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O GÊNERO TEXTUAL CHARGE E SUA APLICABILIDADE EM … · entre Língua e Literatura, filiada à linha de pesquisa Texto, memória, cultura. Membro do Laboratório de Estudos Linguísticos

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O GÊNERO TEXTUAL CHARGE E SUA APLICABILIDADE EM SALA DE

AULA

Noeci Maria Czeckoscki 1

Célia Bassuma Fernandes 2

Resumo

A prática da leitura é fundamental para a integração do sujeito no contexto sócio-econômico e cultural no qual está inserido, pois abre novas perspectivas, permitindo-lhe tornar-se um sujeito crítico diante da realidade. Desse modo, para que o aluno se interesse pela leitura e sinta prazer em fazê-la, o professor precisa proporcionar o acesso a uma grande variedade deles, além de mostrar “para quê” e “porquê” ler um texto. Nesta perspectiva, a charge propicia uma leitura de determinado acontecimento histórico, sob determinadas condições de produção. Assim, o trabalho com textos em sala de aula é sempre um desafio para o professor, e para que não se torne algo cansativo e desinteressante, ele deve diversificar e explorar o que há de diferente, ou seja, apresentar ao aluno a variedade de textos que circulam socialmente.

Palavras-chave: charge, aplicabilidade, sala de aula.

Resumen

La práctica de la lectura es fundamental para la integración del individuo en el contexto socio-económico y cultural en el que se inserta, pues abre nuevas

1 Professora PDE, Graduada em Português e Literatura da Língua Portuguesa e Pós-graduada em Processo do Ensino – Aprendizagem da Língua Portuguesa. Especialização em Supervisão Escolar, Administração Escolar. Atua no Colégio Estadual Álvaro Natel de Camargo, Ensino Fundamental e Médio, no município de Espigão Alto do Iguaçu – Pr.2 Orientadora: Célia Bassuma FERNANDES; Doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora de Linguística do Departamento de Letras, da Universidade Estadual do Centro-Oeste/UNICENTRO. Membro do Grupo de Pesquisa Interfaces entre Língua e Literatura, filiada à linha de pesquisa Texto, memória, cultura. Membro do Laboratório de Estudos Linguísticos e Literários (LABELL), da UNICENTRO.

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perspectivas lo que le permite convertirse en una persona crítica ante la realidad. Así, para que los alumnos tengan interés por la lectura y se sientan felices en hacerla, el profesor debe darle a conocer "para qué" y "por qué", leer un texto. Por lo tanto, la charge lleva a los estudiantes a una lectura sobre un determinado acontecimiento histórico, en determinadas condiciones de producción. Así, trabajar con textos en el aula es siempre un reto para el profesor, y es algo que no puede convertirse en algo aburrido y poco interesante, el profesor se debe diversificar y explorar lo que es diferente, es decir, presentar a los alumnos la variedad de textos que circula socialmente.

Palabras-llave: Charge; Aplicabilidad; Aula.

1 Introdução

Sabemos que a aprendizagem da leitura não diz respeito apenas às primeiras

séries escolares, mas é um processo contínuo e crescente que se estende por toda

a vida. É importante, portanto, que se desenvolva, desde cedo, no sujeito-leitor, o

prazer pela leitura, e que lhe seja possibilitado compreender os textos que lê.

Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do

Paraná/Língua Portuguesa (daqui em diante DCE’s), é função da escola possibilitar

que o educando tenha contato direto com os diferentes gêneros textuais, ,, aqui

entendidos como a variedade de textos que circulam nos muitos e diversificados

espaços sociais, ensinando-o a produzi-los e também a compreendê-los. De

acordo com esse documento, é função da escola se apresentar “como um ambiente

rico em textos e suportes de textos para que o aluno experimente, de forma concreta

e ativa, as múltiplas possibilidades de interlocução com os textos” (DCE’s, 2008,

p.73), tendo em vista que há uma grande variedade deles, circulando em jornais,

revistas e mesmo na internet, tais como contos, crônicas, piadas, tiras, charges,

entre outros.

Como professora de Língua Portuguesa, e a partir da constatação de que os

alunos não gostam de ler e de que a maioria deles não compreende o que lê, senti a

necessidade de utilizar um gênero textual que chamasse a atenção dos alunos para

desenvolver a prática da leitura em sala de aula. A partir disso, escolhi as charges,

com o objetivo de desenvolver uma proposta de leitura nas aulas de língua

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portuguesa, pois acredito que elas constituem um material interessante a ser

trabalhado, porque retratam assuntos do contexto sócio-histórico atual, mesclando a

linguagem verbal e não-verbal. Segundo Silva (2011, p.03): “a linguagem não-verbal,

cada vez mais vem compartilhando o espaço do verbal não só na mídia, mas em

todos os setores da comunicação feita para grandes públicos”, e isso não é diferente

na escola. Também de acordo com Orlandi (2008, p.38), “ a relação do aluno com o

universo simbólico não se dá apenas por uma via – a verbal – ele opera com todas

as formas de linguagem na sua relação com o mundo”.

Justamente por conta desta característica, esse tipo de texto, do ponto de

vista discursivo, tem um papel importantíssimo como registro histórico, ou seja, as

charges articulam, harmoniosamente, as duas linguagens – a verbal e a não-verbal,

construindo seu sentido no espaço móvel do já-dito e do não-dito. Além disso, há,

quase sempre, uma deformação da imagem, cujo objetivo é ridicularizar aquele que

é retratado. Conforme Orlandi (2009, p.85):

Entre o dizer e o não dizer desenrola-se todo um espaço de interpretação no qual o sujeito se move. É preciso dar visibilidade a esse espaço através da análise baseada nos conceitos discursivos e em seus procedimentos de análise.

Além disso, esse tipo de texto revela também um alcance maior do que um

editorial, por exemplo. Entretanto, por ser um tipo de texto que retrata um

acontecimento ocorrido em uma época definida, dentro de um determinado contexto

sócio-histórico específico, a charge exige do interlocutor o conhecimento desses

fatores para ser entendida, pois fora desse contexto, ela provavelmente perderá sua

força comunicativa.

Circulando em jornais, revistas e na televisão, é temida pelos poderosos,

dado ser um tipo de texto voltado para criticidade da realidade. Assim, não é à toa

que quando se estabelece a interdição do dizer em algum país, é um dos primeiros

alvos dos censores.

Com relação aos aspectos linguísticos, a charge se destaca pela utilização de

algumas formas bem específicas, como por exemplo, a ironia, que frequentemente

desencadeia o riso. Caracteriza-se ainda, por apresentar um fundo crítico, cujo

objetivo é levar o leitor a tomar uma posição perante a realidade apresentada, uma

vez que expressa a “leitura” do seu autor sobre determinadas situações cotidianas.

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Dessa forma, possibilita desenvolver várias atividades de leitura, ou nos termos de

Orlandi (2009, p.18), de “gestos de interpretação”, que levam os alunos, cada vez

mais, a serem capazes de construir os possíveis sentidos do texto.

Há que se considerar também, que os professores de Língua Portuguesa

apresentam uma enorme dificuldade em trabalhar com esse tipo de texto, e, muitas

vezes, fazem a leitura desse material por uma perspectiva atrelada à análise de

conteúdo, buscando explicar o que o texto quer dizer. Com isso, é importante

destacar que é imprescindível que a escola se volte para uma abordagem discursiva

da leitura.

Com base nessas observações, esse trabalho teve, por objetivo principal, e

considerando os pressupostos teóricos da Análise de Discurso de vertente francesa

(daqui em diante AD), desenvolver uma proposta de ensino de leitura na sala de

aula de Língua Portuguesa, tendo como objeto a charge, a fim de desenvolver nos

alunos da 5ª série do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Álvaro Natel de

Camargo, no município de Espigão Alto do Iguaçu – PR, a capacidade de

compreensão desse tipo de texto, a fim de transformá-los em sujeitos-leitores

conscientes e críticos, tal como sugerem as DCE’s de Língua Portuguesa.

2 Fundamentação Teórica

A Análise de Discurso, teoria da interpretação iniciada por Michel Pêcheux, na

França, na década de 60, de acordo com Orlandi (2009, p. 20), tem seu arcabouço

teórico sustentado em três regiões do conhecimento:

Interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele.

Como o próprio nome indica, a AD tem como objeto de estudo o discurso,

definido, conforme Pêcheux (1997, p. 82), como “efeito de sentido entre

interlocutores”. Assim, ela não trata da língua, tampouco da gramática e muito

menos da fala. Ela trabalha com a linguagem em funcionamento, “[...] com homens

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falando, considerando a produção de sentido enquanto parte de suas vidas, seja

enquanto sujeitos, seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade

(ORLANDI, 2009, p.15-16). Também não concorda com o que é proposto pelo

esquema elementar da comunicação, ou seja, com a forma como essa teoria

distribui seus elementos e define o que é mensagem. De acordo com a autora

citada:

Para a AD não é apenas transmissão de informações, pois, no funcionamento da linguagem, há um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos. Daí o discurso ser entendido como efeito de sentidos entre locutores, ou seja, processo constitutivo da atividade comunicativa produtora de efeitos de sentidos, os quais são determinados por uma exterioridade sócio-histórico-ideológica (ORLANDI, 2009, p.21).

Por ser produzido em diferentes lugares sócio-históricos e ideológicos, a

noção de discurso está intimamente relacionada a de sentido, uma vez que este é

construído pelos sujeitos no processo discursivo. Com relação a isso, Pêcheux

(1997, p. 161) assinala que: “as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de

sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que a empregam”.

Assim, a AD não concebe a existência de um sentido único, literal, pois para

essa vertente teórica, o sentido muda conforme os lugares ocupados por aqueles

que empregam as palavras. De acordo com Orlandi (1998, p.18-19), elas adquirem

significações diferentes dependendo do lugar que o sujeito ocupa, uma vez que a

sociedade é constituída por relações hierarquizadas.

Dizendo de outro modo, o sentido dessas palavras deriva dessas posições, isto

é, das formações ideológicas nas quais o sujeito que as enuncia se inscreve que,

por sua vez, comportam uma ou várias formações discursivas interligadas, que de

acordo com Pêcheux (1997, p.166), “determinam o que pode e deve ser dito”, “a

partir de uma posição dada numa conjuntura”. Desse modo, todo discurso é

ideologicamente marcado. Portanto, para a AD, a construção do sentido não se dá

por si só, mas consiste em um processo social e histórico, que contribui de forma

significativa para a produção de palavras e discursos, em que “as formações

discursivas (...) representam no discurso as formações ideológicas. Como afirma

Orlandi (2008a, p.21):

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No processo de interlocução, entretanto, o sentido se constitui a cada momento, de forma múltipla e fragmentaria. E é essa relação dinâmica, é esse movimento entre o processo e a coisa produzida, que constitui a linguagem.

O texto – exemplar do discurso e unidade de análise – é o lugar da

textualização do discurso. Para a perspectiva discursiva, ler não consiste apenas em

decifrar palavras ou transmitir informações. A leitura é um gesto de interpretação, na

medida em que procura estabelecer as relações entre o sujeito, a língua e a história.

Conforme Orlandi (2008b, p. 62):

A Análise de Discurso tem como objetivo romper os efeitos de evidência (expor o olhar do leitor à opacidade do texto), ou seja, inaugurar outras maneiras de ler (colocando o dito em relação ao não dito, em relação ao dito em outro lugar, de outras maneiras, etc

Assim, linguagem e realidade se implicam reciprocamente, conforme Orlandi (2009,

p.21), “as relações de linguagem são relações entre sujeitos e sentidos”. Segundo

ela, a Análise de Discurso não considera “nem a linguagem como um dado nem a

sociedade como um produto; elas se constituem mutuamente. Se assim é, o estudo

da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a produz” (ORLANDI,

2009, p.17). Portanto, a teoria materialista da leitura concebe a linguagem como

forma de estabelecer a relação entre o sujeito e a sua realidade.

Não podemos esquecer também, que pela perspectiva discursiva, os sujeitos

se constituem pelo discurso, lugar onde a ideologia adquire uma forma material. De

acordo com Orlandi (2009, p.17), “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem

ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua

faz sentido”. A autora assinala ainda, que o que caracteriza a noção de ideologia é o

fato de que “ela não é consciente: ela é efeito da relação do sujeito com a língua e

com a história na sua necessidade conjunta, na sua materialidade’’ (ORLANDI,

1998, p.39-40).

Essa vertente teórica afirma também que falamos com palavras já ditas, o que

implica afirmar que todo discurso é o resultado de outros que já circularam e

também de outros que ainda surgirão. É o interdiscurso – a memória discursiva –

entendido como o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o

que foi dito, que disponibiliza os dizeres. No entanto, é necessário que o que foi dito

por um sujeito em um momento particular se apague na memória para que,

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passando para o ‘anonimato’, possa fazer sentido nas palavras dos outros sujeitos.

De acordo com Orlandi (2009, p.33-34):

A memória, chamada de interdiscurso, quando relacionada ao discurso é o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma de pré-construído, o já dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra (ORLANDI, 2009, p.31).

O interdiscurso ou memória discursiva é definido como o conjunto de dizeres

já ditos e esquecidos que possibilitam o surgimento de novos discursos. Cabe

lembrar, no entanto, que ao produzir seu discurso, o sujeito é afetado por duas

ilusões: o esquecimento número 2 – da ordem da enunciação – produz a ilusão

referencial, pois nos faz acreditar que aquilo que falamos só pode ser dito com

aquelas palavras e não com outras, estabelecendo assim, uma relação direta entre

as palavras e as coisas. O esquecimento número 1 – também chamado

esquecimento ideológico – nos dá a ilusão de que somos a origem do que dizemos,

quando, na verdade, apenas retomamos sentidos já existentes (Orlandi, 2009, p.35).

Nesse sentido, trabalhar a leitura por uma perspectiva discursiva significa

então assumir, de acordo com Orlandi (2009, p.08) que: A) A leitura pode ser

trabalhada ou mesmo ensinada; B) A leitura, assim como a escrita faz parte do

processo de instauração dos sentidos; C) O sujeito-leitor tem sua história; D) Tanto

sujeitos como sentidos são determinados histórica e ideologicamente; E) Há várias

formas de leituras; F) As leituras variam de acordo com a época e com o segmento

social. Todos esses fatos atestam que a leitura pode ser um gesto de interpretação

bastante complexo e que envolve muito mais do que habilidades a serem

desenvolvidas. Para Orlandi (2009, p.11), saber ler é saber o que o texto diz e

também aquilo que ele não diz, mas que o constitui significativamente.

Além disso, não há como falar em interpretação sem falar nas histórias de

leitura do texto e do leitor, o que significa dizer que todo o texto pode ser lido

diferentemente, em épocas diferentes, pelo mesmo sujeito-leitor ou por sujeitos-

leitores diferentes. Do mesmo modo, há leituras que podem ser feitas em dado

momento, e que não são consideradas “legítimas” em outro, pois os sentidos têm

sua história, e há até mesmo especialistas em diversos campos do saber, que fixam

determinados sentidos para cada texto. Conforme Orlandi (2008a, p. 41), “para um

mesmo texto, são possíveis leituras em determinadas épocas que não o seriam em

outras, e leituras que não são possíveis hoje o serão no futuro”.

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No caso das aulas de leitura, não raro, a leitura considerada “ideal” pelo

professor, é aquela que foi fornecida pelo autor do livro didático. Desse modo, “as

leituras já feitas de um texto e as leituras já feitas por um leitor compõem a história

da leitura em seu aspecto previsível” (ORLANDI, 2008a, p.43). Contudo, essa

previsibilidade impede que o sujeito-leitor atribua novos sentidos àquilo que lê,

excluindo, dessa forma, qualquer relação do texto e dele mesmo com a história.

Portanto, para Orlandi (2008a, p.45, grifos da autora):

As leituras previstas para um texto devem entrar como um dos constituintes das condições de produção da leitura e não como o constituinte determinante delas, uma vez que, entre outros, a história das leituras do leitor também se constitui em fator muito relevante para o processo de interação que a leitura estabelece.

As leituras já feitas pelo leitor também são importantes para a compreensão

do texto, ou seja, a história de leitura do leitor podem “alargar ou restringir” a

capacidade de leitura de cada leitor, o que leva a considerar a cristalização de

sentidos e a intertextualidade como constitutivos da sua produção. De acordo com

Orlandi (2008a, p. 43) “[...] as leituras já feitas de um texto e as leituras já feitas por

um leitor compõem a história de leitura em seu aspecto previsível”. Todavia, essas

leituras previstas são apenas um componente das condições de produção da leitura

e não seu constituinte determinante. Conforme a autora citada:

A contribuição do professor, em relação às leituras previstas para um texto, é modificar as condições de produção de leituras do aluno, dando oportunidade a que ele construa sua história de leituras e estabelecendo, quando necessário, as relações intertextuais, resgatando a história de sentidos do texto, sem obstruir o curso da história desses sentidos (ORLANDI, 2008a, p.88).

Isso significa admitir que embora existam leituras previstas para um texto,

cabe ao professor cuidar par que elas não sejam sedimentadas, abrindo sempre

espaço para uma “nova leitura”.

De modo geral, pela perspectiva discursiva, a atribuição de sentidos a um

texto resulta de dois processos:

O processo parafrástico é o que permite a produção do mesmo sentido sob várias de suas formas (matriz da linguagem). O processo polissêmico é o responsável pelo fato de que são sempre possíveis sentidos diferentes, múltiplos (fonte da linguagem) (ORLANDI, 2008a, p.20).

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É nesse espaço entre o novo e o diferente que os sentidos se assentam, e

que há um embate entre o já legitimado, já sedimentado e o a se garantir,

institucionalizar.

3 Análise dos Resultados da Pesquisa

As atividades do projeto tiveram início no dia 29 de setembro, de 2011, na 5ª

série “B”, do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Álvaro Natel de Camargo, no

município de Espigão Alto do Iguaçu – PR.

Em um primeiro momento, realizei a apresentação do projeto e seu objetivo.

Os alunos ficaram muito empolgados com a participação neste estudo. Então,

passei para as atividades propostas na unidade didática. Primeiramente, realizei a

definição do termo charge. A pesquisa no laboratório de informática, conforme

estava prevista no projeto, não aconteceu, pois os computadores não estavam

funcionando. Então, os alunos pesquisaram o conceito em dicionários.

Na segunda aula, os alunos discutiram as definições que encontraram na aula

anterior, e também responderam a questionamentos sobre a finalidade da charge,

qual era o tipo de charge que eles mais gostavam, etc.

Na terceira aula, o sargento da Polícia Rodoviária Federal foi convidado para

falar a respeito do trânsito. Os alunos ficaram muito atentos, prestando muita

atenção. Fizeram-lhe perguntas sobre o trânsito, sobre as leis e os acidentes, etc.

Na quarta aula, os alunos fizeram a leitura do texto “Trânsito,” e a análise de

uma charge sobre o mesmo tema, do chargista Leandro Pereira. Na aula seguinte, o

criador das charges para o projeto visitou os alunos, que gostaram muito, e fizeram

muitas perguntas a ele. O chargista criou algumas charges e deu dicas para que os

alunos também pudessem fazê-las.

Nas aulas seis e sete, foram feitas análises das charges, e na oitava aula, os

alunos foram divididos em cinco grupos e cada grupo, após o manuseio do material

discutido nas aulas anteriores, escolheu uma charge, para falar sobre os efeitos de

sentido que ela produziu neles.

As conclusões do grupo sobre estes efeitos de sentido produzidos pela

charge foram apresentadas oralmente aos colegas e ao professor. Após a

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apresentação de todos os grupos, os alunos fizeram comentários sobre outros meios

de comunicação em que as charges circulam (como televisão e internet, por

exemplo) e como avaliavam a utilização deste tipo de texto nos meios de

comunicação atuais.

Na nona aula, com base no trabalho realizado na aula anterior, ainda

divididos em cinco grupos, os alunos discutiram as principais características da

charge quanto à forma e estrutura. Partindo da observação das charges escolhidas

pelos alunos, foi possível destacar as seguintes características: na charge, o

desenho deve conter elementos que permitam ao sujeito-leitor compreender a

situação representada, bem como reconhecer a crítica feita pelo autor.

A composição dos elementos (pessoas, vestimentas, cenário,

fisionomias/expressões, objetos, metáforas, exageros, deformação de

características, etc.) ajuda o sujeito-leitor na interpretação dos efeitos de sentido

produzidos pela charge. Na situação representada na charge, pode haver balões

indicando diálogo, pensamento, etc., mas apenas se for absolutamente necessário,

pois a ideia é recorrer o mínimo possível ao texto escrito. Ressaltei, ainda, nesta

caracterização, que o humor e a sátira são utilizados pelo chargista para expressar

sua visão sobre determinado fato ou ideia, o que faz da charge um importante

recurso para o desenvolvimento do posicionamento crítico do sujeito-autor.

Além disso, os alunos também entenderam as diferenças referentes à forma

de cada balão utilizado nas charges, uma vez que ele é o recurso gráfico utilizado

para tornar os sons e as falas visíveis na leitura, e pode se apresentar de várias

formas, de acordo com o efeito de sentido a ser produzido. Por exemplo, existem

balões da fala ou diálogo, indicadores, coletivos, balões duplos, etc. Foi solicitado

ainda, que cada aluno trouxesse um jornal com notícias atuais para a próxima aula.

Na décima aula, conforme solicitado na aula anterior, cada aluno, de posse de

uma notícia de jornal escolheu uma notícia e fez a leitura para a turma. Após a

leitura, e tendo o texto escolhido como base, cada aluno construiu sua charge,

ressaltando seu entendimento a respeito do tema tratado. Após a conclusão das

charges, cada aluno apresentou-a para a classe. A professora fez questionamentos

relacionados à mesma: a) As características da charge, estudadas nas aulas

anteriores, estão presentes na charge apresentada pelo colega? b) Que tipo de

linguagem foi utilizada? c) Qual foi o efeito de sentido produzido pela charge

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apresentada? Após essas atividades, cada aluno expôs a charge que criou no

saguão da escola.

Conforme previsto no projeto, a avaliação aconteceu de modo processual, ou

seja, em todos os momentos em que os alunos participaram das discussões

propostas e, individualmente, por meio da realização das atividades escritas. Com

relação à produção de texto, os alunos foram avaliados, considerando o atendimento

à proposta: criar uma charge usando os recursos da linguagem verbal e não-verbal,

para expor uma crítica pessoal sobre determinado tema, por meio de humor.

Com a conclusão da aplicação do projeto, em meados do mês de novembro,

constatei que os alunos gostaram muito de trabalhar com esse tipo de texto, e que

muitos alunos interagiram de modo inesperado, pois eram tímidos e não falavam

muito. Assim, pode-se afirmar que o projeto foi um sucesso.

Além da aplicação do projeto nas aulas de Língua Portuguesa, no colégio em

que estou lotada, fui tutora do GTR (Grupo de Trabalho e Rede) relacionado ao

projeto por mim desenvolvido. Essa tutoria foi muito importante, haja vista que

através dela, percebi que muitos professores também se preocupam com o trabalho

com charges em sala de aula. Foi um trabalho bastante satisfatório, como se pode

perceber no depoimento de uma professora que também utilizou as atividades

propostas na Unidade Didática:

A aplicação da Unidade Didática aconteceu hoje, 18/11 na turma 6ª série D do Colégio Estadual Padre José Herions - Rolândia - PR. Iniciei a atividade com a definição de Charge, um pouco mais simplificada que a presente no projeto. Em seguida, trabalhei com eles oralmente os principais elementos composicionais do gênero, como: o uso da linguagem verbal e não-verbal, caricaturas, expressões fisionômicas, temporalidade, relação com o contexto histórico, entre outros. Ainda oralmente, fiz as questões iniciais: 1) Você gosta de charges? Por quê? 2) Você sabe qual é a finalidade da charge? 4) Você costuma ler charges? Onde? A maioria não sabia ou não lembrava o que era uma charge e também não sabiam sua finalidade e nem costumavam lê-las. Nessa perspectiva, fica-nos clara a importância de trabalharmos gêneros diversificados, pois muitos alunos só têm acesso aos mesmos via escola. Dando continuidade, mostrei a eles na TV pendrive algumas charges sobre respeito às leis de trânsito. Conversamos bastante sobre cada uma delas e em seguida propus as seguintes questões: a) O que as charges retratam? b) Na sua opinião, como os motoristas poderiam ser conscientizados para que não aconteçam situações como as que são representadas nas charges? c) Agora é sua vez! Produza sua charge com o tema: Respeito às leis de trânsito. Capriche! A atividade foi bem aceita pelos alunos e percebi que eles assimilaram bem o conteúdo. A charge é um gênero bem envolvente e dinâmico e o tema é próximo à realidade deles, o que facilita muito a compreensão, interpretação e a produção das charges.

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Com base nesse relato, pude observar que o trabalho realizado com as

charges foi utilizado por outros docentes e que contribuiu para que estes também

observassem a importância de se trabalhar com este tipo de texto. Segundo

depoimento de outra professora que participou do GTR, e que também aplicou a

unidade didática proposta.

A proposta de implementação da unidade didática sobre a charge foi ministrada a alunos de 5ª série que frequentam a sala de apoio do Colégio Estadual Pe. José Herions, no dia 17/11/2011. Procurei tornar o conteúdo bem simples a fim de que os alunos com dificuldades pudessem acompanhar. Inicialmente, perguntei se alguém sabia o que era uma charge. Visto não terem esse conhecimento, passei a seguinte definição: Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar (ridicularizar), por meio de uma caricatura (desenho que acentua características marcantes de uma pessoa), algum acontecimento atual com uma ou mais personagens envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa carga, ou seja, exagera traços de alguém ou de algo. Para entender uma charge é necessário estar por dentro do que acontece ao seu redor. Mostrei algumas charges como exemplo, e expliquei a que se relacionavam, salientando que o jornal é seu principal suporte, mas também podem ser encontradas em revistas e na Internet. Em seguida, distribui alguns jornais selecionados para que os alunos pudessem encontrar uma charge, recortar e colar no caderno junto à definição e responder às seguintes perguntas: Você gostou dessa charge? Por quê? Você sabe qual a finalidade dela? Que efeitos de sentido ela produziu em você?Todos analisaram a charge relacionada ao trânsito da unidade didática e responderam as seguintes perguntas: a) Do que trata a charge?b) O que acontece com alguém que dirige embriagado?c) Se você tivesse que dar um título para a charge, qual daria?E, para concluir, pedi que produzissem uma charge relacionada a outros problemas que acontecem no trânsito. Alguns fizeram charges de pessoa atravessando a rua fora da faixa de pedestres, carros atravessando o cruzamento com o sinal vermelho, carros se chocando, etc. Os alunos demonstraram grande interesse pela aula, todos interagiram com comentários e experiências que os pais vivenciaram no trânsito. Além disso, todos produziram suas charges e pareceram gostar muito do gênero estudado. (Escaneei as charges trabalhadas e produzidas para mostrar a vocês, mas pena que não consegui postar aqui).

Com base nos depoimentos e discussões realizadas durante o GTR, posso

afirmar que a charge atrai os alunos, primeiramente, pelo uso da linguagem não-

verbal e humor, e depois, pelo estudo das condições de produção, que mantém com

a linguagem uma relação necessária, constituindo com ela, o sentido do texto.

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4 Considerações Finais

Na era da imagem, a linguagem não-verbal tem grande força e é muito

atrativa. Nesse sentido, a charge é um tipo de texto que articula, harmoniosamente,

as duas linguagens – a verbal e a não-verbal, que pode ser entendida como o tipo

de linguagem que utiliza outras formas, como, por exemplo, o desenho, a dança, os

sons, os gestos, a expressão fisionômica e as cores, para produzir sentidos.

.Assim sendo, cresce a familiaridade com esse tipo de texto, já que ele atinge

um grande número de pessoas. Nos jornais e em outros meios de circulação, a

charge cumpre a função de mostrar, de forma irônica e cômica, a indignação diante

de fatos sociais marcantes. Desse modo, é primordial que os alunos tenham contato

com esse tipo de texto, a fim de que compreender como ele produz sentidos.

Na escola, a charge é um tipo de texto que chama a atenção dos alunos, e

deve ser explorada da melhor forma possível. É essencial mostrar sua função social,

suas principais características e os recursos linguísticos responsáveis pela produção

dos seus efeitos de sentido. O trabalho com esse tipo de texto desperta o interesse

dos alunos, porque trata de fatos acontecidos em uma determinada época, de

maneira crítica, levando-os a pensar na sociedade em que está inseridos.

Assim sendo, a escola não pode se limitar a uma prática de leitura mecânica

e desestimulante, nem ignorar que o aluno convive com outras linguagens, que vão

além da verbal. Ao contrário, essa instituição precisa comprometer-se com o

desenvolvimento da capacidade de compreensão dos sujeitos-leitores, que devem

ser capazes de atribuir sentidos aos textos que leem. Desse modo, a charge leva o

aluno a desenvolver a sua expressão linguística, assim como o capacita para

compreender outros tipos de texto, auxiliando na formação de sujeitos-leitores

críticos.

Ao levar esse tipo de texto para a sala de aula, utilizando o arcabouço teórico

da Análise de Discurso, percebi que os sujeitos-leitores são capazes compreender

os sentidos que perpassam o texto, observando que tanto as palavras quanto as

imagens podem significar diferentemente e mudam de sentido dependendo da forma

como são empregadas. Também pude constatar que essa teoria da leitura colabora

para desvendar as ideologias inscritas no texto, motivando reflexões críticas e,

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mostrando que a leitura é um processo amplo, que vai além da construção de

sentidos.

Com a conclusão dos trabalhos de pesquisa e aplicação do projeto da charge

em sala de aula pude perceber a importância de trabalhar com esse tipo de texto

dentro do contexto escolar, uma vez que é função de uma escola que se quer crítica,

desenvolver a capacidade de compreensão do sujeito-leitor. Assim, este projeto

possibilitou a realização de um trabalho bem significativo, uma vez que as atividades

realizadas pelos alunos foram bem produtivas. Percebi, ainda, que a aplicabilidade

da charge em sala de aula poderá ser uma atividade educacional cotidiana,

principalmente porque os professores poderão utilizá-las no processo de ensino-

aprendizagem, seja associando-as a outros tipos de textos ou trabalhando apenas

com elas, a fim de que os alunos possam compreender o momento e o contexto

histórico e político da sociedade na qual estão inseridos. Além disso, o

conhecimento e as informações cotidianas e históricas que uma charge pode conter

são uma importante ferramenta para o estudo da linguagem, para a análise da

situação econômica e política, para a reflexão sobre o momento e a situação social

brasileira e, principalmente, uma oportunidade de diferentes leituras de uma mesma

situação, a partir dos olhos críticos, aguçados, irônicos e bem-humorados dos

chargistas.

Portanto, com a conclusão deste trabalho posso afirmar que o professor

precisa trabalhar com a diversidade textual, dando oportunidades para o aluno

adentrar em outros universos simbólicos, conhecer outros discursos, debater sobre

sua realidade e atribuir sentidos aos textos que o rodeiam. Para tanto, é

imprescindível que se ampliem as noções de leitura, e espero que este trabalho

possa contribuir positiva e significativamente para o trabalho de outros educadores,

que tem como objetivo principal formar sujeitos-leitores críticos e capazes de

participar ativamente do contexto social em que estão inseridos. Assim, a charge

constitui um tipo de texto muito importante para ser trabalhado em sala de aula, pois

é uma opção viável para o ensino da leitura nas aulas de língua portuguesa.

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REFERENCIAS

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