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O FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA SINDICAL E A LIBERDADE SINDICAL : PARA QUEM TEM SENTIDO O IMPOSTO SINDICAL? EL FINANCIAMENTO DE LA ESTRUCTURA SINDICAL Y LA LIBERTAD SINDICAL: ¿PARA QUIÉN ES IMPORTANTE EL IMPUESTO SINDICAL? Priscila Campana RESUMO Desde a ofensiva neoliberal, implementada no Brasil a partir de 1990, no governo Collor, várias têm sido as reformas elaboradas para a mudança do texto constitucional visando a melhor “adaptação” do país à conjuntura política-econômica internacional. Dentre várias reformas constitucionais, como a administrativa e a previdenciária, a reforma na estrutura sindical, estando atrelada às relações de trabalho, tem adquirido importância cada vez maior entre empresários, dirigentes sindicais, trabalhadores e operadores jurídicos. A atual estrutura sindical brasileira tem sua origem no governo de Getúlio Vargas, na década de 1940, com o estabelecimento do corporativismo, o qual tem como principais características a unicidade sindical e o atrelamento dos sindicatos ao Estado (representado também pelo imposto sindical). No entanto, continua impedindo a ratificação da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (sobre liberdade sindical), também da década de 1940, apesar de continuarem existindo inúmeros projetos de lei e propostas de emendas constitucionais tramitando no Congresso Nacional para alterar a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) com relação à estrutura sindical arcaica. Cabe ressaltar, a exemplo, que as proposições legislativas mais recentes (Proposta de Emenda n. 29/2003; n.40/2003; n.121/2003; n.314/2004; n.365/2005; 1.321/2007) continuam a não erigir verdadeiramente a liberdade sindical, pois não põem fim à unicidade sindical e à contribuição sindical obrigatória. O objetivo da pesquisa é questionar a existência do imposto sindical (ainda nos dias atuais, e diante da Convenção n. 87 da OIT), apontando para a possibilidade de sua extinção. Não há motivos pelos quais não seja abolido: contraria o princípio da liberdade sindical, e por outro lado, existem outras fontes de custeio da estrutura, como a taxa de reversão e a mensalidade dos sócios. PALAVRAS-CHAVES: FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA SINDICAL; CORPORATIVISMO; EXTINÇÃO DO IMPOSTO SINDICAL; LIBERDADE SINDICAL. RESUMEN Desde que la ofensiva neoliberal se implementó en Brasil, a partir de 1990, durante el Gobierno del Presidente Collor, se han elaborado diferentes reformas que han buscado modificar el texto constitucional para que el país tenga una mejor “adaptación” a la coyuntura político-económica internacional. Entre las diferentes reformas 7484

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O FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA SINDICAL E A LIBERDADE SINDICAL : PARA QUEM TEM SENTIDO O IMPOSTO SINDICAL?

EL FINANCIAMENTO DE LA ESTRUCTURA SINDICAL Y LA LIBERTAD SINDICAL: ¿PARA QUIÉN ES IMPORTANTE EL IMPUESTO SINDICAL?

Priscila Campana

RESUMO

Desde a ofensiva neoliberal, implementada no Brasil a partir de 1990, no governo Collor, várias têm sido as reformas elaboradas para a mudança do texto constitucional visando a melhor “adaptação” do país à conjuntura política-econômica internacional. Dentre várias reformas constitucionais, como a administrativa e a previdenciária, a reforma na estrutura sindical, estando atrelada às relações de trabalho, tem adquirido importância cada vez maior entre empresários, dirigentes sindicais, trabalhadores e operadores jurídicos. A atual estrutura sindical brasileira tem sua origem no governo de Getúlio Vargas, na década de 1940, com o estabelecimento do corporativismo, o qual tem como principais características a unicidade sindical e o atrelamento dos sindicatos ao Estado (representado também pelo imposto sindical). No entanto, continua impedindo a ratificação da Convenção n. 87 da Organização Internacional do Trabalho (sobre liberdade sindical), também da década de 1940, apesar de continuarem existindo inúmeros projetos de lei e propostas de emendas constitucionais tramitando no Congresso Nacional para alterar a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) com relação à estrutura sindical arcaica. Cabe ressaltar, a exemplo, que as proposições legislativas mais recentes (Proposta de Emenda n. 29/2003; n.40/2003; n.121/2003; n.314/2004; n.365/2005; 1.321/2007) continuam a não erigir verdadeiramente a liberdade sindical, pois não põem fim à unicidade sindical e à contribuição sindical obrigatória. O objetivo da pesquisa é questionar a existência do imposto sindical (ainda nos dias atuais, e diante da Convenção n. 87 da OIT), apontando para a possibilidade de sua extinção. Não há motivos pelos quais não seja abolido: contraria o princípio da liberdade sindical, e por outro lado, existem outras fontes de custeio da estrutura, como a taxa de reversão e a mensalidade dos sócios.

PALAVRAS-CHAVES: FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA SINDICAL; CORPORATIVISMO; EXTINÇÃO DO IMPOSTO SINDICAL; LIBERDADE SINDICAL.

RESUMEN

Desde que la ofensiva neoliberal se implementó en Brasil, a partir de 1990, durante el Gobierno del Presidente Collor, se han elaborado diferentes reformas que han buscado modificar el texto constitucional para que el país tenga una mejor “adaptación” a la coyuntura político-económica internacional. Entre las diferentes reformas

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constitucionales se encuentran la reforma administrativa y la del sistema de seguro social. Sin embargo, la reforma de la estructura sindical, vinculada a las relaciones de trabajo, ha adquirido cada vez más importancia entre los empresarios, dirigentes sindicales, trabajadores y ejecutores judiciales. La actual estructura sindical brasilera se originó en el Gobierno de Vargas, en la década de 1940, cuando se estableció el corporativismo, cuyas características principales son la unidad sindical y la vinculación de los sindicatos al Estado (también representado por el impuesto sindical). No obstante, aunque existan muchos proyectos de ley y propuestas de enmiendas constitucionales en el Congreso Nacional, que buscan modificar la Consolidación de las Leyes Laborales (CLT, en portugués), la estructura sindical sigue impidiendo que la Convención no87 de la Organización Internacional de Trabajo (también de la década de 1940 y que trata sobre la libertad sindical), sea ratificada. Cabe resaltar, como ejemplo, que las propuestas legislativas más recientes (Propuesta de Enmienda no 29/2003; no 40/2003; no 314/2004; no 365/2007) siguen sin erigir a la libertad sindical con plenitud, ya que no cortan la unidad sindical ni la contribución sindical obligatoria. El objetivo de esta investigación es cuestionar la existencia del impuesto sindical (todavía existente en la actualidad, y ante la Convención no87 de la OIT), señalando si existe la posibilidad de que se extinga. No hay motivos para que no sea abolido: niega al principio de la libertad sindical y, por otro lado, existen otras fuentes que pueden pagar la estructura, como la tasa de reversión (tipo de recaudación brasilera) y la mensalidad de los socios.

PALAVRAS-CLAVE: FINANCIAMENTO DE LA ESTRUCTURA SINDICAL; CORPORATIVISMO; EXTINCIÓN DEL IMPUESTO SINDICAL; LIBERTAD SINDICAL.

1 - Introdução

O processo de surgimento e desenvolvimento das entidades sindicais no Brasil, durante o período que se inicia com a imigração e a incipiente industrialização no final do século XIX, até a década de 1930, representou também paulatina positivação de direitos trabalhistas por meio de legislação esparsa. O aparecimento do movimento operário esteve relacionado à superexploração do trabalho humano, inerente ao sistema capitalista. A coesão levava, desta maneira, a uma melhor condição para reivindicar melhores condições de vida e trabalho perante os patrões. Os operários organizaram-se em mutualistas ligas, e, mais tarde, em sindicatos. O financiamento de suas associações dava-se somente com a mensalidade voluntária.

Na conjuntura do Estado Intervencionista, inserido no golpe de 1930, a organização operária, que antes ocorria de modo espontâneo, passou a ser "estruturada" e orientada funcionalmente para "colaborar" com governo de Getúlio Vargas. O imposto sindical, neste panorama, trouxe dependência dos sindicatos ao Estado, representando fomento para o exercício de suas "novas" funções assistencialista e colaboracionista.

Atualmente a organização sindical é respaldada por hibridez do artigo 8º da Constituição Federal de 1988. Ao mesmo tempo em que anuncia a não intervenção estatal nas questões internas dos sindicatos, conserva a unicidade sindical e a

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contribuição compulsória, pilares do corporativismo[1], além de ter criado a contribuição confederativa como mais uma fonte de custeio

Indaga-se a respeito da necessidade de uma substancial alteração no artigo 8º do texto constitucional, cotejada com as disposições contidas na Convenção n. 87 da OIT, sobre liberdade sindical[2], e possibilitando a extinção do imposto sindical O tema tem sido amplamente discutido no Congresso Nacional, por meio de uma grande diversidade de projetos de lei em tramitação. Em especial, as Propostas de Emenda Constitucional, a mais recente que é a n. 369/2005. Entretanto, as proposições mais avançadas eliminam gradativamente o imposto sindical, mas instituem outras formas de contribuição.

Abordar-se-á a característica de hibridez do art. 8º da Constituição Federal, a formação histórica da estrutura corporativa sindical, a teleologia política do imposto sindical, as outras formas de custeio da estrutura sindical e a falsa idéia de imprescindibilidade do imposto sindical para a organização das entidades sindicais.

2 - O sistema híbrido no artigo 8º da Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 manteve em seu texto, no artigo 8º, os principais elementos da estrutura sindical, e que estavam na CLT: a necessidade de reconhecimento do sindicato pelo Estado, a unicidade sindical, e as contribuições sindicais obrigatórias, embora tenha previsto no caput a liberdade de associação profissional ou sindical.

O texto constitucional, no inciso primeiro do mesmo artigo 8º, estabeleceu a vedação do poder público na intervenção da organização sindical, rejeitando a possibilidade de ação direta do Ministério do Trabalho nos atos internos dos sindicatos e atingindo vários dispositivos celetistas, como àqueles referentes à carta de reconhecimento e ao enquadramento sindical.

Desta forma, o sistema constitucional fixado é entendido como híbrido[3], mas ainda incompatível com os preceitos da Convenção nº 87 da OIT.

No mesmo sentido, RANDS sintetiza:

No Brasil, desde os anos 30, o modelo adotado discrepa do preconizado pela OIT. Os pressupostos do regime corporativista ainda vigente, embora de forma híbrida e mitigada, residem na visão do conflito como algo que deve ser sufocado pelo Estado por incompatível com a paz social e o desenvolvimento. Ao invés de reconhecer o conflito capital-trabalho como inevitável e adotar meios democráticos para sua solução, a concepção corporativista pretende simplesmente cancelá-lo.[4]

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A partir desta análise é possível dizer que no Brasil não existe autonomia sindical, mas que o Estado assume agora uma versão democrática de organização social, com a introdução, por exemplo, dos direitos sociais, na Constituição. Elucida BAYLOS, sobre esta versão, "contrapeso" da intervenção totalitária: "não obstante, a definição de 'autonomia' sindical não alcançará nestas versões um sentido de completa 'alteridade' frente ao Estado. Pelo contrário, supõe-se a relativa 'publicização' da atuação dos sindicatos e sua subordinação hierárquica aos fins estatais". Ou seja; foram suprimidas apenas algumas amarras, fazendo com que o movimento sindical atual busque ainda, um sistema de autonomia coletiva plena.[5]

Tanto porque, esta relativa autonomia acaba por trazer prejuízos para a organização legítima do movimento operário. Um deles, é a permanência da burocratização criada no seio da estrutura, e a proliferação de sindicatos "de carimbo", manipulados politicamente com a distribuição de cartas sindicais pelo governo. Enfatiza BOITO JR[6] que,

Da parte do governo, se ele não mais depõe diretorias sindicais, pode, contudo, usar o recurso de distribuir cartas sindicais às diretorias pelegas desalojadas de seus sindicatos, presenteando-as com um novo sindicato oficial, fruto do desmembramento de um antigo sindicato que tenha caído nas mão de uma diretoria sindical combativa.

Contra essa situação, entre outras, é que se coloca a necessidade, urgente, de reforma na estrutura sindical e, em específico, nos seus modos de financiamento.

A legislação sindical criada no governo de Getúlio Vargas, e símbolo de cooptação do movimento operário, deve ser modificada. Os órgãos sindicais foram "instituídos" para "colaborar" com os programas políticos e econômicos do Estado, tendo como peça-chave o imposto sindical, que serviria, inclusive, para enfraquecer a mobilização operária reivindicativa, pois a sustentação financeira não dependeria de representatividade direta e engajamento político dos operários. O Estado, desse modo, conseguiria de certa maneira, "despolitizar" os sindicatos. Contudo, hoje já não mais se sustenta tal justificativa, e os órgãos sindicais devem buscar formas democráticas de sustentação financeira.

O texto constitucional atual é dotado de hibridez porque conserva a unicidade sindical e a contribuição sindical obrigatória. Criou, além, a contribuição confederativa como mais uma forma de receita sindical.

3- A formação histórica da estrutura corporativa sindical

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No Brasil, existem registros da existência de associações sindicais, "não-oficiais"[7], desde a década de 1870. Havia mobilização operária na busca por melhores condições de trabalho diante do incipiente surgimento das fábricas e pequenas indústrias nacionais.[8]

As organizações mantinham-se com contribuições voluntárias e, não obstante as dificuldades, tinham sua "estrutura" própria e viviam mesmo sem legislação dispositiva a respeito. O sustento para a estrutura e funcionamento, dependia das contribuições dos associados, por meio de "vaquinha" e posteriormente, pelas chamadas mensalidades.[9]

No período getulista o quadro mudou, e a regulamentação no campo sindical, diferentemente do que ocorrera na área individual trabalhista, simbolizou cooptação do movimento operário e seu atrelamento ao Estado, como seu órgão de colaboração.

As leis surgidas amordaçaram a organização, antes espontânea, e criaram sua "estrutura": restringiram seu funcionamento e reprimiram sua atuação.

Não havia mais proibição para a formação de sindicatos, mas sim o condicionamento desta aos parâmetros legais.[10]

A "estruturação" sindical, nestes termos, vai significar o atrelamento da organização sindical, imposta de fora para dentro. O reconhecimento dos entes sindicais dependeriam, a partir deste momento, do enquadramento legal. Além disso, o Estado criou o imposto sindical, como "chave-do-tamanho"[11], complementando a função do sindicato como seu órgão prestador de serviços.

Em um panorama de greves e agitação social, com o pano-de-fundo de um Estado que passava a tomar para si funções "sociais", Getúlio Vargas passou para a história do Brasil como o "pai dos pobres" e o político instituidor dos reivindicados direitos trabalhistas.[12] Mas esta é apenas uma parte da história, contada tradicionalmente, e que esconde outro fato; o de que estava a serviço da industrialização nacional.

Quando Vargas assumiu o governo, num panorama de transição de uma economia agrário-exportadora para uma industrializante, modificou, com suas diversas medidas, a forma de organização operária, subordinando-a ao Estado. A estrutura sindical assim montada, e que é mantida parcialmente até hoje, foi fundamentada na Carta Del Lavoro, legislação trabalhista italiana na época do fascismo.

A organização sindical foi dotada então de uma "estrutura", imposta de "fora para dentro", tendo como característica principal o atrelamento do sindicato ao Estado. Isso simbolizou a necessidade de reconhecimento oficial-legal do sindicato pelo Estado, a existência da unicidade sindical, e das contribuições sindicais obrigatórias.[13]

O atrelamento ao Estado é representado com a subordinação do sindicato ao Ministério do Trabalho, que detém seu controle financeiro, através do imposto sindical fiscalizando sua aplicação e, que detém seu controle político e administrativo, através da uniformização dos estatutos e a direta intervenção na sua organização interna, inclusive cassando mandatos de dirigentes.[14]

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Por isso, uma das primeiras medidas do governo Vargas, ao assumir, foi a criação do Ministério do Trabalho. Visava-se com isso, a elaboração de uma política sindical para conter a classe dos trabalhadores dentro dos limites estatais.

A intensidade da intervenção do Estado na organização sindical é tema bastante conhecido para a doutrina que estuda este tema. De um modo clássico, por assim dizer, NASCIMENTO[15] sintetiza:

a criação dos sindicatos dependia do reconhecimento do Ministério do Trabalho, as categorias profissionais e econômicas foram organizadas pelo Estado através do 'enquadramento sindical', as entidades sindicais sujeitaram-se à intervenção em sua administração, incluindo o afastamento dos dirigentes da entidade, as confederações expunham-se à cassação por decreto do Presidente da República, os órgãos internos e as eleições sindicais submeteram-se a minuciosa legislação, as funções dos sindicatos, por princípio constitucional, foram delegadas pelo Poder Público (...).

Havia alguns motivos para tal cooptação: a conjuntura política e econômica que o país atravessava, e que impelia o Estado à certa coesão interna, proposital, a fim de enfrentar a industrialização propugnada; as constantes greves que assustavam as classes proprietárias dos meios de produção; e a incapacidade de contenção das reivindicações pelo modo repressivo. Neste último aspecto, "a repressão e coerção utilizadas pelas classes dominantes antes de 1930 para manter os trabalhadores sob controle, já não são suficientes e adequadas ao novo momento histórico do país e, então, buscam novos mecanismos".[16]

A outorga da representação sindical pelo Estado, sob a forma de monopólio, foi um destes mecanismos, que tornaram o sindicato oficial célula da estrutura sindical, independente dos trabalhadores e dependente do Estado: "sua representatividade, suas finanças e seu reconhecimento público pelo patronato e pela mídia dependem do registro".[17]

Este sindicalismo foi desenvolvido em sólidas bases de estatismo do tipo populista, nas expressões de BOITO JR, explicando-o:

A ideologia populista é a mitificação do Estado como entidade supostamente acima das classes sociais, cuja finalidade seria proteger, a partir de sua própria iniciativa livre e soberana, os trabalhadores da exploração capitalista. A ideologia do populismo sindical atualiza esse mito no terreno da organização sindical. Tal ideologia estatista visa compensar, através da proteção do Estado que assegura a representatividade do sindicato, os seus recursos financeiros e a obrigatoriedade legal de o patronato negociar com um organismo representativo dos trabalhadores, visa compensar, dizíamos, uma suposta debilidade e incapacidade organizativa congênita e insuperável dos trabalhadores. A tutela do Estado sobre os sindicatos aparece, então, aos olhos do trabalhador ou sindicalista penetrado pela ideologia populista, como uma vantagem.[18]

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Essa dimensão tutelar do Estado sobre o sindicato, é muito bem explicada por BAYLOS, quando a chama de versão totalitária: "sua principal característica é a construção coercitiva de uma unidade social, econômica e política sob direção do poder político, concebido então como poder total e unificado das relações sociais".[19]

Nesta concepção, a empresa era reconhecida pelo Estado como elemento central do sistema, estando a serviço do desenvolvimento da economia nacional. Fundiam-se, portanto, o interesse econômico da empresa e o interesse geral da nação, justificando a intervenção estatal em todos os setores sociais, inclusive no movimento sindical.

Não poderia haver, diante deste quadro, "conflito social", pois a unidade estatal estava acima de qualquer outro interesse:

o Estado unitário não pode permitir a expressão do conflito social, nem a formação de interesses coletivos à margem daqueles definidos pelo Estado ou pela empresa. A criminalização das formas de autotutela e a proscrição dos sindicatos e de seus meios de ação - freqüentemente substituídos por mecanismos administrativos públicos de gestão corporativa - constituem um elemento central dessa solução autoritária da organização social levada a cabo pelo Estado.[20]

A chamada luta de classes constituía-se em um "monstro" a ser exorcizado, e vários autores, na época, procuraram legitimar a interferência estatal no domínio do movimento sindical.

Num texto escrito em 1936, OLIVEIRA VIANNA justificou a necessidade de haver uma política de organização dos sindicatos. Para ele, o insolidarismo seria um problema inerente ao povo brasileiro, e que deveria ser resolvido pelo Estado.[21] As associações sindicais seriam, neste pensamento, as grandes expressões de solidariedade, a serem então estimuladas. Tal solidarismo deveria ser provocado pelo Estado, pois não existiria espírito de grupo no povo. Explicou ainda que as classes profissionais não haviam se organizado até então haja vista vários fatores, como: a dispersão geográfica da população e a influência do trabalho servil.[22]

O momento para a "organização" deveria ser aproveitado e o sindicalismo teria, nessa situação, "o papel de um agente corretivo ou retificador", fazendo parte de um processo rápido para a "criação e o desenvolvimento destas formas de solidariedade social ativa", que não se constituiu nos quatro séculos da história social do país.[23]

A instituição das associações sindicais teriam assim, o simbolismo de modificar a mentalidade individualista das classes trabalhadoras.

Os sindicatos viriam a ser, portanto, instrumentos de solidariedade, tendo função organizadora e integracional, como um órgão de colaboração do Estado. Para tanto, era

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necessário que o Estado criasse uma forma de sustentação para os sindicatos, e que não dependesse da filiação do trabalhador à entidade.

Assim, uma das peças fundamentais da dependência dos sindicatos ao Estado, sob o manto ideológico do populismo getulista, foi o estabelecimento do imposto sindical.

4- A teleologia política do imposto sindical

Esta fonte de custeio foi instituída pela Constituição de 1937, e consonante com o modelo corporativista[24] da organização sindical. O artigo 138 do diploma legal conferia aos sindicatos o poder de impor contribuições, e exercer funções delegadas de Poder Público. Assim, como órgão colaborador do Estado, o sindicato possuía, além do poder regulamentar[25], o poder tributário sobre sua categoria.

No ano de 1940, com o decreto-lei nº 2377, a contribuição passou a ter a denominação de "imposto sindical", e a especificação de como funcionaria sua arrecadação. Por meio dele, houve estipulação dos seus valores e épocas de pagamento, a ordenação do desconto em folha, estabelecendo o momento do recolhimento pelas empresas e a indicação do montante a ser distribuído pelos sindicatos aos entes de grau superior. Além disso, atribuiu ao Ministério do Trabalho poderes para regulamentação e fiscalização do sistema.

Esta fonte de custeio está prevista nos artigos 578 a 591 da CLT, possui natureza tributária e é recolhida compulsoriamente pelos empregadores no mês de janeiro e pelos trabalhadores no mês de abril de cada ano. O art. 8º, IV, in fine, da Constituição Federal de 1988 prescreve o recolhimento anual por todos aqueles que participem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, independentemente de serem ou não associados a um sindicato, e sem possibilidade de oposição. Sua destinação é o custeio do sistema confederativo, visando aplicação em atividades assistencialistas e administrativas, sob supervisão do Ministério do Trabalho.

Constituindo-se numa anuidade a ser paga obrigatoriamente por todos os trabalhadores, sejam ou não sindicalizados, o imposto corresponde a um dia de trabalho, e efetua-se pelo desconto em folha de pagamento. Esta contribuição, conforme redação alterada pela Lei n. 11.648/2008, é assim distribuída: 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente; 10% (dez por cento) para a central sindical representativa; 15% (quinze por cento) para a federação; 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e 10% (dez por cento) para a "Conta Especial Emprego e Salário", administrada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, cujos valores integram os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. [26]

A partir do artigo 592 da CLT, há dispositivos relacionados à aplicação da contribuição sindical pelos sindicatos, e que deverá visar, entre outros, os seguintes objetivos, no caso dos empregados: assistência jurídica, assistência médica, dentária, hospitalar, bibliotecas, creches, colônias de férias e centros de recreação, finalidades desportivas e sociais, educação e formação profissional.

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Isto significa que, além de propiciar um "agigantamento" estatal, e seu fortalecimento via unidade nacional, um dos grandes objetivos da implementação do imposto, preconizado pelo governo da época, era o de servir como instrumento de controle social, por meio do assistencialismo, do lazer e da educação como disciplina. Quer dizer, deveria fomentar um sistema destinado a conter o trabalhador em espaços próprios, como mostra DECCA[27]:

Os meios operários foram vistos por instituições e grupos dirigentes, desde os fins do século XIX, como extremamente perniciosos para a 'moral e disciplina do trabalho', focos de agitação e revolta social. Hábitos operários no escasso tempo de lazer eram considerados vícios e a recreação do operariado era considerada 'improdutiva'.

As tentativas de disciplinar o trabalhador por meio do lazer foram marcadas pelo patrocínio de campeonatos de futebol e do esporte por fábricas: "a seção de campos de atletismo, estádio e piscinas tinha como função construir, sobretudo nos bairros operários, campos para atividades ecléticas, ginásticas esportivas, a fim de 'desviar, dos ambientes improdutivos ou prejudiciais, os operários em folga no tempo disponível que lhes faculta o regime de trabalho".[28]

Assim, como um dos meios mais eficazes de cooptação dos sindicatos, a contribuição sindical surgiu permitindo que o Estado legislasse e fiscalizasse a aplicação das verbas dele decorrentes. Além disso, sendo obrigatória, nasceu ferindo o direito trabalhista de livre disposição salarial pelo trabalhador, e propiciando às diretorias das entidades sindicais, verba necessária à conservação do assistencialismo e da burocracia, levando conseqüentemente à passividade perante os empregadores e ao Estado.

Contudo, após a ditadura militar, a discussão e possibilidade de alteração legal sobre o tema tiveram terreno para ocorrer com "o processo de abertura política e o ressurgimento dos movimentos grevistas a partir de 1978, que recolocaram os sindicatos no cenário político-institucional, reacenderam a preocupação em torno das mudanças possíveis na estrutura sindical corporativa e no sistema de relações do trabalho"[29].

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 8º, IV, legitima sua cobrança, embora esteja ela completamente confrontante com o princípio da liberdade sindical e da não interferência estatal nos assuntos sindicais: "a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha para o custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei".

A tão discutida previsão constitucional desta taxa deveu-se às contradições nos debates durante a Constituinte. A redação resultante dela impediu, assim, a ratificação da Convenção 87 da OIT, que trata da liberdade sindical, vindo ao encontro da idéia de manutenção da contribuição sindical.

O que ocorreu, foi, conforme explicam GOMES e D'ARAÚJO[30],

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um artifício promovido basicamente pelas federações de trabalhadores e de empresários, cujo fiador fora o senador Albano Franco (PMDB/AL). Dispondo de 20 votos, sem os quais o Centrão ficaria ameaçado de se tornar minoria, o senador-empresário assegurou, com essa redação, a manutenção da contribuição sindical (nos termos da CLT) e do arcabouço do sistema confederativo, desencadeando uma controvérsia sobre a obrigatoriedade ('será descontada') da contribuição confederativa votada pelas assembléias sindicais e que, indiscutivelmente, tem o poder de alcançar os não-filiados.

Desse modo, tais contribuições implementam o sistema de financiamento sindical, já formado por mensalidades e taxas assistenciais.

Com as mudanças trazidas pela Constituição de 1988 houve intensa proliferação de sindicatos e, de lá para cá, a também crescente preocupação pelo fim da contribuição sindical, que sempre simbolizou a perpetuação de um sistema burocratizado e viciado em vantagens pessoais dos dirigentes sindicais.[31]

5 - Outras formas de financiamento do sistema sindical

Este tópico tem a finalidade de entender quais são as fontes de custeio da estrutura sindical, qual a origem de cada uma delas e sua aplicação. Para tanto, é necessário compreender que o sistema jurídico de financiamento sindical é "o conjunto ordenado e complexo de normas jurídicas, voltado para a regulamentação dos procedimentos de arrecadação de receitas e manutenção dos sindicatos".[32]

Deste modo, demonstrar-se-á como o financiamento da estrutura sindical é peça-chave nesta construção de um novo modelo sindical. Foi no passado motivo de cooptação dos sindicatos ao Estado e, neste momento, deve ser repensado como possibilidade de desatrelamento e, ao mesmo tempo, como possibilidade de uma verdadeira autonomia sindical.

Atualmente existem quatro fontes principais de custeio da estrutura sindical brasileira: (a) a contribuição sindical (denominado originalmente de "imposto sindical") em que o trabalhador tem descontado um dia de trabalho por ano de seu salário, por pertencer a uma categoria econômica ou profissional; (b) a contribuição associativa ("estatutária" ou "mensalidade do sócio", autorizada pela CLT) que permite ao associado a fruição das atividades de seu órgão de classe e a utilização dos serviços médicos, recreativos e odontológicos oferecidos; (c) a contribuição assistencial ("contribuição de solidariedade", "desconto assistencial" ou "taxa de reversão") que é prevista por convenção coletiva ou por sentença normativa e, (d) a contribuição confederativa, criada pela Constituição Federal de 1988, e que se destina ao custeio do

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sistema confederativo, devendo ser votada em assembléia e descontada em folha de pagamento.

5.1 - O imposto sindical: o mito de sua imprescindibilidade

O que se pergunta neste ponto, é se as entidades sindicais sobreviveriam diante do fim desta arrecadação. A origem desta fonte de custeio já foi contemplada.

Pontualmente, levantar-se-á a respeito da importância atual desta contribuição para a organização sindical.

Tem sido pacífico para muitos estudiosos no assunto[33], que a idéia de que o imposto sindical simboliza fonte de custeio principal dos sindicatos é um mito:

não é mais por meio da Contribuição Sindical que a receita dos sindicatos ganha alento substancial mais recentemente. Seus recursos compreendem, como vimos, vários tipos de arrecadação, tais como mensalidades, taxas assistencial e confederativa, contribuição sindical, doações, aplicações financeiras etc. Se tomarmos o conjunto de 9.120 sindicatos, constataremos que para 21% deles a Contribuição Sindical representa mais de 50% das respectivas receitas, enquanto para 29% ela representa apenas um índice de até 10% das mesmas.[34]

Recentemente, CARDOSO[35], por meio de estatística, tem analisado mais de perto a questão, afirmando que os sindicatos no Brasil, são financiados, predominantemente, pelas contribuições associativas, e não pelas contribuições sindicais. Sustenta que faz tempo que os sindicatos estão deixando de lado a predominância do imposto sindical como fonte. Ao mesmo tempo, enumera vários motivos para que este fenômenos esteja ocorrendo: a CUT desde 1988 passou a estimular a devolução do imposto aos trabalhadores filiados[36]; a Força Sindical posiciona-se contra o imposto, e tem buscado alternativas de financiamento, e os sindicatos patronais, 43% deles, em 1992, dependiam em 10% ou menos desta receita[37].

Explicando melhor a redução na dependência financeira do imposto sindical, CARDOSO escreve que

se tomarmos o ano de 1992 como parâmetro (último sobre o qual dispomos de informação censitária), veremos que 48,5% dos sindicatos nacionais tinham 30% ou menos de sua receita compostos pelo imposto sindical. Isso significa que, para metade dos sindicatos brasileiros existentes em 1992 o imposto não era uma fonte de renda insubstituível, no sentido de que, com seu fim, esses sindicatos não estariam

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condenados ao desaparecimento. (...) Essa reestruturação institucional não necessariamente inviabilizaria sua sobrevida, podendo inclusive torná-la mais eficaz. Estamos falando aqui, de pouco mais de 5.300 sindicatos. (...) Para 8% dos sindicatos que dependiam entre 30% e 50% do imposto, sua extinção não necessariamente inviabilizaria a continuidade da ação sindical, mas torná-la-ia bastante difícil; e descobrimos enfim que, para pelo menos 12% dos sindicatos existentes em 1992, o fim do imposto representaria, muito provavelmente, um golpe definitivo, porque mais da metade de sua receita dependia dessa fonte compulsória. [38]

Corroborando a busca por novas alternativas para o financiamento sindical, na iminência da reforma que suprime o imposto compulsório, o Secretário de Finanças do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Cláudio Spicciati BARBOSA[39], conta que seu sindicato é contra a sua cobrança, e que a arrecadação provém, fundamentalmente, das mensalidades, existindo também outros modos de receita:

alugamos espaço para propaganda e colocação de outdoor na fachada do prédio, reservado alguns critérios (...); alugamos o espaço da lanchonete; temos convênios; seguro de automóveis e seguro de vida. Todas são formas alternativas de arrecadação, não é muita coisa, mas dá para pagar o salário de cinco a seis funcionários, não é um valor desprezível. Os sindicatos precisam procurar alternativas para arrecadar dinheiro.

No mesmo sentido, COUTINHO[40], diretor tesoureiro do Sindicato dos Comerciários de Salvador, faz o relato da experiência de sua organização sindical. Diz ele que a primeira providência da nova diretoria foi a de reduzir o quadro de funcionários e, posteriormente, restringir o número de médicos, dentistas e advogados contratados, ajustando o papel assistencialista. Sobre o financiamento, discorre que

a contribuição é maior por meio da taxa assistencial, criada no início da gestão classista no sindicato. Ela tem uma importância significativa para a entidade e representa cerca de 60% da nossa arrecadação. É uma taxa pequena, de R$ 2,90, descontada dos trabalhadores não sindicalizados de forma parcelada, a cada dois meses, para não exigir muito do comerciário. Com o enxugamento da máquina administrativa e a introdução da taxa assistencial, tivemos um aumento que permitiu a modernização do sindicato, a reforma da sede e a informatização da maioria dos serviços para dar mais conforto aos associados.

Assim, percebe-se que a retomada dessa discussão leva os sindicatos à procura de alternativas para a auto-sustentação financeira, para a (re)definição do seu modelo de arrecadação atrelado ao Estado e, conseqüentemente, à mobilizações orientadas no sentido de se buscar maiores níveis de sindicalização.

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A Central Única dos Trabalhadores, em diversos seminários, tem discutido essas questões, e procurado soluções para que haja fortalecimento do movimento sindical com fundamento nos preceitos da auto-sustentação e auto-gerenciamento, pilares da desejada liberdade sindical ainda não conquistada.

5. 2 - A contribuição associativa

A mensalidade do sócio é a contribuição historicamente mais antiga, estando relacionada à livre filiação e à voluntariedade. Possui origem nas primeiras leis sindicais, de 1903 e 1907 e é cobrada dos associados do sindicato na forma dos seus respectivos estatutos, ou pelas assembléias gerais.

Esta contribuição está prevista no artigo 548, "b", da CLT: "constituem patrimônio das associações sindicais... b) as contribuições dos associados, na forma estabelecida nos estatutos ou pelas assembléias gerais".

Nesta forma em que o associado voluntariamente contribui para seu sindicato, tal receita tem um significado especial: é o modo de contribuição mais democrático entre todos, pois tem origem na livre vontade do associado, que, filiado, aceita as disposições estatutárias da respectiva associação sindical, estando engajado e "comprometido" com ela.

A mensalidade do sócio apenas tem validade se prevista nos estatutos, ou se for depois instituída por assembléia geral do sindicato. Sua finalidade é a aplicação na criação de serviços e benefícios aos associados dos sindicatos, e atender à manutenção de tais serviços e benefícios.

A aplicação do recurso fica a critério da associação sindical, não sendo limitada legalmente: "a associação sindical é livre para gastar o dinheiro da contribuição associativa, respondendo unicamente aos associados, nos casos de malversação da verba derivada desta modalidade de contribuição voluntária. Portanto, é uma receita desvinculada, de aplicação discricionária, respeitando exclusivamente à vontade da assembléia geral".[41]

De natureza contratual, o sindicato estipula a contribuição e o sócio, filiado, terá poderes mais amplos do que os demais representados "não-sócios", como o de ocupar cargos de direção sindical.

5.3 A contribuição assistencial

Embora não possua base legal expressa, tem seu fundamento nas normas coletivas, que têm efeitos normativos[42].

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É uma fonte de custeio fixada no início da vigência de uma convenção coletiva de trabalho ou sentença normativa da categoria, em função das conquistas, principalmente salariais, alcançadas pelo sindicato por meio desses instrumentos. As despesas neste sentido são grandes, com a publicação de editais em jornal de grande circulação, com a contratação de assessorias, com despesas relativas a fotocópias para formalização do processo de dissídio coletivo, com a impressão de boletins informativos à categoria entre outras despesas[43].

Trata-se de uma receita convencional e facultativa. O próprio Ministério Público do Trabalho, tem utilizado a lei, de modo taxativo, para inibir o desconto compulsório da contribuição para todos os representados.

A doutrina clássica considera essa fonte de receita como convencional porque deriva de convenção coletiva de trabalho. Considera sua facultatividade diante da necessidade de autorização do trabalhador para que haja o seu desconto, conforme o artigo 545 da CLT.[44] Entretanto, para NASCIMENTO[45], a Constituição Federal, em seu artigo 8º, IV, atingiu diretamente o direito de oposição do empregado ao desconto em folha, que tem base no artigo 545 da CLT. Tal inciso constitucional permite o recolhimento de contribuições, legais, para o sindicato.

Assim, com a instituição da contribuição confederativa, é possível também o recolhimento da taxa assistencial de todos os representantes da categoria. Estas duas formas de custeio são, inclusive, neste tema, objeto de grandes controvérsias jurisprudenciais.

5.4 - A contribuição confederativa

Essa receita é objeto de reforma constitucional no artigo 8º da Constituição Federal, no inciso IV, que dispõe: "a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei".

Tem como objetivo, portanto, o custeio do sistema confederativo: "é a prestação pecuniária, espontânea, fixada pela assembléia geral do sindicato, tendo por finalidade custear o sistema confederativo".[46]

Diferente da mensalidade porque recai sobre toda a categoria, e diferente do imposto sindical porque não é disciplinada em lei, essa contribuição resulta do estatuto do sindicato e indica a assembléia como competente para sua fixação e estabelecimento de sua disciplina normativa. Por isso é que pode ser, inclusive, identificada com a taxa assistencial, descrita anteriormente, embora não guarde relação com as negociações coletivas.

A estipulação da contribuição confederativa é facultativa, mas, depois de aprovada, o desconto nos salários dos empregados atingidos, membros da categoria,

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passará a ser obrigatório, devendo a empresa efetuar necessariamente o recolhimento aos cofres sindicais.

O preceito é inovador na ordem jurídica do direito coletivo trabalhista, e enfatiza o papel dos estatutos e da assembléia na organização, e auto-gerenciamento, dos sindicatos. Significa isto um reconhecimento pela autonomia sindical, e um avanço, pois revoga artigos da CLT que procuravam disciplinar questões internas administrativas das entidades.

6 - Considerações finais

Não obstante tratar-se de um momento adverso para trabalhadores e sindicatos, haja vista as alterações ocorridas nas relações de trabalho, por meio da reestruturação produtiva, e o conseqüente aumento das taxas de desemprego, provocando desmobilizações, é necessária reforma que propugne pela real liberdade sindical (com supressão da unicidade e do imposto compulsório). Só deste modo haveria possibilidade para a ratificação da Convenção n. 87 da OIT.

Os sindicatos são importantes sujeitos de luta na conquista e garantia de efetividade dos direitos trabalhistas, sendo essenciais no desempenho de representação coletiva da classe trabalhadora. Contudo, a estrutura da organização sindical é arcaica do ponto-de-vista político, pois permanece com caracteres de subordinação ao Estado, e deve ser repensada.

Isto porque, afinal, a sustentação e manutenção para a melhor organização de um sindicato de trabalhadores tem como pressuposto básico o exercício de decisão a respeito de suas próprias receitas e o direito de arrecadá-las, sem interferência do Estado.

Por outro lado, a resistência de grande segmento contrário às reformas, passa pelo receio, no que diz respeito ao custeio, à pulverização e desaparecimento do movimento sindical. As propostas de emenda mais 'progressistas' indicam extinção gradativa do imposto sindical. A justificativa de centrais sindicais, como a suprimida Central Geral dos Trabalhadores[47], é que, em meio às políticas econômicas, à reestruturação produtiva, às flexibilizações de direitos, ao desemprego, o movimento operário desapareceria sem o financiamento originado compulsoriamente por meio do imposto.

Não obstante, seria o momento de procurar alternativas diversas, como campanhas de sindicalização, e a possibilidade de um "sindicalismo social" (trabalho conjunto com outros movimentos sociais, com cooperativas, com os milhares de desempregados), buscando coalizão.

Não existem respostas, mas reflexões no anseio por um novo modelo de organização sindical. O sistema atual é anacrônico e o sistema indicado pelas Propostas de Emendas Constitucionais em proposição (n. 40/2003, n. 29/2003, n. 121/2003, n. 314/2004, n.

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252/2004 e nº 369/2005) não asseguram as bases de uma real liberdade sindical, e a conseqüente possibilidade de ratificação, pelo Brasil, da Convenção n. 87 da OIT, embora possam simbolizar a transição para uma nova realidade.

Um outro modelo deve ser construído. E deve estar sobre bases democráticas de discussão no cerne do próprio movimento sindical. Como ensina BAYLOS[48], "afinal de contas, o Direito do Trabalho se refaz sempre sobre novos equilíbrios, nos quais a vontade e a ação dos sujeitos são decisivos. Por isso, este ramo do ordenamento é certamente um modelo para armar". Mais ainda, propugnando um real, e não híbrido, modelo constitucional de liberdade sindical.

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[1] A organização sindical no Brasil esteve atrelada ao corporativismo de raiz italiana. O corporativismo surgiu nas primeiras décadas deste século, durante o fascismo, com Mussolini, que organizou os sindicatos italianos nos moldes de subordinação e dependência ao Estado, com a política de paz social e colaboração entre as classes, conciliando trabalho e capital. Das várias concepções do sindicalismo no mundo (anarquista, reformista, cristã e comunista) e que fogem ao objeto desta pesquisa, a que teve aplicação no Brasil foi a corporativa. Assim, os sindicatos deviam ficar sob o controle estatal, não tinham autonomia, pois eram tidos como parcela do Estado, exercendo funções transferidas por este. Princípios norteadores deste modelo são a

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unicidade sindical, a verticalidade e o enquadramento oficial tutelado pelo Estado. ANTUNES, Ricardo. O que é sindicalismo, p. 28.

[2] Para Octávio Bueno Magano, liberdade sindical representa "(...) o direito dos trabalhadores e empregados de não sofrerem interferências, nem dos poderes públicos nem de uns em relação aos outros, no processo de se organizarem bem como o de promoverem interesses públicos ou de grupo a que pertençam" (Manual de Direito do Trabalho, Vol III, p. 24).

[3] Questiona-se sobre sua estampada contradição, pois o sindicato único e as contribuições sindicais obrigatórias, acabam por significar a intervenção do poder público na organização sindical. Sobre a hibridez, Marco Antônio de Oliveira defende que "o novo texto constitucional acabou preservando o cerne da legislação sindical corporativa. Foram suprimidas as formas de intervenção direta do Estado nos assuntos internos dos sindicatos e reconheceu-se formalmente a liberdade sindical, mas manteve-se a unicidade, as contribuições obrigatórias e o poder normativo da Justiça do Trabalho, resultando daí um 'sistema híbrido'. OLIVEIRA, Marco Antônio. A reforma do sistema de relações de trabalho e suas implicações para o sindicalismo brasileiro. Texto apresentado na ANPOCS, Caxambu, 1999.

[4] RANDS, Maurício. O poder normativo da Justiça do Trabalho e a reforma do Direito do Trabalho, p. 98.

[5] BAYLOS, Antonio, Direito do trabalho, p. 72.

[6] BOITO JR, Armando. Reforma e persistência da estrutura sindical, p. 89.

[7] Durante o período colonial, somente se tem notícia de "confrarias", e não de organizações trabalhistas. As que existiam tinham cunho religioso, desempenhando um papel assistencial, e serviam também para regulamentar alguns aspectos profissionais, como a da aprendizagem de um ofício. Tiveram destaque àquelas dos oficiais mecânicos e outros trabalhadores, no decorrer dos séculos XVII e XVIII, organizados conforme modelos portugueses de associação. A Confraria de São José, na Bahia, associava carpinteiros e pedreiros, disciplinando o exercício de suas funções, arrecadação de dinheiro para o santo protetor e habilitação para a profissão. HARDMAN, Foot et al.,História da indústria e do trabalho no Brasil, p. 100.

[8] O operário incipiente, apesar das dificuldades, foi se organizando em mutualistas e em ligas, administrando mobilizações por meio de greves e publicações de jornais, inspirados pelas experiências européias. Surgiram organizações de Auxílio Mútuo, as Câmaras de Trabalho, as Ligas Operárias, e os Sindicatos de Resistência, e as Cooperativas.

[9] AROUCA, José Carlos. Repensando o sindicato, p. 217.

[10] No Brasil, a crise mundial de 1929 favoreceu o desenvolvimento interno capitalista do país. A produção antes exportável direcionou-se para o mercado interno e o crescimento industrial projetou então a intervenção do Estado no mercado, como planejador econômico através de atuações a favor da burguesia industrial nacional, atendendo a reivindicações a favor da iniciativa privada capitalista. Todavia, neste

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processo, as greves se multiplicaram. O governo Vargas, então, procurou criar elos fortes com a classe operária, pondo em prática mecanismos de conquista ideológica e de disciplinamento de suas organizações sindicais, como seu atrelamento ao Ministério do Trabalho. O objetivo era a contenção do movimento dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, a criação de mercado de consumo para indústrias nacionais.

[11] Um instrumento capaz de aumentar as dimensões dos sindicatos e, por intermédio deles, fazer crescer o país. Este mecanismo seria o imposto do sindical, metaforizado como "chave-do-tamanho" por Angela Gomes de Maria Celina D'Araújo, que, em sua explicação, emprestam de Monteiro Lobato a expressão: Emília, um de seus personagens, em uma de suas viagens, chega a um lugar não-identificado e vê-se diante de um casarão cujo letreiro mostra simplesmente: "Casa das Chaves". Ela entra na casa, depara-se com uma parede repleta de chaves e conclui que só pode ser as chaves que regulam "todas as coisas do mundo". Como está em busca da chave "que abre e fecha as guerras", por causa da Segunda Guerra Mundial, resolve ir experimentando os objetos, até encontrá-la. No entanto, quando alcança uma das chaves, "acontece algo inteiramente fantástico: tudo se transforma diante de seus olhos de boneca e ela quase morre de falta de ar debaixo de uma montanha de panos. Só depois de um certo tempo e reflexão diante dos novos fatos produzidos ela percebe que 'encolheu' e que, portanto, mexera na 'chave do tamanho', aquela capaz de alterar as proporções de todas as coisas vivas do mundo, fazendo-as crescer ou diminuir de um momento para outro". A narrativa serviu, no caso, para elucidar também que ainda hoje o imposto sindical possa ser a "chave do tamanho", conforme as autoras. GOMES, Angela de Castro e D'ARAÚJO. A extinção do imposto sindical, p. 317.

Fundamentos históricos do direito social[12] TINOCO, Brígido. , pp. 142 e 144. Para o autor, "a revolução de 1930 revelou Getúlio Vargas. Perder-se-ia o Brasil no caos se o novo condutor, nesse momento excepcional da histórica, não possuísse admirável espírito público e equilíbrio. Sem sombra de ódios, observou a realidade brasileira, disciplinou apetites e desenhou o programa social da nação. (...) Sem agitação, sem alardes, Getúlio Vargas iniciou ampla reforma social, considerada pouco antes como questão de polícia. (...) Suas leis introduziram sangue novo na vida do país, envenenado por uma luta surda de classes durante quatro séculos. Antecipando-se à reação das massas pela solução do problema, revigorou a consciência nacional, até então empenhada em surtos revolucionários".

[13] BOITO JR, Armando. Reforma e persistência da estrutura sindical, p. 51. Conforme o mesmo autor, tanto a unicidade sindical quanto as contribuições sindicais obrigatórias pressupõem o reconhecimento oficial-legal dos sindicatos: "para um sindicato ser o único representante de um determinado segmento de trabalhadores por força de lei, é necessário que o Estado determine qual é esse sindicato, ou seja, é necessário que o Estado reconheça oficialmente esse sindicato como único representante de tais trabalhadores para efeito de negociação, acordos e convenções coletivas de trabalho. Para um sindicato receber em seu cofres os recursos provenientes das contribuições obrigatórias, também é necessário que ele seja oficialmente reconhecido como sindicato: no caso das taxas arrecadas pelo Estado e repassadas aos sindicatos, como o antigo imposto sindical, o registro oficial do sindicato junto ao Estado é o elemento que permite saber quem pode e quem não pode participar do rateio: (...), no caso dos impostos arrecadados diretamente pelos sindicatos, como a taxa assistencial, o

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registro sindical identifica a entidade que pode, legalmente, exercer esse poder tributário delegado pelo Estado", p. 52.

[14] A lei conferia ao Estado poderes de: aprovação (reconhecimento dos sindicatos pelo Estado, para sua existência), estipulada nos artigos 515 e 532 da CLT, destituição (artigos 553 § 2º e 554 da CLT), intervenção para administrar o sindicato (art. 528 da CLT), anulação (possibilidade dada ao Ministério do Trabalho para apreciar todo ato da diretoria, conforme art. 542 da CLT) e controle orçamentário pelo Ministério do Trabalho sobre as entidades sindicais, dependendo de sua anuência e aprovação.

[15] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito sindical, p. 191.

Desatar os nós das relações de trabalho[16] INFORMACUT. . janeiro de 1995, São Paulo.

[17] BOITO JR, Armando. Reforma e persistência da estrutura sindical. p. 52.

[18] BOITO JR. Reforma e persistência da estrutura sindical, p. 56.

[19] BAYLOS, Antonio. Direito do Trabalho: modelo para armar, p. 67. O autor elucida que o Estado liberal lentamente passou a ser centro da vida econômica, fosse por uma necessidade técnica apontada por Keynes ou fosse pela "necessidade de controle e pacificação dos fenômenos de dissenso que revelavam o caráter antagônico da emergência de uma classe operária organizada", assumindo um novo papel como organizador social e econômico. Isso aparece, contudo, em duas versões: totalitária e democrática.

op. cit.,[20]BAYLOS, Antonio, p. 67.

[21] Conforme o autor, "durante todo o período de sua formação histórica, o homem brasileiro sempre agiu sob a inspiração do espírito individualista" e nunca "precisou agir (...) como agente de interesses coletivos gerais, isto é, de interesses que transcendessem o âmbito do seu interesse individual ou de clã". É o que chama de "quadrissecular linha de individualismo" . O Estado nacional, neste contexto, tem o dever de "amparar, estimular e desenvolver todos aqueles movimentos privados que representam, no nosso povo, expressões de cooperação, de agregação, de solidariedade social ativa" . VIANNA, Oliveira. Ensaios inéditos, pp. 271 a 273.

[22] VIANNA, Oliveira, Ensaios inéditos, p. 272.

[23] VIANNA, Oliveira, Ensaios inéditos, p. 273.

[24] Como já foi anteriormente visto, o corporativismo da estrutura sindical tem como características a falta de liberdade e da intervenção compulsória e autoritária do Estado sobre as organizações sindicais; imposição da unicidade sindical e monopólio de representação sindical; verticalismo; limitações ao direito de greve; sistema contributivo compulsório e poder normativo da Justiça do Trabalho. InformaCUT, São Paulo, Janeiro de 1995, p. 33. Ou seja, o corporativismo é entendido "como forma de organização das classes sociais pela ação reguladora do Estado, que busca integrar em si

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a representação do Capital e do Trabalho através de organizações verticais e não conflitivas". CRIVELLI, Ericson. Democracia sindical no Brasil, p. 18.

[25] Poder entendido como o de estabelecer, por meio de convenções coletivas, regras gerais sobre contrato de trabalho, obrigatórias mesmo para os que, pertencendo à categoria, não sejam, entretanto, seus associados.

[26] O FAT é um fundo formado com recursos desta parte da contribuição sindical, mais recursos do Programa de Integração Social - PIS, e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP. É administrado por um Conselho Deliberativo (CODEFAT), constituído por um colegiado de nove membros: três representantes dos trabalhadores, três dos empregadores e três do Governo Federal. O Ministério do Trabalho utiliza seus recursos para custear, por exemplo, o seguro-desemprego. O CODEFAT foi instituído pela lei nº 7998, de 11 de janeiro de 1990.

Cotidiano de trabalhadores na República[27] DECCA, Maria A. Guzzo de. , p. 57.

[28] DECCA, Maria Guzzo de. op. cit., p. 62. A autora ainda comenta sobre o caráter preventivo, educativo e utilitário dos parques infantis, como forma de lazer organizado para os filhos de operários: "os parques infantis deveriam constituir ainda o laboratório para inúmeras pesquisas e inquéritos dentro do espírito de 'racionalidade científica' geral do período. Assim, através dos parques infantis, se analisaria a ascendência das crianças nele registradas. Pretendia-se, inclusive, por meio dos pequenos freqüentadores dos parques, estabelecer as origens da população da cidade de São Paulo e a diferenciação das classes sociais".

[29] CRIVELLI, Ericson. Democracia sindical no Brasil, p. 10.

[30] GOMES, Angela de Castro e D'ARAÚJO, Maria Celina. A extinção do imposto sindical, p. 333.

[31] GOMES e D'ARAÚJO. A extinção do imposto sindical: demandas e contradições., p. 340. As autoras ainda assinalam, na mesma página, que "nada menos do que duas mil novas entidades aguardavam registro ainda em 1989, entre elas o sui generis Sindicato dos Empregados de Sindicatos". Atualmente existem cerca de 16.000 sindicatos no Brasil, conforme a Exposição de Motivos nº 57/GM/MTb, justificando a importância na modificação da organização sindical e da Justiça do Trabalho por meio da PEC 623/98.

Sistema jurídico de custeio dos sindicatos[32] LEBRE, Eduardo Antonio Temponi. , p. 105.

[33] Existem trabalhos específicos a respeito do tema. Além de GOMES e D'ARAÚJO, comparam a pesquisa com a de Armando Boito Jr.: "(...)embora a contribuição sindical não seja desprezível enquanto item de composição da receita dos sindicatos, ela não é atualmente, tal como no passado, a principal fonte de renda para a maioria deles - apenas 24% dos sindicatos que declararam sua receita têm na contribuição um fator de arrecadação equivalente a mais de 50%. Tais dados, confrontados com os de Boito Jr, mostram que essa tendência é expressiva, mesmo quando o recorte é diferente daquele feito pelo IBGE. Ao analisar um grupo de sindicatos de petroquímicos, bancários,

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vidreiros, aeronautas e metalúrgicos de São Paulo, Paraná, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, Boito mostra que, mesmo antes da Constituição de 1988, que criou a taxa confederativa, a contribuição sindical já não era a principal fonte de recursos para aqueles sindicatos. De fato, 30% de suas receitas eram obtidas por meio de mensalidades, outros 30% de taxa asssitencial, 22% de contribuição sindical e 18% de outras fontes e de aplicações financeiras". GOMES e D'ARAÚJO, A extinção do imposto sindical, p.335. Outro cientista social que estuda o assunto em várias obras, é Adalberto Moreira Cardoso como se verá.

[34] GOMES e D'ARAÚJO, op. cit., p. 335.

[35] O autor demonstra que o imposto sindical, por consenso de vários setores, pode e deve acabar imediatamente, reformulando o sistema de financiamento sindical. CARDOSO, Adalberto Moreira. Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal, p. 169.

[36] Alguns exemplos são: os metalúrgicos do ABC, os bancários da capital paulistas, todos os sindicatos de petroleiros filiados à CUT, e a Apeoesp (Sindicatos dos Professores do Estado de São Paulo).

[37] CARDOSO, Adalberto Moreira. Os cativos: notas sobre o financiamento da representação sindical no Brasil, p. 55.

[38] CARDOSO, Adalberto Moreira. Os cativos: notas sobre o financiamento da representação sindical no Brasil, p. 52.

[39] BARBOSA, Cláudio Spicciati. Readequar os recursos sem perder o rumo, p. 110.

[40] COUTINHO, Eliúdes. Relato de Experiências. Anexo., p. 122.

[41] LEBRE, Eduardo. op. cit., p. 88.

[42] O artigo 462 da CLT permite desconto salarial quando resultante de lei ou contrato coletivo.

[43] RAMOS FILHO, Wilson. A contribuição assistencial sindical sob uma certa ótica do Ministério Público do Trabalho e de uma parcela do Judiciário, p. 302.

[44] Amauri Mascaro do Nascimento denomina tal taxa como sendo uma obrigação condicional, pois a cláusula da convenção coletiva que a prevê não basta para sua exigibilidade. É necessária ainda a autorização do trabalhador. NASCIMENTO, Amauri. Direito sindical, p. 213.

[45] NASCIMENTO, Amauri. Op. cit., p. 213.

Contribuição confederativa[46] MARTINS, Sérgio Pinto. , p. 113.

[47] A Central Única dos Trabalhadores têm se posicionado contrária ao imposto sindical, assim como a Força Sindical. A Central Geral dos Trabalhadores está

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englobada na União Geral dos Trabalhadores, criada em junho de 2007 com a fusão de outras três entidades: Social Democracia Sindical, Central Autônoma dos Trabalhadores, e dissidentes da Força Sindical. A UGT possui entendimento divergente a respeito do assunto. http://www.ugt.org.br/home.htm, acesso em 18/09/07 às 14h30.

[48] BAYLOS, Antônio. op.cit., p. 188.

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