Como

    considerava Theotnio Pereira, em declaraes ao Dirio da Manh de 26 de

    Setembro de 1933, o sindicato nacional corre spondia a um aperfeioamento das suas

    funes e finalidades, agregando todos os associados e pondo-os ao servio dos

    desgnios nacionais. Os novos sindicatos eram, pois, factores de cooperao activa

    com todos os outros factores da economia nacional: os interesses dos seus

    associados deveriam coincidir com os interesses gerais da Nao. J os grmios,

    constitudos com uma filosofia diferente, tinham por base, ainda nas palavras de

    Theotnio Pereira, uma finalidade essencialmente econmica, embora os mesmos

    desgnios nacionais. Eles tinham origem no direito e na obrigao que o Estado se

    atribui de coordenar e regular superiormente as actividades nacionais.

    Nesta linha de cooperao econmica e social de todos os elementos da Nao,

    institua-se igualmente o Instituto Nacional de Trabalho e Previdncia, com a finalidade

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    de regular todas as actividades relativas organizao corporativa, aos problemas

    sociais e disciplina do trabalho.

    Concebido desta forma, o Estado Corporativo era o arquitecto supremo da nova

    ordem econmica, social e poltica, abrangendo, de forma totalitria, todos os sectores

    da vida nacional. Para os espaos rurais foram criadas as Casas do Povo, e para ascomunidades piscatrias, as Casas de Pescadores. Para unificar todo o corpo

    corporativo, o Estado Novo concebeu ainda federaes e unies de actividade do

    mesmo tipo e, no topo, organismos superiores, as corporaes, unindo todos os

    rgos econmicos e sociais de cada sector, com representao poltica numa Cmara

    Corporativa.

    Na origem, o Estatuto do Trabalho Nacional e toda a orgnica corporativa

    inspiravam-se na doutrina de colaborao de classes, to prxima dos novos

    doutrinadores que combatiam o liberalismo oitocentista, como da doutrina social da

    Igreja Catlica, fixada nas encclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno. Segundo

    estas doutrinas, os homens teriam usado da liberdade para exaltar o egocentrismo e

    destruir as instituies nacionais. No incio, as associaes de trabalhadores teriam

    sido, ainda segundo estas doutrinas, legtimas e teis, pugnando pela defesa dos seus

    associados. Porm, a partir de certa altura, estas associaes de classe teriam sido

    conduzidas por agitadores revolucionrios que trocavam os interesses fundamentais

    dos seus associados pela guerra de classes, na miragem de uma emancipao

    total dos trabalhadores e de subverso da ordem por modelos de sociedade

    anarco-sindicalistas ou comunistas.

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    Cont

    fas

    izao dos sindi

    atos

    O Estatuto do Trabalho Nacional surgiu em 1933sob o fascismo deMussolini e da

    sua Ca ! " a del Lavo ! o. Como Manuel Lucena demonstrou com segurana, as diferenas

    dos dois te # tos (e das duas prticas polticas $ no subvertem as semelhanas

    essenciais: Na e # perincia histrica vivida, a semelhana impe-se largamente. As

    finalidades essenciais das duas organizaes so as mesmas: amarrar o movimento

    operrio, desenvolver o capitalismo nacional, reforar o Estado. E o conjunto dos

    meios to pouco democrticonum caso como no outro. As diferenas so muitas

    vezes formais, seno mesmo marginais. O tipo real o mesmo.

    As diferenasencontram-se, sobretudo, como refere Lucena, na funo do Estado

    num e noutro dos regimes, isto , na sua diferena de actuao. No italiano, as

    mudanas imprimidas so mais profundas % no caso portugus, subsistem muitos

    elementos do anterior sistema liberal. E isto parece verdade para todos os rgos,

    incluindo os sindicatos, que sempre tiveram uma e # istncia difcil em Portugal, com

    restries liberdade de associao e de greve, sendo a tutela uma situao jurdica

    que no foi inventada pelo Estado Novo este apenas acentuou os aspectos

    repressivos.

    EM COMPLEMENTO do Estatutodo TrabalhoNacional, fora&

    criados organismos corporativos, comoas Casas do

    Povo, em Setembrode 1933. Estas, segundoa lei, eram organismos de cooperao social, agrupandodesde

    assalariados epequenosproprietrios aos grandes agricultores.

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    E na verdade, como j vimos, a construo do Estado autoritrio, sob a batuta dos

    militares e a elaborao terica dos salazaristas, estava em marcha desde 1927-28. S

    em Angola (para no referir Guin e S. Tom), permaneciam vrios milhares de

    presos sociais perigosos, afastados da metrpole e das famlias. Alguns deles j

    tinham sido deportados no final da Repblica, outros seguiram para l durante a

    Ditadura.

    Por isso, quando em finais de 1933 se organiza a frente comum contra a

    fascizao dos sindicatos, agregando anarco-sindicalistas, comunistas, sindicatos

    autnomos e outros, ela constitui to s um acto de resistncia ao inexorvel

    desmantelamento dos sindicatos de associao livre. O 18 de Janeiro de 1934

    constitui, pois, o canto do cisne do sindicalismo livre. Da em diante s restava a

    inscrio nos sindicatos nacionais ou a resistncia na priso e na clandestinidade. Em

    1959, 301 sindicatos em 320, so de quotizao obrigatria. A domesticao

    corporativa demorara mas era evidente por esta altura.

    IMPORTANTE:

    O artigo apresentado da autoria de Lus Farinha e foi publicado no livro 1933 A

    Constituio do Estado Novo da coleco Os Anos em que Salazar governou. Assim,no dispensvel a leitura e anlise do artigo no livro citado.