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1 O GAÚCHO NA PINTURA DE CESÁREO BERNALDO DE QUIRÓS: APONTAMENTOS SOBRE A ELABORAÇÃO DA SÉRIE LOS GAUCHOS LUCIANA DA COSTA DE OLIVEIRA Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [email protected] I. Introdução Observar as pinturas do artista Cesáreo Bernaldo de Quirós (1869-1968), especialmente as que possuem por temática central a vida, os costumes e a paisagem particular do gaúcho é, igualmente, imergir em um universo de múltiplas possibilidades. Ao dar vida, através de seus pincéis, para tão importante figura da história e da cultura argentina, Quirós não apenas o oferece à visão de seus espectadores, mas aprofunda e problematiza questões mais complexas de seu próprio métier como artista. O conjunto de obras mais expressivo que produziu com base na temática gauchesca foi, sem dúvida, a intitulada Los Gauchos. Esta, composta originalmente por trinta pinturas à óleo e de dimensões variadas, foi aclamada pela crítica mundial e consagrou Quirós como um dos pintores mais importantes de seu tempo. Afora trabalhar com inúmeros elementos da vida dos gaúchos entrerrianos do século XIX, o pintor se notabiliza no campo artístico argentino do final da década de 1920 por apresentar uma série de inovações em sua plástica, o que chamou muito a atenção da crítica da época. Ao trabalhar intensamente a luz, a cor e, ainda, a expressão de suas personagens, Quirós apresentava ao público uma nova fase de sua pintura. Partindo dessas questões, o presente estudo objetiva analisar os entornos da produção da série Los Gauchos. Nesse sentido, buscar-se-á, num primeiro momento, observar a forma com a qual se deu a formação do artista, atentando para o diálogo que estabeleceu com a Europa e, também, à renovação temática que sua obra passou quando de seu retorno à Argentina. Além disso, pretende-se trabalhar de que forma a temática gauchesca, anterior a Los Gauchos, aparece na obra de Quirós. Num segundo momento, objetiva-se compreender, então, a forma com a qual o artista elaborou a citada série e

O GAÚCHO NA PINTURA DE CESÁREO BERNALDO DE … · e captando as luzes do amanhecer e entardecer na pampa, Quirós constrói uma ampla narrativa a respeito do gaucho entrerriano

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O GAÚCHO NA PINTURA DE CESÁREO BERNALDO DE QUIRÓS:

APONTAMENTOS SOBRE A ELABORAÇÃO DA SÉRIE LOS GAUCHOS

LUCIANA DA COSTA DE OLIVEIRA

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

[email protected]

I. Introdução

Observar as pinturas do artista Cesáreo Bernaldo de Quirós (1869-1968),

especialmente as que possuem por temática central a vida, os costumes e a paisagem

particular do gaúcho é, igualmente, imergir em um universo de múltiplas possibilidades.

Ao dar vida, através de seus pincéis, para tão importante figura da história e da cultura

argentina, Quirós não apenas o oferece à visão de seus espectadores, mas aprofunda e

problematiza questões mais complexas de seu próprio métier como artista.

O conjunto de obras mais expressivo que produziu com base na temática

gauchesca foi, sem dúvida, a intitulada Los Gauchos. Esta, composta originalmente por

trinta pinturas à óleo e de dimensões variadas, foi aclamada pela crítica mundial e

consagrou Quirós como um dos pintores mais importantes de seu tempo. Afora

trabalhar com inúmeros elementos da vida dos gaúchos entrerrianos do século XIX, o

pintor se notabiliza no campo artístico argentino do final da década de 1920 por

apresentar uma série de inovações em sua plástica, o que chamou muito a atenção da

crítica da época. Ao trabalhar intensamente a luz, a cor e, ainda, a expressão de suas

personagens, Quirós apresentava ao público uma nova fase de sua pintura.

Partindo dessas questões, o presente estudo objetiva analisar os entornos da

produção da série Los Gauchos. Nesse sentido, buscar-se-á, num primeiro momento,

observar a forma com a qual se deu a formação do artista, atentando para o diálogo que

estabeleceu com a Europa e, também, à renovação temática que sua obra passou quando

de seu retorno à Argentina. Além disso, pretende-se trabalhar de que forma a temática

gauchesca, anterior a Los Gauchos, aparece na obra de Quirós. Num segundo momento,

objetiva-se compreender, então, a forma com a qual o artista elaborou a citada série e

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quais as repercussões da mesma entre os círculos artísticos nacionais e internacionais de

seu tempo.

II. O gaucho na obra de Cesáreo Bernaldo de Quirós: notas sobre os entornos da

produção da série Los Gauchos

A série de pinturas elaboradas por Cesáreo Bernaldo de Quirós intitulada Los

Gauchos, produzidas entre os anos de 1923 e 1927, apresenta, ao pesquisador, inúmeras

questões que tangenciam não apenas a obra em si, mas igualmente o artista que a

produziu. Compreender a especificidade de tal trabalho é, também, unir os diversos fios

de uma complexa trama que compreende, além dos questionamentos do artista acerca de

sua própria arte, a inserção do tema gauchesco em seu rol temático. Nesse sentido,

debruçar-se sobre tal trabalho é, também, apreender os elementos que estiveram no seu

entorno de produção.

Pensar a obra do artista a partir dos inúmeros elementos que a compõem e não

apenas a partir de seus aspectos formais ou contextuais, estabelece um estreito vínculo

com metodologias que, desde Aby Warburg, percebem e analisam a imagem através do

viés antropológico. Para o intelectual, muitos elementos tornam-se essenciais para a

análise imagética. Perceber as relações existentes entre o artista e seu contexto, entre ele

e os círculos literários de seu momento e, ainda, apreender a importância dos

encomendantes é, também, compreender a imagem a partir de suas inúmeras

especificidades. Para Gertrud Bing, historiadora da arte que, durante muitos anos

conviveu com Aby Warburg em sua biblioteca, a metodologia warburguiana superou

(...) o isolamento que a obra de arte estava ameaçada e sofrer pela

contemplação estético-formal e a investigar a complementação recíproca de

documentos pictóricos e literários, a relação entre artistas e comitente, o

entrelaçamento entre a obra de arte e o ambiente social e sua finalidade

prática como objeto individual.(BING, 2013, p. 41).

É partindo dessa premissa que se pretende, mesmo que brevemente, explorar e

aprofundar os meandros da produção de Cesáreo Bernaldo de Quirós. A série Los

Gauchos, conforme já colocado, é constituída por trinta1 telas onde o tema central são

1 É importante fazer um breve comentário acerca do número de obras que compõe a série. O Museo

Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires, que possui grande parte das pinturas em seu acervo, uma vez

foram doadas por Quirós à instituição, aponta, em listagem encontrada na Pasta 7076, a catalogação de

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os costumes, as paisagens e os homens que outrora fizeram parte da realidade histórica

da província natal do artista: Entre Ríos (FOGLIA, 1961, p. 25). Apresentando uma

mescla de tipos sociais, que vão desde os mais simples elementos que compunham a

paisagem campeira até os mais portentosos estancieiros, perpassando epopeias militares

e captando as luzes do amanhecer e entardecer na pampa, Quirós constrói uma ampla

narrativa a respeito do gaucho entrerriano do século XIX.

Mesmo que tais obras tenham começado a ser esboçadas em princípios do ano

de 1923 (ZALDÍVAR, 1992, p. 159), a ideia e a vontade de trazer para suas telas os

homens e as paisagens da sua terra natal já se configuravam desde o ano de 1916

(FOGLIA, p. 25), momento esse em que o artista, após muitos anos residindo na

Europa, retorna à Buenos Aires. É precisamente nesse retorno que Quirós questiona-se a

respeito de seu trabalho e, ao mesmo tempo, busca novas soluções plásticas para suas

pinturas. Em entrevista para a Revista Plus Ultra, no ano de 1918, comenta o artista:

(...) En Florencia, donde estuve más tarde [1914], empecé a reaccionar del

academismo. (...). Puede decirse que desde entonces empezó el periodo de mi

renovación artística. El impressionismo llegó a descubrirme cosas originales,

que antes no habia podido comprender. (...) Dentro de la escuela luminista,

trato de llegar en la figura a un modelato que tenga valor y consistência. Esta

es mi ilusión por ahora”. (ANDRÉS, 1918, [s.p.]).

O que é importante apreender desse momento de transição da plástica do artista

é, pois, os elementos que configuraram a sua formação artística, que se deu tanto em

Buenos Aires quanto na Europa. Ao iniciar e desenvolver seus estudos com os artistas

Vicente Nicolau Cotanda (1852-1898), Reynaldo Giudice (1853-1921) e Angel Della

Valle (1855-1903) na Argentina, Quirós “(...) alterna todos los géneros, pero en el

retrato y en la composición es donde se siente más cómodo. Dibuja intesamente hasta

dominar el claroscuro” (FOGLIA, p. 10). No entanto, é no trabalho com as cores e com

trinta obras. Destas, cinco pinturas incluídas na série, após análise do catálogo comentado elaborado por

Ignácio Gutiérrez Zaldívar, foram identificadas na produção mais tardia de Cesáreo Bernaldo de Quirós,

entre os anos 1940 e 1950. Além disso, nessa importante obra elaborada por Zaldívar, que se constitui na

última biografia crítica elaborada a respeito do artista, o mesmo catalogou na série vinte e nove pinturas,

sendo cinco delas diferentes das encontradas no rol do museu. Destas, sabe-se que, pelo fato de terem

sido adquiridas por particulares, empresas e pelo governo argentino, por certo, não constariam no acervo

do Museu. Tal questão ainda merece uma análise mais acurada, onde os catálogos das exposições

realizadas por Quirós bem como as notícias que circularam na imprensa argentina e mundial a respeito de

tais obras, são de fundamental importância para pontuar as obras que, de fato, inserem-se na série Los

Gauchos.

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a luz que o artista encaminha e aprimora sua técnica, especialmente na composição de

paisagens:

El domínio del color le brinda un mundo de posibilidades; en el amalgama

del empaste halla la formula de infinitos arabescos que se ejercita en conjugar

para adueñarse de una paleta de riquíssimos matices. El paisaje oferece

oportunidad de lucimiento que el estudiante no desestima. (FOGLIA, p. 11).

Após os anos de formação em Buenos Aires (1894-1900), Quirós é agraciado

com uma bolsa de estudos para Roma, onde viaja junto com o pintor Carlos Ripamonte.

Do tempo que residiu na Europa, importa mencionar sua estada em Mallorca, onde

conheceu os artistas Ignácio Zuloaga (1870-1945) e Joaquín Sorolla (1863-1923).

Apesar de Quirós ter aprimorado a sua paleta de cores e, também, a forma de trabalhar a

luz, é importante perceber a proximidade entre as suas pincelas e a dos mestres

espanhóis, especialmente com a do valenciano Sorolla.

Em 1906, quando volta à Argentina, percebe-se o primeiro grande balanço que o

artista realizou acerca de sua produção. Esse retorno “(...) significo para Quirós el

momento del primer gran balance, la necesidad de demostrar lo que había progresado”

(ZALDÍVAR, p. 47). É nesse mesmo ano que expõe as obras produzidas na Europa no

conhecido Salão Costa, onde obtém críticas elogiosas acerca de seu trabalho. Mesmo

que esse momento tenha sido de grande importância para o seu reconhecimento, é

importante perceber que este é também o momento que as indagações acerca do gaúcho

e de sua terra lhe aparecem.

Ao passar praticamente seis anos na Europa pintando paisagens, cenas e retratos

de pessoas de seu convívio, voltar à sua terra natal lhe possibilitou a aproximação com

intelectuais que, nesse período, estavam envoltos em questionamentos acerca da

identidade nacional argentina. Tal movimento estava atrelado às problemáticas advindas

com o grande contingente imigratório que aportava, desde fins do século XIX, em

Buenos Aires. Nesse contexto, os intelectuais que se dedicavam às mais diversas áreas

da cultura, desempenharam papel basilar na construção da nação e da própria identidade

nacional. Por meio de seus livros, músicas, esculturas e pinturas, os artistas engajados

nessa questão forjaram símbolos, criaram personagens e elaboraram imagens com o fim

de evidenciar os elementos mais característicos e peculiares de sua nação.

Assim, é nesse contexto que, em 1907, Cesáreo Bernaldo de Quirós, junto com

Carlos Ripamonte (1874-1968), Pio Collivadino (1869-1945), Fernando Fader (1882-

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1935) e outros artistas2, fundam o chamado Grupo Nexus (FOGLIA, p. 21). Este tinha

por base a retomada das tradições rurais argentinas, onde a temática privilegiada em

suas pinturas contemplava a paisagem, os tipos sociais e os costumes do campo. Da

mesma forma que objetivavam “(...) representar el nuevo y el auténtico nacionalismo

argentino (...)” (MALOSETTI COSTA, 2004, p. 190), esses artistas aderiam aos

(...) discursos nacionalistas, idealizando a memória, a paisagem, os costumes

e os tipos sociais rurais como mecanismo de construção da identidade

argentina. Esta simboliza os valores dos grandes proprietários rurais, que

lutam para preservar a sua hegemonia face ao processo de modernização do

país e ao crescimento da burguesia. (KERN, 1996, p. 19).

Três anos depois, com as comemorações do Centenário da Independência

(1910), a questão nacionalista e identitária atingiu seu auge. Dentre os eventos

planejados para os festejos, organizou-se uma grande exposição internacional que, afora

contar com a exibição do desenvolvimento das ferrovias, da indústria, da agricultura e

da higiene, igualmente cedeu-se espaço às artes plásticas. Vale dizer que, até então, o

campo artístico portenho não havia sido institucionalizado, ou seja, apesar de

acontecerem exposições nas galerias, este não era, ainda, “oficial”. (WESCHELER,

PENHOS, 1999, p. 07).

O fato de as artes plásticas estarem presentes nas comemorações do Centenário

da Independência estabelece uma relação bastante próxima com os auspícios

governamentais. Estes, baseados fundamentalmente no progresso da nação, davam à

arte um novo status na sociedade. Ao perceber as suas potencialidades e especificidades

para a construção da identidade nacional, o governo percebia o campo artístico e seus

artistas como elementos chave nesse processo (MUÑOZ, 1999, p. 13).

Nesta exposição, Quirós apresenta um de seus primeiros quadros centrados na

temática nacional, onde o folclore e os tipos gauchos sobressaem-se na obra. Em

Corrida de sortija en dia pátrio, óleo sobre tela de 290 X 380 cm, que lhe rendeu a

premiação máxima da exposição, o pintor mostra uma das cenas mais representativas

das tradições argentinas. As corridas de sortijas, que tem sua origem mais remota nos

torneios medievais, é um jogo que, na região platina, permitia ver a agilidade e domínio

2 Foram fundadores do Grupo Nexus os artistas Justo Lynch, Fernando Fader, PíoCollivadino, Arturo

Dresco, Alberto María Rossi e Carlos Ripamonte.

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de montaria do ginete sobre o cavalo. Afora ser jogado em datas específicas, as corridas

eram feitas, geralmente, em dias comemorativos (HUTCHINSON , 1861, [s.p.]).

Ao encerrar a Exposição do Centenário, Quirós expõe seu trabalho novamente

no Salão Costa (ZALDÍVAR, p. 84). Dentre as vinte e duas telas expostas, foi Guerrero

de mi pago (óleo sobre tela, 110 X 100 cm) a obra que mais chamou a atenção do

público e da crítica. Esta, que apresentava um militar com armas e uniforme alusivos às

tropas federais do século XIX, foi elaborada a partir do que seria a grande marca de

Quirós em seus gauchos: o uso da cor vermelha, ou bermellones. Para Ignácio Zaldívar,

“Creemos firmemente que esta obra [Guerrero de mi pago], junto con ‘Corrida de sortija

en dia patrio’, son el punto de partida para aquella obra cumbre que diez años más tarde

habría de iniciar Quirós en Entre Ríos, es decir, la famosa serie ‘Los Gauchos’”. (1992,

p. 84).

Ao finalizar a mostra de suas pinturas na Galeria Costa, Quirós, mais uma vez,

viaja à Europa. Se a sua primeira ida ao Velho Mundo marcou o início de sua trajetória

como artista, esse retorno assinala o momento de seu aperfeiçoamento. Ao percorrer

diversos países, conhecer museus e obras e, ainda, entrar em contato com grandes

artistas, Cesáreo ia agregando elementos de grande importância para sua técnica

pictórica, especialmente o trabalho com a cor e a luz. Segundo Foglia, é nesse período

que ele

Analiza distintos paisajes; hace estúdios de psicologia que le sirven para

aprofundizar los sentimientos de los modelos. Dibuja y compone sin

descanso, y a medida que avanza en la práctica conjuga más jugosamente el

color. La pintura es color; el color tiene a su vez un lenguaje que procura

penetrar; por eso, adquiere la maestria del arabesco que da tanta personalidad

a sus lienzos. (1961, p. 22).

Embora esse período tenha sido de estudos e de grandes realizações técnicas,

igualmente a questão temática se impunha a ele. Seu retorno à Argentina em 1915 e, um

ano depois, a Entre Ríos, o permitiu ampliar seu rol temático. Mesmo sendo um artista

de grandes êxitos, Quirós “(...) cree poder hacer más. Siempre ha sido un inquieto, un

insatisfecho. Quiere hacer arte de contenido nacional” (FOGLIA, p. 25). Este, que o

acompanhou desde a infância, lhe surgia envolto em brumas de saudosismo e, também,

como forma de refletir acerca de seu métier: eram os gauchos entrerrianos, homens de

sua terra, que lhe apareciam. Segundo o próprio artista,

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(...) volvi a mi tierra y me senti, por primera vez, capacitado para entrar en el

secreto de su belleza y de su tradición. Recorrí mi província, la de Entre Ríos,

donde, repentinamente, me senti conducido hacia el deseo de fijarla vida

pasada, la vida guerrera y romántica de esa província cuya historia habia sido

agitada por tantas y tan grandes pasiones. El gaucho se me presentaba a cada

vuelta del camino; en cada pulpería surgian recuerdos de su airosa época que

lleno los campos de ecos sentimentales y de rojas banderolas. (...). Era la

naturaleza, la voz de mi tierra, la que me sugería tales magnificências, y la

única, por cierto, que podia reinar sobre todos los momentos de mi pintura.

(QUIRÓS apud FOGLIA, p. 22).

As primeiras imagens de homens e paisagens de sua terra natal, onde encontrou

as cores, luzes e temas que provocariam a irrupção de uma nova fase em seu trabalho,

são elaboradas e apresentadas no ano de 1919, em uma exposição que parece ser o

grande divisor de águas na produção do artista. De mi taller a mi selva, mostra

individual realizada na Galería Müller, foi composta por obras elaboradas na Europa e

na Argentina, especialmente em Paris, Mallorca e Gualeguay, sua cidade natal. Esta

evidencia, até pelo título escolhido para tal mostra, a dualidade do trabalho de um artista

que problematizava seu fazer artístico e que, aos poucos, o encontrava em sua terra

natal.

A própria imprensa da época, ao escrever a respeito de tal exposição, salientava

esse novo momento plástico e temático de Quirós. Manuel Rojas Silveyra, que assinou

o texto Las tres exposiciones del año, veiculado no periódico Augusta, destacava a

singularidade da mostra, especialmente no que se referia às temáticas apresentadas. De

mi taller eram as obras que haviam sido elaboradas na Europa e que correspondiam às

cenas de interiores, aos nus e naturezas mortas que, segundo o crítico, “(...) nos da una

impresión de lujo, de suntuosidad y de refinamento tan exquisito en sus raras

tonalidades de oros viejos y de tenues azules (...)” (1919, p. 162).

No espaço reservado a mi selva, que compunha a segunda parte da exposição

com pinturas realizadas na Argentina, adentrava-se “(...) en la selva entrerriana a cuyas

puertas fabulosas como las de un país de leyenda, salen a recibirnos diversos

personajes.” (1919, p. 168). Era nesse espaço que figuravam os diferentes gauchos de

Quirós: El Moraju, típico federal que se envolveu nas lutas territoriais de Entre Ríos; El

Montaraz, o grande estancieiro que, pelo olhar e pose com a qual está disposto na obra,

demonstra seu poder; El embrujador, homem simples mas ao mesmo tempo basilar nas

atividades do campo. Ao comentar tais obras, Silveyra coloca que

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Son todos estos tipos de gaucho admirables estudios de ambiente, de raza y

de carácter que han de servir mañana, cuando se empreenda la historia de eso

litoral argentino tan bravio y levantisco, como punto de partida para

reconstruir el personaje que la evolución de las costumbres va desvanecendo

ya entre las brumas de una leyenda remota. (1919, p. 168).

Ao finalizar essa exposição, e tendo recebido comentários positivos acerca de

seus novos trabalhos, Cesáreo Bernaldo de Quirós parte para um período de isolamento

no interior de Entre Ríos. Seu objetivo, nesse momento, era buscar elementos para

aprofundar seus conhecimentos acerca das vivências do homem do campo e, assim,

relacioná-los aos que outrora transitaram por aquele mesmo espaço. Esboçava-se, assim,

através de uma intensa pesquisa e vivência entre os nativos interioranos, a série Los

Gauchos.

III. Los Gauchos: da pesquisa à consagração mundial

A bibliografia que versa sobre a forma com a qual Cesáreo Bernaldo de Quirós

criou seus gauchos é bastante pontual e incisiva quando trata das pesquisas que o artista

realizou acerca da temática. Não só os livros e a memória dos tempos de infância

constituíram-se como a base de sua produção. Mais que isso, Quirós desejava vivenciar

os modos de vida da gente do interior. Queria conhecer de perto estórias de tempos

passados, tradições e costumes peculiares, homens e mulheres que por aqueles campos

haviam passado, trazer à tona cenas e rostos que participaram de guerras tão caras à sua

província. Sobre essa questão, comenta Carlos Foglia:

Es preciso buscar la documentación histórica que haga posible concretar el

sueño. Cierto es que, desde la niñez, escucha relatos y comentários

interesantísimos, pero ellos no bastan. Es necesário indagar la soledad de los

campos, buscar testimonios indiscutibles, descobrir huellas, desentrañando en

lo posible, el mistério de las selvas, para interpretar tales assuntos com

dignidad artística. (1961, p. 25).

Convicto de seu propósito, no ano de 1923 Quirós parte para a sua pesquisa no

interior de Entre Rios. Despindo-se de sua roupagem citadina, o artista passa a vestir-se

de acordo com o personagem que escolhia interpretar nas estâncias onde parava. Ora era

um simples vendedor; ora era um jornalista em busca de histórias. Para ele, o mais

importante nesse momento era, pois, ocultar seu lado pintor para que não ocorressem

“(...) malas interpretaciones o que una indiscreción malogre sus planes” (FOGLIA, p.

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26). É por tal razão que “(...) para identificarse más con sus comprovincianos, cambia la

indumentária pueblera por las pilchas regionales” (FOGLIA, p. 26).

Essa viagem pelo interior entrerriano, que durou aproximadamente um ano,

proporcionou a Quirós uma admirável coleção de paisagens e histórias. Da observação

do campo em diferentes momentos do dia, o artista pôde trabalhar, com maior

intensidade, as questões técnicas da luz e da cor. Por outro lado, a convivência com os

interioranos lhe oportunizou a construção de tipos e cenas peculiares que, anos mais

tarde, seriam a base para a elaboração de suas telas. Muitos foram os relatos que Quirós

ouviu. E diversas foram as cenas que presenciou. São esses eventos por ele

testemunhados e, posteriormente narrados aos seus amigos, que se constituem, também,

como importante fonte para o estudo de Los Gauchos.

As primeiras obras realizadas, datadas de 1923, são Oros de la tarde e

Algarrobos, duas paisagens que, tendo como foco as árvores da campanha, evidenciam

o acurado trabalho com a cor e a luz. Do mesmo período é El Patron (Don Juan de

Sandoval), El Lancero Colorado e Los Bomberos. Nestas, são exibidos dois tipos

gauchescos que serão frequentes ao longo da série: o estancieiro, elaborado com

vestimentas, pose e olhar que denotam seu poder, e os soldados federais da época das

guerras de organização nacional.

No ano seguinte, em 1924, Quirós realiza mais oito telas para a série. Nestas é

possível perceber outros elementos característicos da vida rural: Em La Ofrenda, afora o

ambiente e o jovem bem vestido que caracterizam o ambiente da estância, a

religiosidade e os altares domésticos da época da guerra se fazem presentes. Em El

Carnicero e Tunas y Lechiguanas, pessoas simples mostram, com olhares

complacentes, suas atividades que, ao mesmo tempo em que são cotidianas, são típicas

da região. É o caso do homem que lida com o corte da carne e o do menino que,

sentando sobre uma pedra, vende frutos de tuna e mel de lechiguana. El Gavilan e El

Baile são as obras onde Quirós aponta, em sua interpretação, os bailes nas estâncias bem

como as conquistas amorosas. El Cantor y los Troperos sobressai-se ao mostrar mais

acuradamente os elementos da cultura gauchesca: o cavalo, o payador, o asado, e o

chimarrão.

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A pintura Nocturno3 (ZALDÍVAR, p. 209) foi uma das últimas telas elaboradas

nesse momento. Esta, uma ampla paisagem do campo, onde o céu domina grande parte

da pintura, apresenta um acurado trabalho com cores e tonalidades. Os tons azuis e rosas

presentes no firmamento que a lua ainda ilumina, aclara e define o gado e os cavalos

que estão na volta de uma estância. Além desta, ¡Y vamos vieja!, baseada em uma

narrativa que causou a Quirós “(...) una profunda impresión, dado su cruel realismo”

(ZALDÍVAR, p. 177), apresentava um casal de velhos em uma estrada, carregando, sob

um cavalo, todos os seus pertences. Ao ser questionado acerca do motivo de tal obra,

Quirós responde:

(...) una tarde tormentosa encontre en un camino una pareja de viejos. Se

acompañaban de un caballito flaco, tres perros, um gallo bataraz y otras

menudencias. - ¿Dónde vá el hombre? -, le pergunte. El criollo viejo revoleó

la mirada por el campo com hondíssima pena y gruño: - Por ahí, señor... onde

nos dejen vivír – y volviéndose a su viejita, agregó mas triste: -¡Y vamos

vieja!. (QUIRÓS apud ZALDÍVAR, p. 177).

Os anos subsequentes igualmente foram de grande produção. Um dos mais

expressivos quadros dessa série foi produzido em 1925. Apesar da ideia de não os

vender4, La Doma foi um dos poucos que não ficaram sob a salvaguarda do Museo

Nacional de Bellas Artes.5 Esta apresenta uma cena tipicamente rural, onde está sendo

realizada a doma de um cavalo. Afora o tema, a expressividade e o domínio técnico de

Quirós fizeram com que tal trabalho fosse um dos mais elogiados nas exposições que

realizou anos depois. No entanto, não apenas La Doma marca o ano de 1925. En la

Costa del Monte, que sugeria uma continuação de seu Nocturno, apresenta uma

paisagem semelhante a anterior. Porém, por se tratar de um entardecer, as cores e

tonalidades são trabalhadas de forma diferente.

Se o ano anterior havia sido marcado pela produção de pinturas com temáticas

mais voltadas aos costumes populares, nesse momento sua atenção volta-se, novamente,

aos gaúchos federales. Assim aparecem Los Jefes, obra paradigmática do uso e trabalho

3 Essa obra, segundo Zaldivar, tem seu nome original como Amaneciendo.

4Quirós sempre foi muito pontual a respeito do destino que daria às suas telas quando finalizasse seu ciclo

de exposições: doaria as mesmas para a nação. E assim o fez quando, na década de 1960, um pouco antes

de falecer, doou a série para o Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires. Grande parte das

informações acerca de tais obras encontram-se hoje no setor de Archivo e Documentación da citada

instituição. Igualmente, todos o recibos e documentos alusivos a doação das obras constituem parte

importante dos documentos acerca do artista. 5 A obra La Doma foi adquirida pela Empresa Nacional de Correios e Telégrafos. Atualmente, ela

encontra-se no Hall de Escudos do Palácio dos Correios, em Buenos Aires.

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com a cor vermelha (ZALDÍVAR, P, 214), umas das grandes características da obra do

pintor, e também Aves de Presa e Lanzas y Guitarras, Ambas as pinturas denotam

momentos específicos das já citadas guerras em prol da unidade nacional. Se na

primeira pintura Quirós apresenta homens que, embrenhados na selva, observam a

proximidade do inimigo, na segunda, ele exibe o momento do encontro entre blancos e

rojos.

Ao mesmo tempo em que elaborava outros estancieiros poderosos, como El

Patroncito e El Hombre de los Arreos, igualmente os homens ligados à lida campeira

eram construídos por Quirós. El Pialador e El Carneador, tratavam de algumas das

principais atividades desempenhadas no meio rural. A respeito dessa última, narra-se

que o modelo que pousou para uma fotografia que seria utilizada como base para a

pintura foi um homem embriagado que, ao cair em um rio, foi salvo pelo artista

(ZALDÍVAR, p. 177).

Uma obra interessante, que foi elaborada também nesse momento, é a intitulada

Fritos y pasteles. Esta possui uma relação temática muito próxima com a que havia sido

premiada na Exposição Internacional do Centenário (Corrida de sortijas em dia pátrio).

No entanto, enquanto esta última mostra figuras ricamente trajadas durante uma corrida

de sortija, a elaborada para Los Gauchos evidencia o cunho popular do mesmo jogo. No

primeiro plano estão as mulheres que preparam as guloseimas para os jogadores que, ao

fundo, mostram suas destrezas de ginete.

As pinturas realizadas nos últimos anos, entre 1926 e 1927, assinalam uma

mescla de situações cotidianas entre os entrerrianos do século XIX, que vão desde a

simples despedida de um casal, como em La Partida, às funções médicas, literárias e

comerciais como em Don Anacleto e El Curandero e La Pareja y el Sandiero. Data

desse mesmo período a pintura que se considera uma das mais violentas da série: Los

Degolladores. A base para esse trabalho foi um relato que Quirós ouviu durante sua

viagem ao interior de Entre Ríos. Um homem de nome Miranda lhe narrou que, quando

a serviço de um coronel, subjugou muitos de seus desafetos e inimigos degolando-os.

A última das telas pintadas por Quirós que, por certo, encerra a produção de Los

Gauchos, é a intitulada El Juez Federal6. Segundo Zaldívar, “(...) con esta obra

6 A obra El Juez Federal foi a única que o artista pintou durante o ano de 1927. Com o falecimento de sua

filha nesse mesmo ano, o artista passou por um período de grande depressão, onde afirmou: “estuve a

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concluye la serie de ‘Los gauchos’, que representa um llamado de atención a esa raza

que se extinguia”. (1992, p. 225).

No ano seguinte, com as obras já finalizadas, o artista as expõe pela primeira vez

em Buenos Aires, nos salões da Amigos del Arte. Nesta, além da abertura feita pelo

presidente Marcelo Torcuato de Alvear, grande parte da imprensa e da crítica teceram

elogiosos comentários acerca dos trabalhos apresentados pelo artista. Segundo Zaldívar,

“La repercusión de la muestra fue por demás elocuente. Todos los órganos autorizados

de la critica dieron su opiniõn definitiva proclamando al gran suceso como la exposición

que haría época em la história de la pintura argentina”.(1992, p. 196). É assim, por

exemplo, que anuncia a revista Plus Ultra de 1928:

A belicosa leyenda entrerriana tiene ya su historiador pictórico. Un artista

entrerriano, cuyos tanteos preliminares le dieran justo renombre, há sabido

producir la obra grande con que soñaba. Habíamos visto aquellas figuras, casi

siempre solitárias, esculpidas en colores por Quirós, aquellas figuras, algunas

de las cuales asisten hoy al triunfo del su creador. (1928, [s.p.]).

Quando a exposição é encerrada, muitas homenagens são dirigidas ao artista,

onde tem destaque o grande banquete realizado no Teatro Cervantes. É precisamente

nessa ocasião que, como forma de brindar o sucesso de Quirós e de seus gauchos,

Leopoldo Lugones, importante literato e poeta argentino, que desde as primeiras

décadas do século XX levantava a questão da identidade argentina e do homem do

campo em suas obras (BORGES, 2005, p. 88), profere um discurso onde exalta o

caráter nacional das imagens produzidas pelo pintor. Para o intelectual,

Lo que representa ante todo la obra de pictórica que acaba de exponer Quirós

es una gran afirmación de pátria. Impone, desde luego una cualidad

dominante por definición: la magneficencia. (...) No seré yo, mientras pueda,

quien contribuya a que um día, tal como la arrolada pareja gaucha de sus

viejos, que com tan ruda fortaleza tomaran el campo ya ajeno, para ir a parar

quién sabe dónde, como ahuyenta dos gavilanes, dejando que a sus espaldas

vierta la tarde en el pastizalla lágrima que no lloran, el artista mudando de

pago com su gloria desterrada, vaya a encontrar em tierra extranjera el

reconocimiento de lo que hizo por la suya. (FOGLIA, p. 29).

A consagração de Quirós em Buenos Aires foi fundamental para que, dentre seus

projetos, o artista levasse seus gauchos para a Europa. Segundo Zaldívar, “a partir del

punto de romper mis pinceles. Murió mi hija que era mi gloria. Nadie aprende a sufrir hasta que no pierde

un hijo”. (ZALDIVAR, p.194).

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mês de abril de 1929 se abre outra instancia en la trayectoria artística de Cesáreo

Bernaldo de Quirós, nuevamente Europa”. (ZALDÍVAR, p. 229). A porta de entrada

para sua obra em terras europeias foi, justamente, a Espanha. Obtendo, mais uma vez,

grandes elogios da crítica, o artista, durante quatro anos, expõe sua saga gauchesca na

Alemanha, França e Inglaterra. Afora estes, Los Gauchos são levados para os Estados

Unidos e Canadá.

Dessas mostras, afora a repercussão de seu trabalho na imprensa mundial, é

importante destacar alguns pontos. O primeiro deles refere-se a que foi realizada em

Madrid, em 1929, onde Ricardo Rojas apresenta o artista na abertura da exposição. Tal

qual Lugones, Rojas acentuava o caráter nacional da obra do artista ao mesmo tempo

em que aproximava seu pintor às referência do velho mundo e aos grandes literatos da

gauchesca argentina:

El gaúcho fué, no un tipo étnico, según suele creerse, sino un tipo

psicológico, em cuya intimidad se descubre al hombre de los cantares del

Cid, de las égloglas de Gil Vicente y de las guerras de Isabel La Católica en

Granada. (...). El gaucho inspiro el FACUNDO, de Sarmiento, EL

MATADERO, de Echeverría, LOS TROVOS, de Ascasubi, el MARTÌN

FIERRO, de Hernández, el SANTOS VEGA, de Obligado, el SEGUNDO

SOMBRA, de Güiraldes, y muchos otros de nuestra literatura, en la que se

antecipa la pintura de personajes, secesos y pasiones que hoy nos presenta

Quirós con eficácia plástica extraordinária. (ROJAS apud FOGLIA, p.32).

A respeito de sua plástica, relevantes foram as notas publicadas na imprensa

francesa quando da exposição em 1931. Intelectuais como André Maurois e o crítico de

arte Camile Mauclair analisam tanto a construção figurativa de Quirós quanto a forma

com a qual trabalha a luz e as cores em suas pinturas gauchescas. Segundo Foglia,

“Camile Mauclair y André Maurois comentaron com ponderación los cuadros,

analizando al detalhe los trozos de pintura que revelan al maestro en plen madurez

intelectual y artística”. (FOGLIA, p. 33). Uma importante análise do trabalho do artista

foi publicada na Revue de l”Amerique Latine, onde seu autor constata que, afora a

construção de seus personagens, a paisagem, igualmente, tinha importância na

composição:

Si les personnages sont l’essentiel de cette oeuvre et enforment le centre

émotionnel; Il ne néglige pás cependant les paysages. Certains de ceux-ci

sont aussi utiles pour l’atmosphère du tableau quel’est, sur un autre plan, le

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sujet lui-même. On sent quel’artiste a vou tout ce que les impressionists

avaient pus aisir de vie dans la représentation de la nature, comment ils

avaient essaye de traduire sur la toile cette vie frémissante. (1931, p. 20).

O que se depreende dessa breve e sucinta observação acerca da repercussão da

obra de Cesáreo Bernaldo de Quirós na imprensa mundial é, pois, sua grande circulação

e, igualmente, a apreciável recepção que teve seus gauchos. Pensar essa série a partir

dos seus inúmeros elementos e, ainda, considerá-la a partir das considerações tecidas ao

longo de cada exposição realizada, oferecem, dentre outros aspectos, questões

substanciais para a análise particular de cada uma das imagens que o pintor produziu ao

longo de cinco anos.

IV Considerações Finais

Perceber os elementos que estiveram tanto no entorno do artista quanto no de

sua produção pictórica, desvelam relevantes questões para a análise imagética. Apesar

de, nesse estudo, o trabalho específico acerca das imagens produzidas por Cesáreo

Bernaldo de Quirós não ter sido o objeto específico, o fato é que, a partir do

entendimento de sua formação e projeção como artista, foi possível perceber a forma

com a qual o tema gauchesco foi trabalhado por ele.

Nesse sentido, considerar Quirós como um artista que problematizou seus

gaúchos a partir de questões de seu próprio contexto e, ainda, de suas inquietações

como pintor, trazem novas significações acerca de sua série Los Gauchos.Visualizar e

compreender essa obra a partir do seu entorno de produção é, pois, conjuntamente com

seu viés nacionalista, adir subsídios para analisar a elaboração das personagens e das

cenas no espaço pictórico. Mais que isso, tais elementos oportunizam, também, o

entendimento de certas peculiaridades presentes no trabalho de Quirós, tais como o uso

da cor vermelha e a constante preocupação em trabalhar a expressividade de suas

personagens através do olhar que trocam com o observador.

A partir do momento em que se buscou, tanto na pouca bibliografia disponível

quanto nos textos veiculados pela imprensa da época, os motivos que levaram Quirós a

elaborar tal obra, sobressai o fato de um artista que estava atrás de temas e resolução

para questões de ordem pictórica. Seus estudos na Europa bem como a viagem

empreendida pelo interior de Entre Ríos, onde tipos, paisagens e cores diferentes se

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apresentaram ao artista, foram questões que favoreceram a interpretação de um passado

por ele buscado.

A relevância de uma primeira análise, que visa precisamente encontrar os fios de

uma intrincada rede de relações, está no fato de se poder pensar e questionar a imagem

propriamente dita a partir de suas especificidades. Perceber os seus detalhes e, a partir

deles, problematizar a própria questão do artista enquanto sujeito de sua produção e,

também, as diferentes temporalidades e memórias que se fazem presentes, oportunizam

um entendimento maior, e muito mais complexo, acerca da obra estudada. Nesse

sentido, Los Gauchos podem ser trabalhados e percebidos não apenas a partir de seus

usos e funções, mas igualmente a partir das memórias que evocam – e são evocadas –

quando as mesmas são problematizadas.

Finalizando, cabe colocar que empreender um estudo inicial a respeito dos

entornos da produção de Los Gauchos torna-se fundamental quando o objetivo de uma

pesquisa centra-se, pois, na análise das especificidades das imagens. Compreender

também a forma com a qual utiliza as cores, trabalha a luz e, igualmente, problematiza o

tema, traz inúmeras questões à tona que empregam novos significados para o trabalho

de um pintor que, a partir dele, ficou conhecido como Pintor de la Patria.

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