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O EVANGELHOSEGUNDO

O ESPIRITISMO

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ALLAN KARDEC

O EVANGELHOSEGUNDO

O ESPIRITISMO

Contendo A EXPLICAÇÃO DAS MÁXIMAS

MORAIS DE CRISTO

E a concordância das máximas morais de Cristo com o Espiritismo e as suas aplicações às diversas

circunstâncias da vida

Versão populare atual

Departamento Editorial LUZ NO LAR

2010Diadema – SP

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Capa: reestilização baseada na capa da obra El Evangelio Según El Espiritismo em espanhol de R. Matias

Revisão: Equipe Editorial

Tradução/Versão: ROQUE JACINTHO(leitura popular feita sobre o original francês do L’Évangile Selon le Spiritisme)

ISBN: 85-87532-99-5

Diagramação: Editora LUZ NO LAR

Impressão: Van Moorsel, Andrade & Cia. Ltda.Rua Souza Caldas, 343 – Pari – São Paulo – SP – CEP 03025-040Tel.: (11) 2764-5700

8ª edição – 2010Do 44º ao 46º milheiro

Pedidos de livros à Editora LUZ NO LARTel: (11) 2758-6345 – Fax: (11) 4043-4500

E-mail: [email protected]

Departamento Editorial LUZ NO LARNúcleo de Estudos Espíritas Amor e Esperança

Rua das Turmalinas, 56/58 – Jd. Donini – Diadema – SP – CEP 09920-500Internet: www.luznolar.com.br

E-mail: [email protected]ço para correspondência:

Caixa Postal 42 – Diadema – SP – CEP 09910-970CNPJ: 03.880.975/0001-40

Inscrição Estadual: 286.301.567.110

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ANTES DA LUZ

A homens como aos quais falava, ainda incapazes de compreenderem as coisas puramente espirituais, ele deveria apresentar imagens materiais chocantes, capazes de sensibilizá-los. Estas imagens, para que pudessem ser aceitas, deveriam mesmo não se distanciarem muito das ideias comuns, quanto à forma, reservando-se sempre para o futuro a verdadeira signifi cação de suas palavras e dos pontos que, na época, ele não poderia explicar de modo claro e direto.

Item 3, capítulo XV, desta mesma obra.

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ÍNDICE

PREFÁCIO 13INTRODUÇÃO 15

I - Finalidade desta obra. II - Autoridade da Doutrina Espírita. Controle universal dos ensinamentos dos Espíritos. III - Notícias históricas. IV - Sócrates e Platão precursores da ideia cristã e do Espiritismo. Resumo da doutrina de Sócrates e de Platão.

CAPÍTULO I - NÃO VIM DESTRUIR A LEI 48As três revelações: Moisés; Cristo e O Espiritismo: 1 a 7. - Aliança da Ciência e da Religião: 8. - Instruções dos Espíritos. A nova era: 9 a 11.

CAPÍTULO II - MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO 59A vida futura: 1 a 3. - A realeza de Jesus: 4. - O ponto de vista: 5 a 7. - Instruções dos Espíritos. Uma realeza terrestre: 8.

CAPÍTULO III - HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DOMEU PAI 67

Diferentes estados da alma na Espiritualidade: 1 e 2. - Diferentes categorias de mundos habitados: 3 a 5. - Destinação da Terra. Causas das misérias humanas: 6 e 7. - Instruções dos Espíritos. Mundos inferiores e mundos superiores: 8 a 12. - Mundos de expiação e de provas: 13 a 15. - Mundos regeneradores: 16 a 18. - Progressão dos mundos: 19.

CAPÍTULO IV - NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DEDEUS SE NÃO NASCER DE NOVO 81

Ressurreição e reencarnação: 1 a 17. - Os laços de família são fortalecidos pela reencarnação e enfraquecidos pela unicidade da existência: 18 a 23. - Instruções dos Espíritos. Limites da encarnação: 24. - Necessidade da encarnação: 25 e 26.

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CAPÍTULO V - BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS 97Justiça das afl ições: 1 a 3. - Causas atuais das afl ições: 4 e 5. - Causas anteriores das afl ições: 6 a 10. - Esquecimento do passado: 11. - Motivos de resignação: 12 e 13. - O suicídio e a loucura: 14 a 17. - Instruções dos Espíritos. Bem e mal sofrer: 18. - O mal e o remédio: 19. - A felicidade não é deste mundo: 20. - Perda de pessoas amadas. Desencarnações prematuras: 21. - Se fosse um homem de bem, teria morrido: 22. - Os tormentos voluntários: 23. - A verdadeira infelicidade: 24. - A melancolia: 25. - Provas voluntárias. O verdadeiro cilício: 26. - Pôr fi m nas provas: 27. - Abreviar a vida de um doente: 28. - Sacrifício da própria vida: 29 e 30. - Proveito dos sofrimentos para outros: 31.

CAPÍTULO VI - O CRISTO CONSOLADOR 133O jugo suave: 1 e 2. - Consolador prometido: 3 e 4. - Instruções dos Espíritos. Advento do Espírito de Verdade: 5 a 8.

CAPÍTULO VII - BEM-AVENTURADOS OS POBRES DEESPÍRITO 139

O que se deve entender por pobres de espírito: 1 e 2. - Aquele que se eleva será rebaixado: 3 a 6. - Mistérios ocultos aos sábios e aos prudentes: 7 a 10. - Instruções dos Espíritos. O orgulho e a humildade: 11 e 12. - Missão do homem inteligente na Terra: 13.

CAPÍTULO VIII - BEM-AVENTURADOS OS PUROS DECORAÇÃO 154

Deixai vir a mim os pequeninos: 1 a 4. - Pecado por pensamentos. Adultério: 5 a 7. - Verdadeira pureza. Mãos não lavadas: 8 a 10. - Cortar a mão: 11 a 17. - Instruções dos Espíritos. Deixai vir a mim as criancinhas: 18 e 19. - Os que têm os olhos fechados: 20 e 21.

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CAPÍTULO IX - BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OSPACIFICADORES 168

Injúrias e violências: 1 a 5. - Instruções dos Espíritos. A afabilidade e a doçura: 6. - A paciência: 7. - Obediência e resignação: 8. - A cólera: 9 e 10.

CAPÍTULO X - BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃOMISERICORDIOSOS 176

Perdoai, para que Deus vos perdoe: 1 a 4. - Reconciliar-se com os adversários: 5 e 6. - O sacrifício mais agradável a Deus: 7 e 8. - O argueiro e a trave no olho: 9 e 10. - Não julgueis: 11 a 13. - Instruções dos Espíritos. Perdão das ofensas: 14 e 15. - A indulgência: 16 a 18. - Repreender e divulgar o mal: 19 a 21.

CAPÍTULO XI - AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO 191O grande mandamento: 1 a 4. - A César o que é de César: 5 a 7. - Instruções dos Espíritos. A lei do amor: 8 a 10. - O egoísmo: 11 e 12. - A fé e a caridade: 13. - Caridade com os criminosos: 14. - Expor a vida por um criminoso: 15.

CAPÍTULO XII - AMAI OS VOSSOS INIMIGOS 205Devolver o mal com o bem: 1 a 4. - Inimigos desencarnados: 5 e 6. - Ferir na face direita: 7 e 8. - Instruções dos Espíritos. A vingança: 9. - O ódio: 10.

CAPÍTULO XIII - NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA 214

Fazer o bem sem ostentação: 1 a 3. - Infortúnios ocultos: 4. - O óbolo da viúva: 5 e 6. - Convidar pobres e estropiados: 7 e 8. - Instruções dos Espíritos. A caridade material e a caridade moral: 9 e 10. - A benefi cência: 11 a 16. - A piedade: 17. Os órfãos: 18. - Benefícios pagos com ingratidão: 19. - Benefi cência exclusiva: 20.

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CAPÍTULO XIV - HONRARÁS PAI E MÃE 240Piedade fi lial: 1 a 4. - Quem é minha mãe e quem são meus irmãos: 5 a 7. - O parentesco corporal e o parentesco espiritual: 8. - Instruções dos Espíritos. A ingratidão dos fi lhos e os laços de família: 9.

CAPÍTULO XV - FORA DA CARIDADE NÃO HÁSALVAÇÃO 252

O necessário para salvar-se. Parábola do bom samaritano: 1 a 3. - O grande mandamento: 4 e 5. - Necessidade da caridade, segundo Paulo de Tarso: 6 e 7. - Fora da Igreja não há salvação. Fora da caridade não há salvação: 8 e 9. - Instruções dos Espíritos. Fora da caridade não há salvação: 10.

CAPÍTULO XVI - NÃO SE PODE SERVIR A DEUSE A MAMOM 260

Salvação dos ricos: 1 e 2. - Guardar-se da avareza: 3. - Jesus na casa de Zaqueu: 4. - Parábola do mau rico 5. - Parábola dos talentos: 6. - Utilidade providencial da riqueza: 7. - Desigualdade das riquezas: 8. - Instruções dos Espíritos. A verdadeira propriedade: 9 e 10. - Emprego da fortuna: 11 a 13. - Desprendimento dos bens terrenos: 14. - Transmissão da riqueza: 15.

CAPÍTULO XVII - SEDE PERFEITOS 281Características da perfeição: 1 e 2. - O homem de bem: 3. - Os bons espíritas: 4. - Parábola do semeador: 5 e 6. - Instruções dos Espíritos. O dever: 7. - A virtude: 8. - Os superiores e os inferiores: 9. - O homem no mundo: 10. - Cuidar do corpo e do espírito: 11.

CAPÍTULO XVIII - MUITOS OS CHAMADOS, POUCOSOS ESCOLHIDOS 298

Parábola do festim das bodas: 1 e 2. - A porta estreita: 3 a 5. - Os que dizem: Senhor! Senhor!: 6 a 9. - A quem muito foi dado: 10 a 12. - Instruções dos Espíritos. Dá-se ao que já tem: 13 a 15. - O cristão e as obras: 16.

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CAPÍTULO XIX - A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS 311Poder da fé: 1 a 5. - Condição da fé inabalável: 6 e 7. - Parábola da fi gueira que secou: 8 a 10. - Instruções dos Espíritos. A fé, mãe da esperança e da caridade: 11. - A fé divina e a fé humana: 12.

CAPÍTULO XX - OS TRABALHADORES DA ÚLTIMAHORA 320

Instruções dos Espíritos: Os últimos serão os primeiros: 1 a 3. - Missão dos espíritas: 4. - Obreiros do Senhor: 5.

CAPÍTULO XXI - FALSOS CRISTOS E FALSOSPROFETAS 328

Conhece-se a árvore pelo fruto: 1 a 3. - Missão dos profetas: 4. Prodígios dos falsos profetas: 5. - Não creiam em todos os Espíritos: 6 e 7. - Instruções dos Espíritos. Os falsos profetas: 8. - Características do verdadeiro profeta: 9. - Os falsos profetas da Espiritualidade: 10. - Jeremias e os falsos profetas: 11.

CAPÍTULO XXII - NÃO SEPAREIS O QUE DEUSJUNTOU 342

Indissolubilidade do casamento: 1 a 4. - O divórcio: 5.

CAPÍTULO XXIII - ESTRANHA MORAL 347Quem não odeia seu pai e sua mãe: 1 a 3. - Abandonar pai, mãe e fi lhos: 4 a 6. - Deixai aos mortos o cuidado de enterrar seus mortos: 7 e 8. - Não vim trazer a paz: 9 a 18.

CAPÍTULO XXIV - NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DOVELADOR 359

Luz sob o velador. Jesus falava por parábolas: 1 a 7. - Não ir aos gentios: 8 a 10. - Os que precisam de médico: 11 e 12. - Coragem da fé: 13 a 16. - Carregar a cruz. Salvar a vida: 17 a 19.

CAPÍTULO XXV - BUSCAI E ACHAREIS 370Ajuda-te e o céu te ajudará: 1 a 5. - Olhai as aves do céu: 6 a 8. - Fadiga pelo ouro: 9 a 11.

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CAPÍTULO XXVI - DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇARECEBESTES 377

Dom de curar: 1 e 2. - Preces pagas: 3 e 4. - Vendilhões expulsos do templo: 5 e 6. - Mediunidade gratuita: 7 a 10.

CAPÍTULO XXVII - PEDI E OBTEREIS 383Qualidades da prece: 1 a 4. - Efi cácia da prece: 5 a 8. - Ação da prece. Transmissão do pensamento: 9 a 15. - Preces compreensíveis: 16 e 17. - A prece pelos desencarnados e pelos Espíritos em sofrimento: 18 a 21. - Instruções dos Espíritos. Modo de orar: 22. - Felicidade da prece: 23.

CAPÍTULO XXVIII - COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS 401Preâmbulo: 1.I - PRECES GERAIS 403

Oração do Senhor (Pai Nosso): 2 e 3. - Reuniões espíritas: 4 a 7. - Para os médiuns: 8 a 10.

II - PRECES PELA PRÓPRIA PESSOA QUE ORA 417Aos espíritos protetores e aos Mentores Espirituais: 11 a 14. - Para afastar os Espíritos malfazejos: 15 a 17. - Para corrigir um erro: 18 e 19. - Para resistir a uma tentação: 20 e 21. - Na vitória sobre uma tentação: 22 e 23. - Para pedir conselhos: 24 e 25. - Nas afl ições da vida: 26 e 27. - Favor obtido: 28 e 29. - Submissão e resignação: 30 a 33. - Diante de um perigo: 34 e 35. - Por escapar de um perigo: 36 e 37. - Ao deitar para dormir: 38 e 39. - Prevendo a morte: 40 e 41.

III - PRECES PELOS ENCARNADOS 433Por quem está afl ito: 42 e 43. - Agradecendo por benefícios concedidos a outra pessoa: 44 e 45. - Para os inimigos e aos que nos querem mal: 46 e 47. - Agradecendo pelo bem concedido aos inimigos: 48 e 49. - Pelos inimigos do espiritismo: 50 a 52. - Por uma criança que nasce: 53 a 56. - Por um agonizante: 57 e 58.

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IV - PRECES PELOS DESENCARNADOS 442Pelo que acaba de desencarnar: 59 a 61. - Por quem temos amizade: 62 e 63. - Pelos sofredores que pedem preces: 64 a 66. - Por um inimigo desencarnado: 67 e 68. - Por um criminoso: 69 e 70. - Por um suicida: 71 e 72. - Para os Espíritos arrependidos: 73 e 74. - Para os Espíritos endurecidos: 75 e 76.

V - PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS 455Pelos doentes: 77 a 80. - Pelos obsidiados: 81 a 84.

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PREFÁCIO

Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, qual imensa legião a movimentar-se sob as ordens do Senhor, espalham-se por sobre toda a Terra, semelhantes a luzes que descem dentro da noite, vindo clarear o destino e abrir os olhos aos cegos.

Digo-lhe que são chegados os tempos.Todas as coisas, daqui para diante, terão o seu sentido real

restabelecido, visando a dissipar as sombras, confundir os orgulhosos e glorifi car os justos.

As grandes vozes do Céu ressoam como o som de uma orquestra e o coro de anjos a elas se une.

Você está convidado ao divino concerto.Tome o seu instrumento e junte-se às nossas vozes, para que o

hino sagrado se espraie e vibre em todo o Universo.Você, irmão a quem amamos, sinta-nos junto de seu coração.Rogamos para que você vivencie o mandamento do Senhor:

“Amai-vos uns aos outros”.No Amor, faremos a vontade do Pai Celestial e você, então,

poderá dizer, do fundo de seu coração: “Senhor! Senhor!” e poderá entrar no reino dos Céus.

O Espírito de Verdade

Nota – Esta mensagem, recebida mediunicamente, resume o verdadeiro sentido do Espiritismo e a fi nalidade desta obra também e, por isso, aqui é colocada como prefácio.

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INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

I - FINALIDADE DESTA OBRA

Tomando os Evangelhos, poderemos classifi car as matérias neles contidas em cinco partes: os atos comuns da vida do Cristo; os chamados milagres; as predições; as parábolas que foram tomadas para estabelecer os dogmas da Igreja e os ensinamentos morais.

As quatro primeiras partes têm sido objeto de discussões.A quinta parte, porém, que se refere aos ensinamentos

morais, é inatacável e tais princípios estão acima de toda e qualquer controvérsia.

A própria incredulidade se curva, respeitosa, diante do código divino proposto pelo Senhor, visto que sob seus fundamentos todos os cultos existentes podem reunir-se. São princípios sob os quais todos podem colocar-se, sejam quais forem as suas crenças. Jamais foram motivos para lutas religiosas, as quais sempre nasceram das questões dogmáticas.

As crenças que, porventura, ingressassem a discutir e questionar sobre os princípios morais dos Evangelhos, encontrariam nessa atitude a sua própria condenação, uma vez que elas tendem a prender-se mais à parte mística, já que a parte moral exige a mudança de hábitos viciosos de cada um.

Para você, e para cada um de nós, os princípios morais dos Evangelhos são uma regra de conduta aplicável a todas as circunstâncias da vida comum e da vida pública. Elevam-se como base fundamental de todas as relações sociais e fundamento da mais rigorosa justiça.

Os princípios morais dos Evangelhos são, fi nalmente, o manual de vida que nos assegurará a felicidade futura; um levantar da ponta do véu sobre o amanhã.

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INTRODUÇÃO

Esta parte é a fi nalidade desta obra.Todos admiram a moral evangélica e anunciam a sua

sublimidade e a sua necessidade para a nossa vida de relações humanas. Quase todos, porém, assim o fazem tão-somente por crença ou por terem ouvido falar ou, ainda, por aceitarem princípios que se tornaram conhecidos popularmente. Entre esses todos, todavia, muito poucos são aqueles que conhecem essa moral com mais profundidade e que lhes deduzem as consequências para a vida diária.

Em grande parte, a essência de conhecimentos maiores resulta da difi culdade que muitos encontram para a leitura do próprio Evangelho. Ficam embaraçados diante da forma alegórica, do misticismo intencional da linguagem e, não raro, a maioria irá lê-lo como um dever religioso, uma obrigação ritualística, assim como quem lê preces sem compreendê-las, e, com isso, não aproveitam os frutos dessa árvore generosa.

Os princípios morais, respingados ao longo da leitura, para muitos passam desapercebidos na massa das narrativas. Torna-se difícil, assim, ao leitor menos avisado, de apanhá-los em seu conjunto e, com isso, sentem difi culdade em destacá-los para sobre eles meditar.

Algumas obras existem, sobre a moral evangélica, em que os seus autores pretendem dar-lhe um arranjo moderno.

O modo de expô-la, porém, anula-lhe a primitiva simplicidade com que foi colocada por Jesus e, com isso, chega a esvaziá-la de seu encanto e autenticidade.

Outro tanto se faz com princípios que, reduzidos à sua mais simples expressão, perdem uma grande parte de sua signifi cação e de seu valor, por serem apresentados sem os seus acessórios e sem as circunstâncias em que foram anunciados.

Para não recair nesses inconvenientes, reunimos nesta obra os temas que podem constituir um código de moral universal, sem distinção de cultos e de crenças. Nas citações que faremos, conservamos tudo o que seja útil ao desenvolvimento

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INTRODUÇÃO

do pensamento cristão, excluindo apenas o que seja estranho ao assunto a ser exposto.

Respeitamos, nos Evangelhos, a tradução original de Sacy.Sem mantermos uma ordem cronológica, impossível

e sem interesse real para o estudo, agrupamos e classifi camos metodicamente as máximas morais segundo a sua natureza, para que umas decorram das outras, numa sequência natural.

Por conservarmos a indicação dos números de ordem dos capítulos e dos versículos dos Evangelhos, se você quiser poderá recompor sua classifi cação comum, se julgar oportuno.

Essa recomposição, porém, é de utilidade secundária.O essencial é colocar o seu conhecimento ao alcance de todos,

com explicações sobre passagens de mais difícil compreensão. Fazer, também, o desdobramento de todas as suas consequências, envolvendo a sua aplicação às diferentes circunstâncias da vida.

Isso o fi zemos com o amparo dos bons Espíritos que nos assistem.

Muitos pontos do Evangelho, da Bíblia e de autores sacros em geral, são de difícil compreensão. Alguns até parecendo sem muito sentido, tão-somente pela falta de uma chave que lhes permita compreender o verdadeiro sentido. Essa chave que falta, temo-la no Espiritismo. Disso já se convenceram aqueles que se lhe puseram a estudar seriamente, e como, mais tarde, todos o reconhecerão.

O Espiritismo, aliás, se nos depara em todas as épocas de nossa Humanidade. Seus vestígios são transparentes em anotações, em monumentos, em inscrições. Através dele se descortinam os horizontes novos do futuro e, por ele, são projetadas luzes muito fortes sobre os mistérios do passado.

Em complemento a cada preceito cristão estudado, adicionamos algumas instruções escolhidas, entre as diversas ditadas pelos Espíritos em vários países e recolhidas por diferentes médiuns. Se essas instruções se originassem de uma única fonte

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INTRODUÇÃO

mediúnica, elas poderiam ter sofrido a infl uência da personalidade do médium ou do meio. As diversas origens, assim, provam que os Espíritos distribuem indistintamente os seus ensinamentos e que nenhuma pessoa goza de qualquer privilégio1.

Esta obra é para uso de todos.Através dela, você pode ajustar a sua conduta à moral do

Cristo.Aos Espíritas, porém, oferece aplicações de modo especial.Graças às comunicações, estabelecidas de uma maneira

permanente, entre você e o mundo invisível a seus olhos comuns, a lei evangélica, ensinada a todas as nações, pelos Espíritos, é a mesma. Não são letras mortas. Você a compreenderá e será incessantemente solicitado a praticá-la, pelos próprios conselhos de seus guias espirituais.

Os ensinamentos dos Espíritos são, verdadeiramente, as vozes do céu, que vêm esclarecê-lo e convidá-lo para a vivência do Evangelho.

1. Poderíamos, sem dúvida, apresentar um maior número de comunicações obtidas em muitas cidades e agrupamentos espíritas, além das que citamos. Queremos, porém, evitar a monotonia de repetições que não acrescentariam noções novas. Limitamo-nos àquelas que, pelo fundo e pela forma, se ajustam melhor ao propósito desta obra, reservando-nos para publicar as demais em outras oportunidades.

Não citamos os nomes dos médiuns, porque a maioria deles próprios solicitaram que não os designássemos. Assim, generalizamos para não fazer exceções. Os nomes dos médiuns, inclusive, não acrescentariam coisa alguma ao trabalho dos Espíritos. Nomeá-los seria dar-lhes uma satisfação ao amor-próprio, coisa que os médiuns sérios não cultivam. Eles compreendem que, por serem passivos no papel que lhes toca, o valor das comunicações não lhe pode ser atribuído ao mérito pessoal. Seria pueril repletarem-se de vaidade por um trabalho de inteligência que não lhes pertence e ao qual prestaram um apoio mecânico.

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INTRODUÇÃO

II - AUTORIDADE DA DOUTRINA ESPÍRITA

CONTROLE UNIVERSAL DOS ENSINAMENTOS DOS ESPÍRITOS

A Doutrina Espírita não é de criação humana.Se ela o fosse, teríamos por garantia somente as luzes

de inteligência de quem a houvera concebido e, na realidade, ninguém poderia ter a pretensão de possuir a verdade absoluta. Se, por outro lado, os Espíritos que a revelaram viessem a manifestar-se a um só homem, coisa alguma lhe garantiria a origem, porque teríamos de acreditar, sob a sua palavra, nesse que dissesse ter recebido os ensinamentos.

Admitindo-se, em relação a esse homem, uma perfeita sinceridade, quando muito ele conseguiria convencer aqueles que privassem de suas relações, reunindo alguns poucos prosélitos, mas jamais chegaria a congregar todo o mundo.

Deus quis que a nova revelação alcançasse rapidamente os homens. Por uma via mais autêntica, incumbiu os Espíritos de levá-la de um pólo a outro, manifestando-se para todos, sem atribuir a ninguém o privilégio exclusivo de ouvir-lhes a palavra. Um homem pode cometer abusos, enganando-se a si mesmo. Isso, porém, não ocorrerá quando dezenas de milhares de outras criaturas ouvirem e recolherem as mesmas informações.

Nisso a garantia para um e para todos.Poderemos fazer desaparecer um homem, e com ele

alguns princípios. Mas não poderemos, ao mesmo tempo, fazer desaparecer uma massa de homens. Poderemos queimar livros, destruir bibliotecas, mas não poderemos queimar os Espíritos.

Queimem-se, pois, todos os livros. A fonte geradora da doutrina não será afetada, porque ela não tem a sua sede na Terra. Ela ressurgirá de todos os lugares e todos poderão dessedentar-se nela.

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INTRODUÇÃO

Se os homens não puderem difundi-la, os Espíritos a difundirão.

Os Espíritos são os seus propagadores, com a colaboração de grande número de médiuns, que os próprios Espíritos vão multiplicando por todos os lados.

Um único médium, mesmo servindo a diversos Espíritos, e por maior fosse a sua fi delidade, tornaria o Espiritismo mal conhecido. Ele se tornaria motivo de prevenção para muitos e as diversas nações não o teriam aceito.

Os Espíritos, por isso, comunicam-se em todas as partes.O intercâmbio dos Espíritos é estabelecido em todos

os povos, em todas as línguas, em todas as nações. Por isso o Espiritismo é aceito por todas as crenças e todas as pessoas.

A Doutrina Espírita não tem nacionalidade.Qualquer pessoa, independentemente de sua crença e de

classe social, poderá receber instruções de seus parentes e amigos que já desencarnaram. Por isso, o Espiritismo pode conduzir todos à fraternidade, por estar em terreno neutro.

Na universalidade das comunicações dos Espíritos reside a força mesma do Espiritismo. Igualmente, a razão de sua rápida propagação. A palavra de um só homem, mesmo com o apoio de todos os meios de comunicação, atravessaria séculos para alcançar a muitos e fazer-se presente em todos os recantos do planeta com a força da Verdade. Ouvem-se, no entanto, milhares de vozes espirituais adentrando os lares, os círculos fechados, buscando a doutos e ignorantes, falando dos mesmos princípios redentores, sem que haja um só deserdado de sua luz e consolação.

Com essa vantagem nenhuma doutrina contou até hoje.O Espiritismo, portanto, nascendo dos Espíritos, não

teme aos homens, nem as revoluções morais e científi cas, nem as subversões físicas da Terra, uma vez que nada disso atinge os Espíritos.

Esse seu caráter, portanto, dá-lhe excepcional posição.

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INTRODUÇÃO

Faculta-lhe, ainda, uma garantia contra os cismas que pudessem nascer da ambição de alguns que lhe desposem os princípios. Também, evita-lhe as contradições de certos Espíritos exclusivistas que pretendem fazer escolas próprias, uma vez que essas inevitáveis contradições, embora sendo uma ocorrência circunstancial, trazem consigo o próprio remédio para debelá-las.

Os Espíritos não estão na posse de toda a Verdade.Pela diferença de seu estágio evolutivo, cada um deles

alcançou uma capacidade. Em decorrência nem todos estão aptos a penetrar e dominar a todos os conhecimentos.

Os Espíritos vulgares não sabem mais do que muitos homens.

Há, também, entre eles os presunçosos que julgam saber o que ignoram e os sistemáticos que tomam por verdades as suas próprias ideias, exatamente como ocorre entre os encarnados.

Somente os Espíritos de categoria mais elevada, os que se desenfeixaram dos laços materiais, é que se encontram despojados das ideias e preconceitos terrenos.

Sabe-se, porém, que os Espíritos enganadores não temem e nem guardam escrúpulos para tomar os nomes que não lhes pertencem. Com tal denominação, comparecem para transmitir suas ideias falsas, utópicas.

Observe, portanto, que todas as comunicações mediúnicas que estejam fora do campo moral, terão um caráter individual. Devem ser consideradas opiniões pessoais deste ou daquele Espírito. Será imprudente aceitá-las e propagá-las como se fossem verdades defi nitivas.

Tais comunicações devem ser submetidas ao exame da razão.

Sem exceção, todas as comunicações devem ter esse controle.

Toda teoria que contrarie, de modo manifesto, o bom-senso, quando examinada com uma lógica rigorosa e com os

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INTRODUÇÃO

elementos positivos já alcançados, mesmo que venha assinada por um nome respeitável, deve ser rejeitada.

Poderá ocorrer, no entanto, que quem as submeta ao controle, tenha luzes insufi cientes para interpretá-las, por ser daquelas pessoas que tomam as suas próprias opiniões pessoais para fazerem-se juízes defi nitivos.

Que fazer diante desse fato?Deve buscar-se o parecer da maioria e tomá-lo por guia.Os Espíritos são os primeiros a indicar tal solução.A concordância que existe entre o que ensinam os Espíritos,

é o melhor controle sobre as ideias expostas, mas isso dependerá das condições em que se faz tal exame.

Se, por exemplo, é um mesmo médium quem interroga vários Espíritos, querendo esclarecer-se sobre questões duvidosas que foram expostas, você estará diante do mais frágil exame.

Esse médium poderá estar sob uma obsessão ou, então, estar lidando com o espírito mistifi cador, que lhe dirá a mesma coisa sob diferentes nomes. Nenhuma garantia, igualmente, oferece a confi rmação de instruções dentro de um mesmo agrupamento espírita, porque todos podem estar sob a mesma infl uência.

Uma única e séria garantia existe para validar os ensinamentos dos Espíritos e essa é a concordância que existe entre as revelações realizadas espontaneamente por intermédio de um grande número de médiuns estranhos entre si e transmitidas em vários lugares diferentes.

Não cogitamos das instruções de interesse secundário.Tratamos daquelas que cogitam dos próprios princípios

doutrinários. Em verdade, a própria experiência tem provado que, quando um princípio novo tem que ser enunciado, tais ideias surgem espontaneamente em diferentes pontos, ao mesmo tempo, de uma maneira idêntica, senão quanto à forma, mas quanto ao fundo, quanto a seu sentido.

Quando, portanto, surgir uma ideia excêntrica, baseada unicamente nas ideias de um Espírito, com exclusão da Verdade,

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INTRODUÇÃO

esse princípio fi cará circunscrito. Terminará por desaparecer diante dos verdadeiros ensinamentos que são dados, ao mesmo tempo, em todas as partes.

Essa unanimidade já fez cair por terra muitos sistemas parciais que surgiram quando da origem do próprio Espiritismo. Cada um interpretava os fenômenos segundo o seu ponto de vista, antes mesmo que conhecesse as leis que regem as relações entre o mundo dos homens encarnados e o mundo invisível aos nossos olhos e sentidos comuns.

A unanimidade é a base sobre a qual nos apoiamos.Quando formulamos um princípio da doutrina, não

é porque esteja de acordo com a nossa ideia, que não somos o árbitro supremo da verdade e a ninguém jamais dissemos:

— Creia em tal coisa, porque somos nós que lhe dizemos.A nossa opinião, na realidade, não passa de uma opinião

pessoal. Poderá ser justa ou falsa, porque não somos mais infalíveis que os outros. Não é porque um princípio doutrinário nos foi ensinado que ele passará a ser verdade. Nós o enunciamos tão-somente quando ele recebeu a sanção da concordância universal.

Recebemos comunicações de perto de mil centros espíritas sérios, distribuídos pelos mais diversos pontos da Terra. De posse de tão farto material, achamo-nos em condições de ajuizar sobre quais princípios revelados se estabelece a unanimidade. Essa observação é que nos tem guiado e nos guiará ao encontro dos novos campos que o Espiritismo será chamado a explorar. É estudando atentamente as comunicações que nos vêm de diversas partes, tanto da França quanto de outros países, que reconhecemos a natureza toda especial das revelações espirituais e a tendência do Espiritismo adentrar por novo caminho e que lhe chegou o momento certo de dar um passo adiante.

As revelações dos Espíritos, algumas vezes feitas por palavras veladas, enquanto para alguns que as obtêm passam desapercebidas, outros que as recebem julgam-se os únicos a tê-las.

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INTRODUÇÃO

Tomadas isoladamente elas pareceriam sem valor.A coincidência delas, vindas de tão diversas fontes, dá-

lhes seriedade. Inclusive ao trazê-las a conhecimento do público em geral, muitos se lembram de terem alcançado instruções semelhantes, com o mesmo sentido.

É na observação desse movimento geral, e no seu estudo, com a assistência de nossos orientadores espirituais, que julgamos a oportunidade de fazer uma coisa ou de abster-nos de fazê-la.

O controle universal, assim adotado, é uma garantia para a unidade futura do Espiritismo. É, também, uma garantia de anular todas as teorias contraditórias que alguns lhe queiram adicionar para satisfação de seu gosto pessoal.

Esse é o critério da verdade.O que assegurou o sucesso da doutrina exposta em O Livro

dos Espíritos e no O Livro dos Médiuns, foi o fato de que, em toda a parte, todos receberam diretamente dos Espíritos a confi rmação dos princípios expostos em tais obras.

Se, no entanto, de todos os lados os Espíritos viessem a contradizê-los, esses livros, depois de algum tempo, experimentariam a sorte de todos os que fazem concepções fantásticas.

Nem o apoio dos meios de comunicação os salvaria.Privados, contudo, desse apoio, eles não apenas fi caram

salvos do naufrágio das obras fantásticas, como também avançaram rapidamente por terem o apoio dos Espíritos, cuja boa-vontade compensou a má vontade dos homens.

Todas as ideias, pois, quer vindas dos Espíritos ou dos homens, que não se apóiem no controle universal, naufragam por não contarem com essa incontestável força.

Suponhamos que seja da vontade de um certo Espírito ditar, sob um título qualquer, um livro que seja de sentido contrário aos já citados. Suponhamos mesmo que, em razão de intenção hostil, e visando a desacreditar a doutrina, a maldade

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INTRODUÇÃO

suscitasse comunicações falsas. Que infl uência poderiam exercer tais comunicações, se por todos os lados fossem desmentidas pelos Espíritos? É com a colaboração dos Espíritos, portanto, que se deve garantir todo aquele que queira lançar um sistema qualquer em seu nome. Do sistema de um só, ao aceito por todos, vai a distância de uma opinião pessoal isolada, à opinião universal.

Que força terão os argumentos dos detratores sobre a opinião das massas, quando milhares de vozes amigas, vindas da Espiritualidade, se fazem ouvidas em todo o Universo e no seio de cada família, a desmenti-los? As experiências não têm confi rmado esses princípios? Onde estão todas as publicações que pretendiam arrasar o Espiritismo? Quais as que, ao menos, atrasaram a sua marcha? Não se considerou, até agora, essa questão sob este ponto de vista, aliás um dos mais graves sem contestação, porque cada um dos contraditores contou consigo só, mas não contou com o apoio dos Espíritos.

A concordância universal, por outro lado, é uma garantia contra alterações que seitas poderiam tentar com o Espiritismo, para ajustá-lo a seus interesses menores. Quem tentasse desviá-lo de seu providencial objetivo, pela universalidade dos ensinamentos dos próprios Espíritos, veria cair por terra toda e qualquer modifi cação que se separe da verdade.

Eis aí o ponto central!Quem quer que se oponha à corrente das ideias consagradas

pela universalidade das manifestações espirituais, poderá causar uma pequena perturbação local e momentânea. Jamais, porém, conseguirá atingir todo o conjunto e, muito menos, dominá-lo por inteiro, quer na hora presente, quer no futuro.

Há, portanto, atitude de cautela.As instruções dadas pelos Espíritos, sobre pontos da

Doutrina ainda não sufi cientemente elucidados, não se incorporarão ao conjunto de leis enquanto não forem sancionadas pela universalidade. A sua aceitação fi cará sob reserva e a título de esclarecimento.

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INTRODUÇÃO

Antes de torná-las públicos, há necessidade de prudência.Se se julgar conveniente publicá-las, deverão ser apresentadas

como opiniões individuais, mais ou menos prováveis, porém que devem aguardar confi rmação. Essa confi rmação é que se deve aguardar antes de apresentar um princípio como Verdade absoluta, a fi m de não ser acusado de leviandade ou credulidade cega.

Os Espíritos Superiores procedem, em suas revelações, com extrema sabedoria. Abordam as grandes questões da Doutrina gradualmente, sem precipitação, à medida que a inteligência está apta a compreender uma verdade de ordem mais elevada. Aguardam, pois, as circunstâncias propícias para emitir uma ideia nova. Por esta cautela é que, logo no início das revelações, não disseram tudo e nem tudo disseram até agora, jamais cedendo à impaciência daqueles que querem colher os frutos antes do seu amadurecimento. É inútil querer avançar no tempo designado pela Providência, uma vez que os Espíritos verdadeiramente sérios negam o seu concurso. Todavia, os Espíritos levianos, que pouco se ocupam da Verdade, estes responderão a tudo, indiferentemente, vindo daí a causa de respostas contraditórias sobre questões prematuramente abordadas.

Esses princípios, acima expostos, não são uma teoria pessoal.

São eles, pelo contrário, uma consequência forçada das condições em que os Espíritos se manifestam. Torna-se evidente, pois, que se um Espírito diz uma coisa e outros milhares de Espíritos dizem o contrário em outros lugares, a presunção da Verdade não poderá estar com esse que emite ideias isoladamente. Querer alguém ter razão contra todos seria uma falta de lógica da parte de um Espírito, tanto quanto o seria da parte dos homens.

Os Espíritos sábios, quando não se sentem sufi cientemente esclarecidos sobre uma questão, jamais a resolvem de maneira absoluta. Preferem declarar que a tratam sob um ponto de vista seu, pessoal, e aconselham mesmo que se aguarde a confi rmação.

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INTRODUÇÃO

Mesmo que seja grande, bela e justa uma ideia, é impossível que, desde o primeiro momento, ela polarize todas as opiniões. Os confl itos que ela desencadeia são consequência inevitável do movimento que se opera. Tais confl itos são mesmo necessários para maior destaque da verdade e são extremamente úteis para que as ideias falsas sejam, de pronto, postas de lado. Os Espíritas que alimentassem qualquer temor por isso, podem fi car tranquilos, uma vez que todas as pretensões isoladas desaparecerão, pela força das coisas, diante do grande e poderoso critério do controle universal.

Não será à opinião de um homem que se unirão os outros homens.

A união se dará em torno da voz unânime dos Espíritos. Não será este ou aquele homem, como não será qualquer outro homem, que criará o fundamento da ortodoxia espírita. Também não será um Espírito que virá impô-la a quem quer que seja. Ela nascerá da universalidade dos Espíritos que se comunicam em toda a Terra por ordem de Deus.

Esse é o caráter essencial da Doutrina Espírita.Essa é a sua força e aí está a sua autoridade.Deus quis que a sua lei assentasse em base sólida e, por isso,

não quis que o seu fundamento repousasse sobre a cabeça frágil de um só homem.

Sob tão poderosa assembléia de Espíritos Sábios, onde não se cultivam facções, nem rivalidades ociosas, nem seitas, nem raças ou cores, é que virão quebrarem-se todas as oposições, todas as ambições, todas as pretensões de supremacia individual. É que quebraremos a nós mesmos, na realidade, se pretendermos substituir, por nossas próprias ideias, os decretos soberanos do Pai. Somente a Ele caberá decidir sobre as questões que causam litígio, impondo silêncio às dissidências e dando razão a quem a tenha. À frente desse portentoso acordo de todas as Vozes do Céu, o que pode a opinião de um homem ou mesmo de um Espírito isolado? Poderá

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INTRODUÇÃO

menos que uma gota que se perde no oceano, menos que a voz de uma criança, abafada pela tempestade.

A opinião universal é o juízo supremo.Ela é a última instância.A opinião universal forma-se pela soma de todas as opiniões

individuais. Se uma delas é verdadeira, tem o seu peso relativo na balança da Verdade. Se, porém, for falsa, ela não prevalecerá sobre todas as outras. Nesse imenso concurso, as personalidades se apagam e, nisto, se encontra um novo insucesso para o orgulho humano.

Já se esboça, pois, o harmonioso conjunto.Este século não passará sem que o harmonioso conjunto

resplandeça em todas as suas luzes, de maneira a afastar todas as sombras das incertezas. Poderosas vozes terão recebido a missão de se fazerem entender, a fi m de congregar os homens sob uma mesma bandeira, tão logo o campo se ache sufi cientemente preparado para a sementeira. Enquanto isso não se dá, aquele homem que estiver fl utuando entre dois sistemas opostos poderá observar em que sentido se forma a opinião geral: a indicação certa será aquela em que se pronuncia a maioria dos Espíritos sobre os diversos princípios da Doutrina, nos diversos pontos em que se comuniquem. É o sinal certo de qual dos dois sistemas prevalecerá.

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INTRODUÇÃO

III - NOTÍCIAS HISTÓRICAS

Para bem compreender certas passagens dos Evangelhos, faz-se necessário conhecer o valor de algumas palavras que são frequentemente empregadas. Elas caracterizam o estado dos costumes e da própria sociedade judia da época. Essas palavras, já não tendo o mesmo sentido na atualidade, são frequentemente mal interpretadas e, por isso, resultam em alguma incerteza.

A signifi cação delas, na época, lhe permitirá conhecer o verdadeiro sentido de certas máximas que, sem o seu domínio, lhe parecerão um tanto confusas.

Samaritanos — Após o cisma das dez tribos, Samaria tornou-se a capital do reino dissidente de Israel. Destruída e reconstruída muitas vezes, ela se tornou, sob a administração dos Romanos, a cabeça de Samaria, sendo uma das quatro divisões da Palestina. Herodes, aquele chamado o Grande, chegou a embelezá-la com suntuosos monumentos e, para ser agradável a Augusto, deu-lhe o nome de Augusta, em grego Sebaste. Os Samaritanos estiveram, quase sempre, em guerra com os reis de Judá. Uma aversão profunda, nascida desde a separação, perpetuava-se constantemente entre os dois povos que, por isso, evitavam relações entre si. Os Samaritanos, ainda para aprofundar a separação e não terem que ir a Jerusalém para a celebração das festas religiosas, construíram um templo particular e adotaram algumas reformas. Admitiram apenas o Pentateuco, que continha a lei de Moisés, e rejeitaram todos os demais livros que lhe foram anexados depois.

Os seus livros sagrados eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta antiguidade.

Para os judeus ortodoxos, os Samaritanos eram considerados heréticos e, por isso mesmo, menosprezados, anatematizados e perseguidos. O antagonismo das duas nações tinha, por único

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INTRODUÇÃO

fundamento, a divergência das opiniões religiosas, se bem que as suas crenças tivessem a mesma origem.

Eles eram os Protestantes de seu tempo.Os Samaritanos são encontrados, ainda hoje, em algumas

regiões do Oriente, particularmente em Nablusa e em Jafa. Observam com mais rigor a lei de Moisés do que os demais judeus. Só contraem aliança entre si.

Nazarenos — Este era o nome dado, na antiga lei, aos Judeus que faziam voto, ou por toda a vida ou apenas temporariamente, de conservar uma pureza perfeita. Comprometiam-se, portanto, a manter a castidade, a não tomar bebidas alcoólicas e a conservar a cabeleira. Sansão, Samuel e João Batista eram Nazarenos. Os cristãos, mais tarde, receberam esse nome dos Judeus, por alusão a Jesus de Nazaré.

Essa foi, também, a denominação duma seita herética dos primeiros séculos do cristianismo que, do mesmo modo que os Ebionitas, dos quais adotava certos princípios, mesclavam as práticas do moisaísmo com dogmas cristãos. Esta seita desapareceu no século quarto.

Publicanos — Na antiga Roma, eram chamados de Publicanos aqueles que eram arrendatários de tributos públicos, encarregados da cobrança de impostos, taxas e rendas de qualquer natureza, na própria Roma e em outras partes do Império Romano.

Eram análogos aos arrendatários do antigo regime francês e que ainda existem em certas regiões. Os riscos a que se sujeitavam, no desempenho de suas funções, levavam a que se fechassem os olhos para as riquezas que acumulavam e que, da parte de alguns, eram produtos de corrupção e benefícios escandalosos. Mais tarde, o nome de publicano se estendeu a todos os que manipulam o dinheiro público e a seus auxiliares subalternos.

Atualmente esse é um designativo pejorativo, atribuído a fi nancistas e agentes pouco escrupulosos no trato com negócios.

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INTRODUÇÃO

Algumas vezes se diz: “Ávido como um publicano ou rico como um publicano”, para indicar uma fortuna de má origem.

O tributo foi o que mais difi cilmente os Judeus aceitaram, de toda a dominação romana. Tornou-se a causa de muita irritação. Em razão dele nasceram muitas revoltas e, fi nalmente, transformaram-no em questão religiosa, apresentado como sendo contrário à lei. Formou-se, inclusive, um partido poderoso, à frente do qual se colocou um certo Judá, chamado O Gaulonita, partido esse que tinha por base o não pagamento do tributo.

Os Judeus tinham horror pelos tributos, e por consequência, por todos os que eram encarregados de recebê-los. Daí nascia a aversão deles pelos publicanos de todas as categorias, entre os quais, no entanto, podiam encontrar-se pessoas estimáveis. Mas em razão de suas funções, eram desprezadas, assim como as demais pessoas que com elas mantinham relações, as quais eram atingidas pela mesma reprovação.

Os judeus mais distintos consideravam que se comprometeriam em ter alguma intimidade com os publicanos.

Os Portageiros — Estes eram arrecadadores de baixa categoria, incumbidos, principalmente, da cobrança de direitos de entrada nas cidades. Suas funções correspondiam aproximadamente às dos empregados de alfândega e de recebedores de pedágio e de direitos de barreira. Devotava-se-lhes a mesma repulsa que se dava aos publicanos em geral. É por esta razão que, nos Evangelhos, se depara frequentemente com a palavra publicano, seguida da expressão gente de má vida. Esta qualifi cação não implicava uma ponta de deboche ou de considerá-los vadios, mas era sinônimo de gente de má companhia, indigna de frequentar a casa e a roda de pessoas muito distintas.

Fariseus — (do Hebreu parasch, signifi cando divisão, separação). A tradição formava uma parte importante na teologia judaica. Consistia numa compilação de interpretações sucessivamente dadas sobre as Escrituras e que, por isso, se transformavam em dogmas. Tais interpretações, entre os

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INTRODUÇÃO

doutores, se sujeitavam a intermináveis discussões, algumas vezes por simples questão de palavras ou de formas de colocá-las. Resultavam numa disputa teológica do mesmo gênero que o das sutilezas escolásticas da Idade Média. Dessas discussões nasceram diferentes seitas que pretendiam trazer para si o monopólio da verdade. Como decorre desses acontecimentos, as seitas se detestavam cordialmente uma às outras.

A mais infl uente, dentre essas seitas, era a dos fariseus, que teve por chefe Hillel, doutor judeu nascido em Babilônia e fundador duma escola célebre, cujos ensinamentos propunham que só se devia depositar crença nas Escrituras. A origem desta seita remonta a 180 ou 200 anos antes de Cristo.

Os fariseus foram perseguidos em diversas épocas, notadamente sob Hircano, soberano pontífi ce e rei dos judeus, Aristóbulo e Alexandre, rei da Síria. Releva notar que este último, Alexandre, conferiu honras e bens aos fariseus, que os conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da era cristã, época em que se lhe apagou o nome com a dispersão dos judeus. Os fariseus tomavam uma parte ativa nas discussões religiosas. Com atitudes de servis observadores das práticas exteriores do culto e de cerimoniais, demonstravam zelo ardente por fazer prosélitos. Colocavam-se como inimigos dos invasores e afetavam uma grande severidade de princípios. Contudo, por trás dessa aparência de grande devoção, ocultavam costumes dissolutos, excessivo orgulho, alimentando-se de grande desejo de dominação. A religião, para eles, era simples meio para chegarem a outros fi ns, sem que tivessem pela religião uma fé sincera.

A virtude, para eles, era mera aparência. Através dela exerciam grande infl uência sobre o povo, por passarem diante do vulgo como personalidades santifi cadas.

Assim é que se tornaram muito poderosos em Jerusalém.Acreditavam, ou pelo menos fi ngiam acreditar, na

Providência, na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na ressurreição dos mortos (Cap. IV, item 4).

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INTRODUÇÃO

Jesus, que valorizava, sobretudo, a simplicidade e as qualidades dos sentimentos, que preferia da Lei antes o espírito que vivifi ca do que a letra que mata, durante toda a sua missão se aplicou a desmascarar essa hipocrisia. Por consequência, tinha neles grandes inimigos, estando aqui, portanto, a razão principal pela qual os fariseus se uniram aos principais dos sacerdotes judeus para amotinar o povo contra Jesus, a fi m de eliminá-lo.

Escribas — Este era o nome dado, em princípio, aos secretários dos reis de Judá, e, também, a certos intendentes das forças armadas judaicas. Mais tarde, porém, passou a ser a designação especialmente aplicada aos doutores que ensinavam a Lei de Moisés e a interpretavam para o povo. Eles faziam causa comum com os fariseus, abraçando-lhes os princípios e a antipatia contra os inovadores. Eis o motivo pelo qual Jesus os envolvia na mesma reprovação.

Sinagoga — (do grego Sunagoguê, signifi cando assembléia, congregação). Não existia, em Jerusalém, nenhum outro templo, além do de Salomão onde eram celebradas as grandes cerimônias do culto. Os judeus, todos os anos, iam em peregrinação para as principais festas judaicas, tais como as da Páscoa, as da Dedicação e as dos Tabernáculos.

Por ocasião dessas festas, Jesus se dirigia também para Jerusalém.

As outras cidades na Judéia não possuíam templo, mas apenas sinagogas. As sinagogas eram pequenas construções onde os Judeus se congregavam aos sábados, a fi m de fazerem preces públicas sob a direção dos Anciães, dos escribas ou dos doutores da Lei. Eles faziam leituras dos livros sagrados e sobre elas ofereciam explicações e comentários. Por isso é que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava nas sinagogas nos dias de sábado.

Depois da ruína de Jerusalém e da dispersão dos Judeus, as sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem de templo para a sua celebração de culto.

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INTRODUÇÃO

Saduceus — Seita judia, formada ali pelo ano 248 antes de Cristo. Esse nome lhe veio de Sadoc, seu fundador. Os Saduceus não acreditavam nem na imortalidade da alma, nem na ressurreição, nem em bons ou maus anjos. Acreditavam, no entanto, em Deus. Nada, contudo, esperando após a morte, eles serviam a Deus esperando recompensas imediatas. Nisso, segundo eles, se reduzia a providência divina.

Por decorrência desse modo de pensar, tinham na satisfação dos sentidos físicos todo o seu objetivo central de vida. Quanto às Escrituras, prendiam-se ao texto da lei antiga, não admitindo elementos da tradição e, menos ainda, quaisquer interpretações. Consagravam as boas obras e a execução pura e simples da Lei acima das práticas exteriores do culto. Eram, como se deduz, os materialistas, os deístas e os sensualistas da época.

Esta seita não era muito numerosa, mas contava com personalidades importantes. Tornou-se um partido político constantemente em oposição aos Fariseus.

Essênios ou Esseus — Seita judaica formada ali por 150 anos antes de Cristo, ao tempo dos Macabeus. Seus membros, que habitavam uma espécie de mosteiro, formavam entre si uma associação moral e religiosa. Eles se distinguiam pelos seus costumes brandos e por virtudes austeras, ensinando o amor a Deus e ao próximo, a imortalidade da alma, e acreditavam na ressurreição. Viviam em celibato, condenando a escravidão e a guerra, trazendo seus bens em comunidade, e trabalhavam na agricultura. Opondo-se aos Saduceus, que negavam a imortalidade da alma, e aos Fariseus rígidos apenas nas práticas exteriores e de qualidades apenas aparentes, jamais os Essênios tomaram parte nas querelas que dividiam essas duas seitas.

O gênero de vida que levavam os fez assemelharem-se muito com os primeiros cristãos e, pelos princípios morais que professavam, levaram muitas pessoas a pensar que Jesus fi zera parte dessa seita antes do início de sua missão pública.

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INTRODUÇÃO

Certamente Jesus teria conhecido essa seita, mas nada prova que a ela se fi liara, sendo que tudo o que se escreveu a tal respeito é hipotético1.

Terapeutas — (do grego thérapeutai, formado de thérapeuein, signifi cando servir, cuidar, ou seja, servidores de Deus ou curadores). Sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos principalmente em Alexandria, no Egito. Eles cultivavam grandes relações com os Essênios, adotando-lhes os princípios. Adotavam, também, a prática de todas as virtudes. Alimentavam-se frugalmente, sendo também celibatários, voltados à contemplação e à vida solitária.

Formavam uma verdadeira ordem religiosa.Fílon, fi lósofo judeu platônico, de Alexandria, foi o

primeiro a falar dos Terapeutas, considerando-os uma seita do judaísmo. Eusébio, Jerônimo e outros Pais da Igreja pensavam que eles eram cristãos.

Fossem judeus ou cristãos, o que se evidencia é que, do mesmo modo que os Essênios, eles formam um traço de união entre o judaísmo e o cristianismo.

1. A Morte de Jesus, supostamente escrita por um irmão essênio, é um livro completamente apócrifo, escrito tão-somente para servir de apoio a uma opinião, trazendo em si mesmo a prova de sua origem moderna.

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INTRODUÇÃO

IV - SÓCRATES E PLATÃO PRECURSORES DA IDEIA CRISTÃ E DO ESPIRITISMO

Jesus conheceu a seita dos Essênios.Seria equivocado, porém, concluir-se que a sua doutrina

foi inspirada nessa seita e que, se houvera estado em outro meio, abraçaria outros princípios.

As grandes ideias jamais surgem subitamente.Todas aquelas que têm por base a própria verdade contam

com precursores que lhes preparam parcialmente as sendas. Depois, quando chegar o tempo justo, Deus envia um homem com missão de resumir, coordenar e completar os elementos esparsos, formando um corpo doutrinário.

Não surgindo bruscamente a ideia, ao aparecer encontrará almas dispostas a aceitá-la. Assim se deu, portanto, com a ideia cristã, que foi recolhida como que no ar séculos antes de Jesus e dos Essênios, tendo em Sócrates e Platão os seus principais precursores.

Sócrates, assim como Jesus Cristo, nada escreveu ou, pelo menos, nenhum escrito pessoal deixou. Como Jesus, experimentou a morte imposta a criminosos, vítima de fanatismo, por ter combatido as crenças que encontrara e posto a virtude acima da hipocrisia e dos simulacros das formas, evidenciando os preconceitos religiosos.

Assim como Jesus foi acusado pelos Fariseus de corromper o povo com os seus ensinamentos, Sócrates foi acusado pelos fariseus de seu tempo, já que há fariseus em todas as épocas, de corromper a juventude ao proclamar a unidade de Deus, a imortalidade da alma e a existência da vida futura além do corpo físico.

Igualmente como conhecemos a doutrina de Jesus pelos Evangelhos escritos pelos seus discípulos, nós somente

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INTRODUÇÃO

conhecemos os pensamentos de Sócrates pelos escritos de seu discípulo Platão.

Cremos, por isso, ser útil que reunamos os pontos de maior destaque dos ensinamentos de Sócrates, para demonstrar a concordância desses princípios com os do cristianismo.

Alguns poderão considerar tal propósito uma profanação.Dirão que não se pode estabelecer um paralelo entre

a doutrina de um pagão e a do Cristo. Responderemos que a doutrina de Sócrates não era paganismo, mas visava a combater o paganismo. A doutrina do Cristo, por sinal mais completa e pura que a de Sócrates, não perderá coisa alguma na comparação. A grandeza da missão divina do Cristo não poderá ser reduzida, uma vez que se trata de um fato da História que não é possível apagar.

O homem atingiu um ponto tal, hoje, em que a luz explode por si mesma, indo ao encontro de todas as consciências. Acha-se você, portanto, em condições de encará-la face a face, graças à sua maturidade. Pior será para aqueles que não querem abrir os olhos e vê-la. É tempo de ver as coisas mais largamente e de um modo elevado. Não mais, portanto, de um ponto de vista mesquinho e condicionado aos interesses de seitas e castas.

As citações que faremos, por isso, provarão que se Sócrates e Platão pressentiram a ideia do cristianismo, pressentiram também os princípios fundamentais da Doutrina Espírita.

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INTRODUÇÃO

RESUMO DA DOUTRINA DE SÓCRATES E DE PLATÃO

I. O homem é uma alma encarnada. Antes de sua encarnação, ela estava unida aos tipos primordiais, unida às ideias da verdade, do bem e do belo. Separando-se desse estado, ao encarnar, ela se sente mais ou menos atormentada ao recordar o seu passado, por desejar voltar ao que era.

Seria quase impossível enunciar com mais clareza a distinção e independência entre o princípio inteligente e o princípio material. Destaca-se, também, por outro lado, a doutrina da preexistência da alma; da vaga intuição que ela conserva de um mundo pelo qual aspira; da sua sobrevivência ao corpo; de sua vinda do mundo espiritual para encarnar e de seu retorno a esse mesmo mundo de origem, após a morte.

Esse é o germe da doutrina dos Anjos decaídos ou depostos.

II. A alma se extravia e se perturba, quando se utiliza do corpo para contatar qualquer objeto. Sente vertigem, qual se estivesse embriagada, porque se une às coisas que são, pela própria natureza, sujeitas a mudanças. Quando, porém, ela contempla a sua própria essência, ela contata com o que é puro, eterno, imortal e, portanto, igual à sua própria natureza, permanecendo aí unida pelo mais longo tempo que possa. Cessam, aqui, os seus extravios e a sua perturbação, uma vez que ela está unida ao que é imutável e a esse estado é que se chama sabedoria.

Se você aprecia alguma coisa de modo terra-a-terra, do ponto de vista material, criará em você mesmo uma ilusão. Para apreciá-la, porém, com justeza, deverá examiná-la de modo mais alto, menos terra-a-terra, partindo para considerá-la do ponto de vista espiritual.

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INTRODUÇÃO

Você será verdadeiramente prudente se, em todas as circunstâncias, isolar a alma do corpo para ver com os olhos do espírito.

Este é, também, um ensinamento do Espiritismo (Cap. II, item 5).

III. Ao estarmos em nosso corpo e a alma permanecer mergulhada na corrupção, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos: a verdade. O corpo nos cria mil obstáculos, pela necessidade mesma de cuidarmos dele com esmero. Ele nos repleta de desejos, de apetites, de temores, de mil quimeras e de mil tolices, de tal modo que se torna impossível sermos de bom-senso por algum instante. Mas, se se nos torna impossível conhecer puramente alguma coisa, enquanto a alma está unida ao corpo, entre essas duas coisas haverá uma: ou não conheceremos jamais a verdade ou iremos conhecê-la após a morte. Libertos dos grilhões do corpo, conversaremos então, é lícito esperá-lo, com outros homens igualmente livres, libertos, e conheceremos por nós mesmos a essência das coisas. Em decorrência disso é que os verdadeiros fi lósofos se exercitam em morrer e a morte não lhes parece, de nenhum modo, terrível.

Este é o princípio de obscurecimento das faculdades da alma, por ter que manifestar-se por intermédio dos órgãos corporais e o da expansão de suas faculdades após a morte. Essa expansão, contudo, se dará com almas elevadas, despojadas das impurezas, não ocorrendo o mesmo com as almas impuras (O Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. II; 2ª parte, cap. I).

IV. A alma impura, nesse estado, sente-se oprimida e é arrastada para o mundo visível, pelo horror que sente pelo que é invisível e imaterial. Ela vagueia, diz-se, em torno de monumentos e de túmulos, junto aos quais já se tem visto tenebrosos fantasmas, como devem ser as imagens das almas que deixaram os corpos físicos sem terem alcançado a pureza. Conservando qualquer coisa da forma material, isso faz com que as vistas humanas possam percebê-las. Esses fantasmas não são as almas dos bons,

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mas dos impuros. Elas se vêem forçadas a vagar por tais lugares, carregando a pena de sua primeira vida. Continuarão a vagar, até que os apetites inerentes à forma material de que se revestiram as reconduzam a um novo corpo. Elas retornarão, sem dúvida, aos mesmos costumes que, no curso de sua primeira vida, foram o objeto de sua predileção.

Não temos aí, somente o princípio da reencarnação, inteiramente e claramente expresso. Temos, também, o estado das almas que se mantêm presas à matéria, descrito da mesma forma que o Espiritismo mostra nas evocações. Diz-se, também, que a reencarnação da alma num corpo material é uma consequência da própria impureza da alma, enquanto que as almas purifi cadas estão livres, franqueadas de reencarnar. O Espiritismo não diz outra coisa. Acrescenta-se, tão-somente, que a alma que boas resoluções tomou quando na erraticidade, e que possui conhecimentos adquiridos, traz consigo, ao renascer, menos defeitos, mais virtudes e muitas ideias intuitivas de sua precedente existência. Assim é que cada existência signifi ca para a alma um progresso intelectual e moral (O Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos).

V. Após a nossa morte, o gênio (daimon, demônio) que nos acompanhou durante a nossa vida, leva-nos a um lugar onde se reúnem todos aqueles que devem ser conduzidos ao Hades para serem julgados. As almas, após permanecerem no Hades o tempo necessário, são trazidas a esta vida em numerosos e longos períodos.

A palavra daimon, da qual se originou o termo demônio, não se referia ao mal em si, na época em que era utilizada. Somente na era moderna tem ela esse sentido. Não designava, portanto, entidades malfazejas, mas os Espíritos de um modo geral. Distinguiam-se, entre eles, os Espíritos Superiores, chamados de deuses, e os Espíritos menos elevados, estes os demônios propriamente ditos, que se comunicavam diretamente com os homens.

O Espiritismo diz, também, que os Espíritos povoam o espaço; que Deus não se comunica diretamente com os

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INTRODUÇÃO

homens e que são os puros Espíritos que se comunicam para transmitirem-lhes a vontade do Criador.

Substitua a palavra demônio pela palavra Espíritos e você terá a Doutrina Espírita. Substitua a palavra demônio por anjo e você terá a doutrina cristã.

VI. Os demônios ocupam o espaço que separa o Céu da Terra. Eles são o liame que une o Grande Todo a si mesmo. A divindade não entra jamais em comunicação direta com o homem, a não ser por intermédio dos demônios. Através destes é que os deuses fazem o intercâmbio e se entretêm com os homens, quer durante a vigília, quer durante o sono.

Esta é a doutrina dos Anjos guardiães ou Espíritos protetores e, também, das reencarnações sucessivas após intervalos mais ou menos longos na erraticidade.

VII. A preocupação constante do fi lósofo (tal como a compreendiam Sócrates e Platão) é de tomar grande cuidado com a alma, menos pelo que ocorre nesta vida, que representa apenas um instante, porém mais pela própria eternidade. Se a alma é imortal, não será sabedoria viver em função da própria eternidade?

O cristianismo e o Espiritismo ensinam a mesma coisa.VIII. Se a alma é imaterial, ela tem de passar, após esta vida,

para um mundo igualmente invisível e imaterial, do mesmo modo que o corpo, por ser material, deverá entrar em decomposição e seus elementos retornarem à matéria. Importa, então, somente distinguir a alma pura, verdadeiramente imaterial, que se alimenta, como Deus, de ciência e de pensamentos, da alma mais ou menos marcada por impurezas materiais, que a impedem de elevar-se ao divino e que a retêm nos mesmos lugares de sua estada na Terra.

Sócrates e Platão, como você pode ver, compreendiam perfeitamente os diferentes graus de desmaterialização da alma. Eles insistem sobre a diferente situação que resulta para elas de sua maior ou menor pureza.

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O que eles disseram por intuição, o Espiritismo prova por numerosos exemplos que nos são postos diante dos olhos. (O Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos).

IX. Se a morte representasse a dissolução total do homem, isso seria um grande ganho para os maus, uma vez que após a morte eles se veriam, ao mesmo tempo, livres do corpo, da alma e dos vícios. Aquele, porém, que enriquecer a sua alma, não com valores que lhe sejam estranhos, mas com valores que lhe são próprios, somente esse é que poderá aguardar tranquilamente a hora de sua partida para o outro mundo.

Em outros termos, isto quer dizer que o materialismo, ao proclamar que nada existe após a morte, está anulando toda e qualquer responsabilidade moral posterior à morte e, por consequência, estimulando o homem para o mal, signifi cando que o mau tem tudo a ganhar da existência do nada após a morte. No entanto, será apenas o homem que se enriqueceu de virtudes que poderá aguardar tranquilamente o despertar na outra vida.

O Espiritismo lhe mostra, através de exemplos que todos os dias são postos debaixo de seus olhos, quanto é penoso para o mau a sua passagem desta vida para a outra. (O Céu e o Inferno, 2ª parte - Exemplos, cap. I).

X. Os corpos conservam os sinais bem marcados dos cuidados recebidos ou dos acidentes que sofreram. Dá-se a mesma coisa com a alma. Quando ela se despe do corpo, ela carrega os traços evidentes de seu caráter, de suas afeições e as marcas de todos os atos de sua vida. Assim a grande infelicidade que pode acometer o homem é ir para o outro mundo com a alma marcada de crimes. Veja, Cálicles, que nem você, nem Pólux, nem Górgias poderão provar que devemos levar uma outra vida que nos seja útil quando estejamos do outro lado. Entre tantas opiniões diversas, a única que permanece inalterável é a de que vale mais receber do que cometer uma injustiça. Cuidemos, portanto, em aplicar-nos não a simplesmente parecer um homem de bem, mas a ser um

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homem de bem. (Diálogo de Sócrates com seus discípulos, na prisão).

Eis, aqui, um outro ponto capital, hoje confi rmado pela experiência: a alma não depurada conserva as ideias, as tendências, o caráter e as paixões de que se alimentou durante a sua vida na Terra. Já na máxima: vale mais receber do que cometer uma injustiça, não está por inteiro o cristianismo? Esse é o mesmo pensamento que Jesus expressou, utilizando a seguinte fi guração: “Se alguém lhe bater numa face, ofereça-lhe a outra”. (Cap. XII, itens 7 e 8).

XI. De duas coisas, uma: ou a morte é uma destruição absoluta ou é a passagem da alma para outro lugar. Se a morte extingue tudo, poderemos tomá-la como uma dessas raras noites que passamos sem sonhos e sem consciência de nós mesmos. Porém, se a morte é apenas uma mudança de morada, a passagem para o lugar onde os mortos se reúnem será a felicidade de reencontrar-nos com aqueles a quem conhecemos! Meu maior prazer seria examinar de perto os habitantes dessa outra morada e de distinguir, qual me ocorre aqui, os que são sábios daqueles que se dizem tais e não o são. É tempo, contudo, de separar-nos, eu para morrer e vocês para viverem (Sócrates, falando a seus juízes).

Segundo Sócrates, os homens que viveram sobre a Terra se reencontram após a morte e se reconhecem. O Espiritismo nos mostra continuamente que as relações que entre as criaturas se estabeleceram, prosseguem após a morte sem uma só interrupção, nem a cessação da vida, mas por uma transformação sem solução de continuidade.

Se Sócrates e Platão houvessem conhecido os ensinamentos que o Cristo difundiu quinhentos anos mais tarde, e o que os Espíritos difundem, não teriam falado de outro modo. Não há, aqui, no entanto, nada que surpreenda, se considerarmos que as grandes verdades são eternas e que os grandes Espíritos hão de tê-las conhecido antes de vir à Terra para onde as trouxeram. Sócrates, Platão e os grandes fi lósofos daquele tempo bem podem estar, mais tarde, entre aqueles

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que secundaram o Cristo em sua divina missão, escolhidos precisamente por se acharem, entre outros, em condições de compreenderem seus sublimes ensinamentos. Fazem eles, hoje, parte da plêiade de Espíritos encarregados de ensinar aos homens as mesmas Verdades.

XII. Jamais se deve retribuir uma injustiça com outra injustiça, nem fazer mal a qualquer pessoa, seja qual for o dano que nos haja feito. Poucas serão as pessoas que admitirão este princípio e esses tais, por certo, desprezarão uns aos outros.

Não está aí o que ensinamos, com base no princípio da caridade, que não devemos retribuir o mal com o mal e que devemos perdoar a nossos inimigos?

XIII. Pelos frutos se conhece a árvore. Toda ação é qualifi cada pelo que produz: diremos ser má, quando dela provenha o mal; diremos ser boa, quando dela origine o bem.

Esta máxima: “Pelos frutos se conhece a árvore” se encontra, textualmente, repetida muitas vezes no Evangelho.

XIV. A riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza não ama a si mesmo e nem o que é seu. Ama, por certo, uma coisa que lhe é ainda mais estranha do que aquilo que lhe pertence (Cap. XVI).

XV. A mais bela das preces e os mais formosos sacrifícios causam menos glorifi cação à Divindade que uma alma virtuosa que se esforça para assemelhar-se às virtudes sublimes. Seria uma coisa muito grave que os deuses dispensassem mais atenção às nossas oferendas que à nossa própria alma. Se tal acontecesse, os mais culpados poderiam se tornar os mais favorecidos. Mas tal não se dá, sendo que somente os verdadeiramente justos e sábios são os que, por suas palavras e atos, cumprem os seus deveres para com os deuses e para com os homens. (Cap. X, itens 7 e 8).

XVI. Chamo de homem vicioso a esse amante vulgar, que ama o seu próprio corpo, mais que a sua alma. O amor está por toda a natureza que nos convoca a exercer a nossa inteligência. Até no movimento dos astros o encontramos. Este amor é o

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que adorna a natureza de seus ricos tapetes. Ele se enfeita e fi xa morada onde haja fl ores e perfumes. É ainda o amor que traz paz aos homens, que acalma o mar, que silencia os ventos e abranda a dor.

O amor, que há de unir os homens por um liame fraternal, é uma consequência desta teoria de Platão sobre o amor universal como lei da natureza. Sócrates disse: “amor não é nem um deus, nem um mortal, mas é um grande demônio”. Com isso, quis dizer que um grande Espírito preside o amor universal, sendo que essa colocação lhe foi imputada como crime.

XVII. A virtude não pode ser ensinada. Ela vem por um dom de Deus aos que a possuem.

Isso é o que quase prega a doutrina cristã sobre a graça. Se, porém, a virtude é um dom de Deus, isso é um favor que nos levará a perguntar: “Por que Ele não a concede a todos?” Por outro lado, se a virtude é um dom, não há mérito em quem a possui. O Espiritismo é mais claro a esse respeito, esclarecendo que aquele que possui a virtude a adquiriu, por esforço próprio, no curso de suas existências sucessivas, despojando-se, pouco a pouco, de suas imperfeições. A graça, esta sim, é a força com que Deus favorece a todos os homens de boa-vontade para despojar-se do mal e para praticar o bem.

XVIII. É uma disposição natural em todos nós, a de não nos apercebermos bem de nossos próprios defeitos, vendo mais os defeitos dos outros.

O Evangelho ensina: “Você vê a palha que está no olho de seu próximo e não vê a trave que está no seu” (Cap. X, itens 9 e 10).

XIX. Se os médicos são mal sucedidos ao tratar da maior parte das moléstias é porque tratam do corpo sem tratar da alma. É que, se o todo não está em bom estado, será impossível que parte dele passe bem.

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O Espiritismo dá a chave das relações que existem entre a alma e o corpo. Prova que há uma reação incessante de um sobre o outro. Abre assim um campo novo para a Ciência. Revelando a verdadeira causa de certas doenças, dá-lhe os meios de as combater.

Quando a Ciência, portanto, levar em conta a ação do elemento espiritual na sua técnica de curar, esses maus êxitos serão menos frequentes.

XX. Todos os homens, desde a infância, fazem mais o mal do que o bem.

Esta expressão de Sócrates fere a grave questão da predominância do mal sobre a Terra. Essa questão é insolúvel sem o conhecimento da pluralidade dos mundos e da destinação da própria Terra, habitada que é por uma parte mínima da Humanidade.

O Espiritismo dá-lhe a solução, que se encontra desenvolvida nesta mesma obra, nos capítulos II, III e V.

XXI. Ajuizado você será, se não supor saber o que você ignora.

Esta vai para os críticos apressados.Dirige-se, como princípio de sabedoria, aos que criticam

ao que desconhecem.Platão completa esse pensamento de Sócrates, dizendo:

“Tentemos primeiramente torná-los, se possível, mais honestos nas palavras. Se isso não conseguirmos, não nos ocupemos mais com eles. Empenhemo-nos tão-somente em buscar a verdade. Cuidemos de instruir-nos, sem nos sentirmos injuriados”.

Os Espíritas devem proceder dessa forma diante dos seus contraditores de boa ou de má-fé.

Se Platão revivesse hoje encontraria as coisas quase no mesmo pé das do seu tempo. Poderia, por isso, usar a mesma linguagem que usou. Sócrates, por sua vez, voltaria a topar com criaturas que zombariam de sua crença nos Espíritos e

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INTRODUÇÃO

que o tratariam como se ele fosse louco, dando esse mesmo tratamento a seu discípulo Platão.

Por professar esses princípios é que Sócrates foi ridicularizado, acusado impiedosamente e condenado a beber cicuta. As verdades novas levantam, contra si, os interesses e os preconceitos que elas contrariam e, por isso, não se podem fi rmar sem fazer mártires.

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

I

NÃO VIM DESTRUIR A LEI

1. Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumpri-los. Porque, em verdade vos digo, que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo seja cumprido (Mateus, capítulo V, versículos 17 e 18).

MOISÉS

2. Há duas partes distintas na lei mosaica.Uma delas é a lei de Deus, promulgada no monte Sinai e, a

outra é a lei civil ou disciplinar estabelecida pelo próprio Moisés.A primeira delas é invariável.A segunda, porém, era tão somente apropriada para reger

os costumes e as características do povo hebreu, sendo, portanto, modifi cada com o tempo.

A lei de Deus está contida nos dez mandamentos seguintes:I. Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos retirei do Egito, da

casa da servidão. Não tereis outros deuses diante de mim. Não fareis imagem esculpida, nem fi gura alguma do que está em cima do céu, nem embaixo da Terra, nem do que se encontra sob a terra. Não os adorareis e nem lhes prestareis culto soberano.

II. Não tomareis em vão o nome do Senhor, vosso Deus.III. Lembrai-vos de santifi car o dia do sábado.IV. Honrai o vosso pai e a vossa mãe, a fi m de viverdes longo

tempo na terra que o Senhor vos dará.V. Não mateis.VI. Não cometais adultério.VII. Não roubeis.

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CAPÍTULO I

VIII. Não presteis testemunho falso contra o vosso próximo.IX. Não desejeis a mulher do vosso próximo.X. Não cobiceis a casa do vosso próximo, nem o seu asno, nem

alguma outra coisa que lhe pertença.Esta Lei é de todos os tempos e de todos os países.Por ser a mesma para todos, tem um caráter divino.Todas as demais são leis estabelecidas por Moisés, que se via

obrigado a manter, pelo temor, um povo naturalmente turbulento e indisciplinado. Esse povo, que ele retirara do Egito, adquirira, durante o período de servidão, maus costumes que se enraizaram na sua alma. E ele tinha de combater esses abusos e preconceitos.

Para dar autoridade às suas leis, Moisés lhes atribuía uma origem divina, assim como faziam os demais legisladores de povos primitivos.

Lá, a autoridade de um homem deveria apoiar-se na de Deus.

Contudo, somente a ideia de um Deus terrível podia impressionar homens ignorantes, nos quais o senso moral e sentimento de uma reta justiça se encontram pouco desenvolvidos.

Está sufi cientemente evidente que aquele que transmitira, entre seus mandamentos: “Não mateis; não causareis dano a vosso próximo”, não poderia contradizer-se fazendo da exterminação um dever.

As leis mosaicas, propriamente ditas, tinham características essencialmente transitórias.

CRISTO

3. Jesus não veio destruir a lei.Ele veio cumprir a lei de Deus, desenvolvendo-a, dando-

lhe o seu verdadeiro sentido e a apropriando ao degrau evolutivo alcançado, então, pelos homens.

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

Por isso é que, na base de sua doutrina, Ele estabelece o princípio dos deveres para com Deus e para com o próximo.

Quanto às leis civis de Moisés, propriamente ditas, Ele as modifi ca profundamente, quer quanto ao fundo, quer quanto à forma. Combate, também constantemente, todos os abusos das práticas exteriores e das falsas interpretações.

Jesus não poderia submetê-las a uma reforma mais radical, do que as reduzindo a estas palavras: “Amar a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo” e lhes acrescentando: nisto estão toda a lei e os profetas.

Quando Jesus disse: “Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei, sem que tudo esteja cumprido”, Ele estava a dizer que era necessário que a lei de Deus tivesse cumprimento integral. Deveria ser praticada na Terra em toda a sua pureza, com toda a extensão que se lhe possa dar e com todas as suas consequências.

De que serviria estabelecer aquela lei, se ela viesse a constituir-se o privilégio de alguns poucos homens ou mesmo de um simples povo?

Todos os homens são fi lhos de Deus e são, por isso, sem nenhuma distinção entre eles, objeto da mesma atenção, da mesma solicitude da parte do Pai Celestial.

4. O papel de Jesus não foi simplesmente o de um legislador moralista, cuja autoridade repousasse exclusivamente em sua própria palavra. Cabia-lhe cumprir, também, as profecias que lhe anunciavam a vinda.

A sua autoridade lhe vinha da natureza excepcional de seu Espírito e de sua missão divina. Ele veio fazer com que os homens aprendessem que a verdadeira vida não está sobre a Terra, mas ela se encontra no reino dos céus. Veio ensinar-lhes o verdadeiro caminho que conduz a esse reino; os meios de reconciliar-se com Deus e ensiná-los a pressentir no desenvolvimento das coisas futuras o cumprimento dos destinos humanos.

Jesus, porém, não pôde dizer tudo em seu tempo.

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CAPÍTULO I

Sobre muitos pontos de sua doutrina, ele pôde lançar apenas alguns germes de verdades que, segundo Ele próprio declarou, só poderiam ser compreendidos no futuro.

Falou de tudo, mas em termos mais ou menos claros.Para alcançar-lhe o sentido de algumas palavras, fazia-se

necessário que novas ideias e novos conhecimentos viessem trazer-lhes a chave indispensável. Estas ideias, porém, não poderiam surgir antes que o espírito humano houvesse alcançado um certo grau de maturidade.

A ciência deveria contribuir poderosamente para a eclosão e o desenvolvimento de tais ideias e, em razão disso, deveria dar-se à ciência o tempo de progredir.

O ESPIRITISMO

5. O Espiritismo é a nova ciência que vem revelar aos homens, através de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as relações desse mundo espiritual com o mundo corporal.

O Espiritismo nos mostra o mundo espiritual, não como uma coisa sobrenatural, mas, ao contrário, como uma das forças vivas e incessantemente atuantes da natureza. Fenômenos incompreendidos e, por decorrência, rejeitados e relegados ao domínio do fantástico e do maravilhoso, passam a ter nele uma fonte de esclarecimentos.

São essas relações entre os dois mundos, a que o Cristo faz alusão em muitas circunstâncias, que fazem com que muitas das coisas que Ele disse permaneçam pouco compreensíveis ou sejam falsamente interpretadas.

O Espiritismo é a chave para explicar tudo de modo fácil.6. A Lei do Velho Testamento está personifi cada em Moisés.

A do Novo Testamento está personifi cada em Jesus Cristo. O

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

Espiritismo, porém, como a terceira revelação da lei de Deus, não está personifi cado em nenhum indivíduo.

O Espiritismo é fruto dos ensinamentos dados, não por um homem, mas pelos Espíritos. Estes é que são as Vozes do Céu, manifestadas em todos os pontos da Terra, com a colaboração de uma multidão inumerável de médiuns.

O Espiritismo é, de certo modo, um ser coletivo, formado de seres do mundo espiritual. Estes vieram trazer aos homens a contribuição de suas luzes, para fazê-los conhecer este mundo e o destino que lhes está reservado.

7. O mesmo que Cristo disse: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não os vim destruir, mas cumpri-los”, dirá igualmente o Espiritismo: “Não cuideis que vim destruir a lei cristã, mas cumpri-la”.

Coisa alguma o Espiritismo ensina contrário ao que ensinou o Cristo. Contudo, o Espiritismo desenvolve, completa e explica, em termos que sejam claros para todo mundo, o que foi dito sob forma alegórica. Vem, portanto, cumprir, no tempo previsto, o que Cristo anunciou, e preparar o cumprimento das coisas futuras.

O Espiritismo é, por consequência, obra do Cristo.É, pois, o próprio Cristo a presidir, consoante o que Ele

próprio anunciou, à regeneração que se opera, preparando a instalação do reino de Deus sobre a Terra.

ALIANÇA DA CIÊNCIA E DA RELIGIÃO

8. Ciência e Religião são as duas alavancas da inteligência humana. Enquanto a primeira revela as leis do mundo material, a segunda revela as leis do mundo moral.

Essas leis, porém, vindo de um mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer-se entre si. Se elas forem a negação

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CAPÍTULO I

uma da outra, uma estará necessariamente em erro e a outra com a razão, visto que Deus não pode pretender destruir a sua própria obra.

A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de ideia resulta de um defeito de observação e do excesso de exclusivismo de cada uma das partes. Nasce, portanto, dessa falha humana o confl ito que deu origem à incredulidade e à intolerância.

São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo devem receber a sua complementação. O véu, lançado intencionalmente sobre parte dos ensinamentos, deve de ser levantado. A própria Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, deve completar-se com o elemento espiritual. A Religião, por outro lado, deixando de rejeitar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, aceitando as duas forças da natureza, onde uma apóia a outra, estabelecerá o concerto com a Ciência, e ambas se apoiarão mutuamente.

A Religião, não mais negada pela Ciência, adquirirá uma força indestrutível, por colocar-se de acordo com a razão, não mais se opondo à lógica irresistível dos fatos.

Ciência e Religião não puderam, até hoje, entender-se.Cada uma examinando as coisas de seu ponto de vista

exclusivo, mutuamente se repeliam. Faltava qualquer coisa para preencher o vazio que as separava. Faltava-lhes um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal, leis estas tão imutáveis quanto aquelas que regulam o movimento dos astros e a existência dos seres.

Essas relações entre os dois mundos, uma vez constatadas pela experiência, são uma luz nova que se fez: a fé dirigiu-se à razão e a razão coisa alguma encontrou de ilógico na fé.

O materialismo está vencido.Há pessoas, porém, que param no tempo.

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

Como em todas as coisas, alguns tentam resistir a este posicionamento. Surgem como estranhos diante do movimento geral, tentando opor-lhe resistência, mas se não o acompanharem serão esmagados pelos fatos.

Esta é uma revolução moral que se realiza, trabalhada pelos Espíritos. Foi elaborada durante dezoito séculos e a sua realização marca uma nova era para a Humanidade.

As consequências desta revolução moral são fáceis de prever. Elas determinarão, nas relações sociais, inevitáveis modifi cações, diante das quais ninguém conseguirá opor-se, porque estão nos desígnios de Deus e nascem da lei do progresso, que é uma lei de Deus.

Instruções dos EspíritosA NOVA ERA

9. Deus é um só, único.Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para tornar

conhecido o princípio da unicidade divina, não somente dos hebreus, mas também de todos os povos pagãos.

O povo hebreu, aqui, comparece como o instrumento de que Deus se serviu para fazer tal revelação por Moisés e pelos profetas.

As próprias difi culdades pelas quais passou o povo hebreu foram para chamar a atenção de todos e, também, para fazer cair o véu que ocultava aos homens o domínio desse princípio divino.

Os mandamentos de Deus, transmitidos através de Moisés, contêm o germe da moral que o cristianismo desdobrou. Os comentários da Bíblia, porém, restringiam-lhe o sentido, porque se se tivesse iniciado aquele povo em toda a sua pureza, não a teria compreendido. Nem por isso, contudo, os dez mandamentos de Deus deixavam de ser como uma introdução brilhante, como

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CAPÍTULO I

um farol a clarear a Humanidade sobre o caminho que deveria percorrer.

A moral ensinada por Moisés era apropriada ao estágio evolutivo daqueles povos. Semi selvagens, ainda, no tocante ao aperfeiçoamento da alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar a Deus sem ser por meio de holocaustos, nem que se devesse perdoar a um inimigo.

A inteligência desse povo, embora notável do ponto de vista das coisas materiais e, mesmo, das artes e das ciências, estava muito pouco desenvolvida sobre as questões de moralidade. Não lhes seria fácil converterem-se sob o domínio de uma religião inteiramente espiritual.

Eles eram carentes de uma representação semi material.Isso é o que lhes ofertava a religião hebraica.Os sacrifícios falavam-lhes aos sentidos grosseiros, enquanto

que a ideia do Deus único lhes falava ao Espírito.O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, da mais

sublime.A moral evangélica cristã renovará o mundo, aproximando

os homens por torná-los irmãos uns dos outros, fazendo germinar em todos os corações a caridade, o amor ao próximo, criando entre todos os homens uma solidariedade comum.

Essa moral transformará a Terra.Fará do nosso mundo uma morada de Espíritos superiores

aos que hoje a habitam, porque essa é a lei do progresso, a que a Natureza está submetida, e que aqui se cumprirá.

O Espiritismo é a alavanca de que Deus se serve para fazer avançar a Humanidade.

Os tempos são chegados, para que as ideias morais fermentem no coração humano, a fi m de realizarem os progressos que estão nos desígnios de Deus. Essas ideias seguirão a mesma senda que as da liberdade, suas precursoras.

Não se pense, porém, que será um progresso sem lutas.

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

Elas não dispensam, para atingir a sua maturidade, os abalos e as discussões, a fi m de atrair a atenção das massas. Uma vez, contudo, centralizada a atenção das massas, a beleza e a santidade da moral tocarão os espíritos. Estes, aí, abraçarão uma ciência que lhes doe a solução da vida futura e lhes abra as portas da felicidade eterna.

Moisés abriu o caminho; Jesus continuou a obra e o Espiritismo a completará (Um Espírito israelita, Mulhouse, 1861).

10. Um dia, Deus, em sua inesgotável caridade, permitiu ao homem ver a verdade atravessar as trevas. Esse dia foi o advento do Cristo.

Após a Luz viva, voltaram as trevas.O mundo, ferido pelas alternativas de verdade e sombras

em que vivia, perdeu-se novamente. Foi quando que, semelhantes aos profetas do Antigo Testamento, os Espíritos se puseram a falar e a lhe advertir. O seu mundo, a partir daí, está abalado em suas bases e você ouvirá o ribombar de trovões, mas seja fi rme!

O Espiritismo é de ordem divina.Ele repousa nas leis da própria natureza e, guarde certeza,

que tudo o que é de ordem divina tem um objetivo grande e útil. Na verdade, você sabe que o seu mundo se perdia. A ciência, desenvolvida com o sacrifício do que seja de ordem moral, conduzindo-o ao encontro do bem estar material, tornava-se em proveito do espírito das sombras. Você sabe, como cristão, que o coração e o amor devem marchar unidos à Ciência.

O reino do Cristo, apesar de passados dezoito séculos, e mesmo com o sangue de tantos mártires, ainda não veio!

Cristãos, voltem-se para o Mestre que os quer salvar.Tudo é fácil para aquele que crê e ama.O amor lhe repletará de inefável ventura!Filhos, o mundo está abalado. Os bons Espíritos lhes dizem

de sobra. Dobrem-se diante da tempestade, a fi m de caírem por

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CAPÍTULO I

terra. Preparem-se para que não lhes seja dado imitarem as virgens loucas, que estavam desatentas quando lhes chegou o esposo.

A transformação que surge é moral e não material.Os grandes Espíritos, mensageiros divinos, estimulam a

fé, para que todos vocês obreiros esclarecidos e ardorosos, façam com que a sua voz humilde seja ouvida. Vocês são minúsculos grãos de areia, mas sem os grãos de areia não se erguem as grandes montanhas.

Que a expressão “somos pequenos”, coisa alguma seja para vocês.

A cada um a sua missão e a cada um o seu trabalho.Não constrói a formiga a sua comunidade e pequenos

animaizinhos não elevam continentes?A nova cruzada está começando.Apóstolos da paz universal, e não de uma guerra, modernos

Bernardos, levantem os olhos e sigam para frente: a lei dos mundos é a lei do progresso (Fénelon, Poitiers, 1861).

11. Agostinho é um dos grandes divulgadores do Espiritismo.

Manifesta-se por quase toda parte.Vamos encontrar a razão dessa sua atividade espiritual de

agora, na própria vida desse grande fi lósofo cristão. Pertence ele a essa vigorosa falange dos Pais da Igreja, a quem o cristianismo deve seus mais sólidos alicerces.

Assim como vários outros, ele foi arrancado do paganismo ou, dizendo melhor, foi arrancado da impiedade mais profunda para o clarão da verdade. Quando entregue aos desvarios, sentiu em sua alma uma certa vibração que o fez voltar-se para si mesmo. Compreendeu, então, que a felicidade estava além dos prazeres enervantes e fugidios.

No seu caminho de Damasco, ele ouviu a voz santa a lhe gritar: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” e Agostinho clamou: “Meu Deus! Meu Deus! Perdoai-me, eu creio, sou cristão!”.

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NÃO VIM DESTRUIR A LEI

Ele se tornou um dos fi rmes sustentáculos do Evangelho.Você poderá ler, nas marcantes confi ssões que nos deixou

esse eminente Espírito, as palavras características e proféticas ao mesmo tempo, que pronunciou após a perda de Mônica: “Estou convencido de que a minha mãe, Mônica, voltará a visitar-me e a dar-me conselhos, em me revelando o que nos aguarda na vida futura”.

Que ensinamentos nessas palavras e que previsão brilhante da futura doutrina!

Por isso é que hoje, vendo chegada a hora para a divulgação da verdade que, no passado, pressentira, ele se faz o seu ardente propagador e se multiplica, por assim dizer, para responder a todos que o chamam (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, Paris, 1863).

Nota – Agostinho, acaso, estaria demolindo aquilo que edifi cou? Seguramente que não! Como tantos outros, porém, passou a ver com os olhos do espírito aquilo que não via como homem. Sua alma, liberta, entreviu novas luzes. Compreende, agora, o que antes não compreendia. As novas ideias lhe revelam a verdade contida em certas expressões. Enquanto encarnado, julgava as coisas segundo os conhecimentos que possuía. Mas, tão logo uma nova luz o iluminou, pôde ajuizá-las mais claramente. Abandonou, por isso, a crença referente a espíritos íncubos e súcubos e o anátema que lançara contra a teoria dos antípodas. Agora que o cristianismo lhe surge com toda a sua pureza, pode ele, sobre certos pontos, repensar diferentemente de quando na vida, sem deixar de ser o apóstolo cristão. Ele pôde, sem renegar a sua fé, fazer-se o propagador do Espiritismo, porque vê cumprir as coisas que foram preditas. Com as suas colocações, faz-nos chegar a uma interpretação mais sábia e mais lógica dos textos. Assim é, também, com outros Espíritos, que se encontram em posição semelhante.

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CAPÍTULO II

II

MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

1. Tornou pois a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e disse-lhe: Tu és o Rei dos Judeus? Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas agora o meu reino não é daqui.

Disse-lhe pois Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fi m de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz (João, capítulo XVIII, versículos 33, 36 e 37).

A VIDA FUTURA

2. Jesus indica claramente a vida futura, que Ele apresenta em todas as circunstâncias como sendo a meta da Humanidade. O homem deverá fazê-la o objeto principal de suas preocupações na Terra.

Todas as máximas de Jesus reportam-se a esse princípio.Sem a vida futura, com efeito, a maior parte de seus

preceitos morais nenhuma razão teriam. Aos que não crêem na vida futura, por parecer-lhes que Ele fala da vida presente, seus preceitos morais não são bem compreendidos ou se tornam pueris.

A vida futura é o ponto fundamental de sua doutrina, podendo ser considerada o pivô dos ensinamentos do Cristo. Por tal motivo é que a colocamos entre os primeiros lugares desta obra. É que a vida futura tem que estar à mira de todos os homens.

Somente ela justifi ca as anomalias da vida terrena e as harmoniza com a Justiça Divina.

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MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

3. Os judeus tinham ideia muito vaga sobre a vida futura.Eles acreditavam nos anjos, quais se fossem seres

privilegiados da Criação. Não sabiam, porém, que os homens podem tornar-se futuramente anjos e partilhar da felicidade deles.

Segundo os judeus, o cumprimento rigoroso das leis de Deus lhes traria como recompensa os bens materiais deste mundo, a supremacia de sua nação, a vitória sobre seus inimigos. Concluíam, portanto, que as calamidades públicas e as derrotas eram consequência direta do não cumprimento das leis divinas.

Moisés não pudera dizer outra coisa a um povo pastor e ignorante, que deveria ser sensibilizado, antes de tudo, pelas coisas deste mundo.

Jesus é quem veio, mais tarde, revelar-lhes que existe um outro mundo, onde a justiça de Deus segue seu curso. E esse é o mundo que promete aos que vivenciam os mandamentos divinos, onde os bons recolherão seus frutos.

A vida futura é o reino de Jesus.Nesse mundo é que se encontra toda a glória e para onde

Ele voltaria após cumprir a sua missão na Terra.Entretanto, ao ajustar os seus ensinamentos ao degrau

evolutivo dos homens na época em que lhes falava, não pôde dar-lhes completamente a luz, que poderia ofuscá-los, visto que eles não O compreendiam.

Jesus limitou-se, portanto, a apresentar a vida futura em traços ligeiros, como uma lei da natureza da qual ninguém pode escapar. Hoje, porém, todo cristão forçosamente crê na vida futura, embora muitos façam dela uma ideia vaga e incompleta e, por isso mesmo, falsa em muitos pontos.

Para muita gente, porém, a vida futura não é mais que uma crença, sem certeza absoluta e, por isso, alimentam-se de dúvidas e mesmo de incredulidade.

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CAPÍTULO II

O Espiritismo veio completar esse princípio, assim como muitos outros dos ensinamentos do Cristo, no momento em que os homens alcançaram maturidade para compreender a verdade.

Com o Espiritismo, a vida futura não é, simplesmente, um artigo de fé, um dogma ou mera hipótese. É uma realidade demonstrada pelos fatos. São as próprias testemunhas oculares que a descrevem em todas as suas fases e em todas as suas particularidades.

Excluem, pois, todas as dúvidas.Permite-se, assim, que até a mais vulgar inteligência possa

imaginá-la em seus verdadeiros aspectos, da mesma forma que se poderá imaginar um determinado país do qual se leu uma descrição detalhada.

A descrição da vida futura, no Espiritismo, é minuciosa. As condições da existência feliz ou infeliz, relatadas pelos que nela se encontram, são tão racionais que qualquer um termina por concordar que não poderia ser de outra forma e que essa vida futura bem representa a Justiça Divina.

A REALEZA DE JESUS

4. O reino de Jesus não é deste mundo.Se todos compreendem que o Seu reino não é deste mundo,

não terá Jesus, sobre a Terra, também uma realeza?O título de rei não implica, necessariamente, o exercício

de um poder temporal. Esse título é atribuído, também, por um consenso unânime, a todo aquele que, pelo seu gênio, alcança o primeiro lugar numa ordem de ideias, quaisquer sejam elas. É título dado aos que dominam seu século e infl uem sobre o progresso da Humanidade.

É nesse sentido que se diz: o rei ou príncipe dos fi lósofos, dos artistas, dos poetas, dos escritores etc. Essa realeza, nascida do

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MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

mérito pessoal, consagrando a personalidade para a posteridade, não revela uma realeza bem maior do que aquela de quem porta uma coroa real?

A realeza do mérito é permanente.A realeza, contudo, que decorre de uma coroa real, essa está

sujeita a um jogo de circunstâncias, tanto que as gerações futuras poderão bendizer a primeira e maldizer a segunda.

A realeza terrena fi nda com a vida.A realeza moral, porém, sobrevive à morte.Sob o título de realeza moral, não é Jesus mais rei do que

muitos dos poderosos da Terra? Com razão, portanto, disse Ele a Pilatos: “Sou rei, mas o meu reino não é deste mundo”.

O PONTO DE VISTA

5. A ideia clara e precisa que se faça sobre a vida futura faz nascer uma inabalável fé no porvir. Esta é a fé de consequências imensas para a moralização dos homens, porque muda completamente o ponto de vista sob o qual examinam a vida terrena.

Para quem examina, através de seu pensamento, a vida espiritual que é infi nita, a vida corporal se torna uma simples passagem, uma curta estada num país hostil.

A partir daí, as difi culdades e tribulações da vida terrena não passam de incidentes que se aprende a suportar com paciência, por saber que terão curta duração e deles virão a sua felicidade.

A morte não lhe é mais aterradora.Deixará a morte de ser a porta para o nada.Será uma abertura para a libertação, através da qual o

exilado entra na morada da bem aventurança e da paz.Sabendo que a sua estada, no lugar onde se encontra, é

temporária e não defi nitiva, prende-se pouco às preocupações

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CAPÍTULO II

desta vida, alcançando uma calma de espírito que o retira do campo do amargor constante.

Pelo simples fato de o homem duvidar da vida futura, os seus pensamentos fi cam limitados à vida terrestre. A incerteza sobre o seu futuro o faz prisioneiro do dia-a-dia. Não se apercebendo de nenhum outro bem mais precioso que os da Terra, torna-se semelhante a uma criança que nada mais vê além de seus brinquedos, e tudo faz para obtê-los.

Quando esse homem perde um só de seus bens, sente um amargoso pesar. Para ele um engano, uma decepção, uma ambição não satisfeita, uma injustiça que experimente, o próprio orgulho ou vaidade feridos lhe são tormentos, transformando-lhe a existência numa angústia perpétua, infl igindo-se a si próprio uma verdadeira tortura a todos os instantes.

Por colocar a vida terrestre como o centro do seu ponto de vista, tudo o que o rodeia alcança vastas proporções. O mal que o atinja, assim como o bem que chegue aos outros, adquirem a seus olhos uma grande importância. Assemelha-se àquele que se encontra no interior de uma cidade, onde tudo lhe pareça grande: os homens que ocupam altas posições, os monumentos etc. Se ele, porém, se transportasse para uma montanha, os homens e as coisas lhe pareceriam bem pequenos.

Aqueles, porém, que examinam a vida terrestre sob o ponto de vista da vida futura, vêem que a Humanidade, tanto quanto as estrelas do fi rmamento, confundem-se com a imensidade. Percebe que grandes e pequenos estão, de certa forma, confundidos como formigas sobre um monte de terra. Pobres e ricos são da mesma estatura. Lamentam que as criaturas efêmeras se dêem a tantas canseiras para conquistar um lugar que pouco as elevará acima de si próprias.

A importância dos bens terrenos está na razão inversa da fé sobre a vida futura.

6. Alguns dirão que, se todos pensassem desta maneira, não se ocupando das coisas terrenas, tudo periclitaria. Essa afi rmativa,

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MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

porém, não é verdadeira. O homem, instintivamente, procura o seu bem estar. Mesmo sabendo que por pouco tempo permanecerá num lugar, cuida de estar aí mais bem ou o menos mal possível.

Não há quem, tendo um espinho em sua mão, não o retire.O desejo instintivo do bem estar, por isso, obriga o homem a

melhorar todas as coisas, forçado que é pelo impulso do progresso e da conservação, já que esta é uma lei da natureza.

O homem trabalha por necessidade, por gosto ou por dever, com isso cumprindo os desígnios da Providência Divina que o colocou na Terra com essa fi nalidade.

Aquele que tem os olhos voltados para a vida futura, simplesmente dá uma importância relativa ao tempo presente, consolando-se mais facilmente de seus insucessos, por pensar no destino que o aguarda.

Deus não condena os gozos terrenos.Condena, porém, os abusos que prejudicam as coisas da

alma.Libertam-se de tais abusos, portanto, os que aplicam a si

próprios estas palavras de Jesus: “Meu reino não é deste mundo”.Todo aquele que se identifi ca com a vida futura alcança

domínio sobre si próprio. Assemelha-se a um homem rico que perde uma pequena soma, mas que mantém o controle de suas emoções. Aquele outro, porém, que centraliza nesta vida presente todos os seus pensamentos, é semelhante a um homem pobre que, perdendo tudo o que possui, entra em desespero.

7. O Espiritismo alarga o pensamento.Abre-lhe novos horizontes.No lugar da visão acanhada e mesquinha daquele que se

concentra tão somente na vida presente, fazendo deste instante que passa na Terra o único e frágil alicerce do futuro, o Espiritismo mostra outra colocação, revelando que esta vida mais não é do que um elo no harmonioso e grandioso conjunto do Criador.

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CAPÍTULO II

Desvenda a solidariedade que religa todas as existências de um mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e dos seres de todos os mundos.

Cria a base e razão da fraternidade universal.Se a doutrina da criação da alma, no momento do

nascimento de cada corpo, faz com que todos os seres sejam estranhos uns aos outros, com a solidariedade das partes de um mesmo todo o Espiritismo explica o inexplicável.

No tempo do Cristo, como os homens não conseguiriam compreender o conjunto das vidas sucessivas, Jesus reservou esses conhecimentos para torná-los conhecidos noutros tempos.

Instruções dos EspíritosUMA REALEZA TERRESTRE

8. Quem, melhor do que eu, poderá compreender a verdade destas palavras de Nosso Senhor: “O meu reino não é deste mundo”?

O orgulho me perdeu na Terra.Quem compreenderia o nenhum valor dos reinados

terrenos, se eu própria não o compreendia? Que trouxe eu, para este mundo, de minha realeza terrestre?

Eu coisa alguma trouxe, nada, absolutamente nada!E, como para tornar mais terrível a lição, a realeza nem

sequer me acompanhou ao túmulo!Rainha entre os homens julguei que rainha seria ao entrar

no reino dos céus!Que desilusão! Que humilhação! Quando, ao contrário

daqui ser recebida qual soberana, eu vi acima de mim, num plano muito mais alto, os homens que eu julgava serem insignifi cantes e que eu houvera desprezado, por não terem linhagem nobre!

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MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO

Compreendi, então, a nenhuma valia das honras e grandezas que são disputadas sobre a Terra com tanta sede de poder e glória!

Um lugar neste reino é conquistado com abnegação e humildade e com a caridade vivenciada celestialmente e com benevolência para com todos.

Aqui não se pergunta o que fomos, nem qual posição ocupamos, mas tão somente qual o bem que fi zemos, quantas lágrimas de dor ajudamos a secar.

Oh! Jesus, disseste que teu reino não era deste mundo!Sei, hoje, que o sofrimento eleva ao céu.Os degraus de um trono não nos aproximam de teu reino,

Senhor.Somente pelas sendas mais penosas o atingiremos.Busque-lhe, portanto, a rota através de pedras e espinhos e

não pensando em caminhar por entre fl ores.Os homens esfalfam-se para possuir os bens terrestres,

quais se os pudessem guardar para sempre. Aqui, porém, todas as ilusões desaparecem. A luta por possuir é uma batalha para colher sombras, em prejuízo de deterem os únicos que são sólidos e permanentes. São estes os únicos que se aproveitam na morada celeste, os únicos que nos abrem acesso a essa morada.

Apiede-se dos que não alcançaram o reino dos céus.Ajude-os com as suas preces, uma vez que a prece aproxima

o homem do Altíssimo, por ser o traço de união entre o céu e a Terra.

Não esqueça o que lhe digo (Uma Rainha da França, Havre, 1863).

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CAPÍTULO III

III

HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

1. Não se turbe o vosso coração. Credes em Deus, credes também em mim. Há muitas moradas na casa de meu Pai; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar.

E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também (João, capítulo XIV, versículos 1 a 3).

DIFERENTES ESTADOS DA ALMA NA ESPIRITUALIDADE

2. A casa do Pai é o Universo.As diferentes moradas são os mundos que circulam no

espaço infi nito. Cada um deles oferece, aos Espíritos que nele encarnam, um estágio apropriado para a continuidade de seu desenvolvimento.

Independentemente, porém, da diversidade dos mundos, estas palavras do Cristo podem ser interpretadas, também, como sendo o estado feliz ou infeliz dos Espíritos desencarnados. De acordo com o grau de sua evolução, estando eles mais ou menos purifi cados e mais ou menos desprendidos dos laços materiais, será o meio em que se encontrarão.

No mundo espiritual, o aspecto das coisas, as sensações que o Espírito experimenta, as suas próprias percepções, variam ao infi nito. Enquanto uns não podem afastar-se dos locais onde viveram, outros tomam distância e percorrem o espaço e os mundos.

Espíritos culpados vagueiam pelas sombras.

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HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

Os bem-aventurados, porém, vivem em claridade resplendente e se movem no sublime cenário do infi nito.

Enquanto o culpado sofre moralmente, aprisionado pelos remorsos e pesares, muitas vezes só, sem consolação, separado daqueles que eram alvo de sua afeição, o justo experimenta a doçura de uma felicidade indefi nida, convivendo com aqueles a quem ama.

Essas são moradas da alma, sem localização geográfi ca.

DIFERENTES CATEGORIAS DE MUNDOS HABITADOS

3. Do ensinamento transmitido pelos Espíritos, conclui-se que são muito diferentes as condições de cada um dos mundos, no que se refere ao grau de evolução de seus habitantes.

Alguns deles são inferiores à Terra, física e moralmente.Outros estão no mesmo grau de evolução.Muitos, porém, são superiores à Terra em todos os

sentidos.Nos mundos inferiores a existência é toda material, com

as paixões reinando soberanamente, com a vida moral quase nula. Ali, à medida que a vida moral se desenvolve, a infl uência da matéria diminui.

Nos mundos superiores a vida é, por assim dizer, toda espiritual.

4. Nos mundos que são intermediários entre os inferiores e os superiores, o bem e o mal estão mesclados. Predomina um ou outro, segundo o degrau evolutivo de seus habitantes.

Não se pode fazer uma classifi cação absoluta dos mundos.Poderemos, no entanto, considerando o estado em que

se encontram os seus habitantes e a sua destinação, tomar por

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CAPÍTULO III

base as suas mais destacadas características e dividi-los, de um modo geral em:

• mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma humana;

• mundos de expiação e provas, onde o mal predomina;• mundos de regeneração, onde as almas, que ainda

têm o que expiar, recobram-se de novas forças e repousam dos cansaços da luta;

• mundos felizes, onde o bem supera o mal;• mundos celestes ou divinos, habitados por Espíritos

purifi cados e em que o bem reina sem as sombras do mal.

A Terra pertence à categoria dos mundos de expiações e provas e, por tal razão, o homem nela vive envolto por tantas misérias morais.

5. Os Espíritos, encarnados num dos mundos, não permanecem a ele ligados indefi nidamente. Não atravessarão, portanto, todas as fases de seu progresso, atados a esse mundo até que alcancem a sua perfeição.

Quando atingem, nesse mundo em que estão encarnados, toda a evolução que ali se comporta, podem transferir-se para outro mais desenvolvido, assim fazendo sucessivamente até que conquistem o estado de Espíritos puros.

Cada mundo é um estágio, fornecendo elementos de progresso, necessários para a evolução do Espírito que ali encarna. É uma recompensa ao Espírito, portanto, transferir-se a um mundo de ordem mais elevada. E soa como um castigo o terem de prolongar a sua permanência num mundo infeliz ou, ainda, serem relegados a um mundo ainda mais infeliz, onde se vêem obrigados a fi car enquanto estão obstinados no mal.

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HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

DESTINAÇÃO DA TERRA.CAUSAS DAS MISÉRIAS HUMANAS

6. Admira-se haver na Terra tanta maldade e tantas paixões grosseiras, tantas misérias e enfermidades de todas as naturezas. Daí alguns concluem que a espécie humana é uma triste coisa.

Esse julgamento, porém, tem a sua origem no ponto de vista em que se colocam os que assim pensam. O modo de observar as coisas é que lhes dá uma falsa ideia do conjunto.

Falta-lhes considerar que sobre a Terra não está toda a Humanidade, mas apenas uma pequenina fração da Humanidade.

A espécie humana, a rigor, é a soma de todos os seres inteligentes que povoam os incontáveis mundos do Universo. Que é, pois, a população da Terra, confrontada com a população total de todos os mundos? Nossa população é menor que a de uma aldeia, comparada com a de um grande império.

Não causa espanto, por conseguinte, a situação moral e material da humanidade terrestre, se se levar em consideração o destino ou fi nalidade da Terra, como um estágio da evolução, e, por decorrência, a natureza dos que aqui habitam.

7. Muito falsa ideia faria alguém, se julgasse os habitantes de uma grande metrópole, baseado na população de bairros pequeníssimos e sórdidos.

Num hospital, vêem-se apenas doentes e estropiados. Numa penitenciária serão vistas as torpezas e todos os vícios reunidos. Nas regiões insalubres, a maior parte de seus habitantes são de pessoas pálidas, franzinas e doentes.

Imagine-se a Terra como sendo um pobre bairro de subúrbio, um hospital de acidentados, uma penitenciária, uma região malsã — e, na verdade, a Terra é tudo isso ao mesmo tempo — e se compreenderá porque as afl ições se sobrepõem às alegrias.

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CAPÍTULO III

Nos hospitais não se internam os sãos, assim como numa casa de correção não se colocam os que não fi zeram o mal. Nem os hospitais e nem as casas de correção podem ser lugares de delícias e felicidade.

Da mesma forma que toda a população de uma cidade não está nos hospitais e nem nas prisões, também toda a Humanidade não está na Terra. E, da mesma forma que saem dos hospitais os que alcançam a cura e saem das prisões os que cumpriram as suas penas, o homem sairá da Terra, buscando mundos felizes, quando estiver curado de suas enfermidades morais.

Instruções dos EspíritosMUNDOS INFERIORES E MUNDOS SUPERIORES

8. A qualifi cação dos mundos em inferiores e superiores é, antes, mais relativa do que absoluta. Assim é que deveremos considerar que tal mundo é inferior ou superior, como uma referência feita aos que estejam abaixo ou acima de um grau de uma escala evolutiva.

A Terra pode ser tomada como ponto de comparação.A partir do conhecimento que temos de nossas populações,

poderemos fazer uma ideia do grau de evolução de mundo inferior. Supondo que sejam habitados por raças selvagens ou das nações bárbaras que ainda temos na Terra, saberemos o que seja esse mundo inferior.

Rudimentares serão os seres que os habitam.Revestem-se da forma humana, mas sem nenhuma beleza.Seus instintos não terão, a abrandá-los, um sentimento de

delicadeza ou de benevolência. Mínimas serão as suas noções de justiça e de injustiça. A força bruta será a sua lei. Sem indústrias e sem invenções, aplicarão seus dias na busca de alimentos.

Deus, porém, não abandonará essas criaturas.

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HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

Nas sombras da inteligência dessa gente estará latente a vaga intuição de um Ser Supremo, já mais ou menos desenvolvida. Essa mesma intuição será sufi ciente para torná-los superiores uns aos outros, e assim, prepará-los para a eclosão de uma vida mais completa.

Não serão seres degradados, mas crianças em crescimento.9. Entre mundos nesses graus primários e os mais elevados,

inúmeros outros existem. Se difícil é reconhecer nos Espíritos puros, desmaterializados e resplendentes de glória, os que já animaram entes assim tão primitivos, da mesma forma é difícil reconhecer no homem adulto o embrião de ontem.

Os mundos que chegaram a um grau evolutivo superior têm, por outro lado, condições de vida moral e material muito diferenciadas das que são observadas sobre a Terra.

A forma dos corpos, aí, é humana como em toda a parte.Surge, porém, mais embelezada, aperfeiçoada e, sobretudo,

purifi cada. Não tendo os corpos, contudo, a materialidade terrestre, não estão sujeitos às mesmas necessidades, nem aos mesmos males, nem às mesmas deteriorações resultantes da predominância da matéria.

Os sentidos, mais apurados, permitem-lhes percepções que aqui não são possíveis pela grosseria do organismo. A própria leveza específi ca de seus corpos permite locomoção rápida e fácil. Contrariamente a arrastar-se penosamente sobre o solo, esses seres como que deslizam sobre a sua face ou planam na atmosfera, por ação mesmo da sua vontade.

Movimentam-se da forma que representavam os anjos ou da mesma forma que os Anciães fi guravam os manes nos Campos Elísios.

Tais seres conservam, segundo o seu gosto pessoal, a aparência que tinham em sua anterior migração. Comparecem, diante de seus amigos, tais quais estes os conheciam. Estão, porém, iluminados por uma luz divina, transfi gurados pelo seu interior mais elevado.

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CAPÍTULO III

Não trazem o semblante apagado, abatido pelos sofrimentos e paixões. A inteligência e a vida resplendem neles com os clarões ou auréola dos santos que os pintores os retratam no nimbo.

A pouca resistência que oferece a matéria para Espíritos já muito evoluídos, torna muito rápido o desenvolvimento dos corpos. A infância, entre eles, é curta ou quase nula. A vida é proporcionalmente mais longa que na Terra, isenta de cuidados e de angústias.

O tempo de vida é proporcional ao grau de evolução dos mundos.

A morte não cria o horror da decomposição e, por isso, é acolhida por uma transformação feliz, não existindo, lá, nenhuma dúvida sobre a imortalidade da alma.

A alma não está constringida pela matéria compacta.Gozam eles, portanto, da ampla lucidez que lhes dá o

estado permanente de emancipação do corpo físico, permitindo-lhes uma livre transmissão de pensamentos.

10. As relações entre os povos, nesses mundos felizes, são muito amigáveis. Não são perturbadas pela ambição de escravizar seus vizinhos, nem pela guerra que dessa ambição decorre.

Entre eles não há senhores e nem escravos, nem privilégios originários de berço. A superioridade moral e intelectual é que estabelece a diferença de condições, dando a supremacia. A autoridade, por isso, recebe o respeito de todos, porque é uma conquista do mérito individual, e por ser exercida sempre com justiça.

O homem não luta por elevar-se acima dos outros homens, mas busca elevar-se acima de si mesmo, lutando por aperfeiçoar-se. Seu propósito é o de atingir o estado dos Espíritos puros, sem que esse desejo se lhe transforme num tormento. Esse propósito é uma nobre ambição que o faz estudar com ardor para igualar-se com os Espíritos Superiores.

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Todos os sentimentos delicados e elevados da natureza humana, entre eles, acham-se engrandecidos e purifi cados. Desconhecem os ódios, os ciúmes mesquinhos, as baixas cobiças da inveja. Um liame de amor e de fraternidade une a todos os homens, levando os mais fortes a ajudarem os mais fracos.

Estão na posse de bens, em maior ou menor quantidade, adquiridos, porém, por meio do exercício de sua inteligência. Ninguém, contudo, sofre a falta do necessário, porque nenhum deles está em expiação.

Numa palavra, o mal não existe nesses mundos superiores.11. Na Terra, vocês precisam do mal para sentir o bem,

da noite para admirar a claridade, da maldade para apreciar a santidade.

Nos mundos superiores esses contrastes são dispensados.A eterna luz, a eterna felicidade, a eterna calma da alma

produzem uma eterna alegria que está livre de ser abalada pelas angústias da vida material, nem pelo contato com os infelizes que não encontram acesso a esses mundos.

Isso é o que o espírito terreno tem difi culdade de compreender. Sendo, ainda, bastante engenhoso para retratar os tormentos do inferno, revela-se incapaz de imaginar as alegrias do céu.

E por que essa difi culdade?É que, sendo inferior, endureceu-se nas dores e misérias, sem

ter entrevisto as claridades celestiais. Não pode, assim, falar do que desconhece. À medida, contudo, que se elevar moralmente e que se depurar, o seu horizonte alcançará claridades. Compreenderá, então, o bem que está diante de si, como compreendeu o mal que terá deixado em seu passado.

12. Os mundos felizes não são mundos privilegiados.Deus não é parcial para nenhum de seus fi lhos. Dá a todos

os mesmos direitos e as mesmas facilidades para evoluir. Faz, pois, que todos os seus fi lhos partam de um mesmo ponto, sem dotar

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CAPÍTULO III

a quem quer que seja melhor do que aos outros. Os primeiros postos são acessíveis a todos eles, cabendo a cada um conquistá-los pelo seu trabalho.

Alcançar esses postos mais cedo, ou abandonar-se à inatividade, por séculos, confundindo-se com a escória da humanidade, é decisão de cada um. (Resumo dos ensinamentos de todos os Espíritos Superiores).

MUNDOS DE EXPIAÇÃO E DE PROVAS

13. Que lhes direi dos mundos de expiações?Vocês já os conhecem!Bastará que vocês examinem a própria Terra em que

habitam.A grande inteligência, demonstrada por grande número

de seus habitantes, já estará a lhes indicar que a Terra não é um mundo primitivo, destinado à encarnação de Espíritos que acabaram de sair das mãos do Criador.

As qualidades inatas que os renascidos na Terra trazem consigo, por si só constituem a prova de que já viveram antes e que alcançaram alguma evolução. Os numerosos vícios para os quais estão inclinados, no entanto, são os indicadores de uma grande imperfeição moral.

Colocou-os Deus, por isso, sobre um terreno ingrato, para expiarem aí a suas faltas através de uma atividade penosa e pelas misérias da vida, até conquistarem o mérito de ascender para um mundo mais feliz.

14. Nem todos os Espíritos reencarnados na Terra, porém, estão aí em expiação. As raças, que vocês chamam de selvagens, são constituídas de Espíritos em fase de primeira infância. Estão sobre a Terra em princípio de educação, a fi m de evoluírem pelo contato com Espíritos mais avançados no conhecimento.

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As raças semicivilizadas são formadas desses mesmos Espíritos. São elas, de certo modo, as raças originárias da própria Terra, que cresceram, pouco a pouco, na sequência de períodos seculares. Alguns, dentre eles, puderam atingir o aperfeiçoamento intelectual dos povos mais esclarecidos.

Os Espíritos em expiação, se podemos exprimir-nos assim, são estranhos à Terra. Já viveram em outros mundos. Dali foram excluídos em consequência de sua obstinação no mal e por se terem tornado a causa de perturbação para os bons.

Foram degredados por uns tempos.Vindo ter com Espíritos atrasados, trouxeram a missão de

fazer com que essas almas primárias evoluíssem. Essa missão lhes é possível, uma vez que trazem a sua inteligência desenvolvida e os germes dos conhecimentos adquiridos.

Os Espíritos que, por sua obstinação no mal, foram banidos para a Terra, também se encontram entre as raças mais inteligentes. É que estas raças experimentam mais amargores com os infortúnios da vida. Havendo nelas mais sensibilidade, serão mais provadas pelo atrito provocado pela presença de tais Espíritos, do que as próprias raças primitivas, cujo senso moral é ainda confuso.

15. A Terra é um dos tipos dos mundos de expiações.Eles são de uma variedade infi nita. Têm, porém, o caráter

comum de servirem de campo de exílio aos Espíritos rebeldes à lei de Deus.

Esses Espíritos têm, nesses mundos de expiações, de batalhar contra a perversidade dos homens e contra a aspereza da natureza. Esse duplo e árduo trabalho desenvolve-lhes, ao mesmo tempo, as qualidades do coração e as da inteligência.

Assim é que Deus, em sua bondade, faz que a própria pena de banimento que lhes foi imposta resulte em evolução do Espírito (Agostinho, Paris, 1862).

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CAPÍTULO III

MUNDOS REGENERADORES

16. Por entre as estrelas que cintilam na abóbada celeste, quantos mundos não haverá como a Terra, destinados pelo Senhor para expiações e provações!

Há, também, entre eles, mundos mais infelizes e outros melhores, como há os de transição, que poderemos chamar de mundos regeneradores. Assim é que cada turbilhão planetário, a deslocar-se no espaço em torno de um centro comum, arrasta consigo seus mundos primários, os de exílio, os de prova, os de regeneração e os de felicidade.

Já lhes foi falado de mundos onde a alma nascente, ainda ignorante do bem e do mal, é ajustada para o seu desenvolvimento. Esta alma, embora simples e ignorante, pode caminhar para Deus, dona de si mesma, na posse de seu livre arbítrio.

Já lhes foi dito, também, das amplas faculdades da alma para fazer o bem. Entre elas há, porém, as que fracassam. Mas mesmo diante da queda, Deus que não quer anulá-las, permite-lhes irem para esses mundos. De encarnação em encarnação elas se depuram, regeneram-se e retornam dignas da glória a que foram destinadas.

17. Os mundos de regeneração são moradas intermediárias da alma. Servem de transição entre os mundos de expiação e os mundos felizes. Todo aquele que se arrepende, após a queda, e quer depurar-se das paixões infelizes, encontra nesses mundos de regeneração a calma e as condições necessárias para superar-se.

O homem, nesses mundos, ainda está sujeito às leis que regem a matéria. A parcela da Humanidade que neles encarna experimenta as sensações e os desejos que você registra em si mesmo. Está ela, porém, liberta das paixões desordenadas que escravizam a vocês. Está isenta do orgulho que faz calar o coração, da tortura da inveja, do ódio sufocante.

O amor está escrito em todas as frontes.

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HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

Um perfeito respeito ao direito de cada um é o que rege as relações sociais, uma vez que todos reconhecem Deus e esforçam-se em caminhar para ele, cumprindo-Lhe as leis.

Nos mundos de regeneração não existe a felicidade perfeita, mas uma certa aurora da felicidade. O homem ainda é de carne e, por isso mesmo, está sujeito às vicissitudes, das quais somente estão isentos os seres completamente desmaterializados. Ele ainda está sujeito às provações libertadoras, mas estas não se lhe apresentam com as dolorosas agonias das expiações.

Comparados com a Terra, os mundos de regeneração são felizes. Muitos, entre vocês, se sentiriam satisfeitos em habitá-los, uma vez que eles são a calma após a tempestade expiatória, a estação de refazimento após cruel moléstia.

Neles, os homens são menos solicitados pelas coisas materiais.

Eles divisam, por isso, melhor do que vocês, o futuro.Compreendem que outras são as alegrias que o Senhor

promete aos que se tornam dignos, quando a morte lhes ceifar novamente os corpos, para dar-lhes a verdadeira vida.

A alma, liberta, alcançará novos horizontes.Sem as limitações dos sentidos materiais e grosseiros e já

de posse dos sentidos de um perispírito puro e celestial, aspirará as emanações do próprio Deus, em seus perfumes de amor e de caridade que se expandem do seio celestial.

18. Nos mundos de regeneração, o homem ainda está sujeito a falir. A sua inclinação para o mal ainda não perdeu completamente o seu domínio.

Se ele não evoluir, isso corresponderá a um recuo em relação às suas decisões de purifi car-se. Se não perseverar, portanto, fi rmando-se na senda do bem, ele poderá novamente retornar aos mundos de expiação, candidatando-se a novas e mais dolorosas provas.

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CAPÍTULO III

Contemplem, pois, a abóbada celeste à noite, na hora de seu repouso e de suas preces e, das inúmeras esferas que brilham sobre as suas cabeças, indaguem-se quais as que conduzem a Deus e roguem para que um mundo regenerador lhes abra o seu seio, para acolhê-los após a expiação na Terra (Agostinho, Paris, 1862).

PROGRESSÃO DOS MUNDOS

19. O progresso é uma das leis da natureza.Todos os seres da Criação, animados ou inanimados, estão

sujeitos à lei do progresso, pela bondade do Pai Celestial, que deseja que tudo se engrandeça e prospere.

A própria destruição, que parece ao homem ser o termo fi nal das coisas, nada mais é que um meio de levá-las, pela transformação, a um estágio mais aperfeiçoado, uma vez que todas as coisas morrem para renascer e nada sofre o aniquilamento.

Ao mesmo tempo em que os seres vivos evoluem moralmente, os mundos que eles habitam progridem materialmente.

Se você pudesse acompanhar um mundo em suas diversas fases, desde o instante em que os primeiros átomos se agregaram para constituí-lo, você o veria percorrer uma escala incessantemente progressiva. Esses graus percorridos, no entanto, são imperceptíveis para cada geração de seres vivos, embora ofereçam aos seus habitantes uma morada mais agradável, à medida que eles mesmos avançam na senda do progresso.

Coisa alguma na natureza permanece estacionada.Paralelamente ao progresso do homem, progridem os

animais domésticos, os vegetais e a forma de suas habitações.Quão grande é esta ideia e quanto é digna da majestade

do Criador! E quanto, ao contrário, é pequena e indigna de seu poder, a ideia que concentra a sua solicitude e a sua providência sobre o imperceptível grão de areia que é a Terra e que restringe

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HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DO MEU PAI

a Humanidade apenas aos poucos homens que habitam o nosso mundo.

A Terra, segundo a lei do progresso, já desfrutou um estágio material e moral inferior ao em que hoje se acha. Atingirá, igualmente, tanto no aspecto material quanto moral, um grau mais avançado.

A Terra chegou a um desses períodos de transformação.De mundo de expiação, ela passará a um mundo de

regeneração, onde os homens serão mais felizes, porque a lei de Deus nela imperará soberanamente (Agostinho, Paris, 1862).

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CAPÍTULO IV

IV

NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

1. Chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou a seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: Uns, João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos profetas. — Jesus lhes disse: E vós, quem dizeis que eu sou? — E Simão Pedro, respondendo, disse-lhe: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo. — E Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão, fi lho de João, porque isso não te foi revelado pela carne e pelo sangue, mas por meu Pai que está nos céus (Mateus, capítulo XVI, versículos 13 a 17; Marcos, capítulo VIII, versículos 27 a 30).

2. O tetrarca Herodes ouvia tudo o que se passava, e estava em dúvida, porque diziam alguns que João ressuscitara dentre os mortos; e outros que Elias tinha aparecido; e outros que um profeta dos antigos havia ressuscitado. — E disse Herodes: A João mandei eu degolar, quem é pois este de quem ouço dizer tais coisas? (Lucas, capítulo IX, versículos 7 a 9; Marcos, capítulo VI, versículos 14 e 15).

3. (Após a transfi guração) Seus discípulos O interrogaram, dizendo: Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro? — E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas; mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fi zeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. — Então entenderam os discípulos que Jesus lhes falara de João Batista (Mateus, capítulo XVIII, versículos 10 a 13; Marcos, capítulo IX, versículos 10 a 12).

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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

RESSURREIÇÃO E REENCARNAÇÃO

4. A reencarnação fazia parte dos princípios de fé dos judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os Saduceus, que pensavam que tudo acaba com a morte, não acreditavam nela.

As ideias dos judeus sobre essa questão, assim como sobre muitas outras de seu ideário religioso, não eram claramente defi nidas. As suas noções sobre a alma e suas ligações com o corpo físico eram vagas e incompletas. Acreditavam que o homem poderia reviver, sem saberem precisamente de que maneira se daria esse fato.

Eles designavam como ressurreição o fenômeno que o Espiritismo de modo mais ajustado denomina de reencarnação.

A ressurreição supõe o retorno da vida ao corpo que está morto. A Ciência, por sua vez, demonstra que tal ocorrência é materialmente impossível, notadamente quando os elementos desse corpo já se acham, depois de algum tempo, dispersos e absorvidos pela natureza.

A reencarnação é o retorno da alma ou Espírito para a vida corporal, através de um novo corpo formado para ela. Esse novo corpo, portanto, nada tem de comum com o anterior.

Pode-se falar em ressurreição de Lázaro, mas não de Elias.Se, portanto, João Batista era Elias, segundo as crenças

judaicas, o corpo de João não poderia ser o de Elias, uma vez que João fora visto quando criança, e seu pai e sua mãe eram conhecidos deles.

João, portanto, podia ser Elias reencarnado, mas não ressuscitado.

5. Havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos Judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.

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CAPÍTULO IV

Jesus respondeu-lhe, dizendo: Na verdade, te digo que aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.

Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?

Jesus respondeu: Na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de ter dito: “Necessário vos é nascer de novo”. O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.

Nicodemos respondeu, e disse-lhe: Como pode ser isso?Jesus respondeu, e disse-lhe: Tu és mestre de Israel, e não

sabes isto? Na verdade te digo que nós dizemos o que sabemos, e testifi camos o que vimos e não aceitas o nosso testemunho. Se te falei de coisas terrestres, e não creste, como crerás, se te falar das celestiais? (João, capítulo III, versículos de 1 a 12).

6. A ideia de que João Batista era Elias e a de que os profetas poderiam reviver sobre a Terra, você encontrará em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas reproduzidas acima (n.º 1, 2 e 3). Se essa crença fosse um erro, Jesus não teria deixado de combatê-la, da mesma forma que combateu muitas outras. Ele, porém, com toda a sua autoridade a sanciona e a coloca por princípio e como uma condição necessária, ao dizer: “Aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus”. E, não bastasse isso, ainda acrescenta: “Não te maravilhes de te ter dito que necessário te é nascer de novo”.

7. Estas palavras: “aquele que não renascer da água e do Espírito” foram interpretadas como sendo a regeneração pela água do batismo. O texto primitivo, no entanto, dizia simplesmente: “não renasce da água e do Espírito”. Em algumas traduções as palavras do Espírito foram substituídas por: do Santo Espírito, desvirtuando-lhes a ideia inicial. Esse ponto capital destaca-se

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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, como será comprovado um dia, sem o menor equívoco possível1.

8. Para compreender o verdadeiro sentido das palavras de Jesus, faz-se necessário que nos voltemos para o termo água, cuja signifi cação no texto não é aquela mesma que você conhece.

O conhecimento dos antigos sobre as ciências físicas era muito imperfeito. Acreditavam que a Terra saíra das águas. A água seria, para eles, como o elemento gerador de todas as coisas.

No livro Gênese, do Antigo Testamento, diz-se: “O Espírito de Deus era levado sobre as águas; fl utuava sobre as águas” — “Que o fi rmamento seja feito no meio das águas” — “Juntem-se as águas que estão debaixo do céu e apareça o solo fi rme” — “Que as águas produzam viventes, que nadem na água, e pássaros que voem sobre a Terra e sob o fi rmamento”.

A água, segundo essa crença, tornara-se o símbolo da natureza material, assim como Espírito era o símbolo da natureza inteligente.

Por isso é que a afi rmação de Jesus: “Se o homem não renascer da água e do Espírito, ou em água e em Espírito” tem o seu verdadeiro sentido em: “Se o homem não renascer com seu corpo e sua alma”.

Nesse último sentido é que os antigos entendiam a afi rmação.

A interrogação aqui levantada também se justifi ca pela seguinte afi rmação de Jesus na mesma passagem evangélica: “O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do Espírito é espírito”. Vê-se, aí, que Jesus faz uma distinção clara entre o espírito e o corpo.

O que é nascido da carne é carne indica, com absoluta clareza, que o corpo procede do corpo e que o espírito é independente do corpo.

1. Nota do Tradutor – Nas traduções atuais, com exceção de algumas católicas, não se inclui mais a palavra SANTO, constando Espírito.

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CAPÍTULO IV

9. O Espírito assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai, no ensinamento de Jesus, permite-nos entender tratar-se do Espírito de Deus, que dá vida a quem quer ou, então, poderemos interpretá-lo como se referindo à alma do homem.

Neste último sentido, a afi rmação“não sabes de onde vem, nem para onde vai”, signifi cará que ninguém tem conhecimento de sua origem e nem o que será o Espírito.

Se o Espírito, ou alma, fosse criado ao mesmo tempo que o corpo, você saberia de onde ele veio, uma vez que estaria informado de seu começo.

De qualquer forma, porém, esta passagem evangélica é uma consequência do princípio da preexistência da alma e, consequentemente, do princípio da pluralidade das existências.

10. E, desde os dias de João Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele. Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João. E, se quereis dar crédito, é este o mesmo Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. (Mateus, capítulo XI, versículos 12 a 15).

11. Se o princípio da reencarnação, expresso através da narrativa extraída do Evangelho de João, pudesse, a rigor, ser interpretado num sentido puramente místico, o mesmo não se poderá dizer da passagem transcrita do Evangelho de Mateus, que não admite nenhum equívoco, por Jesus dizer expressamente: “É este o mesmo Elias que havia de vir”.

Essa é uma afi rmação positiva, sem fi gura nem alegoria.Examine, ainda, a afi rmação: “E, desde os dias de João

Batista até agora, se faz violência ao reino dos céus, e pela força se apoderam dele”. Que signifi cam estas palavras de Jesus, se João Batista ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus mesmo as explica, dizendo: “Se quereis dar crédito, é este o mesmo Elias que havia de vir”.

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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

Sendo João Batista não um outro espírito, mas o próprio Elias, Jesus faz uma referência ao tempo em que João Batista vivia com o nome de Elias.

“Faz-se violência ao reino dos céus e pela força se apoderam dele”, é uma outra alusão feita por Jesus à violência da lei mosaica, que ordenava o extermínio dos infi éis, para que os fi éis ganhassem a Terra Prometida, Paraíso dos Hebreus, enquanto que, segundo a nova lei, ganha-se o céu pela caridade e pela brandura.

E ajuntou: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça”. Estas palavras, tantas vezes repetidas por Jesus, dizem claramente que nem todos estão em grau evolutivo para compreender certas verdades.

12. Aqueles de vosso povo que morreram, viverão de novo; aqueles que estavam em meio aos mortos, ressuscitarão. Despertais de vosso sono e erguei louvores a Deus, vós que habitais dentro do pó, porque o orvalho que se derrama sobre vós é um orvalho de luz e vós arruinareis a Terra e o reino dos gigantes (Isaías, capítulo XXVI, versículo 19).

13. Esta passagem de Isaías é inteiramente clara: “Aqueles de vosso povo que morreram, viverão de novo”. Se o profeta tivesse querido falar da vida espiritual, se fosse de sua vontade dizer que os que foram executados não estavam mortos em espírito, por certo que diria: ainda vivem, contrariamente ao dizer: viverão de novo.

“Viverão de novo”, se tomado em seu sentido espiritual, seria um contra-senso, uma vez que implicaria numa interrupção da vida da alma. No sentido de regeneração moral, seria a negação das penas eternas, porque estabeleceria, em princípio, que todos os que estão mortos reviverão.

14. Mas, quando o homem está morto de vez e seu corpo, separado de seu espírito, foi consumido, que é feito dele? — Tendo o homem morrido de vez, poderia reviver de novo? Nesta guerra, em que me acho em todos os dias de minha vida, estou

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CAPÍTULO IV

esperando que chegue a minha mutação (Jó, capítulo XIV, versículo 10, tradução de Sacy).

Quando o homem morre, perde toda a sua força, expira. Onde estará ele depois? — Se o homem morre, reviverá de novo? Esperarei todos os dias de meu combate, até que me venha alguma mutação? (Idem, tradução protestante de Osterwald).

Quando o homem está morto, ele vive sempre. Quando fi ndar os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a ela voltarei de novo (Idem, versão da Igreja grega).

15. O princípio da pluralidade das existências está claramente expresso nas três versões acima. Ninguém poderá supor que Jó há querido falar de regeneração pela água do batismo, que ele certamente nem sequer conhecia.

“Tendo o homem morrido de vez, poderia reviver de novo?”Essa ideia de morrer e reviver traz em si a ideia de morrer e

reviver muitas vezes. A versão da Igreja grega é ainda mais explícita nessa ideia, se tal transparência maior fosse possível: “Quando fi ndar os dias de minha existência terrestre, esperarei, já que a ela voltarei de novo, ou, voltarei a uma nova existência terrestre”.

Isso é tão claro como dizer: “Sairei de minha casa, mas a ela retornarei”.

“Nesta guerra, em que me acho em todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação”. Jó, evidentemente aqui fala das lutas que sustentava contra os sofrimentos da vida. Sente-se, porém, resignado, dizendo esperar a sua mutação. Na versão grega o esperarei, parece aplicar-se a uma nova existência: “Quando fi ndar os dias de minha existência física, esperarei, já que a ela voltarei de novo”. Jó parece colocar-se, após a sua morte, no espaço que separa uma existência da outra, e diz que espera voltar de novo à existência física.

16. Não paira nenhuma dúvida de que, com o nome de ressurreição, o princípio da reencarnação era uma das crenças fundamentais dos judeus. A reencarnação por outro lado, está confi rmada por Jesus e pelos profetas de um modo formal.

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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

Quem, pois, negar a reencarnação, estará negando as palavras do Cristo. Quando, porém, as suas palavras forem meditadas, sem ideias preconcebidas, será aceita a sua autoridade sobre esse princípio, assim como também sobre os outros.

17. Sobre essa autoridade, fundada sob o ponto de vista religioso, vem reunir-se, sob o ponto de vista fi losófi co, a das provas resultantes de observações dos fatos. Quando dos efeitos deveremos remontar às causas, a reencarnação comparece como uma necessidade absoluta. É uma condição inerente à Humanidade, ou seja, a reencarnação é uma lei da natureza.

A reencarnação revela-se pelos seus resultados, da mesma maneira, por assim dizer material, que um motor se evidencia pelo movimento.

Somente a reencarnação pode dizer ao homem de onde ele vem, para onde vai e por que está na Terra. Justifi cam-se, com esse conhecimento, todas as anomalias e todas as aparentes injustiças que a vida apresenta1.

Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, grande parte das máximas do Evangelho são incompreensíveis. Pela ausência do conhecimento desses princípios é que lhe são dadas interpretações contraditórias. Adicionem-se esses princípios e serão restituídos seus verdadeiros sentidos.

OS LAÇOS DE FAMÍLIA SÃO FORTALECIDOS PELA REENCARNAÇÃO E ENFRAQUECIDOS PELA

UNICIDADE DA EXISTÊNCIA

18. Os laços de família não são destruídos pela reencarnação, como pensam algumas pessoas. Contrariamente a isso, eles são fortifi cados e mais apertados ainda.

1. Veja, para ter mais informações sobre o princípio da reencarnação: O Livro dos Espíritos, cap. IV e V; O que é o Espiritismo, cap. II, ambos de Allan Kardec.

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CAPÍTULO IV

Uma existência única é que os destruiria.Os Espíritos, na espiritualidade, formam grupos ou famílias

unidas pela afeição, pela simpatia e pela semelhança de suas inclinações. Esses Espíritos, felizes de estarem juntos, procuram-se mutuamente.

A encarnação os separara temporariamente, mas ao regressarem à espiritualidade, reencontram-se como amigos que retornam de uma viagem. Muitas vezes, esses Espíritos seguem uns aos outros, encarnando numa mesma família ou, então, unem-se num mesmo círculo, trabalhando juntos para a própria evolução.

Se ocorre que, numa dada época, uns deles encarnam e outros não, eles continuam unidos pelos pensamentos. Aí, os que estão livres dos liames da carne velam pelos que se acham no cativeiro. Os mais evoluídos esforçam-se, então, para que os retardatários progridam.

Após cada existência, todos terão avançado na senda da perfeição. Cada vez menos aprisionados à matéria, as suas afeições tornam-se mais vivas e, por isso, estarão eles mais puros, não tendo a perturbá-los o egoísmo e nem as sombras das paixões.

Eles podem, assim, experimentar um número ilimitado de existências corporais, sem que nenhum incidente lhes perturbe a afeição mútua a que se devotam.

Convém destacar que, aqui, estamos tratando de afeição real, verdadeiramente espiritual, de alma para alma. Essa afeição é a única que sobrevive após a morte do corpo físico. Os seres que se unem, na Terra, apenas pelos sentidos corporais, não têm motivo algum para procurarem-se no mundo dos Espíritos.

Duráveis somente são as afeições espirituais.As afeições carnais se extinguem com a causa que as gerou.A causa que dá origem às afeições carnais não existe no

mundo espiritual, enquanto a alma existe sempre.

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Quanto a pessoas que se unem, movidas tão-somente pelos seus interesses, essas realmente já nada são uma para as outras: a morte as separa na Terra e no céu.

19. A união e a afeição que existem entre parentes, numa mesma família, são sinais evidentes da simpatia anterior que os aproximou. Quando há alguém que pelo seu caráter, pelos seus gostos e inclinação nenhuma semelhança tenha com seus parentes próximos, costuma-se dizer que ele não pertence àquela família. Ao falar isso, anuncia-se uma verdade maior do que se supõe.

Deus permite que, nas famílias, encarnem espíritos antipáticos ou mesmo estranhos. Há, nisso, uma dupla fi nalidade: uns servem de provas para os outros e, por isso, tornam-se instrumentos de progresso entre si. Os infelizes se melhoram, pouco a pouco, pelo contato com os bons e pelos cuidados que deles recebem. O caráter dos infelizes se abranda, seus costumes depuram-se, as antipatias esmaecem.

Estabelece-se, dessa forma, a fusão entre diferentes categorias de Espíritos, assim como se dá sobre a Terra a fusão entre raças e povos.

20. O receio de que a parentela aumente de um modo indefi nido, em consequência da reencarnação, é um receio egoístico. Esse receio prova, naquele que o sente, que lhe falta um amor mais amplo para abranger um grande número de pessoas.

Um pai, que tenha muitos fi lhos, amaria a cada um deles menos do que amaria a um fi lho único?

Tranquilizem-se, pois, os egoístas.Não há motivo para tais temores.Se um homem houver tido dez encarnações, isso não

signifi ca que, ao retornar à espiritualidade, irá encontrar-se com dez pais, dez mães, dez esposas e uma quantidade indefi nida de fi lhos e de novos parentes.

Esse homem, ao retornar à espiritualidade, voltará aos mesmos que foram alvos de sua afeição. Estes poderão ter-se

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CAPÍTULO IV

ligado na Terra a qualquer título de parentela, pais, mães, fi lhos, esposas, ou, talvez, por outros laços.

21. Quais as consequências da doutrina anti-reencarnacionista?

Vejamo-las, a seguir.Essa doutrina anula, necessariamente, a preexistência da

alma.Se a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo, não existe

entre os que serão familiares nenhum laço anterior. Serão eles completamente estranhos entre si. O pai é estranho a seus fi lhos. A fi liação das famílias fi cará reduzida à fi liação corporal, sem nenhum laço espiritual anterior.

Nenhum motivo haverá para alguém glorifi car-se de existirem em seus antepassados, estas ou aquelas personalidades ilustres. Com a reencarnação ascendentes e descendentes podem já se ter conhecido, ter vivido juntos, ter se amado e podem reunir-se mais tarde, estreitando ainda mais os seus laços de simpatia.

22. Se tal ocorre, em relação ao passado, no tocante ao futuro a situação não é mais esperançosa. Segundo um dos princípios fundamentais que decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas estará defi nitivamente selada após uma única existência.

A fi xação defi nitiva da sorte da alma terá por consequência a cessação de todo progresso, visto que se houver um progresso qualquer, já não haverá sorte defi nitiva.

Segundo tenham bem ou mal vivido, elas vão imediatamente para a morada da bem-aventurança ou eternamente para o inferno. Ficam assim imediatamente separadas para sempre, sem esperança de voltarem a reunir-se. Desta forma, pais, mães e fi lhos, maridos e esposas, irmãos, irmãs e amigos, jamais poderão estar certos de voltarem a ver-se novamente: esta é ruptura mais que absoluta dos laços de família.

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NINGUÉM PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO

Com a reencarnação, e o progresso que lhe é consequente, todos os que se amaram voltarão a encontrar-se sobre a Terra e, também, na espiritualidade. Juntos, crescerão para Deus. Se alguns deles fraquejarem na senda, retardam o seu avanço e a sua felicidade, mas não perderão a esperança. Serão ajudados, encorajados e sustentados pelos que os amam, até saírem do lodaçal em que se enterraram.

Com a reencarnação, enfi m, existe uma solidariedade permanente entre os encarnados e os desencarnados, o que resultará no dadivoso fruto do estreitamento dos laços de afeição mútua.

23. Resumindo, quatro são as alternativas que são apresentadas ao homem para seu futuro após a morte:

1) o nada, segundo a doutrina materialista;2) a absorção do homem no todo universal, segundo a

doutrina panteísta;3) a individualidade do homem após a morte, com a

fi xação defi nitiva de sua sorte, segundo a doutrina da Igreja;

4) a individualidade do homem após a morte, com progressão infi nita, segundo a Doutrina Espírita.

As duas primeiras alternativas apresentam o rompimento dos laços de família após a morte e nenhuma esperança de reencontro entre os que se amaram. A terceira alternativa apresenta a possibilidade de reverem-se os que se devotaram alguma afeição, desde que sigam para a mesma região, e essa região tanto pode ser o inferno como o paraíso. A quarta alternativa, com a pluralidade das existências, que é inseparável da evolução gradativa, traz a certeza da continuidade das relações entre aqueles que se amaram, e isso é o que constitui a verdadeira família.

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CAPÍTULO IV

Instruções dos EspíritosLIMITES DA ENCARNAÇÃO

24. Quais são os limites da encarnação?A encarnação não tem limites nitidamente traçados.Não poderemos fi xá-los sobre o envoltório que constitui o

corpo do Espírito, fundamentado em que a materialidade desse envoltório diminui à medida que o Espírito se purifi ca. E isso porque se sabe que, em certos mundos mais evoluídos que a Terra, esse envoltório já é menos compacto, menos pesado, menos grosseiro e, por consequência, menos sujeito a vicissitudes. Em mundos mais elevados ainda, esse envoltório é diáfano e quase fl uídico. Crescendo a categoria dos mundos, o envoltório de que se reveste o Espírito vai perdendo a materialidade, fi ndando por confundir-se com o perispírito.

De acordo com o mundo no qual o Espírito é levado a viver, ele se reveste do envoltório apropriado à natureza desse mundo.

O próprio perispírito passa por transformações sucessivas.Purifi ca-se, pouco a pouco, até a depuração completa.A condição perispiritual dos Espíritos puros é essa.Se mundos especiais estão destinados, como estágios, aos

Espíritos muito evoluídos, estes não fi cam sujeitos a tais mundos, como ocorre nos mundos inferiores. O estado de libertação que já atingiram permitir-lhes-á transportarem-se por toda a parte onde as missões que lhes foram confi adas os chamarem.

Se considerarmos, porém, a encarnação do ponto de vista material, tal qual ela se dá sobre a Terra, poderemos dizer que esse é o seu limite para os mundos inferiores.

O limite da encarnação, portanto, depende do próprio Espírito, que poderá libertar-se dela mais ou menos rapidamente, trabalhando pela sua purifi cação.

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Consideremos, ainda, que quando liberto do corpo e na espiritualidade, o Espírito estará no intervalo das existências corporais. A situação do Espírito está em relação com a natureza do mundo a que se liga, segundo o seu grau de evolução. Na espiritualidade, por consequência, ele será mais, ou menos feliz, livre e esclarecido, segundo esteja mais, ou menos desmaterializado (Luís, Paris, 1859).

NECESSIDADE DA ENCARNAÇÃO

25. A encarnação é uma punição e somente os Espíritos culpados é que lhe estão sujeitos?

A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária.Através da encarnação, os Espíritos podem cumprir, por

meio de uma ação material, os propósitos que Deus lhes confi ou para serem executados.

Ela é necessária para bem deles mesmos, porque a atividade a que se obrigam a exercer lhes desenvolve a inteligência.

Deus, sendo soberanamente justo, doa partes iguais a todos os seus fi lhos. Estabeleceu para todos um mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de agir.

Qualquer privilégio seria uma preferência e toda preferência é uma injustiça.

A encarnação, porém, é para todos os Espíritos um estágio transitório. É uma tarefa que Deus lhes impõe, no seu início de vida, como primeira experiência do uso que farão de seu livre arbítrio. Os que desempenham com zelo essa tarefa, alcançam rapidamente e menos penosamente os primeiros degraus da iniciação e gozam mais cedo o fruto de seus labores.

Aqueles, porém, que usam mal a liberdade que Deus lhes concede, retardam a sua própria evolução. Se se obstinarem nesse

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CAPÍTULO IV

mau uso, eles terão prolongada indefi nidamente a necessidade de se reencarnarem e é quando a encarnação lhes parece um castigo (Luís, 1859).

26. Observação. Uma comparação vulgar permitirá que melhor se compreenda a diferença acima. Nenhum escolar chega aos estudos da Ciência, se não se submeter à série de classes que lhe abrirão esses estudos. Essas classes, qualquer seja a atividade que lhe exijam, são simplesmente um meio do estudante alcançar seu fi m, não sendo, por isso, nenhuma espécie de punição. O estudante aplicado abrevia o caminho a percorrer e nele encontra, por isso, menos espinhos. O estudante negligente, porém, obriga-se a repetir-se pelas mesmas classes. Para estes, não é o trabalho da classe que parece uma punição, mas a obrigação de recomeçar o mesmo trabalho que não executou bem.

O mesmo acontece com o homem sobre a Terra.O espírito do selvagem, que está apenas no início da

vida espiritual, tem na encarnação o meio de desenvolver a sua inteligência.

Para o homem esclarecido, porém, em que o senso moral está mais largamente desenvolvido, quando é obrigado a percorrer as etapas de uma vida corporal plena de angústias, quando já poderia ter chegado ao fi m, sente isso como um castigo, pela necessidade que vê em prolongar a sua permanência em mundos inferiores e infelizes.

Aquele, contudo, que trabalha ativamente para o seu progresso moral pode abreviar a duração da encarnação material. Pode também transpor de uma só vez os graus intermediários que o separam dos mundos superiores.

Os Espíritos não poderiam encarnar uma única vez, sobre um mesmo mundo e desenvolver as suas diversas existências em esferas diferentes?

Esta questão seria admissível se os homens estivessem, na Terra, exatamente com o mesmo nível intelectual e moral. As

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diferenças que há, entre eles, desde o selvagem até o homem civilizado, mostram os graus que eles devem alcançar.

A encarnação, aliás, precisa ter um fi m útil.Qual seria a fi nalidade da encarnação de crianças que

morrem em tenra idade? Teriam sofrido sem proveito para si e para outrem?

Deus, cujas leis são soberanamente justas, coisa alguma faz sem utilidade. Pela reencarnação sobre o mesmo globo, quis Ele que os mesmos Espíritos voltassem a relacionar-se, com ocasião de reparar as suas faltas recíprocas. Por efeitos de suas relações anteriores, quis, além disso, estabelecer os laços de família sobre uma base espiritual e apoiar, sobre uma lei da natureza, os princípios de solidariedade, de fraternidade e de igualdade.

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CAPÍTULO V

V

BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

1. Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. — Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados. — Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus (Mateus, capítulo V, versículos 4, 6 e 10).

2. Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. — Bem-aventurados vós, que agora tendes fome, porque sereis saciados. — Bem-aventurados vós, que agora chorais porque haveis de rir (Lucas, capítulo XI, versículos 20 e 21).

Mas ai de vós, ricos! Porque já tendes a vossa consolação. — Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. — Ai de vós, os que agora rides, porque vos lamentareis e chorareis (Lucas, capítulo VI, versículos 24 e 25).

JUSTIÇA DAS AFLIÇÕES

3. As compensações que Jesus promete aos afl itos da Terra só podem realizar-se na vida futura. Sem a certeza da vida futura, estas máximas seriam um contrassenso, ou mais ainda, seria um engodo.

Mesmo quando se guarda certeza da vida futura, difi cilmente se compreende a utilidade do sofrimento para ser feliz. Dizem alguns que é para haver mérito.

Pergunta-se, então: por que uns sofrem mais do que os outros? Por que uns nascem na miséria e outros na abundância, sem que coisa alguma tenham feito para justifi car essa posição? Por que para uns tudo parece sorrir, enquanto que outros nada conseguem?

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

O que ainda menos se compreende é que os bens e os males sejam desigualmente repartidos entre o vício e a virtude, com homens virtuosos sofrendo ao lado dos maus que prosperam.

A fé na vida futura pode consolar e tornar paciente o homem, mas não explica essas anomalias que parecem desmentir a justiça de Deus.

Admitindo-se a existência de Deus, não se pode concebê-Lo sem o infi nito das perfeições. Ele deve ser todo o poderoso, toda a justiça, toda a bondade, sem o que não seria Deus.

Se Deus é soberanamente bom e justo, Ele não pode agir por capricho e nem com parcialidade. As vicissitudes da vida, portanto, devem ter uma causa e, porque Deus é justo, essa causa deve ser justa também. Disso cada um deve compenetrar-se.

Deus encaminhou os homens na direção dessa causa pelos ensinamentos de Jesus. Hoje, por julgá-los bastante amadurecidos, para compreender a causa das vicissitudes da vida, vem revelá-la por inteiro através do Espiritismo, ou seja, pela voz dos Espíritos.

CAUSAS ATUAIS DAS AFLIÇÕES

4. Os acidentes desfavoráveis da vida são de duas espécies, ou se você preferir, originam-se de duas fontes bem diferentes, e que é importante distinguir: alguns têm a sua causa na vida presente e outros têm a sua causa fora desta vida.

Se formos buscar a origem dos males terrestres, reconheceremos que muitos são a consequência natural do caráter e da conduta daqueles que os sofrem.

Quantos não são os homens que caem por sua própria culpa! São vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!

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CAPÍTULO V

Quantos não são os que se arruínam por falta de ordem, de perseverança, por má conduta ou por não terem posto um freio aos seus desejos!

Quantas não são as uniões infelizes, porque resultaram de um cálculo de interesses ou de vaidade e nas quais o coração não tomou nenhuma parte!

Quantas dissensões e disputas funestas poderiam ser evitadas com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!

Quantos males e enfermidades não são frutos apenas da intemperança e dos excessos de todos os gêneros!

Quantos não são os pais infelizes com seus fi lhos, por não terem combatido as suas más tendências desde seu princípio! Por fraqueza ou indiferença, permitiram que neles se desenvolvessem os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam o coração. Mais tarde, quando colhem o que semearam, admiram-se e afl igem-se com a falta de respeito e a ingratidão dos fi lhos.

Que todos esses que são feridos no coração pelos acontecimentos desfavoráveis e pelas decepções da vida, interroguem friamente a própria consciência. Reexaminem, passo a passo, a origem dos males que os afl igem. Verifi quem se não poderão dizer: Se eu tivesse feito ou não feito tal coisa, eu não estaria nesta situação.

A quem, portanto, atribuir todas as suas afl ições, senão a ele próprio? O homem, assim, em grande número de casos, é o artesão de seus próprios infortúnios. Ao contrário, porém, de identifi car em si mesmo a fonte de seus males, acha mais simples, menos humilhante para a sua vaidade, acusar a sorte, acusar a Providência Divina, a má fortuna, sua má estrela, quando na verdade a sua má estrela é apenas a sua incúria.

Os males, das espécies a que nos referimos, fornecem, inegavelmente, um notável número de acidentes desfavoráveis para a sua vida. O homem, todavia, poderá evitá-los quando trabalhar por melhorar-se moralmente, tanto quanto trabalha para melhorar-se intelectualmente.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

5. A lei humana defi ne certas faltas e estabelece punições. O condenado, por isso, pode dizer que sofre as consequências do que fez. Essa lei, contudo, não defi ne e nem alcança todas as faltas.

Determina apenas as que, especialmente, trazem prejuízo à sociedade. Não cuida, porém, daquelas que só prejudicam as pessoas que as cometem.

Mas Deus quer a evolução de todas as suas criaturas e, por isso, não deixa impunemente qualquer desvio do caminho reto. Não há falta alguma, por mais leve que seja, que, em se constituindo numa infração de sua lei, que não resulte em consequências forçosas e inevitáveis, mais, ou menos desagradáveis. Segue-se daí que, tanto nas pequenas como nas grandes coisas, o homem sempre sente o efeito de seus erros.

Os sofrimentos, que decorrem do erro, são para o homem uma advertência de que ele andou mal. Isso lhe dará experiência, fazendo-lhe sentir a diferença entre o bem e o mal. Interiorizará a necessidade de melhorar-se, para evitar o que lhe causou tantas amarguras. Não fosse assim, motivo não existiria para que se emendasse. Se se confi asse na impunidade, retardaria a sua evolução e, por consequência, a sua felicidade futura.

A experiência, porém, algumas vezes surge um pouco tarde.Quase sempre, quando ela chega, a vida já foi desperdiçada

e, perturbada. As forças estão gastas e sem remédio. É então que o homem diz: “Se desde a minha juventude eu soubesse o que sei hoje, quantas faltas teria evitado! Se pudesse recomeçar, eu faria tudo de outra maneira. Agora, porém, já não há mais tempo!”.

Ele repete o que diz o obreiro preguiçoso: “Perdi o meu dia”, dizendo simplesmente: “Perdi a minha vida”. O Sol, porém, se levantará no dia seguinte para o obreiro, e uma nova jornada começará, permitindo-lhe reparar o tempo perdido. E também para o homem que desperdiçou a vida, após a noite do túmulo, brilhará o sol de uma nova vida, na qual lhe será possível aproveitar a experiência do passado e de suas boas resoluções para o futuro.

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CAPÍTULO V

CAUSAS ANTERIORES DAS AFLIÇÕES

6. Se há males, nesta vida, em que a causa é o próprio homem, há outros também que parecem atingi-lo como por uma fatalidade e que, pelo menos na aparência, lhe são completamente estranhos.

Entre esses, por exemplo, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. E, ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que contrariam todas as medidas da prudência; os fl agelos naturais; as enfermidades de nascença, principalmente aquelas que impedem a tantos infelizes de ganhar a vida através do trabalho; as deformidades, a idiotia, o cretinismo etc.

Aqueles que nascem nessas condições seguramente nada fi zeram na existência atual para merecer tão triste sorte, sem nenhuma compensação. Não poderiam evitá-las e são impotentes para modifi cá-las, fi cando entregues à piedade pública.

Por que seres tão infelizes? Por que nascem nessas condições, se na mesma família, sob o mesmo teto, convivem com outros que são favorecidos em todos os sentidos?

Que dizer dessas crianças que morrem em tenra idade e que da vida só conheceram sofrimentos?

Esses são problemas que nenhuma fi losofi a ainda pôde resolver.

As religiões, por outro lado, não explicam essas anomalias.Tais ocorrências, sem dúvida, se não justifi cadas, seriam a

negação da bondade, da justiça e da Providência Divina, diante da hipótese de a alma ser criada ao mesmo tempo que o corpo e com a sua sorte irrevogavelmente fi xada após permanecer tão breves instantes sobre a Terra.

Que fi zeram eles, que acabam de sair das mãos do Criador, para sofrerem tantas misérias, e merecerem, no futuro, uma

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

recompensa ou uma punição qualquer, se não tiveram tempo de fazer nem o bem e nem o mal?

Há um axioma que diz: todo efeito tem uma causa.Se tomarmos tais misérias como um efeito que há de ter

uma causa e, admitindo-se que Deus é justo, a causa que dá origem a tantos sofrimentos também há de ser justa.

Sabendo-se que todo efeito tem, antes de si, a sua causa geradora, e se a causa de tais misérias não se encontra na vida atual, ela estará numa existência anterior a esta vida, ou seja, há de estar numa existência precedente.

Deus não podendo recompensar pelo bem que não se fez e nem aplicar a lei pelo mal que não se praticou, se alguém sofre a justiça, é porque fez o mal. Se não fez esse mal nesta vida atual, deverá tê-lo feito numa existência anterior a esta.

Essa é uma alternativa a que ninguém pode escapar e em que a lógica nos dirá de que lado está a Justiça Divina.

O homem nem sempre será alcançado pela Justiça Divina, ou por ela buscado, na sua existência presente. Não escapará, porém, das consequências de suas faltas. A prosperidade do mal é apenas momentânea e se ele não expiar os seus erros agora, virá a expiá-los futuramente.

Aquele que hoje sofre está expiando o seu passado.O infortúnio que, à primeira vista, parece não merecido,

tem a sua razão de ser. Aquele que hoje sofre pode sempre dizer: “Perdoa-me, Senhor, porque errei”.

7. Os sofrimentos por causa de existências anteriores, como os originários de faltas cometidas na existência atual, são muitas vezes a consequência natural da falta cometida. O homem sofrerá o que fez sofrer aos outros, pela ação de uma justiça rigorosa que tem por fundamento o próprio erro cometido: se foi duro e desumano, poderá ser, por sua vez, tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá renascer em condição humilhante; se foi avaro, egoísta ou se fez mal uso de sua fortuna,

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CAPÍTULO V

poderá ver-se privado do necessário; se foi mau fi lho, poderá sofrer com a conduta de seus próprios fi lhos etc.

As anomalias da distribuição da felicidade e da infelicidade entre os bons e os maus neste mundo são explicadas pela pluralidade das existências e pela destinação da Terra, como mundo expiatório. Estas anomalias existem somente na aparência e quando, ao examiná-las, estejamos presos sob o ponto de vista apenas da vida presente.

Eleve-se, porém, pelo pensamento, ao ponto de apreender uma série de existências, e você verá que a cada um é dado o que merece, sem prejuízo do que lhe caberá na espiritualidade, e verá que a Justiça Divina jamais falha.

O homem jamais deve se esquecer de que está sobre um mundo inferior e que está aprisionado à Terra pelas suas imperfeições. Diante de cada acidente doloroso em sua vida, cabe-lhe lembrar-se de que, se pertencesse a um mundo mais evoluído, o sofrimento não se daria e, lembrar-se também, que dependerá somente dele não voltar a este mundo, bastando para isso trabalhar pela sua própria melhoria.

8. As tribulações da vida podem ser impostas aos Espíritos endurecidos no mal ou extremamente ignorantes, com a fi nalidade de levá-los a fazer uma escolha entre o bem e o mal, com conhecimento de causa.

Essas tribulações, porém, são livremente escolhidas e aceitas pelos Espíritos que se arrependeram de seus erros passados e que desejam reparar o mal que hajam feito e queiram fazer o exercício do bem. É o caso, portanto, de um Espírito que, havendo feito mal a sua tarefa, pede para recomeçá-la para não perder o benefício de seu próprio trabalho.

As tribulações, esses acontecimentos adversos da vida, são a um só tempo expiações de erros do passado, que através delas pede reparação, e provas que preparam o homem para o seu futuro.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Rendamos, pois, graças a Deus que, em sua bondade, concede ao homem a oportunidade de reparar seus erros, sem condená-lo irrevogavelmente por uma primeira falta.

9. Nem todo sofrimento, porém, indica necessariamente uma determinada falta. Alguns deles são simples provas, buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar a sua evolução. A expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação de erros do passado.

Provas ou expiações, contudo, são sempre sinais de uma inferioridade relativa, uma vez que o que é perfeito não precisa de ser provado.

Um Espírito pode ter chegado a um certo grau de elevação e, querendo avançar mais, pode solicitar uma missão, uma tarefa a executar, pela qual será tanto mais recompensado, se sair vitorioso, quanto mais penosa tenha sido a luta.

Nessa posição de missão ou tarefa, estão especialmente essas pessoas de inclinações naturalmente boas, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos. Elas parecem, pelas suas qualidades, nada trazer de mal de suas existências anteriores. Sofrem com resignação toda cristã as grandes dores, pedindo a Deus que as possa suportar sem murmurações.

Poderemos considerar, portanto, que estão em expiação aqueles Espíritos que, diante das afl ições, reagem com queixas e revoltas contra Deus.

O sofrimento que não estimula queixas pode ser uma expiação, mas, por ser aceito com resignação é um indício de que foi buscado voluntariamente pelo Espírito, e não que lhe foi imposto. E, por originar-se de uma decidida resolução do próprio Espírito, é um sinal de progresso.

10. Os Espíritos não podem aspirar por uma perfeita felicidade enquanto não sejam puros. Qualquer mácula lhes interdita a entrada em mundos felizes.

Enquanto não sejam puros, assemelham-se aos passageiros de uma embarcação onde há os que contraíram moléstias

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CAPÍTULO V

contagiosas, e que fi cam proibidos de aportar numa cidade até que estejam livres de suas enfermidades.

Os Espíritos despojam-se, pouco a pouco, de suas imperfeições, através de suas diversas existências corpóreas. As provações da vida, quando bem suportadas, fazem-nos avançar. Como expiações, elas apagam as faltas e purifi cam, por serem o remédio que limpa as chagas e cura o doente.

Para grandes males, grandes remédios.Aquele, pois, que muito sofre, deve dizer que tinha muito

a resgatar de seu passado, devendo alegrar-se com a sua própria cura. Dependerá de si mesmo, pela resignação, tornar proveitoso para si o seu sofrimento, a fi m de não perder o fruto pelas suas queixas, uma vez que se perder a oportunidade, terá de começar de novo.

ESQUECIMENTO DO PASSADO

11. É em vão que se alega ser o esquecimento do passado uma difi culdade para que se possa aproveitar da experiência acumulada das existências anteriores. Se Deus lançou um véu sobre o passado, é que isso deve ser útil. Essa lembrança, por certo, traria gravíssimos inconvenientes. Em certos casos, essa lembrança poderia humilhar-nos. Noutros poderia exaltar-nos o orgulho. Por isso entravaria o nosso livre arbítrio.

Traria, sempre, perturbação às nossas relações sociais.O Espírito renasce, muitas vezes, no mesmo meio em que

já viveu. Volta a estabelecer relações com as mesmas pessoas, a fi m de reparar qualquer mal que lhes haja feito. Se reconhecesse nessas pessoas as mesmas a quem houvesse odiado, talvez o ódio se despertasse novamente em seu íntimo. Em qualquer caso, esse que ali voltara a nascer se sentiria humilhado perante aquelas pessoas a quem já ofendera um dia.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Deus nos deu, para nos melhorar, justamente o de que necessitamos e nos será sufi ciente, nessa nova existência, a voz da consciência e nossas tendências instintivas, despojando-nos de tudo o mais que nos poderia ser prejudicial.

O homem traz consigo, ao nascer, o que adquiriu.Ele nasce qual se fez.Cada existência é, para ele, um novo ponto de partida.Pouco lhe importa saber o que foi antes. Se hoje sofre é

porque fez o mal. As suas inclinações infelizes estão a indicar-lhe o que lhe resta corrigir em si mesmo. Na correção de si próprio é que deve centralizar toda a sua atenção, uma vez que naquilo em que está completamente corrigido, nenhum traço mais lhe restará.

As boas resoluções que já tomou são a voz da consciência que o adverte de onde está o bem ou o mal, dando-lhe forças para resistir às más tentações.

O esquecimento ocorre apenas durante a vida corpórea.O Espírito, ao reentrar na vida espiritual, readquire a

lembrança de seu passado. O esquecimento, durante a nova encarnação, não é mais que uma interrupção momentânea, como aquela que se dá, durante a vida terrestre durante o sono. O sono, como uma breve interrupção de nossas lembranças, não nos impede de lembrar, no dia seguinte, do que fi zemos na véspera e nos dias precedentes.

Não é somente após a morte que o Espírito recobra a lembrança de seu passado. Pode dizer-se que ele jamais perde o passado. A experiência demonstra que, mesmo encarnado, durante as horas de sono, quando goza uma certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores. Ele, aí, sabe por que sofre e que sofre por justiça. A lembrança somente se apaga na sua vida de relações. A falta de uma lembrança exata, que lhe seria penosa e prejudicial para as suas relações sociais, vai permitir-lhe haurir forças novas nos instantes de emancipação da alma, durante o sono, se o sabe aproveitar.

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CAPÍTULO V

MOTIVOS DE RESIGNAÇÃO

12. Por estas palavras: Bem-aventurados os afl itos, porque eles serão consolados, Jesus indica a compensação que hão de ter os que sofrem e, ao mesmo tempo, a resignação que nos faz bendizer o sofrimento como os primeiros passos da cura.

Estas mesmas palavras podem ser traduzidas assim: “Você deve considerar-se feliz por sofrer. As dores deste mundo são o débito das faltas cometidas em suas vidas passada. Essas dores, suportadas pacientemente sobre a Terra, vão poupá-lo de séculos de sofrimento na vida futura. Você deve, portanto, sentir-se feliz, porque Deus está reduzindo a sua dívida, permitindo-lhe pagá-la neste momento, o que lhe assegurará tranquilidade no futuro”.

O homem que sofre é semelhante a um devedor de grande soma, a quem o credor dissesse: “Se você me pagar, hoje mesmo, a centésima parte de que me deve, eu lhe quitarei todo o restante da dívida e você será livre.

Se, porém, você não me pagar agora, vou atormentá-lo até que me pague até o último centavo.”

O devedor, aí, não se sentiria feliz, mesmo que tivesse que suportar toda espécie de privação para libertar-se da dívida, pagando apenas uma centésima parte do que deve?

Contrariamente a queixar-se, não fi cará agradecido?É esse o sentido destas palavras: “Bem-aventurados os afl itos,

porque eles serão consolados”. Eles serão felizes, porque resgatam o que devem e porque, após estarem quitados, estarão livres.

O homem, porém, que ao quitar-se de um lado, contrai novas dívidas de outro lado, jamais alcançará a sua liberação de compromissos. Ocorre que cada nova falta corresponde a um aumento da dívida. E qualquer que seja a falta, ela trará consigo as consequências infelizes e inevitáveis. Essas reações dolorosas se não comparecerem hoje, surgirão amanhã, ou seja, se não se manifestarem na vida atual, surgirão na próxima existência.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Entre essas faltas, devemos colocar em primeiro plano o erro de não nos submetermos à vontade de Deus. Se nos queixarmos dos sofrimentos; se não os aceitarmos com resignação, por considerá-los como uma coisa que não merecemos; se acusarmos Deus de injusto, estaremos contraindo uma nova dívida, que nos fará perder o benefício que poderíamos recolher do sofrimento.

Essa nossa conduta obriga-nos a recomeçar.Ela nos coloca na posição daquele devedor que, diante do

credor que o atormenta, paga uma parcela de sua dívida, mas de imediato contrai um novo empréstimo, aumentando seus compromissos.

Ao entrar no mundo espiritual, o homem ainda está como o obreiro que se apresenta no dia de receber o seu salário. A uns o patrão lhes dirá: “Aqui está o pagamento de seus dias de trabalho”. A outros, que são os felizes com as coisas terrenas, aos que tenham vivido na ociosidade, aos que edifi caram a sua felicidade na satisfação de seu amor-próprio e nos prazeres mundanos, o patrão lhes dirá: “Vocês nada têm a receber, porque vocês já receberam o seu salário sobre a Terra. Voltem, portanto, e recomecem a tarefa”.

13. O homem pode abrandar ou aumentar o amargor de suas provas, pela maneira que encare a vida terrena. Ele sofre tanto mais, quanto mais considerar que seu sofrimento seja longo.

Se você encarar a vida do ponto de vista espiritual, entreverá inteiramente a signifi cação da vida corporal. Você verá a vida corporal como minúsculo ponto no infi nito e compreenderá a sua extrema brevidade. Saberá que todo momento penoso passa bem depressa. A certeza de um próximo futuro mais feliz lhe sustentará o ânimo e lhe dará coragem. Ao contrário de queixar-se diante dos sofrimentos, você agradecerá ao Céu as dores que o fazem evoluir.

Se você, porém, encarar a vida tão somente do ponto de vista corporal, esta lhe parecerá interminável. A dor, então, recairá sobre você com todo o seu peso.

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CAPÍTULO V

O resultado de você encarar a vida do ponto de vista espiritual será a diminuição da importância que você dará às coisas deste nosso mundo; a moderação de seus desejos; a satisfação que você terá de sua própria posição na vida, sem invejar a posição dos outros e a capacidade que você terá em abrandar o ânimo diante dos reveses e das decepções que experimentar.

Você alcançará, então, uma calma e uma resignação que lhe benefi ciarão a saúde do corpo físico e o equilíbrio de sua própria alma. Alimentando-se, porém, de inveja, de ciúme e de ambição, você voluntariamente se candidatará à tortura mental, aumentando as misérias e as angústias de sua curta existência.

O SUICÍDIO E A LOUCURA

14. A calma e a resignação, hauridas pela maneira espiritual de encarar a vida terrena, e a sua fé no futuro, darão ao seu espírito uma serenidade ampla. Essa serenidade é a melhor vacina contra a loucura e o suicídio.

É certo que a maioria dos casos de loucura são resultantes da perturbação produzida pelos sofrimentos da vida, que o homem não tem forças de suportar. Se, no entanto, esse homem passar a ver as coisas deste mundo pela maneira que o Espiritismo o fará vê-las, ele passará a receber com indiferença, até com certa alegria, as contrariedades e desilusões que o levariam ao desespero em outras circunstâncias.

É evidente que essa força, que o coloca acima dos acontecimentos, preservará a sua razão dos abalos que a poderiam perturbar.

15. O mesmo dar-se-á com o suicídio.Excluindo os suicídios que se dão em estado de embriaguez

ou de loucura, e que poderemos chamar de atos inconscientes, é certo que, sejam quais forem os motivos particulares, eles terão sempre por causa um descontentamento.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Se você estiver certo de que será infeliz por um dia apenas e que melhores serão os dias futuros, você facilmente adquire paciência. Você somente se desesperará se não divisar um fi nal para os seus sofrimentos.

Que é a vida humana, em relação à eternidade, senão bem menos que o espaço de tempo de um dia?

Mas, se você não crê na eternidade, julgando que tudo acabará com a própria vida, fi ndando com ela o sofrimento e os infortúnios, você verá somente na morte o fi m de seus pesares. Nada esperando do amanhã, você achará muito natural, muito lógico mesmo, abreviar as suas misérias pelo suicídio.

16. A incredulidade, a simples dúvida sobre a vida eterna, as ideias materialistas numa palavra, são os grandes estimuladores ao suicídio. Tais ideias produzem a covardia moral.

Quando os homens da ciência, apoiados na autoridade de seu saber, esforçam-se para provar aos que os ouvem ou aos seus leitores, que eles nada têm a esperar depois da morte, não estarão levando a deduzir que, se são infelizes, o melhor que podem fazer é matar-se? Que poderiam dizer-lhes, para desviá-los dessa conclusão? Que compensação podem oferecer-lhes? Que esperança podem dar-lhes? Nenhuma outra coisa, que não seja o nada.

Se o único remédio heróico, preparado pela ideia materialista, se a única perspectiva é o nada, mais vale atirar-se de imediato a ele, do que deixar para mais tarde e, assim, sofrer menos tempo.

A propagação das ideias materialistas é, portanto, o veneno que incute o pensamento de suicídio em grande número dos que se suicidam. Aqueles, porém, que se fazem apóstolos dessa ideia assumem uma terrível responsabilidade.

Com o conhecimento do Espiritismo, não sendo mais admitida a dúvida sobre a vida futura, modifi ca-se a perspectiva da própria existência. O crente sabe que a vida se prolonga indefi nidamente, para além do túmulo, mas em outras condições.

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CAPÍTULO V

Esta certeza resulta na paciência e na resignação, que muito naturalmente o afastam do suicídio, por dar-lhe a coragem moral.

17. O Espiritismo ainda produz, sob esse aspecto, um outro resultado igualmente positivo e talvez mais determinante. Mostra-nos os próprios suicidas a informar-nos das situações infelizes a que se arrojaram com seu ato, provando que ninguém viola, impunemente, a lei de Deus, que proíbe o homem de encurtar a sua vida.

Entre os suicidas, alguns há cujos sofrimentos, embora temporários e não eternos, não são menos terríveis do que aqueles que experimentavam em sua última existência. E a natureza de tais sofrimentos é tamanha que dá o que pensar aos que queiram partir, antes do tempo ordenado por Deus.

O Espírita tem, portanto, para contrapor à ideia do suicídio, vários motivos, tais como: a certeza de uma vida futura na qual ele sabe que será mais feliz, quanto mais infeliz e mais resignado tenha sido sobre a Terra; a certeza de que, abreviando a sua atual existência, alcançará um resultado exatamente oposto ao que poderia esperar; que se libertará de um mal menor, para cair noutro mal pior ainda, mais longo e mais terrível; que se engana, pensando que ao matar-se irá mais depressa para o céu; que o suicídio é um obstáculo a que ele se reúna no outro mundo com as pessoas a quem dedicou a sua afeição e as quais esperava encontrar; pelas consequências do suicídio, que lhe dá apenas decepções, contrariando a seus próprios interesses.

Considerável já é o número daqueles que têm sido, pelo Espiritismo, contidos de suicidar-se. Conclui-se, daí, que quando todos os homens forem espíritas, não haverá mais suicidas conscientes.

Comparando-se os resultados a que induzem a doutrina materialista e a Doutrina Espírita, somente do ponto de vista do suicídio, você verá que a lógica do materialismo conduz ao suicídio, enquanto que a lógica Espírita afasta o homem do suicídio, fato este que é confi rmado pela experiência.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Instruções dos EspíritosBEM E MAL SOFRER

18. Quando o Cristo disse: “Bem-aventurados os afl itos, porque o reino dos céus lhes pertence”, Ele não se referia, de modo geral, aos que sofrem. Todos os que estão na Terra sofrem, quer estejam sobre o trono ou sobre o chão pisado de um barraco.

Mas, poucos sofrem bem!Poucos são os que compreendem que somente as provas

bem suportadas poderão conduzí-los ao reino de Deus.O desânimo é uma falta.Você não experimentará as consolações divinas, se lhe faltar

coragem para bem suportar as provas.A prece é um apoio para a sua alma, mas ela só não basta

para sustentá-lo no calor dos sofrimentos. Faz-se indispensável que você tenha por base uma fé viva na bondade de Deus.

Jesus já lhe disse, convém recordar, que não coloca fardos pesados sobre ombros fracos. O fardo será proporcional às suas forças, assim como a recompensa será proporcional à resignação e à coragem de cada um. A recompensa será tanto mais esplêndida, quanto maior e penosa tenha sido a afl ição.

Você tem que fazer por merecer a recompensa e, por isso, a vida está repleta de tribulações.

O bom trabalhador que não é enviado ao campo de suas atividades profi ssionais, cai em descontentamento, porque o não trabalho o priva de alcançar promoções justas. Seja você, portanto, como esse trabalhador diligente e não aspire a um repouso que enfraqueceria a sua capacidade de realizações e entorpeceria a sua alma.

Alegre-se quando Deus lhe enviar às tarefas regeneradoras.Essas tarefas não serão aquelas em que você assegura o

pão de cada dia. Serão as amarguras da vida, onde muitas vezes necessitamos de mais coragem e resignação que nas atividades

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CAPÍTULO V

profi ssionais de todos os dias. Alguns suportarão as lutas em suas ofi cinas de trabalho, sem queda, mas poderão cair sob o impacto do sofrimento moral.

Pela coragem de vencer, em suas tarefas redentoras, sem cair diante do sofrimento moral, o homem não receberá a recompensa do mundo. Receberá, porém, de Deus, a coroa da Vida e um lugar glorioso.

Quando você for visitado pela dor ou pela contrariedade, coloque-se acima delas. E quando você dominar os impulsos da impaciência, da cólera ou do desespero, diga, com justa satisfação: “Eu fui o mais forte!”.

Bem-aventurados os afl itos, poderá, então, ser traduzido da seguinte forma: Bem-aventurados são os que têm a oportunidade de provar sua fé, sua fi rmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque esses terão centuplicada a alegria que lhes falta sobre a Terra e, após o árduo trabalho, lhes virá o repouso (Lacordaire, Havre, 1863).

O MAL E O REMÉDIO

19. O mundo em que você vive será um lugar de alegria, um paraíso de delícias? A voz do profeta já não mais ressoa em seus ouvidos? Não anunciou Jesus que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores?

Vocês todos que foram aí viver, aguardem lágrimas ardentes e expiações amargosas e, quando mais agudas e profundas forem as suas dores, voltem os olhos para o céu e bendigam o Senhor, por lhes ter querido provar!

Vocês, por acaso, somente reconheceriam o poder de nosso Mestre, quando Ele curasse as chagas de seus corpos e repletasse os seus dias de beatitude e de alegria? Vocês não reconheceriam o seu amor, senão quando Ele adornasse os seus corpos de todas as glórias e lhes desse o seu brilho e a sua luz?

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Imitem aquele que lhes foi dado para exemplo. Descendo até o último degrau da baixeza e da miséria, estendido sobre um monte de lixo, ele disse a Deus: “Senhor! Conheci todas as alegrias da opulência e vós me reduzistes à miséria mais profunda! Eu vos agradeço, meu Deus, por muito fazer sofrer o vosso servo!”

Até quando os seus olhos alcançarão apenas os horizontes limitados pela morte? Quando a sua alma se decidirá, fi nalmente, a examinar além dos limites de um túmulo? Mesmo que vocês chorassem e sofressem uma vida inteira, que seria isso diante da eterna glória reservada àquele que tenha sofrido a sua provação com fé, amor e resignação?

Procurem, portanto, as consolações para os seus males no futuro que Deus lhes prepara e, também, procurem a causa de seus males no seu próprio passado.

Vocês, que mais sofrem, considerem-se os bem-aventurados da Terra.

Quando vocês estavam na espiritualidade, como desencarnados, vocês mesmos escolheram o seu sofrimento, porque vocês se sentiam sufi cientemente fortes para suportá-los.

Por que queixar-se agora?Vocês que pediram a fortuna e a glória, queriam sustentar

a luta contra a tentação dos arrastamentos da fortuna e do poder, e queriam vencê-la.

Vocês que pediram para lutar, de alma e corpo, contra o mal moral e físico, sabiam que quanto mais forte fosse o sofrimento, tanto mais gloriosa seria a vitória. Se vocês saíssem vitoriosos, mesmo que a sua carne fosse lançada sobre um monte de lixo, no momento de sua morte dele se desprenderia uma alma resplendente de alvura e purifi cada pelo batismo da expiação e do sofrimento.

Que remédio prescrever, então, para aqueles que foram atingidos por obsessões cruéis e por males dolorosos? Um só remédio é infalível e esse é a fé, é voltar os olhos ao céu. Se, nos momentos de seus mais cruéis sofrimentos, você bendizer o

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CAPÍTULO V

Senhor, um Espírito benevolente, refrigerando as suas lágrimas, lhe mostrará os sinais da salvação e o lugar que você deverá ocupar um dia.

A fé, este é remédio seguro para o sofrimento.Através dela você divisará todos os horizontes do infi nito,

diante dos quais dissolvem-se os poucos dias sombrios do presente.Não mais nos pergunte, portanto, qual é o remédio

apropriado para curar tal úlcera ou tal chaga, para curar esta tentação ou aquela provação. Lembre-se de que aquele que crê cresce em forças com o alívio haurido da própria fé. Aquele que duvida, porém, por um segundo que seja da efi cácia da fé, aumentará o seu próprio sofrimento, sentindo as angústias pungentes da afl ição.

O Senhor apôs o seu selo em todos os que nele creem.O Cristo lhes disse que a fé transporta montanhas. E eu lhes

digo que todo aquele que sofre e que tiver a fé por apoio fi cará sob a proteção do Senhor e não sofrerá demais. Os momentos das mais fortes dores serão, para esse que se apóia na fé, as primeiras notas de alegria da eternidade. A sua alma se desprenderá de tal maneira de seu corpo que, enquanto este se torcer em convulsões, ela planará nas regiões celestes, bendizendo, com os Espíritos benfeitores, a glória do Senhor.

Felizes os que sofrem e choram! Que as suas almas se alegrem, porque elas serão amparadas por Deus (Agostinho, Paris, 1863).

A FELICIDADE NÃO É DESTE MUNDO

20. Eu não sou feliz! A felicidade não foi feita para mim! Exclama geralmente o homem de todas as posições sociais.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Essa reclamação, meus caros fi lhos, prova, melhor que todos os arrazoados possíveis, a verdade da máxima do livro do Velho Testamento, o Eclesiastes: “A felicidade não é deste mundo”.

Nem a riqueza, nem o poder, nem mesmo os anos primeiros da juventude são condições essenciais da felicidade. Digo ainda mais: nem mesmo a reunião dessas três condições tão desejadas produzirá a felicidade. Temos ouvido, sem cessar, no meio das pessoas mais privilegiadas, muitas delas, em todas as idades, queixarem-se amargosamente da situação em que se encontram.

Diante de um tal resultado da própria fortuna e poder, é quase inconcebível que as classes trabalhadoras invejem, com tanta cobiça, a posição daqueles que são favorecidos pela riqueza. Neste mundo, por mais se faça, cada um tem a sua parte de trabalho e de miséria, tem a sua parte de sofrimento e de desilusões. Por isso se chega facilmente à conclusão de que a Terra é um lugar de provas e expiações e não de inteira felicidade.

Os que apregoam que a Terra é a única morada do homem e que somente nela e numa única existência se permitirá alcançar o mais alto grau de felicidade que a sua natureza comporta, por certo que se iludem e enganam aqueles que os escutam. Está demonstrado, por uma experiência milenar, que só excepcionalmente este mundo oferece as condições necessárias para a completa felicidade do indivíduo.

Num sentido geral, pode-se afi rmar que a felicidade é uma utopia, uma espécie de sonho, a cuja posse se lançam as sucessivas gerações, sem jamais, porém, conseguir alcançá-la. Se o homem sábio é uma raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz não é encontrado em parte alguma nesse plano de vida.

Aquilo em que consiste a felicidade sobre a Terra é uma coisa tão efêmera, para quem não se orientar pela sabedoria, que por um ano, por um mês, por uma semana de completa satisfação, todo o restante da existência será marcado por uma série de amarguras e decepções.

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CAPÍTULO V

E notem, meus caros fi lhos, que falo dos felizes da Terra, desses que são invejados pelas multidões.

A morada terrestre é uma estância de provas e expiações.Forçoso é, portanto, admitir-se que existem, além, outros

mundos mais favorecidos, onde o Espírito do homem, embora ainda aprisionado a um corpo de carne, desfruta na sua plenitude as alegrias inerentes à vida humana. Por isso é que Deus semeou, no seu turbilhão, esses belos planetas superiores. E os seus esforços e as suas tendências os farão um dia gravitar ao encontro deles, quando vocês estiverem sufi cientemente purifi cados e aperfeiçoados.

Não deduzam, contudo, das minhas palavras que a Terra esteja sempre destinada a ser um cárcere! Certamente que não farão essa dedução! Da evolução já alcançada, vocês poderão facilmente deduzir o progresso futuro. Dos avanços sociais conseguidos, serão fecundados outros avanços mais. Essa é a tarefa imensa que deverá ser executada pela nova doutrina que os Espíritos lhes revelaram.

Meus queridos fi lhos, para essa tarefa, que um santo estímulo lhes anime e que cada um de vocês se despoje do homem velho. Entreguem-se, por inteiro, à divulgação do Espiritismo, que já deu começo com a sua própria regeneração. Este é um dever que vocês têm, de fazer com que os seus irmãos de Humanidade, desfrutem, também, dos raios da sagrada luz.

Mãos à obra, meus muito queridos fi lhos!Que nesta reunião solene todos os seus corações aspirem

a esse objetivo grandioso de preparar às futuras gerações um mundo em que a felicidade não seja uma palavra vã (François-Nicolas-Madeleine, cardeal Morlot, Paris, 1863).

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

PERDA DE PESSOAS AMADAS.DESENCARNAÇÕES PREMATURAS

21. Quando a morte vem ceifar em suas famílias, sem restrições, levando os jovens em lugar dos velhos, vocês costumam dizer: “Deus não é justo! Ele sacrifi cou o jovem, que está forte e tem um grande futuro, e conservou os que já viveram longos anos, marcados por desilusões. Leva os que são úteis e deixa os que para nada mais servem. Parte o coração de uma mãe por privá-la da inocente criatura que fazia toda a sua alegria”.

Ó homens, é nesse juízo que vocês fazem que lhes cabe elevar-se do terra-a-terra da vida. É necessário compreender que o bem está, muitas vezes, onde vocês julgam ver o mal. É preciso compreender que, onde vocês estão vendo uma cega fatalidade do destino, está justamente a manifestação da sábia Providência Divina.

Por que medir a justiça divina pela sua justiça?Pensam vocês que o Senhor dos mundos venha, por um

simples capricho, lhes aplicar penas cruéis? Nada se faz sem um motivo inteligente. Seja o que for que aconteça, todas as coisas têm a sua razão de ser. Se vocês estudassem melhor todas as dores que se instalam em sua senda, nelas descobririam a razão divina, a razão regeneradora. Seus miseráveis interesses, então, receberiam uma consideração tão secundária, que vocês os rejeitariam para o último plano.

Podem crer que é preferível a morte, numa encarnação de vinte anos, do que esses desregramentos dolorosos que entristecem famílias respeitáveis, amargurando o coração de uma mãe e fazendo, antes do tempo, embranquecer os cabelos dos pais. A morte prematura é, quase sempre, um grande benefício que Deus concede à alma que se vai. Ela fi cará, assim, preservada das misérias da vida ou das seduções que poderiam levá-la a quedas morais.

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CAPÍTULO V

Aquele que morre na fl or da idade não é uma vítima da fatalidade. Foi Deus que julgou que lhe seria útil partir mais cedo do que permanecer um longo tempo na Terra.

Vocês poderiam dizer: “É uma terrível desgraça que uma vida tão repleta de esperanças seja cortada tão cedo!”. Mas, de que esperanças vocês estarão a falar? Serão das esperanças da Terra, onde aquele que se foi poderia brilhar, criar seus próprios caminhos e conquistar riquezas?

Essa é uma visão acanhada, aprisionada às coisas materiais!Saberiam vocês, porventura, qual seria a sorte dessa vida

que, segundo vocês, era tão cheia de esperanças? Quem lhes diz que ela não seria até muito repleta de amarguras? Desprezam vocês, então, as esperanças da vida futura, preferindo trocá-las pela vida efêmera que vocês arrastam na Terra? Vocês pensam que mais vale uma posição de destaque entre os homens, do que entre os Espíritos bem-aventurados?

Elevem a visão da vida, acima das coisas materiais!Alegrem-se muito, ao invés de se queixarem, quando praz

a Deus retirar um de seus fi lhos deste vale de misérias. Não seria um egoísmo de sua parte querer que ele permanecesse para sofrer com vocês? Ah! este gênero de dor somente se encontra naqueles a quem falta a fé e que na morte veem uma separação eterna.

Vocês, Espíritas, vocês sabem que a alma liberta vive melhor.Mães, vocês sabem que seus fi lhos bem amados estão perto

de vocês. Sim! Eles estão muito mais próximos de seu coração! Seus corpos fl uídicos envolvem vocês, os pensamentos deles lhes dão proteção. A doce lembrança que deles vocês guardam os repletam de alegria. Por outro lado, porém, as suas dores, por não terem motivo justo, os levam ao sofrimento, porque tais dores revelam uma falta de fé e são um grito de revolta contra a vontade do Pai Celestial.

Vocês, que compreendem a vida espiritual, escutem as pulsações de seus próprios corações, chamando esses entes bem-amados. E, se pedirem a Deus que os abençoe, sentirão, em vocês

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

mesmos, o poder das consolações que enxugam as lágrimas; sentirão em vocês mesmos a grandeza das aspirações que lhes revelarão o futuro prometido pelo soberano Mestre Jesus (Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863).

SE FOSSE UM HOMEM DE BEM, TERIA MORRIDO

22. Falando de um homem maldoso, que escapa de um perigo, vocês dizem: “Se fosse um homem de bem, certamente teria morrido”. E, assim falando, vocês dizem uma verdade. Deus concede, muitas vezes, a um Espírito, ainda jovem nas linhas da evolução, uma prova mais alongada do que a um bom Espírito. Por mérito, o bom Espírito receberá a recompensa de demorar-se o menos possível nos quadros de provações.

Observem, pelo exposto, que quando vocês empregam aquele axioma, lamentando a não morte do homem maldoso, estão cometendo uma blasfêmia.

Se morre um homem de bem, que tinha por vizinho um homem maldoso, vocês logo dirão: “Seria bem melhor que tivesse morrido o maldoso”. Com isso, cometem um grande erro, porque aquele que parte desta vida terá terminado a sua tarefa, enquanto que o vizinho maldoso talvez nem sequer haja começado a dele.

Por que vocês desejariam que ao maldoso faltasse o tempo necessário para alcançar a sua redenção e que o bom permanecesse atado a este mundo? Que diriam se se libertasse um prisioneiro que não cumpriu a pena que lhe foi imposta e se conservasse preso aquele que já a cumpriu inteiramente? Saibam que a verdadeira liberdade está em libertar-se dos laços que prendem a alma ao corpo e que enquanto vocês estiverem sobre a Terra, vocês estão em cativeiro.

Criem o hábito de não colocar-se contra o que vocês não compreendem. Creiam que Deus é justo em todas as coisas. Algumas vezes, o que lhes parece ser um grande mal é um bem.

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CAPÍTULO V

Vocês possuem faculdades tão limitadas, que o conjunto do grande todo escapa aos seus sentidos obtusos. Esforcem-se por sair, pelo pensamento, do estreito círculo de suas observações. À medida que vocês se elevarem, espiritualmente, a vida material diminuirá de importância, ganhando a sua verdadeira dimensão. A vida material, então, só se lhes apresentará como um incidente, diante da duração infi nita de sua existência espiritual, a única verdadeira vida (Fénelon, Sens, 1861).

OS TORMENTOS VOLUNTÁRIOS

23. O homem está, a toda hora, à procura da felicidade, que lhe escapa a todo instante, porque a felicidade sem a sombra do sofrimento não existe sobre a Terra. O homem, no entanto, apesar das contrariedades que formam o cortejo inevitável desta vida terrena, poderia pelo menos gozar de uma felicidade relativa. Essa felicidade ser-lhe-ia possível, se ele não a procurasse entre as coisas perecíveis e sujeitas às mesmas contrariedades, ou seja, ele a procura nos gozos materiais. Deveria procurá-la, isto sim, nos gozos da alma, que são uma antecipação das imperecíveis alegrias celestiais. Contrariamente a procurar a paz do coração, única felicidade verdadeira neste mundo, ele se mostra ávido de tudo o que possa agitá-lo e perturbá-lo. E, coisa singular, ele parece criar para si os tormentos da vida, que somente a ele caberia evitar.

Haverá tormentos maiores que aqueles causados pela inveja e pelo ciúme? Para o invejoso e o ciumento não existe tranquilidade. Ambos sofrem uma febre interminável. As coisas que os invejosos e ciumentos não possuem, mas que os outros têm, são para eles a causa de suas insônias, de noites mal dormidas. O sucesso alcançado pelos seus rivais causa-lhes vertigens. O único interesse deles é superar os que lhes estão próximos. Toda a alegria que experimentam é de estimular, nos que se lhes assemelham na falta de juízo, a mesma inveja e o mesmo ciúme que os devoram.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Esses são pobres insensatos que não imaginam, sequer, que no dia seguinte terão que abandonar todas as suas frivolidades, cuja cobiça lhes envenena a vida! Não é para eles que se aplicam estas palavras de Jesus: “Bem-aventurados os afl itos, porque serão consolados”, visto que os seus cuidados não são aqueles que no céu têm compensações.

De que tormentos, ao contrário destes dos invejosos e ciumentos, não se poupa aquele que sabe contentar-se com o que têm, que vê sem inveja o que não possui, que não procura parecer mais do que é!

Esse é sempre rico, uma vez que olhando para os que estão abaixo de si e não para os que lhe estão acima, vê sempre os que possuem menos que ele.

Esse sempre está calmo, porque não cria para si próprio necessidades artifi ciais e sem valia. E não será a calma, em meio às tormentas da vida, uma felicidade? (Fénelon, Lyon, 1860).

A VERDADEIRA INFELICIDADE

24. Todos falam da infelicidade, todos já a sentiram e julgam conhecer-lhe o caráter múltiplo. Venho eu dizer lhes que quase todos se enganam e que a verdadeira infelicidade não é, absolutamente, o que os homens, ou seja, os infelizes a supõem ser.

Vocês veem a infelicidade na miséria, no fogão sem lume, no credor que exige seus direitos, no berço vazio em que seu fi lho dormia, nas lágrimas de dor, no acompanhamento de um enterro em que vocês seguem de coração despedaçado, na angústia da traição, na privação do orgulhoso que desejaria vestir-se de ouro e mal se veste com os farrapos da vaidade.

A essas situações, e muitas outras semelhantes, é que vocês chamam, na linguagem humana, de infelicidade ou desgraça. Sim, realmente são a desgraça ou infelicidade para os que têm

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CAPÍTULO V

olhos apenas para a vida presente. Mas, a verdadeira infelicidade está mais nas consequências dessas situações, do que em cada uma das situações em si.

Digam-me se um acontecimento, muito feliz num momento, mas que resultará em funestas consequências, não é, realmente, uma infelicidade maior do que um outro acontecimento que, em princípio, causa uma viva contrariedade e, no fi nal, resulta num bem. Digam-me se a tempestade que arranca as suas árvores, mas que saneia o ar e dissipa os miasmas insalubres que poderiam ser a causa de suas mortes, não é antes uma felicidade que uma desgraça.

Para julgar uma coisa, é necessário ver-lhe as consequências. Assim é que para apreciar o que é realmente feliz ou infeliz para o homem, é necessário transportar-se para além desta vida, porque é lá que as consequências se fazem sentir. Tudo o que se chama miséria, segundo a curta visão humana, cessa com a vida terrena e tem sua compensação na vida futura.

Vou revelar-lhes a infelicidade sob uma nova forma. Sob a forma bela e fl orida que vocês acolhem e desejam com todas as forças de suas almas iludidas. A infelicidade sob nova forma é esta alegria, este prazer, este tumulto, esta vã agitação, esta louca satisfação da vaidade, que fazem calar a consciência, que oprimem a ação do pensamento, que confundem o homem sobre o seu futuro. A infelicidade é esse ópio do esquecimento que vocês ardentemente buscam.

Esperem, vocês que choram!Tremam, vocês que riem, porque seus corpos estão

satisfeitos!A Deus não se engana e ninguém foge ao seu destino.Provações dolorosas formam-se no horizonte daqueles que

se entregam ao repouso ilusório, para caírem como tempestades de infelicidade sobre as almas entorpecidas pela indiferença do egoísmo.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Convém que vocês se esclareçam com o Espiritismo, que lhes restabelecerá o real sentido da verdade e do erro, tão estranhamente desfi gurados pela sua cegueira! Sufi cientemente esclarecidos, vocês agirão como o trabalhador especializado que, chamado a uma nova obra, longe de fugir dos desafi os, prefere encará-los com todos os seus riscos, do que se confi ar à acomodação que não oferece nem glória e nem progresso.

Que importa a esse trabalhador, ao aceitar os novos riscos, despender horas de sono e ser visitado pela fadiga, se, no fi nal, terminar vitorioso a sua tarefa?

Que importa, pois, para quem tem fé no porvir, deixar sobre o campo de trabalho da vida a sua fortuna e a sua veste carnal, desde que a sua alma entre radiosa no reino celeste? (Delphine de Girardin, Paris, 1861).

A MELANCOLIA

25. Você sabe por que uma vaga tristeza invade o seu coração e lhe faz sentir a vida amarga? É o seu Espírito que aspira à felicidade e à liberdade! Ligado ao corpo que lhe serve de prisão, ele se esgota no vão esforço que faz para libertar-se.

Reconhece serem inúteis esses esforços!Cai, então, no desalento e, como o corpo físico lhe sofre a

infl uência, o abatimento, o desânimo e uma espécie de apatia se apoderam de sua vontade e você, por isso, se julga infeliz.

Resista, porém, com energia a essas sensações que enfraquecem a sua vontade. As aspirações por uma vida melhor são inerentes aos espíritos de todas as criaturas humanas. Mas não busque essa vida feliz aqui na Terra.

Agora que Deus envia seus Espíritos para lhe instruir sobre a felicidade que Ele lhe reserva, aguarde pacientemente o espírito da libertação que lhe vai ajudar a romper os laços que trazem a sua alma cativa.

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CAPÍTULO V

Lembre-se de que você tem a cumprir uma missão, durante as suas provações sobre a Terra, e essa missão, da qual você não pode duvidar, será pela sua dedicação à família, será pelo desempenho dos diversos deveres que Deus lhe confi ou.

Se, no curso dessas provas e ao cumprir com a sua tarefa, sobre você desabarem os cuidados, as inquietações, os pesares, seja forte e corajoso para suportá-los.

Enfrente as adversidades bravamente.Elas são de curta duração e irão conduzi-lo ao encontro dos

amigos, pela companhia dos quais você chora. Estes amigos se sentirão felizes por vê-lo de novo entre eles e lhe estenderão seus braços pra conduzirem você a uma região onde não têm acesso as afl ições da Terra (Francisco de Genebra, Bordéus).

PROVAS VOLUNTÁRIAS.O VERDADEIRO CILÍCIO

26. Vocês perguntam se é permitido ao homem abrandar suas próprias provas.

Essa questão leva a estas outras: É permitido para aquele que se afoga, cuidar de se salvar? É admitido para aquele, em quem entrou um espinho, retirá-lo? É lícito ao que está doente recorrer à medicina?

As provações têm por fi nalidade útil o desenvolvimento da inteligência e, também, o despertar da paciência e da resignação. Um homem, portanto, poderá nascer numa situação penosa e complicada, precisamente para obrigar-se a encontrar os meios de vencer essas difi culdades. O seu mérito consistirá em suportar, sem queixar-se, as consequências dos males que não pode evitar. Cabe-lhe perseverar na luta, sem desesperar se não for bem sucedido. Jamais, todavia, deve entregar-se à indiferença diante de suas provações. Esse abandono voluntário às circunstâncias amargosas é mais preguiça do que virtude.

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

Esta questão nos conduz naturalmente para uma outra. Uma vez que Jesus disse: “Bem-aventurados os afl itos”, haverá algum mérito em você criar afl ições para si próprio, agravando as suas provas por intermédio de sofrimentos voluntariamente buscados?

A essa indagação responderei afi rmativamente: Sim! Há um grande mérito quando os sofrimentos e as privações tenham a fi nalidade de fazer o bem a seu próximo, uma vez que você vivenciará a caridade pelo sacrifício. Direi, que nenhum mérito haverá quando sofrimentos e privações visam somente o bem pessoal daquele que a si mesmo os infl ige. Neste caso, contrariamente a um ato de caridade, temos aí somente o egoísmo inspirado por fanatismo.

Façamos, aqui, uma grande distinção.No que lhe toca pessoalmente, contente-se com as provas

que Deus lhe envia. Não queira aumentar o peso da sua própria cruz, já de si tão pesada. Aceite-as sem queixumes e com fé, eis tudo o que de você se espera.

Não enfraqueça seu próprio corpo com privações inúteis e de sacrifícios sem propósito. Você necessita de todas as suas energias para cumprir a sua missão de trabalhar na Terra.

Torturar-se voluntariamente e martirizar o seu corpo é contrariar a lei de Deus. Deus lhe provê de meios de sustentar e tornar saudável o seu corpo e, desgastá-lo sem necessidade, é um verdadeiro suicídio.

Use, mas não abuse, é a lei.O abuso das melhores coisas já traz, em si, a sua punição,

pelas consequências inevitáveis de cada abuso.Já outra é a questão dos sofrimentos que você se imponha,

visando a aliviar o sofrimento de seu próximo. Se você suportar o frio e a fome para aquecer e alimentar aquele que necessita de agasalho e de alimento, e se o seu corpo disso se ressentir, você fará o sacrifício que é abençoado por Deus.

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CAPÍTULO V

Você que deixa a sua moradia confortável para ir ao barraco infeliz, a fi m de levar consolação; você que suja as suas delicadas mãos, socorrendo as chagas alheias; você que se priva do sono para velar na cabeceira de um enfermo que é apenas um seu irmão em Deus; você, enfi m, que usa a sua própria saúde para a prática de boas obras — todos vocês já têm, nesses gestos de amor, os sacrifícios voluntários abençoados pelo Pai de Misericórdia, porque a alegria do mundo não lhes secou os corações.

Vocês não se entorpeceram no seio das volúpias atordoantes da riqueza. Contrariamente a isso, vocês se fi zeram Espíritos consoladores de pobres infelizes.

Você, porém, que se retirou do mundo para evitar as tentações e vive isoladamente, que utilidade você tem na Terra? Onde está a sua coragem diante das provações, se você foge da luta e abandona o bom combate? Se você quer um sacrifício enobrecedor, antes mortifi que a sua própria alma e não a carne. Fustigue o seu orgulho. Receba as humilhações sem se queixar. Mortifi que o seu amor próprio. Faça-se forte diante da dor da injúria e da calúnia, que são as dores mais profundas do que as que alcançam o corpo físico.

Somente aí você tem os verdadeiros sacrifícios voluntários, cujas feridas serão contadas a seu benefício, porque essas feridas atestam a sua coragem e a sua submissão à vontade de Deus (Um Espírito Protetor, Paris, 1863).

PÔR FIM NAS PROVAS

27. Pode-se pôr um fi m nas provações do próximo, quando isso seja possível, ou devemos, para respeitar os desígnios de Deus, deixar que as provações sigam o seu curso?

Já lhes dissemos, e repetimos muitas vezes, que vocês estão neste mundo de expiações para concluírem as suas provas. Também já dissemos que tudo o que lhes acontece é uma

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

consequência de suas vidas anteriores. Vocês pagam os juros da dívida de amor que vocês têm a resgatar.

Colocar um termo nas provações do próximo, contudo, é um pensamento a ser ponderado. Ele provoca, em certas pessoas, resoluções que devemos combater, porque resultam em funestas consequências.

Alguns pensam que, já que estamos na Terra para expiações, as provas devem seguir o seu curso. Outros há, tão extremados, que vão além disso, pretendendo não somente fazê-las seguir o seu curso, nada fazendo para atenuá-las, mas ainda querem torná-las mais vivas, a fi m de fazê-las mais proveitosas!

Eis dois grandes erros!É certo que as provações devem seguir o curso que Deus

lhes traçou. Mas, porventura, vocês conhecem qual é o seu curso? Sabem vocês, por acaso, até que ponto elas devem ir e se o Pai Misericordioso não terá dito ao sofrimento deste ou daquele de seus irmãos: “Este sofrimento não irá mais longe”? Sabem vocês se a Providência Divina não os escolheu, não como um instrumento de suplício para agravar o sofrimento do culpado, mas como o bálsamo da consolação para fazer cicatrizar as chagas que a Justiça abrira?

Não digam, portanto, quando vocês virem um de seus irmãos em duras provas: “Esta é a justiça de Deus e necessário se faz seguir o seu curso”. Digam, porém, ao invés disso: “Vejamos que meios meu Pai Misericordioso me concedeu para abrandar o sofrimento deste meu irmão. Vejamos se minha consolação moral, meu apoio material, meus conselhos poderão ajudá-lo a transpor esta prova com mais energia, paciência e resignação. Vejamos mesmo se Deus não me pôs em mim, nas minhas mãos, o meio de fazer cessar este sofrimento. Se Ele não me deu a mim, também como prova, talvez como expiação, o deter o mal e de substituí-lo pela paz”.

Auxiliem-se, pois, em suas respectivas provas. Não se considerem instrumentos de tortura. Contra essa ideia de

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CAPÍTULO V

aumentar o sofrimento do próximo, deve revoltar-se todo homem de bons sentimentos e, principalmente, todo Espírita.

O Espírita, mais do que qualquer outra pessoa, deve compreender a extensão infi nita da bondade de Deus. O Espírita deve pensar que a sua vida inteira tem que ser um ato de amor e de consagração do bem.

O Espírita deve saber que, por mais faça para contrariar os desígnios do Senhor, a Justiça Divina seguirá seus próprios caminhos. Por isso, ele pode, sem receio, empenhar todos os seus esforços para atenuar o amargor da expiação de seu próximo, certo de que somente Deus poderá detê-la ou prolongá-la, segundo o que Ele julgue ser melhor para quem sofre.

Não seria um grande orgulho do homem crer-se no direito de, por assim dizer, revolver a arma dentro da ferida? Não lhe seria a manifestação de um grande orgulho aumentar a dose de veneno nas vísceras daquele que já sofre, sob o pretexto de que essa é uma expiação?

Considerem-se todos, sempre, como um instrumento para fazer cessar a dor. Que os seguintes princípios iluminem seus atos: todos vocês estão na Terra para expiar, mas todos, sem exceção, devem empregar todas as suas energias para abrandar a expiação de seus irmãos, segundo a lei do amor e da caridade (Bernardino, Espírito Protetor, Bordéus, 1863).

ABREVIAR A VIDA DE UM DOENTE

28. Um homem agoniza, aprisionado de cruéis sofrimentos. Sabe-se que o seu estado é sem esperanças de recuperação. Será permitido poupá-lo de alguns instantes de angústias, abreviando-lhe o fi m?

Quem lhes daria o direito de prejulgar os desígnios de Deus? Não pode Deus conduzir o homem até à beira de um precipício,

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

para daí o retirar, a fi m de fazê-lo despertar para si mesmo e trazê-lo para outro modo de pensar sobre os valores da verdadeira vida?

A qualquer extremo que chegue uma agonia, ninguém pode dizer com absoluta certeza que a derradeira hora lhe é chegada.

A ciência, por acaso, nunca se enganou em suas previsões?Eu sei bem de casos que, com razão, podem ser considerados

desesperadores. Mas, se não há nenhuma esperança de retorno defi nitivo para a vida e para a saúde, há também inumeráveis exemplos de, no momento de render-se ao último suspiro, o doente reanimar-se e recobrar as suas faculdades por alguns instantes! Esta hora de graça, que lhe é concedida, pode ser para ele de grande importância. Vocês ignoram as refl exões que pode fazer um Espírito nas convulsões da agonia e de quantos tormentos ele poderá poupar-se com um repentino clarão de arrependimento.

O materialista, que nada vê além do corpo físico e que não leva em consideração a existência da alma — esse materialista não pode compreender estas coisas. Mas o Espírita, que sabe o que se passa além do túmulo, conhece o valor dos últimos pensamentos de um agonizante.

Abrandem os últimos sofrimentos do enfermo, o quanto vocês puderem. Guardem-se, porém, da ideia de abreviar-lhe a vida, mesmo que seja por um minuto, porque esse minuto pode evitar muitas lágrimas no futuro espiritual daquele que parte (Luís, Paris, 1860).

SACRIFÍCIO DA PRÓPRIA VIDA

29. Aquele que está aborrecido da vida, mas que não quer extingui-la por suas próprias mãos, será culpado de procurar a morte em trabalhos acima de suas forças, com o pensamento de tornar útil a sua morte?

Que o homem se entregue à morte por si mesmo ou busque a morte por outros meios, a sua fi nalidade será sempre abreviar

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CAPÍTULO V

a sua vida e, por consequência, se não há um suicídio de fato, há um suicídio intencional.

A ideia de que a sua morte servirá a qualquer coisa útil é uma ilusão. Isso não é mais que um pretexto para dar um colorido diferente ao seu propósito de extinguir-se, para desculpá-lo diante de seus próprios olhos.

Se ele desejasse seriamente servir a seu próximo, cuidaria de alongar a sua vida. Não procuraria meios de morrer, porque uma vez morto dessa forma, já não serve para nada.

O verdadeiro devotamento consiste em não temer a morte, quando se trate de ser útil. A verdadeira abnegação consiste em defrontar-se com os desafi os, aceitando o sacrifício de sua vida, se necessário. Mas a intenção premeditada de buscar a morte, através do desgaste propositado de suas energias, ainda que para prestar serviços, anula todo o mérito de suas atividades. (Luís, Paris, 1860).

30. Um homem que se exponha a um perigo iminente para salvar a vida de um de seus semelhantes, sabendo antecipadamente que sucumbirá, poderá ser considerado como um suicida?

Desde que não haja a intenção de buscar a morte, no seu ato não há suicídio. Há, isto sim, devotamento e abnegação, mesmo com a certeza de perecer.

Quem, porém, poderá ter essa certeza?Quem diz que a Providência Divina não reservará um

inesperado meio de salvação no momento mais crítico?Pode a Providência Divina, muitas vezes, levar a prova

da resignação até o extremo limite do risco da própria vida de quem queira salvar a um de seus semelhantes. E, então, no último minuto, uma circunstância inesperada desvia o golpe fatal (Luís, Paris, 1860).

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BEM-AVENTURADOS OS AFLITOS

PROVEITO DOS SOFRIMENTOS PARA OUTROS

31. Os que aceitam seus sofrimentos com resignação, pela submissão à vontade de Deus e por terem em vista a felicidade futura, não trabalham apenas para si mesmos? Não poderiam tornar seus sofrimentos proveitosos para os outros?

Estes sofrimentos podem tornar-se proveitosos para os outros, material e moralmente.

Materialmente serão proveitosos para outros se, pelo trabalho, pelas privações e pelos sacrifícios que se impõem a si mesmos aqueles que sofrem, eles contribuírem para o bem estar material de seu próximo. Serão proveitosos moralmente, pelo exemplo que dão de sua submissão à vontade de Deus.

O exemplo da força da fé espírita pode induzir os infelizes à resignação, salvando-os do desespero e de suas funestas consequências para o futuro (Luís, Paris, 1860).

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CAPÍTULO VI

VI

O CRISTO CONSOLADOR

O JUGO SUAVE

1. Vinde a mim todos vós que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. — Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mateus, capítulo XI, versículos 28 a 30).

2. Todos os sofrimentos, misérias, desilusões, dores físicas, perdas dos entes queridos, encontram consolação na fé no futuro, na confi ança na Justiça Divina, que o Cristo veio ensinar aos homens.

Sobre aquela criatura, porém, que nada espera além desta vida, ou que simplesmente duvida do futuro espiritual, as afl ições pesam com toda a força do nada. Nenhuma esperança lhe vem abrandar o amargor.

Foi isso o que levou Jesus a dizer: “Vinde a mim, vós todos que estais fatigados, e eu vos aliviarei”.

Jesus, no entanto, impõe uma condição para dar sua assistência e para a felicidade que promete aos afl itos. Essa condição está na Lei que Ele ensina. Seu jugo suave é a observação dessa Lei.

Mas esse jugo é suave e essa Lei é branda, uma vez que essa Lei impõe, como dever, o amor e a caridade.

CONSOLADOR PROMETIDO

3. Se me amardes, guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador, para que fi que

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O CRISTO CONSOLADOR

convosco para sempre. — o Espírito de Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conheceis, porque habita convosco, e estará em vós. — Mas aquele Consolador, o Santo Espírito, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará relembrar de tudo quanto vos tenho dito (João, capítulo XIV, versículos 15 a 17 e 26).

4. Jesus promete um outro Consolador: é o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar amadurecido para compreendê-lo.

Esse Consolador é o que o Pai enviará para ensinar todas as coisas, e para fazer serem relembrados os princípios que o Cristo revelara. Se, portanto, o Espírito de Verdade deveria vir, mais tarde, ensinar todas as coisas, é porque o Cristo não pudera ensiná-las em seu tempo. Se ele vem relembrar o que o Cristo disse, é porque o que Jesus ensinou foi esquecido ou mal compreendido.

O Espiritismo vem, no tempo assinalado, cumprir a promessa do Cristo e o Espírito de Verdade dirige a sua realização. Os homens são chamados à observância da Lei; todas as coisas ensinadas levam à compreensão do que o Cristo colocou em suas parábolas.

O Cristo dissera: “Ouçam os que têm ouvidos para ouvir”. O Espiritismo vem abrir os olhos e os ouvidos, uma vez que fala sem fi gurações e sem alegorias. Levanta o véu que foi intencionalmente lançado sobre certos mistérios. Vem, enfi m, trazer uma suprema consolação aos deserdados da Terra e a todos os que sofrem, revelando uma causa justa e um fi m útil a todas as dores.

Jesus disse: “Bem-aventurados os afl itos, porque eles serão consolados”. Como, porém, poderá alguém sentir-se feliz por sofrer, se não sabe por que sofre?

O Espiritismo revela as causas do sofrimento nas existências anteriores e na destinação da Terra como um mundo em que o homem expia o seu passado. Revela, também, o fi m útil dos

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CAPÍTULO VI

sofrimentos, como sendo as crises salutares que induzem à cura e como meio de depuração da alma, que lhe assegurará a felicidade nas existências futuras.

O homem compreende, então, que mereceu sofrer e aceita o sofrimento por justo. Ele sabe que esse sofrimento é uma alavanca para a sua evolução e o aceita sem queixar-se, como o obreiro aceita o trabalho que lhe assegurará o salário.

O Espiritismo dá ao homem uma fé inabalável sobre o futuro. A dúvida dolorosa não mais lhe assalta a alma. Por permitir-lhe ver as coisas do alto, a importância das contrariedades terrestres se perde diante do vasto e esplendoroso horizonte que o homem passa a descortinar. A perspectiva da felicidade que o espera dá-lhe a paciência, a resignação e a coragem de enfrentar e vencer todos os obstáculos que o desafi em.

O Espiritismo, assim, realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: o conhecimento das coisas, fazendo com que o homem saiba de onde vem, para onde vai e porque está sobre a Terra. Recorda o homem dos verdadeiros princípios da Lei de Deus, da consolação pela fé e pela esperança.

Instruções dos EspíritosADVENTO DO ESPÍRITO DE VERDADE

5. Eu venho, como outrora entre os fi lhos desgarrados de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas.

Escutem-me!O Espiritismo, como outrora a minha palavra, deve

relembrar aos incrédulos que, acima deles, reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinar a planta e se levantarem as ondas dos mares.

Eu revelei a Doutrina Divina. Como ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso na Humanidade e disse: “Vinde a mim, vós todos que sofreis!”.

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O CRISTO CONSOLADOR

Os homens ingratos, porém, se extraviaram do caminho reto e largo que conduz ao reino do meu Pai, perdendo-se pelas ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana. Ele quer que vocês, em se ajudando uns aos outros, mortos e vivos, ou seja, mortos segundo a carne uma vez que a morte não existe, sejam amparados. Não ouvirão novamente as vozes dos profetas e dos apóstolos, mas a voz daqueles que se foram, a clamar: “Orem e creiam! A morte é a ressurreição, e a vida é a prova escolhida, durante a qual as virtudes que vocês cultivarem devem crescer e se desenvolver como o cedro”.

Homens fracos, que reconhecem existir sombras em suas inteligências, não afastem a luz que a clemência divina lhes acende nas mãos, para clarear a sua rota e os reconduzir, quais fi lhos perdidos, ao regaço de seu Pai.

Sinto-me tocado de compaixão pelas suas misérias, pela sua imensa fraqueza, para deixar de estender-lhes a mão em socorro aos infelizes extraviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Creiam, amem, meditem sobre as coisas que lhes são reveladas.

Não misturem o joio com a boa semente, as fantasias com as verdades.

Espíritas! Amem-se, eis o primeiro ensinamento; instruam-se, eis o segundo. Todas as verdades se encontram no Cristianismo; os erros que no Cristianismo se enraizaram são de origem humana.

Eis que do além túmulo, que vocês acreditavam vazio, vozes clamam: “Irmãos! Nada perece! Jesus Cristo é o vencedor do mal, sejam vocês os vencedores da impiedade!” (O Espírito de Verdade, Paris, 1860).

6. Venho ensinar e consolar os pobres deserdados. Venho dizer-lhes que elevem a sua resignação ao nível de suas provas. Que chorem, porque a dor foi consagrada no Jardim das Oliveiras. Mas que esperem, porque os Espíritos consoladores virão enxugar suas lágrimas.

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CAPÍTULO VI

Obreiros, tracem o seu sulco. Recomecem no dia seguinte a rude jornada da véspera. O labor de suas mãos fornece o pão terreno para os seus corpos, mas suas almas não estão esquecidas. E eu, o divino jardineiro, cultivo suas almas no silêncio de seus pensamentos. Quando soar a hora de seu repouso, quando a trama da vida se escapar de suas mãos e seus olhos se fecharem para a luz, vocês sentirão surgir e germinar em seu interior a minha preciosa semente. Nada se perde no Reino de nosso Pai e os seus suores, suas misérias formam o tesouro que os tornará ricos nas esferas espirituais superiores, onde a luz substitui as trevas e onde o mais desnudo entre vocês será talvez o mais resplandecente.

Em verdade lhes digo: aqueles que carregam os fardos de suas provações e que assistem a seus irmãos, são os meus bem amados.

Instruam-se na preciosa doutrina que dissipa o erro das revoltas contra o Pai e que lhes ensina o objetivo sublime das provações humanas. Assim como o vento varre a poeira, também o sopro dos Espíritos varrerá seus ciúmes contra os ricos do mundo, que são, muitas vezes, muito miseráveis, porque as provações da riqueza são mais perigosas do que aquelas que vocês sofrem.

Eu estou com vocês, e meu apóstolo os ensina. Bebam na fonte viva do amor e preparem-se, cativos da vida, a lançarem-se um dia, já livres e alegres, no seio d’Aquele que os criou fracos para os tornar perfeitos e que deseja que vocês mesmos se modelem, na maleável argila, a fi m de que vocês sejam os artesãos de sua própria imortalidade (O Espírito de Verdade, Paris, 1861).

7. Eu sou o grande médico das almas e venho trazer-lhes o remédio que lhes há de curar. Os fracos, os sofredores e os enfermos são meus fi lhos prediletos e venho salvá-los.

Venham, pois, a mim os que sofrem e que estão sobrecarregados de afl ições e vocês serão aliviados e consolados. Não procurem noutra parte a força e a consolação, porque o mundo é impotente para dá-las.

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O CRISTO CONSOLADOR

Deus, através do Espiritismo, dirige um supremo apelo aos seus corações. Escutem-no! Que a impiedade, a mentira, o erro, a incredulidade sejam extirpados de suas almas sofridas. Esses são monstros que sugam o mais puro de seu sangue e que lhes abrem chagas quase sempre mortais. Que no futuro, humildes e submissos ao Cristo, vocês pratiquem a sua Lei Divina.

Amem e orem!Sejam dóceis aos Espíritos do Senhor!Invoquem o Pai de Misericórdia do fundo de seu coração.

Ele, então, lhes enviará seu Filho bem amado, Jesus, para os instruir e lhes dizer estas boas palavras: “Eis-me aqui! Eu venho até vocês, porque vocês me chamaram” (O Espírito de Verdade, Bordéus, 1861).

8. Deus consola os humildes e dá força aos afl itos que lhe pedem. Seu poder sobre a Terra e, por toda parte, ao lado de cada lágrima, colocou um bálsamo que consola.

O devotamento e a abnegação são uma prece permanente e trazem em si um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas qualidades da alma. Possam os Espíritos sofredores compreender esta verdade, ao invés de se queixarem de suas dores, de clamarem contra os sofrimentos morais que, neste mundo, nada mais são que a parte que vocês recebem de herança de seus próprios erros.

Tomem, pois, por símbolo de seus sentimentos, estas duas virtudes: devotamento e abnegação, e vocês terão energia e vitalidade, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade lhes impõem.

O sentimento do dever cumprido lhe dará a paz do espírito e a resignação. O coração palpita melhor, a alma se asserena e o corpo já não sente desfalecimentos, porque o corpo sofre tanto mais, quanto mais profundamente abalado estiver o espírito (O Espírito de Verdade, Havre, 1863).

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CAPÍTULO VII

VII

BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

O QUE SE DEVE ENTENDER POR POBRES DE ESPÍRITO

1. Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mateus, capítulo V, versículo 3).

2. A incredulidade zomba desta máxima: Bem-aventurados os pobres de espírito, do mesmo modo que tem zombado de outras coisas que não consegue compreender.

Por pobres de espírito, Jesus não se refere aos tolos, aos homens de pequena inteligência. Refere-se aos humildes, tanto que diz que o reino dos céus é para eles e não para os orgulhosos.

Os homens cultos e inteligentes, segundo o conceito do mundo, em geral formam de si próprios uma tão alta opinião, a si mesmos atribuem tão alto valor e superioridade, que consideram as coisas divinas indignas de sua atenção. Preocupam-se tanto com a sua própria personalidade que não podem elevar seus pensamentos a Deus.

Essa tendência de crerem-se superiores a tudo, leva-os a negar o que lhes esteja acima, pelo medo de se rebaixarem. E os leva a negar, também, até mesmo a Divindade.

Se consentem em admitir a Divindade, eles lhe contestam um de seus mais belos atributos: a sua ação providencial sobre as coisas deste mundo. É que eles estão convencidos de que são sufi cientes para bem governar todas as coisas. Tomando a sua própria inteligência para medida da inteligência universal, eles se julgam capazes de tudo compreender e, por isso, não podem crer como sendo possível existir o que eles não conhecem.

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

Quando esses homens se pronunciam, sobre qualquer coisa, querem seus julgamentos por defi nitivos, sem nenhuma apelação.

Se se recusam a admitir o mundo espiritual e um poder acima do poder humano, não é que isso lhes esteja fora do alcance. É que o seu orgulho se revolta com a ideia de uma coisa acima da qual não se possam colocar e que os faria descer alguns degraus de seu pedestal.

Eis porque eles somente têm sorrisos de desdém para tudo o que não seja do mundo visível e tangível. Eles se atribuem tanta cultura e inteligência, que crer nas coisas boas, segundo eles, é para gente simples. Tomam, pois, aqueles que as levam a sério por pobres de espírito.

Entretanto, digam o que disserem, eles terão forçosamente de entrar, como todos os outros, no mundo invisível que tanto ironizam. Será lá que os seus olhos se abrirão e eles reconhecerão o erro de suas ironias.

Mas Deus, que é justo, não pode receber da mesma maneira aquele que desconheceu o seu poder e aquele que humildemente se submeteu às suas leis, nem lhes dá partes iguais.

Em anunciando que o reino dos céus é dos simples, Jesus faz entender que ninguém nele será admitido sem a simplicidade do coração e a humildade do espírito. Ensina, também, que o ignorante que possui essas qualidades terá preferência sobre o sábio que crê mais em si do que em Deus.

Em todas as circunstâncias, Jesus coloca a humildade na categoria das virtudes que aproximam a criatura do seu Criador. E coloca o orgulho entre os vícios que afastam o homem de Deus. E isso decorre de uma razão muito natural, visto que a humildade é um ato de ajuste às Leis de Deus, enquanto o orgulho é uma revolta contra essas mesmas Leis.

Mais vale, portanto, para a felicidade futura do homem, que este seja pobre de espírito, até como o entende o mundo, mas rico em qualidades morais.

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CAPÍTULO VII

AQUELE QUE SE ELEVA SERÁ REBAIXADO

3. Naquela mesma hora chegaram os discípulos até Jesus, dizendo: Quem é o maior no reino dos céus? — E Jesus, chamando um menino, o pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fi zerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se torna humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus. E qualquer que receber em meu nome uma criança, tal como esta, a mim me recebe (Mateus, capítulo XVIII, versículos 1 a 5).

4. Então se aproximou Dele a mãe dos fi lhos de Zebedeu, com seus fi lhos, adorando-O, e fazendo-Lhe um pedido. — E Ele diz-lhes: Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois fi lhos se assentem, um à Tua direita e outro à Tua esquerda, no Teu Reino. — Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo que eu sou batizado? — Dizem-Lhe eles: Podemos. — E diz-lhes Ele: Não bebereis o meu cálice, mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado. — E, quando os dez ouviram isso, indignaram-se contra os dois irmãos.— Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos princípios dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós. Mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal. E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo, bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos (Mateus, capítulo XX, versículos 20 a 28).

5. Aconteceu num sábado que, entrando ele em casa de um dos principais dos fariseus para comer pão, eles o estavam observando. — E disse aos convidados uma parábola, reparando como escolhiam os primeiros assentos, dizendo-lhes: Quando por alguém fores convidado às bodas, não te assente no primeiro lugar, para que não aconteça que esteja convidado outro mais digno do que tu e, vindo o que te convidou a ti e a ele, te diga: “Dá lugar a este” e, então, com

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

vergonha, tenhas que tomar o derradeiro lugar. Mas, quando fores convidado, vai, e assenta-te no último lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: “Amigo, sobe mais acima”. Então terás honra diante dos que estiveram contigo à mesa. Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado (Lucas, capítulo XIV, versículos 1 e 7 a 11).

6. Estas máximas são a consequência do princípio de humildade que Jesus não cessa de por como condição essencial da felicidade prometida aos eleitos do Senhor. Ele a colocou da seguinte forma: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”.

Jesus toma uma criança por modelo da simplicidade de coração e diz: “Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar e se fi zer pequeno como uma criança”. Isso evidencia que o maior será aquele que não alimente nenhuma pretensão à superioridade ou à infalibilidade.

A mesma ideia fundamental está nesta outra máxima: “Aquele que quiser ser o maior, seja o servo de todos”, e, também, nesta outra máxima: “Aquele que se humilha será elevado e aquele que se exalta será humilhado”.

O Espiritismo vem consagrar esse princípio pelo exemplo recolhido na própria espiritualidade, mostrando-nos aqueles que foram pequenos na Terra ocupando posições destacadas no mundo espiritual e, também, muitos que foram grandes e poderosos na Terra entre os bem pequenos nesse mundo. É que os primeiros, ao morrerem, levaram consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza, e que não se perde jamais: as virtudes. Os segundos, porém, tiveram que deixar a grandeza sobre a própria Terra e o que não se leva daqui: a fortuna, os títulos, a glória, a tradição de família.

Estes últimos, não tendo mais que isso, chegam ao mundo espiritual desprovidos de tudo, quais se fossem náufragos que tudo perderam, inclusive as suas próprias roupas. Conservam apenas o orgulho, o que torna a sua nova posição ainda mais

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CAPÍTULO VII

humilhante. É que veem, acima deles, resplandecente de glória, aqueles que eles espezinharam sobre a Terra.

O Espiritismo nos mostra uma outra aplicação deste mesmo princípio nas encarnações sucessivas. Aqueles que mais se elevaram numa existência, mas que se deixaram dominar pelo orgulho e pela ambição, são conduzidos até o último lugar, numa existência seguinte.

Não procure, pois, os primeiros lugares na Terra, nem se coloque acima de seus semelhantes, se você não quiser ser obrigado a descer. Procure, contrariamente a isso, o lugar mais humilde e mais modesto, porque Deus saberá lhe dar um lugar mais elevado no céu, se você o merecer.

MISTÉRIOS OCULTOS AOS SÁBIOS E AOS PRUDENTES

7. Naquele tempo, respondendo Jesus disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos (Mateus, capítulo XI, versículo 25).

8. Poderá parecer singular que Jesus renda graças a Deus, por ter revelado esses princípios aos simples e aos pequeninos, que são os pobres de espírito, e não os haver revelado aos sábios e aos prudentes, mais capazes, na aparência, de compreendê-los.

É que devemos entender que os primeiros são os humildes, são os que se rendem às Leis de Deus, e não se consideram superiores a todo o mundo. Os segundos são os orgulhosos, envaidecidos com o seu conhecimento mundano, que se acreditam prudentes porque negam a Deus e o tratam de igual para igual, isso quando não se recusam a admitir a sua existência.

Deus deixa, aos segundos, a pesquisa dos segredos da Terra, revelando os segredos do céu aos simples e aos humildes, que se inclinam diante de suas leis.

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

9. O mesmo ocorre hoje com as grandes verdades reveladas pelo Espiritismo. Certos incrédulos se admiram que os Espíritos quase nenhum esforço fazem para convencê-los. É que os Espíritos se ocupam, de preferência, com aqueles que buscam esclarecer-se de boa-fé e com humildade. Preferem a estes do que aqueles que se supõem na posse de toda a luz e parecem pensar que Deus deveria sentir-se feliz de arrebanhá-los, provando-lhes a sua existência.

O poder de Deus brilha nas pequenas coisas e, também, nas coisas muito grandes. O Pai não coloca a luz sob um velador, porque a derrama em ondas por todas as partes. Somente os que se fazem cegos, não a veem. Deus não quer, a estes, abrir-lhes os olhos à força, porque eles gostam de tê-los fechados.

A hora, dos que têm os olhos fechados, chegará. Mas é necessário que antes eles sintam as angústias das sombras e reconheçam nas leis de Deus, e não no acaso, o que lhes fere o orgulho.

Deus emprega, para vencer a incredulidade, os meios que sejam mais convenientes, segundo o estágio evolutivo de cada indivíduo. Não será o incrédulo que prescreverá a Deus o que Ele deva fazer. E é esse incrédulo que ainda diz ao Pai: “Se me quiser convencer de sua existência, faça tal ou tal coisa, em tal momento e não em tal outro, porque esse é o momento de minha maior conveniência”.

Que os incrédulos não se espantem que nem Deus, e nem os Espíritos que são os agentes de sua vontade, não se submetam às suas exigências. Que se indaguem o que diriam se o último de seus servidores lhes quisesse fazer imposições.

Deus já criou as suas condições, nas suas Leis, e não se submete a nenhuma outra. Ele escuta com bondade os que a Ele se dirigem com humildade, e não os que se julgam mais do que Ele.

10. Deus, dir-se-á, não poderia tocar pessoalmente aos incrédulos, através de manifestações espetaculosas, perante as

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CAPÍTULO VII

quais o incrédulo mais endurecido teria que se inclinar? Sem dúvida que Ele poderia, mas que méritos teriam eles e para que isso lhes serviria? Não os vemos, todos os dias, recusarem a evidência e até mesmo dizerem: “Mesmo vendo eu não acredito, porque eu sei que é impossível”? Se recusam de reconhecer a verdade, é porque o seu espírito não está amadurecido para compreendê-la, nem o seu coração em condições de senti-la. O orgulho ainda lhes tapa a visão e de que vale apresentar a luz a um cego?

Faz-se necessário, antes, curar a causa do mal. Eis porque Deus, como hábil médico, primeiramente lhes confunde o orgulho. O Pai não deixa abandonados seus fi lhos que se perdem pelo orgulho. Sabe que, mais cedo ou mais tarde, seus olhos se abrirão para a verdade. Quer, porém, que isso ocorra por um ato da própria vontade desses seus fi lhos, quando, vencidos pelos tormentos da incredulidade, eles venham, por si mesmos, lançarem-se nos braços Divinos e, como o fi lho pródigo, busquem a conciliação paterna.

Instruções dos EspíritosO ORGULHO E A HUMILDADE

11. Que a paz do Senhor seja com vocês, meus queridos amigos! Venho até vocês para encorajá-los a seguir o bom caminho.

Aos pobres Espíritos que, outrora, habitaram a Terra, Deus concedeu a missão de vir esclarecê-los. Bendito seja o Pai da graça que nos dá de podermos ajudá-los na evolução. Que o Santo Espírito me ilumine e me ajude a tornar minhas palavras compreensíveis e que me dê a graça de pô-las ao alcance de todos! Por todos vocês encarnados, que estão em expiação e que buscam a luz, rogo que a bondade de Deus venha em meu auxílio, a fi m de que eu possa fazer brilhar essa luz aos seus olhos.

A humildade é uma virtude bem esquecida entre vocês. Os grandes exemplos de humildade que lhes são dados são bem pouco seguidos. E, no entanto, sem humildade poderão vocês

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

ser caridosos com o seu próximo? De modo algum poderão ser caridosos sem humildade, porque a humildade é o sentimento que revela os homens espiritualizados. É a humildade que, em nos fazendo ver a todos como iguais, nos leva a sentir-nos como irmãos que se devem ajudar mutuamente e juntos encaminhar-nos para o Bem.

Sem humildade, vocês se enfeitam de virtudes que ainda não possuem, assemelhando-se às criaturas que vestem algumas roupas tão somente para ocultar as deformidades do corpo. Lembrem-se d’Aquele que nos salva, lembrando-se da humildade que O fez tão grande e O colocou acima de todos os profetas.

O orgulho é o terrível adversário da humildade.Se o Cristo prometeu o reino dos céus aos pobres é porque

os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são recompensas devidas ao seu merecimento pessoal e que as suas qualidades são superiores às do pobre. Acreditam que as coisas de que dispõem lhes são devidas e, por isso, quando Deus as retira, acusam-no de injustiça.

Que zombaria e que cegueira!Deus faria, entre vocês, distinção pelos corpos? O envoltório

físico do pobre não é o mesmo que o do rico? Teria feito o Criador duas espécies de homens?

Tudo o que Deus faz é grande e sábio. Não atribuam ao Criador, jamais, as ideias urdidas pelos seus cérebros orgulhosos.

Rico, enquanto você dorme em moradas confortáveis, ao abrigo das intempéries, você não sabe que milhares de seus irmãos, que valem tanto quanto você, estão em barracos paupérrimos? O infeliz que passa fome não é um seu irmão em Deus? Sei que, ao ouvir esta comparação, o seu orgulho se revolta! Você concordará em dar uma esmola ao pobre, mas a apertar-lhe a mão fraternalmente, jamais!

— O quê?! — exclamará você. — Eu, nascido de boa família, um dos grandes da Terra, ser igual a um desses miseráveis cobertos de trapos e sujeiras! Essa é uma vã fantasia de falsos

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CAPÍTULO VII

fi lósofos! Se fôssemos iguais, por que Deus os teria colocado tão abaixo e a mim em tão alta posição?

É verdade que as roupas com que você se veste não se assemelham àquelas que vestem os pobres. Mas se você e o pobre se despirem, qual a diferença que haverá entre vocês dois? A origem da família, dirá você em resposta. Mas a química não descobre nenhuma diferença entre o sangue de quem vem da raiz de uma família abastada e o do último dos miseráveis; entre o sangue do empregador e o sangue do empregado.

Quem lhe diz que também você não foi tão pobre e infeliz quanto ele? Que também não haja você pedido esmolas? Que não pedirá, um dia, favores a esse mesmo que hoje você despreza?

As riquezas, porventura, são eternas? Se não antes, não terminam todas as riquezas com o próprio corpo físico, revestimento perecível de seu Espírito?

Revista-se de humildade!Somente sob a luz da humildade os seus olhos se abrirão para

a realidade das coisas deste mundo, permitindo-lhe compreender quais as que fazem a grandeza da alma e quais as que levam à humilhação.

Refl ita que a morte não poupará você, como não poupa a nenhum outro homem. O seu renome não o preservará dela. A morte poderá buscá-lo amanhã, hoje mesmo, a qualquer hora, e se, quando ela chegar, você estiver amortalhado em seu orgulho, quanto lamentarei! pois que você será digno de compaixão!

Orgulhosos! que eram vocês antes do renome de família e de serem poderosos? Talvez vocês estivessem abaixo do último de seus empregados! Curvem, portanto, as suas cabeças altivas, porque Deus pode fazê-las rebaixarem-se justo no momento em que vocês as elevarem mais.

Todos os homens são iguais na Balança Divina. Somente as virtudes os diferenciam aos olhos de Deus. Todos os Espíritos são da mesma essência. Todos os corpos são feitos da mesma massa. Suas posições sociais e seus nomes, em nada modifi cam seu

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

Espírito e seu corpo. O que é da Terra permanecerá no túmulo e não será o que fi ca no túmulo que lhes dará a felicidade prometida aos eleitos.

A caridade e a humildade são os únicos títulos de nobreza espiritual.

Pobre criatura! Você é mãe, seus fi lhos sofrem! Eles sentem frio; eles sentem fome! Você vai, curvada sob o peso de sua cruz, humilhar-se para conseguir um pedaço de pão para eles. Oh! Curvo-me diante de você! Quanto você é nobremente santa e grande aos meus olhos! Espere e ore! A felicidade ainda não é deste mundo! Aos pobres oprimidos pelas afl ições, mas confi antes em Deus, será dado o Reino dos céus.

E você, jovem menina, pobre criança muito cedo lançada em rudes trabalhos e a duras privações, por que estes tristes pensamentos? Por que você chora? Que seus olhos se elevem, piedosos e serenos, para o Pai Celestial, porque até aos pequeninos pássaros Ele dá o alimento. Tenha confi ança na Providência Divina, que não a abandonará jamais. O ruído das festas, dos prazeres do mundo, fazem bater o seu coração, bem o sei. Você desejaria vestir-se bem e viver entre os felizes da Terra. Você diz que, como as demais mulheres que você vê passar despreocupadas e risonhas, você poderia ser rica também! Oh! Cale-se, criança! Se você soubesse quantas lágrimas e dores se ocultam debaixo dessas roupas, quantos suspiros dolorosos são abafados debaixo dessa alegria ruidosa, você preferiria a sua humilde casinha e a sua pobreza. Conserve-se pura aos olhos de Deus, se você não quiser que o Espírito Benevolente que a protege saia de seu lado e retorne ao seio do Senhor, deixando-a só, entregue a seus remorsos, sem orientação, sem amparo neste mundo, onde você fi cará desorientada, e aguardando sofrer ainda mais na vida espiritual.

Todos vocês que sofrem as injustiças dos homens, sejam indulgentes para as faltas de seus irmãos. Lembrem-se de que vocês mesmos não estão isentos de erro. A indulgência é caridade, mas também é humildade.

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CAPÍTULO VII

Se vocês sofrem pelas calúnias, curvem suas cabeças diante dessa prova. Que lhes importa a calúnia do mundo? Se a sua conduta é pura e reta, Deus não poderá lhes recompensar? Suportar com coragem as humilhações impostas pelos homens é ser humilde e, com isso, reconhecerão que somente Deus é grande e todo-poderoso.

Oh! Meu Deus será preciso que o Cristo venha uma segunda vez sobre a Terra, para que os homens aprendam as leis que eles esqueceram? Deverá Jesus novamente expulsar os vendilhões do templo, que maculam a casa que é unicamente de orações? E quem sabe! Ó homens! Se Deus lhes conceder esta graça, se vocês não renegarão de novo a Jesus, como fi zeram outrora? Se vocês não o acusariam de blasfemador porque Ele abateria o orgulho dos Fariseus modernos? É bem possível que, inclusive, vocês o obrigassem a refazer o caminho do Gólgota!

Quando Moisés foi ao Monte Sinai receber os mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue a si mesmo, abandonou o verdadeiro Deus. Homens e mulheres entregaram ouro e jóias, para se fazer um ídolo e que eles adoraram.

Homens de hoje, vocês fazem o mesmo que esses israelitas!O Cristo lhes legou uma doutrina, deu-lhes o exemplo de

todas as virtudes e vocês abandonaram exemplos e preceitos. Cada um de vocês, juntando as suas paixões, criou um deus de acordo com a sua vontade: segundo uns, um deus terrível e sanguinário; segundo outros, um deus desinteressado das coisas do mundo. O deus que vocês criaram é, ainda, o bezerro de ouro, que cada um apropria ao seu gosto e às suas ideias.

Despertem-se, meus irmãos, meus amigos!Que a voz dos Espíritos lhes toque os corações.Sejam generosos e caridosos sem ostentação, ou seja, façam

o bem com humildade. Que cada um vá demolindo, pouco a pouco, os altares que vocês mesmos edifi caram para o orgulho. Em resumo, conclamo-os para que sejam verdadeiramente cristãos e vocês alcançarão o reino da verdade.

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

Não duvidem da bondade de Deus, no momento em que Ele dá tantas provas de sua misericórdia. Viemos preparar os caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor lhes der uma manifestação mais esplendente de sua clemência, possa o enviado celeste os encontrar formando uma grande família; que os seus corações dóceis e humildes sejam dignos de entender a palavra divina que ele lhes vem trazer; que o eleito não encontre sobre o seu caminho senão as fl ores que aí vocês depositaram, para o seu retorno ao bem, à caridade, à fraternidade e, então, a Terra se tornará um paraíso.

Mas, se vocês permanecerem insensíveis à voz dos Espíritos enviados para purifi car e renovar a sociedade civilizada de vocês, rica em conhecimentos e tão pobre de bons sentimentos, ah! Então nada mais nos restará do que chorar e gemer pelo destino de vocês.

Mas não, assim não será!Voltem-se para Deus, seu Pai, e, então, nós todos, que

houvermos sido instrumentos do cumprimento da Vontade Divina, entoaremos o cântico de gratidão ao Senhor, para agradecer ao Senhor pela sua inesgotável bondade e para glorifi cá-lo por todos os séculos dos séculos. Assim seja (Lacordaire, Constantina, 1863).

12. Homens, por que se queixar das calamidades que vocês mesmos amontoaram sobre as suas cabeças? Vocês desprezaram a santa e divina moral do Cristo. Não se espantem, pois, de que a taça da iniquidade tenha transbordado por todos os lados.

O mal-estar generaliza-se! A quem transferir a culpa, se esse mal se deve a vocês mesmos, que se aniquilam uns aos outros? Vocês não podem ser felizes, se não quiserem fazer o bem mutuamente. Mas como a benevolência pode existir juntamente com o orgulho? O orgulho, eis aí a origem de todos os seus males. Apliquem-se, pois, em combatê-lo, se não quiserem perpetuar as suas funestas consequências.

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CAPÍTULO VII

Um único meio se oferece a vocês para destruir o orgulho, mas embora único é infalível. É tomarem por regra invariável de conduta a lei do Cristo, lei essa que vocês têm rejeitado ou falseado na sua interpretação.

Por que vocês gostam tanto do que brilha e encanta os olhos, em lugar daquilo que toca o coração? Por que buscam tanto os vícios que nascem da opulência, enquanto vocês somente têm um olhar de desdém para o que é verdadeiramente meritório, mas que se oculta na humildade?

Quando um rico debochado, perdido de corpo e alma, se apresenta em qualquer parte, todas as portas se lhe abrem, todas as atenções se centralizam nele, enquanto vocês mal se dignam a conceder um gesto de proteção ao homem de bem, que vive de seu trabalho.

Quando a consideração que se concede às pessoas é medida pelo dinheiro que elas possuem ou pelo nome que trazem, que interesse elas podem ter em se corrigir de seus defeitos morais?

Diferente seria, no entanto, se o vício dourado fosse rejeitado pela opinião geral dos homens, tanto quanto se tem rejeitado o vício em farrapos. Mas o orgulho é indulgente para com tudo o que lhe agrada.

Século de cupidez e de dinheiro, dizem vocês. Sem dúvida, mas por que vocês deixaram que as necessidades materiais se tornassem mais importantes que o bom senso e a razão? Por que cada um há de querer colocar-se acima de seu irmão?

A sociedade sofre, de repente, as consequências dessas equivocadas noções de valores.

Não esqueçam, portanto, que esse estado de valores trocados é um sinal de decadência moral. Quando o orgulho atinge seus limites extremos, esse é o indicador de uma queda próxima. A Lei de Deus nunca deixa os soberbos livres de consequências dolorosas.

Se lhes é permitido subir ao máximo do orgulho, é para que tenham tempo de refl etir e de emendar-se sob os golpes

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BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO

que, de tempo em tempo, a soberba sofre como advertência. Mas, ao invés de descerem de seu pedestal, eles se revoltam nas horas dos revezes. Então, quando a refl exão não lhes é sufi ciente para buscarem a humildade, as reações dolorosas de sua conduta doentia os abatem inteiramente. E a queda deles é de resultados tanto mais funestos, quando mais alta tenha sido a posição que os orgulhosos alcançaram.

Pobre raça humana! O egoísmo lhe corrompeu todos os caminhos! Tome novamente coragem, apesar de tudo! Na sua misericórdia infi nita, Deus lhe envia um remédio efi caz para os seus males, um socorro inesperado para a sua afl ição.

Abra os olhos para a luz!Eis aqui as almas dos que se foram e que voltam do mundo

espiritual para tornar a chamar os homens para os seus verdadeiros deveres. Estas almas lhes dirão, com a autoridade da experiência, quanto as vaidades e as grandezas de sua existência transitória são coisas sem signifi cação diante da eternidade. Essas almas lhes dirão que, na espiritualidade, o maior é aquele que foi mais humilde entre os pequeninos da Terra; que aquele que mais amou seus irmãos é o que será o mais amado no céu; que os poderosos da Terra, que abusaram de sua autoridade, terão as lições ásperas, a fi m de aprenderem a servir; que a caridade e a humildade, essas duas irmãs que caminham de mãos dadas, são as qualidades mais efi cazes para obter-se a graça diante do Pai Eterno (Adolfo, Bispo de Argel, Marmande, 1862).

MISSÃO DO HOMEM INTELIGENTE NA TERRA

13. Não se orgulhem do que vocês conhecem, porque esse conhecimento tem limites bem estreitos no mundo em que vocês habitam. Mesmo supondo que vocês sejam extremamente inteligentes neste planeta, vocês não têm direito de se envaidecer.

Se Deus, nos seus desígnios, fez vocês nascerem num meio que lhes favoreceu o desenvolvimento da sua inteligência, foi

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por querer que vocês a usassem para o bem de todos. Essa é a missão que Ele lhes dá, colocando-lhes nas mãos o instrumento certo, com o qual vocês podem fazer evoluir, ao seu derredor, as inteligências que ainda estão germinando, e conduzi-las a Deus.

A natureza de um instrumento já não está a indicar o uso que se deve fazer dele? A enxada que o agricultor entrega às mãos de seu ajudante, não lhe mostra que ele deve cavar? E que dirão vocês, se esse ajudante, ao invés de empregá-la no seu trabalho, levantasse a enxada para ferir o agricultor? Vocês diriam, por certo, que isso é uma conduta horrível e que o ajudante deveria ser destituído de seu cargo.

A conclusão é certa!Não se dá o mesmo, portanto, com aqueles que se servem

de sua inteligência para destruir a ideia de Deus e da Providência Divina entre os seus irmãos? Não levantam esses, contra o seu Senhor, o instrumento que lhes foi dado para revolver o terreno de outras inteligências? Terá esse, que tão equivocadamente procede, direito ao salário prometido? Ou não merece, ao contrário, ser expulso de sua missão? Por mau uso, ele será desligado de sua tarefa, não há dúvida alguma, e arrastará existências dolorosas, repletas de humilhações, até que se integre nas Leis d’Aquele a quem tudo deve.

A inteligência é rica de méritos para o futuro, mas sob a condição de bem empregá-la na edifi cação dos mais carentes. Se todos os homens que dela são bem dotados a utilizassem segundo os desígnios de Deus, a tarefa dos Espíritos seria mais fácil, para fazer evoluir a Humanidade.

Infelizmente, porém, muitos transformaram a inteligência em instrumento do orgulho e de perdição para si próprios. O homem abusa da sua inteligência, como tem abusado de todas as suas outras faculdades, mas não lhe faltam ensinamentos que o advirtam de que uma poderosa mão lhe pode retirar aquilo que lhe concedeu (Ferdinand, Espírito Protetor, Bordéus, 1862).

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

VIII

BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

DEIXAI VIR A MIM OS PEQUENINOS

1. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus (Mateus, capítulo V, versículo 8).

2. E traziam meninos para que os tocasse, mas os discípulos repreendiam aos que lhos traziam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se, e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, e não os impeçais, porque deles é o reino de Deus. Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como uma criança, de maneira nenhuma entrará nele. E, tomando-os nos seus braços, e impondo-lhes as mãos, os abençoou (Marcos, capítulo X, versículos 13 a 16).

3. A pureza do coração é inseparável da simplicidade e da humildade. Ela exclui toda ideia de egoísmo e de orgulho. Por isso é que Jesus toma a infância por modelo dessa pureza, da mesma forma que já a tomara por símbolo da humildade.

Esta comparação poderia parecer não muito ajustada, se se considerar que o Espírito da criança pode ser muito antigo e que ele traz, ao renascer na vida corporal, as imperfeições de que não se tenha despojado nas suas existências anteriores. Somente um Espírito que alcançou a perfeição nos poderia oferecer o modelo da verdadeira pureza. A comparação, no entanto, é exata do ponto de vista da vida presente. A criança, enquanto criança, ainda não tendo manifestado nenhuma má tendência, oferece-nos a imagem da inocência e da candura. Daí Jesus não ter dito de uma maneira absoluta que o reino de Deus é para elas, mas para aqueles que a elas se assemelharem.

4. Se o espírito que anima o corpo de uma criança já viveu antes, por que não se mostra, desde o nascimento, tal como ele é?

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CAPÍTULO VIII

É que tudo é sábio nas obras de Deus.A criança necessita de cuidados delicados que só a ternura

maternal lhe pode dispensar. E essa ternura cresce quanto mais a criança seja frágil e ingênua. Para uma mãe, seu fi lho é sempre um anjo. Essa ideia de angelitude é necessária para atrair os cuidados maternos.

A mãe não poderia tratá-la com a mesma singeleza se, em vez da graça ingênua, divisasse, sob os traços infantis, um homem entre a adolescência e a velhice, com as ideias comuns dessa idade e, menos ainda, se lhe conhecesse o passado.

É necessário, também, que a atividade do princípio inteligente seja moderado na criança, aumentando tão-somente na medida em que o corpo se desenvolve. O corpo de uma criança não poderia resistir a uma atividade muito grande do Espírito, como se verifi ca nas pessoas precoces. É por isso que, ao aproximar-se da encarnação, o Espírito cai num estado de perda de consciência de si mesmo. Estará ele, durante um certo tempo, numa espécie de sono, durante o qual todas as suas faculdades mantêm-se em estado latente.

Esse estado transitório é necessário para dar ao Espírito que renasce um novo ponto de início de vida. Assim é que esquecerá, durante a sua nova existência terrena, as coisas que poderiam embaraçá-lo nesse novo estágio evolutivo. Seu passado, no entanto, embora adormecido, reage sobre ele. Renasce, pois, para uma vida superior, mais forte moral e intelectualmente, alimentado e secundado pela vaga intuição que conserva das experiências adquiridas nas vidas anteriores.

A partir do nascimento, suas ideias anteriores gradualmente tomam de novo seu impulso, à medida que os órgãos se desenvolvem. Por isso, pode dizer-se que, no tempo de seus primeiros anos de nova existência, o Espírito é verdadeiramente criança, porque as ideias que formam o fundo de seu caráter estão adormecidas.

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

Durante o tempo em que os seus instintos estão adormecidos, o Espírito é mais dócil e, por isso mesmo, mais acessível às infl uências do meio que podem modifi car a sua natureza e fazê-lo evoluir, o que torna mais fácil a tarefa atribuída aos seus pais.

O Espírito se reveste, por algum tempo, da roupagem da inocência e, por tal razão, Jesus está com a verdade quando, apesar da anterioridade da alma, Ele toma a criança por símbolo da pureza e da simplicidade.

PECADO POR PENSAMENTOS.ADULTÉRIO

5. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. — Eu, porém, vos digo que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela (Mateus, capítulo V, versículos 27 e 28).

6. A palavra adultério, aqui, não deve ser entendida no sentido exclusivo de sua acepção própria. Deveremos tomá-la num sentido mais geral. Jesus, muitas vezes, a empregou de um modo mais amplo, para designar o mal, o erro moral e todos os maus pensamentos. Um exemplo desse emprego amplo está nesta passagem: “Porquanto, qualquer que, entre esta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e de minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai, acompanhado dos santos anjos” (Marcos, capítulo VIII, versículo 38).

A verdadeira pureza não está somente nos atos. Está, também, no pensamento, porque aquele que tem puro o coração, nem sequer pensa no mal. Foi isso que Jesus quis dizer. Ele condena a queda moral, mesmo quando ocorra no campo do pensamento, porque é um sinal de impureza espiritual.

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CAPÍTULO VIII

7. Este princípio leva-nos naturalmente para a seguinte questão: Sofrem-se as consequências de um mau pensamento que nem sequer se tornou um ato?

Façamos, aqui, uma importante distinção. À medida que a alma engajada no mau caminho avança na vida espiritual, ela se vai esclarecendo e se despojando, pouco a pouco, de suas imperfeições, segundo a maior ou menor boa vontade que demonstre, em virtude de seu livre arbítrio. Todo mau pensamento é, portanto, o resultado da imperfeição moral da alma. Mas, de acordo com o desejo que ela tenha de depurar-se, até este mau pensamento se torna para ela um motivo de evolução, porque o repele com energia. Esta sua reação é o indicador de que ela localiza em si uma mancha e se esforça por apagá-la. Ela não cederá à queda moral, se se apresentar a ocasião de satisfazer a um mau desejo. Depois que haja resistido a um mau pensamento, ela se sentirá mais forte e contente com a sua vitória sobre si mesma.

Aquela que, ao contrário, não tomou boas decisões morais, procura a oportunidade de praticar o mau ato e, se não o fi zer, não terá sido por força de sua vontade, mas por falta de ocasião que lhe favorecesse os maus propósitos. Ela é, assim, tão culpada quanto se o tivesse praticado.

Em resumo, na pessoa que não cria sequer a ideia do mal, o progresso está realizado. Naquela em que surge o pensamento do mal, mas que o repele, o progresso está em vias de realizar-se. Naquela outra, porém, que pensa no mal e se alimenta dessa ideia, o mal ainda existe em toda a sua plenitude.

Nas primeiras dessas pessoas a evolução está realizada e, nas demais, a evolução moral está por fazer-se. Deus, que é justo, leva em conta todas essas diferenças delicadas de conduta mental na responsabilidade dos atos e das ideias do homem.

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

VERDADEIRA PUREZA.MÃOS NÃO LAVADAS

8. Então chegaram ao pé de Jesus uns escribas e fariseus de Jerusalém, dizendo: Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois que não lavam as mãos quando comem pão. — Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição? Porque Deus ordenou, dizendo: “Honra a teu pai e a tua mãe e quem maldisser ao pai ou à mãe, morra de morte”. Mas vós dizeis: “Qualquer que disser ao pai ou à mãe: É oferta ao Senhor o que poderias aproveitar de mim, esse não precisa honrar nem a seu pai e nem à sua mãe”.

E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus.

Hipócritas, bem profetizou Isaías a vosso respeito, dizendo: “Este povo se aproxima de mim com a sua boca e me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. Mas, em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens”.

E Jesus, chamando a si a multidão, disse-lhes: ouvi e entendei: O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.

Então, acercando-se dele os seus discípulos, disseram: Sabes que os fariseus, ouvindo essas palavras, se escandalizaram? — Ele, porém, respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial não plantou, será arrancada. Deixai-os ir, porque são condutores cegos. Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova.

E Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: Explica-nos essa parábola.

Jesus, porém, disse: Até vós mesmos estais ainda sem entender? Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre, e é lançado fora? Mas, o que sai da boca procede do coração e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem;

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CAPÍTULO VIII

mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem. (Mateus, capítulo XV, versículos 1 a 20).

9. E, estando ele ainda falando, rogou-lhe um fariseu que fosse jantar com ele. E, entrando, assentou-se à mesa. Mas o fariseu admirou-se, vendo que se não lavara antes de jantar. E o Senhor lhe disse: Agora vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e maldade. Loucos! Quem fez o exterior não faz também o interior? (Lucas, capítulo XI, versículos 37 a 40).

10. Os judeus haviam negligenciado os verdadeiros mandamentos de Deus, por estarem aprisionados à prática de regras estabelecidas pelos homens. Da rígida observação dessas regras humanas, eles faziam casos de consciência. O sentido verdadeiro dos mandamentos de Deus, muito simples, acabara por desaparecer debaixo da complicação das regras criadas pelo farisaísmo.

Como fosse mais fácil praticar atos exteriores do que reformar-se moralmente, como fosse mais fácil lavar as mãos do que limpar seus corações, os homens se iludiam a si mesmos, crendo-se quites com a Justiça Divina, porque praticavam o ato exterior de lavar as próprias mãos, mantendo o restante de si o que em si já eram, porque lhes ensinavam que Deus não lhes exigia mais do que isso.

Em razão dessas falsas purezas é que o profeta disse: “É em vão que este povo me honra com os lábios, ensinando máximas e ordenações humanas”.

Fez-se o mesmo com a doutrina moral do Cristo, que acabou sendo relegada a um segundo plano, o que faz que muitos cristãos, a exemplo dos antigos judeus, creiam que sua salvação está mais assegurada pelas práticas de atos exteriores do que pela prática dos princípios morais ensinados por Jesus. É a esses acréscimos feitos pelos homens à Lei de Deus, que Jesus se refere, quando diz: “Toda planta que meu Pai Celestial não plantou, será arrancada”.

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

A fi nalidade da religião é fazer o homem voltar-se para Deus.

O homem, porém, não se volta para Deus enquanto não se fi zer perfeito. Em decorrência, toda religião que sirva de anteparo para o homem fazer o mal é falsa ou está sendo falseada nos seus fundamentos.

Esse é, inclusive, o resultado de todas as religiões que dão às práticas exteriores mais importância do que à sua base moral.

A crença na efi ciência dos rituais exteriores é nula, se não impedem os assassínios, os adultérios, a apropriação de coisas por fraude ou violência, as calúnias levantadas, o mal feito ao próximo seja qual for. Religiões, assim, fazem supersticiosos, hipócritas e fanáticos, mas não fazem homens de bem.

Não basta ter aparência de pureza. Acima de tudo é necessário ter a pureza do coração.

CORTAR A MÃO

11. Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar. — Ai do mundo, por causa dos escândalos, porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem! — Portanto, se a tua mão ou o teu pé te escandalizar, corte-o, e atira-o para longe de ti. Melhor te é entrar na vida coxo, ou aleijado, do que, tendo as suas mãos ou os dois pés, seres lançado no fogo eterno. — E se teu olho te escandalizar, arranca-o, e atira-o longe de ti. Melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, seres lançado no fogo do inferno (Mateus, capítulo XVIII, versículos 6 a 11 e capítulo V, versículos 29 e 30).

12. No sentido comum, escândalo é toda ação do homem que choca a moral e os bons costumes de um modo ostensivo. O

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CAPÍTULO VIII

escândalo não está no próprio ato, mas nas repercussões que esse ato possa ter.

A palavra escândalo implica sempre na ideia de um certo tumulto. Muitas pessoas se contentam de evitar o escândalo, porque o seu orgulho sofreria com o alarido e o seu conceito pessoal seria diminuído entre os homens. Desde que, porém, as suas torpezas sejam ignoradas, isso lhes será sufi ciente para tranquilizar-lhes a consciência. Esses são, segundo as palavras de Jesus: “os túmulos brancos por fora, mas cheios de podridões por dentro; os vasos limpos por fora, mas sujos por dentro”.

No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo, tão frequentemente empregada, é muito mais generalizada. Por este seu emprego é que, por vezes, não é compreendido o seu signifi cado em certas passagens dos Evangelhos.

Escândalo não é somente o que fere a consciência dos outros, mas também tudo o que resulta dos vícios e das imperfeições humanas. É toda reação má de um indivíduo para com outro, com ou sem repercussões. O escândalo, neste caso, é o resultado efetivo do mal moral.

13. É necessário que haja escândalo no mundo, disse Jesus, porque na Terra os homens são imperfeitos, são inclinados a fazer o mal e as árvores más somente dão maus frutos. Devemos, portanto, entender por estas palavras que o mal é uma consequência da imperfeição dos homens e não que os homens tenham a obrigação de praticar o mal.

14. É necessário que o escândalo venha, porque os homens, estando em expiação na Terra, punem-se a si mesmos pelo contato de seus próprios vícios. Resulta daí, serem eles as suas primeiras vítimas e cujas inconveniências terminam por admitir. Aqueles que estiverem cansados de sofrer, devido ao mal, procurarão o remédio na vivência do bem.

A reação dos vícios sobre os homens serve, portanto, ao mesmo tempo de expiação para uns e de provações para outros. É assim que se faz sair o bem do próprio mal e que os homens

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

aproveitam as coisas más e desagradáveis para precipitar a sua evolução.

15. Se é assim, você dirá: o mal é necessário e perdurará para sempre, uma vez que, se viesse a desaparecer, Deus fi caria privado de um poderoso meio de corrigir os que erram. E você ainda completará, dizendo: é inútil cuidar de melhorar os homens.

Mas, diremos nós, se não houver culpados, não haverá necessidade de dores. Supondo uma Humanidade toda transformada em homens de bem, com nenhum homem querendo fazer mal ao seu próximo, e todos seriam felizes, porque todos seriam bons.

Esse é o estado dos mundos evoluídos, de onde o mal foi excluído. E esse será o estado da Terra, quando os que nela encarnarem houverem evoluído sufi cientemente.

Mas, enquanto certos mundos avançam, outros são formados. Povoam-se de Espíritos primitivos, e servirão, também, de habitação, de exílio e de lugar de expiação para os Espíritos imperfeitos, para os rebeldes e para os obstinados no mal, rejeitados todos eles pelos mundos que se tornaram felizes.

16. Mas ai daqueles por quem vem o escândalo. Isto quer dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que serviu, sem o saber, de instrumento para a Justiça Divina, cujos maus instintos foram utilizados, nem por isso deixou de fazer o mal e pelo mal expiará seus erros.

É assim, por exemplo, que um fi lho ingrato é uma expiação ou uma provação para o pai que o suporta. Esse pai talvez tenha sido um mau fi lho, que fez sofrer a seu pai. Agora ele sofre a pena de talião. Mas o fi lho não está justifi cado por isso e deverá, a seu turno, sofrer através de seus próprios fi lhos ou de uma outra maneira.

17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a. Esta fi gura enérgica é, certamente, alegórica. Seria um absurdo tomá-la ao pé da letra. Ela signifi ca simplesmente que devemos destruir em nós mesmos todas as causas de escândalos, ou seja, todas as causas

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CAPÍTULO VIII

do mal. Deve-se arrancar do coração todo sentimento impuro e toda tendência viciosa. Figuradamente quer dizer que vale mais para um homem evoluir sem uma das mãos, do que esta ser o instrumento de uma ação má. Vale mais fi car sem a vista, do que seus olhos lhe servirem para conceber maus pensamentos.

Jesus nada disse de absurdo, para aquele que compreender o sentido alegórico e profundo de suas palavras. Muito do que o Senhor disse, porém, não pode ser compreendido sem a chave oferecida pelo Espiritismo.

Instruções dos EspíritosDEIXAI VIR A MIM AS CRIANCINHAS

18. O Cristo disse: “Deixai que venham a mim as criancinhas”.

Essas palavras, profundas em sua simplicidade, não continham apenas um apelo dirigido às crianças, mas também um chamamento às almas que se movem nas regiões menos felizes, onde a dor desconhece a esperança.

Jesus chamou a si a infância intelectual da criatura humana: os fracos, os escravizados ao mal, os viciados de todas as procedências. O Mestre nada poderia ensinar à infância física, aprisionada ao corpo carnal, submisso ao jugo do instinto, ainda não reintegrada no domínio da razão e da vontade, que se exercem em torno dela e por ela.

Jesus queria que os homens viessem a Ele com a confi ança desses pequeninos seres de passos vacilantes, cujo chamamento lhe conquistaria o coração de todas as mães. Ele, assim fazendo, submetia as almas à sua terna e misteriosa autoridade.

Jesus foi o Sol que iluminou as trevas; o clarão matinal que chama ao despertar. Foi o iniciador do Espiritismo que, por sua vez, atrairá para Ele, não apenas as criancinhas, mas todos os homens de boa vontade.

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

A ação vigorosa está iniciada.Já não se trata de crer instintivamente e obedecer

maquinalmente. É necessário que o homem siga a lei inteligente que lhe revela a sua universalidade.

Meus bem-amados, eis chegados os tempos em que os erros, explicados, se transformarão em verdades. Nós lhes ensinaremos o sentido exato das parábolas. Nós lhes mostraremos a grande correlação que existe entre o que foi e o que será.

Eu lhes digo em verdade: a manifestação espírita amplia o horizonte e eis aqui o seu enviado, que vai resplandecer como o Sol sobre o cume dos montes (João, o Evangelista, Paris, 1863).

19. Deixai que venham a mim as criancinhas, porque eu tenho o leite que alimenta os fracos. Deixai que venham a mim aqueles que, tímidos e débeis, necessitam de amparo e consolação. Deixai venham a mim os que ignoram, para que eu os esclareça. Deixai venham a mim todos os que sofrem, a multidão dos afl itos e dos infelizes, que eu lhes ensinarei o sublime remédio para suavizar os males da vida; eu lhes revelarei o segredo da cura de seus ferimentos morais!

Qual é, meus amigos, esse bálsamo soberano que possui a virtude por excelência, que se aplica sobre todas as chagas do coração e as cicatriza?

Esse bálsamo é o amor, é a caridade!Se você tem esse fogo divino, o que você temerá?Sob a inspiração dessas virtudes sublimes, você dirá em

todos os instantes difíceis de sua vida: “Meu Pai, que a vossa vontade seja feita e não a minha! Se vos agrada experimentar-me pela dor e pelas tribulações, bendito sejais, porque é para o meu bem, eu o sei, que a vossa mão sobre mim desce. Se é de vossa misericórdia, Senhor, apiedar-vos desta vossa frágil criatura, se é de vosso agrado dar-lhe ao coração as alegrias puras, bendito sejais também! Mas, façais que o amor divino não adormeça dentro de minha alma e que incessantemente faça subir aos vossos pés a oração de gratidão!”.

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CAPÍTULO VIII

Se você tem amor, você já tem tudo o que há de desejável sobre a Terra. Você possui, então, a sublime pérola, que nem os acontecimentos adversos, nem as maldades daqueles que o odeiam e perseguem poderão lhe arrebatar.

Se você tem amor, você terá colocado o seu tesouro onde os vermes e a ferrugem não o podem atingir. Você verá desaparecer insensivelmente da sua alma tudo o que seja capaz de macular-lhe a pureza. Você sentirá, dia a dia, que o fardo da matéria se torna mais leve. E, qual pássaro que plana no ar e que não mais se lembra da Terra, você subirá incessantemente, você subirá todos os dias, até que a sua alma inebriada se sacie do elemento da vida, no seio do Senhor (Um Espírito Protetor, Bordéus, 1861).

OS QUE TÊM OS OLHOS FECHADOS1

20. Meus bons amigos, por que vocês me chamam? É para que imponha as mãos sobre esta pobre sofredora que está aqui e a cure? Ah! que sofrimento, bom Deus!

Ela perdeu a vista e as sombras desceram sobre ela! Pobre criança! Que ore e espere! Eu não sei fazer milagres, sem a manifestação da vontade do bom Deus.

Todas as curas que alcancei obter, e que vocês conhecem, não as atribuam a outro que não seja o Pai de todos nós. Nas suas afl ições, voltem os seus olhos ao céu e digam do fundo de seu coração: “Meu Pai, curai-me! Mas, faça que minha alma enferma se cure antes que as enfermidades de meu corpo. Que minha carne experimente dores, se necessário, para que minha alma se eleve para vós com a claridade que possuía quando vós a criastes”.

Após essa prece, meus bons amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, a força e a coragem lhes serão dadas e, talvez,

1. Esta comunicação foi transmitida pelo Espírito de J. B. Vianney, Cura de Ars, evocado para falar sobre uma pessoa cega.

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BEM-AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO

também, a cura que vocês timidamente pediram, em resposta à sua abnegação.

Mas, uma vez que estou aqui, numa assembléia que, antes de tudo, está voltada aos estudos, eu lhes direi que, aqueles que são privados da vista, deveriam considerar-se como os bem-aventurados da expiação. Relembrem-se de que o Cristo ensinou que valeria arrancar seu olho se ele fosse mau, e que mais valeria atirá-lo no fogo do que ele tornar-se a causa da perdição do homem.

Ah! Quantos há sobre a Terra que maldirão, um dia, quando estiverem nas trevas, o terem visto a luz! Oh! Como são felizes aqueles que, na expiação, são alcançados na vista! Seus olhos não lhes serão as portas abertas para o escândalo e para a queda. Eles, de vista fechada para as coisas do mundo, poderão viver inteiramente a vida da alma. Poderão ver mais do que vocês que têm boa visão...

Quando Deus me permite descerrar as pálpebras de qualquer um desses pobres sofredores e lhes restabelecer a visão, digo a mim mesmo: “Alma querida, porque não preferes conhecer todas as delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Então, tu não pedirias para ti as imagens menos puras e menos suaves do que aquelas que se te são dadas entrever em tua cegueira”.

Oh! Sim, bem-aventurado é o cego que quer viver com Deus. Mais feliz do que vocês que aqui estão ele sente a felicidade, ele vê as almas e pode elevar-se com elas às regiões espirituais que nem mesmo os predestinados da Terra conseguem divisar. O olho aberto está sempre pronto a fazer a alma falir. O olho fechado, ao contrário, está sempre pronto a fazê-la subir até Deus.

Creiam-me, meus bons e queridos amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, enquanto que a vista é, com frequência, o anjo da sombra que conduz à morte espiritual.

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CAPÍTULO VIII

E, agora, algumas palavras para ti, minha pobre sofredora: espera e tem coragem! Se eu te dissesse: Minha fi lha, teus olhos se vão abrir, como tu serias feliz! E quem sabe se esta alegria não seria a causa de tua queda? Confi a, pois, no bom Deus que fez a felicidade e permite que faças a tristeza! Eu farei tudo o que me for permitido fazer por ti. Mas, por tua vez, ora e pensa em tudo que venho de te dizer.

Antes que me vá, vocês todos que aqui estão, recebam a minha bênção (Vianney, Cura de Ars, Paris, 1863).

21. Nota – Quando uma afl ição não é consequência de atos da vida presente, é necessário buscar-lhe a causa numa vida anterior. Aquilo que chamamos de caprichos da sorte, não são outros mais que os efeitos da Justiça Divina.

Deus não admite expiações arbitrárias. É de sua Lei que o sofrimento esteja sempre em correlação com o erro praticado. Se, pela bondade Divina, foi lançado um véu sobre seus atos passados, Ele nos desvenda a origem de toda dor, em nos dizendo: “Quem matou pela espada, pela espada perecerá”, palavras essas que podem ser traduzidas assim: “Sofremos sempre naquilo que fi zemos outros sofrerem”.

Se, pois, alguém sofre pela perda da vista, é porque a vista foi para ele uma causa de queda. Talvez tenha sido até por ter feito outra pessoa perder a vista. Pode alguém ter fi cado cego pelo excesso de trabalho que esse alguém impôs a outras pessoas ou por maus tratos ou por falta de cuidados etc. Sofre, então, a pena de talião. Ele mesmo, no seu arrependimento pelos erros do passado, poderá ter escolhido esta expiação, aplicando a si próprio estas palavras de Jesus: “Se vosso olho vos é motivo de escândalos, arrancai-o”.

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BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES

IX

BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES

INJÚRIAS E VIOLÊNCIAS

1. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a Terra (Mateus, capítulo V, versículo 4).

2. Bem-aventurados os pacifi cadores, porque eles serão chamados fi lhos de Deus (Mateus, capítulo V, versículo 9).

3. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás, mas qualquer que matar será réu de juízo. — Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: Raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: Louco, será réu do fogo do inferno (Mateus, capítulo V, versículos 21 e 22).

4. Por estas máximas, Jesus faz da doçura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência, uma lei. Ele condena, por consequência, a violência, a cólera e mesmo toda e qualquer expressão mais grosseira que se possa usar contra os semelhantes.

Raca, entre os hebreus era um termo de menosprezo que signifi cava homem que não presta. Pronunciava-se essa palavra cuspindo e virando a cabeça de lado. Jesus vai mesmo mais longe, porque ameaçava com o fogo do inferno a quem dissesse a seu irmão: Você é um louco.

Está evidente, aqui, como em todas as circunstâncias, que a intenção que acompanha o ato agrava ou atenua a falta. Mas em que uma simples palavra pode revestir-se de tanta gravidade para merecer uma reprovação tão severa? É que toda palavra ofensiva é uma expressão de um sentimento contrário à lei do amor e da caridade. E esta lei é que deve ser a regra das relações entre os homens para manter, entre eles, a concórdia e a união.

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CAPÍTULO IX

Desrespeitar essa lei é jogar-se contra a benevolência recíproca e contra a fraternidade. Geram-se, o ódio, a aversão, a má vontade, o rancor.

Aquele que é humilde para com Deus, deverá ter na caridade para com o próximo a primeira lei de todos os cristãos.

5. Mas, que pretenderia Jesus dizer com estas palavras: “Bem-aventurados os que são brandos, porque eles possuirão a Terra”? Não ensinou Ele a renúncia aos bens deste mundo, prometendo os bens do céu?

Enquanto aguarda os bens do céu, o homem necessita dos bens da Terra para viver. Jesus somente ensinou que não se dê aos bens da Terra mais importância do que aos do céu.

Por estas palavras, Jesus quis dizer que, até agora, os bens da Terra são conquistados pelos violentos, em prejuízo dos que são brandos e pacifi cadores. Que para os brandos e pacifi cadores falta, muitas vezes, o necessário para a vida, enquanto que para os violentos sobra até o que é supérfl uo para a existência.

Jesus promete que será feita justiça aos violentos sobre a Terra como no céu, porque os brandos e os pacifi cadores serão chamados de fi lhos de Deus.

Quando a lei do amor e da caridade for lei da Humanidade, não haverá mais egoísmo, o fraco e o pacífi co não serão mais explorados e nem esmagados pelo forte e pelo violento. Tal será o estado da Terra, então, segundo a lei do progresso e a promessa de Jesus, que ela se tornará um mundo feliz, pelo afastamento dos maus.

Instruções dos EspíritosA AFABILIDADE E A DOÇURA

6. A benevolência para com os seus semelhantes, fruto do amor ao próximo, produz a afabilidade e a doçura que são a sua forma de manifestação.

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BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES

Convém, no entanto, não se fi ar no jogo das aparências. A educação e o traquejo do mundo podem dar o verniz dessas qualidades. Quantos há, cuja fi ngida bondade e simplicidade não é mais que uma máscara para uso externo, uma aparência bem calculada que esconde os defeitos de caráter! O mundo está repleto de pessoas que são todo sorriso nos lábios e que levam veneno em seus corações. Pessoas que são brandas enquanto nada as contrarie, mas que mordem à menor contrariedade. São de língua de ouro, quando falam pela frente, transformando-a em picada de serpente venenosa quando estão por detrás.

A esta classe pertencem, também, esses homens que são todo doçura fora do lar, mas que são tiranos domésticos. Quando em casa, fazem sofrer seus familiares e dependentes sob o peso de seu orgulho e de seu poder absoluto e arbitrário. Querem compensar, com essa má conduta, o constrangimento a que se submetem lá fora. Não se atrevendo a usar de autoridade agressiva com os estranhos, que poderiam chamá-los à ordem, eles querem fazer-se temidos pelos que não lhes podem opor resistência. A vaidade deles é poderem dizer: “Aqui eu mando e sou obedecido”, sem pensar que poderiam acrescentar com muita razão: “E eu sou detestado”.

Não é sufi ciente, para ser brando e afável, que dos lábios se deitem leite e mel. Se o coração está ausente daquilo que a pessoa aparenta ser, isso nada mais é que um falso sentimento.

Aquele cuja afabilidade e doçura não são fi ngidas, não se desmente jamais. Ele é o mesmo diante de estranhos e na intimidade de seu lar. Sabe que se os homens podem ser enganados pelas aparências, pelas aparências não enganarão a Deus (Lázaro, Paris, 1861).

A PACIÊNCIA

7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos. Não se afl ijam, pois, quando vocês sofrem. Mas bendigam a Deus

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CAPÍTULO IX

onipotente que assinalou vocês pela dor neste mundo, para a glória no céu.

Sejam pacientes!A paciência é, também, uma caridade e vocês devem

praticar a lei da caridade ensinada pelo Cristo, o enviado de Deus.A caridade que se exprime no dar esmolas aos pobres

é a mais fácil das caridades. Mas há uma bem mais penosa e, consequentemente, bem mais meritória que é a de perdoar aos que Deus colocou sobre o seu caminho para serem instrumentos de seus sofrimentos e submeter a sua paciência à provação.

A vida é difícil, eu sei! Ela se compõe de mil pequenas coisas que são como que picadas de agulha e que terminam por ferir. Mas é necessário olhar para os deveres que nos são impostos e para as consolações e compensações que recebemos por outro lado. Veremos, então, se pesarmos deveres e compensações, que as bênçãos são mais numerosas do que as dores. O fardo sempre parecerá mais leve do que quando vocês curvam a cabeça para o pó da Terra.

Coragem, amigos! O Cristo é o modelo para todas as criaturas humanas. Ele sofreu mais que qualquer um de vocês e, no entanto, nada tinha de que se acusar. Vocês sofrem, mas é por terem de expiar o seu passado e se fortalecerem para o futuro.

Sejam, pois, pacientes!Sejam cristãos!Esta palavra cristãos resume tudo (Um Espírito Amigo,

Havre, 1862).

OBEDIÊNCIA E RESIGNAÇÃO

8. A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus princípios, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura. Essas são virtudes muito ativas, embora os homens as confundam erroneamente com a negação do sentimento e da vontade.

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BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES

A obediência é o consentimento da razão e a resignação é o consentimento do coração. Todas as duas, portanto, são forças ativas, porque carregam o fardo das provas que a revolta insensata deixa cair. O covarde não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.

Jesus foi a encarnação dessas virtudes desprezadas pela antiguidade material. Ele veio no momento mesmo em que a sociedade romana perecia nos desfalecimentos da corrupção. Jesus veio fazer brilhar, no seio da Humanidade abatida, os triunfos do sacrifício e da renúncia à sensualidade e às paixões sem freios.

Cada época está marcada com o cunho da virtude ou do vício que deve salvá-la ou perdê-la. A virtude da geração atual é a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral. Eu digo somente atividade, porque o verdadeiro gênio se eleva de súbito e descobre, por si só, os horizontes que a multidão só verá depois dele. A atividade, porém, é a reunião de esforços de todos para atingir a um fi m menos brilhante, mas que prova a elevação de sua época.

Submetam-se ao impulso que viemos dar aos seus espíritos. Obedeçam a grande lei do progresso, que é a bandeira de sua geração. Infeliz do espírito preguiçoso, ai daquele que fecha a sua capacidade de compreender! Infeliz! Porque nós que somos os orientadores da Humanidade em marcha, nós os induziremos pela Justiça Divina a começar a sua marcha e ajudaremos a sua vontade rebelde com a dupla ação das desilusões, que lhes darão o rumo certo, e das intuições, para o melhor que lhes fará apressar os passos. Toda resistência fi lha do orgulho deverá ceder, cedo ou tarde. Bem-aventurados, porém, serão os que são brandos, porque eles prestarão ouvidos dóceis aos nossos ensinamentos (Lázaro, Paris, 1863).

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CAPÍTULO IX

A CÓLERA

9. O orgulho induz vocês a se julgarem mais do que são. Vocês não suportam uma comparação que lhes possa rebaixar. Vocês se consideram tão acima de seus irmãos, quer em inteligência, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo estabelecido com as demais criaturas humanas os irrita e os aborrece.

Que acontece então? Vocês se entregam à cólera!Procurem a origem desses acessos de demência passageira,

que os assemelham ao homem bruto e primitivo, e que lhes fazem perder o autocontrole e a razão; procurem-na e vocês a encontrarão, quase sempre, no orgulho ferido.

Não é senão o orgulho ferido por uma contrariedade o que os leva a rejeitar observações justas, o que lhes faz repelir, coléricos, os mais sábios conselhos? As próprias impaciências, que se originam de contrariedades pueris, decorrem da importância que vocês dão à sua própria personalidade, diante da qual vocês querem que todos se dobrem.

No seu delírio, o homem colérico atira-se contra tudo, como um ser primitivo, quebrando objetos inanimados porque estes não lhe obedecem. Ah! Se nesses momentos ele pudesse observar-se com frieza, de duas uma: ou teria medo de si mesmo ou se acharia bem ridículo! Que julgue, por isso, a impressão de espanto e temor que produz sobre os que estejam à sua volta. Quando não fosse pelo respeito devido a si próprio, ele deveria esforçar-se para domar essa tendência que o torna digno de piedade.

Se examinasse com atenção que a cólera não soluciona coisa alguma, mas que desequilibra a sua saúde, comprometendo mesmo a sua vida, reconheceria ser ele próprio a primeira vítima de sua cólera. Se isso não bastasse, uma outra consideração deveria contê-lo: a de que torna infelizes todos aqueles que com ele convivem.

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BEM-AVENTURADOS OS MANSOS E OS PACIFICADORES

Se o colérico tem sentimentos não registrará uma ponta de remorso por fazer sofrer os entes que ele mais ama? E que pesar mortal se, numa crise de fúria colérica, ele cometesse um ato de que se recriminasse por toda a sua vida!

Em resumo, a cólera não exclui certas qualidades do coração. Impede, porém, que muito se faça o bem e pode levar a muito fazer-se o mal. Isso deverá ser sufi ciente para induzir o colérico a fazer um grande esforço para dominar-se.

O Espírita é convidado ao controle de si próprio por outro motivo: a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs (Um Espírito Protetor, Bordéus, 1863).

10. Partindo da falsa ideia de que não se pode reformar a própria índole, o homem se crê dispensado de fazer esforços para corrigir-se dos defeitos em que ele se compraz voluntariamente, ou que lhe exigiriam muita perseverança para domá-los.

É assim que um homem com tendência para a cólera se desculpa, atribuindo esse impulso latente ao seu temperamento. Ao invés de admitir que a cólera é sua, ele transfere a culpa para o seu organismo, acusando Deus dos defeitos que lhe são próprios. Esta atitude é, ainda, uma consequência do orgulho que está mesclado com todas as suas imperfeições.

É inegável que há temperamentos que se prestam mais do que outros para atos violentos, assim como há músculos mais fl exíveis que se prestam melhor para os atos de força física. Não se creia, porém, que esta seja a causa fundamental da cólera.

Observem que um Espírito pacífi co, mesmo num corpo que tenha muita bílis, será sempre pacífi co. Aquele, contudo, que já é um Espírito violento, mesmo num corpo frágil, não será brando, apenas a sua violência tomará outras características. Não possuindo um físico apropriado para secundar-lhe a violência, a cólera não se expandirá, como naquele em que o físico é mais avantajado.

O corpo não produz as crises de cólera, aos homens que não sejam por si coléricos, do mesmo modo que o corpo não lhes

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é a fonte de outros vícios. Todas as virtudes e todos os vícios se originam da própria criatura.

Se não fosse assim, qual seria o mérito e a responsabilidade do homem pelos seus atos? O homem que tem o corpo mal formado não pode corrigi-lo, porque o Espírito não tem energia para tanto. Mas poderá corrigir aquilo que é do Espírito, quando o quer com fi rme vontade.

A experiência não lhes prova, Espíritas, até onde pode ir a força da vontade, pelas transformações morais espantosas que se operam às suas vistas? Digam, pois, que o homem se conserva no vício porque quer conservar-se no vício, uma vez que aquele que queira corrigir-se, sempre o pode. Se fosse de outro modo, a lei do progresso não existiria para o homem (Hahnemann, Paris, 1863).

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

X

BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

PERDOAI, PARA QUE DEUS VOS PERDOE

1. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia (Mateus, capítulo V, versículo 7).

2. Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai Celestial vos perdoará a vós. Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai não vos perdoará as vossas ofensas (Mateus, capítulo VI, versículos 14 e 15).

3. Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreendendo-o entre ti e ele só, se te ouvir, ganhaste a teu irmão. — Então Pedro, aproximando-se dele, disse: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete? — Jesus lhe disse: Não te digo que até sete, mas até setenta vezes sete (Mateus, capítulo XVIII, versículos 15, 21 e 22).

4. A misericórdia é o complemento da doçura. Os que não são misericordiosos também não são brandos e pacifi cadores.

A misericórdia está no esquecimento e no perdão das ofensas. O ódio e o rancor revelam uma alma sem elevação e sem grandeza. Já o esquecimento das ofensas é próprio de uma alma elevada moralmente, que se coloca acima dos golpes que lhe desfi ram.

Aquele que não tem misericórdia é sempre inquieto, com sua suscetibilidade sombria e cheia de fel. Aquele que a tem, porém, é calmo, cheio de mansidão e de caridade.

Infeliz é aquele que diz: “Não perdoarei jamais!”. Este se não for censurado pelos homens será, certamente, alcançado pela Justiça Divina. Como poderá ele rogar perdão para suas próprias faltas, se não perdoa as faltas dos outros?

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CAPÍTULO X

Jesus nos ensina que a misericórdia não deve ter limites, quando disse para perdoar a seu irmão, não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.

Há, contudo, duas maneiras bem diferentes de perdoar. A primeira delas grande, nobre, verdadeiramente generosa, sem segunda intenção, que age sutilmente sem ferir o amor próprio ou a suscetibilidade do ofensor, mesmo quando o adversário seja o único culpado pela ofensa. A segunda maneira de perdoar é aquela em que o ofendido, ou aquele que se julga ofendido, impõe ao adversário condições humilhantes, fazendo-o sentir um perdão que mais irrita do que acalma. Se estende a mão, não é com benevolência, mas com ostentação, a fi m de poder dizer a todas as demais pessoas: “Vejam quanto sou generoso!” Diante de um perdão que fere, é impossível que a reconciliação seja sincera entre o ofensor e o ofendido. Não, não há aí generosidade, mas apenas uma maneira de satisfazer o orgulho daquele que aparentemente perdoa.

Em todas as contendas, aquele que se revela mais conciliador, que demonstra mais desinteresse, em quem se destaca a caridade e a verdadeira grandeza de alma conquistará sempre a simpatia das pessoas imparciais.

RECONCILIAR-SE COM OS ADVERSÁRIOS

5. Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao ofi cial, e te encerrem na prisão. Em verdade te digo que de maneira alguma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil (Mateus, capítulo V, versículos 25 e 26).

6. No exercício do perdão, assim como no do bem em geral, não há somente um efeito moral, mas, também, um efeito material.

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

A morte, como você sabe, não irá livrá-lo de seus inimigos. Os Espíritos desejosos de vingança perseguem sempre, com o seu ódio, na espiritualidade inferior, aqueles contra os quais conservam o seu rancor. Eis porque o provérbio: “Morto o animal, morto o veneno”, é falso quando se quer aplicá-lo ao homem.

O Espírito desequilibrado pelo ódio espera que aquele a quem ele odeie esteja encerrado no corpo físico e, assim, menos livre, pode atormentá-lo mais facilmente, alcançando-o nos seus interesses e nas suas mais caras afeições.

Nessa ação dos Espíritos infelizes reside a causa da maioria das obsessões, principalmente aquelas que apresentam uma certa gravidade, como é a subjugação e a possessão. O obsidiado e o possesso são, quase sempre, atingidos por uma vingança que tem raízes em existências anteriores a esta e que, provavelmente, é o fruto de sua própria conduta.

A Justiça Divina permite esse quadro de perseguição como consequência do mal que obsessor e obsidiado fi zeram a si mesmos, por se terem faltado com a indulgência e a caridade, em não se perdoando mutuamente.

Importa, portanto, tendo em vista a sua tranquilidade futura, que você repare, o mais cedo possível, os males que possa ter causado ao seu próximo. É decisivo que você perdoe aos seus inimigos, para que se apaguem, antes de sua morte, todos os motivos de desentendimento, todas as causas profundas de animosidade que poderiam ser carregadas para a espiritualidade.

Somente com o perdão você poderá fazer de um inimigo encarnado neste mundo, um amigo na espiritualidade. Aquele que assim procede, coloca de seu lado o bem e Deus não deixa que aquele que perdoou fi que entregue à perseguição da vingança.

Quando Jesus lhe recomendou que se reconciliasse o mais cedo possível com o seu adversário, não é somente para evitar a permanência de atritos na vida atual, mas é para evitar que esses atritos se perpetuem em existências futuras.

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CAPÍTULO X

Vocês não sairão das consequências do não perdão, disse Jesus, enquanto não houverem resgatado até o último centavo, ou seja, enquanto não se houver cumprido integralmente a Justiça Divina.

O SACRIFÍCIO MAIS AGRADÁVEL A DEUS

7. Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com o teu irmão, e, depois, vem e apresenta a tua oferenda (Mateus, capítulo V, versículos 23 e 24).

8. Quando Jesus diz: “Ide reconciliar-vos com vosso irmão, antes de depordes vossa oferenda no altar”, Ele está ensinando que o sacrifício mais agradável ao Senhor é o do seu próprio ressentimento. Que antes de se apresentar para ser por Ele perdoado, deve o homem perdoar aos outros. E que se algum mal fez a qualquer um de seus irmãos, antes deve ir reparar o mal praticado.

Somente quando houver perdoado e reparado o mal é que a sua oferenda será agradável ao Senhor, porque virá de um coração limpo de todo pensamento mau.

Jesus tomou um fato material para transmitir esse princípio, porque os judeus faziam suas oferendas ao altar através de sacrifícios de aves, animais e outros bens materiais e, portanto, cabia-lhe ajustar as palavras ao que era de uso comum para os que o escutavam.

O cristão, porém, não oferece bens materiais.Jesus espiritualizou o sacrifício, mas com isso o preceito ainda

mais força ganha. O cristão oferece a sua alma a Deus e essa alma deve estar purifi cada. Entrando no templo do Senhor, o cristão deve deixar fora todo sentimento de ódio e animosidade, todo mau pensamento contra um seu irmão.

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

Somente nesse estado de purifi cação espiritual, as suas orações serão levadas pelos Espíritos Santifi cados aos pés do Eterno. Aí está o ensinamento de Jesus por estas palavras: “Deixai vossas oferendas ao pé do altar e ide primeiro reconciliar-vos com o vosso irmão, se quiserdes ser agradável ao Senhor”.

O ARGUEIRO E A TRAVE NO OLHO

9. E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho? Ou como dirá a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro de teu olho, estando uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave de teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho de teu irmão (Mateus, capítulo VII, versículos 3 a 5).

10. Um dos defeitos da criatura humana consiste em você ver o mal nos outros, antes de ver o mal que está em você mesmo. Para examinar-se a si mesmo, você necessitaria ver o seu mundo interior num espelho, transportando-se de alguma forma para fora de si mesmo e considerar-se como se fosse uma outra pessoa. E você, então, perguntaria a essa outra pessoa: “Que pensaria você se visse alguém fazer o que faço?”.

Não há dúvida de que é o orgulho que induz o homem a mascarar os seus próprios defeitos, tanto os morais como os físicos. Essa sua conduta caprichosa é essencialmente contrária à caridade, porque a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente. Caridade feita de orgulho é uma falta de juízo, porque esses dois sentimentos, o orgulho e a caridade, se anulam um ao outro.

Como poderá um homem, bastante tolo para acreditar na importância de sua personalidade e na grandeza de suas qualidades, possuir ao mesmo tempo abnegação sufi ciente para fazer destacar, nos outros, o bem que lhe faria sombra, quando

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CAPÍTULO X

se ele destacar o mal dos outros ele pareceria fi car superior aos demais?

Se o orgulho é o pai de muitos vícios, é também a negação de muitas virtudes. Vamos encontrá-lo na base e como o impulso que dá movimento para quase todas as ações humanas.

Pela importância do orgulho na geração de atos desequilibrados é que Jesus se empenhou em combatê-lo, por sabê-lo o principal obstáculo para a evolução moral.

NÃO JULGUEIS

11. Não julgueis, para que não sejais julgados. Porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós (Mateus, capítulo VII, versículos 1 e 2).

12. E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério; e, pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, porém, que dizes? — Isto diziam eles, tentando-o, para que tivessem do que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. E como insistissem, perguntando-lhe, endireitou-se, e disse-lhes: Aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro que atire pedra contra ela. — E, tornando a inclinar-se, escrevia na terra. — Quando ouviram isto, redarguidos pela consciência, saíram um a um, a começar pelos mais velhos até aos últimos. Ficou só Jesus e a mulher que estava entre eles. — E, endireitando-se Jesus, e não vendo ninguém mais do que a mulher, disse-lhe: Mulher, onde estão àqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? — E ela disse: Ninguém Senhor. — E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno: vai-te, e não peques mais (João, capítulo VIII, versículos 3 a 11).

13. “Aquele que estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra”, disse Jesus. Este convite fez da indulgência um dever,

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

porque não há pessoa alguma que não necessite, para si própria, da indulgência.

Jesus, aí, nos ensina que não devemos julgar os outros muito severamente, sem que antes julguemos a nós mesmos. Nem devemos condenar nos outros, naquilo que nos desculpamos. Antes de denunciarmos uma falta de alguém, vejamos se a mesma censura não pode recair sobre nós.

A censura feita sobre a conduta de outra pessoa pode ter dois motivos: reprimir o mal ou desacreditar a pessoa cujos atos criticamos. Este último motivo não tem desculpas, porque nele só há maledicência e maldade. O primeiro motivo pode ser louvável e deveria ser mesmo um dever em certas ocasiões, pois dele poderá resultar um bem e porque sem ele o mal não seria jamais reprimido na sociedade.

O homem não deve, aliás, ajudar a evolução de seus semelhantes? Sendo assim, não devemos tomar no seu sentido absoluto o princípio: “Não julgueis, se não quiserdes ser julgados”, porque a escravidão à letra mata o seu entendimento e só o espírito da letra dará vida à sua compreensão.

Jesus não poderia proibir de reprovar-se o mal, porque Ele mesmo nos deu o exemplo dessa reprovação e a fez em termos enérgicos. Mas Ele quis dizer que a autoridade para censurar o mal está na razão da autoridade moral daquele que faz a censura. Cometer os mesmos erros que se condenam nos outros é perder a autoridade moral para a censura e, mais ainda, é perder o direito de repressão.

A consciência íntima, por outro lado, recusa todo respeito e toda submissão voluntária àquele que, estando investido de um poder qualquer, viola as leis e os princípios que está encarregado de aplicar. A única autoridade legítima, aos olhos de Deus, é aquela que se apoia sobre o exemplo que aquele que censura dá do bem. Esta dedução é a que resulta, igualmente, das palavras de Jesus.

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CAPÍTULO X

Instruções dos EspíritosPERDÃO DAS OFENSAS

14. Quantas vezes perdoarei a meu irmão?Você o perdoará não sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.

Eis aí um dos ensinamentos de Jesus que deve calar muito fundo na sua inteligência e falar mais alto ao seu coração.

Compare essas palavras de misericórdia com a oração tão simples, tão resumida, e ao mesmo tempo, tão grande em suas aspirações que Jesus deu a seus discípulos. Você encontrará nelas as mesmas ideias. Jesus, o justo por excelência, responde a Pedro: “Tu perdoarás sempre e sem limites. Perdoarás cada ofensa tantas vezes quanto ela te seja feita. Tu ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que os tornam invulneráveis às agressões, aos maus atos da vida e às injúrias. Tu serás brando e humilde de coração, sem medir jamais a tua mansuetude. Tu farás para os outros, enfi m, o que desejas que o Pai Celestial faça por ti. Não está o Pai a te perdoar sempre? Teria Ele contado o número de vezes que o seu perdão celestial desce para apagar as tuas faltas?”.

Escutem esta resposta de Jesus e, assim como fez Pedro, apliquem-na a vocês mesmos!

Perdoem, usem a indulgência, sejam caridosos, generosos, pródigos mesmo de seu amor. Deem, porque o Senhor lhes restituirá. Perdoem, porque lhes perdoará. Abaixem-se, porque o Senhor os elevará. Humilhem-se, porque o Senhor os fará sentar-se à sua direita.

Eia, meus bem-amados! Estudem e comentem as palavras que lhes dirijo da parte d’Aquele que, do alto dos esplendores celestiais, tem seus olhos sempre voltados para vocês. Prossigam com amor a tarefa ingrata que Jesus começou há dezoito séculos!

Perdoem aos seus irmãos, assim como vocês precisam que eles perdoem a vocês mesmos. Se os atos deles lhes foram pessoalmente prejudiciais, eis aí um motivo a mais para vocês

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serem indulgentes, porque o mérito do perdão é proporcional à gravidade do mal que lhes atingiu. Nenhum mérito vocês teriam em relevar as ofensas de seus irmãos, se essas ofensas não passassem de arranhões leves.

Espíritas, não esqueçam jamais de que, tanto por palavras como por atos, o perdão das injúrias não é um vão princípio moral. Se vocês se dizem Espíritas, sejam Espíritas. Esqueçam o mal que lhes fi zeram e não pensem outra coisa que não seja: no bem que vocês podem fazer.

Aquele que entrou pela senda do Espiritismo não deve afastar-se dele nem mesmo por pensamento, porque vocês são responsáveis por seus pensamentos, os quais Deus conhece. Façam, pois, que os seus pensamentos sejam despojados de qualquer sentimento de rancor. Deus sabe o que mora no fundo do coração de cada um de seus fi lhos.

Feliz aquele que pode, todas as noites, adormecer dizendo: Eu nada tenho contra o meu próximo (Simeão, Bordéus, 1862).

15. Perdoar aos seus inimigos é pedir perdão para você mesmo. Perdoar aos seus amigos é dar-lhes uma prova de amizade. Perdoar as ofensas é descobrir-se melhor do que você era.

Perdoe sempre, meu amigo, a fi m de que Deus o perdoe. Porque se você for duro de coração, exigente, infl exível; se você usar de rigor, mesmo para uma ligeira ofensa, como você quererá que Deus não esqueça que cada dia você tem grande necessidade de indulgência?

Oh! Infeliz é aquele que diz: “Eu não perdoarei jamais!”, porque nisso ele pronuncia a sua própria sentença.

Quem sabe, aliás, se examinando profundamente a você mesmo, não descobrirá aí o agressor? Quem sabe se, nessa luta que começou por uma bagatela e que termina no rompimento de amizade, não foi você quem deu o primeiro golpe? Talvez por uma simples palavra com tom agressivo que se escapou de seus lábios, tudo começou? Quem sabe se você deixou de usar a moderação necessária?

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CAPÍTULO X

Sem dúvida, o seu adversário andou mal, por se mostrar tão sensível ao quase nada. Mas esta é mais uma razão para você ser indulgente e para não merecer dele reprovação. Admitamos que você foi realmente ofendido em certa ocasião. Quem sabe se você não envenenou as coisas, com suas reações doentias, fazendo degenerar em querela séria aquilo que poderia facilmente cair no esquecimento? Se de você dependia impedir as consequências do pequeno acontecimento, e você não impediu, você é o culpado. Admitamos, enfi m, que você nada tem a reprovar em sua conduta e, então, maior será o seu mérito se você se mostrar clemente.

Mas há duas maneiras bem diferentes de perdoar: há o perdão dos lábios e há o perdão do coração. Muitos dizem a seu adversário: “Eu o perdoo”, enquanto que, interiormente, sentem um secreto prazer pelo mal que acontecer ao faltoso, dizendo-se a si mesmo que esse seu adversário fez por merecer o castigo. Outros dizem: “Eu perdoei”, e acrescentam: “mas não me reconciliarei jamais; não quero vê-lo pelo resto de minha vida”.

É esse o perdão, segundo o Evangelho?Não! O verdadeiro perdão, o perdão cristão, é aquele que

lança um véu sobre o passado. Este é o único que será levado em conta, porque Deus não se contenta com o perdão de mera aparência. O Criador escuta o fundo dos corações e lê os mais secretos pensamentos. A Deus ninguém se impõe por vãs palavras e fi ngimentos.

O esquecimento completo e absoluto das ofensas é próprio das grandes almas. O rancor é sempre um sinal de baixeza e inferioridade moral. Não se esqueça, pois, que o verdadeiro perdão se reconhece muito mais pelos atos do que pelas palavras (Paulo, Apóstolo, Lyon, 1861).

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

A INDULGÊNCIA

16. Espíritas, queremos hoje falar-lhes da indulgência, esse sentimento tão doce, tão fraternal que todo homem deve ter para com os seus irmãos, mas do qual tão poucos fazem uso.

A indulgência não vê os defeitos dos outros. Se os vê, resguarda-se de neles falar, de propalá-los. Ela os oculta, a fi m de que eles não se tornem conhecidos a não ser de si mesma. Se a maledicência os descobre, a indulgência tem sempre pronta uma justifi cativa para eles, mas uma justifi cativa plausível, séria, e não daquelas que, com aparência de atenuar as faltas, mais as fazem transparecer com uma pérfi da astúcia para salientá-las.

A indulgência não se ocupa jamais dos atos maus dos outros, a menos que seja para prestar um serviço. Porém, ainda assim, tem o cuidado de atenuá-los tanto quanto possível. Ela não faz observações chocantes, nem traz censuras em seus lábios, mas somente conselhos quase sempre velados.

Quando você critica um seu irmão, que consequências devem ser tiradas de suas palavras? A de que você, que censura, nunca teria feito o que condena nos outros, a de que você vale mais do que aquele que errou.

Oh! Homens! Quando será que vocês julgarão o seu próprio coração, os seus próprios pensamentos, os seus próprios atos, sem se ocuparem do que fazem os seus irmãos? Quando vocês terão olhos severos somente para vocês mesmos?

Sejam, pois, severos para com vocês e indulgentes para com os outros. Pensem n’Aquele que julga em última instância, que vê os mais secretos pensamentos de cada coração e que, por consequência, desculpa frequentemente as faltas que vocês censuram ou lamenta as que vocês desculpam, porque Ele conhece a intenção de todos os atos. Pensem, vocês que acusam: “Culpado!”, talvez tenham cometido falhas mais graves que essa.

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CAPÍTULO X

Sejam indulgentes, meus amigos, porque a indulgência atrai, acalma, soergue, ao passo que o rigor desencoraja, afasta e irrita (José, Espírito Protetor, Bordéus, 1863).

17. Sejam indulgentes com as faltas dos outros, quaisquer que elas sejam. Não julguem com severidade a não ser as suas próprias ações e o Senhor usará de indulgência para com vocês, como vocês usaram de indulgência para com os outros.

Sustentem os fortes, estimulando-os à perseverança. Fortifi quem os fracos, mostrando-lhes a bondade de Deus, que leva em conta o menor arrependimento. Mostrem a angelitude do arrependimento das próprias culpas, cobrindo as faltas humanas, a fi m de ocultá-las dos olhares daqueles que não podem tolerar o que é impuro.

Compreendam toda a infi nita misericórdia do Pai Celestial e não esqueçam jamais de Lhe dizer por seus pensamentos, mas acima de tudo por suas ações no bem: “Perdoai as nossas ofensas, como perdoamos àqueles que nos têm ofendido”. Compreendam bem o valor dessas sublimes palavras, que não são admiráveis apenas na letra, mas principalmente pelo ensinamento que trazem em si.

Que solicitam vocês ao Senhor, quando Lhe pedem o seu perdão? Será somente o esquecimento de suas ofensas? Esse esquecimento os deixaria no nada, porque se Deus se limitasse a esquecer as faltas que vocês cometem, a Justiça Divina não lhes traria a recompensa pelo bem que vocês fi zessem. A recompensa não pode ser o prêmio do bem que não se fez e, menos ainda, do mal que se haja praticado, mesmo que esse mal fosse esquecido. Pedindo-Lhe perdão pelas suas transgressões da lei do amor, vocês Lhe pedem o favor de suas graças para não caírem novamente; pedem a força necessária para vocês entrarem num novo caminho da vida, caminho de submissão e de amor no qual vocês podem juntar a reparação de suas faltas ao arrependimento de cometê-las.

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

Quando vocês perdoarem a seus irmãos, não se contentem com o estender de um véu de esquecimento sobre os erros deles. Esse véu é por vezes, muito transparente para os olhos de quem perdoa, permitindo-lhe continuar a ver e rever as faltas que perdoou. Perdoem-lhes, levando-lhes ao mesmo tempo o amor. Façam por eles o que vocês pedem que o Pai Celestial faça por vocês.

Substituam a cólera, que enodoa a alma, pelo amor que a purifi ca. Preguem, pelo exemplo, essa caridade ativa, operosa, que não se cansa, que Jesus lhes ensinou. Preguem-na como Jesus mesmo fez, durante todo o tempo que viveu sobre a Terra visível aos olhos do corpo, e como prega ainda sem cessar, depois que se fez visível apenas aos olhos do espírito.

Sigam esse divino modelo: Jesus. Caminhem pelos sinais que deixou em sua passagem. Seguindo as suas pegadas, vocês encontrarão o repouso após a luta. Como Jesus, tomem a sua cruz e subam penosamente, mas corajosamente, o seu calvário: no alto do seu calvário está a glorifi cação (João, bispo de Bordéus, 1862).

18. Queridos amigos, sejam severos com vocês mesmos e indulgentes com as fraquezas dos outros. Esta é, também, uma prática da santa caridade, que bem poucas pessoas cumprem.

Todos vocês têm más tendências a vencer, defeitos a corrigir, hábitos a reformar. Todos vocês têm um fardo mais ou menos pesado para dele se despojar, a fi m de subir ao cume da montanha da evolução. Por que, então, vocês são tão clarividentes quando se trata de ver as faltas do próximo e são tão cegos quando se trata das faltas de vocês mesmos? Quando vocês deixarão de perceber, no olho de seus irmãos, o pequenino cisco que os incomoda, sem prestar atenção na lasca de madeira que está em seus próprios olhos, tirando-lhes a visão de seu verdadeiro caminho e lhes fazendo tropeçar de queda em queda moral?

Creiam nestes seus irmãos, os Espíritos!Todo homem bastante orgulhoso para crer-se superior,

em virtudes e méritos, aos seus irmãos encarnados, é insensato

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CAPÍTULO X

e culpado. Deus o visitará no dia de sua Justiça. A verdadeira característica da caridade é a modéstia e a humildade que consistem em não ver, senão superfi cialmente, os defeitos dos outros e, ao mesmo tempo, valorizar o que há de bom e virtuoso no seu próximo. Se o coração humano é um abismo de devassidão, nele existe sempre, na sua mais oculta intimidade, o germe dos bons sentimentos, centelhas vívidas da essência espiritual.

Espiritismo, doutrina consoladora e abençoada! Felizes daqueles que te conhecem e que de ti extraem os salutares ensinamentos dos Espíritos do Senhor! Para esses, o caminho está iluminado e, ao longo de sua jornada espiritual, eles podem ler estas palavras que lhes desvendam o meio de chegarem ao seu destino: caridade vivida, caridade do coração, caridade para com o próximo como para si mesmo. Em uma só palavra, caridade para com todos e amor a Deus acima de todas as coisas, porque o amor a Deus resume todos os deveres e porque é impossível amar a Deus sem praticar a caridade, da qual Ele fez uma lei para todas as suas criaturas (Dufêtre, Bispo de Nevers, Bordéus).

REPREENDER E DIVULGAR O MAL

19. Ninguém sendo perfeito seguir-se-á que ninguém tem o direito de repreender aquele que está mais próximo de si?

Certamente que não, porque cada um de vocês deve trabalhar pela evolução de todos e, sobretudo, pelo progresso daqueles cuja tutela lhes foi confi ada. Mas esta tutela já é uma razão para vocês agirem com moderação, com um propósito útil e não, como geralmente se faz, repreender os mais próximos pelo prazer de desacreditá-los.

Neste último caso, a censura é uma maldade e, no primeiro caso, é um dever que a caridade manda cumprir com todos os cuidados possíveis.

Vocês devem, por outro lado, utilizar todas as censuras que façam aos outros, para dirigi-las, ao mesmo tempo, para vocês

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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS

mesmos e observarem se não as merecem também (Luís, Paris, 1860).

20. Será repreensível notarem-se as imperfeições dos outros, quando isso nenhum proveito possa resultar para eles, mesmo que não venhamos a divulgá-las?

Tudo depende da intenção.Certamente que não é proibido ver o mal, quando o mal

existe. Seria mesmo inconveniente ver por toda a parte somente o bem. Essa ilusão prejudicaria o progresso. O erro está em fazer-se esta observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o, sem necessidade, junto da opinião de muitas pessoas. Seria igualmente repreensível fazer a observação das imperfeições com um sentimento de malevolência e de satisfação por encontrar os outros em faltas. Ocorre, porém, exatamente o oposto, quando, lançando um véu sobre o mal para ocultá-lo dos olhos de outros, vocês anotem os defeitos alheios para deles fazer um uso pessoal, ou seja, para estudá-los e para evitar de fazer aquilo que vocês acham condenável nos outros. Essa observação, aliás, não é útil ao moralista? Como poderia o moralista descrever os defeitos humanos, se não estudasse os seus modelos? (Luís, Paris, 1860).

21. Há casos em que seja útil revelar o mal de outrem?Esta questão é muito delicada.Para resolvê-la, devemos apelar para a caridade bem

compreendida.Se as imperfeições de uma pessoa só prejudicam a ela

mesma, não há jamais utilidade em torná-las conhecidas de todos. Mas se essas imperfeições puderem acarretar prejuízos a outras pessoas, deve-se atender, de preferência, ao interesse do maior número do que ao interesse de uma pessoa apenas.

De acordo com as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode ser um dever. Mais vale que um homem caia, do que muitos virem a ser enganados e se tornarem suas vítimas. Em semelhante situação, é necessário pesar a soma de vantagens e a de inconvenientes (Luís, Paris, 1860).

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CAPÍTULO XI

XI

AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

O GRANDE MANDAMENTO

1. E os fariseus, ouvindo que ele fi zera calar os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento da lei? — E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos contêm toda a lei e os profetas (Mateus, capítulo XXII, versículos 34 a 40).

2. E como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós também (Lucas, capítulo VI, versículo 31).

3. Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos. E começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos. E, não tendo com que pagar, o seu senhor mandou que ele e a sua mulher e seus fi lhos fossem vendidos, com o quanto tinha, para que a dívida fosse paga. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: “Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Então o Senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.

Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: “Paga-me o que me deves”. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: “Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”. Ele, porém, não quis e, antes, preferiu encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.

Vendo, pois, os seus outros companheiros o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe:

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão de teu companheiro, como eu também de ti tive misericórdia? E, indignado, o seu senhor o entregou aos capatazes, até que pagasse tudo o que devia. Assim vos fará, também, meu Pai Celestial, se de coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas (Mateus, capítulo XVIII, versículos 23 a 35).

4. “Amar o próximo como a si mesmo; fazer para os outros o que queremos que os outros façam por nós”, esta é a expressão da mais completa caridade. Ela resume todos os deveres para com o próximo. Não se pode ter um orientador mais seguro, do que tomar por medida do que se deve fazer aos outros, o que se deseja para si mesmo.

Com que direito exigiríamos de nossos semelhantes melhor conduta, mais indulgência, mais benevolência e mais perseverança do que nós mesmos damos para eles?

A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando os homens as tomarem por regra de conduta e por base de suas instituições, eles compreenderão a verdadeira fraternidade. Farão, então, reinar entre si a paz e a justiça. Não mais haverá ódios, nem desentendimentos, mas união, concórdia e benevolência entre os homens.

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

5. Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como os surpreenderiam n’alguma palavra. E enviaram-lhe os seus discípulos, com os herodianos, dizendo: Mestre, bem sabemos que és verdadeiro, e ensinas o caminho de Deus segundo a verdade, e de ninguém se te dá, porque não olhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não?

Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. — E eles lhe apresentaram um dinheiro. E Jesus lhes diz: De quem é esta efígie

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CAPÍTULO XI

e esta inscrição? — Disseram-lhe eles: De César. — Então Jesus lhes disse: Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus. — E eles, ouvindo isto, maravilharam-se, e, deixando-o, se retiraram (Mateus, capítulo XXII, versículos 15 a 22; Marcos, capítulo XII, versículos 13 a 17).

6. A questão proposta a Jesus era motivada pela circunstância de que os judeus tinham horror ao tributo que lhes era exigido pelos romanos.

Os judeus fi zeram do imposto uma questão religiosa. Um numeroso partido se havia formado para rejeitar o pagamento de impostos. Esse pagamento, por isso, era uma questão que originava muita irritação entre eles, sem o que, a pergunta feita a Jesus: “É-nos lícito pagar ou deixar de pagar impostos a César?”, não teria razão de ser.

Essa questão, portanto, era uma armadilha para pegar Jesus, porque, conforme Ele respondesse aqueles judeus atirariam contra Jesus as autoridades romanas ou os judeus que eram contrários ao pagamento de tributos. Mas “Jesus, conhecendo a sua malícia”, vence essa difi culdade dando-lhes uma lição de justiça, dizendo-lhes que dessem a cada um o que lhe era devido (Ver na Introdução desta obra, a palavra Publicanos).

7. Esta máxima: “Dai a César o que é de César”, não deve ser entendida apenas no que se refere a pagamento de impostos. Como todos os ensinamentos de Jesus, este é um princípio geral, resumido sob uma forma prática e usual e extraída da questão proposta pelos judeus.

Este princípio é uma decorrência daquele que diz que devemos agir com os outros como quereríamos que os outros agissem conosco. Por ele, Jesus condena todo prejuízo material e moral causado ao próximo, toda violação dos interesses dos outros. Jesus ensina o respeito ao direito de cada um, como cada um deseja que se respeitem os seus. Esse princípio de respeito se estende aos compromissos familiares, à sociedade, às autoridades, bem como aos indivíduos em geral.

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

Instruções dos EspíritosA LEI DO AMOR

8. O amor resume a doutrina de Jesus por inteiro, uma vez que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura da evolução já realizada. Em seu princípio, a criatura humana só tem instintos; quando faz algum progresso, mas adquire vícios e alimenta paixões, só tem sensações; quando alcança conhecimentos morais e vivencia o bem, purifi cando-se, tem sentimentos.

O máximo dos sentimentos é o amor! Não falamos do amor no sentido comum e popular dessa

palavra. Referimo-nos a esse verdadeiro Sol interior que condensa e reúne em seu foco ardente todas as aspirações de evolução do homem e todas as revelações vindas do Mais-Alto. A lei do amor substitui a personalidade pela fusão de todos os seres e termina com as misérias sociais.

Feliz daquele que, vencendo a sua etapa de egoísmo e orgulho, ama com imenso amor seus irmãos que estejam em sofrimentos! Feliz aquele que ama, porque não mais conviverá com as angústias de sua alma nem com as de seu corpo. Seus pés são leves e ele vive como que transportado para fora de si mesmo.

Quando Jesus pronunciou essa divina palavra: amor, essa palavra fez os povos estremecerem, e os mártires, inebriados de esperanças, submeteram-se aos sacrifícios para testemunharem a Palavra da Esperança.

O Espiritismo, por sua vez, vem pronunciar uma segunda palavra do dicionário divino. Estejam, pois, atentos, porque essa palavra soergue a cobertura dos túmulos vazios, e a reencarnação, abatendo a morte, revela ao homem deslumbrado toda a sua riqueza moral e de inteligência. Já não é mais ao sacrifício que ela conduz o homem. Ela leva o homem à conquista de seu ser, elevado e transfi gurado espiritualmente. O sangue dos sacrifícios

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CAPÍTULO XI

livrou o espírito do cativeiro e, agora, o espírito alforriado deve libertar o homem da prisão da matéria.

Eu já disse que o homem, no seu princípio, não possuía mais que instintos. Aquele, pois, que é dominado pelos instintos, está mais próximo de seu ponto de partida do que do seu ponto de chegada. Para avançar ao encontro de sua meta espiritual, é necessário vencer os instintos, transformando-os em sentimentos, ou seja, deve o homem aperfeiçoar os seus instintos, sufocando o domínio da matéria sobre si mesmo.

Os instintos, no mecanismo divino, são as sementes de onde nascem os sentimentos. Os instintos trazem consigo o progresso, assim como a semente de uma laranja traz em si a laranjeira. Os seres menos evoluídos são os que, libertando-se, pouco a pouco, do seu estado latente, permanecem a serviço de seus instintos.

O Espírito, por isso, deve ser cultivado como um terreno de agricultura. Toda a colheita futura depende do trabalho de hoje. E mais que os bens terrenos, o seu trabalho no campo moral de sua alma o levará à gloriosa evolução. Será então que, compreendendo a lei do amor, que une todos os seres, nela você buscará os suaves prazeres da alma, que são os primeiros passos das alegrias celestiais (Lázaro, Paris, 1862).

9. O amor é de essência divina. Desde o mais elevado ao mais primário, todos vocês têm, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado. Esse é um fato que vocês têm podido constatar muitas vezes; o homem mais desprezível, o mais vil, o mais criminoso, dedica por um ser ou por uma coisa qualquer, uma afeição viva e calorosa, à prova de tudo quanto pudesse diminuí-la, atingindo esse afeto, por vezes, tamanho sublime.

Eu disse por um ser ou uma coisa qualquer, porque existem, entre vocês, pessoas que empregam os tesouros do amor, que se derramam de seus corações, em animais, em plantas, e mesmo em objetos materiais. Estas são criaturas que, preferindo a solidão e o isolamento de outras pessoas, queixando-se da humanidade em geral, oferecem resistência ao impulso natural de sua alma

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

que busca, em torno de si mesma, a afeição e a simpatia de seus semelhantes. Estas, portanto, rebaixam a lei de amor à condição do instinto.

Mas, por mais se queixem e se isolem no cultivo de suas preferências, elas não conseguirão sufocar a semente viva que Deus depositou no seu coração, no momento de sua criação. Essa semente germinará um dia e se desenvolverá, crescendo com a moralidade e a inteligência. Embora sufocada pelo egoísmo, essa semente é a origem das santas e doces virtudes que fazem nascer as afeições sinceras e duráveis e ajudam as criaturas a transpor o caminho íngreme e árido da existência humana.

Há pessoas que sentem repugnância pela prova da reencarnação, pelo temor que outros venham participar das simpatias daqueles a quem dedicam o seu afeto. Pobres irmãos! O afeto de vocês os torna egoístas. O amor que vocês cultivam está voltado apenas ao círculo estreito de parentes ou de amigos e todas as demais pessoas lhes são indiferentes. Pois bem! Para viver a lei de amor, como Deus a quer, é necessário que vocês cheguem, passo a passo, a amar todos os seus irmãos indistintamente.

Esse exercício de amor poderá ser longo e difícil, mas ele se realizará. Deus quer que seja assim. E a lei do amor é a primeira e mais importante regra desta nova doutrina. Essa regra é que, um dia, extinguirá o egoísmo, sob qualquer forma que se apresente, uma vez que, se existe o egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade.

Jesus disse: “Amai o vosso próximo como a vós mesmos”. Ora, qual é o limite do próximo? Será a família, a seita religiosa, a nação? Não! O próximo é toda a Humanidade, são todos os homens. Nos mundos superiores, é o amor recíproco que harmoniza e orienta os Espíritos Elevados que os habitam. A Terra, destinada à evolução que se aproxima, pela transformação dos homens e da sociedade, verá os seus habitantes praticarem esta sublime lei de amor, refl exo da própria Divindade.

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CAPÍTULO XI

Os efeitos da lei de amor são o crescimento moral da raça humana e a felicidade no curso da vida terrena. Os mais rebeldes e os mais viciosos deverão se reformar, quando eles virem os benefícios produzidos pela prática do princípio: “Não façais aos outros o que não quereis que os outros vos façam, mas fazei, ao contrário, todo o bem que esteja ao vosso alcance fazer”.

Caros e amados irmãos, utilizem com proveito essas lições. Colocá-las em prática é difícil, porém a alma retira delas um bem imenso. Creiam-me e façam o sublime esforço que eu lhes peço: “Amem-se”, e vocês verão logo a Terra transformada em um paraíso, onde as almas dos justos virão gozar o repouso (Fénelon, Bordéus, 1861).

10. Meus caros condiscípulos, os Espíritos aqui presentes lhes dizem numa só voz: “Amem muito, a fi m de vocês serem amados”. Este pensamento é tão justo, que vocês nele encontrarão todo o consolo e a calma para as dores de cada dia. Melhor ainda será pôr em prática este sábio conselho, porque vocês se elevarão tanto acima das coisas materiais, que se espiritualizarão antes mesmo de deixarem o corpo terreno.

Os conhecimentos Espíritas ampliam em vocês a compreensão do futuro, dando-lhes uma certeza: vocês evoluirão para Deus, com todas as promessas que respondem às aspirações de sua alma. Por isso, vocês devem elevar-se bem alto para julgarem sem as restrições criadas pelas coisas materiais e não mais condenarem seu próximo antes de dirigirem os seus pensamentos a Deus.

Amar, no sentido profundo da palavra, é vocês serem leais, corretos, conscienciosos, a fi m de fazer aos outros o que queiram que os outros façam por vocês mesmos. É procurar em torno de vocês o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las. É considerar a grande família humana como a sua própria, porque essa grande família vocês encontrarão muito breve em mundos mais evoluídos. Afi nal, os espíritos que constituem essa grande família, assim como vocês, são fi lhos de Deus, destinados para se elevarem ao Infi nito.

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

Vocês não podem recusar a esses seus irmãos aquilo que Deus lhes deu liberalmente, porque, de sua parte, vocês seriam bem felizes se os seus irmãos lhes dessem aquilo de que vocês têm necessidade. Para todos os sofredores deem uma palavra de esperança e de apoio, a fi m de que vocês sejam todo amor e todo justiça.

Creiam que este sábio princípio: “Amem bastante para serem amados”, abrirá um novo caminho nas suas vidas. Esse princípio é revolucionário e segue a rota que é determinada, invariável.

Mas vocês, com esse conhecimento, já evoluíram, vocês que me escutaram. Vocês estão infi nitamente melhores do que eram há cem anos. Vocês de tal maneira mudaram para melhor, que acei tam, sem repelir, uma imensidade de ideias novas sobre a liberdade e a fraternidade, que vocês rejeitariam no passado. Por isso é que, daqui a cem anos, vocês aceitarão com a mesma facilidade aquelas ideias que ainda não puderam entrar na sua mente.

Hoje, quando o movimento Espírita já deu um grande avanço, vejam com que rapidez as ideias de justiça e de renovação moral, contidas nas mensagens dos Espíritos, são aceitas pela maior parte das pessoas inteligentes. É que essas ideias são uma resposta a tudo o que há de divino em vocês. É que o campo de suas almas está preparado por uma sementeira fecundada, que começou no século passado, implantando na sociedade as grandes ideias da evolução.

Como tudo segue uma ordenação do Altíssimo, todos os ensinamentos que vocês acolheram e aceitaram, realizarão a mudança universal do amor ao próximo. Pela lei do amor, os espíritos encarnados, julgando melhor e sentindo melhor, dar-se-ão as mãos em todas as partes da Terra. Todos se reunirão, por se entenderem e se amarem, para extinguir todas as injustiças, todas as causas de desentendimentos entre os povos.

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CAPÍTULO XI

Grande pensamento de renovação pelo Espiritismo, tão bem exposto em O Livro dos Espíritos, vós produzireis o grande milagre do século futuro, que é a reunião de todos os interesses materiais e espirituais dos homens, pela aplicação deste ensinamento bem compreendido: “Amai bastante, para serdes amados” (Sanson, antigo membro da Sociedade Espírita de Paris, 1863).

O EGOÍSMO

11. O egoísmo, esta chaga da Humanidade, precisa desaparecer da Terra, porque impede a sua evolução moral. É ao Espiritismo que está reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos mundos.

O egoísmo é, portanto, a enfermidade contra a qual todos devem aplicar os medicamentos necessários, com toda a sua fé e toda a sua perseverança, porque esta é a qualidade que vocês mais necessitam para vencer a si mesmos, sem se ocupar de querer vencer o seu próximo. Que cada um, por conseguinte, empenhe todos os seus esforços para curar a ferida do egoísmo em si próprio, porque esse monstro devorador de todas as inteligências é fi lho do orgulho e é a origem de todas as misérias terrenas.

O egoísmo é a negação da caridade e, consequentemente, o grande obstáculo para a felicidade dos homens.

Jesus lhes deu o exemplo da caridade e Pôncio Pilatos o exemplo do egoísmo, porque, enquanto o Justo vai percorrer as santas estações de seu martírio, Pilatos lava as mãos dizendo: “Que me importa!”. E animou-se ainda a dizer aos judeus: “Este homem é justo, por que o quereis crucifi car?” E, no entanto, ele deixa que conduzam Jesus ao suplício.

É por esse antagonismo entre a caridade e o egoísmo, esta lepra que invadiu o coração do homem, que o cristianismo ainda não cumpriu toda a sua missão. É a vocês, novos apóstolos da fé, que os Espíritos Superiores esclarecem, que cabe a tarefa e o dever de extirpar esse mal. Só assim o cristianismo disporá de toda a sua

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

força para limpar o caminho que conduz à espiritualização. Só assim serão afastadas as pedras que entravam o desenvolvimento da doutrina do Cristo.

Expulsem o egoísmo da Terra e ela subirá na escala dos mundos, pois já é tempo de a Humanidade vestir a sua verdadeira roupagem espiritual, mas para isso é necessário que primeiro vocês expulsem o egoísmo de seus corações (Emmanuel, Paris, 1861).

12. Se os homens se amassem uns aos outros com o mesmo amor, a caridade seria mais bem praticada. Mas, para isso, seria necessário que vocês se empenhassem em desembaraçar-se da couraça do egoísmo que recobre os seus corações, a fi m de eles se tornarem mais sensíveis aos sofrimentos de seu próximo. A dureza do coração mata os bons sentimentos.

O Cristo nunca se esquivava daquele que o buscava, fosse quem fosse, e não repelia a ninguém. A mulher adúltera, o criminoso, todos eram amparados por Ele. Jesus, inclusive, não temeu jamais que a sua reputação sofresse por isso.

Quando vocês o tomarão por modelo de suas ações? Se a caridade reinasse sobre a Terra, o mal não imperaria nela.

O mal fugiria envergonhado, ocultando-se, porque em toda a parte se sentiria deslocado. O mal, então, desapareceria, fi quem bem compenetrados disso.

Comecem por dar o exemplo da caridade vocês mesmos. Sejam caridosos com todos, sem escolher pessoas. Esforcem-se para não fi car notando aqueles que lhes olham com desdém. Deixem a Deus o cuidado de toda a Justiça, pois todos os dias, no seu reino, Ele separa o joio do trigo, separa o bom do mau.

O egoísmo é a negação da caridade. Sem caridade, porém, não haverá tranquilidade na vida entre os homens e, digo mais, não haverá segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que andam sempre juntos, a vida será sempre uma correria em que vence o espertalhão, uma luta de interesses pessoais em que se calcarão aos pés as mais santas afeições, em que nem os sagrados laços de família serão ao menos respeitados (Pascal, Sens, 1862).

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CAPÍTULO XI

A FÉ E A CARIDADE

13. Há pouco, eu lhes disse, meus queridos fi lhos, que a caridade sem a fé não será sufi ciente para manter entre os homens uma ordem social capaz de torná-los felizes. Eu deveria ter dito que a caridade é impossível sem a fé. Vocês poderão encontrar, é verdade, impulsos generosos, mesmo entre pessoas que não tenham religião defi nida. Mas essa caridade séria, que só pode ser exercida com abnegação, com sacrifício diário de todo e qualquer interesse egoístico, essa somente a fé pode inspirá-la. Nada, além da fé, nos fará carregar com coragem e perseverança a cruz desta vida.

Sim, meus fi lhos, é em vão que o homem, desejoso de prazeres fáceis, se iluda sobre o seu destino nesse mundo, pretendendo que lhe seja permitido ocupar-se apenas de sua própria felicidade. É certo que Deus nos criou para sermos felizes na eternidade. A vida terrena, porém, deve unicamente servir para o nosso aperfeiçoamento moral, que se alcança mais facilmente com o auxílio do corpo físico e das coisas materiais. Por isso as difi culdades da vida, a diversidade de gostos, de pendores, de necessidade, são meios utilizados para que vocês evoluam moralmente, exercitando-se na caridade. O motivo é que somente à custa de concessões e sacrifícios mútuos é que vocês podem manter a harmonia entre tendências tão diversas que vocês têm.

Vocês têm, contudo, razão em afi rmar que a felicidade está destinada ao homem nesse mundo, se ele a procurar, não nos prazeres materiais, mas na prática do bem. A história do cristianismo fala de mártires que caminhavam ao suplício com alegria. Hoje, porém, na sua sociedade, para vocês serem cristãos, não se faz necessário nem o sacrifício da fogueira, nem o sacrifício da vida, mas única e simplesmente o sacrifício de seu egoísmo, de seu orgulho e de sua vaidade pessoal.

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

Vocês triunfarão, se a caridade os inspirar e se a fé os sustentar (Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861).

CARIDADE COM OS CRIMINOSOS

14. A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinamentos que Deus deu ao mundo. A caridade deve existir entre os verdadeiros discípulos da sua Doutrina na forma de uma completa fraternidade.

Vocês devem amar, também, os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, para os quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se eles se arrependerem, como para vocês mesmos foram concedidos para as faltas que vocês cometeram contra a Lei Divina. Pensem bem que vocês são mais sujeitos à repressão, mais culpados do que aqueles aos quais vocês recusam o perdão e a comiseração. Quase sempre eles não conhecem a Deus como vocês conhecem e, por isso, para eles será menos pedido a fi delidade à Lei Divina, do que a vocês que conhecem essa Lei.

Não julguem, oh! Não julguem, meus queridos amigos, porque o julgamento que vocês fi zerem, lhes será aplicado ainda mais severamente. Vocês têm necessidade de indulgência para as faltas que vocês cometem todos os dias. Vocês não sabem que há muitas ações que são crimes aos olhos do Deus de pureza, mas que o mundo as considera como se fossem erros leves?

A verdadeira caridade não consiste tão somente na esmola que vocês dão, nem mesmo tão só de palavras de consolação que vocês fazem acompanhar a esmola dada. Não! Não é apenas isso o que Deus exige de vocês! A caridade sublime, ensinada por Jesus, consiste também na benevolência constante e em todas as coisas que vocês deem ao seu próximo.

Vocês podem, ainda, praticar essa sublime virtude da caridade com muitas criaturas que não necessitam de esmolas, mas são carentes de palavras de amor, de consolação, de encorajamento, para serem conduzidas ao Senhor.

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CAPÍTULO XI

Os tempos se aproximam, eu lhes repito, em que a grande fraternidade reinará sobre a Terra. A lei do Cristo será a que regerá a conduta entre os homens. Somente essa lei será o que conterá os desvarios e fará nascer a esperança, e conduzirá as almas às moradas da bem-aventurança.

Amem-se, como fi lhos do mesmo Pai! Não façam diferenças entre vocês e os infelizes, porque

Deus quer que todos sejam iguais. Não menosprezem nenhuma pessoa. Deus quer que os grandes criminosos estejam entre vocês, a fi m de que eles lhes sirvam de aprendizagem. Dentro de pouco tempo, quando os homens forem levados às verdadeiras leis de Deus, já não haverá necessidade dessas chocantes lições do mal e, então, todos os Espíritos impuros e revoltados serão exilados para mundos inferiores que ainda se afi nizam com essas inclinações infelizes.

Vocês devem, para esses que lhes falo, o amparo de suas orações. Essa é a verdadeira caridade. Vocês não devem dizer de um criminoso: “Este é um miserável; deve ser extirpado da Terra; a morte que lhe apliquem é muito branda para uma pessoa dessa espécie”.

Não! Não é assim que vocês devem falar. Recordem do seu modelo, Jesus. Que diria Jesus se visse um infeliz desses ao seu lado? Ele o lamentaria e o consideraria como um doente bem infeliz. Jesus lhe estenderia a mão.

Vocês não podem, na realidade, fazer o mesmo. Mas, pelo menos, vocês podem orar por esse infeliz. Podem prestar-lhe assistência espiritual, durante o tempo em que ele haja de passar sobre a Terra. O arrependimento pode tocar o coração desse infeliz, se vocês orarem com fé. Esse infeliz é tanto o seu próximo como o é o melhor dentre os homens. A alma desse infeliz transviado e revoltado foi criada como a de vocês mesmos, destinada à perfeição. Ajudem- no, portanto, a sair do lodo e orem por ele (Izabel de França, Havre, 1862).

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AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

EXPOR A VIDA POR UM CRIMINOSO

15. Um homem está em perigo de morte. Para salvá-lo, é necessário expor a própria vida. Mas, sabe-se que esse homem é um malfeitor e que, se ele se salvar, poderá cometer outros crimes. Deve-se, apesar disso, arriscar a própria vida para salvá-lo?

Esta é uma questão grave. Ela pode apresentar-se a você! Eu a responderei, segundo a minha evolução moral, pois

o que se trata é de saber se convém expor a sua vida, mesmo por um malfeitor.

O devotamento é cego: socorre-se um inimigo e, deve-se, portanto, socorrer a um inimigo da sociedade, ou seja, um malfeitor.

Creem vocês que é somente da morte que se vai salvar esse infeliz? Talvez seja ele salvo de toda a sua vida passada. Porque, pensem nisso, nos rápidos instantes que ocorrem os derradeiros minutos de vida, o homem revê toda a sua existência passada, ou seja, toda a sua última existência se levanta diante dos seus olhos. A morte, talvez, lhe chegue muito cedo. A reencarnação, por isso, pode ser-lhe dolorosa.

Atirem-se, pois, ó homens! Atirem-se todos vocês que a ciência Espírita esclareceu! Atirem-se e o arrebatem de sua condenação e, talvez, esse homem que teria morrido a maldizer-lhes, atire-se a seus braços.

Vocês, todavia, não devem perguntar se ele se atirará ou não aos seus braços, mas devem correr ao seu socorro para, em o salvando, obedecerem a essa voz do coração que lhes diz: “Tu podes salvá-lo, salve-o!” (Lamennais, Paris, 1862).

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CAPÍTULO XII

XII

AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

DEVOLVER O MAL COM O BEM

1. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. — Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que sejais fi lhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Porque se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem o mesmo os publicanos? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? (Mateus, capítulo V, versículos 20 e 43 a 47).

2. E se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis?Também os pecadores amam aos que os amam. E se fi zerdes bem aos que vos fazem o bem, que recompensas tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. E se emprestardes àqueles de quem esperais tornar a receber, que recompensa tereis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para tornarem a receber outro tanto. Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei o bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis fi lhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso (Lucas, capítulo VI, versículos 32 a 36).

3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade amar a seus inimigos é a sua aplicação sublime, porque esta virtude é uma das grandes vitórias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.

No entanto, geralmente nos confundimos sobre o sentido da palavra amor, quando aplicada ao amor aos inimigos. Jesus

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AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

não pretendeu, na sua aplicação, que tivéssemos pelo inimigo a mesma ternura que temos por um irmão ou por um amigo. A ternura está fundamentada na confi ança. Mas ninguém pode depositar confi ança naquele que nos quer mal. Ninguém pode ter com o inimigo as demonstrações de amizade, desde que se saiba que ele é capaz de abusar dessa amizade. Entre pessoas que desconfi am umas das outras, não poderão existir esses laços de simpatia que existem entre aqueles que partilham das mesmas ideias. Não se pode, enfi m, sentir-se o mesmo prazer ao encontrar com um inimigo, que aquele que se sente ao encontrar com um amigo.

Esse sentimento de desconforto, ao encontrar-se com um inimigo, resulta mesmo de uma lei física: a de assimilação e de repulsão de fl uidos. O mau pensamento irradia uma corrente fl uídica que envolve a outra criatura numa sensação penosa. O pensamento benevolente envolve os demais numa sensação descontraída e agradável. Daí a diferença de sensações que se experimenta com a aproximação de um amigo ou de um inimigo.

Amar seus inimigos não pode, pois, signifi car que nenhuma diferença você fará entre eles e os seus amigos. Se esse princípio de amor parece difícil, até mesmo impossível de pôr em prática, é apenas por entender-se, falsamente, que se mandou dar aos amigos e inimigos o mesmo lugar no coração.

A pobreza da linguagem humana obriga a que se sirva da mesma palavra para exprimir diversas formas de sentimentos. Caberá, então, à razão estabelecer as diferenças necessárias dos sentimentos, para uma mesma palavra, segundo o emprego que se lhe dê.

Amar seus inimigos não é, portanto, ter para com eles uma afeição que não é natural, porque a presença de um inimigo faz o coração palpitar de uma outra maneira do que quando bate se você se encontra com um amigo. Amar os inimigos é não ter contra eles nem ódio, nem rancor e nem desejo de vingança. É perdoá-los sem uma segunda intenção e sem nenhuma condição, pelo mal que nos fi zeram. É não criar obstáculos para a reconciliação.

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CAPÍTULO XII

É desejar-lhes o bem e não o mal. É sentir alegria, e não afl ição, com o bem que eles alcancem. É estender-lhes a mão amiga em caso de eles terem necessidades. É abster-se, por palavras e por atos, de tudo que os possa prejudicar. É, enfi m, dar-lhes em tudo o mal com o bem, sem intenção de humilhá-los.

Aquele que assim faz, cumpre as condições do mandamento: “Amai os vossos inimigos”.

4. Amar seus inimigos é uma falta de senso para o incrédulo. Aquele para quem a vida presente é tudo, não vê no seu inimigo mais do que uma criatura nociva que lhe perturba o repouso e da qual somente a morte, pensa o incrédulo, irá libertá-lo. Daí o desejo de vingança.

O incrédulo não tem nenhum interesse em perdoá-lo, a menos que seja para satisfazer o seu orgulho aos olhos de outras pessoas. Perdoar mesmo, em certos casos, vai parecer-lhe uma fraqueza indigna de sua personalidade. Se não se vinga, nem por isso deixa de guardar rancor e ter um secreto desejo de fazer o mal a seu inimigo.

Para o crente, e ainda mais para o Espírita, a maneira de ver é toda outra, porque o Espírita dirige o seu olhar sobre o passado e sobre o futuro, sabendo que entre o passado e o futuro está a vida presente como um estágio de aprendizagem. O Espírita sabe que, pela própria destinação da Terra como mundo de provas e expiações, ele deve esperar encontrar-se com homens maus e perversos. Sabe que maldades, com que se depara, fazem parte das provações que lhe cabe suportar. Examinando a maldade por esse ângulo, as contrariedades se tornam menos amargas, quer venham dos homens, quer das coisas. Se ele não se queixa contra as provações, ele não deve queixar-se contra aqueles que são os instrumentos de suas provas. Se, em lugar de lamentar, agradecer a Deus pelas provações, ele deve, também, agradecer a mão que lhe abre a oportunidade de revelar a sua paciência e a sua resignação.

Esse pensamento o disporá, naturalmente, ao exercício do perdão. O Espírita sente, então, que se tornou mais generoso e

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AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

cresceu espiritualmente a seus próprios olhos e mais longe se põe do alcance dos dardos de seu inimigo.

O homem que ocupa uma posição elevada no mundo não se julga ofendido pelos insultos daquele a quem considera como seu inferior. Assim também se dá com aquele que se eleva no mundo moral, colocando-se acima das pessoas que estão presas às coisas materiais. Ele compreende, por isso, que o ódio e o rancor o aviltariam e o rebaixariam. Para ser, portanto, superior moralmente a seu adversário, faz-se necessário que ele tenha uma alma maior, mais nobre e mais generosa do que a de seu inimigo.

INIMIGOS DESENCARNADOS

5. O Espírita tem ainda outros motivos de indulgência para com seus inimigos. Ele sabe, mais que os outros, que a maldade não é um estado permanente dos homens. Ele sabe que a maldade é uma imperfeição temporária e que, do mesmo modo que a criança se corrige de suas faltas, o homem desequilibrado espiritualmente reconhecerá um dia os seus erros e se tornará bom.

O Espírita sabe, também, que a morte somente o livrará da presença física de seu inimigo. E sabe, igualmente, que morto, o seu inimigo poderá persegui-lo com o seu ódio, mesmo depois de haver deixado a Terra. Sabe, assim, que a vingança tomada, falha ao seu objetivo. Que, ao contrário de distanciá-lo de seu inimigo, a vingança gera uma irritação enorme que pode prosseguir de uma existência para outra.

Caberia ao Espiritismo provar, pela experiência e pela lei que rege as relações do mundo visível com o mundo invisível, que a expressão: “Extinguir o ódio com o sangue”, é inteiramente falsa. A verdade é que o sangue alimenta o ódio, mesmo na vida espiritual inferior. O Espiritismo nos dá, por consequência, uma outra razão efetiva e uma outra utilidade prática ao perdão e à sublime máxima do Cristo: “Amai os vossos inimigos”.

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CAPÍTULO XII

Não há coração tão perverso que não se deixe tocar pelas boas ações, mesmo que seja a contragosto. Pelas boas ações, tira-se do inimigo toda desculpa para as represálias. De um inimigo, então, se pode fazer um amigo, antes e depois da morte.

Com as más ações o inimigo se irrita e é, então, que ele se torna o instrumento da Justiça Divina, para cobrar o amor não vivido daquele que não perdoou.

6. Pode-se, pois, ter inimigos entre os encarnados e entre os desencarnados.

Os inimigos do mundo espiritual manifestam maldades pelas obsessões e pelas subjugações a que tantas pessoas estão expostas. Tais desajustes são uma variedade das provações da vida. Estas provações, como as outras, contribuem para a evolução moral e devem, por isso, ser aceitas com resignação e como consequência da natureza inferior da Terra.

Se não existissem homens de caráter infeliz sobre a Terra, não haveria Espíritos infelizes nas regiões em torno da Terra. Se devemos ser indulgentes e benévolos para com os inimigos encarnados, por consequência devemos ser igualmente indulgentes e benevolentes para com os inimigos desencarnados.

No passado, eram sacrifi cadas vítimas num banho de sangue para aplacar os gênios infernais, que não eram outros a não serem esses mesmos Espíritos infelizes a que nos referimos. A esses deuses infernais sucederam os demônios, que são a mesma coisa.

O Espiritismo vem provar que esses antigos demônios não são mais que as almas dos homens perversos, que ainda não se despojaram dos instintos materiais. Prova, também, que ninguém consegue tranquilizá-los a não ser pelo sacrifício do ódio existente, ou seja, pela caridade praticada.

A caridade não tem apenas o efeito de impedi-los de fazer o mal, mas também o efeito de induzi-los ao caminho do bem e de contribuir para a evolução deles. É assim que a máxima: “Amai os vossos inimigos” não fi ca limitada ao meio estreito da Terra e da

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AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

vida atual, porém faz parte da grande lei de solidariedade e da fraternidade universais.

FERIR NA FACE DIREITA

7. Ouvistes o que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal, mas, se qualquer vos bater na face direita, oferecei também a outra; e ao que quiser pleitear convosco, e tirar-vos o vestido, largai-lhe também a capa. E, se qualquer vos obrigar a caminhar uma milha, ide com ele duas. Dai a quem vos pedir, e não vos desvieis daquele que quiser que lhe empresteis (Mateus, capítulo V, versículos 38 a 42).

8. A intolerância dos homens, sobre o que se chama de honra pessoal, criou uma sensibilidade doentia, nascida do orgulho e da exagerada importância que cada um dá a si mesmo. Isso leva o homem a responder uma ofensa com outra ofensa, um golpe com outro golpe. E a resposta do mal com outro mal parece justa para aqueles cujo senso moral não se eleva acima das paixões terrenas.

Por isso é que a lei mosaica dizia: “Olho por olho e dente por dente”, lei essa que estava em harmonia com os tempos em que Moisés vivia. Mas veio o Cristo e disse: “Retribuí o mal com o bem”. E disse ainda: “Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém bater numa face, oferecei-lhe também a outra”.

Aos orgulhosos, esta máxima parecerá uma covardia, porque eles não compreendem que há mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança. E não compreendem pelo fato de sua visão não ir além da vida atual.

Deve-se, entretanto, tomar essa máxima ao pé da letra? Não, da mesma maneira que não se toma ao pé da letra aquela em que Jesus diz para arrancar o olho, se ele é uma causa de escândalo. Se levado até as suas últimas consequências, aquele ensinamento condenaria toda repressão, mesmo a legal, e deixaria o campo livre aos maus, que nada teriam a temer.

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CAPÍTULO XII

Se não se colocasse um freio nas agressões dos maus, muito depressa todos os homens bons seriam as suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da natureza, impede que alguém entregue, de boa-vontade, o seu pescoço ao assassino.

Compreenda-se, pois, que o ensinamento de Jesus não impede a defesa, mas condena a vingança. Ao dizer que apresentemos uma face, quando formos batidos na outra, Ele disse, sob outra forma, que não se deve retribuir o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que lhe abata o orgulho; que é mais glorioso para o homem ser ofendido do que ofender, de suportar pacientemente a injustiça do que ele mesmo ser injusto; que vale mais ser enganado do que ser o enganador, arruinado do que arruinar os outros.

Temos aí, ao mesmo tempo, a condenação das rixas, que nada mais são que a manifestação do orgulho ferido. A fé na vida futura e na Justiça Divina, que jamais deixa o mal sem consequências dolorosas, pode dar ao homem a força para suportar pacientemente os golpes desferidos nos seus interesses e no seu amor próprio.

Eis porque lhes dizemos sem cansar: “Lancem o seu olhar para o futuro! Quanto mais vocês se elevarem, pelo pensamento, acima de vida material, menos vocês se sentirão feridos pelas coisas da Terra”.

Instruções dos EspíritosA VINGANÇA

9. A vingança é uma das últimas manifestações de costumes primitivos que estão a desaparecer no meio dos homens. Ela é um dos derradeiros vestígios dos hábitos selvagens, em que se debatia a Humanidade no começo da era cristã. Eis porque a vingança é uma indicação certa do estado de atraso dos homens que a ela se entregam e dos espíritos que ainda podem inspirá-la.

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AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

Portanto, meus amigos, o sentimento de vingança não deve jamais vibrar o coração daquele que se diz e se afi rma Espírita. Vingar-se é, vocês o sabem, tão contrário a esta prescrição do Cristo: “Perdoai a vossos inimigos”, que aquele que se recusa a perdoar, não somente não é Espírita, como nem mesmo é cristão.

A vingança é um desejo tão funesto quanto à falsidade e a baixeza que são suas companheiras assíduas. Com efeito, aquele que se abandona a essa fatal e cega paixão, quase nunca se vinga à luz do dia. Quando ele é o mais forte, cai como uma besta sobre aquele que considera seu inimigo, desde que a presença deste venha a infl amar a sua paixão, a sua cólera e o seu ódio.

O mais das vezes, porém, o vingador assume aparência hipócrita, ocultando no fundo de seu coração os maus sentimentos que o animam. Ele toma caminhos escusos; segue nas sombras de seu inimigo sem despertar desconfi anças, esperando o momento certo para feri-lo sem colocar-se o vingador em perigo. Esconde-se do outro, vigiando-o o tempo todo, preparando-lhe odiosas armadilhas e, quando surge a ocasião, derrama-lhe veneno no copo.

Se o ódio do vingador, porém, não chega a tais extremos, aquele que deseja vingar-se ataca o perseguido na honra e nas suas afeições. Ele lança mão da calúnia e, no círculo de amizades e de trabalho do perseguido, vai insinuando maldades. Assim, quando o perseguido comparece nos lugares onde o seu perseguidor destilou as maldosas insinuações, admira-se de encontrar semblantes frios, naquelas pessoas que antes eram amigas e bondosas. Fica estupefato quando as mãos que se estendiam para a sua, agora se recusam a apertá-la. Enfi m, o perseguido se sente aniquilado quando seus amigos mais caros e seus parentes se desviam e se afastam de si. Ah! O covarde que se vinga assim é cem vezes mais criminoso do que aquele que vai direto ao inimigo e o insulta cara a cara!

Atire fora, portanto, esses costumes selvagens! Atire fora esses hábitos de outros tempos! Todo Espírita que pretendesse ter, ainda hoje, o direito de vingar-se seria indigno de fi gurar por

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CAPÍTULO XII

mais tempo na falange que tomou por divisa: “Fora da caridade não há salvação!” Mas, não, eu não posso deter-me na ideia que um membro da grande família Espírita se atreva jamais a se render ao impulso de vingança, porque diante do insulto ele se inclinará para o perdão (Júlio Olivier, Paris, 1862).

O ÓDIO

10. Amem-se uns aos outros, e vocês serão felizes. Empenhem-se, sobretudo, na tarefa de amar aqueles que lhes provocam um sentimento de indiferença, de ódio e de desprezo. O Cristo, que vocês devem fazer o seu modelo, já lhes deu o exemplo desse devotamento. Missionário do Amor, Ele amou até dar o seu sangue e a sua vida por amor.

O sacrifício a que vocês se obrigam por amar aqueles que lhes ultrajaram e perseguem é penoso, mas é exatamente esse sacrifício que os torna superiores aos que lhes ferem. Se vocês os odiassem como eles os odeiam, vocês não valeriam mais do que eles. É essa a oferenda sem mácula que vocês oferecem a Deus no altar de seus corações, oferenda de agradável aroma, cujos perfumes sobem até Ele.

Se bem que a lei do amor mande que vocês amem indistintamente a todos os seus irmãos, essa lei não revestirá o seu coração contra os maus procedimentos. Essa é, ao contrário, a provação mais penosa, eu o sei, porque na minha última existência terrena eu experimentei essa tortura.

Mas a Justiça Divina se cumpre nos que violam a lei do amor. Não esqueçam, meus queridos fi lhos, que o amor aproxima de Deus e o ódio o distancia d’Ele (Fénelon, Bordéus, 1861).

Nota do Tradutor – Por tratar-se de uma versão popular e atual, deixamos de incluir, aqui, a tradução das páginas referentes ao DUELO, que constam do original francês, por ser essa uma etapa moral vencida pela nossa Humanidade e que hoje é apenas um doloroso costume de um passado primitivo que, graças a Deus, já superamos!

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

XIII

NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

FAZER O BEM SEM OSTENTAÇÃO

1. Guardai-vos de fazer a vossa esmola diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis galardão junto de vosso Pai, que está nos céus. — Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas para serem glorifi cados pelos homens. — Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita, para que a tua esmola seja dada ocultamente, e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará (Mateus, capítulo VI, versículos 1 a 4).

2. E descendo Jesus do monte, seguiu-o uma grande multidão. E eis que veio um leproso, e o adorou dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo. E Jesus, estendendo a mão, tocou-o, dizendo: Quero; sê limpo. — E logo fi cou purifi cado da lepra. — Disse-lhe então Jesus: Olha, não digas a ninguém, mas vai, mostra-te ao sacerdote, e apresenta a oferta que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho (Mateus, capítulo VIII, versículos 1 a 4).

3. Fazer o bem sem ostentação é um grande mérito. Esconder a mão que dá é ainda mais meritório. Esta conduta é o sinal de uma grande superioridade moral. É que para ver as coisas de um modo mais alto que o comum, é necessário separar-se mentalmente da vida presente e ajustar-se com a vida futura. Por outras palavras, é necessário colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que procura o testemunho dos homens, e esperar a aprovação de Deus.

Aquele que prefere a aprovação dos homens ao bem que faz, mais do que a aprovação de Deus, demonstra que tem mais

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CAPÍTULO XIII

fé nos homens do que em Deus. Demonstra, também, que a vida presente é para ele mais do que a vida futura ou que até mesmo não crê na vida futura. Se, no entanto, ele diz que crê na vida futura, age como se não acreditasse no que ele mesmo diz.

Quantos há que só fazem um benefício com a esperança de que o benefi ciado vá anunciar por toda a parte o benefício recebido! Quantos há que, na vista de todos, dão uma grande soma, mas se estiverem a sós não dariam uma só moeda! Foi para eles que Jesus disse: “Aqueles que fazem o bem com ostentação já receberam a sua recompensa”. Com efeito, aqueles que buscam a sua glorifi cação na Terra, pelo bem que façam já se pagaram a si mesmos. Deus não lhes deve mais nada. Só lhes resta receber as desilusões que nascem do orgulho.

Que a mão esquerda não saiba o que faz a direita é uma fi guração simbólica que caracteriza admiravelmente a benefi cência modesta. Porém, se há modéstia verdadeira, há também modéstia falsa, uma imitação barata de modéstia. É que há pessoas que escondem a mão que dá o auxílio, mas têm o cuidado de deixar aparecer um pedacinho, olhando em volta para certifi car-se se alguém não as viu ocultá-la. Essa é uma comédia indigna dos ensinamentos de Cristo.

Se os benfeitores orgulhosos são desapreciados entre os homens, que não lhes acontecerá perante Deus? Também esses já receberam a sua recompensa na Terra. Foram vistos e estão satisfeitos de terem sido vistos e isso lhes basta.

E qual será a recompensa daquele que faz pesar os seus benefícios sobre o benefi ciado, que lhe exige de algum modo os testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição de benfeitor, destacando o preço dos sacrifícios que suportou pelo benefi ciado? Oh! Para esse, nem mesmo existe a recompensa terrena, porque está desprovido da doce satisfação de ouvir bendizer o seu nome, e essa é a primeira desilusão de seu orgulho. As lágrimas que esse orgulhoso secou por vaidade, ao invés de subirem ao céu, recaíram sobre o coração do próprio afl ito e abriram-lhe uma ferida maior. O bem que o vaidoso fez é sem

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

proveito para ele mesmo, pois que ele o deplora e todo benefício deplorado é moeda falsa, sem nenhum valor.

A benefi cência sem ostentação tem duplo merecimento. Além de ser caridade material é também caridade moral. Ela não machuca o sentimento do benefi ciado. Ela leva o benefi ciado a aceitá-la, sem que o seu amor-próprio sofra, resguardando a sua dignidade pessoal. É que há alguém que aceite prestar um serviço, mas que rejeite de receber uma esmola. Porém converter um serviço em esmola, pela maneira de exigi-lo, é humilhar aquele que o recebe. E há sempre orgulho e maldade em humilhar alguém.

A verdadeira caridade é delicada e engenhosa para dissimular o benefício, a fi m de evitar até as menores aparências do benefício capazes de melindrar, porque toda mágoa moral aumenta o sofrimento que nasce da necessidade.

A verdadeira caridade sabe encontrar palavras brandas e amigas que colocam o benefi ciado à vontade diante do benfeitor, enquanto que a caridade orgulhosa esmaga o carente de amparo. O sublime da verdadeira generosidade está no benfeitor saber inverter os papéis, encontrando um meio de parecer que ele mesmo é o benefi ciado diante daquele que lhe presta um serviço.

Eis, aqui, o que querem dizer estas palavras de Jesus: “Que a mão esquerda não saiba o que faz a mão direita”.

INFORTÚNIOS OCULTOS

4. Nas grandes calamidades públicas, a caridade se agita e você verá generosos impulsos para socorrer os desastres. Mas, ao lado desses desastres gerais, há milhares de acidentes pessoais que passam despercebidos, como aqueles de gente que está numa cama pobre sem se queixar. Estes são os infortúnios silenciosos e ocultos que a verdadeira generosidade sabe descobrir, sem esperar que aqueles que sofrem venham a suplicar por amparo.

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CAPÍTULO XIII

Quem é esta senhora de ar distinto, de roupas simples, embora bem cuidadas, acompanhada de uma jovem fi lha vestida também modestamente? Ela entra num casebre de dolorosa aparência, onde sem dúvida é conhecida, pois a sua chegada é saudada com respeito.

Aonde vai ela?Vai ao encontro de uma mãe de família, que está rodeada de

fi lhos pequenos. A sua presença faz a alegria brilhar naquelas faces descoradas. É que ela vem ali acalmar todas as dores. Ela traz o que lhes é necessário, recoberto de doces e consoladoras palavras de ânimo. Assim, faz que aceitem o benefício sem envergonharem-se, pois que esses infortunados não são profi ssionais de mendicância. O pai está num hospital e, enquanto lá permanece, a mãe não tem o sufi ciente para atender as necessidades da família.

Graças a essa senhora, as pobres crianças não mais sentirão nem frio e nem fome. Irão para a escola agasalhadas e no seio da mãe não faltará o leite para os menorzinhos. Se, entre essas sofridas criaturas, alguma adoece, ela não se sentirá mal em prestar-lhe o amparo material.

Daqui, essa senhora seguirá para o hospital, a fi m de levar ao pai algum reconforto e tranquilizá-lo sobre a situação da família.

Numa esquina da rua, um veículo a espera, verdadeiro armazém de tudo o que vai levar aos seus protegidos, que ela visita sempre. Ela não lhes pergunta nem a religião, nem quais são as suas opiniões, pois que para ela todos os homens são seus irmãos e fi lhos de Deus.

Quando as visitas terminam, ela diz a si mesma: “Eu comecei bem o meu dia”.

Qual é o seu nome?Onde mora?Ninguém o sabe!Para os infelizes, o seu nome não é conhecido, mas ela

é, para todos eles, o anjo da consolação e, à noite, um coro de

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

bênçãos se eleva para ela ao Pai Celestial. Católicos, judeus, evangélicos, todos a bendizem.

Por que esta roupa tão simples? É para não ferir a miséria com o luxo. Por que se faz acompanhar pela sua jovem fi lha? É para esta aprender como se pratica a benefi cência.

Sua fi lha também quer fazer a caridade, mas a sua mãe lhe diz: “Que pode você doar, minha fi lha, se nada você tem de seu? Se eu lhe der qualquer coisa para passá-la a outros, qual será o seu mérito? Na realidade, aí, serei eu que farei a caridade e que merecimento você teria nisso? Isso não é justo! Quando formos visitar os doentes, você me ajudará a tratá-los. Ora, dispensar cuidados é dar alguma coisa. Isso não lhe parece sufi ciente? Se não lhe parece sufi ciente, então nada mais simples do que você aprender a fazer obras úteis, costurando roupinhas para as criancinhas, porque desse modo você doará alguma coisa que vem de você mesma”.

Assim é que esta mãe, verdadeiramente cristã, vai desenvolvendo a sua fi lha para a prática das virtudes ensinadas pelo Cristo.

Ela é Espírita?Que importa isso!No meio em que vive, é a mulher comum ao círculo de

suas relações, porque a sua posição social o exige. Mas ignoram o que ela faz, porque ela não deseja outra aprovação às suas ações, que não seja a aprovação de Deus e a de sua própria consciência.

Porém, certo dia, uma ocorrência imprevista leva até a sua casa uma de suas protegidas, que andava a vender trabalhos manuais. Esta vendedora, ao vê-la, nela reconheceu a sua benfeitora. Mas ela lhe disse: “Silêncio! Não digas a ninguém!”. — Assim falava Jesus.

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CAPÍTULO XIII

O ÓBOLO DA VIÚVA

5. E olhando, Jesus viu os ricos lançarem as suas ofertas na arca do tesouro. E viu também uma pobre viúva lançar ali duas pequenas moedas e disse: Em verdade vos digo que lançou mais do que todos, esta pobre viúva. Porque todos aqueles deitaram para as ofertas de Deus do que lhes sobeja, mas esta, da sua pobreza, deitou todo o sustento que tinha (Lucas, capítulo XXI, versículos 1 a 4).

6. Muita gente se queixa de não poder fazer todo o bem que teria vontade, por falta de recursos sufi cientes. Dizem que desejariam ter uma grande fortuna para dela fazer uso no campo do bem.

Essa intenção, não há dúvida, é louvável. Pode até ser sincera da parte de alguns. Mas seria sincero da parte de todos um tão completo desinteresse pessoal? Não haveria quem, em desejando fazer o bem para os outros, se sentiria melhor se começasse a fazê-lo a si próprio, dotando-se de mais alguns prazeres, de um pouco mais do supérfl uo que lhe falta, pronto a doar o resto aos pobres?

Esta segunda intenção, que alguns escondem de si mesmos, mas que eles encontrariam no fundo de seus corações se os examinassem atentamente, anula o mérito da intenção. Com a verdadeira caridade, o homem pensa nos outros, antes de pensar em si próprio.

O sublime da caridade, nesse caso, seria de cada um procurar no seu próprio trabalho, pelo emprego de suas forças, de sua inteligência e de seus talentos, os recursos de que necessita para realizar os seus planos generosos. Haveria nisso o sacrifício mais agradável ao Senhor.

Infelizmente, a maioria das pessoas vive a sonhar com os meios mais fáceis de enriquecer de repente e sem sacrifícios. Correm atrás de quimeras, como a descoberta de um tesouro, uma oportunidade qualquer favorável, o recebimento de heranças inesperadas.

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

E que dizer daqueles que esperam encontrar, para os secundar nessas buscas do mais fácil, auxiliares entre os Espíritos? Seguramente eles nem conhecem nem compreendem a fi nalidade sagrada do Espiritismo e, menos ainda a missão dos Espíritos a quem Deus permite que se comuniquem com os homens. Daí virem a sofrer com as decepções (O Livro dos Médiuns, questões 294 e 295).

Aqueles, cuja intenção está despojada de toda ideia de interesse pessoal, devem consolar-se de sua impotência de fazer todo o bem que desejariam, lembrando-se que o óbolo do pobre, que faz a doação se privando de alguma coisa, tem maior peso na Balança Divina, do que a doação do rico que não lhe impõe privação alguma.

A satisfação seria grande, sem dúvida, de socorrer-se largamente a indigência. Mas se isso não nos é possível, devemos submeter-nos e nos limitarmos a fazer o que seja possível. Aliás, não é somente com o dinheiro que se podem enxugar lágrimas.

E devemos fi car inativos porque não temos dinheiro sufi ciente?

Ora, todo aquele que deseja sinceramente ser útil a seus irmãos encontrará mil formas diferentes de sê-lo. Que as procure e as encontrará. Se não for de uma maneira, será de outra, porque não há pessoa alguma, no livre gozo de suas faculdades, que não possa prestar um serviço qualquer, dar uma consolação, abrandar um sofrimento físico ou moral, tomar uma providência útil. Na falta de dinheiro, não dispõe cada um do seu trabalho, do seu tempo, do seu repouso para dar aos outros uma parte?

Também está aí a doação do pobre, o óbolo da viúva.

CONVIDAR POBRES E ESTROPIADOS

7. E dizia também ao que o tinha convidado: Quando deres um jantar ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os

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CAPÍTULO XIII

teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas, quando fi zeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos, e serás bem-aventurado, porque eles não têm com que te recompensar, mas recompensado te será na ressurreição dos justos. E, ouvindo isto, um dos que estavam com Ele à mesa, disse-lhe: Bem-aventurado o que comer pão no reino de Deus (Lucas, capítulo XIV, versículos 12 a 15).

8. “Quando fi zerdes um banquete — disse Jesus — não convideis os vossos amigos, mas os pobres e estropiados.” Estas palavras, absurdas se tomadas ao pé da letra, são sublimes, se lhes buscarmos a sua signifi cação espiritual. Jesus não poderia querer dizer, por elas, que em vez dos seus amigos, você deveria reunir à sua mesa os mendigos da rua. A linguagem d’Ele era, quase sempre, fi gurada. Para os homens incapazes de compreender os tons delicados do pensamento, Ele falava com imagens fortes, produzindo os efeitos de um quadro berrante.

O fundo do pensamento de Jesus se revela nas palavras: “Vós sereis felizes, porque eles não terão meios de vos retribuir o que lhes oferecerdes”. Isso quer dizer que não se deve fazer o bem, visando a uma retribuição, mas tão-somente pelo prazer de fazê-lo. Para dar uma comparação clara, Jesus disse: “Convidai a vossos banquetes os pobres, pois sabeis que eles não poderão vos retribuir”. E, por banquete é necessário entender, não a refeição propriamente dita, mas a participação na abundância do que você desfruta.

Estas palavras, no entanto, podem ser aplicadas num sentido mais literal. Quanta gente não convida à sua mesa aqueles que podem, como eles dizem, honrá-los ou retribuir-lhes o convite por sua vez! Outras, ao contrário, encontram satisfação de receber seus parentes ou amigos que lhe sejam menos felizes. Ora, e quem não os têm entre os seus? Dessa forma presta-lhes um grande serviço, sem que pareça ajudá-los. Estes, que convidam os menos felizes, são os que trazem para si os cegos e os estropiados, praticando o ensinamento de Jesus, se fazem o

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

convite por benevolência, sem ostentação, e sabem disfarçar o benefício por meio de uma sincera cordialidade.

Instruções dos EspíritosA CARIDADE MATERIAL E A CARIDADE MORAL

9. “Amemo-nos uns aos outros e façamos ao próximo o que quereríamos que eles nos fi zessem.” Toda religião, toda moral estão encerradas nestes dois princípios. Se fossem observados na Terra, todos vocês seriam perfeitos. Vocês não teriam aí mais o ódio, nem ressentimentos. Direi mais ainda: não haveria mais pobreza, porque do excesso da mesa dos abastados muitos pobres se alimentariam. E vocês não mais veriam, nos bairros sombrios que habitei durante a minha última encarnação, as pobres mulheres arrastando consigo miseráveis crianças necessitadas de tudo.

Ricos! Pensem, um pouco que seja, em tudo isso! Ajudem os infelizes o mais que vocês possam. Deem, para que Deus lhes retribua, um dia, o bem que vocês fi zeram. Vocês terão então, quando saírem do corpo físico, um cortejo de Espíritos reconhecidos a recebê-los no portal de um mundo mais feliz.

Se vocês pudessem saber da alegria que eu provei ao encontrar no mundo espiritual aqueles a quem eu servi na minha última existência!

Amem, pois, o seu próximo! Amem-no como a vocês mesmos, pois vocês já sabem, agora, que o infeliz que vocês repelirem, pode ser, talvez, um irmão, um pai, um amigo que afastam longe de vocês. E qual não será o seu desespero ao reconhecê-lo no mundo espiritual?

Quero que vocês compreendam bem o que é a caridade moral, que qualquer um pode praticar, porque não exige nenhum bem material e, no entanto, é a mais difícil de pôr em prática.

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CAPÍTULO XIII

A caridade moral consiste em vocês se suportarem uns aos outros, e isto é o que vocês menos fazem nesse mundo inferior onde vocês, por um momento, estão encarnados. Há um grande mérito, creiam-me, em saber calar para deixar falar um mais tolo que vocês. Isso é uma forma de caridade. Fazer-se de surdo quando uma palavra encarnecedora escapa de uma boca habituada a caçoar; não ver o sorriso de desdém com que vocês são recebidos por pessoas que, muitas vezes erradamente, se julgam superiores a vocês quando, em verdade, na vida espiritual, que é a única vida real, elas estão às vezes bem abaixo de vocês.

Nessas atitudes vocês têm um mérito que não é o da humildade, mas o mérito da caridade, pois não observar os erros dos outros e nem com eles ressentir-se, essa é a caridade moral.

Essa caridade, no entanto, não deve impedir que se pratique a caridade material. Pensem, acima de tudo, em não desprezar o seu semelhante. Lembrem-se de tudo o que lhes tenho dito: não se esqueçam jamais que, no pobre que vocês repelem, vocês talvez repilam um Espírito que lhes foi caro e que se encontra, momentaneamente, numa posição social inferior à sua.

Reencontrei um dos pobres da Terra, a quem pude, por felicidade, ajudar algumas vezes. A ele, agora, tenho que implorar favores por minha vez, já que está acima de mim.

Lembrem-se que Jesus disse que nós somos todos irmãos. Pensem sempre nisso, antes de vocês repelirem o leproso ou o mendigo.

Adeus!Pensem naqueles que sofrem e orem! (Irmã Rosália, Paris,

1860).10. Meus amigos, tenho ouvido muitos dentre vocês

dizerem: “Como posso fazer a caridade se, muitas vezes, eu nem para mim mesmo tenho o necessário?”.

A caridade, meus amigos, se faz de muitos modos. Vocês podem fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Em pensamentos, será caridade orar pelos pobres abandonados, que

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

morreram sem sequer ver a luz da existência, uma vez que uma prece de coração os aliviará.

Em palavras, será caridade dar a seus companheiros de todos os dias alguns bons conselhos, dizendo aos homens amargurados pelo desespero e privações e que clamam contra Deus: “Eu era como vós! Sofria, era infeliz, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora sou feliz!”.

Aos velhos que lhes disserem: “É inútil! Eu estou no fi m da vida. Vou morrer como vivi!”, diga-lhes: “A Justiça Divina é a mesma para todos e para todas as idades. Lembrai-vos dos obreiros de última hora, de que Jesus falou”.

Às crianças que, já viciadas pelas más companhias, seguindo por descaminhos sombrios, quase a cair em dolorosas tentações, diga-lhes: “Deus vos vê, meus queridos pequeninos”, e não se canse de repetir-lhes sempre essas brandas palavras. Essas palavras terminarão por germinar no pensamento jovem e, de pequenos vagabundos, vocês farão homens de bem.

Essas são formas de caridade moral.Muitos, entre vocês, dizem ainda: “Ora, somos incontáveis

sobre a Terra. Deus não nos pode ver a todos”. Escutem bem o seguinte, meus amigos: “Quando vocês sobem ao alto de um morro, o seu olhar não alcança os milhares de grãos de areia que cobrem esse morro? Muito bem! Deus vê vocês da mesma maneira. Ele lhes deixa usar o livre-arbítrio, como vocês deixam esses grãos de areia entregues ao vento que os dispersa”.

A diferença é que Deus, na sua infi nita misericórdia, põe no fundo de seus corações uma sentinela vigilante que se chama consciência. Escutem-na! Dela vocês ouvirão bons conselhos! Por vezes, vocês a anestesiam, opondo-lhe o espírito do mal e ela se cala! Mas fi quem seguros que a pobre abandonada despertará e se fará ouvida, quando a sombra do remorso deitar-se em seus corações.

Escutem-na, interroguem-na, e vocês frequentemente serão consolados pelos conselhos que dela vocês receberem.

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CAPÍTULO XIII

Meus amigos, a cada novo grupo de obreiros, o Senhor entrega uma bandeira. Para essa bandeira que lhes é entregue, eu lhes dou esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros”.

Vivam esse princípio do amor!Reúnam-se todos sob essa bandeira e dela vocês receberão

a felicidade e a consolação (Um Espírito Protetor, Lyon, 1860).

A BENEFICÊNCIA

11. A benefi cência, meus amigos, vos dará neste mundo os mais puros e os mais doces contentamentos, as alegrias do coração que não são perturbadas nem pelo remorso, nem pela indiferença.

Oh! Pudésseis compreender tudo o que encerra, de grande e de agradável, a generosidade das belas almas! É um sentimento que faz que se olhe para os outros com o mesmo olhar generoso que deita sobre si mesmo, que faz que se dispa com alegria para vestir o seu irmão mais pobre.

Pudésseis, meus amigos, ter apenas a doce ocupação de fazer os outros felizes! Quais são as festas do mundo que vós podereis comparar com essas festividades feitas de júbilos quando, como representantes da Misericórdia Divina, levais a alegria a essas pobres famílias que só conhecem da vida as adversidades e os amargores; quando vedes esses rostos marcados de dores brilharem sob a luz da esperança. É que, desprovidos de pão, esses infelizes e suas pequenas crianças, ignorando que viver é sofrer, gritavam, choravam e repetiam estas palavras que, como um fi no punhal, penetravam no coração materno: “Eu tenho fome!”.

Oh! Compreendei quão deliciosa é a sensação daquele que vê renascer a alegria onde, um momento antes, só havia desespero! Compreendei quais são as obrigações que tendes para com os vossos irmãos sofredores!

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

Ide, ide ao encontro dos infortunados! Ide ao socorro das misérias ocultas, que são as mais dolorosas! Ide, meus bem-amados, e lembrai-vos destas palavras do Salvador: “Quando vestires a um destes pequeninos, lembrai-vos que é a mim que vestis!”.

Caridade, palavra sublime que resume todas as virtudes, és tu que deves conduzir todos os povos à felicidade. Em te praticando, eles criarão para si infi nitas alegrias celestiais para o seu próprio futuro e, enquanto estiverem exilados na Terra, tu serás para eles a consolação da alegria que viverão, mais tarde, quando se encontrarem reunidos no seio do Deus de amor.

Foste tu, caridade, virtude divina, que eu procurei para os momentos de felicidade que gozei sobre a Terra. Possam os meus irmãos encarnados crer na voz do amigo que lhes fala e lhes diz: “É na caridade que vós deveis buscar a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio contra as afl ições da vida”.

Oh! Quando estiverdes a ponto de acusar Deus pelas vossas afl ições, lançai um olhar para baixo de vós e vereis quanto de miséria a aliviar; quantas pobres crianças sem família; quantos velhinhos sem qualquer mão amiga que os ampare e que lhes feche os olhos ao serem chamados pela morte!

Quanto bem a fazer!Oh! Não vos queixeis mais; antes agradeçais a Deus e

distribuais, às mãos cheias, a vossa simpatia, o vosso amor, o vosso dinheiro a todos os que, deserdados dos bens deste mundo, defi nham no sofrimento e na solidão.

Fazei isso e colherei nesse mundo as alegrias bem doces e... mais tarde, somente Deus o sabe!... (Adolfo, Bispo de Alger, Bordéus, 1861).

12. Sede bons e caridosos, esta é a chave dos céus que tendes em vossas mãos. Toda a felicidade eterna se encerra nesta máxima: “Amai-vos uns aos outros”.

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CAPÍTULO XIII

A alma não pode elevar-se aos planos espirituais a não ser pelo devotamento ao próximo. Ela não encontra felicidade e consolação a não ser nos atos de caridade.

Sede, pois, bons, amparando vossos irmãos, deixando de lado a terrível chaga do egoísmo. Cumprindo este dever, vereis abrir- se o caminho da felicidade eterna para vós. Além disso, qual dentre vós não sentiu o coração palpitar, a vossa alegria interior crescer diante da narrativa de um belo ato de devotamento, de uma obra de comovente caridade? Se buscásseis unicamente o grande prazer que proporciona uma boa ação, estaríeis sempre na linha de vossa evolução espiritual. Os exemplos não vos faltam! O que falta é a boa vontade, que é tão rara! Vede a multidão de homens de bem, de quem a vossa história guarda piedosa lembrança e fazei o mesmo que eles.

O Cristo não vos disse tudo o que é necessário sobre as virtudes da caridade e do amor? Por que deixar de lado os seus divinos ensinamentos? Por que não ouvir as suas divinas palavras e não abrir o coração a todos os seus doces preceitos de vida? Eu desejaria que tivésseis mais interesse e mais fé pelas leituras dos Evangelhos. Abandona-se, porém, esse livro, alegando ser de princípios inaplicáveis na vida e de difícil leitura, deixando no esquecimento esse admirável manual de vida. Vossos males provêm do abandono voluntário que fazeis desse resumo das Leis Divinas. Empenhai-vos em ler essas páginas ardentes do devotamento de Jesus à redenção dos homens, e meditai-as.

Homens de ânimo e coragem, preparai-vos! Homens de pouco vigor, fazei da vossa brandura, da vossa fé, a coragem de que necessitais. Tende, todos, mais convicção e mais perseverança na propagação de vossa nova Doutrina. Este é apenas um encorajamento que viemos vos dar.

É para estimular vosso zelo e as vossas virtudes que Deus nos permite manifestar-nos junto de vós. Mas, se cada um quisesse, bastaria a ajuda de Deus e de sua própria vontade para que tivesse coragem, porque as manifestações Espíritas se fazem somente para os que têm os olhos fechados e os corações indóceis.

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

A caridade é a virtude fundamental que deve sustentar toda a edifi cação das demais virtudes terrenas. Sem a caridade não existem as outras virtudes. Sem a caridade não há que se esperar um futuro melhor, pois que não haverá um sentimento moral que nos oriente. Sem a caridade não há fé, pois a fé não é mais que a luz que torna radiosa uma alma caridosa.

A caridade é a âncora eterna da salvação em todos os mundos. Ela é a mais pura emanação do próprio Criador. É a própria virtude de Deus, dada por Ele para a criatura. Como, pois, deixar no esquecimento esta suprema bondade divina? Qual seria, com este pensamento, o coração bastante perverso que sufocaria em si e expulsaria esse sentimento tão divino? Qual seria o fi lho bastante mau para se revoltar contra esta doce carícia: a caridade?

Não me atrevo a falar do que fi z, porque os Espíritos também têm um sentimento de mal-estar por ferir alguém com as obras que fazem. Porém, as obras que iniciei na Terra, creio serem uma das que mais devem contribuir para o alívio de vossos semelhantes.

Vejo outros Espíritos, frequentemente, pedirem a missão de continuar a minha tarefa. Vejo-vos, minhas doces e queridas irmãs, no piedoso e divino ministério. Vejo-vos praticando a virtude que vos recomendei, com toda a alegria que nasce dessa existência de dedicação e de sacrifícios. Essa é, para mim, uma grande felicidade: de ver quanto se enobrece as vossas almas, quanto essa missão é estimada e docemente protegida.

Homens de bem! Homens de boa e fi rme vontade, uni-vos para continuar a grande obra de propagação da caridade. Encontrareis a vossa recompensa dessa obra, no próprio exercício desse gênero de caridade. Não há alegria espiritual que a caridade não vos dê nesta mesma existência. Sede unidos! Amai-vos uns aos outros, segundo os princípios do Cristo. Assim seja (Vicente de Paulo, Paris, 1858).

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CAPÍTULO XIII

13. Chamo-me Caridade. Eu sou o caminho principal que conduz a Deus. Segui-me, porque eu sou a meta que todos vós deveis alcançar.

Fiz, esta manhã, minha ronda habitual e, de coração amargurado, venho vos dizer: “Oh! meus amigos, quantas misérias e quantas lágrimas, e quanto vós haveis de fazer para enxugá-las todas!”. Em vão procurei consolar pobres mães, dizendo-lhes ao coração: “Coragem! Há almas bondosas que velam por vós; não sereis abandonadas. Paciência! Deus existe e vós sois as suas amadas, vós sois as suas eleitas!”.

Elas pareciam entender-me e voltavam os seus olhos espantados para o meu lado. Eu li em seus pobres rostos que os seus corpos, esses tiranos do espírito, tinham fome e que, se as minhas palavras lhes asserenavam um pouco o coração, não lhes atendiam o estômago faminto. Então, eu lhes repetia: “Coragem!”. E uma pobre mãe, muito jovem ainda, que amamentava uma criancinha, tomou-a nos seus braços e a ergueu na direção do Alto, como a pedir-me que protegesse aquele pequenino ser, que não encontrava no seio estéril mais que uma alimentação insufi ciente para as suas necessidades de vida.

Noutros lugares, meus amigos, eu vi pobres velhos sem trabalho e sem abrigo, atormentados por todos os sofrimentos de quem não tem recursos e envergonhados de sua miséria. Não desejavam, eles que jamais mendigaram, estender as mãos e implorar pela piedade dos que passavam por eles. Com o meu coração comovido de compaixão, eu que sou a caridade e nada tenho, me fi z de pedinte no lugar deles e vou por todas as partes estimular a benefi cência, soprando esses bons pensamentos nos corações generosos e compassivos.

Eis porque venho a vós, meus amigos, e vos digo: “Há por toda a parte os infelizes sem pão na mesa, os fogões sem chama, e a cama sem cobertores”. Eu que sou a caridade, não vos digo o que deveis fazer. Deixo a iniciativa a vossos bons corações. Se eu vos ditasse um programa de atividades nobres, não mais teríeis o

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mérito de vossa boa ação. Digo-vos somente: “Eu sou a caridade e estendo as vossas mãos para os vossos irmãos sofredores”.

Mas, se peço, eu também dou. E dou muito. Convido-vos para um grande banquete e vos forneço a árvore onde vós todos vos saciareis! Vede como é bela, como está carregada de fl ores e frutos! Ide, ide, colhei, apanhai todos os frutos dessa bela árvore que se chama benefi cência! Em lugar dos ramos que lhe arrancardes, pendurarei todas as boas ações que fi zerdes e levarei essa árvore a Deus, para que Ele a carregue novamente, porque a benefi cência não se esgota jamais.

Segui-me, pois, meus amigos, a fi m de que eu vos conte entre aqueles que se ajustam sob a minha bandeira. Segui-me sem receio: eu vos conduzirei no caminho da salvação, porque eu sou a Caridade (Cáritas, martirizada em Roma, Lyon, 1861).

14. Há muitas maneiras de fazer a caridade, que muitos dentre vós confundem com a esmola. No entanto, entre a caridade e a esmola há uma grande diferença.

A esmola, meus amigos, algumas vezes é útil e necessária, porque dá alívio aos pobres. Mas quase sempre é humilhante, tanto para aquele que dá, quanto para aquele que a recebe.

A caridade, ao contrário, une o benfeitor ao benefi ciado e, além disso, se disfarça de muitas maneiras! Pode-se ser caridoso mesmo com os parentes e com seus amigos, sendo indulgentes uns para com os outros, perdoando-se mutuamente pelas suas fraquezas e cuidando de não ferir o amor-próprio das pessoas.

Vós, Espíritas, podeis ser caridosos na vossa maneira de agir com os que não pensam como vós, induzindo os menos esclarecidos a crer, sem os chocar, sem atirar-se contra a convicção deles. Mas os atraindo amavelmente às nossas reuniões, onde eles poderão nos ouvir. Saberemos descobrir a entrada dos corações deles para ali penetrarmos. Eis uma forma de caridade.

Escutai agora o que é a caridade para com os pobres, esses deserdados do mundo, mas recompensados por Deus quando

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CAPÍTULO XIII

sabem aceitar as misérias sem queixas e murmurações — e isso depende de vós, como vos farei compreender por um exemplo.

Vejo, várias vezes na semana, uma reunião de senhoras de todas as idades. Para nós, vós sabeis, elas são todas nossas irmãs. Que fazem? Elas trabalham rápido, bem rápido. Seus dedos são ágeis.

Vede, também, como as fi sionomias delas são risonhas e como os seus corações palpitam unidos! Mas, para que fi nalidade trabalham assim ágeis, alegres, unidas? É que elas veem aproximar -se os tempos que serão rudes para as famílias pobres. Estas famílias não puderam juntar provisões para as crises de mais penúria e seus utensílios já se perderam. As pobres mães já se inquietam e choram, pensando nos fi lhinhos que, certamente, sentirão abandono e fome!

Mas, paciência, pobres mães! Deus inspirou estas senhoras menos infelizes que vós! Elas estão reunidas e juntam o necessário para ajudar-vos. Depois, num destes dias, quando a penúria vos cobrir e murmurardes dizendo: “Deus não é justo!”, já que isso dizeis em vossos dias de sofrimento — vereis surgir a fi lha de uma dessas obreiras da caridade. Sim, é para vós que elas trabalham e, assim, as vossas queixas se transformarão em bênção, porque, nos corações dos infelizes, o amor acompanha bem de perto o ódio.

Como todas essas obreiras necessitam de apoio, vejo as mensagens dos bons Espíritos chegarem de todas as partes. Os homens, que fazem parte desse agrupamento, trazem-lhes a sua colaboração. Fazem dessas leituras que agradam tanto, enquanto elas trabalham. E nós, para recompensar-lhes a dedicação às tarefas de todas e de cada uma em particular, prometemos a essas dedicadas obreiras uma boa clientela que lhes pagará à vista com as moedas das bênçãos, única moeda que circula no céu. Asseguramos-lhes, ainda, sem medo de errar, que as bênçãos sagradas não lhes faltarão (Cáritas, Lyon, 1861).

15. Meus queridos amigos, cada dia ouço, entre vós, alguns dizerem: “Eu sou pobre; não posso fazer a caridade”. E cada dia

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

vejo que faltais com a indulgência para com os semelhantes. Não perdoais coisa alguma que vos façam e vos levantais em juízes muitos severos, sem vos perguntar se fi caríeis satisfeitos que os outros vos fi zessem o mesmo.

A indulgência não é também caridade?Vós que não podeis fazer mais que caridade-indulgência,

fazei pelo menos essa, mas fazei-a com grandeza.No que se refere à caridade material, vou contar-vos uma

história extraordinária.Dois homens acabavam de morrer. Deus havia dito:

“Enquanto esses dois homens viverem, coloquem, em dois sacos diferentes cada uma de suas boas ações e, quando morrerem, esses dois sacos serão pesados”. Quando, pois, esses dois homens chegaram à sua última hora, Deus mandou que lhe trouxessem os dois sacos de boas ações de cada um. Um dos sacos estava repleto, grande, volumoso, e as moedas que estavam dentro dele tilintavam. O outro saco era tão pequeno, tão vazio, que se podia ver as poucas moedas que continha.

Um dos homens, de pronto, reconheceu o que lhe pertencia:— Este é meu! — disse de imediato. — Eu o reconheço,

uma vez que fui rico e doei muito dinheiro!— Aquele menor é meu! — disse o outro homem. — Fui

sempre pobre e quase nada tinha para repartir com os outros.Mas, ó surpresa! Os dois sacos foram colocados na balança

e o maior tornou-se leve e o pequeno se fez mais pesado, tão pesado que fez o outro prato da balança levantar-se muito!

Então, disse Deus ao rico: “Tu doaste muito, é verdade, mas doaste por ostentação e para fazer o teu nome fi gurar em todos os templos do orgulho. Além disso, para fazer as tuas doações, não te privaste de nada. Passa, pois, à minha esquerda e fi ca satisfeito que as tuas esmolas sejam contadas a teu favor, embora como qualquer coisa sem muito valor”.

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CAPÍTULO XIII

Depois, Deus disse ao pobre: “Deste bem pouca coisa a teu semelhante, meu amigo. Mas cada uma das poucas moedas que estão nesta balança representam uma privação para ti. Se não deste muitas esmolas, tu fi zeste a caridade e isso é que vale mais. Tu fi zeste a caridade de modo natural, sem pensar de que ela fosse contada a teu favor. Foste indulgente; não julgaste o teu semelhante e, ao contrário, desculpaste todas as más ações que te fi zeram. Passa, pois, à minha direita e vá receber a tua recompensa” (Um Espírito Protetor, Lyon, 1861).

16. A mulher mais abastada, feliz, que não precisa empregar o seu tempo no trabalho de sua casa, não poderia consagrar algu-mas horas de seu dia a trabalhos úteis para o seu semelhante? Que, com o que lhe sobra de sua abundância, compre roupas para vestir os infelizes. Que faça, com suas mãos delicadas, agasalhos aos que têm frio. Que ajude a gestante pobre a cobrir o fi lho que vai nascer.

Se, ao fazer isso, os seus fi lhos tiverem um pouco menos de supérfl uo, os fi lhos dos pobres terão um pouco do que lhes falta. Trabalhar para os pobres, é trabalhar na Vinha do Senhor.

E tu, pobre trabalhadora, que não dispões de sobras na tua bolsa, mas que queres, por amor a teus irmãos menos felizes, dar um pouco do que possuis, dá algumas horas de teu dia, do tempo que é a tua riqueza. Faças algumas dessas coisas bonitas que encantam os de mais recursos fi nanceiros. Vende o produto desse teu trabalho e poderás, também, distribuir a teus irmãos a tua parte de auxílio. Terás, talvez, algumas coisas a menos, mas darás calçados a um que anda com os pés no chão.

E vós, mulheres dedicadas a Deus, trabalhai também para a sua obra. Mas que vossos trabalhos delicados e caros não sejam tão-somente para adornar as capelas ou para atrair a atenção sobre a vossa habilidade manual e paciência em fazê-los. Trabalhai, minhas fi lhas, e que os valores obtidos com as vossas obras sejam consagrados ao alívio de vossos irmãos em Deus.

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

Os pobres são os fi lhos bem-amados do Pai Celestial. Trabalhar por eles é glorifi car o Criador. Sede, portanto, os braços da Providência Divina, que diz: “Às aves do céu, Deus dá alimentos”. Que o ouro e a prata, que são tecidos pelos vossos dedos, se transformem em roupas e alimentos para aqueles que não os têm.

Fazei isso e o vosso trabalho será abençoado.E todos vós que podeis produzir alguma coisa, dai do que

fi zerdes. Dai o vosso gênio, doai de vossas inspirações, doai de vosso coração e Deus vos abençoará. Poetas, literatos, que sois lidos pelas pessoas mais cultas, satisfazei-lhes os lazeres, mas que com o resultado de algumas de vossas criações, sejam aliviados os infelizes! Pintores, escultores, artistas, que a vossa inteligência e a vossa arte venham, também, em auxílio a vossos irmãos. Não tereis menos glórias com isso, mas esses infelizes terão alguns sofrimentos a menos.

Todos vós podeis doar. A qualquer classe a que pertençais, vós dispondes de alguma coisa que podeis dividir. Seja o que for que Deus vos haja dado, deveis uma parte aos que não têm o necessário, porquanto, se estivésseis na mesma posição em que se encontram os infelizes, fi caríeis muito contentes se alguém dividisse alguma coisa convosco. As vossas riquezas na Terra serão um pouco menor, mas as vossas riquezas no céu serão mais abundantes. Colhereis o cêntuplo do que houverdes semeado em benefícios nesse mundo (João, Bordéus, 1861).

A PIEDADE

17. A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos Espíritos Puros. É a irmã da caridade que vos conduz a Deus.

Deixai o vosso coração enternecer-se diante dos quadros da miséria e do sofrimento de vossos semelhantes. Vossas lágrimas são um bálsamo que derramais sobre as suas chagas. E quando,

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CAPÍTULO XIII

por uma branda simpatia, chegais a devolver-lhes a esperança e a resignação, que ventura experimentai! Essa ventura que sentis, é verdade, tem um certo amargor, porque ela nasce ao lado da desgraça dos outros. Mas, se não tem o sabor dos prazeres mundanos, ela não traz as dolorosas desilusões do vazio que os prazeres mundanos deixam após a sua passagem. Essa ventura diante da dor tem uma suavidade penetrante que encanta a alma.

A piedade, uma piedade bem sentida, essa é o amor. O amor é devotamento. O devotamento é esquecimento de si mesmo. Esse esquecimento de si mesmo é abnegação em favor dos infelizes e esta é a virtude por excelência. É a mesma virtude praticada em toda a sua vida pelo Divino Messias e que Ele ensinou na sua doutrina tão santa e tão sublime.

Quando a doutrina de Jesus for restabelecida em sua pureza primitiva, quando for aceita por todos os povos, ela trará a felicidade à Terra, fazendo reinar, enfi m, a concórdia, a paz e o amor.

O sentimento mais apropriado para vos fazer evoluir, domando o vosso egoísmo e o vosso orgulho; o sentimento que levará a vossa alma à humildade, à benefi cência e ao amor a vosso próximo — esse sentimento é a piedade! Essa piedade que vos comove até o mais íntimo do ser, diante dos sofrimentos de vossos irmãos, que vos faz estender-lhes uma mão para socorrê-los e vos arranca lágrimas de simpatia.

Jamais sufoqueis nos vossos corações esta emoção celestial.Não façais como esses egoístas endurecidos que se afastam

dos afl itos, querendo com isso que a visão da miséria não lhes perturbem, por um só momento, a sua feliz existência. Temei, antes, fi car indiferentes quando podeis ser úteis. A tranquilidade comprada ao preço da indiferença culposa é a tranquilidade do mar Morto, que oculta no fundo de suas águas a lama fétida e a putrefação.

Quanto a piedade está longe de causar a perturbação e o aborrecimento que teme o egoísta! Sem dúvida que a vossa alma

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NÃO SAIBA A TUA MÃO ESQUERDA O QUE FAZ A TUA DIREITA

experimenta, no contato com a desgraça dos outros e ao senti-la em vós mesmos, um estremecimento natural e profundo, que fará vibrar todo o vosso ser e vos envolverá penosamente. Mas, a compensação é grande, quando vós conseguirdes devolver a coragem e a esperança a um irmão infeliz. Ele se comoverá com o aperto de uma mão amiga e seu olhar úmido, às vezes, de emoção e reconhecimento, se voltará docemente para vós, antes de elevar-se ao céu para agradecer por lhe haver enviado um consolador, um amparo misericordioso.

A piedade é a melancólica, mas celeste precursora da caridade, a primeira entre as virtudes de que ela é irmã e cujos benefícios ela prepara e enobrece (Miguel, Bordéus, 1862).

OS ÓRFÃOS

18. Meus irmãos amem os órfãos! Se vocês soubessem quanto é triste estar só e abandonado, sobretudo na infância!

Deus permite que haja órfãos, para nos estimular a servir-lhes de pais. Que divina caridade, a de ajudar a uma pobre criaturinha abandonada, de evitar que ela sofra fome e frio e de orientar-lhe a alma, a fi m de que não se perca nos vícios!

Quem estende a mão à criança abandonada é agradável a Deus, porque compreende e pratica a sua lei de fraternidade. Refl itam, também, que, muitas vezes, a criança que vocês amparam agora já lhes foi cara numa encarnação anterior. Se vocês pudessem recordar as vidas passadas, o amparo que hoje vocês oferecem a essa criança, não seria mais um ato de caridade, mas o cumprimento de um dever.

Assim, pois, meus amigos, todo sofredor é seu irmão e tem direito à sua caridade. Não a essa caridade que fere o coração, não a essa esmola que queima a mão daquele que a recebe, já que os óbolos que vocês distribuem são frequentemente muito

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CAPÍTULO XIII

amargosos! Quantas vezes eles seriam recusados se, no casebre, a enfermidade e a privação não os estivessem esperando!

Doem com delicadeza, juntando ao benefício que vocês fi zerem o mais precioso de todos os benefícios: uma palavra de carinho, um sorriso amigo. Evitem esse ar de proteção, que revolve a lâmina num coração que já está sangrando e pensem que, fazendo o bem, vocês trabalham para si mesmos e pelos seus irmãos (Um Espírito familiar, Paris, 1860).

BENEFÍCIOS PAGOS COM INGRATIDÃO

19. Que pensar das pessoas que, recebendo a ingratidão em troca dos benefícios prestados, não mais querem fazer o bem, com medo de reencontrar ingratos?

Estas pessoas têm mais egoísmo do que caridade. Fazem o bem somente para receber demonstrações de reconhecimento. Não estão fazendo o bem com desinteresse pessoal e, em verdade, somente o bem feito sem esperar gratidão do benefi ciado é que é agradável a Deus.

Há orgulho nos que fazem o bem esperando gratidão, porque eles se comprazem com a humilhação do benefi ciado que lhes venha depor aos pés o seu reconhecimento. Aquele que busca sobre a Terra a recompensa pelo bem que faz não a receberá no céu. Mas Deus reservará recompensa para aqueles que não a buscam na Terra.

É necessário sempre ajudar os fracos, mesmo sabendo que aquele a quem você faz o bem não lhe virá agradecer. Fique certo que, se aquele a quem você prestou serviços esquecer o benefício, Deus valorizará ainda mais a sua ação, do que se você recebesse o reconhecimento do benefi ciado. Deus permite, às vezes, que você seja pago com a ingratidão, para provar a sua perseverança em fazer o bem desinteressadamente.

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Como sabe você que esse benefício, esquecido por um momento, não lhe produzirá mais tarde bons frutos? Fique certo, ao contrário, de que essa é uma semente que germinará com o tempo.

Infelizmente, você não vê além do momento presente. Você trabalha por você e não tem em vista o seu próximo. Os benefícios prestados resultam no abrandamento dos corações mais endureci dos. Tais benefícios poderão fi car esquecidos na Terra, mas quando o Espírito daquele que foi benefi ciado se desenfaixar da veste física, ele se lembrará da ingratidão diante de seus benfeitores e essa lembrança lhe doerá no coração. Ele lamentará, então, a própria ingratidão. Quererá repará-la, como quem repara uma falta grave. Pagará a sua dívida de gratidão numa futura reencarnação, aceitando mesmo uma vida de dedicação ao seu benfeitor.

É assim que, sem você suspeitar, estará contribuindo para a evolução moral daquele que hoje se revela ingrato. Você reconhecerá, mais tarde, toda a verdade desta máxima: “Um benefício jamais se perde”. Mas, até lá, você terá trabalhado para o seu benefício pessoal, uma vez que terá o mérito de ter feito o bem com desinteresse, sem se deixar desencorajar pelas decepções.

Ah! meu amigo, se você conhecesse todas as ligações que, na vida atual, lhe atam às suas vidas anteriores! Se você pudesse ter uma visão ampla da multiplicidade de relações que ligam uns aos outros todos os seres, para o progresso mútuo, você admiraria muito mais a sabedoria e a bondade do Criador, que lhe permite reviver com aqueles com quem você já viveu, a fi m de você chegar até Ele (Guia Protetor, Sens, 1862).

BENEFICÊNCIA EXCLUSIVA

20. A benefi cência está sendo bem entendida, quando ela é praticada apenas entre as pessoas da mesma opinião, de uma mesma crença ou de um mesmo partido?

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CAPÍTULO XIII

Não! É sobretudo a esse espírito de seita e de partido que a benefi cência vem abolir. Todos os homens são irmãos entre si. O verdadeiro cristão, portanto, vê irmãos em todos os seus semelhantes. Para socorrer aquele que está em necessidade, ele não pergunta nem a sua crença, nem a sua opinião seja qual for.

Seguiria ele o preceito de Jesus Cristo, que diz para amar até mesmo os inimigos, se ele repelisse um infeliz tão-somente porque este tivesse uma fé religiosa diferente da sua? Que o ampare, pois, sem lhe pedir conta alguma das convicções do infeliz.

Se aquele que sofre for um inimigo da religião, o amparo que se lhe dê será o meio de fazer com que a ame. Em o repelindo, sem lhe prestar a benefi cência, o cristão o faria odiar a religião que discrimina os seres (Luís, Paris, 1860).

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HONRARÁS PAI E MÃE

XIV

HONRARÁS PAI E MÃE

1. Tu sabes os mandamentos: Não adulterarás; não matarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; não defraudarás alguém; honra a teu pai e a tua mãe (Marcos, capítulo X, versículo 19; Lucas, capítulo XVIII, versículo 20 e Mateus, capítulo XIX, versículo 19).

2. Honrarás a teu pai e a tua mãe, para teres uma dilatada vida sobre a terra que o Senhor teu Deus te há de dar (Decálogo, Êxodo, capítulo XX, versículo 12).

PIEDADE FILIAL

3. O mandamento: “honrarás vosso pai e vossa mãe”, é uma consequência da lei geral da caridade e do amor ao próximo, porque não se pode amar o próximo sem amar a seu pai e a sua mãe.

O termo honrar, no entanto, amplia o dever para com os pais, levando-o para a piedade fi lial. Deus quis demonstrar, assim, que ao amor se deve juntar o respeito, a estima, a submissão e a concordância espontânea. Isso tudo implica na obrigação de cumprir para com os pais, de uma maneira mais completa, tudo o que a caridade manda seja feita ao próximo.

Esse dever se estende, naturalmente, às pessoas que ocupam o lugar do pai e da mãe, cujo mérito é tanto maior, quanto o devotamento dessas pessoas é menos obrigatório.

A Justiça Divina cobra a violação desse mandamento.Honrar seu pai e sua mãe não será somente respeitá-los.

Será assisti-los em suas necessidades gerais. Será procurar dar-lhes repouso na velhice. Será cercá-los de atenções, assim como eles fi zeram por você na sua infância.

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CAPÍTULO XIV

É, sobretudo, com os pais sem recursos que se demonstra a verdadeira piedade fi lial. Cumpririam esse mandamento aqueles que creem fazer muito ao dar-lhes apenas o necessário para não morrerem de fome, enquanto eles mesmos não se privam de coisa alguma? Seria cumpri-lo, também, relegá-los a um quartinho nos fundos da moradia, apenas para não deixá-los na rua, enquanto que para si reservam o que há de melhor e mais confortável? Ainda bem quando isso não é feito de má vontade e não os obriga a pagar o tempo que lhes resta viver, descarregando sobre eles o peso do governo da casa! Será, então, aos pais velhos e fracos que caberá servir a fi lhos jovens e fortes? A sua mãe lhes teria vendido o leite quando eles estavam no berço? Contou ela, porventura, quando os fi lhos caíam doentes, os passos que dava para lhes dar o necessário?

Não! Não é somente o estritamente necessário que os fi lhos devem a seus pais pobres. Devem também, tanto quanto puderem, as pequeninas alegrias do supérfl uo, as coisas amáveis, a atenção delicada, que são apenas os juros do que receberam, o pagamento de uma dívida sagrada.

É somente essa piedade fi lial a aceita por Deus.Infeliz, portanto, daquele que se esquece do que deve aos

que o sustentaram na sua fraqueza infantil dos primeiros dias. Daqueles que com a vida material lhe doaram a vida moral e que, muitas vezes, se impuseram duras privações para lhe assegurar o bem-estar. Infeliz do ingrato, que sofrerá as consequências pela ingratidão e pelo abandono demonstrado a seus pais. Por sua vez, será ferido nas suas mais caras afeições, talvez nesta mesma existência, mas com toda a certeza numa reencarnação futura, em que sofrerá os mesmos dissabores que fez seus pais sofrerem.

Certos pais, é verdade, descuidam de seus deveres e não são para os seus fi lhos o que deveriam ser. Caberá, porém, à Justiça Divina cobrá-los por esses deslizes e não a seus fi lhos. Não compete aos fi lhos censurarem os seus pais, porque talvez eles mesmos fi zeram isso em vidas passadas, para merecer esses pais tais quais são hoje. Se a caridade estabelece como lei que se pague

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o mal com o bem, de sermos indulgentes com as imperfeições do próximo, de não maldizer do semelhante, de esquecer e perdoar as ofensas, de amar os inimigos, quanto essas obrigações não serão maiores, em relação aos pais?!

Os fi lhos devem, por isso, ter por regra de conduta para com os pais todos os preceitos de Jesus referentes ao próximo, lembrando-se de que toda conduta que for censurável em relação aos estranhos, mais censurável será em relação aos seus pais. Devem lembrar que aquilo que é uma falta em relação aos estranhos, será um verdadeiro crime moral quando alcança os pais, porque, neste último caso, à falta de caridade se ajunta a ingratidão.

4. O Senhor disse: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe, a fi m de que vivais longo tempo sobre a Terra que o Senhor vosso Deus vos dará”. Por que Ele prometeu como recompensa a vida sobre a Terra e não no plano celestial? A explicação está nestas palavras: “que Deus vos dará”, que foram suprimidas na versão moderna do Decálogo e que, por isso, lhe desfi guraram o sentido.

Para compreender a promessa divina, é necessário que nos reportemos à situação e às ideias dos hebreus, na época em que foi anunciada. Os hebreus, na realidade, não compreendiam a existência da vida espiritual. A sua visão não ia além da vida física. Eles deveriam ser mais sensibilizados pelas coisas que viam do que pelas que não viam. Em razão disso é que o Senhor lhes fala numa linguagem própria a seu entendimento naquela época. E, como se estivesse a dirigir-se a crianças, dá-lhes as esperanças que poderiam satisfazê-los. Achavam-se eles ainda no deserto. A terra que o Senhor lhes daria era a Terra da Promissão, objeto de suas aspirações maiores. Eles não desejavam nada além disso e o Senhor lhes diz que viverão longo tempo nessa terra, isto é, que a possuirão por longo tempo se eles observassem seus mandamentos.

Mas, na chegada de Jesus, as ideias dos hebreus estavam mais desenvolvidas. Tendo chegado o momento de lhes dar uma alimen tação espiritual mais substanciosa e real, para iniciá-los na verdadeira vida, Jesus lhes diz: “Meu reino não é deste mundo.

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CAPÍTULO XIV

É lá, e não sobre a Terra, que recebereis a recompensa de vossas boas obras”. Com estas palavras, a Terra de Promissão deixa de ser material e se transforma numa pátria celestial. Assim, quando o Mestre os chama à observação do mandamento: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”, já não é a Terra que lhes promete, mas o céu. (Ver capítulos II e III, desta mesma obra).

QUEM É MINHA MÃE E QUEM SÃO MEUS IRMÃOS

5. E foram para uma casa. E afl uiu outra vez a multidão, de tal maneira que nem sequer podiam comer pão. E, quando os seus ouviram isto, saíram para o prender, porque diziam: Está fora de si. — Chegaram então seus irmãos e sua mãe. E estando fora, mandaram-no chamar. E a multidão estava assentada ao redor dele e disseram-lhe: Eis que a tua mãe e teus irmãos te procuram, e estão lá fora. E Jesus lhes respondeu: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? — E, olhando em redor para os que estavam assentados junto dele, Jesus disse: Eis aqui a minha mãe e meus irmãos. Porquanto, qualquer que fi zer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe (Marcos, capítulo III, versículos 20, 21 e 31 a 35; Mateus, capítulo XII, versículos 46 a 50).

6. Certas palavras parecem estranhas nos lábios de Jesus. Contrastam com a sua bondade e inalterável benevolência para com todos.

Os incrédulos não deixam de fazer, desses aparentes contrastes, uma arma, para dizer que Ele se contradizia a si mesmo.

Um fato irrecusável, porém, é que a Doutrina de Jesus tinha por base essencial, por pedra angular desse edifício divino, a lei do amor e da caridade. Ele não poderia, pois, destruir de um lado o que construía do outro. Por isso é necessário tirar uma consequência rigorosa de suas ações e de seus preceitos: se certas afi rmativas de Jesus estão em contradição com o princípio do

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HONRARÁS PAI E MÃE

amor e da caridade, é que as palavras que lhe foram atribuídas ou estão mal reproduzidas, mal compreendidas, ou não são dele.

7. Admira-se, e com razão, de ver, na narrativa da vinda de sua mãe e dos seus irmãos, Jesus mostrar tanta indiferença para com os seus parentes, ao extremo de renegar a sua mãe.

Pelo que se refere a seus irmãos, é sabido que eles jamais tiveram muita simpatia por Jesus. Espíritos pouco evoluídos que eram, eles não haviam compreendido a sua missão. A conduta de Jesus, aos olhos de seus irmãos, era extravagante e os seus ensinamentos não os tocavam, tanto que nenhum de seus irmãos se fez seu discípulo. Eles pareciam mesmo que participavam até certo ponto, das mesmas prevenções que tinham os inimigos d’Ele. O fato é que eles acolhiam Jesus mais como um estranho do que como um irmão, quando Jesus se apresentava à família e, por isso, João, o Evangelista, diz, positivamente: “que nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele” (João, capítulo VII, versículo 5).

Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a sua ternura para com o seu Filho. É, porém, necessário convir, também, que ela não parece ter feito uma ideia muito justa da missão de Jesus. É que não se vê Maria seguindo os seus ensinamentos, nem dando testemunho de Jesus, como fez João Batista. A solicitude maternal era, nela, o sentimento dominante.

No tocante a Jesus, supor que Ele houvesse renegado a sua mãe, seria desconhecer-lhe o caráter. Um tal pensamento não poderia animar aquele que disse: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”. É, pois, necessário procurar outro motivo para as suas palavras, quase sempre envoltas sob a forma alegórica.

Jesus não perdia nenhuma ocasião de dar um ensinamento. Serviu-se, portanto, daquela oportunidade que se lhe oferecia, com a chegada de sua família, para estabelecer a diferença que existe entre o parentesco corporal e o parentesco espiritual.

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CAPÍTULO XIV

O PARENTESCO CORPORAL E O PARENTESCO ESPIRITUAL

8. Os laços do sangue não estabelecem, necessariamente, os laços entre os espíritos. O corpo procede do corpo, mas o espírito não procede do espírito, porque o espírito do reencarnante existia antes da formação do corpo.

Não é o pai que cria o espírito de seu fi lho. O pai não faz mais que lhe fornecer o envoltório físico, mas deve ajudar o fi lho no seu desenvolvimento intelectual e moral, para fazê-lo evoluir.

Os espíritos que se encarnam numa mesma família, sobretudo como parentes próximos, são, o mais frequentemente, espíritos simpáticos entre si, unidos pelas relações anteriores que se revelam por suas afeições recíprocas durante a vida terrena. Mas pode acontecer que esses espíritos sejam completamente estranhos uns aos outros, separados por antipatias igualmente anteriores, que se expressam também pelo seu antagonismo na Terra, para lhes servir de provações.

Os verdadeiros laços de família não são aqueles formados pela consanguinidade. São os que nascem da afi nidade e da comunhão de pensamentos, que unem os Espíritos antes, durante e após a sua encarnação. Por esta razão é que dois seres nascidos de pais diferentes podem ser mais irmãos pelo espírito do que se fossem irmãos de sangue. Eles podem atrair-se, procuram-se, tornam-se amigos, enquanto que dois irmãos consanguíneos podem se repelir, assim como vemos todos os dias.

Este é um problema moral que só o Espiritismo poderia resolver, pela pluralidade das existências (Veja o capítulo IV, item 13, desta mesma obra).

Há, portanto, duas espécies de família: as famílias por laços espirituais e as famílias por laços corporais. As primeiras são duráveis, fortifi cando-se pela depuração das almas e se perpetuam no mundo espiritual, através das diversas migrações da alma. As segundas são tão frágeis quanto à matéria, extinguindo-se com o

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HONRARÁS PAI E MÃE

tempo e, quase sempre, se dissolvem moralmente ainda na vida atual.

Foi este princípio de parentesco espiritual que Jesus quis fazer compreender existir, quando disse a seus discípulos: “Eis aí minha mãe e meus irmãos”, o que quer dizer: Esta é a minha família pelos laços do espírito, porque “qualquer um que faça a vontade de meu Pai, que está nos céus, é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

A inimizade dos irmãos de Jesus está claramente expressa na narração do Evangelho de Marcos, onde se escreve que eles se propunham a apoderar-se do Mestre, sob a alegação de que Ele havia perdido o espírito. Informado Jesus da chegada deles, e conhecendo os sentimentos que eles nutriam a seu respeito, era natural que dissesse, ao falar de seus discípulos no sentido espiritual: “Eis aí meus verdadeiros irmãos”. Como a mãe de Jesus os acompanhava, Ele generalizou o ensinamento, sem que isso implicasse, de modo algum, que haja pretendido que a sua mãe, segundo o corpo, nada lhe era como Espírito e que nada merecia d’Ele senão a indiferença. A conduta de Jesus, em outras circunstâncias, deixou sufi cientemente provado o carinho pela sua mãe.

Instruções dos EspíritosA INGRATIDÃO DOS FILHOS E OS LAÇOS DE FAMÍLIA

9. A ingratidão é um dos frutos mais diretos do egoísmo. Ela revolta sempre os corações honestos. Mas a ingratidão dos fi lhos para com os pais tem características ainda mais dolorosas.

É deste ponto de vista, mais especialmente, que vamos analisar as causas e os efeitos da ingratidão dos fi lhos. Nisto, como em outras questões morais, o Espiritismo vem lançar a luz sobre um dos problemas do coração humano.

Quando o Espírito deixa o seu corpo terreno, leva consigo as suas paixões ou as suas virtudes, inerentes à sua natureza. Vai

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CAPÍTULO XIV

ao mundo espiritual aperfeiçoar-se ou permanece estacionado em seu estágio evolutivo até que deseje se iluminar.

Alguns, portanto, levam consigo ódios violentos e desejos de vingança muito vivos. Entre estes, alguns são mais avançados, o que lhes permitirá entrever uma partícula da verdade no mundo dos Espíritos. Reconhecem, então, os funestos efeitos de suas paixões e são induzidos a tomar boas resoluções. Compreendem que, para chegarem a Deus, só existe um caminho: a caridade. Ora, não há caridade sem esquecimento das ofensas e das injúrias; não há caridade com ódio no coração e sem perdão.

É, então, que por um grande esforço, eles voltam o seu olhar para aqueles a quem detestaram sobre a Terra. Mas, ao vê-los, a sua inimizade desperta. Eles se revoltam contra a ideia de perdoá-los e, ainda mais, de renunciar a si mesmos. Rejeitam a ideia de amar aqueles que lhes destruíram talvez a fortuna, a honra, a família.

Apesar disso, o coração desses infortunados estará abalado. Eles hesitam, vacilam, sacudidos por sentimentos que se confl itam entre o amor e o ódio, o perdão e o esquecimento. Se neles a boa resolução predominar, pedem a Deus, imploram aos Bons Espíritos que lhes deem força no momento mais decisivo da prova.

Enfi m, depois de alguns anos de meditações e preces, um desses espíritos se aproveita de uma gestação que está para iniciar-se na família daquele a quem ele detestou, e pede aos Espíritos encarregados da Justiça Divina permissão para ocupar aquele corpo, prestes a formar-se, a fi m de cumprir o seu destino.

Qual será, então, a sua conduta nessa família?A conduta dependerá de maior ou menor persistência de

suas boas resoluções. O contato incessante com os seres que ele odiou é uma provação dolorosa, sob a qual ele sucumbirá se a sua vontade não for bastante forte. Assim, segundo a boa ou má resolução que prevaleça, ele será um amigo ou um inimigo daqueles entre os quais lhe foi dado viver.

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É assim que se explicam esses ódios, essas repulsões instintivas que são notadas da parte de certas crianças e que nenhum fato anterior parece justifi car. Nada, com efeito, nesta existência, poderia ter provocado essa antipatia gratuita. Para se lhe apreender a causa, faz-se necessário voltar os olhos para as vidas anteriores.

Oh! Espíritas! Compreendei, nesse momento, o grande papel da Humanidade! Compreendei que quando gerais um corpo, a alma que nele se reencarna vem do mundo espiritual para evoluir. Inteirai-vos de vossos deveres e colocai todo o vosso amor em aproximar essa alma de Deus. Esta é a missão que vos foi confi ada e recebereis a vossa recompensa se a cumprirdes fi elmente.

Vossos cuidados, a educação que lhe derdes, auxiliarão o seu aperfeiçoamento e a sua felicidade futura. Lembrai-vos de que a cada pai e a cada mãe, o Senhor perguntará: “Que fi zestes da criança que confi ei à vossa guarda?”. Se esse Espírito se conservou atrasado moralmente por vossa culpa, o vosso sofrimento será o de vê-lo entre os Espíritos mais infelizes, quando dependia de vós que ele fosse feliz. Então, vós mesmos, sobrecarregados de remorsos, pedireis para reparar o vosso erro. Solicitareis uma nova encarnação para vós e para ele, na qual o cercareis de mais cuidados e, ele, repleto de reconhecimento, vos envolverá no seu amor.

Não escorraceis, portanto, a criancinha que, no berço, repele a mãe, e nem aquele fi lho que vos paga o amor com ingratidão. Não foi o acaso que os fez assim e que vo-lo deu. Uma intuição imperfeita do passado se revela e podeis deduzir que um ou outro já odiou muito ou foi muito ofendido; que um ou outro veio para perdoar ou para expiar.

Mães! Abraçai a criança que vos causa lágrimas e dizei para vós mesmas: “Um de nós dois é o culpado”. Fazei jus às alegrias divinas que Deus concedeu à maternidade, ensinando a essa criança que ela está sobre a Terra para aperfeiçoar-se, amar e bendizer. Mas, muitas de vós, em vez de eliminar pela educação

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CAPÍTULO XIV

os maus princípios inatos dos fi lhos, trazidos de encarnações anteriores, mantêm e desenvolvem essas inclinações viciosas por uma culposa fraqueza ou por falta de cuidados. E, mais tarde, o vosso coração, ulcerado pela ingratidão de seus fi lhos, será para vós, a partir desta vida, o começo de vossa expiação.

A tarefa de educar vosso fi lho não é tão difícil quanto poderíeis pensar. Ela não exige o saber do mundo. O ignorante, como o sábio, podem realizá-la e o Espiritismo vem facilitá-la, ao tornar conhecida a causa da imperfeição do coração humano.

Desde o berço, a criança manifesta os instintos bons ou maus que traz de sua existência anterior. Os pais devem aplicar-se em estudá-los. Todos os males têm a sua origem no egoísmo e no orgulho. Espreitai, pois, os menores sinais que revelem os germes desses vícios morais e cuidai de combatê-los, sem esperar que eles se desenvolvam e que lancem raízes profundas. Fazei como o bom jardineiro que poda os brotos daninhos à medida que ele os vê aparecerem na árvore. Se deixardes que se desenvolvam o egoísmo e o orgulho em vossos fi lhos, não admireis, mais tarde, se vos pagarem a vossa dedicação com a ingratidão.

Quando os pais hajam feito tudo o que devem para o adiantamento moral de seus fi lhos, se não conseguiram êxito, eles não têm do que se culpar. A sua consciência pode fi car tranquila. Ao amargor muito natural que sentem pelo insucesso de seus esforços, Deus lhes reserva uma grande, uma imensa consolação. É que o Pai lhes dá a certeza de que a ingratidão do fi lho é apenas um atraso momentâneo de evolução. Outra reencarnação será proporcionada aos pais, para que terminem a obra começada e, um dia, o fi lho ingrato os recompensará com o seu amor (Veja o capítulo XIII, item 19, desta obra).

Deus não dá provas superiores às forças daquele que as pede. Ele somente permite as que possam ser cumpridas. Se a tarefa de educação do fi lho parece estar acima de vossa capacidade, não é que vos foi entregue um fardo que não podeis carregar. Não haverá falta de recursos para realizá-la, mas, sim, falta de vontade. Pois quantos existem que, em vez de resistirem aos maus pendores,

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HONRARÁS PAI E MÃE

se comprazem neles! Para estes, por certo, a Justiça Divina lhes reserva reencarnações dolorosas em que se corrigirão desta sua inclinação desajustada das leis.

Admirai, portanto, a bondade de Deus que jamais fecha a porta ao arrependimento. Um dia vem em que o culpado estará cansado de sofrer, o seu orgulho estará dominado. E eis que Deus abre seus braços paternais ao fi lho pródigo que se lança ao seus pés.

As grandes provas — escutai-me bem — são quase sempre o sinal do fi m de sofrimento e de aperfeiçoamento do Espírito, quando são aceitas com o pensamento em Deus. Esse é um momento maior na vida do Espírito e é nele que importa não falir em consequência de queixas e murmurações, se não se quiser perder o fruto de tais provas e ter que recomeçá-las. Ao invés de vos queixardes, agradecei a Deus, que vos oferece a oportunidade de vencer-vos, para vos dar o prêmio da vitória. Então, quando sairdes do turbilhão do mundo terrestre, vós entrareis no mundo espiritual e sereis ali aclamados como o obreiro que saiu vitorioso diante dos desafi os e dos riscos de sua tarefa.

De todas as provações, as mais penosas são aquelas que ferem o coração. Um que suporta com coragem as misérias e as privações materiais, cai sob o peso das amarguras domésticas, esmagado pela ingratidão de seus familiares. Oh! Esta é uma pungente angústia! Mas o que pode, nestas circunstâncias, reerguer a coragem moral abatida? O que a reerguerá será o conhecimento das causas do mal e a certeza de que, se há retaliações na alma, não há desesperos que durem eternamente, porque Deus não pode querer que a sua criatura sofra para sempre! Que há de mais consolador, de mais encorajamento do que este pensamento de que depende de si mesmo, de seus próprios esforços, o abreviar o sofrimento através da destruição, em si próprio, das causas do mal?

Mas, para isso, faz-se necessário que você não retenha o seu olhar somente sobre a Terra e nem veja a vida como sendo apenas urna existência. E indispensável que o entendimento se amplie, pairando no infi nito do passado e do futuro. Então a

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CAPÍTULO XIV

grande Justiça Divina se revela aos seus olhos e você esperará com paciência, porque terá compreendido o que lhe parecia monstruosidade da Terra, que são os confl itos familiares. Os ferimentos que você recebeu nas provas, lhe parecerão, então, simples arranhões. Examinando o conjunto de vidas de cada um, os laços de família se apresentam em seu verdadeiro sentido, ou seja, não são os laços frágeis da matéria que reúnem os membros da família, mas são os laços duráveis do Espírito os que se perpetuam e se consolidam com a purifi cação das almas, em vez de se romperem pela reencarnação.

Os Espíritos, cuja semelhança de gostos, de evolução moral e afetiva os identifi ca entre si, são induzidos a reunirem-se, formando famílias. Esses mesmos Espíritos, nas suas migrações terrenas, buscam agrupar-se, como faziam no plano espiritual antes da reencarnação. Desse encontro é que nascem as famílias unidas e homogêneas. Se, nas suas peregrinações, esses Espíritos são temporariamente separados, eles se reencontram mais tarde, felizes pelos progressos que alcançaram.

Mas, como eles não devem trabalhar apenas para si, Deus permite que outros Espíritos, menos evoluídos, venham a encarnar entre eles, a fi m de receberem conselhos e bons exemplos, no interesse de sua própria evolução. Esses Espíritos menos evoluídos tornam-se a causa, por vezes, da perturbação no meio daqueles que os acolhem, mas neles é que estão as provas e a tarefa a realizar.

Acolhei-os, portanto, como irmãos. Ajudai-os e, mais tarde, no mundo espiritual, a família espiritual se felicitará por haver salvo do naufrágio moral alguns desses Espíritos infelizes que, por sua vez, poderão salvar outros (Agostinho, Paris, 1862).

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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

XV

FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

O NECESSÁRIO PARA SALVAR-SEPARÁBOLA DO BOM SAMARITANO

1. E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. E estando todas as nações reunidas diante dele, apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas. E porá as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possui por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer; tive sede e destes-me de beber; era estrangeiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; estive na prisão e fostes ver-me. — Então, os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer? ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos estrangeiro e te hospedamos? ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou na prisão e te fomos ver? — E respondendo o Rei lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fi zestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fi zestes. — Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos, porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, sendo estrangeiro não me recolhestes, estando nu não me vestistes e enfermo e na prisão e não me visitastes. — Então eles também responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome ou com sede ou estrangeiro ou nu ou enfermo ou na prisão e não te servimos? — Então lhes responderá, dizendo: Em verdade vos digo que, quando a um destes pequeninos não o fi zestes, não o fi zestes a mim. — E irão esses para o tormento eterno, mas os justos para a vida eterna (Mateus, capítulo XXV, versículos 31 a 46).

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CAPÍTULO XV

2. E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? — E Jesus lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês? — E, respondendo, disse ele: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo. — E disse-lhe Jesus: Respondeste bem; faze isso e viverás. — Ele, porém, querendo justifi car-se a si mesmo disse a Jesus. E quem é o meu próximo? — E, respondendo Jesus, disse:

Descia um homem de Jerusalém para Jericó e caiu na mão dos salteadores, os quais o despojaram e, espancando-o, se retiraram, deixando-o meio-morto. Ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar e, vendo-o, passou de largo.

Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele, e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão. E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhe azeite e vinho. E, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele. E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros e deu-os ao hospedeiro e disse-lhe: Cuida dele, e tudo o que de mais gastares eu te pagarei quando voltar.

Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? — E o doutor da lei disse: O que usou de misericórdia para com ele. — Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira (Lucas, capítulo X, versículos 25 a 37).

3. Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, ou seja, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho.

Em todos os ensinamentos Jesus nos mostra essas virtudes como sendo o caminho da felicidade eterna. Bem-aventurado, diz Ele, os pobres de espírito, isto é, os humildes, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que são puros de coração. Bem-aventurados os que são brandos e pacifi cadores. Bem-aventurados os que são misericordiosos. Amai vosso próximo como a vós mesmos. Fazei aos outros o que quererieis que os outros vos fi zessem. Amai os vossos inimigos. Perdoai as ofensas,

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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

se quiserdes ser perdoados. Fazei o bem sem ostentação. Julgai-vos a vós mesmos ao invés de julgar os outros.

Humildade e caridade, eis o que não cessa de recomendar e o que dá, Ele mesmo, o exemplo. Orgulho e egoísmo, eis o que não cansa de combater.

Jesus, porém, fez mais do que recomendar a caridade como salvação. Coloca-a claramente, em termos bastante claros, como a condição única da felicidade futura.

No quadro que Jesus nos apresenta, do último julgamento, narrado por Mateus, é necessário, como em muitas outras coisas que Ele ensinou, separar o que faz parte da fi guração e alegoria. A homens como aos quais falava, ainda incapazes de compreenderem as coisas puramente espirituais, Ele deveria apresentar imagens materiais chocantes, capazes de sensibilizá-los. Estas imagens, para que pudessem ser aceitas, deveriam mesmo não se distanciarem muito das ideias comuns, quanto à forma, reservando-se sempre para o futuro a verdadeira signifi cação de suas palavras e dos pontos que, na época, Ele não poderia explicar de modo claro e direto. Mas, ao lado da parte acessória e fi gurada do quadro do juízo fi nal, há uma ideia dominante: a da felicidade que espera o justo e da infelicidade reservada ao mau.

No julgamento supremo, quais são os considerandos da sentença? Sobre o que se baseiam as indagações? Pergunta-se se foram cumpridas estas ou aquelas práticas exteriores? Não! Somente se pergunta uma coisa: a caridade praticada. E, em decorrência, se pronuncia dizendo: Vós que haveis assistido a vossos irmãos, passeis à direita e vós que fostes indiferentes com vossos irmãos, passeis à esquerda.

Informa-se, por acaso, sobre a não aceitação de novos princípios ou ideias da fé? Faz alguma diferença entre aqueles que crêem de um modo e os que crêem de outro modo? Não! pois Jesus coloca o samaritano, que era considerado como quem se punha contra o culto exterior, mas que praticava o amor ao

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CAPÍTULO XV

próximo, acima daquele que, cheio de formalidades, faltava com a caridade.

Jesus não faz da caridade, portanto, apenas uma das condições de salvação, mas a coloca como a condição única. Se outras condições houvesse para cumprir, Ele as teria anunciado. Se Ele coloca a caridade no primeiro lugar entre as virtudes é porque ela já contém todas as demais virtudes: a humildade, a brandura, a benevolência, a indulgência, a justiça, e porque a caridade é a total negação do orgulho e do egoísmo.

O GRANDE MANDAMENTO

4. E os fariseus, ouvindo que Jesus fi zera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar, dizendo: Mestre, qual é o grande mandamento na lei? — E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Estes dois mandamentos contêm toda a lei e todos os profetas (Mateus, capítulo XXII, versículos 34 a 40).

5. Caridade e humildade, eis o caminho único da salvação. Egoísmo e orgulho, eis o caminho da perdição.

Este princípio está, em termos precisos, nas palavras: “Amarás a Deus de toda a tua alma e teu próximo como a ti mesmo. Toda a lei e os profetas estão contidos, nestes dois mandamentos” E, para não deixar dúvidas sobre o que seria o amor a Deus e ao próximo, Jesus ajuntou: “E aqui está o segundo mandamento que é semelhante ao primeiro”, ou seja, que não se pode amar a Deus sem amar o próximo, nem amar o próximo sem amar a Deus. Tudo o que se faça contra o próximo, se está fazendo contra Deus.

Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se resumem nesta máxima: Fora da caridade não há salvação.

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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

NECESSIDADE DA CARIDADE, SEGUNDO PAULO DE TARSO

6. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse caridade seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, se eu não tivesse caridade, nada seria.

E ainda que eu distribuísse toda a minha fortuna para o sustento dos pobres, e ainda entregasse o meu corpo para ser queimado, se eu não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.

A caridade é paciente, é benigna, a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. A caridade não folga com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.

A caridade tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade e,

dentre essas três, a maior destas é a caridade (Paulo de Tarso, 1ª Epístola aos Coríntios, capítulo XIII, versículos 1 a 7 e 13).

7. Paulo de Tarso de tal modo compreendeu a grande verdade de caridade, que disse: “Ainda quando eu tivesse os dons da profecia e que eu penetrasse todos os mistérios; ainda quando eu tivesse toda a fé possível para transportar montanhas, se eu não tiver caridade, eu nada serei. Entre estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, a mais excelente é a caridade”.

Ele coloca assim, sem nenhuma dúvida, a caridade acima mesmo da fé. É que a caridade está ao alcance de todas as pessoas, do ignorante e do sábio, do rico e do pobre, e porque a caridade independe desta ou daquela crença em particular.

Paulo de Tarso vai além disso, defi nindo a verdadeira caridade. Ele a mostra não somente na benefi cência, mas na reunião de todas as qualidades do coração: na bondade, na benevolência para com o próximo.

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CAPÍTULO XV

FORA DA IGREJA NÃO HÁ SALVAÇÃO.FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

8. Enquanto que a máxima: “Fora da caridade não há salvação”, se apoia num princípio universal, abrindo para todos os fi lhos de Deus o acesso à felicidade suprema, o dogma “Fora da Igreja não há salvação” se apoia não sobre a fé fundamentada em Deus e na imortalidade da alma, fé que é comum a todas as religiões, mas se apóia em uma fé especial e baseada em dogmas particulares. É um tipo de fé exclusiva e particular de uma seita. Em decorrência, ao invés de unir os fi lhos de Deus, ela os divide. Ao contrário de estimular o amor a todos os irmãos, ela alimenta e estimula a desavença entre os que abraçam diferentes seitas dos diversos cultos religiosos, que se consideram reciprocamente como amaldiçoados na eternidade, embora sejam parentes e amigos neste mundo. Menosprezando a grande lei de igualdade diante do túmulo, esse princípio de fé particularista os afasta uns dos outros, até mesmo nos cemitérios.

A máxima: Fora da caridade não há salvação é a consagração do princípio de igualdade diante de Deus e da liberdade de consciência e de culto. Tomando esta máxima por regra de conduta, todos os homens se sentem irmãos e, qualquer que seja a maneira de cada um adorar o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros. Já com o dogma: Fora da Igreja não há salvação, os homens se condenam entre si, perseguem-se uns aos outros e vivem em inimizades. O pai não ora pelo fi lho, nem o amigo ora pelo amigo, desde que mutuamente se consideram condenados a um inferno e sem perdão para o pecado de ter uma fé diferente da de outra pessoa. Este dogma é, pois, essencialmente contrário aos ensinamentos do Cristo e da lei evangélica.

9. Fora da verdade não há salvação seria igual ao dogma de Fora da Igreja não há salvação e, também, tão exclusivista como este último. É que não existe uma só seita religiosa que não pretenda possuir o privilégio da verdade.

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FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

Qual o homem que se pode vangloriar de possuir a verdade toda, integralmente, quando todas as áreas do conhecimento crescem sem cessar e quando as ideias são retifi cadas a cada novo dia? A verdade total é o conjunto de conhecimentos dominados unicamente pelos Espíritos de ordem muito elevada. A Humanidade terrena não poderá pretendê-la, porque não lhe é dado saber tudo. A Humanidade não pode aspirar mais que uma verdade parcial e proporcional à sua própria evolução.

Se Deus tivesse feito da posse da verdade total a condição única da felicidade futura, isso seria uma sentença de sofrimento completo e geral para todos e para sempre. A caridade, no entanto, é o caminho para atingir esse estado de felicidade. É que a caridade, mesmo no seu sentido mais amplo, pode ser praticada por todos.

O Espiritismo, pondo-se de acordo com o Evangelho, admite a salvação para todos, independentemente da crença religiosa de cada um. Bastará que observem a lei de Deus. Por isso, não se diz: Fora do Espiritismo não há salvação, e, como também o Espiritismo não pretende ensinar toda a verdade ainda, também não diz: Fora da verdade não há salvação, princípio este que dividiria os homens ao invés de uni-los e perpetuaria os antagonismos entre todas as criaturas.

Instruções dos Espíritos FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO

10. Meus fi lhos, na máxima: Fora da caridade não há salvação, estão contidos os destinos dos homens sobre a Terra e no céu. Sobre a Terra, porque à luz desse estandarte eles viverão em paz. No céu, porque aquele que houver praticado esse princípio encontrará graças diante do Senhor.

Essa divisa é o facho celeste, a luminosa coluna que guia o homem no deserto da vida para conduzi-lo à Terra da Promissão.

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CAPÍTULO XV

Ela brilha no céu como uma auréola santa na fronte dos eleitos e sobre a Terra ela está gravada no coração daqueles para quem Jesus dirá: “Passai à direita, vós que sois os benditos de meu Pai”. Podeis reconhecer os escolhidos para a felicidade futura pelo perfume da caridade que se derrama em torno deles.

Nada exprime melhor o pensamento de Jesus, nada resume mais os deveres do homem, que essa máxima de ordem divina: “Fora da caridade não há salvação”. O Espiritismo não poderia provar melhor a sua origem divina, do que a ofertando por regra de conduta, porque esse princípio espelha o mais puro cristianismo.

Tomando-a por guia, o homem jamais se transviará.Aplicai-vos, então, meus amigos, a penetrar no sentido

profundo e nas consequências da aplicação dessa máxima universal e a descobrir por vós mesmos a maneira de praticar a caridade. Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade e vossa consciência vos responderá sobre o bem e o mal. E a caridade não somente evitará que façais o mal, mas também vos levará a fazer o bem. Não basta uma virtude negativa, fruto de não fazer o mal. É necessário uma virtude ativa, que nasce de fazer o bem. Para fazer o bem é sempre indispensável a ação da vontade; para não fazer o mal, bastam a inércia e a omissão.

Meus amigos agradeçam a Deus que permitiu que pudésseis benefi ciar-vos da luz do Espiritismo. Não é que somente os que a possuem possam salvar-se, mas porque, em vos ajudando a com-preender melhor os ensinamentos do Cristo, o Espiritismo vos torna melhores cristãos.

Agi de tal modo, como verdadeiros cristãos, que os que vos virem possam dizer que o verdadeiro Espírita e o verdadeiro Cristão são uma só e a mesma coisa, porque todos os que praticam a caridade são discípulos de Jesus, qualquer que seja o culto a que pertençam (Paulo, o Apóstolo, Paris, 1860).

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NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM

XVI

NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM

SALVAÇÃO DOS RICOS

1. Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque ou há de aborrecer a um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom (Lucas, capítulo XVI, versículo 13).

2. E eis que, aproximando-se dele um mancebo, disse-lhe: Bom Mestre, que farei para conseguir a vida eterna? E Jesus lhe disse: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida eterna, guarda os mandamentos.

Indagou-lhe o moço: E quais mandamentos? E Jesus lhe respondeu: Não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, e amarás o próximo como a ti mesmo.

Disse-lhe o moço: Tudo isso tenho guardado desde a minha infância. Que me falta ainda? — Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me. — E o mancebo, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades. — Disse, então, Jesus a seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil um rico entrar no reino dos céus. E, outra vez vos digo, que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. — Os seus discípulos, ouvindo isto, admiraram-se muito, dizendo: Quem poderá, pois, salvar-se? — E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível 1 (Mateus, capítulo XIX, versículos 16 a

1. Esta fi gura arrojada pode parecer um tanto forçada, porque não se pode perceber que relação existe entre um camelo e uma agulha. Ocorre que, em hebreu, a mesma palavra se aplica para cabo e camelo. Na tradução do Evangelho lhe deram esta última acepção. Mas é provável que ela tenha sido aplicada com o sentido de cabo, que seria o pensamento de Jesus. Isto é, pelo menos, o mais natural.

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CAPÍTULO XVI

24; Marcos, capitulo X, versículos 17 a 25 e Lucas capítulos XVIII, versículos 18 a 25).

GUARDAR-SE DA AVAREZA

3. E disse-lhe um homem da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança. — Mas Jesus lhe respondeu: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou repartidor entre vós? E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer um não consiste na abundância do que possui. — E propôs-lhes uma parábola dizendo: A herdade de um homem rico tinha produzido em abundância. E arrazoava ele entre si, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher meus frutos. E disse: Farei isto: derrubarei os meus celeiros e edifi carei outros maiores, e ali recolherei tudo o que tenho e os meus bens e direi à minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, bebe e folga. — Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros e não é rico para com Deus (Lucas, capítulo XII, versículos 13 a 21).

JESUS NA CASA DE ZAQUEU

4. E tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. E eis que havia ali um homem chamado Zaqueu e era este um chefe dos publicanos e era rico. E procurava ver quem era Jesus e não podia, por causa da multidão, pois era de pequena estatura. E, correndo adiante, subiu numa fi gueira brava para o ver, porque havia de passar por ali. E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me convém pousar em tua casa. — E, apressando-se, Zaqueu desceu e, recebeu-o gostosamente. E vendo todos isto, murmuravam, dizendo que Jesus entrara para ser hóspede de um homem pecador. — E levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu dou aos pobres a metade de meus bens e se

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NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM

n’ alguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado. — E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é fi lho de Abraão, porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido (Lucas, capítulo XIX, versículos 1 a 10).

PARÁBOLA DO MAU RICO

5. Ora, havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho fi níssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele rico e que desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico e os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas.

E aconteceu que o mendigo morreu e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão. E morreu também o rico e foi sepultado e, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro em seu seio e, clamando, disse o rico: Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda Lázaro que molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. — Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, e Lázaro somente males e agora este está consolado e tu atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e ti, de sorte que os que quisessem passar daqui para ti não poderiam, nem tão pouco os daí passar para cá. — E disse ele: Rogo-te, ó pai, que mandes Lázaro para a casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, a fi m de que dê testemunho, para que não venham também para este lugar de tormento. — Disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. — E disse ele: Não, pai Abraão. Mas, se algum dentre os mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. — Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tão pouco acreditarão, ainda que alguns dos mortos ressuscitem (Lucas, capítulo XVI, versículos 19 a 31).

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CAPÍTULO XVI

PARÁBOLA DOS TALENTOS

6. Porque isto é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos, entregando-lhes os seus bens. E a um deu cinco talentos e a outro dois e a outro um, a cada qual segundo a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe.

E tendo ele partido, o que recebeu cinco talentos negociou com eles, e granjeou outros cinco talentos. Da mesma forma, o que recebera dois talentos, negociou com eles e recebeu outros dois. Mas o que recebera um talento, foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.

Muito tempo depois, veio o senhor daqueles servos, e fez contas com eles. Então aproximou-se o que recebera cinco talentos, e trouxe-lhe outros cinco talentos, dizendo-lhe: Senhor, entregaste-me cinco talentos. Eis aqui outros cinco talentos que ganhei com eles. — Então o senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fi el, sobre o muito te colocarei. Entre no gozo de teu senhor. — E, chegando também o que tinha recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos e eis que com eles ganhei outros dois talentos. — Disse-lhe o senhor: Bem está, servo bom e fi el. Sobre o pouco foste fi el, sobre muito te colocarei. Entra no gozo do teu senhor. — Mas, chegando também o que recebera um talento, disse: Senhor, eu te conhecia que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e juntas onde não espalhaste. E, atemorizado, escondi na terra o teu talento. Aqui tens o que é teu. — Respondendo, porém, o seu senhor lhe disse: Mau e negligente servo. Se sabias que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei, então devias ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o meu com os juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos, porque a qualquer que tiver será dado e terá em abundância, mas ao que não tiver, até o que tem lhe será tirado. Lançai, pois, o servo inútil nas trevas exteriores. Ali haverá pranto e ranger de dentes. E quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono de sua glória (Mateus, capítulo XXV, versículos 14 a 30).

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UTILIDADE PROVIDENCIAL DA RIQUEZA

7. Se a riqueza devesse ser um obstáculo total para a salvação daqueles que a possuem, assim como se pode deduzir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o seu sentido, Deus, que a concede, colocaria nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem nenhuma outra alternativa.

Essa dedução, porém, se choca com a razão!A riqueza é, sem dúvida, uma prova muito arriscada. É

mais perigosa do que a prova de miséria. É que a riqueza sugere arrastamentos, desperta tentações e exerce grande fascinação. É o supremo estimulante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. É um laço muito forte que prende o homem à Terra e desvia os pensamentos do céu. Ela produz uma tão grande alteração de comportamento que, muitas vezes, aquele que passa da miséria para a riqueza, de pronto esquece a sua origem, esquece aqueles que o ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e fútil.

Mas, por tornar o caminho do bem mais difícil, não se conclua que o torne impossível. Pode, por outro lado, tornar-se um meio de salvação nas mãos daquele que dela sabe servir-se, como certos venenos que restabelecem a saúde, quando empregados com esse propósito e discernimento.

Jesus disse ao jovem que o indagava sobre os meios de ganhar a vida eterna: “Desfaze-te de teus bens e segue-me”. Assim dizendo, Jesus não pretendeu estabelecer como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só se consegue ao preço desse sacrifício da fortuna. Mostrava-lhe, contudo, que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação.

Aquele jovem, com efeito, se julgava quite, porque observara alguns mandamentos. Portanto, recusou a ideia de abandonar seus bens. Seu desejo de obter a vida eterna não ia ao extremo do sacrifício de se desapegar de seus bens.

O que Jesus lhe propunha, era uma prova decisiva, para desnudar o fundo de seus pensamentos. O jovem podia, sem

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CAPÍTULO XVI

dúvida, ser um homem perfeitamente honesto, segundo o juízo da sociedade. Poderia não causar dano a ninguém e nem maldizer o seu próximo. Poderia não ser vazio de valores morais, nem orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas não tinha a verdadeira caridade, pois que a sua virtude não chegava até a abnegação. Eis o que Jesus lhe quis demonstrar. Era uma aplicação do princípio: “Fora da caridade não há salvação”.

A consequência dessas palavras de Jesus, se tomadas no seu signifi cado rigoroso, seria a abolição da riqueza, como prejudicial à felicidade futura e como origem de incontáveis males sobre a Terra. Porém, isso seria a condenação do trabalho que a pode proporcionar. E essa condenação seria absurda porque faria o homem regredir à vida selvagem o que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é uma lei de Deus.

Se a riqueza é a causa de muitos males, se ela estimula tanto as más paixões, se ela provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos atribuir tais coisas. Atribuamo-las ao homem que dela abusa, como tem abusado de todos os dons de Deus. Pelo abuso o homem torna pernicioso até aquilo que lhe poderia ser mais útil. É uma consequência do estado inferior do mundo terrestre.

Se a riqueza, em si, não devesse mais do que produzir o mal, Deus não a poria sobre a Terra. Cabe ao homem, no entanto, dela fazer sair o bem. Se ela não é um elemento de evolução moral, ela é, sem contestação, um poderoso elemento do desenvolvimento da inteligência humana.

O homem, com efeito, tem a missão de trabalhar pelo aprimoramento material da Terra. Cabe-lhe desbravá-la, saneá-la, a fi m de prepará-la para receber um dia toda a população que se comporta na sua extensão. Para alimentar essa população, que cresce sem cessar, é necessário aumentar a produção de alimentos e bens. Se a produção de uma região for insufi ciente para abastecer os consumidores, o que faltar deve ser procurado noutras localidades. Por esse comércio de bens, as relações entre os povos tornam-se uma necessidade. Para tornar mais fáceis essas

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relações entre os povos, faz-se necessário desobstruir os acidentes geográfi cos que os separam, permitindo comunicações mais fáceis e rápidas.

Por essas atividades, que são obras que se realizam em séculos, o homem teria que extrair materiais das entranhas da terra. Ele procurou, para que isso lhe fosse possível, na própria Ciência os meios de executar as suas obras mais segura e rapidamente. Mas para executá-las, precisa de recursos amoedados. Em decorrência, essa necessidade o fez criar a riqueza, como o fez estimular o crescimento da Ciência.

A atividade requerida para esses mesmos trabalhos a que se emprega trouxe-lhe o desenvolvimento de sua inteligência. Essa inteligência que se concentra inicialmente sobre a satisfação das necessidades materiais, é o que o ajudará, mais tarde, a compreender as grandes verdades morais.

Sendo, pois, a riqueza o primeiro meio de execução de sua missão sobre a Terra, e sem a qual não haveria grandes obras, grandes atividades, nem grandes estímulos e grandes pesquisas, ela pode ser considerada, com razão, como um elemento de evolução do próprio homem.

DESIGUALDADE DAS RIQUEZAS

8. A desigualdade das riquezas, entre os homens, é um desses problemas que inutilmente se procurará solucionar, quando se considerar apenas a vida atual.

A primeira questão que se apresenta é esta: “Por que todos os homens não são igualmente ricos?”. Eles não são igualmente ricos por uma razão bem simples: é que não são igualmente inteligentes, ativos e laboriosos para adquirir a fortuna, nem sóbrios e previdentes para conservá-la.

Considere-se, também, que é um princípio matematicamente demonstrado que, se a riqueza fosse dividida em partes iguais para cada um, essa parte seria mínima e insufi ciente. Supondo-se

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que fosse feita essa divisão, o seu equilíbrio seria rompido, em pouco tempo, pela diversidade de características e de capacidade que há entre os homens.

Supondo-se, porém, que essa divisão da riqueza fosse possível e durável, tendo cada pessoa com o que viver, teríamos a extinção de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o bem-estar da Humanidade.

Supondo-se, ainda, que a cada um se dê o necessário para alimentar-se, vestir-se e alcançar todo conforto material, já não haveria mais o estímulo necessário que impele o homem para as grandes descobertas e para os grandes empreendimentos úteis à coletividade.

Se Deus a concentra sobre certos pontos, é para que daí se expanda em quantidade sufi ciente, segundo as necessidades das realizações humanas.

Admitido isto, indaga-se por que Deus a concede a pessoas incapazes de fazê-la frutifi car para o bem de todos. Está aí uma prova da sabedoria e da bondade da Providência Divina. Ao conceder ao homem o livre-arbítrio, Deus quis que o homem chegasse, por sua própria experiência e decisão, a discernir o bem e o mal e, consequentemente, a praticar o bem como resultado de seus esforços e de sua própria vontade.

O homem não deve ser fatalmente conduzido ao bem e nem ao mal. Se assim fosse, ele não seria mais que um instrumento passivo e sem responsabilidade como os animais. A riqueza é, assim, um meio de prová-lo moralmente. Mas como a riqueza é, ao mesmo tempo, um poderoso meio de ação para o progresso, Deus não quer que ela se torne por longo tempo improdutiva. Deus a desloca incessantemente de uma mão para a outra. Cada uma das pessoas deve possuí-la, para exercitar-se no seu uso e demonstrar o emprego que sabe dar-lhe.

Há, porém, a impossibilidade material de conceder a riqueza a todos ao mesmo tempo. Se todos a possuíssem ao mesmo tempo, ninguém trabalharia e o progresso da Terra sofreria com

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isso. Por tal razão, cada um a possuirá por sua vez. Assim é que, aquele que hoje não a tem, já a teve em outra existência anterior ou a terá no futuro. E o que hoje a possui, não a terá amanhã.

Há ricos e pobres, porque Deus sendo justo faz com que cada um trabalhe por sua vez. A pobreza é, para uns, a prova da paciência e da resignação. A riqueza é, para outros, a prova da caridade e da abnegação.

Lamenta-se, com razão, o triste uso que algumas pessoas fazem de sua fortuna, as lamentáveis paixões que a cobiça provoca e, por isso, pergunta-se: Deus é justo ao conceder a riqueza para tais pessoas? É certo que, se o homem não tivesse outra existência, nada justifi caria uma tal distribuição de bens da Terra. Mas, se não nos limitarmos tão-somente à vida atual, e considerarmos o conjunto de reencarnações, veremos que tudo se equilibra com justiça. O pobre não tem, portanto, motivos para acusar a Providência Divina e nem para invejar os ricos. Os ricos, por sua vez, não têm motivos para se glorifi carem do que possuem.

Se os ricos abusam, não será com decretos e nem com leis maliciosas que se consertará o mal. As leis podem modifi car momentaneamente a aparência do mal, mas não podem modifi car a natureza dos sentimentos. Eis porque as leis injustas têm uma duração curta e são, quase sempre, seguidas de uma reação desenfreada.

A origem do mal está no egoísmo e no orgulho. Os abusos, de qualquer natureza, cessarão por si mesmos, quando os homens orientarem suas ações sob a inspiração da lei de caridade.

Instruções dos Espíritos A VERDADEIRA PROPRIEDADE

9. O homem não possui como sua propriedade a não ser aquilo que pode levar deste mundo. O que ele aqui encontra ao chegar pela porta do berço e o que ele deixa ao partir pela porta do túmulo, ele goza enquanto aqui permanecer. Mas, se ele está

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obrigado a abandonar as coisas da Terra, na própria Terra, ele só tem o usufruto das coisas e não a sua propriedade real.

O que é, então, que ele possui?Ele nada possui daquilo que se usa sobre o corpo, mas

somente o que é de uso da alma. É dele a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Eis aí o que ele traz e não deixa no túmulo ao partir desta existência. Isso é o que ninguém lhe pode tirar e que lhe servirá muito mais no plano espiritual do que lhe serve neste mundo.

Do homem, pois, dependerá estar mais enriquecido de qualidades pessoais ao partir do que quando chegou a este mundo. Do que tiver adquirido na prática do bem, dependerá a sua situação espiritual no plano dos Espíritos.

Quando um homem vai a um país distante, ele fará a sua bagagem com os objetos que sejam de uso no país para onde se transferirá. Ele não se carrega de coisas que lhe serão inúteis. Façam, pois, o mesmo, em relação à sua vida futura, aprovisionando-se de tudo o que lá lhes poderá servir.

Ao viajante que chega a um hotel, dá-se um bom apartamento se ele puder pagar a diária. Para um outro, de pequenos recursos, o alojamento será menos confortável. E, quanto àquele que nada tem, esse dormirá no relento. Assim é, também, com o homem quando ele retorna ao mundo espiritual. O lugar para onde ele vai está subordinado às suas posses, mas lá não se pode pagar com o dinheiro da Terra o lugar que ele ocupará.

Ninguém lhe perguntará “Quanto tinhas de riquezas sobre a Terra? Que posição ocupavas? Eras patrão ou empregado?”. — Lá, a única indagação que lhe farão será: “Que trazes contigo?”.

Não avaliarão os bens e os títulos de quem chega, mas a soma de suas virtudes. Ora, nesta espécie de tomada de valores, o empregado poderá ser mais rico do que o patrão. Inutilmente alguém alegará, no mundo espiritual, que antes de sua partida ele pagou a sua entrada no outro mundo a peso de ouro. É que terá como resposta: “Os lugares aqui não são comprados. Eles

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são conquistados pelo bem que hajas feito. Com o dinheiro da Terra pudeste adquirir fazendas, casas, palacetes. Aqui, no entanto, tudo se adquire com as qualidades do coração. És rico dessas qualidades? Se as tens, és bem-vindo e irás ao primeiro lugar, onde todas as venturas te esperam. És, porém, pobre dessas qualidades? Irás, então, ao lugar, onde serás tratado de acordo com a tua pobreza de sentimentos” (Pascal, Genebra, 1860).

10. Os bens da Terra pertencem a Deus, que os concede de acordo com os seus desígnios. O homem é, desses bens, apenas o usufrutuário, o administrador mais ou menos íntegro e inteligente. Esses bens não são propriedade individual do homem que os tem na sua posse, tanto que Deus frustra, frequentemente, todas as suas previsões. A fortuna escapa das mãos daqueles mesmos que julgam possuí-la segura com os melhores títulos e os maiores cuidados.

Vocês dirão, no entanto, que isso ocorre somente com as riquezas recebidas por herança. Dirão que tal não acontece com aquela que vocês adquiriram com o seu trabalho. Sem nenhuma dúvida, se há uma fortuna legítima, essa é aquela que se adquire honestamente, porque uma propriedade só é legitimamente adquirida quando, para ter a sua posse, não se prejudicou a ninguém.O homem será chamado a contas, porém, por todo dinheiro mal adquirido ou adquirido com prejuízo de outros.

Mas, do fato de um homem dever a sua fortuna a si próprio, tirará disso alguma vantagem ao morrer? Não são frequentemente inúteis os seus cuidados ao transmitir a sua fortuna a seus descendentes? Na verdade esses cuidados chegam a ser inúteis, porque se a Justiça Divina não quiser que os herdeiros a recebam, nada prevalecerá contra as disposições dessa Justiça.

Poderá o homem usar e abusar de sua fortuna, durante a sua vida, impunemente, sem que tenha de prestar contas? Não! pois ao permitir adquiri-la, a Justiça Divina pode ter querido recompensá-lo, durante essa existência, pelos seus esforços, pela sua coragem, pela sua perseverança. Mas essa fortuna não lhe terá sido concedida para servir de satisfação a seus sentidos grosseiros

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ou a seu orgulho. Se a riqueza em suas mãos tornar-se causa de sua queda, melhor fora não tê-la em sua posse. É que com o mau uso, esse homem perde de um lado o que ganhou do outro, anulando o mérito de seu trabalho. E quando deixar a Terra, Deus lhe dirá que ele já recebeu a sua recompensa (M. Espírito Protetor, Bruxelas, 1861).

EMPREGO DA FORTUNA

11. “Não podeis servir a Deus e a Mamom.” — Guardai bem isso, vós que sois dominados pela paixão do ouro, vós que venderíeis a vossa alma para enriquecer, tão-somente porque isso vos elevaria aos olhos dos outros homens e vos concederia os prazeres das paixões.

Não! não podeis servir a Deus e a Mamom!Se sentis, portanto, a vossa alma dominada pelas cobiças da

carne, dai-vos pressa de sacudir o jugo que vos esmaga. A Justiça Divina, justa e correta, vos dirá: “Que fi zeste, mordomo infi el, dos bens que te foram confi ados? Esse poderoso meio de fazeres as boas obras, tu o colocaste somente a serviço de tuas satisfações pessoais?”.

Qual é, então, o melhor emprego da fortuna?Procurai a resposta nestas palavras de Jesus: “Amai-vos

uns aos outros”. Aí está a solução da questão levantada. Está aí o segredo de bem empregar as riquezas. Aquele que se acha animado do amor ao próximo, tem nesse amor traçada toda a linha de conduta do emprego da riqueza.

A aplicação da fortuna que mais agrada a Deus está na caridade. Não nos referimos a essa caridade fria e egoísta, que consiste em distribuir, em torno de si, o supérfl uo de uma existência repleta de luxo. Referimo-nos, isto sim, à caridade plena de amor, que busca a desgraça e a ampara, sem humilhar.

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Rico, dá do que te sobra! Faça mais: doa um pouco do que te é necessário, porque o que te é necessário é, quase sempre, o supérfl uo. Mas dá com sabedoria! Não afasta de teu coração aquele que chora, com medo de seres enganado. Mas vai à origem do mal que provoca essas lágrimas. Alivia antes, informa-te depois. E vê se o trabalho, os conselhos, a afeição mesmo, não serão muito mais efi cazes do que a tua esmola. Propaga, por onde passar, com o amparo material que doa, o amor de Deus, o amor ao trabalho e o amor ao próximo. Coloca as tuas riquezas sobre uma base que não te faltará jamais e que te trará de retorno muitos juros espirituais: a base das boas obras.

A riqueza da inteligência deve servir-te como a própria riqueza de bens da Terra. Distribui, em torno de ti, os bens da instrução. Distribui sobre os teus irmãos os recursos de teu amor e eles darão, a seu devido tempo, os seus próprios frutos (Cheverus, Bordéus, 1861).

12. Quando eu considero a brevidade da vida, sou dolorosamente impressionado com a vossa incessante preocupação com o bem-estar material, que é para vós a razão de ser da vida. Dais pouca importância e consagrais reduzido tempo à vossa evolução moral e esta é a que será mais levada em conta para a vossa eternidade.

Seria de crer, ao ver a atividade que desenvolveis, que o bem estar material é uma questão do mais alto interesse para a Humanidade. No entanto, quase sempre, a agitação a que vos entregais visa tão somente atender a satisfação de vossas necessidades exageradas, de vossa vaidade ou para vos entregardes a excessos de toda natureza. Que sofrimento, que cuidados, que tormentos cada um se impõe para o bem estar material! Quantas noites de insônia, tão somente para aumentar uma fortuna frequentemente mais do que sufi ciente para todas necessidades e supérfl uos! Por cúmulo de cegueira, não é raro o homem não ver que a sua imoderada paixão pela fortuna e pelos prazeres que ele procura, aprisionam-no a um trabalho penoso. Vangloria-se

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de uma existência dita de sacrifícios e de mérito, como se ele trabalhasse pelos outros e não por si mesmo.

Insensatos! Credes, então, realmente, que vos serão levados em conta os cuidados e os esforços que o egoísmo e a cupidez ou o orgulho sejam a motivação? Não vedes que, assim, negligenciais do vosso futuro, bem como dos deveres que a solidariedade fraternal impõe a todos os que usufruem das vantagens da vida social? Pensastes apenas no vosso corpo perecível! Seu bem estar, seus prazeres, foram o único alvo de vossa solicitude egoística. Por tudo o que morre, esquecestes o vosso Espírito que viverá para sempre.

Por isso esse senhor, tão mimado e acariciado, que é o vosso corpo, tornou-se o vosso tirano. É ele que dá ordens a vosso espírito. E o vosso espírito se faz o seu escravo submisso.

Seria essa a fi nalidade da existência que Deus vos concedeu? (Um Espírito Protetor, Cracóvia, 1861).

13. O homem sendo o depositário, o gerente dos bens que Deus lhe depositou entre as mãos, lhe serão pedidas contas exatas do emprego que dará a esses bens, em virtude de seu livre-arbítrio. O mau emprego desses bens consiste em utilizá-los exclusivamente para a sua satisfação pessoal. Ao contrário, o seu emprego é bom todas as vezes que resulta em algum benefício para os outros.

O merecimento, de toda ação generosa, está na quantidade de sacrifícios que a pessoa se impõe para realizá-la. A benefi cência é apenas um campo onde empregar a fortuna: alivia a miséria; aplaca a fome; livra do frio e dá um abrigo aos abandonados.

Há, porém, um dever tanto mais imperioso e tanto mais meritório, e que consiste em prevenir a miséria. E esta é a missão das grandes fortunas, tendo por campo de aplicação a criação de trabalhos de todos os gêneros para que os desvalidos os possam executar. E mesmo que desses trabalhos se retire um resultado legítimo, o bem não deixaria de existir, porque o trabalho desenvolve a inteligência e exalta a dignidade do homem, sempre

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lhe permitindo dizer que ganha o pão que come, enquanto a esmola o humilha e degrada. A fortuna concentrada numa só mão deve ser como uma fonte de água viva que espalha a vida farta e o bem-estar à sua volta.

Oh! Vós, ricos, que empregais a fortuna segundo os desejos do Senhor, o vosso próprio coração será o primeiro a beber da água dessa fonte amorosa. Vós tereis, já nesta vida, os prazeres encantadores da alma, ao invés dos prazeres materiais do egoísta que deixam um vazio no coração.

Vosso nome será abençoado sobre a Terra e, quando a deixardes, o Soberano Senhor vos dirá, como na parábola dos talentos: “Oh! Bom e fi el servidor, entrai na alegria do vosso Senhor”. Nessa parábola, o servidor que colocou na terra o talento que lhe fora confi ado, não é a imagem dos avarentos, entre as mãos dos quais a fortuna nada produz? Se, entretanto, Jesus fala principalmente das esmolas, é porque no tempo em que falava e no país em que Ele vivia, não se conheciam os trabalhos que as técnicas e as indústrias viriam a criar mais tarde e nos quais a fortuna poderia ser aplicada utilmente para o benefício geral.

A todos aqueles que podem doar, pouco ou muito, eu direi, pois: “Dai esmola, quando ela seja necessária, mas tanto quanto possível, convertei-a em salário, a fi m de que aquele que o receba não se envergonhe dele” (Fénelon, Alger, 1860).

DESPRENDIMENTO DOS BENS TERRENOS

14. Eu venho, meus irmãos, meus amigos, trazer-vos o meu óbolo, para vos ajudar a avançar corajosamente no caminho da evolução em que vós entrastes. Nós nos devemos uns aos outros. Somente através de uma união sincera e fraternal entre Espíritos e encarnados é que a regeneração do homem será possível.

Vossa paixão pelos bens terrenos é um dos mais fortes obstáculos para a vossa evolução moral e espiritual. Pelo apego à

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posse de tais bens, destruís a vossa faculdade de amar, voltando-se inteiramente sobre as coisas materiais.

Sede sinceros: a fortuna vos dá uma felicidade sem manchas? Quando os vossos bolsos estão cheios, não há sempre uma sensação de vazio no coração? No fundo dessa cesta de fl ores, não há sempre um réptil oculto? Eu compreendo que o homem que, pelo seu trabalho assíduo e honrado, ganhou uma fortuna, sinta uma satisfação bem justa. Mas dessa satisfação, muito natural e que Deus aprova, a um apego que absorve todos os outros sentimentos e paralisa os impulsos do coração, vai uma longa distância. É uma distância tão grande quanto aquela que separa a sovinice sórdida da prodigalidade exagerada, dois vícios entre os quais Deus colocou a caridade. É a caridade a santa e salutar virtude que ensina o rico a doar sem ostentação, para que o pobre receba sem rebaixar-se.

Quer a fortuna vos tenha vindo de vossa família, quer a tenhais conquistado por vosso trabalho, há uma coisa que jamais deveis esquecer: tudo vem de Deus e a Deus retorna. Nada vos pertence na Terra, nem mesmo o vosso corpo físico: a morte vos despoja dele, como vos despoja, também, dos bens materiais. Vós sois meros depositários e não proprietários, não vos iludais. Deus vos emprestou e tereis que Lhe restituir todos os empréstimos. E Ele vos emprestou sob a condição que o supérfl uo, pelo menos, seja revertido para aqueles que não possuem o necessário para a vida.

Um de vossos amigos vos emprestou uma quantia em dinheiro. Por menos honesto que sejais, tereis escrúpulo em não lhe pagar o valor tomado de empréstimo e, ainda, lhe fi careis agradecido. Pois bem, eis a posição de todo homem rico diante da Providência Divina. Deus, que é o Amigo Celestial, emprestou-lhe a riqueza que ele tem. Ele nada lhe pede além do amor e reconhecimento, mas exige, por sua vez, que o rico doe aos pobres, que são tão fi lhos de Deus quanto ele próprio.

Os bens que Deus vos confi ou estimulam em vossos corações uma ardente e desvairada cobiça. Já refl etistes, quando vos apegais

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apaixonadamente a uma fortuna tão perecível e passageira quanto vós, que virá um dia em que devereis prestar contas ao Senhor daquilo que vos veio d’Ele? Esquecei-vos de que, pela riqueza que vos veio, fostes investidos da sagrada condição de ministros da caridade na Terra, para serdes da riqueza os distribuidores inteligentes? O que sereis, pois, quando usardes tão-somente em vosso proveito pessoal a fortuna que vos foi confi ada? Sereis, por certo, depositários infi éis! Que resulta deste esquecimento voluntário de vossos deveres? Resultará em que a morte infl exível, inevitável, virá rasgar o véu sob o qual ocultáveis os vossos deveres de caridade. E vos forçará a prestar contas do mau uso da fortuna ao mesmo Amigo Divino, diante do qual tendes a obrigação de pagamento e que, nesse momento, se reveste do papel de credor.

É inútil que na Terra procureis iludir-vos a vós mesmos, colorindo com o nome de virtude aquilo que não é mais do que egoísmo. É inútil que chameis de economia e previdência o que não é mais que cobiça e avareza e de generosidade ao que não passa de gasto excessivo em proveito pessoal.

Um pai de família, por exemplo, deixa de praticar a caridade, e economizará, guardará dinheiro e tudo isso — diz ele — para deixar a seus fi lhos a maior soma de bens que seja possível, a fi m de evitar que os seus caiam na miséria. Isso é muito justo e próprio de um pai, eu aceito, e ninguém poderá censurá-lo por isso. Mas, será sempre o único propósito que o orienta para acumular bens? A sua desculpa para juntar bens não será um meio de tranquilizar a sua própria consciência? Com isso ele não quererá justifi car-se a seus olhos e aos olhos de outras pessoas o seu apego pessoal aos bens terrenos? Admitamos, porém, que o amor paternal é o seu único motivo. Será que esse motivo justifi ca o esquecimento de seus irmãos perante Deus?

Quando esse pai mesmo já tem o supérfl uo, deixará seus fi lhos na miséria, por lhes fi car um pouco menos desse excesso que tem? Não estará ensinando, esse pai, uma lição de egoísmo a seus fi lhos e endurecendo-lhes o coração contra os deveres

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CAPÍTULO XVI

da caridade? Não estará, com isso, afogando neles o amor ao próximo?

Pais e mães cometeis um grande erro, se acreditais que, por amontoar bens, fareis crescer o afeto de vossos fi lhos por vós. Estais isto sim, a ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros e, também, estais a ensiná-los a ser egoístas com vós mesmos.

Quando um homem trabalha muito e com o suor de seu rosto acumulou bens, é comum ouvires dizer que “quando o dinheiro é ganho com o suor do rosto, conhece-se mais o seu valor”. Nada é mais verdadeiro que isso! Pois bem! que esse homem que declara conhecer todo o valor do dinheiro, faça a caridade segundo as suas posses. Ele terá mais merecimento do que aquele que, nascido na abundância, desconhece as duras fadigas do trabalho para ter bens. Mas, também, se esse mesmo homem que se recorda de suas difi culdades, de seus esforços, se fi zer egoísta, impiedoso para com os pobres, ele é muito mais culpado do que os outros. É que quanto mais cada um conhece as dores ocultas da miséria, mais deveremos interessar-nos em socorrer aos outros que vivem o que já vivemos.

Infelizmente sempre há no homem que possui bens um outro sentimento, tão forte quanto o apego à fortuna, e esse sentimento é o orgulho. Não é raro ver-se o novo rico atordoar o infeliz que implora a sua assistência com a narrativa de seus trabalhos e das suas habilidades, ao invés de ajudá-lo. E termina por lhe dizer: “Faça o que eu fi z”. De acordo com o modo de ele ver, a bondade de Deus não infl uiu em nada para ele obter seus bens. Somente a ele cabe todo o mérito! Seu orgulho lhe coloca uma venda sobre os olhos e ensurdece-lhe os ouvidos. Ele não compreende, apesar de toda a sua inteligência e de sua capacidade, que a Justiça Divina pode despojá-lo de tudo num só minuto.

Esbanjar a riqueza não é desapego aos bens terrenos. Quase sempre é pouco caso e indiferença. O homem, como depositário desses bens, não tem o direito de os dissipar ou de apossar-se deles apenas para seu proveito pessoal.

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NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM

Ser pródigo não é ser generoso. Esta é frequentemente, uma forma de egoísmo. Um que gasta muito dinheiro para satisfazer uma mera fantasia, talvez não dê um centavo para quem lhe presta um serviço. O desapego aos bens terrenos consiste em saber avaliar a fortuna no seu justo valor, em saber servir-se dela para benefi ciar outras pessoas e não utilizá-la apenas para si próprio. Consiste o desapego em não sacrifi car os interesses da vida futura em troca da fortuna; em saber perdê-la sem queixar-se, se a Justiça Divina vem retirá-la de sua posse.

Se, por reveses imprevistos, vos tornardes um outro Jó, dizei, então, como ele: “Senhor, vós me havíeis doado, vós me tirastes; que a vossa vontade seja feita!”. Eis, aí, o verdadeiro desprendimento. Sede, antes de tudo, submissos às manifestações da Justiça Divina. Tende fé Naquele que, vos tendo dado e tirado, pode vos restituir. Resisti com coragem ao desânimo, ao desespero, que paralisariam as vossas forças.

Não esqueçais nunca, quando a Justiça Divina vos despojar, que ao lado de uma grande provação ela coloca sempre uma consolação. Mas penseis, sobretudo, que há bens infi nitamente mais preciosos que os da Terra. Este pensamento vos ajudará a desprender-vos destes últimos que perdestes. O pouco apreço que damos a uma coisa faz com que sejamos menos sensíveis à sua perda.

O homem que se aprisiona aos bens da Terra é semelhante a uma criança que só vê o momento presente. Aquele, porém, que deles se desapega, é semelhante a um adulto que vê as coisas mais importantes, porque ele compreende estas palavras proféticas do Salvador: “Meu reino não é deste mundo”.

O Senhor não ordena que se despoje dos bens que se possui, para reduzir-se a uma miséria voluntária. Aquele que assim o fi zesse, se tornaria uma carga para a sociedade. Despojar-se dessa forma seria não compreender o desapego dos bens terrenos. Este é um egoísmo de um outro gênero. Corresponde a uma fuga da responsabilidade que a fortuna faz pesar sobre aquele que a

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CAPÍTULO XVI

possui. Deus a dá a quem lhe parece bom para gerenciá-la em proveito de todos.

O rico tem, portanto, uma missão, missão que ele pode tornar bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a fortuna, quando Deus vos dá, é renunciar aos benefícios do bem que poderíeis fazer, em a administrando com sabedoria.

Saber passar sem a fortuna, quando não a temos; saber empregá-la utilmente, quando a recebemos; saber sacrifi cá-la, quando seja necessário, isso é agir segundo os desígnios do Senhor. Assim, aquele que receba o que o mundo chama de boa fortuna, que de pronto diga: “Meu Deus, vós me enviastes a um novo encargo; dai-me forças de desempenhá-lo segundo a vossa santa vontade”.

Eis, meus amigos, o que eu vos queria ensinar sobre o desprendimento dos bens terrenos. Em resumo, direi: Sabeis contentar-vos com o pouco. Se sois pobres, não invejeis os ricos, porque a riqueza não é necessária para a felicidade. Se sois ricos, não esqueçais de que esses bens vos são confi ados e que deveis justifi car o seu emprego, como uma prestação de contas de administração de bens que vos foram conferidos para proteger os que vos são menores.

Não sejais depositários infi éis.Não utilizeis tais bens a serviço da satisfação de vosso orgulho

e da vossa sensualidade. Não vos julgueis no direito de dispô-los para vós unicamente, pois os recebestes como empréstimo e não como doação. Se não sabeis pagar, não tendes o direito de pedir. Lembrai-vos de que aquele que doa aos pobres está pagando a dívida que contraiu com Deus (Lacordaire, Constantina, 1863).

TRANSMISSÃO DA RIQUEZA

15. O princípio segundo o qual o homem é apenas depositário da fortuna de que Deus lhe permite gozar durante a sua vida, tira-lhe o direito de transmiti-la aos seus descendentes?

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NÃO SE PODE SERVIR A DEUS E A MAMOM

O homem pode perfeitamente transmitir, após a sua morte, aquilo que gozou durante a vida. Porém, o efeito desse direito de transmissão está sempre subordinado aos desígnios divinos. E a Justiça Divina pode, quando necessário, impedir os herdeiros de gozá-los. É por isso que vemos desmoronar fortunas que pareciam muito solidamente fi rmes. A vontade do homem de conservar sua fortuna na sua família é, portanto, impotente. Isso, no entanto, não lhe retira o direito de transmitir o empréstimo que recebeu, uma vez que a Justiça Divina o retirará quando julgar conveniente, do ponto de vista espiritual e de provas e expiações (Luís, Paris, 1860).

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CAPÍTULO XVII

XVII

SEDE PERFEITOS

CARACTERÍSTICAS DA PERFEIÇÃO

1. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem, para que sejais fi lhos de vosso Pai que está nos céus, porque Ele faz que o seu Sol se levante sobre bons e maus e a chuva desça sobre justos e injustos. Se amardes apenas os que vos amam, que glória tereis nisso? Não fazem os publicanos o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós, pois, perfeitos como perfeito é o vosso Pai que está nos céus (Mateus, capítulo V, versículos 44 a 48).

2. Sabendo-se que Deus é a perfeição infi nita em todas as coisas, esta máxima: “Sede perfeitos como o vosso Pai Celestial é perfeito”, se tomada ao pé da letra, levaria a supor existir a possibilidade de o homem alcançar a perfeição total.

Se fosse dado à criatura ser assim tão perfeita quanto o Criador, ela deveria igualar-se a Ele, o que não é admissível. Mas, os homens aos quais Jesus se dirigia, não poderiam compreender essas tonalidades da ideia. Jesus, portanto, limitou-se a lhes apresentar um modelo e lhes disse que se esforçassem por copiá-lo.

Devemos, portanto, entender por essas palavras do Mestre que Ele se referia à perfeição relativa de que o homem é capaz. E o que mais pode aproximá-lo da perfeição da Divindade.

Em que consiste essa perfeição?Jesus a indicou, dizendo: “Amar seus inimigos, fazer todo

o bem aos que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem”. Ele mostra, indicando esse comportamento, que a essência da

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SEDE PERFEITOS

perfeição está na caridade no seu mais amplo sentido, porque a caridade implica a prática de todas as outras virtudes.

Com efeito, se observarmos as reações de todos os vícios, e mesmo as de simples falhas de conduta, reconheceremos que não há um só que não altere mais ou menos o sentimento da caridade. Todos os erros têm o seu princípio no egoísmo e no orgulho, que são a negação da caridade. Tudo o que exalta o sentimento da personalidade destrói ou, pelo menos, enfraquece os elementos da verdadeira caridade que são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento.

O amor ao próximo, elevado até ao amor aos inimigos, não pode aliar-se com nenhum defeito contrário à caridade. É sempre, por si mesmo, o indício de uma maior ou menor superioridade moral da alma. Daí resulta que o grau de evolução do espírito está na razão direta da extensão do amor ao próximo. Foi isso que Jesus, após haver dado a seus discípulos as regras da caridade, no que tem de mais sublime, lhes disse: “Sede perfeitos quanto perfeito é o vosso Pai Celestial”.

O HOMEM DE BEM

3. O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei da justiça, do amor e da caridade na sua maior pureza. Se interroga a sua própria consciência sobre seus próprios atos, ele se pergunta se não violou essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se deixou escapar por vontade própria alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfi m, se ele fez aos outros tudo o que queria que os outros fi zessem por ele.

Ele tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria. Sabe que nada acontece sem a permissão Divina. Submete-se em todas as coisas aos desígnios do Pai Celestial.

Ele tem fé na vida futura e, por isso, coloca os bens espirituais acima dos bens materiais passageiros.

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CAPÍTULO XVII

Ele sabe que todas as difi culdades da vida, todas as dores, todas as desilusões, são provas e expiações. E a todas aceita sem queixar-se.

Esse homem, repleto do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar recompensas. Retribui o mal com o bem. Toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifi ca sempre os seus interesses ao que seja justo.

Ele encontra a sua satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, na felicidade que leva aos outros, nas lágrimas que enxuga, na consolação que dá aos afl itos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros, antes de pensar em si. É de cuidar dos interesses dos outros antes de cuidar de seus próprios interesses. O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de toda ação generosa.

Ele é bom, humano e benevolente para com todas as pessoas, sem distinção de raças e nem crenças, porque ele vê todos os homens como irmãos.

Ele respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança nenhuma condenação contra os que não pensam como ele.

Em todas as situações, a caridade é o que orienta as suas ações. Ele considera que todo aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que fere a sensibilidade de alguém com o seu orgulho e seu desdém, que não desiste da ideia de causar um sofrimento ao próximo, uma contrariedade mesmo que pequena, quando poderia evitá-la — que esse alguém está faltando com o dever do amor ao próximo e não merece a clemência da Justiça Divina.

Ele não tem nem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança. A exemplo de Jesus, ele perdoa e esquece as ofensas. E apenas se lembra dos benefícios que lhe fazem, porque ele sabe que será perdoado assim como ele próprio tenha perdoado aos outros.

Ele é indulgente com as fraquezas dos outros, porque ele sabe que ele mesmo necessita de indulgência. E lembra destas

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SEDE PERFEITOS

palavras do Cristo: “Aquele que estiver sem pecado, atire a primeira pedra”.

Ele não se alegra em procurar os defeitos dos outros e nem em colocá-los em evidência. Se a necessidade o obriga a conhecê-los, ele procura sempre o bem que pode atenuar o mal.

Ele estuda as suas próprias imperfeições morais e trabalha sem cessar para combatê-las. Todo o seu empenho tende a que ele possa dizer, no dia seguinte, que traz alguma coisa de melhor, dentro de si, do que tinha na véspera.

Ele não procura dar valor à sua inteligência, nem aos seus talentos, com sacrifício de outras pessoas. Aproveita, pelo contrário, todas as oportunidades de destacar as qualidades de seu próximo.

Ele não se envaidece de sua tarefa, nem de seus predicados pessoais, porque sabe que tudo o que lhe foi dado poderá ser-lhe retirado.

Ele usa, mas não abusa, dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que são um depósito de que deverá prestar contas. E sabe que o emprego mais prejudicial que lhes poderia dar, será o de utilizá-los para a satisfação de suas paixões.

Se a ordem social coloca homens sob a sua dependência, ele os trata com bondade e benevolência. É que sabe que todos são iguais aos olhos de Deus. Ele usa de sua autoridade para lhes levantar o ânimo e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo o que lhes possa tornar mais sofrida a posição de subalternos.

Ele, quando ocupa a posição de subordinado, por sua vez compreende os deveres de sua situação e se empenha em cumpri-los conscienciosamente (Ver, neste mesmo capítulo, o item 9).

O homem de bem, enfi m, respeita nos seus semelhantes todos os direitos que lhes deu a lei da Natureza, como desejaria que fossem respeitados os dele.

Não estão enumeradas, aqui, todas as qualidades que revelam o homem de bem. Mas, todos aqueles que se esforcem

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CAPÍTULO XVII

de adquirir aquelas que mencionamos, estarão no caminho que conduz a todas as outras.

OS BONS ESPÍRITAS

4. O Espiritismo bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, conduz forçosamente aos resultados acima expostos. As qualidades do homem de bem é que caracterizam o verdadeiro Espírita como o verdadeiro cristão, pois um é o mesmo que o outro. O Espiritismo não cria nenhuma nova moral. Ele facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo, ao dar uma fé sólida e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.

Muitos, no entanto, daqueles que creem nos fatos das manifestações mediúnicas não compreendem nem as consequências nem o seu conteúdo moral ou, se os compreendem, não os aplicam a si mesmos!

A que atribuir isso?Seria por uma falta de clareza da Doutrina Espírita?Não! Não é falta de precisão ou clareza, porque a Doutrina

Espírita não contém alegorias, nem fi gurações que pudessem levar a falsas ou fantasiosas interpretações. A clareza é mesmo de sua própria essência. E este fato é que faz a sua força, porque ela vai direto para a inteligência. Ela nada tem de misterioso e seus iniciados não estão na posse de nenhum segredo que seja oculto ao homem comum.

Para compreendê-la é necessário uma super inteligência?De modo algum isso é necessário. Há homens de grande

inteligência que não a compreendem. Mas, por outro lado, há inteligências comuns, até mesmo de jovens saídos da adolescência, que lhe apreendem com uma admirável precisão as suas mais delicadas nuanças.

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SEDE PERFEITOS

Ocorre que a parte, por assim dizer, material da ciência não pede mais que olhos para observar, enquanto que a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade a que poderemos chamar de maturidade do senso moral. Essa maturidade independe da idade e do grau de instrução. Ela é consequência da evolução, em sentido particularmente moral, do Espírito encarnado.

Em algumas pessoas, os laços da matéria ainda são muito fortes, difi cultando ao espírito ter uma compreensão das coisas acima da Terra. Aprisionadas a uma névoa, não têm uma visão do infi nito. Eis porque não se desligam facilmente nem de seus gostos e nem dos seus hábitos, não compreendendo que possa haver qualquer coisa melhor do que aquilo que são os seus princípios pessoais. A crença nos Espíritos, para essas pessoas, é um simples fato, mas que nada ou bem pouco lhes modifi ca as tendências instintivas. Numa palavra, elas não veem mais do que um raio de luz espiritual, insufi ciente para conduzi-las e dar-lhes uma vigorosa aspiração, capaz de modifi car-lhes os pendores.

Essas pessoas se prendem mais aos fenômenos mediúnicos do que à moral de suas mensagens, a qual lhes parece banal e cansativa. Pedem sempre aos Espíritos para iniciá-las sem cessar em novos segredos espirituais, sem procurar saber se já se tornaram dignas de penetrar nos segredos do Criador.

Esses são os Espíritas imperfeitos, alguns dos quais param no meio do caminho ou se distanciam de seus irmãos de crença, porque recuam ante a obrigação de reformarem-se a si mesmos ou, então, guardam as suas simpatias pessoais para aqueles que partilham de suas fraquezas ou de suas prevenções contra a moral Espírita.

Contudo, o fato de terem aceito os princípios da Doutrina, é um primeiro passo que lhes tornará mais fácil o segundo, na próxima reencarnação.

Aquele que se pode, com razão, qualifi car de verdadeiro e sincero Espírita, é o que se encontra num grau superior de desenvolvimento moral. O Espírito, que nele domina mais

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CAPÍTULO XVII

completamente a matéria, dá-lhe uma visão mais clara da vida espiritual. Os princípios da Doutrina fazem vibrar as fi bras da alma que nos outros permanecem adormecidas. Numa palavra, ele foi tocado no coração pela essência da Doutrina.

A sua fé é inabalável.Este é qual o músico que se sensibiliza com alguns acordes,

enquanto aquele, que será tocado no coração em reencarnações futuras, ao ouvir alguns acordes, apenas lhes ouve os sons.

Reconhece-se o verdadeiro Espírita pela sua transformação moral e pelos esforços que faça para dominar as suas más inclinações.

O Espírita imperfeito se contenta com o seu horizonte limitado. O verdadeiro Espírita, que compreende existir alguma coisa melhor que a vida terrena, esforça-se por libertar-se de seu próprio horizonte. E sempre o consegue quando tem uma fi rme vontade.

PARÁBOLA DO SEMEADOR

5. Tendo Jesus saído de casa, naquele dia, estava assentado junto ao mar. E ajuntou-se muita gente ao seu redor, de sorte que, entrando num barco, se assentou e toda a multidão estava em pé na praia. E falou-lhe de muitas coisas por parábolas, dizendo: Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu no leito do caminho, e vieram as aves e as comeram. E outra parte caiu entre pedras, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda, mas vindo o Sol, queimou-se e se secou, pois não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos e os espinhos cresceram e a sufocaram. E outra caiu em terra boa e deu frutos que rendiam a cem por um, outro a sessenta por um e outro a trinta por um.

Quem tiver ouvidos para ouvir ouça (Mateus, capítulo XIII, versículos 1 a 9).

Escutai vós, pois, a parábola do semeador.

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SEDE PERFEITOS

Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; esta é a semente que foi semeada no leito do caminho. O que foi semeado entre pedras é o que ouve a palavra e logo a recebe com alegria, mas não tem raiz em si mesmo, antes é de pouca duração. E chegada a angústia e a perseguição, por causa da palavra, logo se ofende. E a que foi semeada entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a palavra e fi ca infrutífera.

Mas, a que foi semeada em boa terra é o que ouve e compreende a palavra e dá fruto e um produz cem por uma semente, outro sessenta por uma e outro trinta por uma (Mateus, capítulo XIII, versículos 18 a 23).

6. A parábola do semeador reproduz, de um modo perfeito, as nuanças que existem nas diversas maneiras de utilizar os ensinamentos do Evangelho. Quantas pessoas há, realmente, para as quais os ensinamentos de Jesus são letra morta, semelhantes à semente caída sobre as pedras e que não produzem nenhum fruto!

Esta parábola do semeador encontra uma outra aplicação, não menos justa, nas diferentes categorias de Espíritas. Não está aí o retrato daqueles que se apegam apenas aos fenômenos mediúnicos e desses fenômenos não extraem nenhuma consequência moral, porque neles só vêem fatos curiosos? Não está aí o retrato daqueles que só buscam o brilho das mensagens dos Espíritos e que por elas só se interessam enquanto satisfazem a sua imaginação, mas que, depois de tê-las ouvido, continuam tão frios e indiferentes quanto eram? Não está aí o retrato daqueles que acham que as mensagens espirituais trazem muitos conselhos bons e os admiram, mas para serem aplicados aos outros e não a si mesmos?

Não está aí o retrato daqueles, fi nalmente, para os quais essas mensagens educativas são como a semente que caiu em terreno fértil e que produzirão frutos?

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CAPÍTULO XVII

Instruções dos EspíritosO DEVER

7. O dever é a obrigação moral, primeiramente consigo mesmo e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida. Encontramo-lo nas menores ações e, também, nos atos mais elevados.

Venho falar, aqui, do dever moral e não daqueles deveres impostos pelas diversas profi ssões.

No campo dos sentimentos, o dever moral é difícil de ser cumprido, porque, quase sempre, se encontra em choque com as seduções dos interesses próprios e do coração desajustado. As suas vitórias não têm testemunhas e as suas derrotas não têm repressão na justiça da Terra.

O dever íntimo do homem está entregue ao seu livre arbítrio. O estímulo da consciência, essa guardiã da sua honra íntima, o adverte e o sustenta na linha do dever moral. Mas ele, frequentemente, se mostra sem forças diante das falsidades brilhantes da paixão. O dever do coração, que se move na lei do amor, se for fi elmente observado, eleva espiritualmente o homem.

Mas, como defi nir esse dever?Onde ele começa? Onde termina?O dever do coração começa exatamente no ponto em que você

ameaça a felicidade ou a tranquilidade de seu próximo, e termina no limite que você não desejaria ver ninguém transpor em relação a você mesmo.

Deus criou todos os homens iguais diante da dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, todos sofrem pelas mesmas coisas, a fi m de que cada um examine o mal que pode ou não fazer. O mesmo critério de exame não existe para o bem porque este é muito mais variado nas suas manifestações. A igualdade diante da dor é uma sublime providência de Deus que quer que os seus fi lhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando desconhecer os seus efeitos dolorosos.

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SEDE PERFEITOS

O dever moral é o resumo prático de todas as indagações sobre o bem e o mal. O dever é um empenho total da alma que enfrenta as agonias da luta interior entre fazer o bem ou se deixar arrastar para o mal. Ele é, por isso, severo e brando, pronto a dobrar-se diante das diversas complicações, mas indobrável diante das tentações nascidas do interior do próprio homem.

O homem que cumpre o seu dever, ama a Deus mais do que as criaturas e ama as criaturas mais do que a si mesmo. Ele é, ao mesmo tempo, juiz e réu, julgando as suas próprias ações e se condenando naquelas em que agiu mal.

O dever moral é a mais bela conquista da razão. Ele nasce da razão, como o fi lho nasce da mãe. O homem deve amar o dever, não porque ele o preserva dos males da vida, males esses dos quais os homens não podem excluir-se, mas deve amá-lo porque ele lhe dará à alma o vigor necessário para a sua evolução.

O dever moral cresce e ganha luzes sob uma forma mais elevada, em cada um dos estágios superiores da Humanidade. A obrigação moral da criatura para com Deus não termina jamais, porque o homem deve espelhar em si as virtudes divinas. O Criador não aceita as criaturas como rascunho imperfeito, pois quer que a grandeza de sua obra seja como um Sol diante de si (Lázaro, Paris, 1863).

A VIRTUDE

8. A virtude, no seu mais alto grau, abrange o conjunto de todas as qualidades essenciais que revelam o homem de bem. Ser bom, caridoso, trabalhador, sóbrio, modesto, são as qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, essas qualidades são acompanhadas de pequeninas enfermidades morais que lhes tiram o brilho e as enfraquecem.

Aquele que faz alarde de sua virtude, não é virtuoso. Falta-lhe a qualidade principal: a modéstia. E sobra-lhe o vício mais

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CAPÍTULO XVII

contrário a todas as virtudes: o orgulho. A virtude, realmente digna desse nome, não gosta de fazer alaridos. Temos de adivinhá-la, pois ela se esconde dos olhos humanos e foge da admiração das multidões.

Vicente de Paulo era virtuoso.O digno cura D’Ars era virtuoso.Assim também eram virtuosos outros pouco conhecidos do

mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que eles mesmos fossem virtuosos. Eles se deixavam ir na corrente mental de suas santas inspirações e praticavam o bem com um completo desinteresse pessoal e com um inteiro esquecimento de si mesmos.

É para esta virtude, assim compreendida e praticada, que eu vos convido, meus fi lhos. É para esta virtude realmente cristã e verdadeiramente Espírita, que eu vos convido a consagrar-vos.

Mas, afastai de vossos corações a ideia do orgulho, da vaidade, do amor próprio que sempre tiram a luz das mais belas qualidades. Não imiteis a esse homem que faz a pose de um modelo e anuncia ele mesmo as suas próprias qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude assim alardeada quase sempre esconde uma infi nidade de pequenas desonestidades e de dolorosas covardias.

O homem que se engrandece a si mesmo, que ergue uma estátua para a sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo o mérito que efetivamente poderia ter.

E que não direi eu, no entanto, sobre aquele cujo valor é parecer o que não é? Admito que o homem que faz o bem sinta, no fundo do coração, uma satisfação íntima. Mas, desde que essa satisfação se exteriorize para que ele receba elogios dos outros, ela se degenera em amor-próprio.

Oh! Vós todos, a quem a fé Espírita aqueceu novamente para o bem, e que sabe com certeza que o homem está longe da perfeição, jamais penetreis por esses caminhos tão perigosos da vaidade. A virtude é uma graça que eu desejo para todos os

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SEDE PERFEITOS

Espíritas sinceros, mas eu lhes direi: “Mais vale poucas virtudes com modéstia, do que muitas virtudes com orgulho”.

Foi pelo orgulho que os homens sucessivamente se perderam e é pela humildade que eles alcançarão a sua redenção um dia (François-Nicolas-Madaleine, Paris, 1863).

OS SUPERIORES E OS INFERIORES

9. A autoridade, igualmente como ocorre com a riqueza, é uma delegação de que terá de prestar contas aquele que dela está investido. Não creia, porém, que ela seja dada para lhe proporcionar o inútil prazer de dar ordens para os outros. Nem lhe foi concedida, como crê falsamente a maioria dos poderosos da Terra, como um direito ou uma propriedade de sua alma. A Justiça Divina, aliás, tem provado que não é nem uma coisa e nem outra, uma vez que desses poderosos retira a autoridade, quando isso se mostra necessário para a correção de seu caminho e de sua aprendizagem espiritual.

Se a autoridade fosse um privilégio que fi zesse parte da personalidade de quem a exerce, ela não lhe poderia ser retirada. Ninguém pode dizer que uma coisa lhe pertence, quando essa coisa lhe pode ser tirada sem o seu consentimento.

A autoridade é concedida a título de missão ou de prova, quando se torne conveniente para as experiências evolutivas da alma e pela mesma causa poderá ser retirada.

Quem quer que seja depositário de autoridade, de qualquer grau ou abrangência, que essa autoridade seja, desde a do patrão sobre o empregado, até a do governador sobre o povo, — esse que tem alguma autoridade não deve se esquecer que tem almas sob a sua responsabilidade. Ele responderá pela boa ou pela má direção que der aos que lhe estão subordinados. As faltas que os subordinados possam cometer por serem mal dirigidos, os vícios a que forem arrastados em consequência dessa má diretriz

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CAPÍTULO XVII

ou dos maus exemplos dados pelos que os dirigem, recairão sobre o próprio dirigente. Por outro lado, esse dirigente recolherá os frutos de seu zelo em direcioná-los para o bem.

Todo homem tem, sobre a Terra, uma missão pequena ou grande. Qualquer que seja a sua missão, ela sempre lhe é concedida para o bem. Desviá-la do bem é, portanto, fracassar no seu desempenho.

Deus pergunta ao rico: “Que fi zeste da fortuna que deveria ser nas tuas mãos a fonte de muita felicidade à tua volta?”. E perguntará a quem foi concedida alguma autoridade: “Que uso fi zeste dessa autoridade? Que males evitaste? Que evolução produziste? Se eu te confi ei almas que necessitavam de direção, não foi para torná-las escravas de tua vontade, nem instrumentos passivos de teus caprichos ou de tua cobiça. Eu te fi z forte e te confi ei os fracos para que os amparasses e os ajudasses a subir até mim”.

O superior que esteja compenetrado das palavras do Cristo, não menospreza a nenhum daqueles que estejam submetidos a si, porque sabe que as diferenças sociais e profi ssionais não existem diante de Deus. O Espiritismo lhe ensina que os que hoje lhe obedecem, talvez já tenham sido seus dirigentes ou poderão dirigi-lo futuramente. O superior de hoje poderá ser tratado, mais tarde, assim como tem tratado hoje a seus subordinados.

Se o superior tem deveres morais a cumprir, o subordinado, por seu lado, também os tem e não menos sagrados. Se o subordinado for Espírita, sua consciência lhe dirá, ainda mais fortemente, que não está dispensado de cumpri-los, ainda mesmo que o seu dirigente não cumpra com os deveres dele. É que o Espírita sabe que não deve retribuir o mal com o mal e que as faltas de uns não justifi cam as faltas de outros.

Se ele sofre na sua posição de dirigido, dirá que sem dúvida o merece, porque ele mesmo, talvez, terá abusado outrora de sua autoridade e que deve sentir, agora, as difi culdades que fez outros sofrerem. Se está forçado a suportar essa posição, por não

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SEDE PERFEITOS

encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignação a essa circunstância como sendo uma prova para a sua humildade, prova essa necessária para a sua evolução espiritual.

A sua fé Espírita orienta a sua conduta.Ele deve agir como desejaria que os seus subordinados

agissem com ele, se ele fosse o superior. Por isso mesmo, ele se faz mais atencioso no cumprimento de suas obrigações, porque compreende que todo relaxamento no trabalho que lhe é confi ado é um prejuízo para aquele que lhe paga o salário e a quem ele deve o seu tempo e os seus cuidados.

Em outras palavras, o Espírita, quando subordinado ou encarregado, está requisitado pelo sentimento do dever moral que nasce de sua fé e pela certeza de que todo desvio do caminho reto lhe será uma dívida que terá de resgatar cedo ou tarde (Françoise-Nicolas-Madaleine, Cardeal Morlot, Paris, 1863).

O HOMEM NO MUNDO

10. Um sentimento de piedade sempre deve animar o coração daqueles que se reúnem sob os olhos do Senhor, implorando a assistência dos bons Espíritos. Purifi quem, pois, os seus corações. Não deixem que nos seus corações se demore nenhum pensamento mundano ou tolo.

Elevem seu espírito ao encontro daqueles a quem vocês chamam, a fi m de que, encontrando eles as condições necessárias, possam semear em boa quantidade as sementes do bem que devem germinar nos seus corações e produzir os frutos da caridade e da justiça.

Não creiam, portanto, que ao lhes estimular constantemente para a prece e à evocação mental, queiramos lhes conduzir a uma vida mística, que lhes traga para fora das leis da sociedade, onde vocês estão obrigados a viver. Não! Vivam com os homens de seu tempo, como devem viver os homens. Sacrifi quem-se às

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CAPÍTULO XVII

necessidades da vida, até mesmo às coisas sem importância de cada dia. Mas, deem-se a essas coisas com um sentimento de pureza, capaz de santifi cá-las.

Vocês foram chamados a estar em relacionamento com Espíritos de naturezas diferentes das suas, de características até opostas e, por isso, não choquem nenhum daqueles com os quais vocês convivem. Sejam alegres, sejam felizes, mas com a alegria de uma consciência tranquila pelo dever cumprido e uma felicidade própria do herdeiro do céu, que conta os dias que lhe faltam para entrar na posse de sua herança celestial.

A virtude não consiste em vocês se revestirem de uma aparência severa e fúnebre e nem em vocês rejeitarem os prazeres que a sua condição humana lhes permite. Será sufi ciente que vocês elevem todos os atos de sua vida ao Criador que lhes concedeu a vida. Bastará que, ao começar ou terminar uma obra, vocês elevem o seu pensamento ao Criador e Lhe peçam, num impulso da alma, a Proteção Celestial para fazê-la bem ou Lhe ofereçam a sua gratidão de tê-la feito bem. Ao fazer qualquer coisa, nada façam sem pensar em Deus. Nada façam sem que a lembrança de Deus venha purifi car e santifi car as suas ações.

A perfeição está toda inteiramente, como disse o Cristo, na prática da caridade sem limites. Mas os deveres da caridade alcançam todas as posições sociais, desde aqueles que estão abaixo quanto os que estão no topo dessas posições. O homem que vivesse isolado da sociedade não poderia praticar nenhuma caridade. Somente no contato com os seus semelhantes, nas lutas e nos sofrimentos, é que ele encontrará ocasião de pô-la em prática. Aquele que se isola, portanto, se priva voluntariamente de utilizar esse meio de evolução espiritual e, por em ninguém pensar a não ser em si próprio, a sua vida é a de um egoísta (Ver capítulo V, item 26, desta mesma obra).

Não imaginem, portanto, que para viver constantemente em comunicação conosco, para viver sob os olhos do Senhor, seja necessário que vocês se torturem voluntariamente e que vocês se revistam de farrapos. Não! Não, ainda mais uma vez lhes dizemos!

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SEDE PERFEITOS

Sejam felizes, segundo as possibilidades da Humanidade. Mas que, na sua felicidade, não entre jamais um pensamento, nem um ato, que possa ofender ou fazer que se entristeça a fi sionomia daqueles que os amam e que os dirigem. Deus é amor e abençoa a todos aqueles que amam santamente (Um Espírito Protetor, Bordéus, 1863).

CUIDAR DO CORPO E DO ESPÍRITO

11. A perfeição moral consiste em torturar o corpo físico?Para resolver esta questão, eu me basearei sobre princípios

elementares da natureza. Começarei por demonstrar a necessidade de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas da saúde e de enfermidade, infl ui de uma maneira muito decisiva sobre a alma, que se deve considerar como prisioneira da carne.

Para que essa prisioneira, a alma, sinta a vida, movimente-se e até conceba mesmo a sensação de liberdade, o corpo deverá estar sadio, disposto, vigoroso.

Façamos uma comparação: Eis que se acham ambos, corpo e alma, em bom estado. Que devem fazer para manter o equilíbrio recíproco entre as suas aptidões e necessidades tão diferentes? A luta entre os dois parece inevitável e difícil é chegar-se ao segredo do equilíbrio entre ambos.

Dois sistemas se confl itam sobre o segredo do equilíbrio corpo-e-alma: o dos ascetas que querem aniquilar o corpo e o dos materialistas que querem rebaixar a alma. Estas são duas violências, uma tão insensata quanto a outra.

Ao lado dessas duas grandes correntes de pensamentos, fervilha uma numerosa tribo de pessoas indiferentes que, sem nenhuma ideia sobre a questão e sem nenhuma paixão, restringem-se a amar com indolência e a desfrutar com moderação.

Onde, pois, está a sabedoria?

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CAPÍTULO XVII

Onde, pois, está a ciência de viver?Em nenhuma dessas correntes. E esse grande problema

fi caria sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma e a dizer-lhes que, desde que eles sendo necessários um para o outro, é indispensável cuidar de ambos.

Amem, pois, a sua alma, mas cuidem igualmente de seu corpo, que é o instrumento de evolução de sua alma. Desatender as necessidades que são indicadas pela natureza do próprio corpo é desconhecer as leis de Deus.

Não castiguem o seu corpo pelas faltas que o seu livre arbítrio o induziu a cometer e pelas quais ele é tão responsável quanto o veículo mal dirigido o é pelos acidentes que causa.

Vocês seriam, por acaso, mais perfeitos se torturassem o corpo, sem que vocês se tornassem menos egoístas, menos orgulhosos e mais caridosos para com o seu próximo? Não! A perfeição não será alcançada pela tortura de seu corpo físico. A perfeição está toda, e por inteiro, nas reformas de hábitos pelos quais vocês se realizem em si mesmos.

Dobrem-se, humilhem-se, mortifi quem-se a si próprios moralmente, pela reforma interior de sua alma, porque esse é o meio de vocês se tornarem mais dóceis aos desígnios Divinos e o único de vocês alcançarem a perfeição (Georges, Espírito Protetor, Paris, 1863).

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MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

XVIII

MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

PARÁBOLA DO FESTIM DAS BODAS

1. Então Jesus, tomando a palavra, tornou a falar-lhes em parábolas, dizendo: O reino dos céus é semelhante a um certo rei que celebrou as bodas de seu fi lho. E enviou os seus servos a chamar os convidados para as bodas, e estes não quiseram vir. Depois enviou outros servos, dizendo: Dizei aos convidados: Eis que tenho o meu jantar preparado, os meus bois e cevados já mortos, e tudo já pronto; vinde às bodas. — Eles, porém, não fazendo caso, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio e outros, apoderando-se dos servos, os ultrajaram e mataram. — E o rei, tendo notícia disto, encolerizou-se e, enviando os seus exércitos, destruiu aqueles homicidas, e incendiou a sua cidade. Então diz aos servos: As bodas, na verdade, estão preparadas, mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, às saídas dos caminhos, e convidai para as bodas a todos os que encontrardes. — E os servos saindo pelos caminhos, ajuntaram todos quantos encontraram, tanto maus como bons e a festa nupcial foi cheia de convidados. E o rei, entrando ver os convidados, viu ali um homem que não estava trajado com o vestido de núpcias e disse-lhe: Amigo, como entraste aqui, não tendo vestido nupcial? — E ele emudeceu. Disse, então, o rei aos servos: Amarrai-o de pés e mãos, levai-o e lançai -o nas trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos os escolhidos (Mateus, capítulo XXII, versículos 1 a 14).

2. O incrédulo sorri diante desta parábola, que lhe parece de uma pueril ingenuidade. Ele não compreende que possa haver tantas difi culdades para participar de um banquete. E, ainda mais, que os convidados possam opor-lhe tanta resistência, a ponto de massacrar os portadores dos convites do dono da mansão.

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CAPÍTULO XVIII

“As parábolas — dizem os incrédulos — são sem dúvida fi gurações de uma ideia, mas não podem de modo algum ultrapassar os limites de fatos possíveis”.

O mesmo se poderá dizer de todas as alegorias, das fábulas mais engenhosas, se não as despojarmos de seu modo de apresentação, para descobrir-lhes o sentido oculto. Jesus compunha as suas parábolas com o que era mais usual e comum na vida do povo com o qual falava e as adaptava ao meio e às características daquelas pessoas que o ouviam.

A maioria das parábolas tinha por fi nalidade fazer penetrar nas pessoas que o ouviam a ideia da vida espiritual. O sentido do que Jesus dizia, por essas fi gurações, portanto, só não se tornam compreensíveis para aqueles que não se colocam sob esse ponto de vista.

Na parábola das bodas, Jesus compara o reino do céu, onde tudo é alegria e felicidade, a uma festa de casamento. Por primeiros convidados, refere-se aos hebreus, que Deus convocou como os chamados em primeiro lugar para conhecerem as suas leis. Os enviados do rei são os profetas que vieram convidar os judeus para seguirem o caminho da verdadeira felicidade. Mas as suas palavras eram pouco escutadas. Suas advertências foram desprezadas. Muitos desses profetas foram mesmo massacrados, como os servos da parábola.

Os convidados que deixaram de comparecer, alegando que tinham de cuidar de seus campos e de seus negócios, são a representação das pessoas comuns do mundo que, concentradas sobre os bens terrenos, são indiferentes às coisas celestiais.

Era uma crença comum, entre os judeus daquele tempo, que a sua nação deveria alcançar um poder supremo sobre todos os outros povos. Deus, efetivamente, não prometera a Abraão que os seus descendentes cobririam toda a Terra? Mas, como sempre, aprisionados à forma da promessa, sem compreenderem a sua signifi cação, os judeus julgavam que alcançariam um domínio efetivo e material sobre outras nações.

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Antes da vinda do Cristo, com exclusão dos hebreus, todos os povos adoravam ídolos e acreditavam em muitos deuses. Se alguns homens mais sábios conceberam a ideia de existir um Deus único, essa ideia permanecia como um sistema pessoal. Em nenhuma parte era aceita como verdade fundamental, a não ser por alguns iniciados que escondiam seus conhecimentos debaixo de um véu misterioso e impenetrável para os homens comuns.

Os hebreus foram os primeiros que praticaram publicamente o monoteísmo. É a eles, pois, que o Senhor transmite a sua lei, inicialmente através de Moisés e, mais tarde, através de Jesus. Foi desse pequeno agrupamento de homens que partiu a luz que deveria expandir-se pelo mundo inteiro, superando o paganismo, e dando a Abraão uma posteridade espiritual “tão numerosa quanto as estrelas do fi rmamento”.

Os judeus, porém, embora abandonando a idolatria, haviam descuidado da lei moral. Inclinaram-se para a prática mais fácil do culto exterior. Este mal chegou ao extremo! A nação judaica, além de dominada pelos romanos, passou a ser dividida por partidos religiosos, nascidos das muitas seitas criadas entre os judeus com fundamento em práticas exteriores. A incredulidade cresceu tanto que penetrou mesmo no próprio santuário.

Foi nesse momento de esfacelamento da nação e da fé que Jesus surgiu, enviado por Deus para chamar os judeus para a observação da lei divina e para lhes abrir os novos horizontes da vida futura. Apesar de serem os primeiros convidados ao grande banquete da fé universal, eles rejeitaram a palavra do celeste Messias e o sacrifi caram. Foi assim que eles perderam o fruto que deveriam ter colhido da sementeira do monoteísmo e da lei que haviam feito.

Seria injusto, todavia, acusar o povo todo daquele estado de coisas. A responsabilidade dos acontecimentos coube principalmente aos fariseus e aos saduceus. Estes é que puseram a perder a nação judaica pelo orgulho e fanatismo dos fariseus, por um lado, e pela incredulidade dos saduceus do outro lado. São neles, sobretudo, que Jesus identifi ca os convidados que se

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CAPÍTULO XVIII

negaram a comparecer à festa do casamento. E, depois, Jesus acrescenta: “O Senhor, vendo isso, mandou convidar todos aqueles que fossem encontrados nos caminhos, bons e maus”. Ele fazia entender, por isso, que a sua Palavra iria ser pregada a todos os outros povos, pagãos e idólatras. E que estes, ao aceitá-la, seriam admitidos no festim no lugar dos primeiros convidados.

Mas não basta ser convidado. Não basta carregar o rótulo de cristão, nem mesmo basta sentar-se à mesa para fazer parte do banquete celestial. É necessário, antes de tudo e como condição expressa, estar revestido da roupa nupcial, ou seja, trazer a pureza do coração e cumprir a lei segundo o seu sentido moral. Ora, esta lei está inteiramente nestas palavras: Fora da caridade não há salvação. Porém, entre todos aqueles que ouvem a Palavra Divina, quão poucos são aqueles que a guardam e a vivem realmente! Quão poucos se fazem dignos de entrar no reino dos céus! Eis porque Jesus disse: “Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos”.

A PORTA ESTREITA

3. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. E porque estreita é a porta, e apertado é o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem (Mateus, capítulo VII, versículos 13 e 14).

4. E disse-lhes um dos presentes: Senhor, são poucos os que se salvam? E Ele lhe respondeu: Trabalhai por entrar pela porta estreita, porque eu vos digo que muitos procurarão entrar e não poderão. Quando o pai de família se levantar e fechar a porta e começardes a estar de fora e a bater à porta, dizendo: Senhor, Senhor, abre-nos e, respondendo ele vos dirá: Não sei de onde vós sois. Então começareis a dizer: Temos comido e bebido na tua presença e tu tens ensinado nas nossas ruas. — E ele vos responderá: Digo-vos que não sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniquidade. — Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaque,

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MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

Jacó e todos os profetas do reino de Deus e vós lançados fora. E virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e assentar-se-ão no reino de Deus. — E eis que últimos há que serão os primeiros e primeiros há que serão os últimos (Lucas, capítulo XIII, versículos 23 a 30).

5. A porta da queda moral é larga, porque as más paixões são numerosas e porque o mau caminho é frequentado por uma multidão de pessoas. A porta da salvação é estreita, porque o homem que desejar atravessá-la deve fazer um grande esforço sobre si mesmo para vencer as suas más tendências e poucos se confi am a essa tarefa de reformarem-se a si mesmos. Este é o complemento da máxima: “São muitos os chamados e poucos os escolhidos”.

Descreve-se, aí, o estado atual da Humanidade terrena. A Terra, sendo um mundo de expiação, o mal nela predomina. Quando ela se transformar num mundo melhor, o caminho do bem será o mais frequentado. Estas palavras, no entanto, devem ser entendidas no sentido relativo e não no absoluto. Se devesse ser esse o estado permanente da Humanidade terrena, Deus teria condenado à perdição a maioria das criaturas encarnadas nesse mundo. E essa é uma suposição absurda, desde que se reconheça que Deus é todo justiça e todo bondade.

Mas de quais faltas esta Humanidade seria culpada para merecer um destino tão sombrio, no presente e no futuro? Estaria toda a Humanidade na Terra e a alma não teria outras existências? Por que tantas difi culdades semeadas no caminho do homem? Por que essa porta estreita, que a tão poucas pessoas é dado passar? Por que a sorte da alma estaria determinada para sempre após a morte?

Observa-se que, admitindo apenas uma existência para cada criatura, estamos sempre em contradição conosco mesmos e com a Justiça Divina. Já quando admitimos a existência anterior da alma e a pluralidade dos mundos habitados, o nosso horizonte se alarga. A luz se faz sobre as questões mais obscuras da fé. O presente e o futuro se integram com o passado do homem.

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CAPÍTULO XVIII

Somente, então, poderemos compreender toda a verdade e toda a sabedoria dos princípios de Vida ensinados pelo Cristo.

OS QUE DIZEM: SENHOR! SENHOR!

6. Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fi zemos muitas maravilhas? — E, então, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticastes a iniquidade (Mateus, capítulo VII, versículos 21 a 23).

7. Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, eu os assemelharei ao homem prudente, que edifi cou a sua casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa e ela não caiu, porque estava edifi cada sobre a rocha. — E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, eu o compararei ao homem insensato, que edifi cou a sua casa sobre a areia. E desceu a chuva, e correram os rios, e assopraram os ventos e combateram aquela casa e ela caiu e foi grande a sua queda (Mateus, capítulo VII, versículos 24 a 27; Lucas, capitulo VI, v. 46 a 49).

8. Qualquer, pois, que violar um destes pequenos mandamentos, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar aos homens será chamado grande no reino dos céus (Mateus, capítulo V, versículo 19).

9. Todos os que reconhecem a missão de Jesus, dizem: “Senhor! Senhor!”. Mas que vale chamá-lo de Mestre ou Senhor, se não seguem os seus preceitos? Serão cristãos os que O honram através de atos exteriores de devoção e, ao mesmo tempo, fazem suas oferendas nos altares que erguem para os deuses do orgulho, do egoísmo, da cobiça e de todas as suas paixões? Serão seus discípulos aqueles que passam os dias em orações, mas que não se tornam nem melhores, nem mais caridosos, nem mais indulgentes

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MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

para com os seus semelhantes? Não! Não são, porque, do mesmo modo que faziam os fariseus, esses têm as preces nos lábios e não no coração. Com a aparência, eles podem enganar aos homens, mas não enganarão a Deus.

Inutilmente esses falsos cristãos dirão a Jesus: “Senhor, nós profetizamos em vosso nome; expulsamos os demônios em vosso nome; comemos e bebemos convosco”. Aí, Jesus lhes responderá: “Não sei quem sois. Retirai-vos de mim, vós que cometeis perversidades, vós que desmentis as vossas palavras com os vossos maus atos, que caluniais o vosso próximo, que empobreceis as viúvas e cometeis adultérios. Afastai-vos de mim, vós que tendes o coração destilando ódio e amargores, vós que derramais o sangue de vossos irmãos usando o meu nome, vós que provocais lágrimas ao invés de enxugá-las. Para vós, haverá choro e ranger de dentes, porque o reino do céu é para os que são brandos, humildes e caridosos. Não espereis dobrar a Justiça Divina a vosso favor, pela quantidade de vossas palavras e pelo número de vezes que dobrais os joelhos e orais. A única porta que vos está aberta, para alcançardes graça diante de Deus, é aquela que conduz à prática sincera da lei do amor e da caridade”.

As palavras de Jesus são eternas!Elas são a verdade!Elas não são somente a segurança para obterdes a vida celeste,

mas também a garantia da paz, da serenidade e do equilíbrio do homem na vida terrena. Eis porque todas as instituições humanas, políticas, sociais e religiosas, que fundarem os seus alicerces sobre as palavras de Jesus, serão permanentes como a casa construída sobre a rocha. Os homens as conservarão, porque nelas encontrarão a sua felicidade. Mas aquelas instituições que sejam uma violação dos princípios cristãos, essas serão como a casa construída sobre a areia: o vento das renovações e o rio da evolução as arrastarão para o mar do esquecimento.

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CAPÍTULO XVIII

A QUEM MUITO FOI DADO

10. E o servo que soube a vontade do seu senhor, e não se aprontou, nem fez conforme a sua vontade, será castigado com muitos açoites. Mas o que não a soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos açoites será castigado. E, a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe confi ou, muito mais se lhe pedirá (Lucas, capítulo XII, versículos 47 e 48).

11. E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fi m de que os que não veem, vejam, e os que veem sejam cegos. — Aqueles dos fariseus que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe: Também nós somos cegos? — Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos, por isso o vosso pecado permanece (João, capítulo IX, versículos 39 a 41).

12. Estas máximas encontram a sua aplicação, sobretudo, nos ensinamentos dos Espíritos. Alguém que conheça os preceitos do Cristo é, seguramente, culpado se não colocá-los em prática.

Onde estão esses ensinamentos?Estão no Evangelho!O Evangelho, contudo, não é amplamente divulgado,

a não ser nas seitas cristãs. E mesmo dentro desses ramos do cristianismo, poucas pessoas o leem. E entre as poucas que o leem, muitas não o compreendem! Dessa falta de leitura e de entendimento, as próprias palavras de Jesus fi cam perdidas para uma grande maioria de cristãos e não cristãos.

Os ensinamentos dos Espíritos reproduzem as máximas do Cristo. Dão-lhes diversas formas, ao desenvolvê-las e comentá-las. Com isso, eles colocam os princípios do cristianismo ao alcance de todos. Trazem a particularidade de não os deixarem só ao alcance de algumas pessoas. Assim é que todos, alfabetizados ou analfabetos, crentes ou incrédulos, cristãos ou não cristãos, podem conhecer esses princípios de Vida, porque os Espíritos se comunicam por todas as partes de nosso mundo.

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MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

Nenhum daqueles que recebam as mensagens dos Espíritos, diretamente ou por intermédio de outras pessoas, pode alegar ignorar os princípios ensinados por Jesus. Não se pode, sequer, alegar que os desconhece por falta de instrução, nem dizer que não os entende por estarem difíceis em razão de seu sentido fi gurado ou alegórico.

Aquele, portanto, que não pratica esses ensinamentos para a sua própria evolução espiritual, que apenas os admira como uma coisa interessante e curiosa, sem que se deixe tocar no coração, que não se torne menos inútil, nem menos orgulhoso, nem menos egoísta, nem menos apegado aos bens materiais, nem melhor para com o seu próximo, esse mais culpado é, por ter mais meios de conhecer a verdade.

Os médiuns que obtêm boas comunicações são ainda mais repreensíveis se persistirem no mal. É que, muitas vezes, o que eles escrevem ou transmitem psicofonicamente condenam os seus próprios hábitos viciosos. Se não estivessem cegos pelo orgulho, reconheceriam que é para eles mesmos que os Espíritos se dirigem. Mas, ao invés de tomarem para si as lições que transmitem, ou que são transmitidas por outros médiuns, o seu único pensamento é de aplicá-las a outras pessoas. Com essa transferência das lições para terceiros, eles realizam estas palavras de Jesus: “Vós vedes um grão de poeira no olho de vosso vizinho e não vedes a viga que está no vosso” (Ver o capítulo X, item 9, nesta obra).

Por estas outras palavras: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa”, Jesus confi rma que o tamanho da culpa é determinado pela quantidade de conhecimentos que a criatura tenha. Tomemos os fariseus para exemplo. Eles que tinham a pretensão de ser, e realmente eram, a parte mais esclarecida da nação judaica, tornavam-se mais censuráveis diante da Justiça Divina do que o povo ignorante. O mesmo acontece hoje, em relação aos médiuns e aos Espíritas estudiosos em geral.

Aos Espíritas, portanto, muito será pedido de conduta reta, porque eles têm muito recebido. Mas, por outro lado, para os

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CAPÍTULO XVIII

que souberem praticar os ensinamentos, muito lhes será dado de felicidade.

O primeiro pensamento de todo Espírita sincero deve ser procurar saber se, nos conselhos dados pelos Espíritos, não há alguns que lhe digam sobre si mesmo.

O Espiritismo vem multiplicar o número dos chamados. Pela fé que desperta em cada um, multiplicará, também, o número dos escolhidos.

Instruções dos EspíritosDÁ-SE AO QUE JÁ TEM

13. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes fala por parábolas? — E ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado. Porque para aquele que tem, se lhe dará, e terá em abundância, mas para aquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não veem e ouvindo não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis (Mateus, capítulo XIII, versículos 10 a 14).

14. E Jesus lhes disse: Atentai ao que ides ouvir. Com a medida com que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda acrescentada. Porque ao que tem, ser-lhe-á dado; e, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado (Marcos, capítulo IV, versículos 24 e 25).

15. “Dá-se ao que já tem e retira-se ao que não tem”. Meditem neste grande ensinamento, que algumas vezes lhes parece contraditório com a Justiça Divina.

Aquele que já recebeu é o que compreendeu a palavra divina. Ele recebeu mais, porque se empenhou em tornar-se digno dela. É que o Senhor, no seu amor misericordioso, encoraja-lhe os esforços que se inclinam para a prática do bem. Esses esforços resignados, perseverantes, atraem as graças do Senhor. São um ímã que atrai para si o melhor da evolução moral, as graças

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MUITOS OS CHAMADOS, POUCOS OS ESCOLHIDOS

abundantes, que lhe dão forças para subir a montanha sagrada, em cujo cume está a paz após o trabalho.

“Tira-se ao que não tem ou que tem pouco”. Tomem esta afi rmação como um ensino apenas fi gurado. A Justiça Divina não retira das criaturas o bem que se dignou conceder-lhes. Homens cegos e surdos! Abram o entendimento e os corações! Vejam pelo seu espírito e entendam pela alma! Não interpretem de um modo tão grosseiro e injusto as palavras de Jesus, que fez resplandecer nos olhos de vocês a Justiça Divina. Não é Deus que retira coisa alguma daquele que pouco recebeu. É a própria criatura que, por ser dispersiva e descuidada, não sabe conservar o que recebeu de conhecimentos espirituais e, por não praticar esses princípios, não aumenta e nem faz germinar a dádiva divina que lhe caiu no coração.

Aquele que não cultiva o campo de trabalho que seu Pai lhe confi ou, e que lhe coube por herança, verá esse campo cobrir-se de ervas daninhas. Será o seu Pai que lhe retira as colheitas que ele não preparou? Se, por falta de cuidados com as sementes destinadas à produção nesse campo, a sementeira morrer, poderá ele acusar o seu Pai se elas nada produzirem?

Não! Não! Ao invés de acusar aquele que tudo preparou para si, de retomar os seus dons, ele deve acusar o verdadeiro autor de suas misérias: ele mesmo! Deverá, arrependido de seu desleixo e mais ativo, empenhar-se na obra de sua redenção com coragem. Que cultive o solo ingrato de seu coração com todo o empenho de sua vontade. Que aprofunde os princípios divinos em si mesmo, com a ajuda do arrependimento e da esperança. Que semeie com confi ança as sementes que separou como boas, entre as más. Que as irrigue com a água do amor e da caridade. E Deus, o Deus do amor e da caridade, lhe dará ainda mais do que ele já recebeu. Então, ele verá os seus esforços coroados de sucessos e cada semente do bem produzir cem e outras mil.

Coragem, trabalhadores do bem! Tomem as suas grades e os seus arados! Trabalhem os seus próprios sentimentos! Livrem-nos das tendências más. Neles semeiem as sementes generosas que o Senhor

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CAPÍTULO XVIII

lhes confi a no seu Evangelho e o orvalho do amor as acalentará e as fará produzir os frutos da caridade (Um Espírito Amigo, Bordéus, 1862).

O CRISTÃO E AS OBRAS

16. “Nem todos os que me dizem: Senhor, Senhor! entrarão no reino dos céus, mas somente os que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus”.

Escutem estas palavras do Mestre, vocês todos que rejeitam a Doutrina Espírita como se fosse obra do demônio! Abram os seus ouvidos, que é chegado o momento de ouvir!

Bastará trazer a aparência do Evangelho para ser um fi el servidor do Senhor? Bastará dizer: “Eu sou cristão”, para seguir o Cristo? Procurem os verdadeiros cristãos e vocês os reconhecerão pelas suas obras no campo do bem.

“Uma árvore boa não dará maus frutos, nem uma árvore má dará bons frutos”. “Toda árvore que não dá bons frutos, será arrancada e lançada ao fogo”. — Eis as palavras do Mestre! Discípulos do Cristo, procurem compreendê-las corretamente!

Quais são os frutos que deve dar a árvore do cristianismo, árvore dadivosa, cujos ramos frondosos abrigam uma parte do mundo, mas ainda não todos aqueles que devem abrigar-se em torno do Evangelho? Os frutos dessa árvore da Vida são os frutos da Vida, da esperança e da fé. O cristianismo, tal como tem feito depois de muitos séculos, prega sempre essas virtudes divinas. Ele se empenha em espalhar seus frutos, mas quão poucos os recolhem! A árvore é sempre boa, mas os seus fruticultores são maus. Os que deveriam cuidar dela, querem moldá-la segundo as suas próprias ideias, violentando-lhe a natureza. Querem modelá-la de acordo com as suas necessidades de bens materiais. Por isso, eles a cortaram, a diminuíram, a mutilaram! Agora, seus ramos estéreis não dão maus frutos, porque já não dão nenhum fruto!

O viajor faminto, que se acolhe à sua sombra, procurando o fruto da esperança, que deve lhe restabelecer a força e a coragem, encontra apenas ramos áridos, que o fazem pressentir os ventos da renovação

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necessária. Inutilmente ele procura o fruto da Vida na árvore da Vida: as suas folhas caem secas, pois que a mão do homem de tal maneira as remexeu que as secou!

Abram, pois, os seus ouvidos e os seus corações, meus bem-amados! Cultivem essa árvore da Vida, cujos frutos dão a vida eterna. Aquele que a plantou, lhes convida a cultivá-la com amor. Vocês a verão, ainda, produzir com fartura os seus frutos divinos.

Conservem-na, porém, assim como o Cristo lhes deu.Não mais a mutilem!A sua sombra imensa deve estender-se sobre o Universo. Não

lhe cortem os galhos. Seus frutos generosos caem com fartura para alimentar o viajante da evolução que, faminto, deseja alcançar a sua destinação divina. Não guardem os seus frutos, porque eles perecerão e não servirão a ninguém.

“Muitos os chamados e poucos os escolhidos”. É que há os que trazem apenas para si mesmo o pão da Vida, querendo privar as outras pessoas de partilhá-lo, da mesma forma que alguns fazem com o pão material. Não se somem a esses infelizes. A árvore que dá bons frutos deve dá-los para todos. Vão, pois, procurar os necessitados desses frutos do Evangelho. Tragam-nos para debaixo dos ramos dessa árvore e repartam com eles o abrigo que ela lhes oferece a seus próprios corações.

“Não se colhem uvas nos espinheiros”, e, por isso, meus irmãos, afastem-se daqueles que lhes chamam para apresentar-lhes os tropeços do caminho divino e sigam com aqueles que os conduzirão à sombra da árvore da Vida.

O Divino Salvador, o Justo por excelência, disse, e as suas palavras não passarão sem que sejam cumpridas: “Aqueles que me dizem: Senhor, Senhor! não entrarão no reino dos céus, mas somente aqueles que fazem a vontade de meu Pai que está nos céus, esses entrarão”.

Que o Senhor das bênçãos, os abençoe. Que o Deus da luz, os ilumine. Que a árvore da Vida derrame sobre vocês os seus frutos com fartura! Creiam e orem (Simeão, Bordéus, 1863).

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CAPÍTULO XIX

XIX

A FÉ TRANSPORTA MONTANHAS

PODER DA FÉ

1. E, quando chegaram à multidão, aproximou-se-lhe um homem, pondo-se de joelhos diante de Jesus, dizendo: Senhor, tem misericórdia de meu fi lho, que é lunático e sofre muito, pois muitas vezes cai no fogo e muitas vezes na água e trouxe-o aos teus discípulos e não puderam curá-lo.

E Jesus, respondendo, disse: Ó geração incrédula e perversa! até quando estarei eu convosco e até quando vos suportarei? Trazei-mo aqui. — E repreendeu Jesus o demônio, que saiu dele, e desde aquela hora o menino sarou.

Então, os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? — E Jesus lhes disse: Por causa da vossa pouca fé. Porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar e nada vos será impossível (Mateus, capítulo XVII, versículos 14 a 20).

2. No sentido próprio, é certo que a confi ança nas suas próprias forças torna o homem capaz de realizar as coisas materiais, que não pode fazer quando ele duvida de si mesmo. Mas aqui é unicamente no sentido moral que se devem entender essas palavras ditas por Jesus.

As montanhas que a fé remove são as difi culdades, as resistências ao bem, a má-vontade, em suma, que se encontram entre os homens, ainda mesmo quando se trate das melhores coisas. Os preconceitos da rotina, os interesses materiais, o egoísmo, a cegueira do fanatismo, as paixões orgulhosas, são outras tantas montanhas que atravancam o caminho daqueles que trabalham pela evolução da Humanidade. A fé robusta

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transmite a perseverança, as energias e os recursos que permitirão vencer esses obstáculos, tanto nos pequenos como nos grandes atravancamentos do caminho do bem. A fé vacilante produz a incerteza, a hesitação de que se aproveitam os adversários que devemos combater. Essa fé vacilante nem procura os meios de vencer, porque não crê na possibilidade da vitória.

3. Num outro sentido, entende-se a fé como sendo a confi ança que se tem na realização de uma determinada coisa, a certeza de atingir um determinado objetivo. Neste caso, a fé daria uma espécie de lucidez que permitiria ver, em pensamento, a meta que se quer alcançar e os meios de alcançá-la, de modo que aquele que a possui avança, por assim dizer, com total segurança. Num e noutro desses casos, a fé pode fazer que se realizem grandes coisas.

A fé sincera e verdadeira é sempre calma. Ela traz a paciência que sabe esperar o momento e as circunstâncias certas. Porque tem o seu ponto de apoio na inteligência e na compreensão das coisas, tem a certeza de chegar ao objetivo visado. A fé vacilante já traz em si a sua própria fraqueza. Quando é estimulada por interesses, ela se torna devastadora, por crer que pode suprir, com a violência, a força que lhe falta. A calma na luta é sempre um sinal de energia e confi ança. A violência na luta, ao contrário, é sempre uma prova de fraqueza e de falta de confi ança em seus propósitos.

4. Não podemos confundir a fé com a vaidade do homem. A verdadeira fé está aliada à humildade. Aquele que a possui deposita mais confi ança em Deus do que em si próprio. É que sabe que, sendo um simples instrumento dos desígnios divinos, ele nada pode sem o amparo da misericórdia. Eis porque os bons Espíritos lhe vêm ajudar. A vaidade, a presunção, é menos fé e mais orgulho. E o orgulho é sempre visitado, cedo ou tarde, pela decepção e pelos fracassos que lhe são impostos.

5. O poder da fé tem uma aplicação direta e especial na ação magnética. Através dela, o homem age sobre o fl uido, agente universal. Ele modifi ca as suas qualidades e lhe dá uma impulsão por assim dizer irresistível. Eis porque aquele que, a um grande

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CAPÍTULO XIX

poder fl uídico normal, ajunta uma fé calorosa, pode, pela sua vontade dirigida ao bem, operar esses singulares fenômenos de curas e outros mais que, antigamente, eram considerados prodígios, milagres, mas que não passam de reações operadas por uma lei natural. Por essa razão natural, base da ação fl uídica, é que Jesus disse a seus Apóstolos: “Se vós não o curastes, é que não tendes fé”.

CONDIÇÃO DA FÉ INABALÁVEL

6. Do ponto de vista religioso, a fé é a crença em dogmas especiais que constituem as diferentes religiões. Todas as religiões têm os seus artigos de fé. Sob esse aspecto, a fé pode ser raciocinada ou cega. A fé cega nada examina, aceitando sem controle tanto o falso como o verdadeiro e, a cada momento, choca-se contra a evidência e a razão. Levada ao extremo, essa fé produz o fanatismo.

Quando a fé se assenta sobre o erro, ela desmorona, cedo ou tarde. Aquela, porém, que tem por base a verdade é a única que se consolida com o passar do tempo. É que nada tem a temer do progresso das luzes do conhecimento humano, uma vez que o que é verdade durante as sombras, é igualmente verdade à luz do dia.

Cada religião pretende estar na posse exclusiva da verdade, mas preconizar a fé cega sobre uma questão de crença, é confessar a sua incapacidade de demonstrar que está com a razão.

7. Diz-se, comumente, que a fé não se prescreve, o que leva muitas pessoas a dizerem que não lhes cabe a culpa de não ter fé. Sem dúvida, a fé não se doa e, o que é ainda mais justo: a fé não pode ser imposta. Não! ela não é imposta, mas se adquire e ninguém está impedido de possuí-la, mesmo entre os que se recusam a submeter-se a essa lei divina.

Falamos das verdades espirituais fundamentais e não desta ou daquela crença particular. Não é a fé que deve procurar as pessoas. As pessoas é que devem buscar a fé e, se buscarem com sinceridade, elas a encontrarão. Tenham, pois, como certo que

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os que dizem: “Não queremos nada melhor do que crer, mas não o podemos fazer”, esses dizem isso da boca para fora e não do coração, pois isto dizendo eles fecham os seus ouvidos para a verdade espiritual da vida.

As provas contrárias ao que eles dizem são abundantes ao redor deles mesmos. Por que, pois, se recusam a vê-las? Da parte de uns é pela indiferença, da parte de outros é pelo temor de serem forçados a mudar seus hábitos. A maioria, contudo, é por esse orgulho de não aceitar um Poder Superior ao seu, porque teriam de render-se diante dele.

Em algumas pessoas, a fé parece de algum modo ter nascido juntamente com elas. Uma faísca é bastante para desenvolvê-la. Essa facilidade de assimilar as verdades espirituais é um sinal evidente de evolução já realizada ao longo de reencarnações anteriores. Em outras pessoas, ao contrário, essas verdades penetram com muita difi culdade, o que é sinal, não menos evidente, de um natural retardamento evolutivo. As primeiras dessas pessoas já creram e compreenderam em existências anteriores e elas trazem ao renascer, a intuição de suas conquistas e, por isso, estão com a educação feita. As segundas dessas pessoas ainda têm tudo para aprender, por isso a sua educação espiritual está por fazer-se. Essa educação se fará e, se não fi car completa nesta existência, ela se completará numa outra reencarnação.

A resistência do incrédulo, convenhamos, muitas vezes não nasce muito dele mesmo. Quase sempre tem origem na maneira pela qual lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base e essa base é a compreensão perfeita daquilo em que se deve crer. Para crer, não basta ver. É necessário, sobretudo, compreender.

A fé cega não é mais deste século. E é precisamente o dogma da fé cega que hoje produz o maior número de incrédulos. Eles não aceitam a fé imposta, que lhes exige o abandono de uma das mais preciosas qualidades do homem: o raciocínio e o livre arbítrio. É contra essa fé cega que se levanta o incrédulo e dela é que se pode verdadeiramente dizer que fé não se impõe.

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CAPÍTULO XIX

Não admitindo ter que apresentar provas, a fé cega deixa no espírito um vazio, que gerará a dúvida. A fé raciocinada, que é aquela que se baseia sobre fatos e na lógica, não deixa nada obscuro. O homem crê, porque tem a certeza e só tem certeza quando se compreendeu. Eis porque essa fé não se abala, pois fé inabalável só é a que pode encarar a razão, frente a frente, em todas as épocas da Humanidade.

Esse é o resultado a que conduz o Espiritismo, assim triunfando sobre a incredulidade todas as vezes que não encontra oposição sistemática e interessada em fazer prevalecer um dogma.

PARÁBOLA DA FIGUEIRA QUE SECOU

8. E, no dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome. E, vendo de longe uma fi gueira que tinha folhas, foi ver se nela acharia algum fruto. E, chegando a ela, não achou senão folhas, porque não era tempo de fi gos. E Jesus, falando, disse à fi gueira: nunca mais coma alguém frutos de ti. E os seus discípulos ouviram isso.

E eles, passando pela manhã, viram que a fi gueira tinha secado desde as raízes. E Pedro, lembrando-se, disse-lhe: Mestre, eis que a fi gueira, que tu amaldiçoaste, se secou. E Jesus, respondendo, disse-lhes: Tende fé em Deus, porque em verdade vos digo que qualquer que disser a este monte: Ergue-te e lança-te ao mar, e não duvidar em seu coração, mas crer que se fará aquilo que diz, tudo o que disser lhe será feito (Marcos, capítulo XI, versículos de 12 a 14 e de 20 a 23).

9. A fi gueira seca é o símbolo das pessoas que só têm as aparências do bem, mas que na realidade nada produzem de bom. Representa esses oradores que têm mais brilho que base sólida, cujas palavras trazem só um verniz na superfície. Essas palavras são agradáveis aos ouvidos, mas quando o que dizem é examinado, elas não trazem nada de substancial ao coração. É de

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perguntar-se aos que as ouviram, que proveito poderão tirar delas para a sua vida.

É, também, o símbolo de todas as pessoas que têm meios de serem úteis e não o são. De todas as fantasias, de todos os sistemas vazios, de todas as doutrinas sem base sólida. O que lhes falta, na maior parte do tempo, é a verdadeira fé, a fé fecunda, a fé que abala as fi bras do coração. Em suma, falta-lhes a fé que remove montanhas.

São quais árvores cobertas de folhas, mas sem frutos. É por isso que Jesus reconhece que são estéreis, pois um dia virá em que fi carão secas até a raiz.

Isto quer dizer que todos os sistemas, todas as doutrinas que não produzem nenhum bem para os homens, cairão reduzidas ao nada. Que todas as criaturas deliberadamente inúteis, por não terem utilizado os recursos que traziam consigo, serão tratadas como a fi gueira que secou.

10. Os médiuns são os intérpretes dos Espíritos. Eles suprem os Espíritos com os órgãos materiais que faltam a estes para nos transmitirem os seus ensinamentos. É que os médiuns são dotados de faculdades próprias para esse efeito. Nestes tempos de renovação moral, os médiuns desempenham uma missão especial que é a de serem árvores que devem fornecer o alimento espiritual a seus irmãos da Terra. Os médiuns se multiplicam, para que o alimento espiritual seja abundante. Estão, portanto, por toda parte, em todos os países, em todas as raças e em todas as classes sociais. Estão entre os ricos e os pobres, entre os grandes e os pequenos, a fi m de que em parte alguma haja deserdados desses ensinamentos e para provar aos homens que todos são chamados pelo Senhor.

Mas, se os médiuns desviam da fi nalidade providencial a faculdade preciosa que lhes foi concedida, se a colocam a serviço de coisas fúteis e prejudiciais, se a colocam a serviço dos interesses mundanos, se, ao invés de frutos salutares, eles dão maus frutos, se eles se recusam de torná-la proveitosa espiritualmente para os

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CAPÍTULO XIX

outros, se dela tiram eles proveito para si mesmos e não para a sua evolução moral, eles serão como a fi gueira estéril. Então a Justiça Divina os privará dos Bons Espíritos que não mais utilizarão o dom que se tornou inútil nesses médiuns. Por ser a árvore que eles não sabem fazer dar bons frutos, eles se tornarão, a partir daí, presas fáceis de Espíritos tão desajustados quanto eles próprios.

Instruções dos EspíritosA FÉ, MÃE DA ESPERANÇA E DA CARIDADE

11. A fé, para ser útil, deve ser ativa. Ela não pode adormecer no coração. Mãe de todas as virtudes que conduzem a Deus, ela deve desdobrar-se ativamente para desenvolver as suas próprias fi lhas.

A esperança e a caridade são frutos da fé. Elas, juntas, formam uma trindade inseparável. Não é a fé que nos alimenta a esperança de vermos cumpridas as promessas do Senhor? Se não tivermos fé, o que nos dará o amor? Se não tivermos a fé, que gratidão seria a nossa e, por consequência, qual seria o nosso amor?

A fé, divina inspiração de Deus, desperta todos os sentimentos nobres que induzem o homem ao bem. Ela é a base da regeneração humana. É necessário, portanto, que essa base seja sólida e durável, pois se a menor dúvida a abalar, que será do edifício de princípios que construiremos sobre ela? Levantem, portanto, esse edifício sobre fundações que não sofram mudanças. Que a sua fé seja mais sólida do que os argumentos falsos e as zombarias dos incrédulos, pois a fé que vacila diante do ridículo dos homens não é a verdadeira fé.

A fé sincera é empolgante, contagiosa. Ela se transmite aos que não a tenham ou, mesmo, aos que não desejariam tê-la. Ela encontra palavras persuasivas que vão ao fundo da alma, enquanto a fé aparente apenas se serve de palavra com sons e sem

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espírito, que deixam frios e indiferentes aqueles que estejam à sua volta.

Preguem pelo exemplo de sua fé, para transmiti-la aos homens. Preguem pelo exemplo de suas obras, para que vejam o mérito de fé. Preguem pela sua esperança inabalável para que vejam a confi ança que lhes dá energias e, ao mesmo tempo, que lhes dá estímulo para que vocês enfrentem todas as difi culdades da vida.

Tenham, portanto, a fé com tudo o que ela contém de belo e de bom, na sua pureza, com a força de seu raciocínio. Não admitam a fé sem comprovação, essa cega fi lha da cegueira da verdade espiritual. Amem a Deus, mas sabendo por que vocês amam. Creiam nas promessas divinas, mas sabendo por que vocês crêem. Sigam os nossos conselhos, mas compenetrados dos fi ns que lhes propomos e dos meios que lhes indicamos para alcançá-los.

Creiam e esperem sem jamais enfraquecer na sua fé: os milagres são obras da fé (José, Espírito Protetor, Bordéus, 1862).

A FÉ DIVINA E A FÉ HUMANA

12. A fé é o sentimento, inato ao homem, de sua destinação futura. É a consciência que o homem tem das imensas faculdades que, em germe, estão depositadas em seu íntimo. Essas faculdades, a princípio em estado latente, o homem deverá fazer que germinem e cresçam, por ação e cuidado de sua vontade.

Até aqui, a fé só foi interpretada no seu sentido religioso, porque o Cristo a indicou como a alavanca com o poder para remover montanhas e porque em Jesus somente viram o chefe de uma religião. Mas o Cristo, que realizou milagres materiais, nos mostrou, através desses mesmos fenômenos naturais, o que pode o homem fazer, quando ele tem a fé, isto é, quando ele tem a vontade de querer e a certeza de que essa vontade pode ser realizada.

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CAPÍTULO XIX

Os Apóstolos de Jesus, seguindo o exemplo do Mestre não fi zeram milagres também? Ora, que eram esses milagres? Esses milagres eram os efeitos de leis da natureza, cujas causas eram desconhecidas dos homens daquela época, mas que são explicados, em grande parte, atualmente, e que serão compreendidos inteiramente pelo estudo do Espiritismo e do magnetismo.

A fé é humana ou divina, segundo a aplicação que o homem der às suas faculdades: na satisfação de suas necessidades terrenas ou na realização de suas aspirações celestes visando à vida futura. O homem de gênio, que se empenha na realização de um grande empreendimento, triunfa se tem fé, porque ele sente em si mesmo que o pode e deve realizar, e esta certeza lhe dá uma imensa força de realizar seu projeto. O homem de bem que, crendo no seu futuro celeste, deseja preencher a sua vida de nobres e belas ações, vai buscar na sua fé, na certeza da felicidade que o espera, a força necessária para realizar-se espiritualmente. E é aqui que se operam os milagres da caridade, do devotamento e da abnegação.

Com a fé você supera todas as más inclinações.O magnetismo é uma das grandes provas do poder da

fé operante. É pela fé que o magnetismo cura e produz esses fenômenos estranhos que, antigamente, eram qualifi cados de milagres.

Se todos os encarnados estivessem bem convencidos da energia que trazem em si próprios, e quisessem pôr a sua vontade a serviço dessa energia, seriam capazes de realizar o que, até este momento, alguns chamam de prodígios e que é simplesmente o desenvolvimento das faculdades humanas que, em germe, estão depositadas em seu íntimo (Um Espírito Protetor, Paris, 1863).

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OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

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OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

1. Porque o reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada a assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, ajustando com os trabalhadores a um dinheiro por dia, mandou-os à sua vinha. E saindo perto da hora terceira, viu outros que estavam ociosos na praça e lhes disse: Ide também vós para a vinha e lhes darei o que for justo. E eles foram. — E saindo outra vez perto da hora sexta e nona, fez o mesmo. E saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam ociosos e lhes perguntou: Por que estais ociosos todo o dia?— Disseram-lhes eles: Porque ninguém nos assalariou. — Disse-lhes ele: Ide vós também para a vinha e recebereis o que for justo.

Aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha a seu mordomo: Chama os trabalhadores e paga-lhes o dia de trabalho, começando pelos últimos, até os primeiros. — E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um dinheiro cada um. Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais. Porém, do mesmo modo receberam um dinheiro cada um. E, recebendo-o, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes últimos trabalharam apenas uma hora e tu os igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a tarefa de um dia inteiro.

Mas, ele respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu e retira-te. Eu quero dar a este último tanto quanto a ti. Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou mau é o teu olho, porque eu sou bom?

Assim os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são chamados, mas poucos os escolhidos (Mateus, capítulo XX, versículos 1 a 16; Ver também a Parábola do Festim das Bodas, capítulo XVIII, item 1, desta mesma obra).

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CAPÍTULO XX

Instruções dos EspíritosOS ÚLTIMOS SERÃO OS PRIMEIROS

2. O trabalhador da última hora tem direito a seu salário. Para isso, porém, é necessário que a sua boa vontade o tenha conservado à disposição do Senhor que devia empregá-lo. Que o seu atraso, por isso, não seja o fruto de sua preguiça ou de sua má vontade.

Ele tem direito ao salário porque, desde o início do dia, ele aguardava com impaciência aquele que, enfi m, o chamaria para a obra a ser realizada. Ele é trabalhador, apenas que lhe faltava a atividade em que se empregasse.

Mas, se ele tivesse se recusado ao trabalho, a qualquer momento do dia; se ele tivesse dito: “Tenham paciência! Eu gosto é de não fazer nada! Quando chegar a minha última hora, pensarei no que fazer e no salário que quero! Vou me importar eu por um senhor que não conheço e que não estimo? Quanto mais tarde eu começar, melhor para as minhas paixões mundanas!” — este obreiro, meus amigos, não receberia o salário de uma jornada, mas receberia o pagamento de sua preguiça.

Que dizer, então, daquele que, ao invés de fi car simplesmente na inatividade, tivesse empregado as horas destinadas ao trabalho do dia, para praticar atos culposos? Se ele tivesse blasfemado contra Deus, se tivesse derramado o sangue de seus irmãos, se tivesse lançado a perturbação nas famílias, arruinado os homens de boa-fé, abusado da inocência? Este teria, enfi m, se enlameado em todas as desonras da Humanidade!

O que será dele?Bastará que ele diga, na última hora de vida nesta existência:

“Senhor, empreguei mal o meu tempo de vida. Toma-me até o fi m deste meu dia, para que eu faça um pouco, um pouquinho que seja, de minha tarefa e dê-me a recompensa do obreiro de boa vontade!”. Bastará isso? Não, não! O Senhor lhe dirá: “Não tenho agora nenhuma obra para ti! Atiraste fora o teu tempo

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OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

de vida. Esqueceste o que tu havias aprendido! Não mais sabes trabalhar na minha vinha! Recomeça, portanto, a aprender de novo e, quando estiveres mais disposto ao bem, vem ter comigo e te abrirei meu vasto campo de atividades nobres, onde poderás trabalhar a todas as horas de teu novo dia”.

Bons Espíritas, meus bem-amados, vocês todos são obreiros de última hora! Muito orgulhoso seria aquele, entre vocês, que dissesse: “Comecei o trabalho no romper do dia e vou terminá-lo ao anoitecer”. Todos vocês vieram quando foram chamados, uns mais cedo e outros mais tarde, nesta encarnação, arrastando as suas difi culdades. Mas há quantos séculos de séculos o Mestre os chamava para a sua vinha, sem que vocês aceitassem o convite? Eis chegado, agora, o momento de receber a recompensa. Empreguem bem esta hora que lhes resta na existência. Não esqueçam jamais que a sua existência, por longa lhes pareça, não é mais que um segundo muito breve na imensidade das horas que formam para vocês a eternidade (Constantino, Espírito Protetor, Bordéus, 1863).

3. Jesus tinha particular preferência pelos símbolos simples. Na sua vigorosa linguagem, os obreiros que chegaram na primeira hora do conhecimento das leis divinas, eram os Profetas. Entre eles Moisés e todos os iniciadores que demarcaram as etapas da evolução espiritual, continuadas, através dos séculos, pelos Apóstolos, pelos Mártires e pelos Pais da Igreja, pelos sábios, pelos fi lósofos e, fi nalmente, pelos Espíritas.

Os Espíritas, que vieram por último, foram anunciados e preditos desde o advento do Messias. Eles receberão a mesma recompensa que foi dada aos que chegaram primeiro. Que digo eu? Digo que receberão até recompensa maior. Últimos a chegar, os Espíritas aproveitam a experiência acumulada das atividades intelectuais dos seus antecessores, porque o homem deve herdar a experiência do homem e porque os trabalhos e seus resultados são conquistas coletivas. Deus abençoa a solidariedade entre as gerações.

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CAPÍTULO XX

Muitos dos iniciadores de ontem, revivem hoje ou reviverão amanhã, entre vocês, para terminarem a obra que eles começaram no passado. Mais de um patriarca, mais de um profeta, mais de um discípulo do Cristo, mais de um divulgador da fé cristã se reencontram no meio de vocês. Estão eles, porém, mais esclarecidos, mais evoluídos, trabalhando, não mais nos fundamentos, porém, complementando o edifício da redenção humana. A recompensa deles será proporcional ao mérito de sua obra.

A reencarnação, esse ponto fundamental e indiscutível da Doutrina Espírita, eterniza e precisa a fi liação espiritual. O espírito, chamado a prestar contas de sua missão na Terra, compreende a continuidade da tarefa interrompida, mas sempre retomada para dar-lhe acabamento. Ele vê e sente que apanhou, de súbito, a essência das ideias de seus antecessores. Ele, então, entra de novo no trabalho, amadurecido pela experiência anterior, para evoluir mais. E todos, obreiros da primeira ou da última hora, de olhos bem abertos sobre a profunda Justiça Divina, não se queixam mais dos espinhos das tarefas, mas adoram a Deus.

Este é um dos verdadeiros sentidos da parábola dos trabalhadores da última hora. Essa parábola encerra, como todas as outras que Jesus endereçou ao povo, a semente do futuro espiritual. E, também, contém sob todas as formas e sob todas as imagens, a revelação da extraordinária unidade da vida através de sucessivas reencarnações, que harmoniza e explica todas as coisas do Universo. É essa solidariedade que liga todos os seres encarnados às existências passadas e às existências futuras (Henri Heine, Paris, 1863).

MISSÃO DOS ESPÍRITAS

4. Vocês não entendem que já está fermentada a agitação moral que deve levar o mundo moral antigo a reduzir a nada o

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OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

conjunto das injustiças humanas? Ah! bendigam o Senhor, todos vocês que puseram a sua fé na sua soberana Justiça. Quais novos apóstolos da crença revelada, pelas superiores vozes proféticas, avancem para pregar o novo princípio da reencarnação e o novo princípio da evolução dos espíritos, os quais poderão alcançar estágios superiores conforme o bom ou o mau desempenho de suas missões pessoais e pelo modo que suportarem com resignação as suas provações terrenas.

Não mais se assustem! As línguas de fogo estão sobre as suas cabeças1! Oh! Verdadeiros adeptos do Espiritismo, vocês são os escolhidos de Deus para o trabalho de redenção dos homens! Sigam adiante e preguem a palavra divina do bem e da esperança. É chegada a hora em que vocês devem sacrifi car os seus hábitos, os seus trabalhos, as suas futilidades, para a propagação da palavra divina. Vão adiante e preguem, que os Espíritos elevados estão com vocês.

Vocês falarão com pessoas que não querem escutar a voz de Deus, porque essa voz os convida incessantemente para a abnegação. Vocês pregarão o desinteresse aos avarentos, a abstinência aos dissolutos, a mansidão aos tiranos domésticos e aos déspotas. Palavras perdidas, eu sei! Mas, que importa isso?! É necessário irrigar os corações áridos com o suor que vocês vertam, porque eles não frutifi carão e nem produzirão, senão sob os repetidos golpes da enxada e da charrua evangélicas.

Sigam adiante e preguem!Sim, vocês todos, homens de boa fé, que aceitam a

sua inferioridade diante dos mundos espalhados no Infi nito, partam em campanha contra a injustiça e a iniquidade. Vão em frente e anulem o culto ao deus do ouro, que dia a dia mais se alastra. Sigam adiante que Deus os conduzirá! Homens simples e ignorantes, as suas línguas se soltarão e vocês falarão como

1. Nota do Tradutor – “Línguas de fogo” é alusão do Espírito de Erasto sobre o prometido fenômeno mediúnico, coletivo, que serviu de introdução dos Apóstolos do Cristo na mediunidade, conforme você verifi cará no capítulo II, de Atos dos Apóstolos, no Novo Testamento.

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CAPÍTULO XX

nenhum orador sabe falar. Sigam adiante e preguem, porque as multidões atentas recolherão com alegria as suas palavras de consolação, de fraternidade, de esperança e de paz.

Que importam as armadilhas que lançarem em seu caminho! Os lobos só caem nas armadilhas de lobo, mas o Pastor Divino saberá defender as suas ovelhas do fogo sacrifi cial.

Sigam, homens que, grandes diante de Deus, mais felizes que Tomé, crêem sem fazer questão de ver e aceitam os fatos da mediunidade, mesmo quando vocês nenhuma comunicação espiritual conseguiram obter por vocês mesmos.

Sigam, que o Espírito de Deus lhes conduz!Segue, pois, adiante, extraordinária falange da fé! E os

grandes grupos de incrédulos se dissiparão diante de vocês, como as sombras da manhã aos primeiros raios do Sol.

A fé é a virtude que transporta as montanhas, disse-lhes Jesus. No entanto, mais pesado que as maiores montanhas, são os montes de todos os vícios da impureza que se encontram no coração dos homens impuros. Sigam, então, com muita coragem espiritual, para remover essa montanha de iniquidades, que as gerações futuras deverão conhecer apenas como pertencentes ao tempo das lendas, do mesmo modo que vocês só conhecem de uma maneira imperfeita os acontecimentos anteriores da civilização pagã.

Sim, as transformações morais e fi losófi cas vão produzir-se em todos os pontos da Terra. Aproxima-se a hora em que a Luz Divina brilhará sobre esses dois universos da evolução humana.

Sigam, portanto, levando a palavra divina aos grandes, que a desprezarão; aos sábios, que exigirão provas materiais; aos simples e pequeninos, que a aceitarão, porque principalmente entre os mártires do trabalho, nesta expiação terrena, vocês encontrarão dedicação e fé. Caminhem com estes, pois que eles receberão com alegria, agradecendo e louvando a Deus, a consolação divina que vocês lhes levarem e, baixando a cabeça, renderão graças pelas afl ições que na Terra encontraram.

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OS TRABALHADORES DA ÚLTIMA HORA

Replete-se de decisão e coragem essa falange! Mãos à obra! O arado está pronto, o solo está à sua espera: arem-no!

Sigam adiante e agradeçam a Deus a gloriosa tarefa que lhes foi confi ada. Mas muito cuidado, porque entre os chamados para o Espiritismo, muitos se desviaram desse caminho! Guardem-se, portanto, nesse caminho e sigam com a verdade.

Vocês perguntarão se entre os chamados para o Espiritismo muitos se desviaram, como reconhecer os que estão no bom caminho?

Responderemos que vocês podem reconhecê-los pelos princípios da caridade que eles ensinarão e praticarão. Vocês os reconhecerão pelo número de afl itos que consolarem, pelo seu amor ao próximo, pela sua abnegação, pelo seu desinteresse pessoal. Poderão reconhecê-los, fi nalmente, pela vitória de seus princípios, porque Deus quer que a sua lei triunfe. E os que seguem essa lei são os escolhidos e o Senhor lhes dará a vitória. Aqueles, porém, que falseiam o sentido dessa lei e fazem do Espiritismo um degrau para satisfazer sua vaidade e sua ambição, esses serão visitados pela Justiça Divina que os reajustará pela dor (Erasto, Paris, 1863).

OBREIROS DO SENHOR

5. Vós chegastes no tempo em que se cumprirão as coisas anunciadas para a transformação moral de todos os homens. Felizes serão aqueles que trabalharem no campo do Senhor com desinteresse pessoal e sem outro motivo que não seja a própria caridade! Seus dias de trabalho serão recompensados mais de cem vezes do que esperam.

Felizes serão os que disseram a seus irmãos: “Irmãos, trabalhemos juntos. Unamos os nossos esforços, a fi m de que o Senhor, ao chegar, encontre a obra realizada”, porque o Mestre lhes dirá: “Vinde a mim, vós que sois bons servidores, vós que

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CAPÍTULO XX

soubestes calar vossos ciúmes e vossas discórdias, para que a obra não sofresse dano algum”.

Mas, infelizes daqueles que, por suas divergências de opiniões ou de interesses pessoais, houverem retardado a hora da colheita. A agitação moral virá e eles serão levados no turbilhão dos maus obreiros. Nessa hora clamarão: “Graça! Graça!”. Mas o Senhor lhes dirá: “Por que pedis graça, vós que não tivestes piedade de vossos irmãos, que vos recusastes de estender-lhes as mãos, vós que esmagastes o fraco ao invés de socorrê-lo? Por que pedis graça, vós que buscastes a vossa recompensa na alegria da Terra e na satisfação de vosso orgulho? Já recebestes a recompensa segundo a vossa vontade. Nada mais tendes a pedir. As recompensas celestes são para aqueles que não houverem pedido as recompensas da Terra”.

A Justiça Divina faz, neste momento, a contagem dos servidores fi éis. Ela assinala aqueles que só têm aparência de devotamento ao Espiritismo, a fi m de que eles não se apossem violentamente da recompensa dos servidores corajosos. É para esses, que não recuaram diante das suas tarefas, que serão confi ados os encargos mais difíceis na grande obra de regeneração dos homens pelo Espiritismo. E é, aí, que se cumprirá esta palavra: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros no reino dos céus!” (O Espírito de Verdade, Paris, 1862).

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

XXI

FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

CONHECE-SE A ÁRVORE PELO FRUTO

1. Porque não há boa árvore que dê mau fruto, nem má árvore que dê bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto, pois não se colhem fi gos dos espinheiros, nem se colhem uvas dos abrolhos. O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem, porque da abundância do seu coração fala a boca (Lucas, capítulo VI, versículos 43 a 45).

2. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou fi gos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis (Mateus, capítulo VII, versículos 15 a 20).

3. E Jesus respondendo, disse-lhes: Acautelai-vos, que ninguém vos engane, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo e enganarão a muitos. E surgirão muitos falsos profetas e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fi m será salvo.

E se alguém vos disser: Eis que o Cristo está aqui, ou ali, não lhe deis crédito, porque surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos (Mateus, capítulo XXIV, versículos 4 e 5, 11 a 13 e 23 e 24; Marcos, capítulo XIII, versículos 5 e 6, 21 e 22).

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CAPÍTULO XXI

MISSÃO DOS PROFETAS

4. Atribui-se comumente aos profetas o dom de revelar o futuro. Em decorrência, as palavras profecia e predição se tornaram sinônimas. No sentido evangélico, a palavra profeta tem uma signifi cação mais ampla. Ela se aplica a todo enviado de Deus com missão de instruir os homens e de lhes revelar as coisas ocultas e os mistérios da vida espiritual.

Um homem pode, no entanto, ser profeta sem fazer predições. Essa era a ideia dos judeus, no tempo de Jesus. Por tal razão é que, ao ser Jesus levado perante o sumo sacerdote Caifás, os Escribas e os Anciãos que ali estavam reunidos, lhe cuspiram no rosto, lhe deram socos e bofetadas, dizendo: “Cristo, profetiza para nós, e dize quem é este que te bateu”.

Houve, no entanto, profetas que tiveram a presciência do futuro, quer por intuição, quer por revelação providencial, a fi m de transmitirem avisos aos homens. Como os acontecimentos preditos se realizaram, o dom de predizer o futuro foi considerado como um dos atributos da qualidade do profeta.

PRODÍGIOS DOS FALSOS PROFETAS

5. “Levantar-se-ão falsos cristos e falsos profetas que farão grandes prodígios e maravilhas tais que seduziriam até os próprios escolhidos.” Estas palavras dão o verdadeiro sentido do termo prodígio. Na sua signifi cação teológica, os prodígios e os milagres são fenômenos excepcionais, que fogem das leis da Natureza. As leis da Natureza, sendo obras de Deus exclusivamente, poderiam ser por Ele anuladas, se fosse de sua vontade. Mas, o simples bom-senso nos diz que Ele não pode ter dado a seres inferiores e perversos um poder igual ao seu e, menos ainda, o direito de desfazerem o que Ele fez.

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

Jesus não poderia consagrar a existência de uma concessão dessa ordem. De acordo com o sentido que atribuem a estas palavras, um espírito mal intencionado teria o poder de fazer prodígios, que poderiam enganar até os próprios escolhidos. Isso nos levaria a admitir que, podendo eles fazer o que Deus faz, os prodígios e os milagres não seriam um privilégio exclusivo dos enviados de Deus. E tais prodígios nada provariam, pois que nada distingue os fenômenos provocados por Espíritos santifi cados dos fenômenos provocados pelas criaturas perversas. É necessário, portanto, que se procure um sentido mais inteligente para essas palavras.

Aos olhos do homem do povo, todo fenômeno, cuja causa seja desconhecida, passa por sobrenatural, maravilhoso e miraculoso. A causa do fenômeno, quando se torna conhecida, faz com que o aparente prodígio, por extraordinário que pareça, não seja outra coisa que a manifestação de uma lei da Natureza. É assim que a área dos fatos sobrenaturais diminui à medida que se amplia a área da Ciência.

Em todos os tempos, os homens têm explorado, em proveito de sua ambição, de seu interesse pessoal e de seu desejo de poder, certos conhecimentos que possuíam, a fi m de ganharem o prestígio de um poder supostamente sobre-humano ou de uma pretensa missão divina.

São esses os falsos cristos e falsos profetas.A difusão de conhecimentos mais amplos vem trazer-lhes o

descrédito. É por isso que o número de falsos profetas diminui à medida que o homem comum se esclarece. O fato de realizarem aquilo que, aos olhos de certas pessoas, se considera como um prodígio, não é, portanto, um sinal de missão divina. Isso que fazem pode ser o produto de conhecimentos que qualquer um pode adquirir, ou de faculdades orgânicas próprias, que tanto o mais indigno como o mais digno dos homens pode possuir.

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CAPÍTULO XXI

O verdadeiro profeta se reconhece por características mais sérias que essas dos falsos profetas e tais características são exclusivamente morais.

NÃO CREIAM EM TODOS OS ESPÍRITOS

6. Amados, não acrediteis em todos os espíritos, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo (João, Epístola 1, capítulo IV, versículo 1).

7. Os fenômenos mediúnicos, longe de confi rmar os falsos cristos e os falsos profetas, como algumas pessoas dizem, vêm, ao contrário, dar-lhes um golpe mortal.

Não peça ao Espiritismo nem milagres e nem prodígios, porque ele declara de modo expresso que não os produz. Assim como a Física, a Química, a Astronomia, a Geologia vieram revelar as leis do mundo material, o Espiritismo vem revelar outras leis desconhecidas, que regem as relações do mundo corporal com o mundo espiritual. Essas leis, tanto quanto aquelas do domínio da Ciência, não são mais que leis da Natureza. Permitindo a explicação de uma certa ordem de fenômenos, incompreendidos até agora, essas leis acabam com o que restava ainda nos domínios do maravilhoso.

Aquele, portanto, que se sentisse tentado a explorar os fenômenos mediúnicos em proveito próprio, em se fazendo passar por um messias de Deus, não poderia abusar por longo tempo da credulidade dos outros homens e muito rapidamente seria desmascarado. Aliás, como já se disse, esses fenômenos aparentemente maravilhosos, não provam coisa alguma por si mesmos. A verdadeira missão se prova por efeitos morais, que não é qualquer um que pode produzi-los.

Este é um dos resultados do desenvolvimento da ciência Espírita. Examinando a causa de certos fenômenos, essa ciência

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

levanta o véu que envolvia muitos mistérios, tornando conhecidas as suas causas.

Os que preferem a obscuridade, temendo a luz, são os únicos interessados em combater a ciência Espírita. Mas a verdade é como o Sol: dissipa os mais densos nevoeiros.

O Espiritismo vem revelar uma outra categoria, bem mais perigosa, de falsos cristos e falsos profetas, e que não se encontra entre os homens, mas entre os desencarnados. Essa categoria é a dos espíritos enganadores, dos hipócritas, dos orgulhosos e dos falsos sábios da espiritualidade, que passaram da Terra para o mundo espiritual e tomam nomes respeitáveis para, debaixo dessa máscara que usam, tornarem aceitáveis as ideias mais extravagantes e absurdas.

Antes que as relações medianímicas fossem conhecidas, esses espíritos agiam de uma maneira menos evidente, através da inspiração, da mediunidade inconsciente, auditiva ou psicofônica. O número desses espíritos que, em diversas épocas, mas sobretudo nestes últimos tempos, se apresentaram como alguns dos antigos profetas, como o Cristo, como Maria, mãe de Jesus, e mesmo como se fossem o próprio Deus — esse número hoje é considerável!

João, o Evangelista, nos põe em alerta contra tais espíritos, quando diz: “Meus bem-amados, não creiais em todos os espíritos, mas experimenteis se esses espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se têm levantado no mundo”. O Espiritismo nos oferece os meios de experimentar esses espíritos, indicando-nos as características pelas quais se conhecem os bons espíritos, características sempre morais e jamais materiais1. É para esse discernimento dos bons e dos maus espíritos que podemos utilizar estas palavras de Jesus: “Reconhece-se a qualidade da árvore pelos seus frutos. Uma boa árvore não pode produzir frutos maus e uma árvore má não pode produzir bons frutos”.

1. Ver, para a distinção dos espíritos, a 2ª parte, capítulo XXIV e seguintes d’O Livro dos Médiuns.

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CAPÍTULO XXI

Julgam-se os espíritos pela qualidade de suas obras, assim como se conhece a árvore pela qualidade de seus frutos.

Instruções dos EspíritosOS FALSOS PROFETAS

8. Se lhe disserem: “O Cristo está aqui”, não o procure onde lhe indicaram. Mas, ao invés disso, ponha-se em estado de alerta, porque os falsos profetas são em grande quantidade.

Você não vê as folhas da fi gueira embranquecerem? Não vê os brotos que surgem na época da fl orada? Não lhe disse o Cristo que “se reconhece a árvore pelos seus frutos”? Se os frutos não são bons, você considerará a árvore como má. Se, porém, os frutos forem bons e saudáveis, você dirá: “Nada de tão puro poderia sair de um galho enfermo”.

É assim, meu irmão, que você deve examinar o que fazem os espíritos. São as obras deles que devem de ser examinadas. Se aquele que se diz revestido de um poder, se faz acompanhado de todos os sinais morais próprios de semelhantes missões, ou seja, se ele revela no mais alto grau as eternas virtudes cristãs: a caridade, o amor, a indulgência, a bondade que concilia todos os corações; se, confi rmando as suas palavras, ele junta os atos a que essas palavras conduzem, então você poderá dizer: “Este aqui é, realmente, um enviado de Deus”.

Desconfi e, porém, das palavras muito doces e suaves. Desconfi e daqueles escribas e fariseus que pregam virtudes que não praticam, mas trazem a aparência falsa de praticá-las. Desconfi e daqueles que pretendem estar na posse exclusiva e única da verdade!

Não! Não! O Cristo não está entre esses, porque os que Ele envia para propagar a sua santa doutrina, e ajudar a regeneração do homem, serão, como o exemplo do próprio Mestre, brandos e humildes de coração, acima de todas as coisas. São esses os que

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

devem, por seus exemplos e por seus conselhos, salvar as criaturas humanas que correm para a perdição e que levam uma vida ociosa nos caminhos tortuosos da existência. Os que servem com Jesus são modestos e humildes.

Diante de todo aquele que revela um grão que seja de orgulho, fuja desse assim como quem foge de uma doença contagiosa, porque ele torna enfermo tudo o que toca. Lembre-se de que cada criatura traz sobre a sua cabeça, mas sobretudo no que faz, o sinal de sua grandeza ou de sua inferioridade espiritual.

Vá, pois, meu fi lho bem-amado, seguindo para a frente sem vacilações e sem segundas intenções, no caminho bendito que você tomou. Vá, vá sempre sem temor. Afaste corajosamente tudo o que possa embaraçar a sua caminhada para o objetivo eterno. Você está como um viajante que só por curto tempo está nas trevas e nas dores das provações. Se você abrir o seu coração para essa suave doutrina, que lhe vem revelar as leis eternas, você verá realizadas todas as aspirações de sua alma diante do Infi nito.

Desde já você poderá vivenciar essas paisagens celestiais vistas nos seus sonhos e que, por serem passageiras, alegravam o seu espírito, mas não moravam no seu coração! Agora, meu amado, a morte desapareceu, dando lugar aos Espíritos de Luz, que você conhece. Esse é o espírito da luz do novo encontro e da reunião com o Plano Espiritual Superior. Agora, você que bem cumpriu a tarefa que o Senhor lhe concedeu, você nada mais tem a temer da Justiça Divina. É que o Pai perdoa os fi lhos que se desgarraram e que rogam por misericórdia. Que a sua divisa seja, portanto, a da evolução, da evolução contínua de todas as coisas, até que você chegue ao fi nal feliz, em que lhe esperam todos aqueles que chegaram antes de você aos Campos da Paz (Luís, Bordéus, 1861).

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CAPÍTULO XXI

CARACTERÍSTICAS DO VERDADEIRO PROFETA

9. Desconfi em dos falsos profetas. Esta recordação é útil em todos os tempos. É mais útil ainda nos momentos de transição de valores em que, como no atual, se elabora uma transformação mo ral de todos os homens. É que, nestes momentos, uma multidão de ambiciosos e intrigantes se levantam como se fossem reformadores e messias. É contra esses impostores que devemos estar prevenidos. E é um dever de todos os homens honestos desmascará-los.

Vocês perguntarão, sem dúvida, como reconhecê-los.Vou dar-lhes os sinais de identifi cação.Só se confi a a direção de uma grande empresa a um

administrador hábil, capaz de dirigi-la. Vocês julgam que Deus seja menos prudente que os homens? Estejam certos de que Ele só confi a missões importantes aos que sabem que são capazes de realizá-las. É que as grandes missões são pesados encargos que esmagariam o homem necessitado de sabedoria para cumpri-las.

Como em todas as coisas, o mestre deve saber mais do que os aprendizes. Para fazer os homens avançarem moral e intelectualmente, há necessidade de homens superiores em inteligência e em moralidade! Por isso, para essas missões, são sempre escolhidos os Espíritos já muito evoluídos, que fi zeram as suas provas noutras existências, e que reencarnam com esse objetivo. Se esses Espíritos não fossem superiores ao meio em que eles devem atuar, a sua atividade seria nula.

Pelo exposto, vocês deverão concluir que o verdadeiro missionário de Deus deve provar a sua missão pela sua superioridade espiritual, pelas suas virtudes, pela sua grandeza de alma, pelo resultado e infl uência moralizadora de sua obra. Tirem, também, esta outra consequência: se ele estiver por seu caráter, por sua virtude, por sua inteligência, abaixo do papel a que se atribuiu, ou do personagem sob o nome de quem ele se

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

apresenta, ele não passa de um farsante de má qualidade que não sabe nem ao menos imitar o modelo divino que escolheu.

Outra consideração a fazer é que a maior parte dos verdadeiros missionários de Deus ignoram-se a si mesmos como tais. Eles realizam aquilo para o que foram chamados por força de seu gênio, secundados pelo poder oculto que os inspira e os dirige à sua revelia, sem que premeditem o que a missão lhes pede. Em resumo, os verdadeiros missionários se revelam pelos seus atos e são identifi cados pelas outras pessoas, enquanto que os falsos missionários se apresentam a si mesmos como os enviados de Deus.

Os verdadeiros missionários são humildes e modestos. Os falsos missionários são orgulhosos e cheios de si, falando com arrogância e, como todos os mentirosos, parecem sempre temerosos de não serem reconhecidos como missionários.

Já foram vistos desses impostores, alguns querendo passar por apóstolos do Cristo e outros querendo passar pelo próprio Cristo. E, para vergonha da raça humana, eles encontraram pessoas bastante crédulas para se ajuntarem nas suas indignidades. Uma ponderação bastante simples, no entanto, deveria abrir os olhos dos mais cegos dos homens: se o Cristo voltasse a encarnar sobre a Terra, viria com todo o seu poder e todas as suas virtudes, a menos que se admita, o que seria um absurdo, que Ele houvesse regredido de suas conquistas. Ora, do mesmo modo que se vocês tirarem de Deus um só de seus atributos vocês já não teriam mais Deus, se vocês tirarem uma só das virtudes do Cristo, vocês não mais teriam o Cristo.

Esses que se apresentam por Cristo, têm todas as virtudes do Senhor? Eis a questão! Observem-nos, examinem as suas ideias e os seus atos, e vocês reconhecerão que, acima de tudo, lhes faltam as qualidades que distinguem o Cristo: a humildade e a caridade, enquanto que lhes sobram as que Jesus não tinha: a ambição e o orgulho.

Notem, também, que neste momento existem, em diferentes cidades do mundo, muitos pretensos cristos, como

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CAPÍTULO XXI

também muitos pretensos Elias, João Batista ou Simão Pedro e que, necessariamente, eles não podem ser todos verdadeiros. Tenham por certo que essas são pessoas que exploram a credulidade dos mais ingênuos e que querem viver às custas daqueles que lhes dão ouvidos.

Desconfi em, portanto, dos falsos profetas e falsos missionários, sobretudo nestes tempos de renovação moral. É que muitos desses impostores se dirão enviados de Deus. Eles buscam uma vaidosa satisfação na Terra, mas a Justiça Divina os espera, podem estar certos (Erasto, Paris, 1862).

OS FALSOS PROFETAS DA ESPIRITUALIDADE

10. Os falsos profetas não estão somente entre os encarnados. Eles existem, e em maior número, entre os Espíritos orgulhosos que, aparentando amor e caridade, semeiam a desunião e retardam a obra de emancipação dos homens dos vícios morais. Para isso, levam muitas pessoas a acreditar em princípios fantasiosos e absurdos, através dos médiuns que lhes dão guarida. E para melhor fascinar os que eles desejam enganar, para dar maior importância às suas teorias, eles se disfarçam sob nomes exóticos ou que os homens só pronunciam com muito respeito.

São eles que semeiam os fermentos das discórdias entre agrupamentos Espíritas. São eles que sugerem que esses agrupamentos se isolem uns dos outros e que se confl item entre si e se olhem como concorrentes de uma missão que não existe. Bastaria isso que fazem, de fermentar a desunião, para os desmascarar. É que, agindo assim, eles mesmos dão o mais completo desmentido do que dizem ser. Cegos, portanto, são os homens que se deixam prender em tão grosseiro embuste.

Mas há, ainda, muitos outros meios de os reconhecer como falsos profetas. Os Espíritos da ordem a que eles dizem

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

pertencer, devem ser não somente bons, mas, também, muito racionais. Pois bem! Passem o que eles dizem, os princípios que pregam, pela peneira da razão e do bom senso e vocês verão o que restará de joio. Admitam, então, comigo que todas as vezes que um Espírito recomenda, como remédio para os males morais dos homens, ou como meio de alcançar a sua transformação moral, coisas fantasiosas, que não sejam meios para alcançar esse objetivo, e coisas pueris e ridículas, ou quando formula um sistema de princípios contraditório com as mais rudimentares noções da Ciência, esse não pode ser mais que um Espírito ignorante e mentiroso.

Por outro lado, lembrem-se bem de que se a verdade não é entendida por uma pessoa, ela será sempre entendida pelo bom-senso da maioria dos Espíritas. Este entendimento se constitui, também, em mais um meio de examinar a verdade. Se dois princípios se contradizem, vocês terão a medida do valor de cada um desses princípios, verifi cando qual dos dois encontra mais simpatia entre os Espíritas de bom senso doutrinário. Seria falta de lógica, realmente, admitir que princípios que vêm diminuir o número de seus participantes sejam mais verdadeiros do que aqueles princípios que vêm aumentar o número de seus adeptos.

Deus, querendo que a verdade espiritual alcance a todos, não iria limitá-la a um círculo restrito. Ele a faz surgir em diferentes pontos, a fi m de que, por toda a parte, a luz dos conhecimentos divinos esteja ao lado das trevas da mentira.

Repilam, sem piedade, todos esses Espíritos que se apresentam como conselheiros exclusivos, sugerindo a divisão e o isolamento. Esses são, quase sempre, Espíritos vaidosos e medíocres, que tentam insinuar-se e impor-se a homens fracos de conhecimentos e de vontade e, também, muito crédulos. Ao derramarem-lhes exagerados elogios, querem fasciná-los e terem-nos sob o seu domínio.

Esses são, geralmente, Espíritos desejosos de poder que, tendo sido tiranos do povo ou da família, quando encarnados, ainda querem vítimas para tiranizar após a sua desencarnação. De

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CAPÍTULO XXI

um modo geral, portanto, desconfi em das comunicações mediúnicas que trazem uma característica de misticismo e de coisas extravagantes ou que prescrevem cerimônias e práticas estranhas aos princípios do cristianismo.

Há, nesses casos, motivo legítimo de suspeitas.Lembrem-se de que, quando uma verdade deve ser revelada

aos homens, ela será transmitida, ao mesmo tempo, em todos os grupos sérios que contem com médiuns igualmente sérios. Ela não será comunicada apenas a este ou àquele agrupamento, com exclusão dos outros. Nenhum médium é perfeito se estiver obsidiado. E há obsessão clara quando um médium é apto somente para receber mensagens de um determinado Espírito, por mais importante esse Espírito se queira fazer.

Por consequência, todo médium e todo agrupamento Espírita que se julguem privilegiados pelas comunicações que somente eles podem receber e que, por outro lado, se sujeitam a práticas que inclinam para as superstições e soluções mágicas — esses todos estão, sem dúvida, aprisionados a uma obsessão muito bem evidenciada. E, mais ainda, a obsessão se evidência quando o Espírito que domina o médium ou o grupo se pavoneia com um nome que todos, encarnados e desencarnados, devemos honrar e respeitar e não permitir que seja pronunciado sem um propósito nobre.

É incontestável que, passando pela peneira da razão e da lógica, todos os conselhos e todas as mensagens dos Espíritos, será fácil rejeitar o absurdo e o erro.

Um médium pode ser fascinado, um grupo pode ser enganado. Mas o exame rigoroso de outros grupos, o conhecimento Espírita já adquirido, a alta autoridade moral dos dirigentes ativos dos agrupamentos Espíritas, as comunicações que os principais médiuns de todos os lugares recebam, com sinais de lógica e da autenticidade dos melhores Espíritos, desmascararão essas mensagens mentirosas e astuciosas, emanadas de uma turba de

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FALSOS CRISTOS E FALSOS PROFETAS

Espíritos mistifi cadores e maldosos (Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, Paris, 1862).

(Ver, nesta mesma obra, na Introdução, o item II, sob o título “Controle Universal dos Ensinamentos dos Espíritos”. Veja, também, O Livro dos Médiuns, o capítulo XXIII, sob o título “Da obsessão”).

JEREMIAS E OS FALSOS PROFETAS

11. Assim diz o Senhor Todo-Poderoso: Não ouçais as palavras dos profetas que vos profetizam! Eles vos enganam, anunciando visões que provêm de seu coração e não da boca do Senhor. Ousam dizer aos que desprezam a palavra do Senhor: “A paz está convosco!” e a todos que seguem com obstinação de seu coração: “Não vos acontecerá nenhuma desgraça”. — Quem esteve presente no conselho do Senhor para ver e ouvir a sua palavra? Quem prestou atenção à sua palavra e a ouviu? Eu não enviei os profetas, e eles correram! Eu não lhes falei, e eles profetizaram! — Ouvi o que dizem os profetas que profetizam mentiras em meu nome, dizendo: “Tive um sonho! Tive um sonho”. Até quando haverá entre os profetas os que profetizam mentiras e os que profetizam os enganos de seu coração? — E quando este povo, ou um profeta ou sacerdote, te perguntar: “Qual é o fardo do Senhor?” tu lhes dirás: “Vós sois o fardo e eu vos rejeitarei” (Jeremias, capítulo XXIII, versículos 16 a 18; 21; 25 e 26 e 33, no Antigo Testamento).

É sobre essa passagem do profeta Jeremias que eu vou lhes centralizar a atenção, meus amigos. Deus, falando pela boca do profeta, disse: “É a visão do coração deles que os faz falar”. Essas palavras indicam claramente que, desde aquela época até esta, os charlatães e os vaidosos abusavam do dom das profecias e exploravam esse dom a seu proveito próprio.

Eles abusavam, por consequência, da fé simples e quase cega do povo, predizendo, por dinheiro, as coisas boas e agradáveis a seus consulentes. Esta forma de fraude era bastante comum na nação judaica. É fácil de compreender que o pobre povo, na

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CAPÍTULO XXI

sua ignorância, não tinha nenhum meio de distinguir os bons dos maus profetas. E era sempre mais ou menos enganado pelos impostores ou fanáticos que se diziam profetas.

Nada mais signifi cativo que estas palavras: “Eu não enviei esses profetas e eles se fi zeram por si mesmos. Eu não lhes falava e eles profetizavam!”. Mais adiante encontramos: “Eu ouvi esses profetas profetizarem a mentira em meu nome, dizendo: “Sonhei, sonhei”!” Jeremias indicava, assim, os meios empregados para explorar a confi ança do povo.

A multidão, sempre crédula, não pensava em lhes contestar a veracidade de seus sonhos ou de suas visões. Ela achava tudo muito natural e convidava sempre os profetas a falar.

Após as palavras do profeta Jeremias, escutem os sábios conselhos do Apóstolo João, quando diz: “Não acrediteis em todos os espíritos, mas experimentai se os espíritos são de Deus”. É que, entre os desencarnados, há também os que gostam de enganar, quando deparam com ocasião favorável para isso.

Os enganados são bem entendido, os médiuns que não se cuidam doutrinária e moralmente o bastante para não serem presas desses espíritos. Aí se encontra, sem contradição, uma das grandes difi culdades contra as quais muitos médiuns vêm esbarrar, sobretudo quando são novatos no Espiritismo. Esta é, para esses novatos, uma prova de que não podem triunfar, a não ser quando tenham muita prudência.

Aprendam, pois, antes de tudo, a distinguir os bons Espíritos daqueles que são falsos e mentirosos, para não virem vocês mesmos a se tornarem em outros falsos profetas (Luís, Espírito Protetor, Carlsruhe, 1861).

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NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU

XXII

NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU

INDISSOLUBILIDADE DO CASAMENTO

1. E chegaram-se a Jesus os fariseus, tentando-o e dizendo: É lícito ao homem repudiar sua mulher por qualquer motivo? — Ele, porém, respondendo, disse-lhes: Não tendes lido que aquele que criou o homem, desde o princípio os fez macho e fêmea? E disse: Portanto, deixará o homem pai e mãe, e se unirá com a sua mulher, e serão dois numa só carne? Assim já não são dois, mas uma só carne. Por isso o que Deus juntou não o separe o homem. — Disseram-lhe eles: Então, por que Moisés mandou dar-lhe carta de divórcio e repudiá-la? — Disse-lhes ele: Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas no princípio não foi assim. Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, se não for por causa de adultério, e casar com outra, comete adultério, e o que se casar com a que o outro repudiou, comete adultério (Mateus, capítulo XIX, versículos 3 a 9).

2. Nada é imutável, a não ser o que vem de Deus. Por consequência, tudo o que seja obra dos homens está sujeito a mudanças. As leis da Natureza são as mesmas em todos os tempos e em todos os lugares. As leis humanas, porém, sofrem modifi cações, segundo a época e em cada lugar em que são elaboradas e aplicadas, e segundo a evolução da compreensão dos homens.

No casamento, o que é de ordenação divina, é a união dos sexos para que se realize, através da reencarnação, a renovação dos seres que morreram. Mas, as condições que regulam essa união são de ordem exclusivamente humana. Não há no mundo inteiro, nem mesmo na cristandade, dois países onde as leis humanas

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sejam totalmente as mesmas. E em nenhum desses países há um só em que essas leis não tenham sofrido mudanças com o tempo.

Daí resulta que, diante da lei civil que regula o casamento, o que é legítimo num país e em certa época, é adultério num outro país e noutro tempo. Isso ocorre porque a lei civil tem por objetivo regular os interesses das famílias. E esses interesses sofrem mudanças segundo os costumes e as necessidades locais. É assim, por exemplo, que em alguns países o casamento religioso é o único legítimo, enquanto em outros países bastará o casamento civil para legitimar a união do casal.

3. A união dos sexos é uma lei divina material, comum a todos os seres vivos. Mas, há uma outra lei divina, imutável como todas as leis de Deus, e exclusivamente moral: a lei do amor. Deus quer que os seres se unam não somente pelos laços da carne, mas também pelos da alma, a fi m de que a afeição mútua dos esposos envolva os fi lhos do casal, para que sejam dois, e não apenas um, a amar os fi lhos, a cuidar deles, a fazê-los evoluir espiritualmente.

Nas condições comuns do casamento, é tida em conta a importância da lei do amor? De modo algum! Não se examina, antes de decidir-se pelo casamento, a afeição dos dois seres que, por sentimentos mútuos se atraem entre si. Na maioria das vezes essa afeição é ignorada. O que se procura não é a satisfação do coração, mas a do orgulho, da vaidade, da cobiça, numa palavra, o que se procura é a realização de todos os interesses materiais.

Nessas uniões, quando tudo corre bem, segundo os interesses materiais, diz-se que o casamento é feliz. E quando os bens materiais são sufi cientes para que o casal realize os seus caprichos, diz-se que os esposos são ajustados e que devem ser bem felizes!

Mas, nem a lei civil, nem os compromissos que por essa lei são contratados, podem substituir a lei do amor, se esta não for a lei que oriente essa união de seres. Na falta da lei do amor, o que resulta do casamento, frequentemente, é que aqueles que se uniram por força de interesses, por si mesmos se separam. O juramento

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NÃO SEPAREIS O QUE DEUS JUNTOU

pronunciado no ato do matrimônio se torna um juramento falso, se foi tomado como uma fórmula banal.

Dessa atitude é que nascem as uniões infelizes, que fi ndam por tornarem-se culposas por resultarem da imprudência. Dupla infelicidade que se evitaria se, entre as condições para o casamento, não se esquecesse de incluir a única condição que consagra a união dos esposos aos olhos de Deus: a lei do amor.

Quando Deus disse: “Não sereis mais que uma só carne”, e quando Jesus falou: “Não separeis o que Deus uniu”, essas palavras devem ser compreendidas com referência à união consagrada segundo a lei imutável de Deus, a lei do amor, e não segundo a lei inconstante dos homens.

4. A lei civil, que rege o casamento, seria tão superfi cial que deveríamos voltar aos casamentos segundo a Natureza? Não, certamente! A lei civil tem por objetivo regular as relações sociais e os interesses das famílias, de acordo com as exigências da civilização. Por isso ela é útil, necessária e variável segundo as épocas e países. Essa lei deve conter a sabedoria da época e dos costumes, para que o homem civilizado não viva como o selvagem. Mas nada, absolutamente nada se opõe a que ela seja uma consequência da lei de Deus.

Os obstáculos ao cumprimento da lei divina se originam dos preconceitos e não da lei civil. Esses preconceitos, embora ainda muito vivos nos casamentos por interesse, já se dissolveram em pessoas mais esclarecidas. Eles desaparecerão com a evolução moral dos homens, abrindo, fi nalmente, os olhos das criaturas para os males incontáveis, para os erros, para os próprios crimes que resultam dessas uniões contraídas com a atenção voltada apenas para os interesses materiais.

Um dia o homem se perguntará se é mais humano, mais caridoso, mais moral que se anulem mutuamente os seres que não podem viver juntos ou se é mais justo restituir-lhes a liberdade. O homem se indagará, também, se a expectativa de um casamento

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CAPÍTULO XXII

que não pode ser dissolvido, não é o que aumenta o número das uniões irregulares.

O DIVÓRCIO

5. O divórcio é uma lei humana que tem por fi nalidade separar legalmente o que já estava separado de fato. Se já houver a separação de fato o divórcio não é contrário à lei de Deus. É que, neste caso, ele apenas confi rma o que as criaturas já fi zeram. Ele só é aplicável nos casos em que a divina lei do amor não foi observada.

Se o divórcio fosse contrário à lei do amor, a própria Igreja seria obrigada a considerar que teriam faltado com os seus deveres morais alguns de seus chefes que, por autoridade própria e em nome de sua religião, têm, em muitas ocasiões, aplicado a lei do divórcio. Essa falta de dever moral é dupla, aliás, porque nesses casos o divórcio tem em vista apenas atender aos interesses materiais dos divorciados, sem cogitar de cumprir a lei do amor.

Mas, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: “Foi por causa da dureza de vossos corações que Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres”? Isso signifi ca que, desde os tempos de Moisés, não sendo o amor mútuo a base única do casamento, a separação dos cônjuges poderia fazer-se necessária. Jesus, porém, acrescenta: “no princípio não foi assim”, ou seja, na origem da Humanidade, quando os homens não estavam ainda pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho, e viviam segundo a lei de Deus, as uniões nasciam da simpatia e não da vaidade ou da ambição e, por isso, não davam causa ao repúdio entre os casais.

Jesus vai ainda mais longe, estabelecendo o único caso em que o repúdio pode ser dado: o adultério. Ora, o adultério não existe onde reina uma afeição recíproca e sincera. Ele proíbe, é verdade, a todo homem desposar uma mulher repudiada. Mas

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é necessário considerar-se os costumes e o caráter dos homens daquela época. A lei mosaica, no caso de adultério, determinava matar-se a mulher a pedradas! Querendo abolir esse costume bárbaro, Jesus necessitava estabelecer uma outra penalidade e essa penalidade estava na desonra consequente da proibição de um segundo casamento. Esta era, certamente, uma lei igualmente civil, substituindo a outra lei civil que prescrevia a lapidação. Mas, assim como todas as leis civis, esta deveria submeter-se à prova do tempo e dos costumes.

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CAPÍTULO XXIII

XXIII

ESTRANHA MORAL

QUEM NÃO ODEIA SEU PAI E SUA MÃE

1. Ia com Jesus uma grande multidão e, voltando-se, disse-lhe: Se alguém vem a mim e não odeia a seu pai e mãe e mulher e fi lhos e irmãos e irmãs, também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo. Assim, pois, qualquer de vós que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo (Lucas, capítulo XIV, versículos 25 a 27 e 33).

2. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim. E quem ama o fi lho ou a fi lha mais do que a mim, não é digno de mim (Mateus. capítulo X, versículo 37).

3. Certas palavras, aliás, muito raras, formam um contraste tão estranho com o modo de ser do Cristo que, instintivamente, repelimos o sentido que elas apresentam em suas letras. E, com isso, a sublimidade da doutrina do Cristo não sofre qualquer desfi guração.

O que Jesus disse foi escrito após a sua crucifi cação. Nenhum Evangelho foi escrito enquanto Ele vivia entre os homens. Podemos, assim, supor que, em alguns casos como os versículos transcritos do Evangelho de Lucas, acima, o verdadeiro pensamento de Jesus não foi bem reproduzido. Ou, talvez, o que não é menos provável, o sentido original de seu pensamento sofreu alteração, quando foi traduzido de uma língua para outra. Nas traduções, basta que um erro seja cometido uma primeira vez, para que os copistas venham a reproduzi-lo nas cópias seguintes, como se vê frequentemente nos fatos históricos.

O termo odiar, nesta frase de Lucas: “Se alguém quer vir a mim e não odeia a seu pai e a sua mãe...”, está num desses casos

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ESTRANHA MORAL

de má tradução. Ninguém teria a ideia de atribuí-lo a Jesus. Será, então, supérfl uo discuti-lo e mesmo ainda querer justifi cá-lo. Seria necessário, primeiro, saber se Ele pronunciou o termo odiar e, no caso afi rmativo, saber se, na língua em que Jesus se exprimia, não teria esse termo um outro signifi cado, diferente do que tem na nossa língua.

Anote nesta passagem de João, o Evangelista: “Aquele que odeia a sua vida, neste mundo, a conserva para a vida eterna”, onde é evidente que a palavra odeia não signifi ca ter raiva, rancor por alguém, que é o sentido que atribuímos ao termo odiar.

A língua hebraica não era rica. Algumas de suas palavras tinham vários sentidos diferentes entre si. É o que ocorre, por exemplo, com aquelas palavras que no livro Gênese1, designavam as fases da criação divina e que serviam, ao mesmo tempo, para exprimir um período qualquer de tempo e qualquer período do dia. Disso resultou, mais tarde, a sua tradução pela palavra dia e a crença de que o mundo fora feito em seis dias de vinte e quatro horas cada um. É isso também que ocorre com a palavra com que se nomeava um camelo e um cabo, porque os cabos eram feitos de pêlos de camelo, e que foi traduzido por camelo, na alegoria do fundo da agulha e do rico (Veja o capítulo XVI, item 2, nessa obra, onde essa parábola está reproduzida).

É necessário, ainda, considerar os costumes e as características dos povos que infl uenciam, em alto grau, as peculiaridades de sua linguagem. Sem esse conhecimento o sentido real de certas palavras foge do entendimento. De uma língua para outra, o mesmo termo tem um sentido menos enérgico ou mais enérgico. Aquela palavra que numa região ou povo pode ser uma ofensa ou uma blasfêmia, pode não ser nem ofensa e nem blasfêmia numa outra região ou num outro povo, conforme a ideia que essa palavra exprima. Numa mesma língua, certos termos perdem a sua signifi cação com o passar dos séculos. É por isso que uma tradução rigorosamente literal, ou seja, feita palavra por palavra, nem sempre exprime corretamente a ideia 1. Primeiro livro da Bíblia, que se ocupa das origens da Terra.

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CAPÍTULO XXIII

inicial. E é por isso que, para a tradução ser fi el, faz-se necessário empregar não as palavras contidas no texto, mas outras que reproduzam o pensamento, acrescidas, algumas vezes, de outras palavras explicativas ou complementares.

Estas observações têm uma especial aplicação na interpretação da Bíblia e mais particularmente, na interpretação dos Evangelhos. Se não se considerarem os costumes e as características dominantes no meio em que Jesus vivia, fi caremos sujeitos aos enganos da signifi cação de algumas expressões e de alguns fatos, pelo hábito que temos de transferir para os outros aquilo que somos. Diante disso, é necessário que despojemos do termo odiar, a sua signifi cação comum entre nós, correspondente a ter rancor, desprezo, desejo de vingança, porque isso é contrário ao sentido do ensinamento de Jesus (Veja, também o capítulo XIV, item 5 e seguintes, desta mesma obra).

ABANDONAR PAI, MÃE E FILHOS

4. E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos ou irmãs ou pai ou mãe ou mulher ou fi lhos ou terras, por amor de meu nome, receberá cem vezes tanto, e herdará a vida eterna (Mateus, capítulo XIX, versículo 29).

5. E disse Pedro: Eis que nós deixamos tudo e te seguimos. — E Jesus lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou pais ou irmãos ou mulher ou fi lhos, pelo reino de Deus, que não haja de receber muito mais neste mundo e no futuro a vida eterna (Lucas, capítulo XVIII, versículos 28 a 30).

6. Disse também outro: Senhor, eu te seguirei, mas deixa-me despedir primeiro dos que estão em minha casa. — E Jesus lhe disse: Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é digno do reino de Deus (Lucas, capítulo IX, versículos 61 e 62).

Sem discutir a signifi cação das palavras, é necessário que, nestas passagens evangélicas, busquemos compreender o sentido

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ESTRANHA MORAL

desse pensamento de Jesus, que era evidentemente o seguinte: “Os interesses da vida futura têm uma importância maior do que todos os interesses e toda a importância atribuída às coisas humanas”, porque isso é o que está de acordo com a essência da doutrina de Jesus. A ideia do abandono da família seria a negação de sua doutrina de amor.

Não temos, aliás, sob os nossos olhos a aplicação desses princípios, no sacrifício dos interesses materiais e das afeições familiares, naqueles que se entregam a uma causa nobre? Condena-se o fi lho por abandonar seu pai, sua mãe e seus irmãos, sua mulher e seus próprios fi lhos, para entregar-se a pesquisas científi cas perigosas, mas que resultam na saúde de muitos enfermos? Não lhe reconhecemos, ao contrário, o mérito de deixar as doçuras do lar e o valor das amizades, para realizar uma missão assim tão arriscada?

Há deveres que superam a outros deveres.Não impõe a lei a obrigação de uma fi lha deixar os seus

pais, para seguir com o seu marido a vida conjugal?O nosso mundo está repleto de casos em que as separações

mais dolorosas são necessárias. Mas as afeições não se interrompem por isso. O afastamento não diminui nem o respeito e nem as atenções devidas aos pais, nem a ternura dos pais para com esses fi lhos que se afastam. Vê-se, portanto, que mesmo aprisionado ao sentido das palavras de Jesus, com exceção do termo odiar, esses ensinamentos não são a negação do mandamento que determina ao homem honrar a seu pai e a sua mãe, nem são a negação da ternura dos pais. E, com mais fortes razões, não são negação desse mandamento, se as examinarmos no seu sentido espiritual.

Estas expressões do Cristo tinham por fi nalidade demonstrar, por meio de uma fi gura que exagerasse a verdade das coisas, como era importante o dever de ocupar-se da vida espiritual futura. Elas deveriam, aliás, ser menos chocantes do que são hoje. É que foram ditas a um povo e numa época em que, por força dos costumes, os laços de família eram menos fortes

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CAPÍTULO XXIII

que os existentes numa civilização mais avançada moralmente. Esses laços de família, mais fracos nos povos primitivos, tornam-se mais acentuados com o desenvolvimento da sensibilidade e do senso moral.

A própria separação da família é necessária para o progresso. E isso tanto para o progresso das famílias como das raças. As famílias e as raças se degeneram se elas não se misturarem entre si. Esta é uma lei da Natureza, de interesse da evolução moral e do aprimoramento físico do homem.

Esses fatos não são, aqui, encarados apenas do ponto de vista terreno. O Espiritismo nos faz vê-los de um plano mais alto. Mostra-nos que os verdadeiros laços de afeição são os do Espírito e não os do corpo físico. Esses laços não se rompem nem pela separação, nem mesmo pela morte do corpo. Eles se tornam mais fortes na vida espiritual, pela depuração do próprio Espírito.

Essa é uma verdade consoladora que nos dá uma grande força para suportar as contrariedades da vida (Veja o capítulo IV, item 18 e o capítulo XIV, item 8, nesta mesma obra).

DEIXAI AOS MORTOS O CUIDADO DE ENTERRAR SEUS MORTOS

7. E disse a outro: Segue-me. — Mas o outro respondeu a Jesus: Senhor, deixa primeiro que eu vá enterrar o meu pai. — Mas Jesus observou: Deixa aos mortos os cuidados de enterrar os seus mortos. Porém, tu vais e anuncia o reino de Deus (Lucas, capítulo IX, versículos 59 e 60).

8. O que podem signifi car estas palavras: “Deixai aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos”? O que já estudamos, neste capítulo, mostra que, antes de tudo, nas circunstâncias em que foram pronunciadas estas palavras por Jesus, elas não continham uma censura contra aquele que considerava como um dever de piedade fi lial, ir sepultar o seu pai. Elas encerram, no entanto, um

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sentido profundo que só o conhecimento mais completo da vida espiritual pode torná-las compreensíveis.

A vida espiritual é, realmente, a verdadeira vida. Essa é a vida normal do Espírito. A existência terrena é transitória e passageira. Essa existência é uma espécie de morte do espírito, se comparada com o esplendor e com a atividade da vida espiritual. O corpo é uma vestimenta grosseira de que se reveste temporariamente o Espírito, uma verdadeira prisão que o imanta ao mundo terreno. Desta prisão o Espírito se sente feliz em libertar-se.

O respeito que temos pelos corpos mortos não é inspirado pela matéria. É inspirado pela lembrança do Espírito que se ausenta daquele corpo. É um respeito igual ao que temos pelos objetos que pertenceram ao desencarnado, nos que ele tocou, e que as pessoas que lhe eram afeiçoadas guardam como lembranças.

Essa situação é a que aquele homem, o que queria sepultar o corpo do pai, da passagem evangélica acima, não podia compreender por si mesmo. E, para que pudesse compreendê-la, Jesus lhe ensina, dizendo-lhe: “Não vos inquieteis com o corpo, mas pensai, antes, no Espírito. Ide, pois, ensinar o reino de Deus. Ide dizer aos homens que a pátria deles não está sobre a Terra, mas no céu, porque somente lá está a verdadeira vida”.

NÃO VIM TRAZER A PAZ

9. Não cuideis que vim trazer a paz à Terra. Não vim trazer a paz, mas a espada, porque vim trazer a divisão do homem contra seu pai, e da fi lha contra a sua mãe, da nora contra sua sogra. E assim os inimigos do homem serão os seus familiares (Mateus, capítulo X, versículos 34 a 36).

10. Vim lançar fogo na Terra e o que mais quero, se já está aceso? Importa, porém, que seja batizado por um certo batismo, e como me angustio que venha a cumprir-se! Cuidais vós que vim trazer paz à Terra? Não, vos digo, mas antes dissensão, porque daqui

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CAPÍTULO XXIII

em diante estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. O pai estará dividido contra o fi lho, e o fi lho contra o pai; a mãe contra a fi lha, e a fi lha contra a mãe; a sogra contra sua nora e a nora contra sua sogra (Lucas, capítulo XII, versículos 49 a 53).

11. Será que foi Jesus, a pessoa que representou a doçura e a bondade, que exemplifi cou e pregou o amor ao próximo, quem terá dito: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada; eu vim separar os fi lhos do pai, o esposo da esposa; eu vim lançar o fogo sobre a Terra e tenho pressa que ele se acenda”?

Essas palavras não contradizem os seus ensinamentos?Não é uma blasfêmia atribuir-lhe a linguagem de um

conquistador sanguinário e devastador?Não! Essas palavras não são uma blasfêmia e nem estão em

contradição com os seus ensinamentos, porque foi Ele mesmo quem as pronunciou. Elas, ao contrário, dão um testemunho de sua alta sabedoria. Convém notar, no entanto, que somente a forma em que essas palavras foram colocadas contém um engano. E, por isso, não exprimem corretamente o seu pensamento. E esse fato é que provocou alguns enganos sobre o seu verdadeiro sentido. Se tomadas ao pé da letra, tenderiam a transformar a missão de Jesus, toda pacifi cadora, em uma tarefa de perturbações e discórdias. E esta seria uma consequência absurda que o bom senso nos faz afastar, porque Jesus não poderia se desmentir (Veja o capítulo XIV, item 6, nesta mesma obra).

12. Toda ideia nova encontra forçosamente oposição. Não houve uma só que não se estabelecesse sem lutas. A resistência oferecida à ideia nova, em todos os casos, é sempre proporcional à importância dos efeitos consequentes dela. Quanto maiores forem os seus efeitos, tantos mais interesses serão abalados. Se a ideia nova é notoriamente falsa, se for julgada como sem efeitos, ninguém se atemoriza com ela e a deixam passar. É que fi cam certos de sua falta de vitalidade. Mas se ela é verdadeira, se ela está assentada em bases sólidas, se for possível entrever o seu futuro entre os homens, um secreto pressentimento adverte seus

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antagonistas de que ela é um perigo para eles e para a ordem de coisas por cuja manutenção eles se interessam. Eis porque eles se atiram contra a ideia e contra os seus adeptos, visando à defesa de seus interesses pessoais.

A medida da importância e dos efeitos de uma ideia nova se encontra, portanto, na emoção que ela causa no seu aparecimento, na violência da oposição que ela provoca e no grau e na persistência da cólera de seus adversários.

13. Jesus vinha anunciar uma doutrina que solapava, na base, os abusos em que viviam os fariseus, os escribas e os sacerdotes de seu tempo. Por isso, estes O fi zeram morrer, julgando matar aquelas ideias com a morte de quem as propagava. Mas as ideias de Jesus sobreviveram, porque elas são verdadeiras. Elas se engrandeceram com a Cruz, porque elas estão nos desígnios de Deus. E essas ideias, anunciadas a partir de uma apagada cidadezinha da Judéia, foram plantar a sua bandeira na própria Roma dos Césares, a capital do mundo pagão.

Colocaram-se entre os seus inimigos mais ferozes, aqueles que tinham o maior interesse em combatê-las. É que essas ideias de Jesus entornavam as crenças seculares a que os pagãos se apegavam muito mais por interesses materiais do que por convicção religiosa.

As lutas mais terríveis esperavam, na capital do paganismo, os Apóstolos de Jesus. As vítimas foram numerosas, mas a ideia grandiosa cresceu sempre e saiu triunfante, porque ela superava como verdade, todas as ideias do paganismo.

14. É de notar-se que o Cristianismo surgiu quando o paganismo já entrara em decadência e se debatia contra as luzes da razão. Ele era praticado por tradição, mas a crença nele desaparecera. Somente o interesse pessoal o sustentava. Ora, o interesse segura com fi rmeza as suas coisas e não cede jamais nem diante dos fatos. O interesse irrita-se tanto mais, quanto mais razoáveis são as ideias que se lhe opõem e que melhor demonstram os seus erros. Ele sabe muito bem que está errado, mas isso pouco

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lhe importa, porque a verdadeira fé não está em sua alma. O que o interesse mais teme é a luz que abre os olhos dos cegos e dos incrédulos. A falta de conhecimentos lhe é proveitosa e, por isso, ele se aferra à ignorância e a patrocina.

Sócrates, o fi lósofo grego, não ensinava também uma doutrina quase igual, até certo ponto, com a doutrina do Cristo? Por que, então, a sua doutrina não se implantou naquela época, no meio de um dos povos mais inteligentes da Terra? É porque o tempo não era chegado para isso. Sócrates semeou aquela doutrina num campo não preparado para receber aquela sementeira. O paganismo não estava ainda bastante desgastado.

O Cristo desempenhou a sua missão no tempo certo. Nem todos os homens estavam, no seu tempo, à altura de recolher as ideias cristãs. Mas havia entre eles um clima espiritual mais geral que os favorecia para assimilar essas ideias, porque eles já começavam a sentir o vazio que as crenças tradicionais deixavam na alma.

Sócrates e Platão abriram o caminho e criaram essa predisposição nos espíritos cansados das religiões moldadas pelos homens (Ver em “Introdução”, o parágrafo IV, intitulado “Sócrates e Platão, precursores da ideia cristã e do Espiritismo”, nesta mesma obra).

15. Infelizmente os adeptos da nova doutrina do Cristo não se entenderam sobre a interpretação das palavras do Mestre Jesus, as quais estavam, na maioria das vezes, veladas por alegorias e fi gurações de linguagem. Daí surgiu, desde o princípio de suas interpretações, as numerosas seitas cristãs que pretendiam, cada uma delas, ser a dona exclusiva da verdade e, desde então e até agora, não se puseram de acordo com o Evangelho.

Esqueceram o mais importante dos divinos preceitos, aquele que Jesus havia feito a pedra angular do seu edifício moral e a condição expressa da salvação: a caridade, a fraternidade e o amor ao próximo. E, por isso, essas seitas se condenaram umas as outras, e se atiraram umas sobre as outras, com as mais fortes

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esmagando as mais fracas, afogando-as em sangue, em torturas e nas chamas das fogueiras.

Os cristãos, vencedores do paganismo, de perseguidos passaram a perseguidores. Foi com ferro e fogo que passaram a impor a Cruz do Cordeiro Divino sem mácula, nos dois mundos. É um fato indiscutível que as guerras de religião sempre foram as mais cruéis e as que fi zeram mais vítimas que as guerras políticas e que em nenhuma outra foram praticados tantos atos de atrocidade e de terror!

Cabe culpa à doutrina do Cristo?Não! Certamente não lhe cabe a culpa, porque Ele condena

formalmente toda violência. Disse Jesus, alguma vez, a seus discípulos: “Ide, matai, massacrai, queimai todos aqueles que não creiam como vós”? — Não, não disse isso, pois lhes disse o contrário: “Todos os homens são irmãos e Deus é soberanamente misericordioso; amai o vosso próximo; amai os vossos inimigos; fazei o bem para todos aqueles que vos perseguem”. E lhes disse ainda: “Quem matar com a espada, pela espada perecerá”.

A responsabilidade pelas guerras religiosas e pelas perseguições infamantes movidas por algumas seitas cristãs não podem ser atribuída à doutrina de Jesus. Os culpados, porém, são aqueles que falsamente interpretaram a doutrina cristã, dela fazendo um instrumento para servir às suas paixões pessoais. Esses são os que fi zeram por desconhecer estas palavras de Jesus: “O meu reino não é deste mundo”.

Jesus, na sua profunda sabedoria, previu o que deveria acontecer. Mas essas coisas eram inevitáveis, porque nasciam da inferioridade dos homens, que não poderiam transformar-se moralmente num repente. Era necessário que o cristianismo passasse por essa prova longa e cruel de dezoito séculos, para mostrar toda a força de sua verdade. É que, apesar de todo o mal praticado em seu nome, o cristianismo saiu puro. O cristianismo, em si, jamais esteve nessas questões das seitas e dos homens. As acusações do mal sempre caíram sobre aqueles que do cristianismo

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abusaram. A cada ato de intolerância, sempre se disse: “Se o cristianismo fosse melhor compreendido e mais praticado, isso não teria acontecido”.

16. “Quando Jesus disse: — Não creiais que eu tenha vindo trazer a paz, mas a divisão” — o seu pensamento era o seguinte:

“Não pensem que a minha doutrina se estabeleça de modo pacífi co. Ela trará lutas sangrentas, para as quais o meu nome será a desculpa para desencadeá-las. É que os homens não me terão compreendido ou não terão querido me compreender”.

“Os irmãos, separados pelas suas crenças, lançarão a espada uns contra os outros, e a divisão reinará entre os membros de uma mesma família, que não partilhem da mesma crença. Eu vim lançar o fogo sobre a Terra, para fazê-lo consumir os erros e os preconceitos, do mesmo modo que se põe fogo num campo para queimar as ervas daninhas. E tenho pressa que o fogo se acenda, para que a depuração seja mais rápida. Desse confl ito a verdade sairá triunfante”.

“À guerra sucederá a paz. Aos ódios dos partidos religiosos sucederá a fraternidade universal. Às trevas do fanatismo sucederá a luz da fé esclarecida”.

“Então, quando o campo dos corações humanos estiver preparado para a verdade, eu lhes enviarei o Consolador, o Espírito de Verdade, que virá restabelecer todas as coisas, ou seja, que os fará conhecer o verdadeiro sentido de minhas palavras. Os homens, passando a ser mais esclarecidos, poderão compreendê-las e, com isso, colocarão um fi nal na luta em que irmãos matam seus próprios irmãos, por estarem divididos esses irmãos como se fossem inimigos, quando são fi lhos do mesmo Deus”.

“Cansados, enfi m, de um combate sem solução, que só resulta em desolação e perturbação no seio das famílias, os homens reconhecerão onde se encontram os seus verdadeiros interesses, no que se refere a este mundo e ao mundo espiritual. Eles verão de que lado estão os amigos e os inimigos de sua tranquilidade. Todos, então, virão abrigar-se sob a mesma bandeira: a da caridade. E as coisas

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serão restabelecidas sobre a Terra, segundo a verdade e os princípios que eu, aí, lhes ensinei”.

17. O Espiritismo vem realizar, no tempo predito, as promessas do Cristo. No entanto, não pode realizá-las sem destruir os abusos. Do mesmo modo que ocorreu com Jesus, o Espiritismo enfrenta o orgulho, o egoísmo, a ambição, a cobiça, o fanatismo religioso cego que, cercados em seus últimos refúgios, tentam barrar-lhe o caminho e levantam contra ele os entraves e perseguições. Por isso ele também tem que lutar.

A época, porém, das lutas e perseguições sanguinolentas já passou. As lutas que o Espiritismo tem de suportar são de ordem moral e o fi nal dessas lutas está próximo. As lutas do cristianismo duraram séculos. As do Espiritismo durarão apenas alguns anos, porque a luz, ao invés de partir de um só foco, agora surge em todos os pontos da Terra e abrirá mais rápido os olhos aos cegos.

18. Aquelas palavras de Jesus devem, portanto, ser entendidas como as cóleras que, segundo o próprio Mestre previa, a sua doutrina provocaria, os confl itos temporários que surgiriam pelas consequências morais, as lutas que teria que sustentar até se estabilizar, do mesmo modo que aconteceu com os hebreus antes de entrarem na Terra da Promissão.

Não há consequentemente, nesses confl itos, nenhum desejo premeditado de semear desordens e confusões. O mal deveria vir dos homens e não d’Ele. Jesus estava na posição de médico das almas, que vem para curar, mas cujos remédios provocam uma crise salutar, agitando o discernimento dos enfermos morais.

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CAPÍTULO XXIV

XXIV

NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR

LUZ SOB O VELADOR.JESUS FALAVA POR PARÁBOLAS

1. Nem se acende a candeia e se coloca debaixo do alqueire, mas no velador, e dá luz a todos os que estão em casa (Mateus, capítulo V, versículo 15).

2. E ninguém, acendendo uma candeia, a cobre com algum vaso, ou a põe debaixo da cama, mas põe-na no velador, para que os que entram vejam a luz. Porque não há coisa oculta que não haja de manifestar-se, nem escondida que não haja de saber-se e vir à luz (Lucas, capítulo VIII, versículos 16 e 17).

3. E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que falas por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; porque àquele que tem, se dará e terá em abundância, mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não vêem, e ouvindo não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviram de mau grado com os seus ouvidos, e fecharam seus olhos, para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos e compreendam com o coração e se convertam e os cure (Mateus, capítulo XIII, versículos 10 a 15).

4. Jesus diz que não se deve colocar a luz debaixo de qualquer coisa que possa esconder-lhe o brilho. No entanto, Ele mesmo esconde, a todo momento, o sentido de suas palavras sob o véu de alegorias, que não podem ser compreendidas por todas as pessoas.

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NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR

Jesus, contudo, se explica, dizendo a seus discípulos: “Eu lhes falo por parábolas1, porque eles não estão no estágio de compreender algumas coisas. Eles vêem, olham, ouvem e não compreendem. Assim, dizer-lhes tudo seria inútil neste momento. Mas, a vós eu vo-lo digo, porque a vós é dado compreender estes mistérios”. Jesus procedia, portanto, com o povo como se faz com as crianças, cujas ideias ainda não são muito desenvolvidas. Por esse seu modo de agir, Jesus revela o verdadeiro sentido da máxima: “Não se deve pôr a candeia debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro, a fi m de que todos os que entram possam vê-la”. Esta máxima não signifi ca que Jesus deveria revelar todas as coisas sem examinar a capacidade de entendimento dos que o ouviam. Todo ensinamento deve ser proporcional à inteligência daquele a quem se quer ensinar, porque há pessoas que, com uma luz muito forte, fi cariam deslumbradas, mas não esclarecidas.

Essa ocorrência alcança os homens, no seu conjunto, assim como os indivíduos isoladamente considerados. O conjunto de homens nascidos na mesma época também tem a sua fase de infância espiritual, a sua fase de juventude e a sua fase de maturidade. Por isso é que cada coisa lhes deve vir na fase certa em que se encontram. A semente, quando semeada fora de seu tempo certo, não germina e não dá frutos. Mas os ensinamentos que a prudência manda silenciar num momento, cedo ou tarde serão descobertos. É que, chegando a um certo grau de desenvolvimento da inteligência e do senso moral, os homens procuram por si mesmos a luz viva. A obscuridade, então, lhes é incômoda.

Deus concedeu aos homens a inteligência para compreenderem e para se orientarem entre as coisas da Terra e as coisas do céu e, por isso, os homens querem uma fé que raciocine. É nessa fase do raciocínio que não se deve pôr a luz do conhecimento moral debaixo do velador, porque sem a luz da

1. Nota do Tradutor – parábolas são pequenas histórias criadas para fazerem uma comparação entre duas situações. Desse confronto é que se deve tirar o ensinamento.

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razão, a fé se enfraquece (Ver o capítulo XIX, item 7, nesta mesma obra).

5. Se, pois, na sua cautelosa sabedoria, a Providência Divina somente revela as verdades gradualmente, é porque sempre retirará o véu que as cobre à medida que os homens amadurecerem para recebê-las. A Sabedoria Divina mantém as verdades em reserva e não debaixo do velador.

Há homens, porém, que estão na posse das verdades divinas, mas as ocultam do povo, na maior parte do tempo, com a intenção de dominá-lo. São esses, portanto, os que verdadeiramente escondem a luz debaixo do velador.

É por isso que todas as religiões tiveram os seus mistérios, cujo estudo atencioso proíbe. Mas, enquanto essas religiões de mistérios impenetráveis a seus crentes iam fi cando para trás, a Ciência e a inteligência avançavam e romperam o véu dos mistérios da Natureza. Os homens, que se tornaram adultos espirituais, entenderam de penetrar no sentido das coisas e rejeitaram de sua fé tudo aquilo que estivesse em oposição ao que puderam observar das leis divinas.

Não podem existir mistérios absolutos para que se mantenha a fé.

Jesus está com a razão quando diz que não há nada secreto que não deva ser conhecido. Tudo o que está oculto será posto a descoberto um dia. O que o homem não pode, agora, compreender sobre a Terra lhe será progressivamente revelado nos mundos mais adiantados, à medida que ele se purifi car. Aqui na Terra, o homem ainda se encontra em pleno nevoeiro.

6. Pergunta-se que proveito o povo pode extrair dessa multidão de parábolas, cujo sentido está oculto para ele?

Observe-se que Jesus somente utilizou parábola sobre questões que eram de difícil compreensão para a época em que ensinava a sua doutrina. Mas, tendo feito da caridade para com o próximo e da humildade, a condição básica da salvação, tudo o que Ele disse a esse respeito é perfeitamente claro, explícito e

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sem nenhum duplo sentido. Assim devia ser, porque se tratava de regras de conduta moral, regras que todos os homens deveriam compreender, para poderem vivê-las. Isso era essencial para a multidão pouco esclarecida, para a qual Ele se limitava a dizer: “Eis o que é necessário que se faça, para ganhar o reino dos céus”.

Sobre as outras partes de sua doutrina, Jesus só as expunha a seus discípulos, em reuniões mais íntimas. Por serem os seus discípulos mais evoluídos moral e intelectualmente, Jesus podia iniciá-los nas verdades que o povo ainda não podia entender. Eis porque Jesus disse: “Aos que já têm, ainda mais se lhes dará e terão em abundância” (Ver o capítulo XVIII, item 15, desta mesma obra).

Entretanto, mesmo com os seus Apóstolos, Jesus tratou de modo vago alguns pontos de sua doutrina, cuja compreensão fi cava reservada para tempos futuros. Foram essas questões que deram lugar a interpretações diversifi cadas, até que a Ciência, de um lado, e o Espiritismo, do outro lado, vieram revelar as novas leis da Natureza, que tornaram compreensíveis o seu verdadeiro sentido.

7. O Espiritismo, hoje, vem projetar luz sobre uma porção de pontos obscuros da doutrina de Jesus. Mas não a lança de uma maneira imprudente. Os Espíritos procedem, nas suas instruções, com uma admirável prudência. É de modo contínuo e gradual que eles têm abordado as diversas partes já conhecida da doutrina cristã e as demais partes serão reveladas no futuro, à medida que chegue o momento certo para que elas possam sair da obscuridade para a luz do dia. Se os Espíritos houvessem apresentado por completo, desde o início, esses pontos da doutrina cristã, eles poderiam ser acessíveis, somente a um pequeno número de pessoas. Talvez, até, essas revelações tivessem assustado aqueles que não estivessem preparados moral e intelectualmente para recebê-las, o que seria prejudicial para a sua propagação.

Se os Espíritos, portanto, não dizem tudo abertamente, não é porque a doutrina tenha mistérios reservados aos privilegiados, nem que os Espíritos estejam pondo a luz debaixo do velador. É

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CAPÍTULO XXIV

que cada coisa deve vir no tempo certo. Os Espíritos dão a cada ideia o tempo de amadurecer e de se tornar conhecida, antes de apresentarem outras e deixam aos acontecimentos, o tempo de preparar a aceitação das novas ideias.

NÃO IR AOS GENTIOS

8. Jesus enviou estes doze, e lhes ordenou, dizendo: Não ireis pelo caminho dos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos. Mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel; e indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos céus (Mateus, capítulo X, versículos 5 a 7).

9. Jesus demonstra, em muitas circunstâncias, que a sua doutrina não se limitava apenas ao povo judeu, mas que ela se destinava para toda a Humanidade.

Se, portanto, Jesus diz a seus Apóstolos que não fossem ter com os pagãos, não foi por desdenhar da conversão deles. E isso seria até pouco caridoso de sua parte. Mas era porque os judeus, que aceitavam a ideia do Deus único e aguardavam a vinda do Messias, é que estavam preparados, pela lei de Moisés e dos profetas, para receberem a sua palavra. Entre os pagãos, faltava até mesmo essa base, e tudo ainda estava por fazer-se. Por outro lado, os Apóstolos não estavam sufi cientemente esclarecidos para uma tarefa assim tão pesada. Por isso é que Jesus lhes disse: “Ide às ovelhas desgarradas de Israel”, ou seja, “Ide semear no terreno já preparado”.

Jesus sabia que a conversão dos gentios viria a seu tempo. Mais tarde, com efeito, em Roma, no centro do próprio paganismo, os Apóstolos foram plantar a Cruz do cristianismo.

10. Essas palavras podem ser aplicadas, também, aos adeptos e propagadores do Espiritismo. Os incrédulos sistemáticos, os zombadores obstinados, os adversários que defendem interesses pessoais, são para os Espíritas ativos o mesmo que os gentios foram

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para os Apóstolos. Que, portanto, a exemplo do que fi zeram os Apóstolos, esses Espíritas devem procurar prosélitos entre pessoas de boa vontade, aquelas que desejam a luz, nas quais se encontra uma semente já germinada e que são em grande número. Não se perca tempo com aqueles que não querem ver, nem ouvir, e tanto se prendem mais no orgulho, quanto mais se pareça importante a sua conversão.

Mais vale abrir os olhos a cem cegos que desejam ver com clareza as coisas espirituais, que a uma só pessoa que se satisfaça com as trevas. É que, agindo com essa prudência, o Espírita fará aumentar o número dos que sustentam a causa. Deixar os outros tranquilos não é ser-lhes indiferentes, mas é uma boa medida. A vez deles chegará, quando sejam infl uenciados pela opinião da maioria, por ouvirem a mesma coisa repetida por muitos à sua volta. Eles julgarão, então, que aceitam a ideia voluntariamente, por si mesmos e não sob a pressão de outros.

Em verdade, as ideias são como as sementes: não podem germinar fora da época que lhes é própria e exigem terreno preparado. Por isso é melhor esperar o tempo propício e cultivar primeiro aquelas que estão em condições de germinar, a fi m de evitar abortar as outras pela precipitação.

Na época de Jesus, e em consequência da visão acanhada e material das pessoas daquele tempo, tudo era limitado e localizado: a casa de Israel era um pequenino povoado; os gentios eram pequenos povos vizinhos. Hoje as ideias ganham todo o Universo e levam a espiritualização aos povos. A nova luz não é privilégio de nenhuma nação. Para ela não existem mais fronteiras. O seu foco se distribui por toda a parte e todos os homens são irmãos. Mas, também, os gentios não são mais um povo localizado numa pequena região da Terra, porém são uma opinião que se encontra em toda parte e sobre a qual a Verdade triunfa pouco a pouco, da mesma maneira que o cristianismo triunfou do paganismo. E não é mais com armas de guerra que se combate o paganismo, mas é com o poder da ideia Espírita cristã.

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CAPÍTULO XXIV

OS QUE PRECISAM DE MÉDICO

11. E aconteceu que, estando Jesus em casa sentado à mesa, chegaram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se juntamente com Ele e com seus discípulos. E os fariseus, vendo isto, disseram aos discípulos do Mestre: Por que come o vosso Mestre com os publicanos e pecadores? — Jesus, porém, ouvindo, disse-lhes: Os sãos não têm necessidade de médico e, sim, os doentes (Mateus, capítulo IX, versículos 10 a 12).

12. Jesus buscava, sobretudo, os pobres e os deserdados, porque são os que mais necessitam de consolações. Buscava os cegos dóceis e de boa-fé, porque eles pedem que lhes abram os olhos espirituais. Porém, não buscava os orgulhosos, que julgam possuir toda a luz e que julgam não necessitar de nada (Veja na, “Introdução”, o artigo: Publicanos, Portageiros).

Estas palavras, transcritas de Mateus, como tantas outras, encontram a sua aplicação no Espiritismo. Há quem se admire, por vezes, que a mediunidade seja concedida a pessoas indignas e capazes de fazer mau uso dessa faculdade. Costumam algumas pessoas dizer que uma faculdade tão preciosa deveria ser atribuída exclusivamente aos que tivessem mais qualidades morais.

Digamos, inicialmente, que a mediunidade é inerente a uma disposição orgânica, de que todos os homens podem ser dotados, como a faculdade de ver, de ouvir, de falar. Não há, porém, nenhuma faculdade de que o homem, em razão de seu livre arbítrio, não possa abusar. E se Deus não tivesse concedido a faculdade de falar, por exemplo, a não ser para os que não dirão más coisas, teríamos mais mudos do que falantes. Deus, no entanto, concede as faculdades ao homem, dando-lhe a liberdade de usá-las, mas a Justiça Divina cobra sempre o mau uso que dela fi zer a criatura humana.

Se a faculdade de comunicar-se com os Espíritos só fosse concedida aos mais dignos, quem ousaria pretendê-la? E onde está o limite entre a dignidade e a indignidade? A mediunidade é

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NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR

concedida sem distinção de inferioridade ou superioridade moral, a fi m de que os Espíritos possam trazer a luz a todas as camadas, a todas as classes sociais, alcançando o pobre e o rico.

A luz para os virtuosos há de fortalecê-los no bem. A luz para os viciosos há de corrigi-los. Não são os viciosos os doentes morais que mais necessitam do médico das almas? Por que Deus, que não quer a morte do pecador, os privaria do socorro que os pode tirar da lama? Os bons Espíritos vêm, assim, em auxílio dos viciosos e os seus conselhos, que eles recebem diretamente, são de natureza a impressioná-los mais vivamente do que se os recebessem de maneira indireta. Deus, na sua bondade, para poupá-los do sacrifício de irem buscar a luz mais longe, a coloca em suas próprias mãos!

Não serão os viciosos bem mais culpados se não quiserem ver a luz que recebem em si mesmos? Eles, antes dessa ocorrência mediúnica, poderiam desculpar-se com o fato de ignorá-la. Mas quando a verdade é transmitida por eles mesmos, vista com seus próprios olhos, ouvida pelos seus próprios ouvidos, não estariam pronunciando a censura que deverá despertá-los para o bem, através de suas próprias bocas? Se eles não as aproveitarem para si mesmos, sofrerão com a perda e a perversão da faculdade mediúnica que lhes foi concedida. Então, os Espíritos inferiores se apoderarão dessa mediunidade para obsidiá-los e os enganar. E assim será sem prejuízo das afl ições comuns com que a Justiça Divina procura despertar os servidores indignos e os corações endurecidos pelo orgulho e pelo egoísmo.

A mediunidade não implica, necessariamente, em relações habituais apenas com os Espíritos Superiores. Ela é, apenas, uma aptidão para servir de intermediário, mais ou menos fácil de manejar, aos Espíritos de qualquer categoria. O bom médium não é, portanto, aquele que tem facilidade para as comunicações. Bom médium é aquele que é simpático aos bons Espíritos e que é por estes bons Espíritos assistido em sua mediunidade. É nesse sentido de relacionamento com os Espíritos Superiores, que as altas qualidades morais ganham importância para a mediunidade.

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CAPÍTULO XXIV

CORAGEM DA FÉ

13. Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai que está nos céus (Mateus, capítulo X, versículos 32 e 33).

14. Porque, qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos anjos (Lucas, capítulo IX, versículo 26).

15. A coragem da opinião sempre mereceu o respeito entre os homens. É uma expressão de dignidade enfrentar os perigos, as perseguições, as contradições e mesmo o simples sarcasmo, aos quais se expõe aquele que não teme de expor abertamente as ideias que não são aceitas por todas as pessoas. Aqui, como em tudo, o mérito está na razão das circunstâncias em que as ideias são expostas e nas consequências que resultam dessa atitude de sua propagação. Há sempre fraqueza moral quando alguém recua diante das consequências de sustentar a sua opinião e de renegá-la. Há casos em que essa omissão ou recuo equivale a uma covardia tão grande, quanto o de fugir no momento dos desafi os da vida.

Jesus censura essa covardia, no que se refere especialmente à sua doutrina, ao dizer que, se alguém se envergonhar de suas palavras, Ele se envergonhará também dessa pessoa; que renegará aquele que O houver renegado; que aquele que O confessar diante dos homens, Ele o reconhecerá diante de seu Pai que está nos céus. Em outros termos, Jesus disse: aqueles que tiverem receio de se confessarem discípulos da Verdade, não são dignos de serem admitidos no mundo da Verdade. Eles perderão o benefi cio de sua fé, porque esta é uma fé egoísta, que eles guardam para si próprios, ocultando-a, com medo do que possa prejudicá-los em seus interesses pessoais neste mundo.

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NÃO PÔR A LUZ DEBAIXO DO VELADOR

Ganharão os benefícios de sua fé, todos aqueles que colocam a Verdade acima de seus interesses materiais e a proclamam abertamente, trabalhando ao mesmo tempo para o seu futuro espiritual e pelo futuro espiritual dos outros.

16. Assim será, também, com os adeptos do Espiritismo. É que a doutrina Espírita não é nenhuma doutrina nova, mas é tão somente o desenvolvimento e a aplicação da doutrina do Evangelho. E, por isso, aos Espíritas, também, se dirigem as palavras do Cristo. Eles semeiam sobre a Terra o que recolherão na vida espiritual. Lá, na vida espiritual, os Espíritas colherão os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza moral.

CARREGAR A CRUZ.SALVAR A VIDA

17. Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem e quando vos separarem e vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como mau, por causa do Filho do homem. Folgai nesse dia, exultai, porque eis que grande é o vosso galardão no céu, pois assim faziam os seus pais aos profetas (Lucas, capítulo VI, versículos 22 e 23).

18. E chamando a si a multidão, com os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me. Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á e qualquer que perder a sua vida por amor a mim e do Evangelho, esse a salvará, pois que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma? (Marcos, capítulo VIII, versículos 34 a 36; Lucas, capítulo IX, versículos 23 a 25; Mateus, capítulo X, versículo 39 e João, capítulo XII, versículos 24 e 25).

19. Alegrai-vos muito, disse Jesus, quando os homens vos odiarem e vos perseguirem por minha causa, porque sereis recompensados no céu. Estas palavras podem ser traduzidas do seguinte modo: “Sede felizes quando os homens, pela má vontade que vos demonstrarem, vos derem oportunidade de provar a sinceridade de vossa fé. O mal que

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CAPÍTULO XXIV

eles vos façam resultará em estímulo para a vossa evolução espiritual. Lamentai a cegueira dos que vos perseguem, mas não os condeneis”.

Após isso, Jesus acrescenta: “Aquele que quiser me seguir, tome a sua cruz”, ou seja, que suporte corajosamente as contrariedades que a sua fé provocar. E que aquele que quiser salvar a sua vida e os seus bens materiais, em me renunciando, perderá as vantagens do reino dos céus, enquanto que aqueles que houverem tudo perdido neste mundo, mesmo a própria vida física, para a vitória da Verdade, receberão na vida espiritual o prêmio de sua coragem, de sua perseverança e de sua abnegação. Mas aos que sacrifi cam os bens celestiais aos prazeres terrenos, Deus lhes dirá: “Já recebestes a vossa recompensa”.

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BUSCAI E ACHAREIS

XXV

BUSCAI E ACHAREIS

AJUDA-TE E O CÉU TE AJUDARÁ

1. Pedi e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á. Porque todo aquele que pede, recebe; e o que busca encontra, e ao que bate se abre. E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu fi lho, lhe dará uma pedra? E pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos fi lhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem? (Mateus, capítulo VIII, versículos 7 a 11).

2. Segundo a visão terrena do homem, a máxima: Buscai e achareis é semelhante a esta outra: Ajuda-te que o céu te ajudará. Este é o princípio da lei do trabalho e, por consequência, da lei do progresso, porque a evolução é fi lha do trabalho, uma vez que o trabalho desperta as forças da inteligência.

Na infância espiritual da Humanidade, o homem emprega a sua inteligência na busca do alimento, dos meios de preservar-se do mau tempo e de se defender de tudo o que ameace a sua sobrevivência. Mas Deus lhe deu, mais que aos animais irracionais, o desejo constante do melhor. E esse desejo do melhor é o que o leva a estudar os meios de melhorar a sua situação. É o que o conduz às descobertas, às invenções, ao aperfeiçoamento das Ciências, porquanto a Ciência é que lhe proporciona o que lhe falta.

É por efeito das pesquisas a que se obriga que a inteligência do homem se desenvolve e que a sua evolução moral se processa. Após as necessidades do corpo físico, surgem as necessidades do espírito. Após a busca dos bens e do conforto materiais, torna-se necessária a busca dos bens e do conforto espirituais. E é por esses ciclos de desenvolvimento, que o homem transita da selvageria para a civilização.

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CAPÍTULO XXV

Mas a evolução que cada homem realiza individualmente durante a sua existência terrena é quase insignifi cante. É quase nem percebida em grande número de homens. De que modo, então, a Humanidade poderia evoluir, sem a preexistência e a sobrevivência da alma? Se as almas todos os dias deixassem a Terra, para não mais voltarem a viver aqui as que passaram pela Terra, a Humanidade seria permanentemente formada com seres primitivos. Estes seres teriam tudo por fazer em si mesmos, teriam tudo a aprender a partir de suas necessidades rudimentares.

Se assim fosse, não haveria justifi cativa para que o homem estivesse, hoje, mais adiantado que os homens das primeiras eras deste nosso mundo. É que a cada nascimento de uma criatura, todo o trabalho intelectual teria de ser recomeçado.

A alma, porém, adquirindo experiências numa existência e, após a desencarnação, voltando para uma nova existência no corpo físico, com o progresso que realizou na encarnação anterior, e adquirindo nesta nova existência alguma experiência a mais, vai permitindo que, gradativamente, se passe do estágio primitivo para o de uma civilização material e desta para a civilização moral (Veja o capítulo IV, item 17, desta mesma obra).

3. Se Deus tivesse liberado o homem do trabalho físico, seus membros se atrofi ariam. Se Ele o tivesse liberado do trabalho da inteligência, o espírito do homem permaneceria na infância, nas condições próprias dos instintos animais. Por isso é que Deus fez do trabalho uma necessidade e disse ao homem: “Busca e acharás; trabalha e produzirás. De algum modo, tu serás o produto de tuas obras. Terás o mérito de teu trabalho. Serás recompensado segundo o que hajas feito”.

4. É pela necessidade da vivência desses princípios da lei do trabalho, que os Espíritos Superiores não vêm poupar o homem de suas atividades de pesquisas, trazendo-lhes descobertas e invenções todas já feitas e prontas para serem utilizadas. Se fi zessem o contrário, os homens só as teriam de tomá-las em suas mãos, sem nem sequer o incômodo de um leve esforço, nem mesmo o esforço de pensar. E, se assim fosse, o mais preguiçoso

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BUSCAI E ACHAREIS

poderia enriquecer-se e o mais ignorante poderia tornar-se sábio ao preço de nada, e ambos se atribuiriam o mérito daquilo que nenhum deles fez.

Não! Os Espíritos Superiores não vêm liberar o homem da lei do trabalho, mas lhe demonstrar a meta que ele deve atingir e o caminho que a ela conduz, dizendo-lhe: “Siga adiante e chegarás. Encontrarás com pedras na tua caminhada. Afasta-as por teu próprio esforço. Nós te daremos a energia necessária, se quiseres empregá-la para a tua própria realização” (Veja n’O Livro dos Médiuns, cap. XXVI, questão 291 e seguintes).

5. Segundo a interpretação moral, estas palavras de Jesus signifi cam: Peça a luz que deverá iluminar o seu caminho e ela lhe será dada; peça a força para resistir ao mal e você a terá; peça o amparo dos bons Espíritos e eles virão lhe acompanhar e, como se fossem os protetores espirituais de Tobias, eles lhe servirão de orientadores morais; peça-lhes os bons conselhos e eles jamais lhe serão recusados. Bata à nossa porta e ela lhe será aberta.

Mas, sempre que pedir, peça sinceramente, com fé, com fervor e confi ança. Apresente-se, no seu pedido, com humildade e não com arrogância, sem o que você será abandonado às suas próprias forças. E as próprias quedas que você sofrer serão a consequência de seu orgulho.

Este é o sentido dessas palavras: “Buscai e achareis, batei e se vos abrirá”.

OLHAI AS AVES DO CÉU

6. Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber, nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? Olhai as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros e vosso Pai Celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor

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CAPÍTULO XXV

do que elas? E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? E, quanto às vestimentas, por que andais afl itos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem: não trabalham nem fi am. E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Pois se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe, e amanhã será lançada ao fogo, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pouca fé? Não andeis inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos ou com que nos vestiremos? Porque estas coisas os gentios procuram. De certo que vosso Pai Celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas, mas, buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã trará seu cuidado. Basta para cada dia a sua própria afl ição (Mateus, capítulo VI, versículos 25 a 34).

7. Estas palavras de Jesus, interpretadas somente nas letras, seriam a negação de toda previdência, de todo trabalho e, por consequência, a negação de todo progresso. Se aceitasse um princípio como esse, o homem se reduziria a uma passividade improdutiva. Suas forças físicas e intelectuais não entrariam em funcionamento. Se essa tivesse sido a sua condição normal na Terra, ele não emergeria jamais de seu estágio de um ser primitivo e, se dessa condição o homem fi zesse a sua lei atual, a ele só caberia viver sem fazer coisa alguma.

Esse não poderia ter sido o pensamento de Jesus, porque tal princípio seria uma contradição com o que Ele disse outras vezes e uma negação das próprias leis da Natureza.

Deus criou o homem sem roupas e sem abrigo, mas lhe deu a inteligência para que as produzisse, a fi m de atender as suas necessidades naturais. (Veja capítulo XIV, item 6 e o item 2 deste capítulo).

Não se deve, portanto, ver nestas palavras mais que uma alegoria poética da Providência Divina, que não abandona nunca aqueles que nela confi am. Quer a Providência Divina, no entanto, que os que nela confi em, também cumpram com a lei

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BUSCAI E ACHAREIS

do trabalho. E por isso é que a Providência, se nem sempre os socorre com uma direta ajuda material, inspira-lhes as ideias com as quais eles encontram os meios deles mesmos saírem de suas difi culdades. (Veja o capítulo XXVII, item 8, nesta mesma obra).

Deus conhece as nossas necessidades.O Pai nos atende, segundo aquilo que nos é necessário,

tendo em vista a nossa destinação espiritual.O homem, porém, insaciável nos seus desejos, nem sempre

sabe contentar-se com o que tem. O necessário não lhe basta. Ele quer também o supérfl uo, que diz ser necessário. É, então, que a Justiça Divina o deixa entregue a si mesmo. Frequentemente ele se faz infeliz por culpa de seus desejos incontrolados e por não haver atendido a voz de sua consciência que o advertia sobre as inconveniências dos excessos. E a Justiça Divina o leva a sofrer as consequências de seus caprichos, a fi m de que isso lhe sirva de lição para o futuro (Ver capítulo V, item 4, nesta mesma obra).

8. A Terra produzirá o sufi ciente para alimentar todos os seus habitantes quando os homens souberem administrar os bens que a Terra lhes dá, segundo as leis da justiça, da caridade e do amor ao próximo. Quando a fraternidade governar os diversos povos, como se fossem cidades de um mesmo país, o excesso de produção de alimentos num desses povos suprirá a falta de alimentos num outro desses povos. E, assim, a ninguém faltará o necessário.

O homem rico, então, se considerará como alguém que tem uma grande quantidade de sementes. Se ele as distribuir em outras mãos, essas sementes produzirão o cêntuplo, tanto para ele quanto para os outros. Mas, se ele comer sozinho essas sementes, se as desperdiçar e deixar que se perca o excedente do que haja comido, elas não produzirão coisa alguma e todos fi carão em necessidade. Se esse rico trancar as sementes em seu armazém, os vermes as devorarão.

Eis porque Jesus disse: “Não amontoareis tesouros na Terra, pois que são perecíveis, mas ajunteis os vossos tesouros no céu,

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CAPÍTULO XXV

porque são eternos”. Em outros termos, Jesus disse: “Não deis aos bens materiais mais valor que aos bens espirituais e sabei sacrifi car os primeiros em favor dos segundos” (Veja capítulo XVI, item 7 e seguintes, nesta mesma obra).

Não é com leis humanas que se decretam a caridade e a fraternidade. Se essas virtudes não estiverem nos corações dos homens, o egoísmo dominará sempre os sentimentos. Fazer essas virtudes penetrar nos corações dos homens, eis o que é a obra do Espiritismo.

FADIGA PELO OURO

9. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos. Nem leveis alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alpargatas, nem bordão, porque digno é o trabalhador do seu alimento (Mateus, capítulo X, versículos 9 e 10).

10. E, em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela seja digno, e hospedai-vos aí, até que vos retireis. E, quando entrardes nalguma casa, saudai-a. E se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz, mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz. E se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó de vossos pés.

Em verdade vos digo que, no dia do juízo, haverá menos rigor para o país de Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade (Mateus, capítulo X, versículos 11 a 15).

11. Estas palavras que Jesus dirigiu a seus Apóstolos, ao enviá-los, pela primeira vez, para anunciar a Boa Nova, nada continham de estranho naquela época. Estavam dentro dos costumes patriarcais do Oriente, onde os viajantes eram bem recebidos nas suas moradias.

Os viajantes, então, eram poucos.Entre os povos modernos, o aumento das viagens criou

novos costumes de hospedagem. Só encontramos, agora, aqueles

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BUSCAI E ACHAREIS

hábitos de hospedagem dos tempos antigos, em países distantes, onde o grande movimento de viajores ainda não penetrou. Se Jesus voltasse hoje à Terra, não poderia mais dizer a seus Apóstolos: “Ponde-vos a caminho sem provisões”.

Ao lado do sentido próprio, estas palavras de Jesus têm um sentido moral muito profundo. Com elas Jesus ensinava a seus discípulos a se entregarem à ação da Providência Divina. É que eles, nada tendo, não despertariam a cobiça daqueles que os acolhessem. Esse era um meio de distinguir, entre os que os receberiam, os caridosos dos egoístas. Por isso Jesus lhes disse: “Procurai saber quem é digno de vos acolher”, ou seja, procurem distinguir quem é bastante humano para albergar o viajor que não lhe poderá pagar. Será por essa qualidade da alma que vocês conhecerão quais estão em condições espirituais de ouvir as palavras da Boa Nova. É pela caridade que vocês os reconhecerão.

Quanto aos que não os quisessem receber, nem os escutar, recomendou Jesus a seus Apóstolos que os amaldiçoassem? Teria recomendado que os constrangessem com a Boa-Nova, que usassem de violência moral para os converter? Não! Jesus recomendou-lhes, para e simplesmente, que se retirassem e fossem à procura de pessoas de boa vontade.

O mesmo diz, hoje, o Espiritismo a seus adeptos: “Não violentem a consciência religiosa de ninguém. Não constranjam ninguém a deixar a crença que abraçam para adotar a de vocês. Não lancem nenhuma condenação sobre aquele que não pensa como vocês e deixem em serenidade aqueles que lhes repelem. Lembrem-se destas palavras do Cristo: “Antes da Boa-Nova, o céu era tomado pela violência, mas hoje o será pela brandura” (Veja capítulo IV, itens 10 e 11, nesta mesma obra).

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CAPÍTULO XXVI

XXVI

DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES

DOM DE CURAR

1. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios, mas dai de graça o que de graça recebestes (Mateus, capítulo X, versículo 8).

2. “Dai de graça o que haveis recebido de graça”, diz Jesus a seus discípulos. Por esse ensinamento, Ele ordena de maneira expressa que nenhuma pessoa deve receber pagamento por aquilo que ela mesma não pagou. Ora, o que os discípulos haviam recebido de graça, sem nenhum pagamento, era a faculdade de curar os doentes e de afastar os Espíritos perturbadores, ou seja, de afastar dos obsidiados os Espíritos obsessores.

Esse dom lhes fora dado gratuitamente por Deus para aliviar os que sofriam e para ajudar a propagação da fé cristã. Jesus lhes diz para que não façam dessa faculdade um comércio, nem valer-se dela para tirar vantagens pessoais e que nem a transformassem num meio de vida.

PRECES PAGAS

3. E, ouvindo-o todo o povo, disse Jesus aos seus discípulos: Guardai-vos dos escribas, que querem andar com vestidos compridos e amam as saudações nas praças e querem as principais cadeiras nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Eles devoram a casa das viúvas, fazendo, por pretexto, longas orações. Estes receberão maior condenação (Lucas, capítulo XX, versículos 45 a 47; Marcos 12, versículos 38 a 40 e Mateus 23, versículo 14).

4. Jesus também disse: “Não façais que paguem pelas vossas preces; não façais como os escribas que, sob a desculpa de

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DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES

longas preces, devoram as casas das viúvas”, ou seja, apoderam-se astuciosamente dos bens dos que sofrem.

A prece é um ato de caridade, um impulso do coração. Cobrar pelas preces que dirigimos a Deus, a pedido de outras pessoas, seria nos transformarmos em intermediários assalariados. A prece, então, passa a ser uma espécie de requerimento que será cobrado de acordo com o seu tamanho.

Ora, de duas coisas, apenas uma é certa: Deus ou mede ou não mede as suas graças pelo número de palavras contadas em cada oração. Se fossem necessárias muitas palavras para obter uma graça divina, por que dizê-la com um pequeno número, ou quase nenhuma palavra, para aqueles que não podem pagá-la? Isso é uma falta de caridade! E se uma só palavra basta para uma prece, as demais serão inúteis e, então, por que cobrá-las? Isso é faltar com o dever da caridade por má fé.

Deus não vende os benefícios que concede.Por que, então, aquele que nem é mesmo o distribuidor

dos benefícios, que nem pode garantir que esses benefícios serão concedidos, cobra um preço por um pedido que pode não ter nenhum efeito? Deus não pode estabelecer a dependência de um ato de clemência, de bondade ou de justiça, que se pede de sua misericórdia, a um valor em dinheiro.

Se Deus assim o fi zesse, isso resultaria em que, se não houvesse pagamento pela prece ou se o valor pago fosse pouco, a justiça, a bondade e a clemência de Deus fi caria em suspenso! A razão, o bom senso, a lógica dizem que Deus, a perfeição absoluta, não pode transmitir poderes a criaturas imperfeitas, para que estas tenham o direito de criar uma tabela de preços para a Justiça Divina!

A Justiça Divina é como o Sol. Ela se estende sobre todas as pessoas, tanto sobre os pobres, quanto sobre os ricos, sem fazer distinção de nenhuma natureza.

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CAPÍTULO XXVI

Se consideramos imoral fazer negócios fraudulentos com as autoridades públicas que governam a Terra, seria moral negociar com as graças que podem vir do Soberano do Universo?

As preces pagas têm outro inconveniente.Aquele que as compra se julga, muitas vezes, dispensado

dele próprio fazer a sua oração. Ele se considera livre dessa obrigação, desde que já fez o pagamento da prece. Sabe-se, no entanto, que os Espíritos são sensibilizados pelo fervor do pensamento daquele que se interessa por eles. E qual pode ser o fervor daquele que paga a um terceiro para orar por ele? E que fervor tem esse terceiro que vendeu a oração? E que fervor terá esse terceiro, quando transfi ra para outro a obrigação de orar, no lugar de quem pagou a prece, e esse terceiro ainda transfi ra essa obrigação a outro? Não será isso reduzir a prece a uma espécie de dinheiro falso sem nenhum valor?

VENDILHÕES EXPULSOS DO TEMPLO

5. E vieram a Jerusalém. E Jesus, entrando no templo, começou a expulsar os que vendiam e compravam no templo. E derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E não consentia que ninguém levasse algum vaso pelo templo. E os ensinava dizendo: Não está escrito: A minha casa será chamada por todas as nações de casa de oração? Mas vós a tendes feito um covil de ladrões. E os escribas e sacerdotes, tendo ouvido isto, buscavam ocasião para o matar, pois eles o temiam, porque toda a multidão admirava a sua doutrina (Marcos, capítulo XI, versículos 15 a 18; Mateus, capítulo XXI, versículos 12 e 13).

6. Jesus expulsou os vendilhões do templo. Por esse fato, o Mestre condena a comercialização das coisas santas sob qualquer forma que seja feita. Deus não vende nem a sua bênção, nem o seu perdão, nem o ingresso para entrar no reino dos céus. O homem, por conseguinte, não tem o direito de cobrar coisa alguma pelo que é concessão divina.

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DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES

MEDIUNIDADE GRATUITA

7. Os médiuns de hoje em dia — uma vez que os Apóstolos do Cristo também tinham mediunidade —, como os discípulos de Jesus, receberam de Deus um dom gratuito. É o de serem intérpretes dos Espíritos, a fi m de instruírem os homens, para demonstrar-lhes o caminho do bem e levá-los à consolação da fé. Não foi, para esses médiuns, concedido o dom para que eles vendam a palavra que não lhes pertence. As mensagens que os médiuns intermedeiam não se originam nem de suas pesquisas, nem de seu trabalho pessoal.

Deus quer que a luz seja para todos.O Pai não quer que o mais pobre seja deserdado de sua luz

e possa dizer: “Eu não tenho fé, porque não tive dinheiro para comprá-la. Eu não tive a consolação de receber o encorajamento e as demonstrações de afeto daqueles por quem choro, porque eu sou pobre”.

Eis porque a mediunidade não é privilégio de alguns e se encontra entre todos os homens. Cobrar pelo exercício da mediunidade seria, portanto, desviá-la de seus fi ns providenciais.

8. Quem conhece as condições em que os bons Espíritos se comunicam, sabe a aversão que eles sentem por todo e qualquer interesse egoístico. Sabe, também, que pouca coisa é sufi ciente para que eles se afastem. E, tudo isso sabendo, não poderá jamais admitir que os Espíritos Superiores estejam à disposição da primeira pessoa que apareça e os convoque às comunicações com uma tabela de preços na mão.

O simples bom senso rejeita essa ideia.Não seria, também, um desrespeito querermos chamar para

comunicações, a um preço determinado, os seres que respeitamos e que são amados pelos nossos corações? Não há dúvida de que, assim, poderemos obter as manifestações dos Espíritos, mas quem nos poderia garantir a autenticidade do comunicante? Os Espíritos levianos, mentirosos, brincalhões e toda a multidão

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CAPÍTULO XXVI

de Espíritos infelizes, e que são de pouco escrúpulo, atendem sempre. Estes é que estão sempre prontos a responder tudo o que lhes perguntarem, sem se preocuparem com a verdade.

Aquele, portanto, que deseja comunicações espirituais sérias, deve primeiramente procurá-las com seriedade. Deverá instruir-se sobre a natureza das ligações do médium com os seres do mundo espiritual, uma vez que a primeira condição para se conseguir o afeto dos bons Espíritos é a humildade, o devotamento, a abnegação e o mais completo desinteresse moral e material do médium.

9. Ao lado da questão moral, apresenta-se outra consideração não menos importante. É a que se refere à própria natureza da faculdade mediúnica. A mediunidade séria não pode ser e nem jamais será uma profi ssão. Profi ssionalizá-la seria desacreditá-la moralmente e levá-la a confundirem-se os médiuns com os ledores de sorte. Mas existe, contra isso, ainda outra difi culdade material. É que a mediunidade é uma faculdade essencialmente instável, fugidia, variável, com a qual ninguém pode contar na certa.

A mediunidade será, portanto, para quem pretenda explorá-la profi ssionalmente, um campo feito de incertezas, que lhe poderá faltar no momento que lhe seria o mais necessário. Ela é bem diferente dos talentos adquiridos pelo estudo e pelo trabalho e que, pela sua própria origem, é um patrimônio do qual é lícito tirar-se proveito pessoal. Mas a mediunidade, em si, não é uma arte, nem um talento do médium e, por isso, não pode tornar-se uma profi ssão. Ela não existe sem a participação dos Espíritos. Se os Espíritos se fi zerem ausentes, não há mais fenômeno mediúnico. Poderá, então, a aptidão mediúnica continuar existindo, mas o seu exercício estará anulado.

Não há um único médium no mundo que possa garantir a obtenção de um fenômeno mediúnico no momento em que ele quiser. Explorar a mediunidade é, por consequência, querer dispor de uma coisa que realmente não pertence ao médium.

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DAI DE GRAÇA O QUE DE GRAÇA RECEBESTES

Afi rmar o contrário é enganar os que pagam. E, ainda, há mais: não é de si mesmo que o explorador necessitará para o fenômeno. Ele precisará contar com os Espíritos, com as almas dos desencarnados, cuja colaboração é posta numa tabela de preços.

Esta ideia causa uma repugnância instintiva!Foi esse comércio, degenerado em abuso, explorado

pelo charlatanismo, pela ignorância, pela credulidade e pela superstição, que levou Moisés a proibi-lo. O Espiritismo atual, compreendendo o lado sério dessas questões, para desacreditar aqueles que se lançam a este tipo de exploração dos incautos, elevou a mediunidade à categoria de missão (Ver n’O Livro dos Médiuns, o capítulo XXVIII e na obra O Céu e o Inferno, o capítulo XII).

10. A mediunidade é um dom sagrado, que deve ser praticado sagradamente, religiosamente. Se há um gênero de mediunidade que requer esta condição de um modo ainda mais total, essa é a mediunidade de cura.

O médico humano dá o produto de seus estudos, que são feitos ao peso de sacrifícios por vezes penosos. O magnetizador doa seu próprio fl uido e, não raro, a sua própria saúde.

Estes dois podem pôr preços em seus serviços.Já o médium de cura transmite o fl uido salutar dos bons

Espíritos. Isto ele não tem o direito de vender. Jesus e seus Apóstolos, embora fossem pobres, nada cobravam das curas que operavam.

Que aquele, pois, que não tem do que viver procure os recursos de que necessita no campo do trabalho, mas nunca na mediunidade. Que ele consagre à mediunidade, se assim for preciso, apenas o tempo que possa dispor materialmente. Os Espíritos levarão em conta o seu devotamento e os seus sacrifícios pessoais, mas se afastarão daqueles que esperam fazer deles degraus de uma escada para alcançar os seus objetivos comerciais.

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CAPÍTULO XXVII

XXVII

PEDI E OBTEREIS

QUALIDADES DA PRECE

1. E, quando orares, não sejas como os hipócritas, pois se comprazem em orar em pé nas sinagogas, e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão. Mas tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em oculto. E teu Pai, que te vê secretamente, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que, por muito falarem serão ouvidos. Não te assemelhes a eles, porque o vosso Pai sabe o que te é necessário, antes de lho pedires (Mateus, capítulo VI, versículos 5 a 8).

2. E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que o vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas. Mas, se vós não perdoardes, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas (Marcos, capítulo XI, versículos 25 e 26).

3. E disse Jesus também esta parábola a uns que confi avam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo para orar, um fariseu e o outro um publicano. O fariseu, estando de pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens roubadores, injustos, adúlteros, nem sou como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. — O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! — Digo-vos que o publicano desceu justifi cado para sua casa e não o fariseu, porque qualquer que a si se exalta será humilhado e qualquer que a si mesmo se humilha, será exaltado (Lucas, capítulo XVIII, versículos 9 a 14).

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PEDI E OBTEREIS

4. As condições da prece são claramente defi nidas por Jesus. Quando você orar — diz Jesus —, não se coloque onde todos o vejam, mas ore no silêncio de seu coração. Não fi nja orar muito, porque não será pela quantidade de palavras que você se fará ouvido. Você será ouvido pela sua sinceridade. Antes de orar, se você tiver alguma coisa contra alguém, perdoe-lhe, porque a prece não pode ser agradável a Deus, se ela não nascer de um coração despojado de todo sentimento contrário à caridade. Ore, enfi m, com a humildade do publicano e não com o orgulho do fariseu. Analise os seus próprios defeitos, sem querer destacar as suas qualidades e, se você se comparar com alguma pessoa, procure o que existe de mal em você mesmo (Veja o capítulo X, itens 7 e 8, nesta mesma obra).

EFICÁCIA DA PRECE

5. Por isso vos digo que tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis, e tê-lo-eis (Marcos, capítulo XI, versículo 24).

6. Há pessoas que contestam a efi cácia da prece. Para isso, elas se fundamentam no princípio de que Deus, conhecendo nossas necessidades, faz inútil que as exponhamos. Acrescentam, ainda, que tudo estando regido no Universo por leis eternas, os nossos pedidos não podem mudar os desígnios de Deus.

Sem dúvida alguma que há leis naturais e imutáveis que Deus não pode mudar segundo os caprichos de cada um. Mas, daí a julgar que todas as circunstâncias da vida estão sujeitas a uma fatalidade, a distância é grande. Se fosse dessa forma, o homem seria um simples instrumento passivo, sem livre arbítrio e sem direito a ter iniciativas diante de acontecimentos favoráveis ou desfavoráveis. Neste caso, ao homem nada mais caberia que curvar a cabeça diante dos acontecimentos, sem procurar evitá-los. Não deveria procurar desviar-se dos perigos.

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CAPÍTULO XXVII

Deus não deu ao homem o entendimento e a inteligência, para que não se servisse dessas qualidades. Deus não lhe deu a vontade para o não-querer e nem a atividade para cair na inanição.

O homem, estando livre para agir, tomará resoluções boas ou más. E seus atos têm, para ele mesmo e para as outras pessoas, as consequências boas ou más do que ele faz ou deixa de fazer. Por decorrência de sua iniciativa, há acontecimentos que escapam forçosamente da fatalidade. Essa ocorrência, no entanto, não quebra a harmonia das leis universais, da mesma maneira que fazer avançar ou retardar os ponteiros de um relógio não anula a lei do movimento sobre o qual foi criado o seu mecanismo.

Deus pode, portanto, concordar com certos pedidos sem alterar a imutabilidade das leis que regem o conjunto da vida. Mas o atendimento dependerá sempre dos fundamentos da Justiça Divina.

7. Seria, portanto, falta de juízo concluir desta máxima: “Aquilo que pedirdes pela prece, vos será concedido”, que basta pedir para receber. E injusto é acusar a Providência Divina se não são concedidos todos os pedidos que se fazem, porque ela sabe, melhor do que nós, o que é necessário para o nosso bem espiritual.

A Providência Divina procede como um pai sábio que nega a seus fi lhos aquilo que seja contrário a seus verdadeiros interesses.

O homem, geralmente, só vê o momento presente.Se o sofrimento, porém, é útil para a criatura, tendo em

vista a sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, assim como faz um cirurgião que deixa um doente sofrer com uma operação que deve trazer-lhe a cura.

O que Deus lhe concederá, se o homem pedir com confi ança é a coragem, a paciência e a resignação. Também lhe concederá os meios dele mesmo se tirar das difi culdades, com a ajuda de ideias que fará que os bons Espíritos lhe sugiram intuitivamente, deixando-lhe o mérito de colocá-las em prática.

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PEDI E OBTEREIS

A Providência Divina ampara aqueles que se ajudam a si mesmos, segundo esta máxima: “Ajuda-te e o céu te ajudará”. A Providência Divina não poderá, portanto, ajudar aqueles que tudo esperam de um socorro alheio, sem usarem as suas próprias faculdades. Mas, na maioria das vezes, preferimos ser atendidos por um milagre, sem empregarmos o mínimo esforço para fazermos que as leis divinas funcionem a nosso próprio benefício (Veja o capítulo XXV, item 1 e seguintes, desta mesma obra).

8. Tomemos um exemplo, para esclarecer esses princípios.Um homem se perdeu num deserto.Ele sofre uma terrível sede. Sente-se desfalecer e se deixa

cair na areia escaldante.Ele pede a Deus que o socorra e espera.Porém, nenhum anjo do céu lhe vem dar água para beber.

No entanto, um bom Espírito lhe sugere a ideia de levantar-se e tomar um dos rumos que tem diante de si. Então, por um movimento instintivo, reúne todas as suas forças, soergue-se e avança aparentemente sem rumo certo.

Alcançando uma elevação, descobre ao longe um regato. Ao vê-lo ganha coragem. Se ele tem fé, exclamará: “Obrigado, meu Deus, pela ideia que me inspiraste!”. Se, porém, ele não tiver fé, dirá para si mesmo: “Que boa ideia eu tive! Que sorte a minha de tomar o rumo à direita, ao invés da esquerda! O acaso, algumas vezes, nos socorre muito bem! Quanto me felicito pela minha coragem e por não me haver deixado abater”.

Mas — dirão alguns —, por que o bom Espírito não lhe disse claramente: “Siga nessa direção e, no fi m, encontrarás o de que necessitas”? Por que não se materializou para guiá-lo e sustentá-lo no seu abatimento? Dessa maneira — concluirão alguns — ele fi caria convencido do socorro da Providência Divina!

Refl itamos com mais profundidade!Agindo através da inspiração, a Providência Divina estava

a ensinar-lhe que é necessário ajudar a si mesmo para superar as

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CAPÍTULO XXVII

adversidades e a fazer uso de suas próprias forças. Além disso, ele, pela incerteza de receber o socorro pedido, submete-se à prova de confi ança e de submissão aos desígnios divinos.

Esse homem está na situação da criança que caiu e que, vendo aproximar-se alguma pessoa, põe-se a gritar e fi ca a espera de que a venham levantar e, se não vê pessoa alguma por perto, faz esforços por si mesma e se levanta sozinha.

Se o Espírito de Luz que acompanhou Tobias lhe tivesse dito: “Fui enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te preservar de todo perigo”, Tobias não teria nenhum mérito. Confi ando-se no seu companheiro, não necessitaria nem mesmo pensar. Por isso é que o Espírito de Luz só se deu a conhecer no regresso.

AÇÃO DA PRECE.TRANSMISSÃO DO PENSAMENTO

9. A prece é uma invocação. Através dela o homem se põe em comunhão de pensamento com o ser a quem se dirige. Ela pode ter por fi nalidade fazer um pedido, um agradecimento ou uma homenagem. A criatura pode orar por si mesma ou por outras pessoas, pelos que estão encarnados e pelos desencarnados.

As orações endereçadas a Deus são ouvidas pelos Espíritos encarregados da execução da vontade do Pai Celestial. Aquelas que são endereçadas aos bons Espíritos são transferidas para a Justiça Divina. Quando oramos para outros seres e não para Deus, os seres a quem nos dirigimos servem de intermediários, de intercessores, porque nada pode ser feito sem a vontade de Deus.

10. O Espiritismo nos faz compreender a ação da prece, ao revelar o mecanismo da transmissão do pensamento, quer quando o ser a quem oramos venha a nosso socorro, quer quando apenas o nosso pensamento se eleva a esse ser.

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PEDI E OBTEREIS

Para compreender-se o que ocorre nessas situações, é necessário imaginar-se todos os seres encarnados e desencarnados mergulhados no fl uido universal que toma todo o espaço, assim como na Terra estamos todos mergulhados na atmosfera. Esse fl uido universal recebe um estímulo da vontade. Esse fl uido é o condutor do pensamento, assim como o ar é condutor do som. Há, porém, uma variante, uma vez que as vibrações do ar são limitadas, enquanto que as vibrações do fl uido universal se propagam ao infi nito. Quando, portanto, o pensamento é dirigido a qualquer ser, na Terra ou no espaço, seja de encarnado para desencarnado, seja de desencarnado para encarnado, uma onda fl uídica se irradia de um para outro, transmitindo o pensamento, como o ar transmite o som.

A energia dessa onda fl uídica está na intensidade do pensamento e da vontade de quem pensa. É assim que a prece é ouvida pelos Espíritos, qualquer seja o lugar em que se encontrem. É assim, também, que os Espíritos se comunicam entre si e que nos transmitem as suas inspirações. E pelo mesmo mecanismo, é que se estabelecem as relações de pensamentos entre encarnados que estão distantes entre si.

Esta explicação se dirige, sobretudo, aos que não compreendem a utilidade da prece exclusivamente mística. Não temos por fi nalidade materializar a prece, mas tornar os seus efeitos compreensíveis, ao evidenciar que ela pode exercer uma ação direta e positiva. Nem por isso estará menos subordinada aos desígnios Divinos, juiz supremo de todas as coisas, e que é o único que pode tornar a ação da prece efi caz.

11. Pela prece, o homem atrai o amparo dos bons Espíritos que lhe vêm sustentar nos seus bons propósitos e lhe inspirar bons pensamentos. Ele ganha, assim, a força moral necessária para vencer as difi culdades e retornar ao caminho reto, se dele se afastou.

Pela prece, o homem pode afastar de si os males que atrairia por suas próprias faltas. Um homem, por exemplo, vê a sua saúde arruinada pelos excessos que praticou e arrasta, até o fi m de seus

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CAPÍTULO XXVII

dias, uma vida de sofrimentos. Terá ele o direito de queixar-se, se não obtiver a sua cura? Não! Porque poderia ter encontrado na prece a força para resistir às tentações que o levaram ao excesso.

12. Divida em duas partes os males da vida: uma, com os males que o homem não pode evitar e outra com as atribulações que ele mesmo provoca por sua falta de cuidados e pelos seus excessos. (Veja capítulo V, item 4, nesta mesma obra). Você verá que os males da segunda parte são muito mais numerosos que os males que o homem não pode evitar.

Fica bastante evidente que o homem é o autor da maior parte de suas afl ições e que ele as evitaria se agisse com sabedoria e prudência.

O estado deplorável do homem é a consequência do desrespeito às leis divinas. Se cumpríssemos rigorosamente essas leis, seríamos inteiramente felizes. Se não desejássemos além do limite do que é necessário para a satisfação de nossas necessidades, não teríamos as doenças que são provocadas pelos excessos de nossos desejos, nem sentiríamos as alterações que as doenças determinam em nossas vidas. Se impuséssemos um limite à nossa ambição, não temeríamos a ruína. Se não quiséssemos subir mais alto do que podem as nossas forças, não temeríamos a queda. Se fôssemos humildes, não sofreríamos as decepções do orgulho abatido. Se praticássemos a lei da caridade, não seríamos maledicentes, nem invejosos, nem ciumentos e, assim, evitaríamos as discussões e os desentendimentos. Se não fi zéssemos nenhum mal a ninguém, não teríamos de temer as vinganças.

Os males da vida são consequência do desrespeito às leis divinas que governam as nossas vidas.

Admitamos que o homem nada pudesse fazer em relação aos males que não dependam de sua conduta atual. Admitamos, ainda, que todas as orações que faça, sejam inúteis para livrar-se desses males. Não seria muito desejável orar, para fi car liberado das consequências que decorrem de sua própria conduta? Neste caso, a ação da prece pode ser entendida facilmente. É que ela tem

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PEDI E OBTEREIS

por efeito atrair a inspiração salutar dos bons Espíritos, quando lhe pedirmos a força para resistir às más inclinações, a fi m de evitarmos de praticá-las por nos serem prejudiciais. Estaremos, então, pedindo não que afastem o mal de nós, mas para que eles nos afastem dos maus pensamentos que nos podem levar ao mal. Com isso, eles não embaraçam em nada os desígnios de Deus e nem alteram o curso das leis da Natureza, mas evitam que desrespeitemos essas leis, orientando o nosso livre-arbítrio.

Os bons Espíritos, porém, agem sem que os percebamos, duma maneira oculta, para não interferirem em nossa vontade. O homem se encontra, então, na mesma posição daquele que pede bons conselhos e os coloca em prática, mas que está sempre livre de segui-los ou não. Deus quer que seja assim, para que cada um seja responsável por seus atos e tenha o mérito de escolha entre o bem e o mal. É isso que o homem poderá estar certo de que sempre receberá, se ele o pedir com fervor, e ao que se podem, sobretudo, aplicar estas palavras: “Pedi e obtereis”.

A efi cácia da prece, mesmo reduzida a essas proporções, não daria para o homem um resultado benéfi co? Estava reservado ao Espiritismo demonstrar a ação da prece, pela revelação das relações que existem entre o mundo corporal e o mundo espiritual. Mas não se limitam somente a isso os seus efeitos.

A prece é recomendada por todos os Espíritos.Renunciar à prece é desconhecer a bondade de Deus. É

renunciar para si mesmo a assistência da Providência Divina. E não orar pelas outras pessoas é renunciar o bem que lhes poderia fazer.

13. Ao atender o pedido que lhe é dirigido, Deus tem normalmente em vista recompensar a intenção, o devotamento e a fé daquele que ora. Eis porque a prece do homem de bem tem mais mérito aos olhos de Deus, e sempre é mais efi caz, porque o homem vicioso e mau não pode orar com o fervor e a confi ança que nascem do sentimento da verdadeira piedade.

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CAPÍTULO XXVII

Do coração do homem egoísta, daquele que ora só com os lábios, não poderiam sair senão palavras. Não saem desse coração as radiações da caridade que dinamizam a prece em toda a sua intensidade. Compreende-se isso tão bem que, por um movimento intuitivo, aqueles que querem que outras pessoas orem por si, procuram, de preferência, as pessoas que tenham uma conduta que seja mais agradável a Deus, porque as preces deles serão melhor ouvidas.

14. Se a prece exerce uma espécie de ação magnética, poderíamos supor que o seu efeito estivesse condicionado à qualidade dos fl uidos emanados do homem que ora. Entretanto, não é assim. Desde que os Espíritos exercem essa infl uência fl uídica sobre os homens, eles podem suprir, quando seja necessário, a insufi ciência daquele que ora, seja por substituírem diretamente o que ora, seja por dar-lhe momentaneamente uma força excepcional, quando julgarem que esse que ora é digno desse benefício ou quando julgam que isso lhe possa ser útil.

O homem que não se considera bom para exercer uma infl uência benéfi ca, não deve renunciar de orar pelas outras pessoas, por alimentar-se com a ideia de que não é digno de ser ouvido em seus pedidos. A própria consciência que tem de sua inferioridade é uma demonstração de humildade sempre agradável a Deus, que levará em consideração a intenção caridosa que o anima. O seu fervor e a sua confi ança em Deus são os seus primeiros passos para o seu retorno ao bem, retorno esse que os bons Espíritos se sentem felizes de incentivar.

A prece que não se libera do homem é aquela dos orgulhosos, que só têm fé no seu poder e nas suas qualidades pessoais e que julgam poder substituir os desígnios do Eterno.

15. O poder da prece está no pensamento. Esse poder não depende nem das palavras, nem do lugar e nem do momento em que a prece é feita. Pode-se, portanto, orar em qualquer lugar, a qualquer hora, sozinho ou junto com outras pessoas. A infl uência do lugar e do momento em que se ora é exclusivamente em relação ao que possa facilitar o recolhimento interior daquele que

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PEDI E OBTEREIS

faz a prece. A prece em conjunto com outras pessoas tem uma ação mais poderosa somente quando todos aqueles que oram estão unidos de coração a um mesmo pensamento e a uma mesma fi nalidade nobre, porque, então, é como se muitos clamassem juntos e numa só súplica. Mas, no que resultaria se as pessoas estivessem reunidas em grande número, e cada uma delas agisse isoladamente e por interesse só pessoal? Uma centena de pessoas reunidas pode orar como egoístas, enquanto que duas ou três, unidas numa mesma aspiração, orarão como verdadeiros irmãos em Deus, e a sua prece terá mais força do que a prece daqueles cem egoístas (Ver capítulo XXVIII, itens 4 e 5, desta mesma obra).

PRECES COMPREENSÍVEIS

16. Se eu, portanto, não entender o que signifi cam as palavras, serei como um bárbaro para aquele a quem falo e o que fala sê-lo-á para mim do mesmo modo. Porque se eu orar numa língua estrangeira, verdade é que o meu espírito ora, mas o meu entendimento fi ca sem fruto. Mas se louvares com o espírito, o que ocupa o lugar do simples povo dirá Assim-Seja, sobre a tua bênção, visto não entender ele o que dizes? Verdade é que tu dás bem as graças, mas o outro não é edifi cado (Paulo de Tarso, I Coríntios, capítulo XIV, versículos 11, 14, 16 e 17).

17. A prece só tem valor pelo pensamento de onde ela nasce. Ora, é impossível fazer nascer uma ideia qualquer daquilo que não se compreende, pois o que não se compreende, não pode sensibilizar o coração.

Para a grande maioria das pessoas, as preces com palavras desconhecidas não passam de uma mistura de coisas que não lhes dizem nada para o espírito. Para que a prece toque o coração, é necessário que cada palavra desperte uma ideia. Mas se não compreendermos o que quer dizer cada palavra, a palavra não pode despertar em nós nenhuma ideia. Poderemos repetir as

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CAPÍTULO XXVII

palavras de uma oração, como se fosse uma simples maneira de pedir e como se a qualidade do pedido estivesse apenas no menor ou maior número de vezes que o repitamos.

Muitos são os que oram por mero dever. Outros, apenas para seguir os costumes. Por isso eles se julgam desobrigados dessa obrigação de orar, já que recitaram uma prece um determinado número de vezes e numa determinada ordem.

Deus lê o íntimo dos corações.Ele nos lê os pensamentos e examina a nossa sinceridade.

Julgar que Deus seja mais sensível à nossa forma de orar que à essência íntima da fé, seria desconsiderar a Justiça Divina (Veja capítulo XXVIII, item 2, nesta mesma obra).

A PRECE PELOS DESENCARNADOS E PELOSESPÍRITOS EM SOFRIMENTO

18. A prece é solicitada pelos Espíritos que sofrem após a desencarnação. Toda prece lhes é um alívio, porque ao verem que são lembrados, eles se sentem menos infelizes. A prece tem, para eles, uma ação mais direta: dá-lhes novo ânimo, estimulando-lhes o desejo de se elevarem pelo arrependimento de suas faltas e pelo desejo de repará-las, e pode desviá-los da ideia do mal.

É nesse sentido que a prece pode não somente aliviar, mas também abrandar os seus sofrimentos (Veja em O Céu e o Inferno, 2ª. Parte: “Exemplos”).

19. Algumas pessoas não admitem as preces pelos desencarnados, porque, segundo a crença dessas pessoas, não há para a alma mais que duas alternativas: ser salva ou ser condenada às penas eternas! E, para essas pessoas, qualquer que seja a alternativa, a prece será inútil.

Sem discutir o valor dessa crença, admitamos, por alguns instantes, que as penas eternas fossem reais e sem apelação, e que as nossas preces fossem incapazes de interrompê-las. Perguntamos

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PEDI E OBTEREIS

se, nessa situação, é lógico, é caridoso, é cristão recusar orar pelos condenados? Essas preces, mesmo que incapazes de libertá-los, não seria para eles um sinal de piedade, que poderia abrandar seus sofrimentos?

Na Terra, quando um homem é condenado à prisão perpétua, mesmo que não haja nenhuma esperança de obter-se a graça da libertação para ele, é proibido a uma pessoa caridosa dar-lhe alguma consolação para que ele carregue a cruz de seus enganos mais aliviado? Quando alguém contrai um mal incurável, se não houver para esse doente alguma esperança de cura, deve-se abandoná-lo sem nenhum alívio?

Lembrem-se de que, entre os condenados, pode haver uma pessoa que lhes foi cara. Pode haver um amigo, talvez um pai, uma mãe ou um fi lho. E só porque, segundo vocês que aceitam as penas eternas, essa pessoa não pode esperar o perdão, vocês poderiam recusar-lhe um copo d’água para mitigar-lhe a sede? Um bálsamo que lhe seque as chagas? Vocês não fariam por esse ser amado, o que fariam por um prisioneiro? Não lhe daria uma prova de amor, uma consolação?

Não! Recusar-se a ampará-la não seria de um cristão!Uma crença que endurece o coração, não pode ser a

mesma que se fundamenta num Deus que coloca em primeiro lugar os deveres do amor ao próximo!

A não eternidade das penas não implica na negação de uma dolorosa consequência temporária para as transgressões das leis divinas. A Justiça Divina não confunde o bem com o mal. Negar, neste caso, a efi cácia da prece seria negar a efi cácia da consolação, do levantar do ânimo e dos bons conselhos. Seria negar mesmo a energia que haurimos da assistência moral dos que nos querem bem.

20. Outros não admitem a prece, fundando-se num motivo que, com aparência de verdade, induz ao erro: a imutabilidade dos desígnios divinos. Deus — dizem esses outros — não pode mudar as suas decisões a pedido de suas

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CAPÍTULO XXVII

criaturas. Se não fosse assim, nada seria estável no mundo, alegam eles. E o homem, portanto, nada tem que pedir a Deus e lhe cabe apenas submeter-se às leis divinas e adorar o Senhor

Há nessa ideia uma falsa colocação do princípio da imutabilidade da lei divina, ou melhor, há falta de conhecimento da lei, no que se refere à penalidade futura. Essa lei é revelada pelos Espíritos do Senhor, a partir do momento em que o homem esteja amadurecido espiritualmente para compreender o que, na fé religiosa, é conforme ou contrário aos atributos divinos.

Segundo o dogma da eternidade absoluta das penas, não são considerados a favor do culpado os seus remorsos e nem os seus arrependimentos! Para o que errou, qualquer desejo de melhorar-se é inútil. Ele está condenado a permanecer no mal eternamente. Se ele estiver condenado por um prazo determinado, a pena se extinguirá no fi nal desse tempo. Mas quem poderá afi rmar que, no fi nal de suas penas, ele melhorou seus sentimentos? Quem poderá dizer que, a exemplo de muitos condenados da Terra, ao saírem da prisão, ele não será tão mau quanto antes? No primeiro caso, seria manter na dor do castigo um homem que se voltou para o bem. E no segundo caso, seria agraciar aquele que continua se alimentando do desejo do mal.

A Justiça Divina é mais previdente. Sempre justa, equitativa e misericordiosa, ela não estabelece nenhum prazo de sofrimento para quem transgride as leis divinas.

A Justiça Divina se resume assim:21. O homem sempre sofre a consequência de seus erros.

Não há uma só infração da lei de Deus, que não resulte em consequências amargosas.

A intensidade do sofrimento é proporcional à gravidade do erro moral.

A duração do sofrimento, para qualquer erro moral, é indeterminada. Ficará subordinada ao arrependimento daquele

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PEDI E OBTEREIS

que errou e ao seu retorno ao campo do bem. O sofrimento, por isso, durará tanto quanto seja a sua obstinação no mal. Parecerá um sofrimento eterno, se a obstinação no mal parecer eterna. Será, porém, de curta duração se a criatura se arrepender logo.

Assim que o sofredor rogue por misericórdia, ele será ouvido e receberá a luz da esperança. Mas, para que se liberte das dores morais, o simples remorso não basta: é necessário a reparação dos males causados para os outros. Eis porque o que errou moralmente se vê submetido a novas provações, nas quais ele pode, sempre por sua livre vontade, fazer o bem a quem fez o mal, reparando assim os seus erros.

O homem é, assim, constantemente o autor de seu próprio destino. Ele pode abreviar os seus sofrimentos ou prolongá-los por um tempo indefi nido. A sua felicidade ou o seu sofrimento dependem da sua vontade de fazer o bem.

Tal é a lei!É lei imutável e refl ete inteiramente a bondade e a justiça

de Deus.O Espírito culpado e infeliz, ajustado a essa lei

magnânima, pode sempre salvar-se a si mesmo. A Justiça Divina lhe revela quais são as condições em que ele poderá fazer com que os seus sofrimentos se abrandem. O que lhe falta, no mais das vezes, é a vontade, a força, a coragem. Se, pelas nossas preces, lhe inspirarmos essa vontade, se o ampararmos e o encorajarmos; se, pelos nossos conselhos, lhe dermos as luzes que lhe são necessárias, ao invés de solicitar a Deus que revogue a sua lei, nós nos tornaremos os instrumentos para a execução da lei do amor e da caridade, da qual a Justiça Divina nos torna seus participantes, para que doemos de nós mesmos uma prova da caridade (Veja O Céu e o Inferno, 1ª parte, capítulos IV, VII e VIII).

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CAPÍTULO XXVII

Instruções dos EspíritosMODO DE ORAR

22. O primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro ato que deve marcar para ela o retorno à vida ativa de cada novo dia, é o dever da prece.

Quase todos vocês oram, mas quão poucos sabem orar! Que importam ao Senhor as palavras que vocês pronunciam, sem saber o que dizem, porque vocês já se habituaram a repeti-las assim como quem cumpre uma obrigação e que, como toda obrigação, é um peso incômodo!

A prece do cristão, do Espírita, ou do adepto de qualquer outro culto religioso, deve ser feita no momento em que o Espírito retorna ao corpo físico. Ele deve elevar-se aos pés da Majestade Divina com humildade, com todas as forças de seu coração, com uma expressão de gratidão por todos os benefícios recebidos até àquela hora. Agradecer, também, pela noite transcorrida e durante a qual lhe foi permitido, embora disso não se lembre, de retornar junto de seus amigos, de seus orientadores espirituais, para haurir, no contato com eles, mais energia e perseverança no campo do bem.

A prece deve elevar-se humilde aos pés do Senhor, reconhecendo as fraquezas morais de quem ora e rogando o amparo, a indulgência, a misericórdia divina. A prece deve sair do interior do coração, porque é a alma que deve elevar-se para o Criador. É você que deve se transfi gurar como fez Jesus, orando, no Tabor, a fi m de você chegar até Ele com a alma branca e radiosa de esperança e de amor.

A sua prece deve conter o pedido de graças de que você necessita realmente. Inútil, portanto, pedir ao Senhor que lhe abrevie as suas provas, de dar-lhe alegrias e a riqueza. Peça-lhe, antes, de lhe conceder os bens mais preciosos da paciência, da resignação e da fé. Não diga como fazem muitos: “Não vale a pena orar, porque Deus não me atende”.

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PEDI E OBTEREIS

O que você pede a Deus, na maioria das vezes? Já se lembrou de pedir-lhe o seu aprimoramento moral? Oh! Não! Poucas vezes você pede pela sua evolução espiritual! O que mais você se lembra de pedir é o sucesso nos seus empreendimentos materiais e, depois, você reclama: “Deus não me olha! Se tivesse preocupação comigo, não existiriam tantas injustiças em minha vida”.

Insensato! Ingrato! Se você examinar o fundo de sua consciência, quase sempre ali você encontrará as causas dos males de que você se queixa. Peça, então, acima de todos os seus interesses materiais, o seu aprimoramento moral, e você verá que torrente de graças e de consolações se derramará sobre você (Veja o capítulo V, item 4, desta mesma obra).

Você deve orar incessantemente, sem que, para isso, você precise recolher-se num lugar especial e nem que você caia de joelhos pelas ruas. A prece diária é o cumprimento de seus deveres, mas sem excluir os outros deveres de sua vida diária, qualquer seja a natureza desses deveres.

Não é, também, um ato de amor ao Senhor, quando você cumpre o dever de assistir seus irmãos numa necessidade qualquer, seja moral ou física? Não é um ato de gratidão ao Senhor elevar-lhe o pensamento quando uma felicidade chega a você, quando um acidente é evitado, quando mesmo uma simples contrariedade lhe toca e você diz: “Graças a Deus!”? Não é um gesto de arrependimento o você se humilhar diante do Juiz Supremo, quando você sente que caiu moralmente, mesmo que seja tão só por um desejo infeliz, e você lhe diz: “Desculpe-me, meu Deus, porque errei! (por orgulho, por egoísmo ou por faltar com a caridade). Ajude-me a não errar mais e me dê forças para corrigir meu erro”?

Esses fatos independem de suas orações regulares da manhã, da noite e dos dias consagrados a Deus. Como você observa, a prece pode ser de todos os minutos de sua vida comum, sem necessidade de nenhuma interrupção de seus trabalhos diários. O pensamento-oração, no curso de seu dia, santifi ca as suas atividades. Tenha certeza de que um só desses pensamentos

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CAPÍTULO XXVII

partido do coração é mais ouvido pelo seu Pai Celestial do que as longas orações recitadas por hábito, quase sempre sem motivação espiritual, apenas porque a hora convencional lhe chama para rezar, dizendo palavras que não saem de seu coração (V. Monod, Bordéus, 1862).

FELICIDADE DA PRECE

23. Venham, todos vocês que desejam crer. Os Espíritos Celestiais chegam e vêm lhes anunciar grandes coisas!

Deus, meus fi lhos, abre as suas riquezas espirituais, para lhes distribuir todos os benefícios.

Homens incrédulos! Se vocês soubessem quanto a fé faz bem ao coração e quanto induz a alma ao arrependimento de seus erros e induz, também, à oração! A prece! Ah! Como são tocantes as palavras que saem da boca e do coração no momento da prece!

A prece é o orvalho divino que abranda o grande fogo das paixões. Filha dileta da fé, a prece nos ajusta no caminho que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão da oração, vocês se encontram com Deus. Para vocês, então, já não há mais mistérios, uma vez que os mistérios lhes são revelados.

Apóstolos desta ideia, para vocês a verdadeira vida se abre. A sua alma se despoja do jugo das paixões e cresce para esses mundos infi nitos e etéreos que os homens comuns desconhecem.

Avancem, avancem pelos caminhos da prece e vocês ouvirão as Vozes dos Céus. Que harmonia! Já não são os sons confusos e primários e estridentes da Terra. É a harmonia celestial. São as vozes suaves e doces dos que amam, mais leves que as brisas matinais que roçam as folhagens de seus arvoredos.

Com que brandura, então, vocês caminharão!A linguagem da Terra não poderia exprimir essa ventura,

que os envolve por todos os poros, tão viva e repousante é a energia que recolhemos na fonte das orações! Doces vozes, inebriantes

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PEDI E OBTEREIS

perfumes que a alma ouve e aspira quando, pela prece, ela se eleva a regiões celestiais, habitadas por Seres de Luz!

Sem a mistura dos desejos carnais, todas as aspirações são divinas.

Vocês, também, orem como o Cristo. Orem carregando a sua cruz para o seu Calvário. Carreguem a sua cruz e vocês sentirão as doces emoções que banhavam a alma de Jesus, embora Ele carregasse o madeiro infamante.

Ele, o Mestre, seguia para morrer na Terra, mas para da Cruz viver na vida celestial, na morada de seu Pai (Agostinho, Paris, 1861).

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CAPÍTULO XXVIII

XXVIII

COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

PREÂMBULO

1. Os Espíritos têm sempre dito: “A forma da prece nada vale. O pensamento é tudo. Ore cada um segundo as suas convicções religiosas, desde que essa oração toque muito o coração. Um bom pensamento vale mais que mil palavras que não saiam do coração”.

Os Espíritos não estabelecem nenhuma fórmula exata para as preces. Quando sugerem alguma prece, eles têm por fi nalidade orientar as ideias de quem ora e, sobretudo, assim fazem para chamar a atenção sobre certos princípios da Doutrina Espírita.

Fazem-no, pois, com a fi nalidade de ajudar as pessoas que sentem difi culdades para exprimir suas ideias, porque essas pessoas têm a sensação de não terem orado realmente, porque os seus pensamentos não estavam ordenados e claros.

A coleção de preces, que constam desta parte da obra, é uma escolha feita entre muitas daquelas preces que foram transmitidas pelos Espíritos em diferentes ocasiões. Os Espíritos podem ter transmitido outras, e com outras palavras, apropriadas a certas ideias ou a casos especiais. Mas pouco ou nada importa a forma das orações, se o pensamento fundamental é o mesmo.

A fi nalidade da prece é elevar a nossa alma a Deus.A diversidade das fórmulas não deve estabelecer nenhuma

diferença entre aqueles que crêem em Deus e, menos ainda, nenhuma diferença entre os Espíritas, porque Deus aceita todas as preces que sejam sinceras.

Não se deve, portanto, considerar esta coleção de preces como uma espécie de formulário único, mas, tão-somente, como uma variedade de orações recolhidas das mensagens transmitidas

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

pelos Espíritos. É um meio de aplicação dos princípios da moral evangélica desenvolvida neste livro, um complemento às suas comunicações sobre os deveres para com Deus e com o próximo e no qual serão lembrados todos os princípios da Doutrina Espírita.

O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os cultos religiosos, quando elas saem do coração e não sejam ditas apenas pelos lábios. O Espiritismo não impõe nenhuma e não condena nenhuma oração. Deus é sumamente grande, segundo a Doutrina Espírita, para repelir a voz que implora ou que lhe canta louvores, não fazendo distinção entre as criaturas que oram de uma ou de outra maneira. Quem quer que condene as preces que não constem de seu formulário, demonstrará que desconhece a grandeza de Deus. Acreditar que Deus esteja preso a uma fórmula de prece, é emprestar-lhe a pequenez e as paixões características do homem.

Uma condição essencial para a prece, segundo Paulo de Tarso (Cap. XXVII, item 16), é de a oração ser compreensível, a fi m de que ela possa falar ao nosso coração. Para que a prece seja entendida pelo coração, não basta que seja proferida em uma língua que aquele que ora compreenda. Há preces em linguagem popular que não dizem ao nosso pensamento muito mais do que uma oração feita numa língua que nos seja estranha e que, por isso mesmo, não chegam ao coração. As raras ideias que elas contêm são, em geral, sufocadas pelo excesso de palavras e pelo misticismo da linguagem.

A principal qualidade da prece é ser clara, simples e resumida, sem frases inúteis ou falsas ideias, que são apenas coisas vazias e sem signifi cação. Cada palavra deve ter o seu valor, revelar uma ideia, tocar fundo no coração.

Em resumo, a prece deve levar à meditação serena. É somente assim que a prece pode alcançar a sua fi nalidade. De outro modo, não passa de sons sem sentido. Notem, entretanto, com que ar de distração e com que descaso as orações são proferidas na maioria das vezes. Movem-se os lábios e há um surdo e rápido sussurro. Mas pela expressão do rosto, que acompanha o sussurro dos

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CAPÍTULO XXVIII

lábios, reconhece-se um ato mecânico, puramente exterior, que não sai do coração.

As preces reunidas nesta coleção estão divididas em cinco categorias:

1) Preces gerais;2) Preces pela própria pessoa que ora;3) Preces pelos encarnados;4) Preces pelos desencarnados e5) Preces pelos doentes e pelos obsidiados.Com a fi nalidade de chamar mais particularmente a atenção

sobre o objetivo de cada prece, e para fazer mais compreensível o conteúdo de cada uma delas, todas as categorias de preces são precedidas de uma mensagem de abertura, uma espécie de exposição de motivos, sob o título de prefácio.

I - PRECES GERAIS

ORAÇÃO DO SENHOR(PAI NOSSO)

2. Prefácio. Os Espíritos recomendaram colocar a Oração do Senhor (Pai Nosso), na abertura desta coleção, não somente como prece, mas também como símbolo. De todas as preces, esta é a que eles colocam em primeiro lugar, seja porque vêm do próprio Jesus (Mateus, capitulo 6, versiculos 9 a 13), seja porque ela pode substituir a todas as outras, conforme os pensamentos que a ela unam os que oram.

Esta oração é o mais perfeito modelo de síntese, verdadeira obra-prima de sublimidade na sua simplicidade. Com efeito, sob a forma mais reduzida, ela resume todos os deveres do homem para com Deus, para com o próprio que ora, para com o próximo. Ela corresponde a uma confi ssão de fé, um ato de adoração e

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

de submissão a Deus. Ela traz o pedido das coisas necessárias para a vida e o princípio da caridade. Quem a diga, em intenção de alguém, está pedindo para esse alguém o que pediria para si mesmo.

Todavia, por causa mesmo dessa oração ser curta, o sentido profundo encerrado em algumas das palavras de que ela se compõe, não é entendido pela maior parte das pessoas. Por isso, essas palavras são repetidas, por algumas pessoas, de um modo muito vago e geral, sem que elas compreendam o sentido de cada uma de suas frases. Recitam-na como uma fórmula mística, cuja efi cácia é proporcional ao número de vezes que seja repetida. E esse número de vezes, quase sempre, é cabalístico: três, sete ou nove vezes. Esses números foram retirados de antiga crença supersticiosa, alimentada sobre o poder mágico dos números e do uso desses números nos rituais de magia.

Para preencher o vazio que a brevidade dessa prece deixa no pensamento de alguns, ajuntamos a cada uma de suas proposições, seguindo o conselho e com a assistência dos bons Espíritos, um comentário que lhe esclarece o sentido e mostra as suas aplicações na vida diária.

De acordo, portanto, com a situação e o tempo disponível, aquele que ore poderá dizer a Oração do Senhor ou na sua forma original ou na forma comentada que aqui apresentamos.

3. PRECE — I. Pai nosso, que estais no céu, santifi cado seja o vosso nome!

Cremos em vós, Senhor, porque tudo nos revela o vosso poder e a vossa bondade. A harmonia do Universo é a demonstração de uma sabedoria, de uma prudência, de uma previdência, que estão acima de todas as faculdades dos homens. O nome de um Ser Soberanamente grandioso e sábio está inscrito em todas as obras da Criação, desde o raminho da pequenina erva e do menor dos insetos até aqueles astros que se movem no infi nito do espaço. Por toda parte vemos a prova de vossa atenção paternal. Por isso cego é aquele que não vos reconhece

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CAPÍTULO XXVIII

pelas vossas obras. Orgulhoso é aquele que não vos glorifi ca e ingrato é aquele que não vos rende graças.

II. Venha a nós o vosso Reino!Senhor, destes aos homens leis repletas de sabedoria e que

fariam a felicidade deles, se eles se ajustassem a essas leis divinas. Com essas leis, eles fariam reinar, entre eles, a paz e a justiça. Eles se ajudariam uns aos outros, ao invés de se prejudicarem, como o fazem. O forte ampararia o fraco, ao invés de esmagá-lo. Eles evitariam os males que geram os abusos e os excessos de toda natureza. Todos os sofrimentos deste mundo nascem do desrespeito às vossas leis, Senhor, porque não há um só desrespeito a essas leis que não traga consequências dolorosas.

Destes ao animal irracional o conjunto de instintos que lhe mostra o limite do que lhe é necessário para a existência, e ele a isso se ajusta. Ao homem, porém, além desses instintos, destes a inteligência e a razão. Destes-lhe, também, a liberdade de cumprir ou desrespeitar aquelas de vossas leis que pessoalmente dizem respeito à sua evolução, ou seja, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, a fi m de que seja dele o mérito e a responsabilidade de suas ações.

Ninguém pode alegar ignorância de vossas leis, pois, na vossa previdência paternal, quisestes que essas leis fossem gravadas na consciência de cada homem, sem distinção de culto religioso ou de nacionalidade. Aqueles que violam essas leis é porque querem desrespeitá-las, mas não porque não as conheçam.

Dia virá em que, segundo a vossa promessa, todos as praticarão. A própria incredulidade, então, desaparecerá nesse dia. Todos vos reconhecerão por soberano Mestre de todas as coisas e o reinado de vossas leis estabelecerá o vosso Reino na Terra.

Dignai-vos, Senhor, de apressar a vinda desse Reino para a Terra, dando aos homens a luz necessária para conduzi-los ao caminho da verdade.

III. Seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu!

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

Se a submissão é um dever do fi lho para com o pai, do subordinado para com o seu superior hierárquico, quanto maior não devem ser os deveres da criatura para com o Criador! Fazer a vossa vontade, Senhor, é praticar as vossas leis e se submeter, sem queixas, aos vossos desígnios divinos. O homem se submeterá às disposições da Justiça Divina, quando compreender que sois a fonte de toda a sabedoria e que sem vós ele nada pode fazer. Então, ele cumprirá a vossa vontade na Terra, como a cumprem os eleitos que estão no Céu.

IV. Dai-nos o nosso pão de cada dia.Dai-nos o alimento necessário para a sustentação das forças

de nosso corpo físico. Dai-nos, também, o alimento espiritual necessário para a evolução moral de nosso espírito.

O animal selvagem encontra o seu alimento, mas o homem deverá obtê-lo através de suas próprias atividades e utilizando os recursos de sua inteligência, porque o criastes livre para escolher os meios de sua existência.

Vós lhe dissestes: “Tu tirarás o alimento da terra, com o suor de teu rosto”. Com isto, fi zestes do trabalho uma obrigação, a fi m de que se desenvolva a inteligência na busca dos meios de atender as próprias necessidades vitais e o bem-estar da criatura humana, uns pelo trabalho manual e outros pelo trabalho intelectual. Sem o trabalho o homem se manteria estacionado na escalada evolutiva e não poderia aspirar à felicidade dos Espíritos Superiores.

Ajudais o homem de boa-vontade que se confi a a vós para ter o necessário para a existência. Não ajudais, porém, àquele que se contenta com a ociosidade e que gostaria de tudo obter sem nenhum trabalho, nem àquele que busca o supérfl uo (Cap. XXV).

Quantos não são os que caem por seus próprios erros, pelo seu descuido, pela sua imprevidência ou pela sua ambição e por não quererem contentar-se com o que lhes destes! São esses os artesãos do seu próprio infortúnio e que não têm o direito

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CAPÍTULO XXVIII

de se queixarem. Eles sofrem naquilo que fi zeram sofrer os outros. Porém, a esses mesmos vós não os abandonais, porque sois infi nitamente misericordiosos. Estendei-lhes as mãos para socorrê-los desde que, como fi lhos pródigos, eles retornem sinceramente à vossa presença paternal (Cap. V, item 4).

Antes de queixar-nos do nosso destino, indaguemo-nos se o destino não é o resultado de nossas próprias obras. A cada infelicidade que nos chegue, indaguemo-nos se não dependeu de nossas decisões tê-la evitado. Digamos a nós mesmos, também, que Deus nos concedeu a inteligência para sairmos das difi culdades, mas que isso dependerá do uso que fi zemos de nosso livre arbítrio.

Já que da lei do trabalho depende o estado do homem sobre a Terra, dai-nos a coragem e a força de cumprir essa lei. Dai-nos, também, a prudência, a previdência e a moderação das nossas necessidades, a fi m de não perdermos o fruto de nossas obras.

Dai-nos, pois, Senhor, nosso pão de cada dia, ou seja, os meios de adquirir, pelo trabalho, as coisas necessárias para a vida, porque ninguém deve pedir o supérfl uo.

Se estivermos impossibilitados de trabalhar, nós nos entregamos ao socorro da Providência Divina.

Se está nos desígnios da Justiça nos provar pelas mais duras privações, apesar de nossos esforços no bem, nós as aceitaremos como uma justa expiação dos erros que cometemos nesta vida ou em reencarnações passadas, porque as leis divinas são justas. Sabemos que não há expiação não merecida e que não sofremos senão as consequências de nossos próprios enganos.

Livrai-nos, ó Senhor, de invejarmos aquilo que os outros têm e que nós não temos, ou mesmo as coisas que os outros tenham acima de suas necessidades, ainda que a nós nos falte o necessário para a vida. E perdoai-lhes, Senhor, se eles esquecem a lei da caridade e a do amor ao próximo, que lhes ensinastes (Cap. XVI, item 8).

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Afastai, também, de nosso espírito a ideia de negar a vossa Justiça quando vemos a prosperidade dos maus e a infelicidade que cai, por vezes, sobre os homens que trabalham no campo do bem. Já sabemos, graças às novas luzes espirituais, que nos destes sobre as vossas leis, que a vossa justiça sempre se cumpre e não exclui nenhuma pessoa. Assim é que sabemos que a prosperidade material do maldoso é tão passageira quanto a sua existência corporal, e que ele experimentará dolorosas decepções, enquanto que a alegria reservada ao que sofre com resignação será eterna (Cap. V, itens 7, 9, 12 e 18)

V. Perdoai as nossas dívidas, assim como perdoamos aos que nos devem. — Perdoai as nossas ofensas, assim como perdoamos aos que nos ofenderam.

Cada uma de nossas infrações à vossa lei, Senhor, é uma ofensa contra a nossa própria natureza divina. É uma dívida contraída com a lei de amor que, cedo ou tarde, teremos de resgatar. Rogamos que nos perdoe com a vossa infi nita misericórdia, sob a promessa de fazermos esforços para não contrair novos compromissos por desrespeito às vossas leis.

Fizestes, para todos nós, a lei decisiva da caridade. Mas, a caridade não está somente em amparar o semelhante nas suas necessidades. Ela está, também, no esquecimento e no perdão das ofensas. Com que direito suplicaremos por vossa indulgência, se faltarmos com a indulgência para com aqueles de quem nos queixamos?

Dai-nos, Senhor, a força de sufocar em nossa alma todo o ressentimento, todo o ódio e todo o rancor. Fazei com que a desencarnação não nos surpreenda com um desejo de vingança no coração. Se for de vossa vontade retirar-nos hoje mesmo deste mundo, fazei que possamos apresentar-nos diante de Vós despojados de toda má-vontade, de todo o rancor, a exemplo do Cristo, cujas últimas palavras foram a benefício de seus algozes (Cap. X).

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CAPÍTULO XXVIII

As perseguições que os maus promovem contra nós fazem parte de nossas provações terrenas. Devemos aceitá-las sem murmurar, assim como devemos aceitar todas as outras provas sem maldizer aqueles que, por suas maldades, nos abrem, assim, o caminho da felicidade eterna. É que nos dissestes, através de Jesus: “Bem-aventurados os que sofrem pela justiça!” Bendizemos, portanto, a mão que nos fere e nos humilha, porque os sofrimentos impostos ao corpo nos fortalecem a alma e seremos elevados com a humildade que assim conquistarmos (Cap. XII, item 4).

Bendito seja o vosso nome, Senhor, por nos ter revelado que o nosso destino não está irrevogavelmente fi xado após a desencarnação. Por nos ter revelado que teremos, numa outra existência, os meios de resgatar e de reparar os nossos erros morais passados. De realizar numa nova reencarnação o que não pudermos fazer nesta para a nossa evolução espiritual (Cap. IV e Cap. V, item 5).

Essas revelações, afi nal, esclarecem todas as aparentes anomalias da vida. Essa é a luz que se faz sobre o nosso passado e sobre o nosso futuro eterno. É um sinal luminoso de vossa soberana justiça e de vossa bondade infi nita.

VI. Não nos deixeis cair na tentação, mas livrai-nos do mal! 1

Dai-nos, Senhor, a força de resistir às más sugestões de alguns Espíritos que tentarão desviar-nos da senda do bem, inspirando-nos pensamentos infelizes.

Mas, nós mesmos, somos Espíritos imperfeitos, reencarnados neste mundo para resgatar nossas dívidas morais e evoluirmos. A causa primeira do mal, por isso, está em nós mesmos. Os Espíritos que nos queiram induzir às más inclinações que trazemos em nós mesmos nada mais fazem que ampliar as

1. Algumas traduções trazem: “Não nos induzais às tentações (et ne nos inducas in tentationem). Essa expressão daria a entender que a tentação vem de Deus, que Deus impeliria voluntariamente o homem para o mal. Essa ideia é um ultraje e nem poderia ter sido de Jesus. Essa ideia é da doutrina vulgar sobre o papel dos demônios. (Ver em O Céu e o Inferno, capítulo X, “Os demônios”)

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

nossas tendências viciosas, nas quais buscam conservar-nos, para que nos arrojemos a novas quedas morais.

Cada imperfeição é porta aberta para essas infl uências, tanto que eles são impotentes e renunciam a qualquer tentativa de perturbar as almas perfeitas. Tudo o que fi zermos para distanciar-nos deles será inútil, se não lhes opusermos uma vontade inabalável de permanecermos no campo do bem e uma total renúncia do mal. É, pois, contra as nossas próprias inclinações infelizes que devemos dirigir todos os nossos esforços para dominá-las e reformá-las. Somente com isso é que os Espíritos maldosos se distanciarão, porque o mal que está em nós é que os atrai, enquanto que o bem os distancia de nós (Ver, adiante, “Preces pelos Obsidiados”).

Senhor amparai-nos em nossas fraquezas morais. Inspirai-nos, pela voz de nossos mentores Espirituais e de todos os bons Espíritos, a vontade de nos corrigir em nossas imperfeições, a fi m de impedirmos aos Espíritos inferiores o acesso à intimidade de nosso coração (Veja-se, adiante, o item 11).

O mal não é obra vossa, Senhor, porque a fonte de todo o bem não poderia gerar o mal. Somos nós mesmos os criadores do mal, ao desrespeitarmos as vossas leis e pelo mau uso que fazemos da liberdade que nos concedestes. Quando os homens respeitarem as vossas leis, o mal desaparecerá da Terra, como já desapareceu dos mundos mais evoluídos.

O mal não é uma necessidade fatal para nenhuma pessoa. Ele só parece irresistível para aqueles que se abandonaram com agrado pessoal ao próprio mal. Se é por nossa própria vontade que fazemos o mal, então será pela nossa própria vontade que poderemos fazer o bem. Eis porque, ó meu Deus, nós solicitamos a vossa assistência e o amparo dos bons Espíritos para resistir às nossas próprias tentações.

VII. Assim seja.Determinai, Senhor, que os nossos bons desejos se realizem!

Curvamo-nos, porém, diante de vossa sabedoria infi nita. Que

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CAPÍTULO XXVIII

todas as coisas que não possamos compreender sejam feitas segundo a vossa santa vontade, e não segundo a nossa. É que sabeis, mais do que nós, o que nos convém espiritualmente.

Nós vos dirigimos esta prece, ó meu Deus! Por nós mesmos, mas também a dirigimos por todas as almas sofredoras, encarnadas ou desencarnadas; por todos os nossos amigos e inimigos, por todos aqueles que solicitam a nossa assistência e, em particular por... (diz o nome da pessoa por quem se ora).

Suplicamos para todos a vossa misericórdia e as vossas bênçãos.

REUNIÕES ESPÍRITAS

4. Onde quer que se encontrem duas ou três pessoas reunidas em meu nome, eu estarei no meio delas (Mateus, capítulo XVIII, versículo 20).

5. Prefácio. Para estarem reunidas em nome de Jesus, não basta que as pessoas estejam fi sicamente de corpo presente. É necessário estarem reunidas espiritualmente, pela comunhão de intenções e de pensamentos, voltadas para o bem. Jesus, então, se encontrará no meio dessa reunião, Ele mesmo ou os Espíritos Puros que O representam.

O Espiritismo nos faz compreender a maneira pela qual os Espíritos podem estar entre nós. Eles comparecem com o seu corpo fl uídico ou espiritual e com as características pessoais que nos fariam reconhecê-los, se eles se tornassem visíveis. Quanto mais elevados na hierarquia moral e intelectual, maior é o seu poder de radiação. É assim que, dominando o dom da ubiquidade, podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo. Basta, para isso, que enviem uma onda de seus pensamentos para cada lugar em que queiram estar ou em que os chamem.

Nota – Aqui podem ser feitos os agradecimentos a Deus pelas graças recebidas, e o que se deseja pedir para si e para as outras pessoas (Veja as preces dos itens 26 e 27).

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

Pelas palavras de Jesus, anotadas por Mateus, o Mestre quis demonstrar o efeito da união dos bons pensamentos e a força da fraternidade. Veja-se que não é a reunião de muitas ou de poucas pessoas que o atrairá, porque, ao invés de dizer duas ou três pessoas Ele poderia ter dito dez ou vinte. Mas o que atrai os Espíritos Puros e o próprio Senhor é o sentimento de caridade que anima os que se reúnem. Ora, para alimentar esse sentimento de caridade recíproca, bastará que sejam duas as pessoas reunidas.

Mas, se essas duas pessoas, embora fi sicamente juntas, orarem cada uma em separado, mesmo se dirigindo a Jesus, elas não estarão em comunhão de ideias. E não estarão em comunhão de ideias se, principalmente, não estiverem movidas de um sentimento de mútuo afeto. Se ambas se olharem com prevenção, com ódio, inveja ou ciúmes, as ondas fl uídicas de seus pensamentos se repelem ao invés de se unirem por um impulso de mútua simpatia. Então, não estão reunidas em nome de Jesus. Jesus aí não é mais que uma desculpa para a reunião, não sendo o Mestre o verdadeiro objetivo (Cap. XXVII, item 9).

Isso não quer dizer que Jesus se faça surdo ao chamado de uma pessoa só. Se ele não disse: “Eu atenderei a qualquer um que me chamar”, é porque Jesus quer, antes de tudo, o amor ao próximo. E desse amor, podem ser dadas mais provas quando vários se reúnem e comungam entre si os mesmos sentimentos nobres. Aquele que se isola está cultuando um sentimento pessoal, que nega ser o amor ao próximo. Por consequência se, numa reunião de muitas pessoas, duas ou três delas estiverem ligadas pelo coração, com o sentimento da verdadeira caridade fraternal, enquanto que as muitas outras estejam cultuando ideias egoísticas ou mundanas, Jesus estaria com aquelas duas ou três pessoas e não com as demais.

Jesus está, onde estiver o amor fraternal.Não é, portanto, pelas palavras recitadas juntamente

por todos ou pelos hinos cantados em conjunto ou pelos atos ritualísticos que se constitui uma reunião em nome de Jesus. A reunião em seu nome tem os sinais da comunhão de pensamentos

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CAPÍTULO XXVIII

dentro do sentimento de caridade, tão bem vivida pelo próprio Mestre (Cap. X, itens 7 e 8; Cap. XXVII, itens 2 a 4).

Essa deve ser a característica das reuniões Espíritas sérias, ou seja, daquelas reuniões em que se deseja sinceramente a contribuição dos bons Espíritos.

6. PRECE (no começo da reunião) — Suplicamos ao Senhor Deus, todo-poderoso, enviar-nos os bons Espíritos para nos amparar, afastando aqueles que poderiam induzir-nos ao erro. Suplicamos para nos dar o conhecimento necessário para distinguir a verdade da mentira. Afastai, também, os Espíritos maldosos, encarnados e desencarnados que poderiam tentar lançar a desunião entre nós e nos desviar da caridade e do amor ao próximo. Se alguns deles procurarem introduzir-se aqui, fazei que eles não encontrem acesso no coração de nenhum de nós.

Bons Espíritos, que vos dignai de vir nos instruir, tornai-nos dóceis aos vossos conselhos. Libertai-nos de toda ideia de egoísmo, de orgulho, de inveja e de ciúmes, inspirando-nos a indulgência e a benevolência para com todos os nossos semelhantes, presentes ou ausentes, para com os nossos amigos ou inimigos. Fazei, enfi m, que pelos sentimentos de que somos animados, reconheçamos a vossa salutar infl uência.

Dai aos médiuns que encarregardes de nos transmitir os vossos ensinamentos a consciência da santidade do mandato que lhes é confi ado e a gravidade do ato que vão praticar, a fi m de que eles o façam com o fervor e o recolhimento necessário.

Se, em nossa reunião, estiverem pessoas movidas por outros sentimentos que não sejam os do bem, abri os seus olhos à luz da revelação e perdoai-lhes, como nós as perdoamos, se elas vieram com más intenções.

Pedimos especialmente ao Espírito.......... (diz o nome do Espírito que é o orientador das reuniões), nosso mentor Espiritual, de nos assistir e velar por nós.

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7. PRECE (para o fi m da reunião) — Agradecemos aos bons Espíritos que se dignaram vir comunicarem-se conosco. Pedimos que nos ajudem a colocar em prática as instruções que nos deram e façam que, ao sair daqui, cada um de nós se sinta fortalecido para a prática do bem e do amor ao próximo.

Desejamos, igualmente, que essas instruções sejam proveitosas aos Espíritos sofredores, ignorantes ou viciosos, que puderam assistir a esta reunião e para os quais imploramos a misericórdia de Deus.

PARA OS MÉDIUNS

8. Nos últimos tempos, diz o Senhor, eu derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; e os vossos fi lhos e vossas fi lhas profetizarão, os vossos jovens terão visões e os vossos anciãos sonharão sonhos. — E também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas, naqueles dias, e profetizarão (Atos dos Apóstolos, Cap. II, versículos 17 e 18).

9. Prefácio. O Senhor quis que a luz se fi zesse por sobre todos os homens e penetrasse por todas as partes pela voz dos Espíritos. Assim, cada um poderia adquirir a prova da imortalidade da alma. Com essa fi nalidade é que os Espíritos se manifestam hoje em todos os lugares da Terra e, por isso, é que a mediunidade desponta em pessoas de todas as idades e de todas as condições, nos homens e nas mulheres, nas crianças e nos velhos. É um dos sinais de que chegaram os tempos anunciados pelos profetas da Antiguidade.

Para conhecer as coisas do mundo visível e descobrir os segredos da natureza material, Deus concede ao homem a vida do corpo físico, os sentidos e os instrumentos próprios para pesquisas. Com o telescópio, o homem mergulha o seu olhar nas profundezas do espaço celestial e, com o microscópio, o homem descobre o mundo dos infi nitamente pequenos.

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CAPÍTULO XXVIII

E, para que o homem penetre na pesquisa do mundo espiritual, invisível e inacessível a seus sentidos comuns, Deus lhe concedeu a mediunidade.

Os médiuns são os intérpretes encarregados de transmitir aos homens os ensinamentos dos Espíritos. Poderemos dizer que os médiuns são os órgãos materiais pelos quais se exprimem os Espíritos, para se expressarem de maneira inteligível aos homens. A missão desempenhada pelos médiuns é santa, porque ela tem por fi nalidade abrir os horizontes da vida eterna para todos os encarnados.

Os Espíritos vêm instruir os homens sobre o seu destino futuro, a fi m de reconduzi-los à senda do bem e não para liberá-los do trabalho material, que o homem deve executar neste mundo para desenvolver a sua inteligência e não para favorecê-lo na sua ambição ou cobiça.

Eis aí do que os médiuns devem compenetrar-se bem, para não fazerem mau uso de sua faculdade. Aquele que se compenetra da gravidade do mandato de que está investido, deverá realizá-lo religiosamente. Sua consciência o condenaria, como um ato verdadeiramente condenável, se transformasse a sua faculdade em divertimento ou distração para si ou para outras pessoas, uma vez que ela lhe foi concedida para uma fi nalidade bastante séria e que o coloca em comunicação com os seres do mundo espiritual.

Como intérpretes dos ensinamentos dos Espíritos, os médiuns devem desempenhar um papel importante na transformação moral dos homens, que se opera neste momento. Os serviços que os médiuns podem prestar guardam relação com a boa orientação que derem à sua faculdade. É que aqueles médiuns que seguem o mau caminho são mais prejudiciais que úteis para a causa do Espiritismo. Pelas más impressões que estes médiuns produzem, eles retardam mais de uma conversão. Eis porque eles terão de prestar contas do mau uso que fi zeram das faculdades que lhes foram concedidas para o bem de seus semelhantes.

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

O médium que quer conservar a assistência dos bons Espíritos deve de trabalhar pela sua própria melhoria moral e intelectual. Aquele que deseja ver tornar-se útil e desenvolvida a sua faculdade deve, ele mesmo, crescer moralmente e abster-se de tudo o que possa desviá-la de seu fi m providencial.

Se os bons Espíritos se servem, às vezes, de médiuns imperfeitos moralmente, é para dar-lhes bons conselhos e procurar levá-los ao campo do bem. Mas se esses Espíritos se encontram com corações endurecidos no mal, e se os seus conselhos não são seguidos, eles se retiram e os Espíritos maldosos têm, então, o campo livre para a sua infl uência infeliz (Cap. XXIV, itens 11 e 12).

A experiência demonstra que, entre os que não aproveitam os bons conselhos que recebem dos bons Espíritos, as comunicações, após trazerem alguns clarões da verdade durante certo tempo, degeneram, pouco a pouco, e terminam caindo no erro, no palavreado sem muito sentido e no ridículo, sinais indiscutíveis do afastamento dos bons Espíritos.

Obter a assistência dos bons Espíritos e despojar-se dos Espíritos levianos e mentirosos, esse deve ser o objetivo dos esforços constantes de todos os médiuns sérios. Sem isso, a mediunidade será uma faculdade estéril que pode mesmo tornar-se em prejuízo daquele a quem foi concedida, porque ela pode degenerar em uma obsessão perigosa.

O médium que compreende o seu dever, ao invés de orgulhar-se de uma faculdade que não lhe pertence, desde que lhe pode ser retirada, atribui a Deus as boas coisas que obtém através dela. Se as mensagens que recebe merecem elogios, que o médium não se envaideça com isso, porque ele sabe que essas comunicações não dependem de suas qualidades pessoais. Antes, agradeça a Deus por ter permitido que bons Espíritos viessem se manifestar através dele. Se as mensagens que transmite são passivas de crítica, que o médium não se ofenda, porque a comunicação não é obra de seu próprio espírito. Antes reconheça não ter sido um bom intermediário e que não possui todas as qualidades necessárias para impedir a intromissão dos Espíritos

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CAPÍTULO XXVIII

maldosos. Eis por que esse médium deve tratar de adquirir as qualidades que lhes faltam e pedir, em prece, a força moral que lhe falta para atrair os bons Espíritos.

10. Prece — Deus Todo-Poderoso, permiti que os bons Espíritos me assistam na comunicação que eu solicito. Preservai-me da presunção de me julgar livre dos Espíritos sofredores; do orgulho que me induza a enganar-me sobre o valor do que eu obtenha, e de todo sentimento contrário à caridade para com os outros médiuns.

Se eu for induzido ao erro, inspirai a alguém a ideia de me alertar sobre o erro e inspirai a mim a humildade que me faça aceitar a crítica com gratidão e aceitar para mim mesmo, e não para os outros, os conselhos que os bons Espíritos transmitirem por meu intermédio.

Se eu me sentir tentado a enganar, seja no que for, ou se me envaidecer da faculdade mediúnica que vos agradou conceder-me, eu vos peço que a retireis de mim, o que é preferível a vê-la desviada de sua fi nalidade providencial, que é a do bem de todos e da minha própria evolução moral.

II - PRECES PELA PRÓPRIA PESSOA QUE ORA

AOS ESPÍRITOS PROTETORES E AOS MENTORES ESPIRITUAIS

11. Prefácio. Todos nós temos um bom Espírito que está ligado a nós desde o nosso nascimento e que nos tomou sob a sua guarda e proteção. Ele desempenha, junto de nós, a missão de um pai diante de um seu fi lho, que é a de induzir-nos ao caminho do bem e da evolução moral através das provas da vida. Ele se sente feliz quando nós correspondemos aos seus cuidados e sofre quando nos vê cair em erros.

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O nome dele pouco importa, porque pode ocorrer que ele não tenha um nome que nos seja de alguém conhecido na Terra. Poderemos invocá-lo, então, como nosso Espírito Protetor, nosso bom gênio. Poderemos mesmo invocá-lo sob o nome de um Espírito Superior, pelo qual sintamos simpatia.

Além de nosso Espírito Protetor, que é sempre um Espírito superior a nós mesmos, temos os mentores Espirituais que, por serem de categoria menos elevada, não são menos bons e benevolentes. Os Mentores Espirituais são parentes ou amigos ou, algumas vezes, são pessoas que conhecemos em reencarnações anteriores. Eles nos amparam com os seus conselhos e, com frequência, com a sua intervenção nos acontecimentos de nossa vida.

Os Espíritos familiares são aqueles que se ligam a nós pela afi nidade de gostos e de pendores. Os Espíritos familiares podem ser bons ou maldosos, segundo a natureza de nossas inclinações, as quais serviram como foco de atração deles para nós.

Os Espíritos infelizes se esforçam para nos desviar do campo do bem, sugerindo-nos pensamentos infelizes. Aproveitam-se de todas as nossas fraquezas morais para acentuá-las, como de muitas outras tantas portas abertas, que lhes dão entrada em nossa intimidade. Há, entre eles, alguns que se imantam a nós como parasitas em plantas, mas que se afastam quando reconhecem a sua falta de força para lutar contra a nossa vontade decidida de manter-nos no campo do bem.

Deus nos deu um orientador principal e superior em nosso Espírito Protetor. Como orientadores complementares, Deus nos concedeu os Mentores Espirituais e os Espíritos familiares. É, porém, um erro julgarmos que Deus nos tenha dado um Espírito maldoso para que vivamos no clima do bem e do mal, entre as boas e as más infl uências espirituais.

Os Espíritos maldosos que nos procuram, para realizar os seus objetivos pessoais e infelizes, são atraídos pelas nossas próprias fraquezas morais ou pela nossa desatenção em seguir as

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CAPÍTULO XXVIII

inspirações dos bons Espíritos. Isso é que lhes dá os meios de dominar ou infl uir sobre a nossa vontade. Somos nós mesmos, portanto, que os atraímos. Por consequência desse fato, devemos saber que jamais estaremos sem o amparo dos bons Espíritos e que é de nós que dependerá o distanciamento dos Espíritos maldosos.

Pelas suas imperfeições morais, o homem é o principal criador de seus próprios sofrimentos e é, quase sempre, ele mesmo o espírito que o perturba (Cap. V, item 4).

A prece aos Espíritos Protetores e aos Mentores Espirituais deve ter por fi nalidade solicitar a intercessão deles junto de Deus, pedindo-lhes as forças que nos são necessárias para resistir às más sugestões e para que nos amparem nas necessidades da vida.

12. PRECE — Espíritos sábios e benevolentes, mensageiros de Deus, cuja missão é amparar os homens e conduzi-los ao bom caminho, sustentai-me nas provações desta vida. Dai-me a força de suportá-las, sem queixas. Desviai de mim os maus pensamentos e fazei que eu não dê acesso a nenhum dos Espíritos maldosos que tentariam induzir-me ao mal. Esclarecei a minha consciência sobre os meus próprios defeitos. Tirai-me de sobre meus olhos o véu do orgulho que poderia impedir-me de perceber os meus erros e meu orgulho e de admiti-los em mim mesmo.

Vós, sobretudo, .......... (diz o nome dado ao Espírito Protetor), meu Espírito Protetor, que mais particularmente cuidais de mim, e vós outros, Espíritos amigos que vos interessais por mim, fazei que eu me torne digno de vossa benevolência. Vós conheceis minhas necessidades espirituais e que elas sejam atendidas, segundo a vontade de Deus.

13. PRECE (outra) — Meu Deus, permiti que os bons Espíritos que me cercam venham ajudar-me, quando eu me achar em sofrimento e que me amparem se eu desfalecer. Fazei, Senhor, que eles me inspirem a fé, a esperança e a caridade. Que eles sejam para mim um apoio, uma esperança e uma demonstração da vossa misericórdia. Fazei, enfi m, que eu neles encontre a força que me

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faltar nas provas da vida e, para resistir as sugestões do mal, que eu encontre neles a fé que salva e o amor que consola.

14. PRECE (outra) — Espíritos bem-amados, Espíritos Protetores, vós a quem Deus, na infi nita misericórdia, permite velarem pelos homens, sede o nosso amparo nas provas da vida terrena. Dai-nos a força, a coragem e a resignação. Inspirai-nos com tudo o que é bom, freando-nos na descida para o mal. Que a vossa doce infl uência nos penetre na alma. Fazei que sintamos que um amigo devotado está ao nosso lado, que vê os nossos sofrimentos e que participa de nossas alegrias.

E vós, meu bom Espírito Protetor, não me abandoneis nunca. Eu necessito de toda a vossa proteção para suportar com fé e amor as provas que a Justiça Divina me enviar.

PARA AFASTAR OS ESPÍRITOS MALFAZEJOS

15. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas que trazem o interior cheio de rapina e de iniquidade. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fi que limpo. Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados que, por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundície. Assim vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocrisia e de iniquidade (Mateus, Capítulo XIII, versículos 25 a 28).

16. Prefácio. Os Espíritos maldosos somente estão onde possam encontrar a satisfação de suas maldades. Para distanciá-los de sua vida, não basta pedir, nem mesmo ordenar que se afastem. É necessário eliminar em você mesmo aquilo que os atrai. Os Espíritos maldosos pressentem as chagas da alma, como as moscas pressentem as chagas do corpo. Assim como você limpa o corpo para evitar infecções, limpe também a sua alma de todas as impurezas morais, para evitar a infl uência dos

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CAPÍTULO XXVIII

Espíritos maldosos. Como vivemos num mundo onde existem muitos Espíritos desequilibrados moralmente, as boas qualidades do coração nem sempre bastam para resguardar-nos de suas tentativas de dominar-nos, mas essas qualidades são a força para resistir às infl uências doentias.

17. PRECE — Em nome de Deus Todo-Poderoso, convido a que os Espíritos infelizes se afastem de mim, e que os bons Espíritos me sirvam de resguardo contra eles!

Espíritos malfazejos, que inspirais maus pensamentos aos homens; Espíritos enganadores e mentirosos, que os enganais; Espíritos zombeteiros, que vos divertis com a credulidade dos homens, eu vos convido a afastar-vos com todas as forças morais de minha alma e fecho meus ouvidos às vossas sugestões infelizes, mas imploro por vós a misericórdia de Deus.

Bons Espíritos que me assistis, dai-me força de resistir à infl uência menos feliz desses Espíritos malfazejos e dai-me as luzes necessárias para eu não cair em suas intrigas. Preservai-me do orgulho e da presunção. Afastai de meu coração o ciúme, o ódio, a maldade e todo sentimento contrário à caridade, que são outras tantas portas abertas para a infl uência do espírito do mal.

PARA CORRIGIR UM ERRO

18. Prefácio. As nossas más tendências são uma consequência da nossa própria imperfeição moral, e não do nosso organismo físico. Se assim não fosse, o homem não teria nenhuma espécie de responsabilidade por seus erros pessoais. A nossa evolução espiri-tual, por isso, depende de nós mesmos, uma vez que todo homem que se acha na posse de suas faculdades morais tem, perante todos os acontecimentos, a liberdade de fazer ou não fazer o bem. Para fazer o bem só lhe falta a vontade de fazê-lo (Cap. XV, item 10; Cap. XIX, item 12).

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19. PRECE — Destes-me, ó meu Deus, a inteligência necessária para discernir o que é bem e o que é mal. Assim, a partir do momento em que reconheço que uma coisa é má, eu sou culpado se não me esforçar para resistir de praticá-la.

Preservai-me do orgulho que poderia impedir-me de ver os meus próprios erros e dos Espíritos malfazejos que poderiam induzir-me a perseverar nos meus defeitos pessoais.

Entre as minhas imperfeições, eu reconheço que eu sou particularmente inclinado a .......... (diz a principal má inclinação que compromete a sua vida moral) e se não resisto ao seu arrastamento é por causa do costume que adquiri de a ela me deixar arrastar.

Vós não me criastes para o erro, porque sois justo, mas me criastes com igual aptidão para o bem e para o mal. Se eu preferi o mau caminho, foi por efeito de meu livre-arbítrio. Mas, se pelo livre-arbítrio eu tive a liberdade de fazer o mal, pelo próprio livre-arbítrio tenho a liberdade de fazer o bem e, por efeito do bem que eu faça, poderei mudar do caminho do mal para o campo do bem.

Meus atuais defeitos são o que resta das imperfeições espirituais que conservo de reencarnações anteriores. São elas os pecados que se originam de mim mesmo e dos quais posso libertar-me por um esforço decidido de minha vontade e com o amparo dos bons Espíritos.

Bons Espíritos que me protegeis, e principalmente vós, meu Espírito Protetor, dai-me a força de resistir às más sugestões e para sair vitorioso da luta que travo comigo mesmo.

Os defeitos são abismos que nos separam de Deus e cada defeito que eu supere é uma ponte que construo para aproximar-me do Criador.

O Senhor, na sua infi nita misericórdia, concedeu-me a reencarnação atual para que dela me sirva, a fi m de evoluir moralmente. Bons Espíritos, ajudai-me a aproveitar esta reencarnação, para que eu não perca esta nova oportunidade de regeneração e para que, quando o Senhor dela me retirar, eu possa sair melhor do que quando aqui cheguei (Cap. V, item 5 e Cap. XVII, item 3).

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CAPÍTULO XXVIII

PARA RESISTIR A UMA TENTAÇÃO

20. Prefácio. Todo mau pensamento pode ter duas fontes de origem: a própria imperfeição de nossa alma ou uma prejudicial infl uência que se exerce sobre a nossa vida íntima. Neste último caso, há sempre o indício de uma fraqueza moral que nos torna sujeitos a recolher essa infl uência perniciosa e, por consequência, também é o indício de nossas imperfeições. Por isso é que, aquele que praticar um erro, não deverá desculpar-se querendo atribuí-lo à infl uência de um Espírito estranho, porque esse Espírito não poderia arrastá-lo ao mal, se o julgasse inacessível à sedução.

Quando um mau pensamento surge em nós, poderemos supor que ele represente a presença de um Espírito malfazejo a solicitar-nos para o mal, ao qual nós somos livres para ceder ou resistir, como se estivéssemos diante de sugestões de uma pessoa encarnada. Devemos, portanto, ao mesmo tempo em que supomos a presença desse Espírito, supor também a presença de nosso Espírito Protetor que, por sua vez, combate em nós a má infl uência e espera com ansiedade a decisão que vamos tomar.

A nossa hesitação em praticar o mal é a voz do bom Espírito que se faz ouvir pela voz de nossa consciência.

Reconhece-se que um pensamento é mau, quando ele nos afasta da caridade, que está na base de toda verdadeira moral. É, também, mau todo pensamento que possa ocasionar algum dano para as outras pessoas. É mau o pensamento, fi nalmente, quando ele nos induz a fazer aos outros o que não quereríamos que os outros nos fi zessem (Cap. XXVIII, Item 15 e Cap. XV, item 10).

21. PRECE — Deus Todo-Poderoso, não me deixeis cair na tentação que me impele ao erro moral. Espíritos benevolentes, que me protegeis, afastai de mim este mau pensamento e dai-me força de resistir às sugestões do mal. Se eu sucumbir a essas tentações, merecerei a expiação de meu erro nesta vida e na outra, porque eu tenho a liberdade de escolher entre fazer o mal e fazer o bem.

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NA VITÓRIA SOBRE UMA TENTAÇÃO

22. Prefácio. Aquele que resistiu a uma tentação, deve esse fato à assistência dos bons Espíritos, a cuja voz escutou. Ele, portanto, deve agradecer a Deus e a seu Espírito Protetor.

23. PRECE — Meu Deus, eu vos agradeço de me haverdes permitido de sair vitorioso nesta luta que tive que sustentar contra os arrastamentos do mal. Fazei que esta vitória me dê forças para resistir a novas tentações.

E a vós, meu Espírito Protetor, eu vos agradeço o amparo que me haveis dado. Possa a minha submissão aos vossos conselhos me fazer credor de vossa proteção!

PARA PEDIR CONSELHOS

24. Prefácio. Quando estamos indecisos em fazer ou deixar de fazer alguma coisa, devemos, antes de tudo, propor a nós mesmos as seguintes questões:

1) A coisa que eu hesito fazer, pode ser prejudicial a qualquer outra pessoa?

2) Essa coisa poderá ser proveitosa para alguém?3) Se alguém fi zesse essa coisa comigo, eu fi caria satisfeito?Se o que temos de fazer só interessa a nós mesmos, é-nos

permitido pesar as vantagens e desvantagens e os inconvenientes pessoais que daí resultariam.

Se interessa a outras pessoas, e se fi zer o bem a um e o mal a outro, é igualmente necessário pesar a soma de bem e a soma do mal para abster-nos de fazê-la, ou, então, para fazê-la.

Afi nal, mesmo para as melhores coisas, é necessário que consideremos a oportunidade de fazê-la e as circunstâncias complementares. É que uma coisa boa, em si mesma, pode dar maus resultados em mãos não habilitadas para realizá-la e se não

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CAPÍTULO XXVIII

se conduzir com prudência e com um exame demorado. Antes de empreendê-la, convém consultar friamente as próprias forças e os seus meios de execução.

Em todos os casos, pode-se sempre pedir o amparo de seus Espíritos Protetores, lembrando-se deste sábio conselho: Na dúvida, abstenha-se (Cap. XXVIII, item 38).

25. PRECE — Em nome de Deus Todo-Poderoso, bons Espíritos que me protegem, inspirai-me a melhor decisão a tomar, na incerteza em que me encontro. Dirigi o meu pensamento para o bem e desviai a infl uência daqueles que tentarem me desviar do bom caminho.

NAS AFLIÇÕES DA VIDA

26. Prefácio. Podemos pedir a Deus benefícios materiais. E Deus pode atender-nos naqueles que tenham um fi m útil e sério. Mas como julgamos as utilidades das coisas dentro de uma visão acanhada e imediatista, e só vemos o momento presente, nem sempre vemos o lado mau daquilo que desejamos. Deus, que vê mais do que nós, e que só vê o nosso bem espiritual, pode recusar o que peçamos, como um bom pai recusa ao fi lho o que lhe poderia ser prejudicial. Se aquilo que pedimos não nos é concedido, não devemos por isso entregar-nos ao desânimo. Devemos pensar, pelo contrário, que a privação do que desejamos nos é imposta como prova ou como expiação, e que a nossa recompensa será proporcional à resignação com que a houvermos suportado (Cap. XXVII, item 6 e Cap. II, itens 5, 6 e 7).

27. PRECE — Deus Todo-Poderoso, que vedes os nossos sofrimentos, dignai-vos ouvir, favoravelmente, a súplica que vos dirijo neste momento. Se meu pedido é inconveniente, perdoai-me. Se ele é justo e útil aos vossos olhos, que os bons Espíritos que executam os vossos desígnios me venham em ajuda para a sua realização.

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

Como quer que seja, meu Deus, que se faça a vossa vontade e não a minha. Se os meus desejos não forem atendidos, é que está em vossos desígnios o querer experimentar-me e eu a eles me submeto sem queixar-me. Fazei que de modo algum eu me desanime e que nem a minha fé, nem a minha resignação sejam abaladas.

(apresentar o que queira pedir)

FAVOR OBTIDO

28. Prefácio. Não se deve considerar somente como sucessos felizes os acontecimentos de grande importância. Os fatos de aparência pequena são, muitas vezes, aqueles que têm mais infl uência sobre o nosso destino. O homem esquece facilmente o bem e se lembra, de preferência, do mal que o afl ige. Se anotássemos, todos os dias, os benefícios que recebemos, sem havê-los pedido, fi caríamos muitas vezes admirados de ter recebido tantos que nem constam mais de nossa memória. E, pelo esquecimento, nos sentiríamos humilhados com a nossa ingratidão para com a Providência Divina.

Cada noite, ao elevar a nossa alma a Deus, devemos recordar em nosso íntimo, os favores que nos foram concedidos durante o dia e agradecê-los.

É, sobretudo, no momento mesmo em que experimentamos os efeitos da bondade e da proteção divinas que, num ato espontâneo, devemos Lhe demonstrar a nossa gratidão. Basta, para isso, que Lhe ergamos um pensamento, atribuindo-Lhe o benefício, sem que nos seja necessário interromper o nosso trabalho.

Os benefícios vindos de Deus não consistem apenas em coisas materiais. Devemos agradecer-Lhe, também, as boas ideias, as inspirações felizes que nos foram sugeridas. Enquanto o orgulhoso tudo atribui às suas próprias qualidades e o incrédulo as atribui ao acaso, aquele que tem fé rende graças a Deus e aos bons Espíritos pelo que recebeu. Para isso, são inúteis as grandes frases.

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CAPÍTULO XXVIII

“Obrigado, meu Deus, pelo bom pensamento que me inspirastes”, fala mais que muitas palavras. O impulso espontâneo, que nos leva atribuir a Deus tudo o que nos sucede de bom, revela em nós mesmos um hábito de reconhecimento e de humildade, que nos traz a simpatia dos bons Espíritos (Cap. XXVII, itens 7 e 8).

29. PRECE — Deus infi nitamente bom, que o vosso nome seja bendito pelos benefícios que me haveis concedido. Eu seria indigno se os atribuísse ao acaso dos acontecimentos ou a meus próprios méritos. Bons Espíritos que fostes os executores da vontade de Deus, e vós, sobretudo, meu Espírito Protetor, aceitai meus agradecimentos. Afastai de mim a ideia de orgulhar-me do que recebi e de não fazer dessa concessão um uso que não seja para o bem.

Agradeço-vos, em particular .......... (citar o benefício recebido).

SUBMISSÃO E RESIGNAÇÃO

30. Prefácio. Quando uma afl ição nos chega, se lhe procurarmos a causa vamos encontrá-la, quase sempre, em nossa imprudência ou em nossa imprevidência ou numa ação anterior que desencadeou a consequência infeliz. Em qualquer desses casos, só de nós mesmos teremos de nos queixar. Se a causa de um infortúnio não se origina de um nosso ato atual, trata-se, por certo, de uma prova para esta existência, ou será a expiação por atos de existências passadas. E, neste último caso, a natureza da expiação nos permitirá conhecer a natureza do erro praticado. É que nós sempre sofremos aquilo que fi zemos os outros sofrerem (Cap. V, itens 4, 6 e seguintes).

No que nos afl ige, vemos em geral apenas o mal presente e não os efeitos favoráveis futuros que nos poderão vir daí. O bem é, muitas vezes, a consequência de um mal passageiro, como a cura de uma enfermidade é o resultado dos meios dolorosos que foram empregados para alcançá-la. Em todos os casos de afl ição, devemos nos resignar aos desígnios de Deus, suportando com resignação as atribulações da vida, se quisermos aproveitá-las para

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

a nossa regeneração. É a nós que se aplicam estas palavras do Cristo: “Bem-aventurados os que sofrem.” (Cap. V, item 18).

31. PRECE — Meu Deus, vós sois soberanamente justo. Todo sofrimento neste mundo deve, portanto, ter uma causa justa e uma utilidade igualmente justa. Aceito a afl ição que eu estou sofrendo como uma expiação de meus erros passados e como uma prova para o meu futuro espiritual.

Bons Espíritos que me protegem, dai-me forças para suportar as afl ições sem queixas. Fazei que elas sejam, para mim, um aviso salutar. Que elas se somem com as minhas experiências anteriores. Que elas abatam o meu orgulho, a minha ambição, a minha tola vaidade e o meu egoísmo, e que contribuam, assim, para a minha evolução moral.

32. PRECE (outra) — Eu sinto, ó meu Deus, a necessidade de vos pedir que me deis força para suportar as provações a que me submeteis. Permiti que a luz se faça intensamente viva em minha alma, a fi m de que eu possa valorizar toda a grandeza do vosso amor que me permite a afl ição, por querer salvar-me do mal. Eu me submeto com resignação, ó meu Deus, mas, como criatura fraca e falível, se não me amparardes, temo sucumbir. Não me abandoneis, Senhor, porque sem vós eu nada posso.

33. PRECE (outra) — Eu elevei o meu olhar para Ti, ó Eterno, e me senti fortalecido. Tu és minha força, não me abandones jamais. Ó meu Deus! Sinto-me esmagado sob o peso de minhas injustiças! Ajuda-me! Tu conheces a fraqueza de minha carne e não desvies de mim o teu olhar!

Eu sou devorado por urna sede ardente. Faz brotar a fonte da água viva e me dessedentarei. Que a minha boca se abra para te cantar louvores e não para queixar-me das afl ições de minha vida. Sou fraco moralmente, Senhor, mas teu amor me sustentará.

Ó Eterno! Só tu és grande, só tu és o motivo e a fi nalidade de minha vida. Bendito seja o teu nome, se me fazes sofrer, pois tu és o

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CAPÍTULO XXVIII

Senhor e eu o teu servidor infi el. Curvarei a fronte e sem me queixar, porque só tu és grande, só tu és a meta de nossas vidas!

DIANTE DE UM PERIGO

34. Prefácio. Pelos perigos que corremos, Deus nos alerta sobre a fraqueza e a fragilidade de nossa existência. Ele nos mostra que nossa vida está nas mãos d’Ele e que essa vida se acha ligada por um fi o que se pode romper a qualquer hora, num momento que menos esperarmos. Sob esse aspecto, não existe privilégio para ninguém. Os poderosos e os pequenos estão submetidos às mesmas leis divinas.

Se examinarmos a natureza e as consequências do perigo que nos ameaça, veremos que, muitas vezes, essas consequências, caso se verifi cassem, seriam os efeitos de erros praticados ou de um dever não cumprido.

35. PRECE — Deus Todo-Poderoso, e vós, meu Espírito Protetor, socorrei-me! Se devo sucumbir, que se faça a vontade de Deus. Se for salvo, que no restante de minha vida eu repare o mal que eu fi z e do qual me arrependo.

POR ESCAPAR DE UM PERIGO

36. Prefácio. Pelo perigo que tenhamos corrido, Deus nos revela que, de um momento para outro, podemos ser chamados a prestar contas à Justiça Divina sobre o emprego que demos para a nossa vida. Avisa-nos, assim, que devemos examinar a nós mesmos e emendar-nos, corrigindo os nossos erros e reparando os males que tenhamos praticado.

37. PRECE — Meu Deus, e vós, meu Espírito Protetor, eu vos agradeço o socorro que me enviastes no perigo que me ameaçou. Que esse perigo me seja um aviso e que me esclareça sobre os erros que

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

o atraíram para meu caminho. Compreendo, Senhor, que a minha vida está em vossas mãos e que podeis retirá-la quando quiserdes. Inspirai-me, através dos bons Espíritos que me assistem, a ideia de empregar de modo útil o tempo que me concedestes de vida neste mundo.

Meu Espírito Protetor, sustentai-me na decisão que tomo de reparar os meus erros e de fazer todo o bem que estiver ao meu alcance, a fi m de chegar com menos imperfeições no mundo dos espíritos, quando Deus quiser me chamar desta existência.

AO DEITAR PARA DORMIR

38. Prefácio. O sono é feito para o repouso do corpo. O Espírito, porém, não tem necessidade de repousar. Enquanto os sentidos físicos entram em dormência, a alma se libera parcialmente do invólucro corporal e desperta as faculdades do Espírito. O sono foi dado ao homem para a reposição das energias orgânicas e, também, para retemperar as forças morais. Enquanto o corpo se recupera dos elementos desgastados pela atividade da vigília, o Espírito se vai retemperar entre os outros Espíritos. É, então, que ele haure no que vê, no que ouve e nos conselhos que lhe são dados, as ideias que, ao despertar, lhe ocorrem na forma de intuição. Esse é o retorno temporário do exilado para a sua verdadeira pátria, o mundo dos espíritos. Esse é o prisioneiro momentaneamente restituído à liberdade.

Mas acontece, como se dá com o condenado reincidente nos erros, que o Espírito nem sempre aproveita o momento de liberdade para a sua evolução. Se ele conserva inclinações más, ao invés de buscar a companhia dos bons Espíritos, ele busca a companhia dos seus iguais e vai visitar os lugares onde ele pode liberar as suas más paixões.

Aquele que se acha compenetrado desta verdade, eleve seu pensamento a Deus, no momento em que sente a aproximação do sono. Solicite os conselhos dos bons Espíritos e de todos

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CAPÍTULO XXVIII

aqueles Espíritos que sejam caros ao seu coração, a fi m de que venham encontrar-se com ele, nos curtos instantes em que ele estiver desperto na Espiritualidade. E, assim, ao despertar, ele se sentirá fortalecido contra o mal, mais corajoso para enfrentar as adversidades da existência.

39. PRECE — Eu vou estar, em Espírito, por alguns instantes entre outros Espíritos. Que aqueles que são bons venham me ajudar com os seus conselhos. Meu Espírito Protetor, fazei que, ao acordar, eu possa conservar uma impressão durável e salutar desse encontro.

PREVENDO A MORTE

40. Prefácio. A fé no futuro espiritual, a elevação do pensamento a Deus durante a vida, na direção dos destinos superiores da alma, ajudam a liberação do Espírito, afrouxando o laço fl uídico que o retém no corpo físico. É muito frequente que a vida corporal ainda não se extinguiu de todo e a alma, impaciente, já o abandona e parte na direção do Infi nito.

No homem que, pelo contrário, concentra todos os seus pensamentos sobre as coisas e valores do mundo material, o laço fl uídico que o retém no corpo físico é muito forte e a separação do corpo é sofrida e dolorosa, seguida de um despertar no além-túmulo repleto de perturbação e ansiedade.

41. PRECE — Meu Deus, eu creio em vós e na vossa bondade infi nita. Eis porque não creio que haveis concedido ao homem a inteligência de vos conhecer e a aspiração na direção do futuro, para depois mergulhá-lo no nada.

Eu creio que meu corpo não é mais que um envoltório perecível de minha alma e que, quando o corpo tenha deixado de viver, despertarei no mundo espiritual.

Deus Todo-Poderoso, sinto que se rompem os laços que me unem a meu corpo físico e bem logo eu prestarei contas à Justiça Divina da vida que levei e de tudo o que fi z e que deixei de fazer.

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

Vou experimentar as consequências do bem e do mal que pratiquei. No mundo espiritual não haverá mais ilusões, nem mais desculpismos possíveis. Todo o meu passado se erguerá diante de mim e a minha consciência me julgará segundo as minhas obras.

Não levarei nenhum dos bens da Terra. Honrarias, riquezas, satisfações da vaidade e do orgulho, tudo, enfi m, que se refere à vida do corpo permanecerá neste mundo. Nem a menor parcela de tudo o que eu possuía me valerá e nem será de utilidade no Mundo Espiritual. Só levarei comigo o que pertence à alma, ou seja, só levarei as boas e as más qualidades que serão pesadas pela Justiça Divina, no campo de minha própria consciência. Serei cobrado, com tanto mais severidade, quanto mais a minha posição na existência me favoreceu com oportunidades de fazer o bem e que eu não o fi z (Cap. XVI, item 9).

Deus de misericórdia, que o meu arrependimento suba até vós! Dignai-vos estender sobre mim a vossa indulgência.

Se for de vossos desígnios alongar a minha existência, que o tempo que me restar seja empregado em reparar, quanto me seja possível, o mal que eu tenha feito! Se minha hora chegou, sem mais outras oportunidades, que eu leve comigo a ideia consoladora de que me será permitido resgatar meus erros através de novas provas, a fi m de que eu possa conquistar um dia a felicidade dos eleitos.

Se não me é permitido gozar imediatamente dessa felicidade sem manchas de sofrimentos, de que só participam os verdadeiramente justos, eu sei que a esperança de tê-la não me é proibida para sempre. Pelo trabalho alcançarei essa meta, mais cedo ou mais tarde, de acordo com a minha dedicação ao campo do bem.

Sei que os bons Espíritos, e meu Espírito Protetor, estão perto de mim e me receberão no mundo espiritual. Em breve os verei, como eles me veem. Sei que reencontrarei aqueles a quem amei na Terra, se eu o merecer, e que aqueles que aqui deixo, irão juntar-se a mim e para sempre estaremos juntos. E sei que, enquanto esperar por esse momento de união, poderei vir visitá-los neste mundo.

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CAPÍTULO XXVIII

Sei, também, que vou rever aqueles a quem ofendi. Possam eles me perdoar o que lhes fi z. Meu orgulho, minha dureza, minhas injustiças, que sejam esquecidas, para que a minha vergonha não me abata na presença deles.

Perdôo aos que me tenham feito ou tenham querido fazer o mal na Terra. Eu não levo nenhum ódio contra eles e peço a Deus que os perdoe.

Senhor, dai-me a força de deixar sem pena as alegrias grosseiras deste mundo, que nada são diante das alegrias puras do mundo em que vou entrar!

Nesse mundo espiritual, para os justos não há mais tormentos, nem mais sofrimentos, nem mais misérias. Nesse mundo, somente o culpado sofre, mas para ele resta o consolo da esperança de redenção e vida nova.

Bons Espíritos, e vós, meu Espírito Protetor, não me deixeis falir neste momento supremo! Fazei brilhar, diante de meus olhos, a Divina Luz, a fi m de que se reanime a minha fé, se a minha fé vacilar.

III - PRECES PELOS ENCARNADOS

POR QUEM ESTÁ AFLITO

42. Prefácio. Se é benéfi co espiritualmente para o afl ito que as provações sigam o seu curso, elas não serão abreviadas com o nosso pedido. Mas será um ato de impiedade perdermos o ânimo pela prece a seu favor, tão-somente porque o nosso pedido não seja atendido por inteiro. Lembremos que se a provação não for interrompida, o afl ito poderá obter uma consolação que lhe abrande as amarguras. O que é verdadeiramente útil, para quem está em afl ição, é a coragem e a resignação, sem as quais as lições

Nota – Ver adiante, no subcapítulo V: “Preces pelos doentes e pelos obsidiados.”

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de vida que ele recebe não serão apreendidas e ele será obrigado a passar novamente por elas.

É nessa direção, portanto, que devemos encaminhar os nossos esforços, quer pedindo aos bons Espíritos que o ajudem, quer levantando o ânimo do afl ito através de nossos conselhos e encorajamento, quer, enfi m, dando-lhe assistência material, se isso for necessário e possível. A prece, neste caso, pode ter ainda um outro efeito direto, por envolver a pessoa por quem se ora num clima fl uídico que lhe fortalece o ânimo (Cap. V, itens 5 e 27; Cap. XXVII, itens 6 e 10).

43. PRECE — Meu Deus, de infi nita bondade, dignai-vos suavizar o sofrimento de .......... (diz o nome da pessoa por quem se ora), se assim for de vossa vontade.

Bons Espíritos, em nome de Deus Todo-Poderoso, eu vos suplico para ampará-lo em suas afl ições. Se, para o seu benefício espiritual, essas provas não possam ser diminuídas, fazei-lhe compreender que elas lhe são necessárias para a sua evolução espiritual. Dai-lhe, então, a confi ança em Deus e no futuro, o que tornará essas provas menos amargosas. Dai-lhe, assim, a energia espiritual para não cair no desespero, o que o faria perder o fruto de seus sofrimentos e tornaria a sua situação futura ainda mais dolorosa. Envolvei-o no meu pensamento de ânimo e de fraternidade e que, assim, eu possa ajudá-lo a sustentar a coragem de que necessita para esta hora de afl ição.

AGRADECENDO POR BENEFÍCIOS CONCEDIDOS A OUTRA PESSOA

44. Prefácio. Quem não se encontra dominado pelo egoísmo, alegra-se com o bem que benefi cia a seu próximo, mesmo que ele não o tenha solicitado pela prece.

45. PRECE — Meu Deus, sejais bendito pela felicidade concedida a .......... (diz o nome de quem recebeu o benefício).

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CAPÍTULO XXVIII

Bons Espíritos, fazei que ele veja nesse benefício um efeito da bondade de Deus. Se o bem que lhe é concedido é uma prova, inspirai-lhe a ideia de bem aplicá-lo e de não se envaidecer, a fi m de que esse bem não se transforme em prejuízo espiritual para o seu futuro. Vós, meu bom Espírito que me protegeis e que desejais a minha felicidade, afastai de meu pensamento todo sentimento de inveja e de ciúmes.

PARA OS INIMIGOS E AOS QUE NOS QUEREM MAL

46. Prefácio. Jesus disse: Amai os vossos próprios inimigos. Esta máxima é sublimação da caridade cristã. Mas, por ela, Jesus não queria dizer que devemos ter pelos nossos inimigos a mesma ternura que temos pelos nossos amigos. Ele nos diz, por essas palavras, para esquecer as ofensas, para perdoá-los do mal que nos tenham feito, para retribuir o mal com o bem. Além do merecimento que o amor aos inimigos tem aos olhos de Deus, ele serve para mostrar aos olhos dos homens o que é a verdadeira superioridade espiritual (Cap. XII, itens 3 e 4).

47. PRECE — Meu Deus, eu perdôo a .......... (diz o nome do ofensor), o mal que ele me fez e aquele que ele venha a fazer-me, como eu desejo que me perdoeis e que ele, por sua vez, me perdoe as faltas que eu tenha cometido. Se o pusestes em meu caminho como prova, que seja feita a vossa vontade.

Afastai de mim, ó meu Deus, a ideia de maldizê-lo e todo desejo malévolo meu contra ele. Fazei que eu não me alegre com os males que possam atingi-lo e nem qualquer pesar pelos bens que lhe sejam concedidos, a fi m de eu não macular a minha alma com pensamentos indignos de um cristão.

Que possa a vossa bondade, Senhor, estender-se sobre ele e induzi-lo a ter melhores sentimentos para comigo!

Bons Espíritos, inspirai-me o esquecimento do mal e a lembrança do bem. Que nem o ódio, nem o rancor, nem o desejo de lhe retribuir o mal com o mal, não se abriguem em meu coração. O

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ódio e a vingança são próprios unicamente dos Espíritos malevolentes, encarnados e desencarnados! Que eu esteja pronto, pelo contrário, a lhe estender a mão fraternal, a lhe retribuir o mal com o bem e a ir-lhe em ajuda, se isso estiver ao meu alcance.

Eu desejo, para mostrar a sinceridade de minhas palavras, que se me apresente uma oportunidade de ser-lhe útil. Mas, acima de tudo, ó meu Deus, preservai-me de agir por orgulho ou ostentação, abatendo-o com uma generosidade humilhante. Isso me fará perder o fruto de minha ação fraternal. Neste caso, eu mereceria que me fosse aplicada esta palavra do Cristo: Já recebestes a vossa recompensa. (Cap. XIII, item 1 e seguintes).

AGRADECENDO PELO BEM CONCEDIDO AOS INIMIGOS

48. Prefácio. Não desejar o mal aos seus inimigos é ser caridoso apenas pela metade. A verdadeira caridade quer que lhe desejemos o bem e que sejamos felizes com o bem que lhe seja concedido (Cap. XII, itens 7 e 8).

49. PRECE — Meu Deus, na vossa Justiça decidistes dar alegrias ao coração de .......... (diz o nome do inimigo). Eu vos agradeço por isso, apesar do mal que ele me fez e do que me poderá fazer. Se desse bem ele se aproveitar para humilhar-me, eu aceitarei a humilhação como uma prova para a minha caridade.

Bons Espíritos que me protegeis, não permitais que eu sinta nenhum pesar por isso. Livrai-me da inveja e do ciúme que rebaixam o sentimento fraternal. Inspirai-me, pelo contrário, o sentimento de generosidade que eleva a alma acima das coisas e da Terra. A humilhação está no mal e não no bem, e nós sabemos que, cedo ou tarde, a Justiça será feita a cada um segundo as suas obras.

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CAPÍTULO XXVIII

PELOS INIMIGOS DO ESPIRITISMO

50. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da Justiça, porque deles é o reino dos céus. Bem aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão nos céus, porque assim perseguiram os profetas que vieram antes que vós. (Mateus, capítulo V, versículos 6, 10 a 12).

E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo (Mateus, capítulo X, versículo 28).

51. Prefácio. De todas as liberdades, a mais inviolável é a de pensar, que envolve a liberdade de consciência. Lançar condenação aos que não pensam como nós, é querer essa liberdade de consciência para si e recusá-la para os outros. E, com essa conduta, viola-se o maior mandamento de Jesus: a caridade e o amor ao próximo.

Perseguir os outros pela crença que abraçam é ferir o direito mais sagrado do homem que é o de crer no que mais convém para a sua consciência e de adorar a Deus como lhe pareça melhor. Obrigá-los à prática de atos exteriores que sejam semelhantes aos nossos, é mostrar que damos mais importância à forma externa do culto do que para a essência dos princípios religiosos, mais importância às aparências que à convicção da fé.

A renúncia forçada da crença que se abraça jamais deu uma outra fé a quem quer que seja. Ela não pode produzir mais que homens com falsos sentimentos. É um abuso da força material, que não revela nenhuma verdade. A verdade é senhora de si mesma: ela convence e não persegue, porque não tem necessidade de perseguir para impor-se.

O Espiritismo é uma opinião, uma crença. Sendo mesmo uma religião, por que não teriam os seus adeptos a liberdade de

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COLEÇÃO DE PRECES ESPÍRITAS

se dizerem Espíritas, como os outros têm de se dizerem católicos, judeus ou evangélicos, por serem adeptos desta ou daquela doutrina religiosa, deste ou daquele sistema econômico?

A alternativa proposta para a razão é: ou a crença Espírita é falsa ou ela é verdadeira. Se ela é falsa, cairá por si mesma, porque o erro não sobrevive à verdade quando o seu conhecimento real se faz nas inteligências. Mas se ela é verdadeira, a perseguição não a transformará em crença falsa.

A perseguição é a iniciação de toda ideia nova, grande e justa. Essa perseguição cresce com a grandeza e o valor da ideia. O furor e a cólera de seus inimigos, se equivalem ao temor que ela lhes inspira, por contrariar-lhes os interesses profi ssionais. Pelo mesmo motivo o cristianismo foi perseguido na época de seu evento e o Espiritismo é hoje perseguido, apenas que com a diferença que o cristianismo foi perseguido pelos pagãos, enquanto que o Espiritismo o é pelos cristãos.

O tempo das perseguições sanguinolentas já passou, esta é a verdade. Mas se hoje não matam o corpo, torturam a alma. Ferem-na nos seus sentimentos mais íntimos, nas suas afeições mais caras. As famílias são divididas, jogando-se a mãe contra a fi lha, a mulher contra o marido. E mesmo a agressão física não falta, ferindo-se as necessidades materiais, ao tirarem das pessoas o trabalho que lhes permite o ganha pão, para reduzi-las à fome (Cap. XXIII, itens 9 e seguintes).

Espíritas, não se afl ijam com os golpes que lhes desferem, pois eles revelam que vocês estão com a verdade. Se vocês estivessem com a mentira, eles os deixariam tranquilos e não os agrediriam. Essa é uma prova para a sua fé, porque é pela sua coragem, pela sua resignação, pela sua perseverança que Deus os recolherá entre seus fi éis servidores, os quais já são conhecidos até hoje para dar a cada um a parte que lhes cabe no reino dos céus, segundo as suas obras.

A exemplo dos primeiros cristãos, carreguem com altivez a sua Cruz. Creiam na palavra do Cristo, que disse: “Bem-

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CAPÍTULO XXVIII

aventurados os que sofrem perseguição por amor à Justiça, porque deles é o reino dos céus. Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma”. E Jesus ainda acrescentou: “Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos fazem o mal e orai pelos que vos perseguem”. Mostrem, pois, que vocês são os verdadeiros discípulos do Cristo, e que a doutrina que vocês abraçam é boa, fazendo o que Jesus disse e Ele próprio exemplifi cou.

A perseguição pouco durará.Aguardem, com paciência o dia seguinte das realizações

Espíritas, porque os primeiros sinais desse novo dia já se apresentam na agitação moral que prenuncia a regeneração do homem (Cap. XXIV, item 13 e seguintes).

52. PRECE — Senhor, vós nos dissestes pelos lábios de Jesus, vosso Messias: “Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor à Justiça; perdoai a vossos inimigos; orai pelos que vos perseguem”, e do que Ele mesmo nos deu o exemplo, orando pelos seus algozes.

A exemplo de Jesus, meu Deus, nós imploramos vossa misericórdia para aqueles que desprezam os vossos divinos preceitos, os únicos que podem assegurar a paz neste mundo e no mundo espiritual. Como o Cristo, nós vos dizemos: “Perdoai-lhes, meu Pai, porque eles não sabem o que fazem”.

Dai-nos a força de suportar com paciência e resignação, como provas para a nossa fé e nossa humildade, as zombarias, as injúrias, as calúnias e as perseguições que nos movem.

Livrai-nos de toda ideia de represálias, porque a hora de vossa Justiça chegará para todos e nós a esperaremos, submissos à vossa santa vontade.

POR UMA CRIANÇA QUE NASCE

53. Prefácio. Os Espíritos somente alcançam a perfeição, depois de haverem passado pelas lições da vida física. Os que estão no mundo espiritual próximo da Terra aguardam que

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a Justiça Divina lhes permita retomar um corpo, para terem uma existência que deverá fornecer-lhes os meios de evoluírem. Reencarnados, a evolução se fará, seja pela expiação de seus erros passados mediante as vicissitudes a que estiverem sujeitos por efeitos de suas quedas morais, seja pelo desempenho de uma missão útil aos demais homens. A sua evolução e a sua felicidade futura serão proporcionais ao modo pelo qual empregarem o tempo que deverão passar sobre a Terra.

O encargo de guiar-lhes os primeiros passos, na nova reencarnação, e de encaminhá-los ao campo do bem, está confi ado a seus pais. E os pais responderão diante da Justiça Divina pela maneira que desempenharam esse mandato. É para facilitar-lhes o cumprimento desse encargo que Deus fez do amor paternal e do amor fi lial uma lei da natureza, lei que jamais será violada sem amargosas consequências.

54. PRECE (para ser dita pelos pais) — Espírito que reencarnastes no corpo de nosso fi lho, sede bem-vindo entre todos nós. Deus Todo-Poderoso que o enviastes, sejais bendito.

Este é um depósito divino que nos é confi ado e pelo qual responderemos a todo tempo. Se este fi lho pertence à geração dos bons Espíritos que povoarão a Terra, obrigado, ó meu Deus, por esse favor! Se ele, porém, é uma alma imperfeita, nosso dever é ajudá-lo a evoluir no caminho do bem, pelos nossos bons exemplos. Se ele cair no mal, por falha nossa, seremos responsáveis por isso diante de vós, porque não teremos cumprido com a nossa missão junto dele.

Senhor, amparai-nos em nossa tarefa e dai-nos força e a vontade de realizá-la a contento. Se este fi lho deve ser um motivo de provas para nós, que seja feita a vossa vontade!

Bons Espíritos, que viestes organizar o nascimento desta alma e que deveis acompanhá-la durante esta existência, não a abandoneis. Livrai-a da infl uência dos Espíritos compromissados com o mal. Dai-lhe a força de resistir às tentações e a coragem de sofrer com paciência e resignação as provas que a esperam na Terra (Cap. XIV, item 9).

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CAPÍTULO XXVIII

55. PRECE (outra) — Meu Deus, vós me confi astes o destino de um de vossos Espíritos. Fazei, Senhor, que eu seja digno da tarefa que me concedestes. Concedei-me vossa proteção. Esclarecei a minha compreensão, a fi m de que eu possa discernir, na hora certa, as tendências deste Espírito que devo preparar para a vossa paz.

56. PRECE (outra) — Deus de infi nita bondade, pois já que permitiste ao Espírito que anima esta criança vir novamente sofrer as provas terrenas, destinadas a fazê-lo evoluir, dá-lhe a luz necessária, a fi m de que aprenda a te conhecer, a te adorar. Faz, pela tua onipotência, que esta alma se regenere na fonte divina de teus ensinamentos. Faz que, sob o amparo de seu Espírito Protetor, a sua inteligência cresça, que se desenvolva e que o faça aspirar a se aproximar, mais e mais, de ti. Faz que o Espiritismo seja a luz brilhante que o esclareça diante dos desafi os da vida. Faz que ele saiba, enfi m, apreciar toda a grandiosidade de teu amor, que nos submete a provas para nos purifi car.

Senhor, lança o teu olhar paternal sobre esta família, a que confi aste esta alma! Possa esta família compreender a importância dessa missão e faz germinar nesta criança as boas sementes, até o dia que ela possa buscar, por suas próprias aspirações, elevar-se sozinha para ti.

Digna-te, ó meu Deus, acolher favoravelmente esta humilde prece em nome e pelas qualidades de Jesus que disse: “Deixai venham a mim as crianças, porque o reino dos céus é daqueles que se lhes assemelhem”.

POR UM AGONIZANTE

57. Prefácio. A agonia são os primeiros passos da separação entre a alma e o corpo. Poderemos dizer que, nesse momento, o homem tem um pé nesse mundo e o outro pé no mundo espiritual. Essa transferência de um para o outro mundo é, algumas vezes, penosa para as pessoas que se apegam à matéria e que viveram mais para os bens deste mundo do que para os

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bens do mundo espiritual. Também é penosa para os que tenham a consciência agitada por mágoas e remorsos. Para os que, no entanto, alimentaram os seus pensamentos e os seus atos com a aspiração do Infi nito e se desprenderam dos bens materiais, os laços que os trazem cativos ao corpo físico são mais facilmente desatados. Para estes, os derradeiros momentos não são nada dolorosos. Nestes, a alma se encontra ligada ao corpo por um fi o, enquanto que naqueles outros a alma tem profundas raízes com tudo o que é da Terra. Para qualquer um destes casos, a prece exerce uma infl uência poderosa no processo de separação entre a alma e o corpo (Ver “Prece pelos doentes” e O Céu e o Inferno, 2ª parte, Cap. I, “A Passagem”).

58. PRECE — Deus Onipotente e Misericordioso, aqui está uma alma que deixa o corpo físico para retornar ao mundo espiritual, a sua verdadeira pátria! Que ela possa libertar-se em paz e que sobre ela se estenda a vossa misericórdia.

Bons Espíritos que a acompanhastes na Terra, não a abandoneis neste momento supremo. Dai-lhe força de suportar os últimos sofrimentos pelos quais deve passar neste mundo, para a sua evolução futura. Inspirai-a para que ela consagre ao arrependimento de suas faltas as últimas luzes da inteligência que lhe restem, ou as últimas luzes que lhe possam ocorrer.

Utilizai as minhas radiações desta hora, a fi m de que a sua ação torne para ela menos penosa a atividade de separação e que leve na sua alma, no momento de deixar a Terra, as consolações da esperança.

IV - PRECES PELOS DESENCARNADOS

PELO QUE ACABA DE DESENCARNAR

59. Prefácio. As preces pelas pessoas que acabam de desencarnar não têm somente por fi nalidade dar-lhes uma

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CAPÍTULO XXVIII

prova de simpatia. Essas preces têm o efeito de ajudá-las no seu desligamento do corpo físico e, desse modo, abreviar-lhes a perturbação que sempre se segue após a separação do corpo. E tornam o seu despertar mais calmo. Neste caso, porém, como em todos os outros em que se recorra à oração, a efi cácia da prece está na sinceridade do pensamento e não na quantidade de palavras ditas com mais ou menos solenidade e em que, no mais das vezes, o coração não participa.

As preces que nascem do coração envolvem agradavelmente os desencarnados a que se dirijam e cujas ideias ainda estão confusas, como se fossem vozes amigas que nos vêm despertar do sono (Cap. XXVII, item 10).

60. PRECE1 — Deus Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia se estenda sobre a alma de ........ (diz o nome do desencarnado), que acabais de chamar para vós. Possam ser contadas a seu favor as provas pelas quais passou na Terra. E que as nossas preces abrandem e aliviem os sofrimentos que ainda possa sentir como Espírito!

Bons Espíritos que o viestes receber, e vós, sobretudo, seu Espírito Protetor, assisti-o, ajudando-o a despojar-se das coisas materiais. Dai-lhe a luz e a consciência de si mesmo, a fi m de livrar-se da perturbação dos sentidos que acompanha a passagem desta vida corporal para a vida espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento dos erros que possa ter cometido e o desejo de obter permissão de repará-los, para acelerar a sua evolução rumo à vida eterna bem-aventurada.

........ (diz o nome do desencarnado), acabas de entrar no mundo espiritual e, no entanto, estás aqui presente entre nós. Tu nos vês e nos ouves, porque deixaste entre nós o teu corpo perecível que, em breve, se reduzirá a pó.

Nota – Podem juntar-se a esta prece, que se aplica a todos, algumas palavras escolhidas, segundo as circunstâncias particulares da família ou das relações ou posição social do desencarnado.

Quando se trata de uma criança, o Espiritismo nos ensina que não está ali um espírito recém-criado, mas um que já viveu outras vidas e que pode ser até muito evoluído. Se a sua última existência foi curta, é que necessitava só um complemento de provas ou que deveria ser uma provação para os seus pais (Cap. V, item 21).

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Deixaste o envoltório grosseiro da carne, sujeito às vicissitudes e à morte e conservaste o envoltório fl uídico imperecível e inacessível aos sofrimentos. Se já não vives mais pelo corpo, vives a vida dos Espíritos e essa vida está livre das misérias que afl igem a Humanidade.

Já não tens mais o véu que oculta de nossas vistas os esplendores da vida futura. Podes agora contemplar novas maravilhas, enquanto que nós continuamos mergulhados nas sombras.

Vais percorrer o espaço e visitar os mundos em total liberdade, enquanto nós rastejamos penosamente sobre a Terra, presos ao nosso corpo material, qual se estivéssemos a carregar um pesado fardo.

Os horizontes do infi nito se desdobrarão diante de ti e, contemplando tanta grandeza, compreenderás a vaidade de nossos desejos terrestres, das nossas ambições mundanas e das alegrias fúteis, das quais os homens fazem os seus prazeres.

A morte, para os homens, é apenas uma separação material que dura uns poucos instantes. Do exílio, onde ainda nos retém a vontade de Deus e também os deveres que nos tocam neste mundo, nós te seguiremos pelos pensamentos. E assim estaremos até o momento em que nos seja permitido juntar-nos novamente contigo, como agora te juntas com aqueles que partiram antes de ti.

Não podemos ir até onde estás, mas podes vir a nós. Venhas, pois, aos que te amam e que tu amaste. Ampara-os nas provas da vida. Vela pelos que te são caros. Proteja-os, conforme puderes e abranda seus pesares, sugerindo-lhes o pensamento que és mais feliz agora e o da consoladora certeza de que um dia todos estaremos reunidos contigo num mundo melhor.

No mundo em que estás, todos os ressentimentos terrenos devem ser extintos. Que possas, para tua felicidade futura, permanecer inacessível a esses ressentimentos! Perdoa, portanto, aos que te hajam ofendido, como aqueles contra os quais erraste te perdoam também.

61. PRECE1(outra)— Senhor Todo-Poderoso, que a vossa misericórdia seja sobre os nossos irmãos que acabam de deixar a 1. Esta prece foi ditada a um médium de Bordéus, no momento em que passava diante de sua janela o enterro de um desconhecido.

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CAPÍTULO XXVIII

Terra! Que a vossa luz brilhe sobre eles! Tirai-os das sombras. Abri os seus olhos e os seus ouvidos! Que os bons Espíritos os envolvam e os façam entender as vossas palavras de paz e de esperança!

Senhor, por mais indignos que sejamos, ousamos implorar vossa misericordiosa indulgência em favor deste nosso irmão que acabais de chamar do exílio. Fazei que o seu retorno seja o de um fi lho pródigo. Esqueçai, ó meu Deus! as faltas que ele possa ter cometido para vos lembrar do bem que ele fez. Vossa Justiça é imutável, bem o sabemos, mas o vosso amor é imenso. Nós vos suplicamos que abrandeis a vossa justiça na fonte da bondade que nasce de vós.

Que a luz se faça para ti, meu irmão, que vens de deixar a Terra! Que os bons Espíritos do Senhor se aproximem de ti, que te cerquem de cuidados e te ajudem a desligar-te de tudo o que te prenda na Terra. Vê e compreenda a grandeza de nosso Senhor. Submete-te, sem queixas, à sua Justiça, mas não desesperes jamais de sua misericórdia!

Irmão! que dediques atenção muito grande aos atos de tua última existência que retornam diante de teus olhos, para que isso te abra as portas do teu futuro espiritual. Percebas os erros que deixas para trás e o trabalho a que te deves dedicar para os reparar! Que Deus te perdoe e que os bons Espíritos te amparem e te animem! Os teus irmãos da Terra orarão por ti e te pedem para que ores por eles.

POR QUEM TEMOS AMIZADE

62. Prefácio. Como é horrível a ideia do nada! Quanto são lastimáveis aquelas pessoas que acreditam que a voz do amigo, que chora a separação de seu amigo, se perde no vazio, sem encontrar a resposta daquele que se foi! Essas pessoas jamais conheceram as puras e santas amizades, porque pensam que tudo morre com o corpo. Elas julgam que o homem de gênio que iluminou o mundo com a sua ampla sabedoria é uma organização da matéria que se extingue como um sopro. Eles pensam que do ser mais querido, de um pai, de uma mãe, de um fi lho muito amado não

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restará mais que um pouco de pó que o vento dissipará, sem sobreviver o amor.

Como pode um homem que tem sentimentos fi car indiferente a essa ideia de extinção da amizade e do amor? Como a ideia de um fi nal absoluto dos seres que ama não o gela de horror e não o faz, ao menos, desejar que não seja assim após a morte? Se até hoje a sua razão não foi sufi ciente para afastar as suas dúvidas sobre a imortalidade da alma, eis que o Espiritismo vem dissipar toda incerteza sobre o futuro espiritual, através das provas positivas que fornece da sobrevivência da alma e da existência dos seres do mundo espiritual. Por toda parte essas provas são colhidas, também, com satisfação. Com elas, a confi ança no futuro espiritual renasce, porque então o homem sabe, a partir dessa demonstração, que a vida terrena não é mais que uma curta experiência que abre os horizontes de uma vida melhor. Seus trabalhos, neste mundo, não fi cam perdidos para ele e as suas mais santas afeições não são interrompidas sem a esperança de um futuro reencontro (Cap. IV, item 18 e Cap. V, item 21).

63. PRECE — Dignai-vos, ó meu Deus, de acolher favoravelmente a prece que vos dirijo pelo Espírito de .......... (diz o nome do desencarnado). Fazei-lhe entrever a vossa divina claridade e tornai-lhe fácil o caminho da eterna felicidade. Permiti que os bons Espíritos lhe levem estas minhas palavras e meu pensamento.

E tu, que me eras tão querido neste mundo, ouça a minha voz que te chama para te dar uma nova prova de minha afeição. Deus permitiu que fosses libertado antes de mim. Eu não poderia queixar-me dessa resolução do Pai, sem egoísmo, porque isso seria querer ver-te sujeito ainda aos sofrimentos da vida de todos os encarnados. Aguardo, pois, com resignação, o dia de nosso reencontro no mundo mais feliz, onde chegaste antes de mim.

Sei que a nossa separação é temporária e que, por mais longa que ela possa me parecer, a sua duração é um nada diante da eternidade de ventura que Deus promete a seus eleitos. Que a bondade divina me

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CAPÍTULO XXVIII

livre de fazer qualquer coisa que possa retardar o desejado momento de nossa união no mundo espiritual e que, assim, me poupe da dor de não te reencontrar ao sair de meu cativeiro terreno.

Oh! quanto é doce e consoladora a certeza de que, entre nós, não há mais que um véu material, que te esconde de minhas vistas! de que tu podes estar aqui ao meu lado, a ver-me e a ouvir-me como nos outros momentos de nossas vidas! de que não me esqueces, da mesma maneira que eu não me esqueço de ti! de que os nossos pensamentos se visitam e de que os teus pensamentos me seguem e me amparam sempre!

Que a paz do Senhor seja contigo.

PELOS SOFREDORES QUE PEDEM PRECES

64. Prefácio. Para compreender o alívio que a prece pode levar aos Espíritos sofredores, é necessário lembrar o mecanismo da ação das orações, que fi cou explicado páginas atrás (Cap. XXVII, itens 9, 18 e seguintes). Quem se compenetrar dessa verdade, faz a sua oração com muito fervor, pela certeza que tem de não orar em vão.

65. PRECE — Deus clemente e misericordioso, que a vossa bondade se estenda por sobre todos os Espíritos que recorrem às nossas orações e particularmente sobre a alma de ........ (diz o nome do Espírito que pediu preces).

Bons Espíritos, que tendes a vossa maior missão no fazer o bem, intercedei comigo para alívio dos sofrimentos dessas almas. Fazei brilhar diante de seus olhos uma luz de esperança e que a divina luz os esclareça sobre as suas imperfeições morais que os mantêm distantes dos bem-aventurados. Abri-lhes o coração ao arrependimento de seus erros e ao desejo de se depurarem, para acelerar a sua evolução. Fazei-lhes compreender que, pelos seus esforços no reajustamento de suas inclinações, eles poderão abreviar o tempo de suas provas.

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Que Deus, na sua bondade, lhes conceda a força de perseverarem nas suas boas decisões!

Possam estas palavras benevolentes suavizar seus sofrimentos, por mostrar-lhes que há sobre a Terra criaturas que deles se compadecem e lhes desejam toda a felicidade.

66. PRECE (outra) — Nós vos pedimos, Senhor, que derrameis sobre todos aqueles que sofrem, seja no mundo espiritual, seja entre os encarnados, a bênção do vosso amor e de vossa misericórdia. Tende piedade de nossas fraquezas morais. Fizeste-nos falíveis, mas nos destes a força de resistir ao mal e vencê-lo. Que a vossa misericórdia se estenda por sobre todos os que não podem resistir às suas más tendências e que se deixam ainda arrastar pelos maus caminhos das quedas morais. Que vós, bons Espíritos, os envolvam. Que as vossas luzes brilhem aos seus olhos e que, atraídos pelo calor vivifi cante dessas luzes, eles venham oferecerem-se aos vossos pés, arrependidos e submissos.

Nós vos pedimos, igualmente, Pai de misericórdia, por aqueles irmãos que não tiveram forças para suportar as suas provas terrenas. Vós nos dais um fardo para carregar, Senhor, e só devemos depositá-lo aos vossos pés. A nossa fraqueza espiritual, porém, é grande e o ânimo nos falta, algumas vezes, numa das etapas de nossa caminhada até vós. Tende piedade destes seus servidores indolentes que abandonam a obra antes da hora de terminá-la. Que a vossa Justiça os poupe e permiti que os bons Espíritos lhes levem o alívio, as consolações e as esperanças no futuro. A esperança do perdão fortalece a alma. Mostrai-a, Senhor, aos culpados que se desesperam e, renovados por essa esperança, eles haurirão energias na própria extensão de suas faltas e de seus sofrimentos, a fi m de resgatarem seu passado e de se prepararem para a conquista do futuro espiritual que os aguarda.

POR UM INIMIGO DESENCARNADO

67. Prefácio. A caridade para com os nossos inimigos deve ultrapassar a fronteira do túmulo e envolvê-los na vida espiritual.

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CAPÍTULO XXVIII

Devemos saber que o mal que eles nos fi zeram foi para nós uma prova, que poderá ser útil ao desenvolvimento de nossas qualidades espirituais, se nós soubermos aproveitá-la como lições de vida. Ela nos pode ser mais aproveitável que as afl ições puramente de ordem material, porque à coragem e à resignação, que haurimos nas afl ições comuns da existência, a prova da inimizade nos permitirá somar a caridade e o esquecimento das ofensas (Cap. X, item 6 e Cap. XII, itens 5 e 6).

68. PRECE — Senhor, quisestes chamar, antes de mim, a alma de ........ (diz o nome do inimigo desencarnado). Perdôo-lhe o mal que me fez e suas más intenções que nutriu a meu respeito. Possa ele se ter arrependido de tudo, agora que ele não tem mais as ilusões deste mundo.

Que vossa misericórdia, meu Deus, se estenda por sobre ele e afastai de mim a ideia de alegrar-me com a morte dele. Se também errei contra ele, que ele me perdoe por tais erros, como eu esqueço aqueles erros que ele cometeu contra mim.

POR UM CRIMINOSO

69. Prefácio. Se a efi cácia da prece dependesse da sua extensão, as mais longas deveriam ser destinadas para os mais culpados. É que têm mais necessidades de orações do que aqueles que viveram de um modo santo. Recusá-las aos criminosos é faltar com a caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Julgá-las inúteis, porque um homem cometeu faltas gravíssimas, equivale a querer julgar antecipadamente a Justiça Divina (Cap. XI, item 14).

70. PRECE — Senhor, Deus de misericórdia, não repilais esse infeliz que acaba de deixar a Terra. A justiça dos homens pode tê-lo condenado, mas ele não se livrará da Justiça Divina se o coração dele não for tocado pelo remorso de seus erros.

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Tirai-lhe a venda que lhe oculta a gravidade de suas faltas. Possa, então, o arrependimento dele encontrar a clemência diante de vós, meu Deus, para que se aliviem os sofrimentos de sua alma! Possam também as nossas preces, e a intercessão dos bons Espíritos, levar-lhe a esperança e a consolação. Inspirai-lhe o desejo de reparar as suas más ações através de uma nova existência e dai-lhe as forças para não sucumbir nas novas lutas em que se empenhar contra as suas más inclinações!

Senhor, tenha piedade dele!

POR UM SUICIDA

71. Prefácio. O homem não tem jamais o direito de dispor de sua própria vida. Só a Deus cabe a direito de retirá-lo da escola terrena, quando o julgar apropriado. Todavia, a Justiça Divina pode suavizar-lhe as consequências que sofre de suas faltas passadas, em virtude de certas circunstâncias que as atenuam. Agrava, porém, os seus próprios sofrimentos aquele que voluntariamente quis fugir das provações da vida. O suicida é como o prisioneiro que foge de sua prisão antes do cumprimento de pena e que, ao ser preso novamente, será tratado com mais severidade. Assim acontece, também, com o suicida que julga escapar das misérias presentes e mergulha em desgraças maiores (Cap. V, item 14 e seguintes).

72. PRECE — Sabemos, ó meu Deus, as consequências inevitáveis que sofrem os que violam as vossas leis ao abreviarem voluntariamente seus dias na existência física. Mas sabemos, também, que a vossa misericórdia é infi nita. Dignai-vos, pois, de estender a vossa misericórdia por sobre a alma de ........ (diz o nome de quem se suicidou). Possam as nossas orações e vossa comiseração abrandar o amargor dos sofrimentos que ele está experimentando, por não ter tido coragem de esperar o fi m de suas provas!

Bons Espíritos, cuja missão é assistir os infelizes, tomai-o sob a vossa proteção. Inspirai-lhe o arrependimento pela falta que cometeu.

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CAPÍTULO XXVIII

Que a vossa assistência lhe dê a força para suportar, com mais resignação, as novas provas pela quais tenha que passar para consertar o erro praticado contra si mesmo. Afastai dele os Espíritos malévolos que poderiam de novo levá-lo ao mal e prolongar seus sofrimentos, ao fazê-lo perder o fruto de suas futuras provações morais.

E a ti, cuja desgraça se faz a fi nalidade de nossas preces, possa a nossa comiseração abrandar o teu amargor e te possa nascer no teu coração a esperança de um futuro melhor! Esse futuro está entre as tuas mãos! Confi a-te à bondade de Deus, cujo seio se abre para todos os que se arrependem de seus erros e só não dá acesso aos que mantêm o coração endurecido.

PARA OS ESPÍRITOS ARREPENDIDOS

73. Prefácio. Seria injusto incluir na categoria dos Espíritos malévolos, os Espíritos sofredores e os arrependidos de suas faltas, que pedem orações. Podem eles já ter sido maldosos, mas já não o são mais, a partir do momento em que eles reconhecem as suas faltas e as lamentam. Eles, então, não são mais que infelizes. Alguns deles, a partir do arrependimento, já começam mesmo a gozar da felicidade que nasce da esperança de uma vida ajustada às leis divinas.

74. PRECE — Deus de misericórdia, que aceitais o arrependimento sincero de quem errou, encarnado ou desencarnado! Eis aqui um Espírito que esteve comprometido com o mal, mas que reconhece os seus erros e volta ao bom caminho. Dignai-vos, ó meu Deus, de recebê-lo como um fi lho pródigo e de lhe perdoar.

Bons Espíritos, cujos conselhos ele fez por ignorar, ele vem, agora, vos escutar. Permiti-lhe entrever a felicidade dos eleitos do Senhor, a fi m de que ele persista no desejo de depurar-se para alcançar essa mesma felicidade. Sustentai-o nas suas boas decisões e dai-lhe a força de resistir aos seus maus pendores. Espírito ........ (diz o nome do espírito arrependido), nós te felicitamos pela transformação moral que em ti operas e agradecemos aos bons Espíritos que te ajudaram!

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Se antes te sentias à vontade em fazer o mal, é que não sabias quanto é doce o prazer de fazer o bem. Tu te sentias, também, muito inferior para conseguir abraçar o bem. Mas, desde o momento em que puseste o pé no bom caminho, uma nova luz de esperança se fez sobre ti. Começaste, então, a sentir uma felicidade que desconhecias e a esperança se instalou em teu coração. É que Deus escuta sempre a prece dos que se arrependem do mal. Deus não repele a nenhuma das criaturas que vão até Ele.

Para voltares completamente à graça do Senhor, empenha-te, de agora em diante, a não mais fazeres o mal, mas em fazeres o bem e, acima de tudo, em consertares o mal que hajas feito. Terás, então, cumprido a Justiça Divina. É que o mal será corrigido com o bem e cada boa ação que fi zeres cobrirá um erro de teu passado.

O primeiro passo tu destes. Agora, quanto mais avançares no bem, tanto mais o bom caminho te parecerá fácil e agradável. Persevera, pois, e um dia terás a glória de ser contado entre os bons Espíritos e entre os Espíritos bem-aventurados.

PARA OS ESPÍRITOS ENDURECIDOS

75. Prefácio. Os Espíritos malévolos são aqueles que ainda não foram tocados pelo arrependimento. Eles sentem um grande prazer no mal e não sentem nenhum pesar pelo mal que praticam. Eles são insensíveis às advertências, repelem as orações e frequentemente blasfemam contra Deus. São essas almas endurecidas que, após a desencarnação, se vingam nos homens dos sofrimentos que suportaram e perseguem, com o seu ódio, aqueles que lhes fi zeram o mal durante as suas vidas. Esta vingança eles a realizam seja por obsidiar os seus ofensores, seja exercendo sobre eles alguma infl uência prejudicial (Cap. X item 6 e Cap. XII, itens 5 e 6).

Entre os Espíritos perversos, há duas categorias bem diferenciadas: aqueles que são abertamente malévolos e aqueles que são hipócritas. Os primeiros são infi nitamente mais fáceis

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CAPÍTULO XXVIII

de serem reconduzidos ao bem, enquanto os hipócritas são mais difíceis.

Esses que são abertamente malévolos são, muito frequentemente, de hábitos selvagens e grosseiros, como podemos notar entre os próprios homens encarnados, que fazem o mal mais por um impulso do que por cálculo e que não querem se fazer passar por melhores do que são. Há neles, portanto, um germe latente que é necessário fazer germinar. E isso se consegue, quase sempre, com a perseverança, com a energia moral aliada com a benevolência, com os conselhos, com as ponderações sobre a excelência do bem e com a oração. Nas comunicações mediúnicas, a difi culdade que esses Espíritos sentem em escrever ou em dizer o nome de Deus é o sinal de um receio instintivo, da voz íntima da consciência que lhes diz serem eles indignos de pronunciarem o nome do Deus. Aqueles que assim hesitam, estão próximos de render-se ao bem e tudo se pode esperar deles. Bastará, então, que se encontre o ponto vulnerável do coração.

Os Espíritos hipócritas são, quase sempre, muito inteligentes, mas eles não têm no coração alguma fi bra mais sensível para o toque do bem. Nada parece sensibilizá-los! Eles fi ngem ter todos os bons sentimentos para conquistar a confi ança de quem os escuta. Ficam felizes quando encontram alguns tolos que os recebam como Espíritos santifi cados. É que, então, poderão manobrar esses tolos à vontade. O nome de Deus, longe de inspirar-lhes algum receio, lhes serve de máscara para encobrir a sua conduta indigna diante dos tolos que os acolhem. No mundo espiritual, como no mundo dos homens encarnados, os hipócritas são os seres mais perigosos, porque eles agem na sombra e deles não se desconfi a. Eles têm as aparências da fé, mas só as aparências, sem terem uma fé sincera.

76. PRECE — Senhor, dignai-vos deitar um olhar de bondade sobre os Espíritos imperfeitos que estão, ainda, nas sombras da ignorância e que vos desconhecem, principalmente sobre o Espírito de ........ (diz o nome do espírito).

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Bons Espíritos, ajudai-nos a fazê-lo compreender que, induzindo os homens ao mal, que os obsidiando e os atormentando, ele prolonga os seus próprios sofrimentos. Fazei que o exemplo da felicidade que vós gozais lhe seja um encorajamento para que busque o campo do bem.

Espírito que te comprazes ainda no mal, venha ouvir a oração que fazemos por ti. Essa prece deve mostrar que desejamos o teu bem, embora ainda faças o mal.

És infeliz, porque é impossível ser feliz quando fazemos o mal. Por que, então, te conservas em dores, quando de ti depende evitar o teu sofrimento? Olha os bons Espíritos que estão à tua volta! Veja quanto eles são felizes! Não te seria mais agradável gozar também dessa felicidade?

Dirás que essa felicidade te é impossível! Mas nada é impossível para aquele que a quer! Deus te deu, como para todas as demais criaturas, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, ou seja, escolher entre a felicidade e a desgraça. Ninguém está sentenciado para fazer o mal. Se tens a vontade de fazer o mal, podes ter também a de fazer o bem e de seres feliz.

Volta teu olhar para Deus. Eleva, por um minuto que seja, os teus pensamentos para Deus e um raio da divina luz virá te clarear o caminho. Dize, estas simples palavras: Meu Deus, eu me arrependo, perdoa-me! Tenta arrepender-te e tenta fazer o bem ao invés de fazeres o mal. Verás, então, que logo a misericórdia celeste descerá sobre ti e que um bem-estar, que desconheces até agora, te virá substituir as ansiedades que sofres.

Assim que deres o primeiro passo no bom caminho, o restante do caminho te será fácil percorrer. Compreenderás, então, quanto tempo de felicidade perdeste por tua própria culpa. Mas um futuro brilhante e repleto de esperanças se abrirá diante de ti e te fará esquecer o teu doloroso passado, repleto de perturbações e de torturas morais, que seriam para ti um inferno, se ele existisse e se teus sofrimentos durassem eternamente. Um dia virá em que essas torturas serão tantas e tão intensas que tu, a qualquer custo, quererás fazê-las cessar.

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Porém, quanto mais te demorares no mal, tanto mais difícil será despojar-te dessas torturas morais.

Não creias que estarás sempre neste estado infeliz em que te encontras. Não! essa permanência é impossível! Tens duas situações diante de ti: uma, a de sofreres muito mais do que tens sofrido até agora e, a outra, de seres feliz como os bons Espíritos que estão à tua volta. A primeira dessas situações é inevitável, se persistires na tua obstinação no mal. A segunda é possível se, por um simples esforço de tua vontade, te afastares da má situação em que te encontras. Apressa-te, portanto, porque cada dia em que te demoras em tuas ansiedades, é um dia perdido para a tua felicidade.

Bons Espíritos, fazei que estas palavras encontrem a porta de entrada no coração desta alma ainda estacionada na escalada evolutiva, a fi m de que a ajudem a voltar-se para Deus. Nós vo-lo pedimos em nome de Jesus Cristo, que teve tão grande poder de iluminar os Espíritos infelizes.

V - PRECES PELOS DOENTES E PELOS OBSIDIADOS

PELOS DOENTES

77. Prefácio. As doenças fazem parte das provações e das vicissitudes da vida terrena. Elas são próprias da imperfeição de nossa natureza física e da inferioridade do mundo que habitamos. As paixões e os excessos de toda ordem semeiam em nós os princípios das enfermidades, algumas vezes transmissíveis pela hereditariedade.

Nos mundos mais avançados física e moralmente, o organismo humano, mais depurado e menos denso, não está sujeito às mesmas enfermidades que aqui experimentamos e o corpo não é minado silenciosamente pelos fl uidos envenenados das paixões humanas (Cap. III, item 9). É necessário, portanto,

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que nos resignemos a suportar as consequências do meio em que nos coloca a nossa própria inferioridade espiritual, até que conquistemos o direito de passar para um mundo melhor. Isso não deve, porém, de impedir-nos de fazer o que de nós depende para melhorar a situação atual. Se, no entanto, apesar de nossos esforços, não pudermos fazê-lo, o Espiritismo nos ensina a suportar, com resignação, os nossos males passageiros.

Se Deus não quisesse que nossos sofrimentos físicos fossem curados ou aliviadas as enfermidades, em certos casos, Ele não teria colocado os meios de cura à nossa disposição. A sua providencial solicitude a esse respeito, ajustada ao nosso instinto de conservação, é um sinal de que é nosso dever procurar e aplicar esses meios de cura que se encontram ao nosso alcance.

Ao lado da medicação comum, elaborada pela Ciência, o magnetismo nos levou a conhecer o poder de cura da ação fl uídica. E o Espiritismo, por sua vez, nos veio revelar uma outra energia na mediunidade de cura e na infl uência benéfi ca da prece sobre a saúde humana (Ver no Cap. XXVI e no item 81, a seguir, informações sobre a mediunidade de cura).

78. PRECE (a ser feita pelo próprio doente) — Senhor, sois todo justiça. A doença que me enviastes, eu devo merecê-la, porque nunca fazeis alguém sofrer sem justos motivos. Apresento-me, pois, para a minha cura, diante de vossa infi nita misericórdia. Se for de vosso agrado me devolver a saúde, que o vosso santo nome seja bendito! Se, pelo contrário, eu devo sofrer mais, bendito seja o vosso nome, também. Eu me submeto aos vossos desígnios sem me queixar, porque tudo o que fazeis só pode ter por fi nalidade o bem de vossas criaturas.

Fazei, ó meu Deus, que esta enfermidade seja para mim um aviso salutar e que me leve a examinar-me a mim mesmo, do ponto de vista da vida moral. Eu a aceito como uma expiação de meus erros do passado e como uma prova para a minha fé e para a minha submissão à Justiça Divina (Ver a prece 40).

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79. PRECE (a ser feita por um doente) — Meu Deus, os vossos desígnios são impenetráveis pelos humanos! Na vossa sabedoria, deixastes que uma enfermidade viesse afl igir a ........ (diz o nome do doente). Lançai, eu vos suplico, um olhar de compaixão sobre os sofrimentos dele e dignai-vos de colocar um fi nal em suas dores.

Bons Espíritos, que sois ministros do Onipotente, secundai-me, eu vos peço, no meu desejo de aliviá-lo. Dirigi meus pensamentos, a fi m de que possam derramar-se como um bálsamo salutar sobre o corpo dele e que sejam uma consolação para a sua alma.

Inspirai-lhe a paciência e a submissão à Justiça Divina. Dai-lhe forças para suportar as suas dores com resignação cristã, a fi m de ele não perder o fruto desta prova (Ver prece 57).

80. PRECE (a ser feita pelo médium de cura) — Meu Deus, se quiserdes servir-vos de mim, apesar de tão indigno que eu sou, poderei curar este sofrimento, se essa for a vossa vontade, Senhor, porque tenho fé em vós. Mas sem vós eu nada posso. Permiti aos bons Espíritos de envolver-me em seus fl uidos regeneradores, a fi m de que eu os transmita ao enfermo. Afastai de mim todo pensamento de orgulho e de egoísmo que poderia envenenar a pureza dos elementos restauradores que chegam do Mais Alto.

PELOS OBSIDIADOS

81. Prefácio. A obsessão é a ação persistente que um Espírito malévolo exerce sobre uma pessoa. Essa enfermidade moral apresenta características muito diferentes, desde a simples infl uência sobre a conduta moral do encarnado, sem sinais exteriores perceptíveis da origem do mal, até a completa perturbação do organismo e das faculdades mentais. A obsessão desordena todas as faculdades mediúnicas. Na mediunidade de psicografi a, como na de psicofonia, a obsessão se entremostra pela obstinação de apenas um Espírito se manifestar, com exclusão de qualquer outro Espírito.

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Os Espíritos malévolos estão por toda a Terra, em razão da inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja que eles desenvolvem faz parte dos fl agelos que a Humanidade suporta neste mundo. A obsessão, como as doenças e todas as tribulações da vida, deve ser considerada como uma prova ou como uma expiação, e ser aceita nessa situação.

Do mesmo modo que as doenças são a consequência das imperfeições físicas que submetem o corpo às infl uências perniciosas exteriores, a obsessão é sempre uma consequência da imperfeição moral que dá acesso à atuação de um Espírito endurecido no mal.

A uma causa física, opõe-se uma força física.A uma causa moral é necessário opor-se uma energia moral.Para preservar-se das doenças procuramos estimular a

resistência orgânica. Para preservar-se da obsessão, deveremos estimular a resistência dos valores morais da alma. Daí resulta que o obsidiado, e também os seus familiares, têm necessidade de trabalhar pelo seu aprimoramento espiritual. Isto, na maioria dos casos, é sufi ciente para desembaraçar-se do obsessor, sem se socorrer de outras pessoas. Esse socorro se torna necessário, porém, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque, então, o paciente perde, por vezes, o domínio de sua vontade e de seu livre-arbítrio.

A obsessão, quase sempre, é o efeito de uma vingança praticada por um Espírito. Na maioria das vezes, tem a sua origem no relacionamento que o obsidiado e o obsessor tiveram numa existência anterior (Ver o Cap. X, item 6 e o Cap. XII, itens 5 e 6).

Nos casos de obsessão grave, o obsidiado está como que envolvido e impregnado de um fl uido envenenado que, perniciosamente, neutraliza os efeitos dos fl uidos salutares e os destrói. É desse fl uido envenenado que importa despojar o obsidiado. Um mal fl uido, no entanto, não pode ser eliminado por outro mal fl uido. Por uma ação semelhante ao do médium de

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cura, nos casos das enfermidades físicas, para que possa ocorrer a neutralização do fl uido envenenado que envolve o obsidiado, é necessária a ajuda de um fl uido melhor que produza o efeito de um reagente. Este é o mecanismo da química dos fl uidos, mas que não basta! Necessário é que se atue sobre o ser inteligente que o produz, para fazer cessar essa infl uenciação. Para isso é necessário que se fale com autoridade, mas com aquela autoridade que nasce da superioridade moral de quem fala. Quanto maior for a superioridade moral de quem fala, maior será a autoridade que emanará de sua presença.

E isso, ainda, não é tudo!Para assegurar a libertação espiritual, é preciso induzir o

Espírito obsessor a renunciar aos seus maus desejos. É necessário despertar nele o arrependimento e o desejo do bem, ajudando-o com ensinamentos habilmente dirigidos, tantas vezes quantas ele venha a manifestar-se mediunicamente, tendo em vista a sua lenta educação moral. Deve-se buscar, na desobsessão, a dupla satisfação de libertar dela um encarnado e de converter para o bem um Espírito imperfeito.

A tarefa se torna mais fácil quando o obsidiado, compenetrado de sua situação, oferece a participação de sua vontade de regenerar-se também moralmente e dá o apoio de suas próprias orações.

Dá-se, porém, o contrário, quando o obsidiado, seduzido pelo Espírito embusteiro, se mantém iludido sobre as qualidades do Espírito que o domina e se entrega gostosamente às mistifi cações. É que, neste caso, longe de colaborar com o amparo, o obsidiado se imanta ao obsessor e repele toda assistência que se lhe oferece. É tipicamente o quadro da fascinação que é sempre infi nitamente mais rebelde que a mais acentuada subjugação (Veja no O Livro dos Médiuns a 2ª parte, cap. XXIII).

Em todos os casos de obsessão, a prece é o mais poderoso auxiliar para agir junto do Espírito obsessor.

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82. PRECE (a ser feita pelo obsidiado) — Meu Deus, permiti que os bons Espíritos me libertem do Espírito malfazejo que se ligou a mim. Se é uma vingança que ele quer, por consequências dos males que eu lhe teria feito noutra encarnação, vós a permitistes, meu Deus, para que eu sofra as consequências de meus próprios erros. Possa o meu arrependimento me fazer credor do vosso perdão e da libertação desse jugo! Mas, seja qual for o motivo, suplico a vossa misericórdia para esse que me cobra. Dignai facilitar-lhe o caminho da evolução, de que se desviou ao pensar em fazer o mal. Possa eu, de meu lado, retribuir-lhe o mal com o bem e encaminhá-lo para melhores sentimentos.

Mas sei também, ó meu Deus, que são as minhas imperfeições que me tornam acessível às infl uências dos Espíritos imperfeitos. Dai-me a luz necessária para identifi car as minhas imperfeições e para combater o meu orgulho que me torna cego para os meus próprios defeitos.

Como deve ser grande a minha indignidade para que uma criatura malfazeja me possa dominar!

Fazei, ó meu Deus, que esse golpe desferido na minha vaidade me sirva de lição para o futuro. Que isso me fortaleça na decisão de me depurar pela prática do bem, da caridade, da humildade, a fi m de que eu possa opor, daqui para a frente, uma barreira às más infl uências espirituais.

Senhor, dai-me a força de suportar esta prova com paciência e resignação. Compreendo que, como todas as outras provas, esta deve ajudar-me na minha evolução, se eu não perder seus frutos com as minhas queixas, já que esta prova me dá a oportunidade de mostrar ao mundo a minha submissão e de praticar a caridade para com um irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me tenha feito (Ver Cap. XII, itens 5 e 6 e Cap. XXVIII os itens 15 e seguintes e 46 e 47 desta Coleção de Preces Espíritas).

83. PRECE (a ser feita em favor do obsidiado) — Deus Todo-Poderoso, dignai-vos em dar-me a energia para libertar ........ (diz o

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nome do encarnado obsidiado), do Espírito que o obsidia. Se está nos vossos desígnios colocar um fi m nessa prova, concedei-me a graça de conversar com esse Espírito com força moral.

Bons Espíritos que me assistis, e vós, Espírito Protetor do obsidiado, dai-me o vosso amparo. Ajudai-me a despojá-lo do fl uido impuro que o envolve.

Em nome de Deus Todo-Poderoso, rogo ao Espírito malfazejo que o atormenta, que lhe dê trégua!

84. PRECE (pelo Espírito obsessor) — Deus infi nitamente bom, imploro a vossa misericórdia para com o Espírito que obsidia ........ (diz o nome do encarnado obsidiado), fazendo-lhe entrever as divinas claridades, a fi m de que ele reconheça o falso caminho que está seguindo para obter justiça. Bons Espíritos, ajudai-me a fazê-lo compreender que ele tem tudo a perder com a prática dessa vingança e que tem tudo a ganhar na prática do bem.

Espírito que te entregas a atormentar ........ (diz o nome do encarnado obsidiado), escuta-me porque te falo em nome de Deus.

Se quiseres refl etir, compreenderás que o mal nunca superará o bem e que não podes ser mais forte que Deus e que os bons Espíritos. Eles poderiam preservar ........ (diz o nome do encarnado obsidiado) de todo ataque de tua parte. Mas, se não o fazem, é porque ele tem uma prova a sofrer. Mas quando essa prova fi ndar, eles te impedirão de agir sobre ele. O mal que lhe tiveres feito, ao invés de prejudicá-lo, terá servido para a sua evolução moral e ele será ainda mais feliz. Assim, a tua maldade terá sido vã e as suas consequências se voltarão contra ti.

Deus, que é Todo-Poderoso, e os Espíritos superiores, seus ministros, que são mais poderosos do que tu és, poderão pôr um fi m a essa perseguição, quando quiserem, e a tua tenacidade se partirá diante dessa suprema autoridade da Vida. Mas, por ser bom, Deus quer te deixar o mérito de interrompê-la por um ato de tua própria vontade. Esta é uma concessão que Deus te faz. Se tu não a aproveitares, terás de sofrer dolorosas consequências. Grandes e duros

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sofrimentos te esperarão. Serás constrangido, pela dor, a suplicar por piedade e pelas preces deste que hoje é tua vítima. E ele, hoje, já te perdoou e ora por ti, o que já é para ele um grande mérito aos olhos de Deus e o que apressará a libertação dele. Refl ita, pois, enquanto ainda é tempo, porque a Justiça Divina visita todos os Espíritos rebeldes.

Lembra-te que o mal que praticas neste momento terá um fi m, enquanto que, se persistires no teu endurecimento de coração, os teus sofrimentos irão sempre crescendo.

Quando tu estivestes na Terra, não consideravas uma tolice sacrifi car um grande bem por uma pequenina satisfação passageira? Acontece o mesmo agora que és Espírito. O que ganhas com o que estás fazendo? Ganhas, tão-somente, o triste prazer de atormentar alguém, o que não impede que tu sejas infeliz, digas o que quiseres dizer, e isso te fará ainda mais infeliz.Ao lado disso, veja o que tu perdes. Observa os bons Espíritos que te cercam e diga se o estado deles não é preferível ao teu? A felicidade que eles desfrutam será tua também, quando quiseres. O que é preciso para tê-la? Implorar o amparo de Deus e fazeres o bem ao invés de fazeres o mal. Eu sei que não te podes transformar de um momento para o outro. Mas Deus não quer o impossível. Ele deseja tão-somente a boa-vontade. Experimente essa transformação moral e nós te ajudaremos. Faças que em breve possamos dizer a teu favor a prece pelos Espíritos arrependidos (n.° 73) e não mais te considerar entre os Espíritos malevolentes, enquanto esperamos o momento de te contar entre os bons Espíritos (Ver, também, o item 75 “Preces pelos Espíritos endurecidos”).

Observação — A cura das obsessões graves requer muita paciência, perseverança e devotamento. Ela exige, também, muito tato psicológico e habilidade, a fi m de encaminhar para o bem os Espíritos perversos, endurecidos no mal e astuciosos, porquanto há Espíritos rebeldes até o último grau. Na maior parte dos casos, é necessário se orientar pelos acontecimentos. Mas, quaisquer que sejam as características do Espírito, há um fato certo: nada se obtém pelo constrangimento e pelas ameaças. Toda infl uência, para a desobsessão, está no ascendente moral.

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Uma outra verdade, igualmente constatada pela experiência e também pela lógica das leis divinas: é completamente sem efi ciência, para a desobsessão, a prática de exorcismos, a aplicação de fórmulas mágicas, as palavras sacramentais, o uso de amuletos, o falso poder dos talismãs, as práticas exteriores e todos e quaisquer símbolos materiais.

A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas, exigindo, algumas vezes, um tratamento simultâneo ou consecutivo, seja magnético, seja médico, para reabilitar o organismo. Tendo sido afastada a causa da obsessão, resta combater os efeitos remanescentes (Ver em O Livro dos Médiuns, o cap. XXIII sobre a obsessão. Ver na Revista Espírita, números de fevereiro e março de 1864 e de abril de 1865, exemplos de curas de obsessão).