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24/04/2020 O fim do voto de qualidade é a solução adequada? | Fio da Meada | Valor Econômico https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2020/03/o-fim-do-voto-de-qualidade-e-a-solucao-adequada.ghtml 1/6 Por Tathiane Piscitelli Professora de direito tributário e nanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, é doutora e mestre em direito pela Faculdade de Direito da USP O fim do voto de qualidade é a solução adequada? Uma outra saída, bem menos desejável, seria possibilitar que a Fazenda também acesse o Judiciário, se restar vencida nos julgamentos na esfera administrativa São Paulo 26/03/2020 08h30 · Atualizado Nesta terça-feira foi aprovado o texto de conversão da Medida Provisória nº 899/2019, que disciplina a transação tributária em matéria federal. O avanço é notável, especialmente à luz da severa crise econômica que se avizinha. A adoção de métodos adequados de solução de conflitos em matéria tributária inaugura um novo paradigma de colaboração entre Fisco e contribuinte. A despeito da boa nova, no processo de tramitação da medida provisória, muitas emendas foram apresentadas ao texto original. Uma delas, inclusive, sem qualquer relação com o teor da norma: trata-se do artigo 29, que acresceu à Lei nº 10.522/2002 o artigo 19-E para acabar com o voto de qualidade na esfera federal. Em face da modificação, o empate no julgamento em processo administrativo no âmbito do Carf resolve-se favoravelmente ao contribuinte. A figura do voto de qualidade é alvo de crítica dos contribuintes há longa data. A despeito de a grande maioria das decisões do Carf ser proferida por maioria ou unanimidade, sem recurso ao voto de qualidade, os casos mais significativos, no geral decididos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, fazem uso recorrente do expediente. A discordância dos contribuintes está justamente no fato de que nos casos controvertidos, a Fazenda tem a prerrogativa de votar duas vezes e, não raro, o faz para a manter o lançamento em disputa. De fato, o mecanismo enfraquece a premissa de paridade do órgão julgador. No entanto, sua extinção sumária, tal qual proposto no texto aprovado esta semana, não é a melhor solução. Em primeiro lugar porque há uma justificativa bastante clara e pouco disputada para a existência do voto de qualidade: a Fazenda, diferente dos contribuintes, não tem a prerrogativa de acessar o Judiciário na hipótese de restar vencida na esfera administrativa. A inafastabilidade do acesso à jurisdição, consagrada no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição, está no rol dos direitos e garantias individuais, e, assim, não se estende ao próprio Estado. Some-se a esse argumento, de fundo constitucional, um outro, bastante legalista: nos termos do artigo 156, inciso IX do Código Tributário Nacional (CTN), uma vez vencedor na esfera administrativa, o contribuinte verá seu crédito tributário extinto de modo definitivo. Diante disso, a ausência de equilíbrio é evidente e o voto de qualidade, parece- me, é medida de isonomia. Contudo, isso não significa afirmar que o instituto não pode ser objeto de melhorias. há 4 semanas

O fim do voto de qualidade é a solução adequada? … · primeiro lugar porque há uma justificativa bastante clara e pouco disputada para a existência do voto de qualidade: a

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https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2020/03/o-fim-do-voto-de-qualidade-e-a-solucao-adequada.ghtml 1/6

Por Tathiane PiscitelliProfessora de direito tributário e �nanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, é doutora e mestre em direito pela Faculdade deDireito da USP

O fim do voto de qualidade é a solução adequada?Uma outra saída, bem menos desejável, seria possibilitar que a Fazenda também acesse o Judiciário, se restarvencida nos julgamentos na esfera administrativa

São Paulo

26/03/2020 08h30 · Atualizado

Nesta terça-feira foi aprovado o texto de conversão da Medida Provisória nº 899/2019, que disciplina a transação

tributária em matéria federal. O avanço é notável, especialmente à luz da severa crise econômica que se avizinha. A

adoção de métodos adequados de solução de conflitos em matéria tributária inaugura um novo paradigma de

colaboração entre Fisco e contribuinte.

A despeito da boa nova, no processo de tramitação da medida provisória, muitas emendas foram apresentadas ao

texto original. Uma delas, inclusive, sem qualquer relação com o teor da norma: trata-se do artigo 29, que acresceu à

Lei nº 10.522/2002 o artigo 19-E para acabar com o voto de qualidade na esfera federal. Em face da modificação, o

empate no julgamento em processo administrativo no âmbito do Carf resolve-se favoravelmente ao contribuinte.

A figura do voto de qualidade é alvo de crítica dos contribuintes há longa data. A despeito de a grande maioria das

decisões do Carf ser proferida por maioria ou unanimidade, sem recurso ao voto de qualidade, os casos mais

significativos, no geral decididos pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, fazem uso recorrente do expediente. A

discordância dos contribuintes está justamente no fato de que nos casos controvertidos, a Fazenda tem a

prerrogativa de votar duas vezes e, não raro, o faz para a manter o lançamento em disputa. De fato, o mecanismo

enfraquece a premissa de paridade do órgão julgador.

No entanto, sua extinção sumária, tal qual proposto no texto aprovado esta semana, não é a melhor solução. Em

primeiro lugar porque há uma justificativa bastante clara e pouco disputada para a existência do voto de qualidade:

a Fazenda, diferente dos contribuintes, não tem a prerrogativa de acessar o Judiciário na hipótese de restar vencida

na esfera administrativa. A inafastabilidade do acesso à jurisdição, consagrada no artigo 5º, inciso XXXV da

Constituição, está no rol dos direitos e garantias individuais, e, assim, não se estende ao próprio Estado.

Some-se a esse argumento, de fundo constitucional, um outro, bastante legalista: nos termos do artigo 156, inciso IX

do Código Tributário Nacional (CTN), uma vez vencedor na esfera administrativa, o contribuinte verá seu crédito

tributário extinto de modo definitivo. Diante disso, a ausência de equilíbrio é evidente e o voto de qualidade, parece-

me, é medida de isonomia. Contudo, isso não significa afirmar que o instituto não pode ser objeto de melhorias.

há 4 semanas

Fio da Meada

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24/04/2020 O fim do voto de qualidade é a solução adequada? | Fio da Meada | Valor Econômico

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Em meados de 2016, uma nova tese surgiu para questionar a validade do voto de qualidade. Com fundamento no

artigo 112 do CTN, que prevê a prevalência de interpretação mais favorável aos contribuintes no caso de dúvidas na

aplicação da lei tributária que define infrações, pretendeu-se a extensão de tal prevalência para toda e qualquer

hipótese, quer se trate de embate sobre penalidades ou não. A tese é descabida porque amplia demasiadamente o

dispositivo legal e, novamente, ofende a isonomia na relação entre fisco e contribuinte.

Não obstante, a aplicação correta do dispositivo poderia, sim, ser uma alternativa ao voto de qualidade, nos casos

em que a divergência no julgamento situe-se na manutenção de penalidades, especialmente as qualificadas. O

empate, nesse caso, revelaria dúvida plausível e, assim, justificaria a decisão de modo mais favorável ao contribuinte.

Outra forma de aprimorar o instituto seria prever que, na hipótese de o resultado do julgamento se dar por voto de

qualidade, o contribuinte obteria a suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial,

independentemente de depósito judicial ou qualquer outro meio de garantia.

Uma outra saída, bem menos desejável, seria possibilitar que a Fazenda também acesse o Judiciário, na hipótese de

restar vencida nos julgamentos na esfera administrativa. Essa solução é pior não apenas porque congestionaria

ainda mais o Poder Judiciário, mas, também, porque demandaria alterações no CTN e levaria à perda da

definitividade da decisão administrativa final favorável ao contribuinte.

Não se nega, portanto, a necessidade de discutir o instituto e apresentar medidas que o aprimorem. O que se critica

é o fim do instituto sem um debate qualificado em torno das consequências que a medida trará ou, ainda, sem se

cogitar de alternativas ao mecanismo hoje existente.

A manutenção da redação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002, tal qual previsto no texto de conversão da MP 899,

vai perpetuar desequilíbrio entre as partes do processo administrativo, com margem para alegações de

inconstitucionalidade por parte da Fazenda, além de colocar a própria existência do Carf em risco. A melhoria do

instituto depende de considerações técnicas e desapaixonadas, que levem em conta todos os lados da moeda.

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