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O GRAFISMO DA CERÂMICA INDÍGENA NAS CULTURAS
MARAJOARA E SANTARÉM
ANA MARIA PIVETTA PETINATI1
Profa. MS. REGINA M. A. TIZZOT2
RESUMO O título deste artigo é “O Grafismo da Cerâmica Indígena nas Culturas Marajoara e Santarém”. Escolheu-se esse conteúdo para elaboração de um caderno pedagógico, por entender que é função da disciplina de Arte propiciar um ensino aprendizagem de qualidade valorizando o aluno enquanto ser criador. Objetiva-se promover atividades de cerâmica em sala de aula, tendo como elemento deflagrador o grafismo indígena pré-cabralino. Busca-se fazer um levantamento histórico sobre os grafismos característicos da cultura indígena; comparar e distinguir os grafismos da cerâmica Marajoara e Cultura Santarém; relacionar o grafismo desses povos com as figuras geométricas e trabalhar nas técnicas de cerâmica o grafismo indígena. O caderno pedagógico divide-se nos capítulos: Apresentação; Introdução; Revisão da literatura com subcapitulos: A arte educação, A relação arte e cultura e A cultura Marajoara e Santarém; As estratégias de ação para sala de aula em que consta: A metodologia adotada “histórico-cultural”; A motivação para o trabalho criativo; a Práxis pedagógica e Encaminhamentos e a Prática da leitura/releitura da cerâmica Marajoara e Santarém e seus grafismos.
Palavras-chave: Cultura. Grafismo. Cerâmica. Pintura. Indígena.
INTRODUÇÃO
Este trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica dos grafismos do indígena
brasileiro, realizada com base em uma metodologia histórico-cultural que gerou uma
prática pedagógica criativa.
Ressalta-se que a sala de aula representa um espaço fundamental para se
articular o processo de aprendizagem com a criação de objetos, tal estudo possibilita
trabalhar conteúdos da arte pré-cabralina, preservar a memória social e artística dos
povos em questão e valorizar a concepção estética e criativa do aluno. Em segundo
lugar, conforme o pensamento de Assmann, educar requer encantar, mas o papel
peculiar do educar é criar conscientemente experiências de aprendizagem,
reconhecidos como tais pelos sujeitos envolvidos (ASSMANN, 2001). E, lembrando
a frase de Albert Einstein, “A arte suprema do mestre consiste em despertar o gozo
da expressão criativa e do conhecimento” (BEUACLAIR, 2007, p.2).
1 Prof
a. de Artes do Colégio Estadual Deputado Arnaldo Faivro Busato, Município Pinhais, RMC.
2 Prof
a. MS. Regina M. A. Tizzot – Professora da EMBAP Curitiba - PR – Oientadora do PDE
O estudo da arte oportuniza aos alunos aprender em um processo que
mobiliza significados, símbolos, sentimentos e experiências culturais do meio em
que se vive, do “jeito de ser” de cada povo. A partir dessas premissas desenvolveu-
se atividades criativas em sala de aula, com uma turma de 30 alunos do ensino
fundamental de um colégio de Pinhais, da Região Metropolitana de Curitiba- PR.
A problematização que desencadeou o trabalho foi a necessidade de
encontrar a resposta para o seguinte questionamento: É possível entender a relação
do grafismo na cerâmica dos povos pré-cabralinos como expressão artística e
contextualizá-las na contemporaneidade?
O objetivo geral do trabalho, promover atividades de cerâmica em sala de
aula, teve como elemento deflagrador o grafismo indígena pré-cabralino encontrado
nas culturas Marajoara e Santarém. Os objetivos específicos foram: Fazer um
levantamento histórico sobre os grafismos característicos da cultura indígena pré-
cabralina; Comparar e distinguir os grafismos da cerâmica Marajoara e Santarém;
Trabalhar nas técnicas de cerâmica o grafismo dos povos pré-cabralinos.
O trabalho apresenta uma estrutura respaldada em bases teóricas, divididas
em capítulos sendo um destes destinado à práxis pedagógica.
2 A ARTE EDUCAÇÃO
Segundo Duarte (1991), a arte expressa os sentimentos; revive no sujeito o
“primeiro olhar” sobre as coisas; leva-o a conhecer os próprios sentimentos;
desperta-lhe maior atenção ao seu próprio processo de sentido, percepções e visão
de mundo. A arte estimula a imaginação e a utopia; cria novas possibilidades de ser
e sentir; possibilita a compreensão de novas situações e experiências.
O autor, também considera, que a arte proporciona à educação a relevância
dos aspectos sócio-culturais, pois ela ocorre num contexto histórico-cultural. Assim
expressa o estilo de um dado período histórico no qual transparecem os diversos
campos do conhecimento científico, filosófico, religioso, estético etc. Ao conhecer a
arte pretérita da cultura de onde se vive, pode-se compreender as transformações
operadas no modo de sentir e entender a vida ao longo da história, até o presente.
A arte leva a experienciar a produção e compreensão de culturas
estrangeiras, e derrubar barreiras impostas pela língua. Contudo, pode ser usada
por países hegemônicos para se impor em culturas diferentes e moldar-lhes os
sentimentos. Quando se abandona os padrões estéticos em favor de padrões
estrangeiros, se produz uma arte amorfa, inexpressiva e sem vida, e o folclore que é
a expressão cultural de um povo ficará comprometida, como diz Duarte:
Quando um povo abandona os seus padrões estéticos em favor de padrões estrangeiros – brotados de condições diversas de vida -, deixa de sentir com clareza. Perde-se em Símbolos que não lhe são totalmente expressivos, acabando por produzir uma arte amorfa, inexpressiva e sem vida. É necessário cuidado quando se manipula, em termos educacionais, as artes produzidas por outros povos. Porque mais do que agentes educacionais, podemos estar nos tornando agentes invasores: instrumentos de dominação a serviço de prioridades econômicas estrangeiras. Fundamental, então, se torna a estimulação em torno de nossos próprios padrões estéticos. Especialmente o folclore, que é a expressão brotada das mais profundas raíze3s culturais de um povo, deve ser conhecido.Conhecer o nosso folclore é ir buscar, lá onde o povo enfrenta a luta pela vida, os sentimentos de nossa cultura. Relegá-lo a planos inferiores, classificá-lo de “arte menor” ou de “coisa de incultos”, é fazer o jogo da dominação e destruição cultural (1991, p.71-72).
Na arte-educação o que importa é o processo de criação, sua finalidade é o
desenvolvimento de uma consciência estética e crítica, ou seja, desenvolver a
capacidade de imposição de valores e sentidos, de modo que possa selecioná-los e
recriá-los segundo a situação existencial vivida.
Conforme Duarte (1991), o emprego da arte no ensino brasileiro efetivou-se,
com o advento da Lei 5692/71, que fixou na estrutura educacional as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, inclui a arte-educação como também o ensino
profissionalizante, ambos sem a menor infraestrutura econômica e humana. A
educação artística passou a ser mais uma das disciplinas entre outras dentro do
currículo tecnicista, com carga horária semanal de 2 horas/aula, e com muitos
desvirtuamentos.
Para o autor supra citado, é necessário recuperar no interior das escolas, a
expressão pessoal, tanto dos alunos como dos professores. Transformar não só a
educação artística, mas o próprio modelo de ensino pragmático e utilitarista,
lembrando que o ato criador é rebelde e subversivo porque propõe uma nova visão,
uma nova ordem, uma nova correlação de forças. O que é necessário na educação
é o comprometimento humano, pessoal, valorativo, com a educação e a nação.
Para trabalhar a Arte enquanto disciplina escolar é necessário refletir sobre o
seu papel na vida do ser humano, considerando-a como um fazer humano que tem
forma e significados próprios dentro da cultura em que é produzida historicamente e
socialmente. Além disso, não é possível ter um conceito fechado sobre mesma.
Segundo Langer: “a arte é a criação de formas perceptivas expressivas do
sentimento humano” (in. DUARTE JÚNIOR, 1991, p. 43). Considerando essa
concepção e entendendo-se que sendo a arte uma das manifestações culturais
humana mais antiga, os homens sempre se utilizaram de códigos simbólicos para
demonstrar o seu sentir. No contexto tribal a arte é um meio de comunicação, e as
formas como se expressam possibilitam conhecer os sentimentos e a organização
daquela cultura naquele momento histórico. Conforme cita BRANDÃO:
Elas foram e continuam sendo inúmeras entre os tempos da história e os espaços da geografia humana (p.23). (...) Nós somos aquilo que fizemos e fazemos ser. Somos o que criamos para efemeramente nos perpetuarmos e transformarmos a cada instante.Tudo aquilo que criamos a partir do que nos é dado, quando tomamos as coisas da natureza e as recriamos como os objetos e os utensílios da vida social representa uma das múltiplas dimensões daquilo que, em uma outra, chamamos de cultura. (2002, p. 22)
A arte é a criação de uma forma, seja ela, estática ou dinâmica. A estática se
refere ao desenho, a pintura, a escultura etc. Na forma dinâmica se insere a dança,
a música, o cinema etc. Não é linguagem. A linguagem é um instrumento de
ordenação da vida humana, num contexto espácio-temporal, pelo qual o homem
organiza suas percepções classifica e relaciona eventos, porém apenas aponta o
sentir humano sem poder descrevê-lo (DUARTE,1991).
2.1 A RELAÇÃO ARTE E A CULTURA
A educação num contexto cultural enfatiza que a linguagem é um produto das
comunidades humanas e que a socialização/educação do indivíduo se dá pelo
código linguístico da comunidade em que se vive, pela sua compreensão e seus
significados. Com ele o indivíduo se entende no mundo, pela cultura vivida. Cultura
significa que um grupo tem características próprias, um “jeito de ser” e define-lhe os
traços culturais comuns a todos.
Deste modo, a arte se manifestou desde os primórdios da vida do homem,
ligadas às crenças religiosas das primeiras tribos. Arte e religião eram inseparáveis,
através delas a imaginação humana se tornava concreta, se aperfeiçoava ao
produzir imagens em ações e gravá-las em inscrições rupestres. Foi o primeiro
passo da criação da arte e da linguagem. O homem passou a construir símbolos que
significavam o objeto ausente por uma linguagem, ou seja, um código simbólico.
Mas, a arte e suas formas não podem ser consideradas símbolos como as palavras,
pois não possuem convenções. A arte exprime sentidos expressivos, cria imagens
que se dirigem aos sentimentos. O artista não apresenta um significado conceitual,
ele apresenta os sentimentos de forma harmônica. (DUARTE, 1991)
O autor supra mencionado faz a distinção dos conceitos de comunicação e
expressão como processos sociais onde se dá o inter-relacionamento humano.
Comunicar se refere à transmissão de significados explícitos, reduzindo a um
mínimo as conotações. Já a expressão diz respeito à manifestação de sentimentos,
através de diferentes sinais ou signos. O autor assevera que esses conceitos se
completam, visto que quando se comunica algo se expressa certos sentimentos.
Pelo ato criador se opera a imaginação, capacidade fundamental do homem e
que vai além dos limites do imediatismo do presente e da materialidade das coisas.
O ato criador mobiliza a razão, a esfera lógica através dos símbolos linguísticos e
matemáticos e apoia-se na vivência dos sentimentos. Caracteriza-se por ser um ato
de rebeldia na medida em que nega o estabelecido, o existente e propõe algo novo.
O ato de criação artística oferece, à percepção das pessoas, as formas manipuladas
pelo artista que capta, com a sua sensibilidade, os sentimentos da comunidade
humana os exprime de forma simbólicas. O artista projeta, na obra de arte, tudo
aquilo que percebe como próprio dos homens de sua época e lugar, apreende a
emoção humana, a realidade perceptiva à sua frente, experiências subjetivas que
ele não conhece em sua vida pessoal.
O expectador de uma obra de arte passa pela experiência estética, que é a de
apreciar o belo. A beleza está na relação da consciência do sujeito, o apreciador da
arte, e o objeto de arte despojada de conceitos lingüísticos. A apreciação estética flui
como uma corrente de sentimentos voltados para a harmonia de formas e ritmos.
A cultura diz respeito à multiplicidade de formas de existir da humanidade
como um todo, ou seja, como produto coletivo da vida humana, ao mesmo tempo de
cada povo, nação sociedade e grupos humanos. Há uma lógica interna em cada
realidade cultural, a qual se deve procurar conhecer para que façam sentido as suas
práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam
(BRANDÂO, 2002).
É grande a variedade de culturas conforme os contextos em que são
produzidos. Quanto às culturas dos povos e nações que habitaram a América Latina
antes da conquista européia, elas foram tratadas como mundos à parte das culturas
nacionais que se desenvolveram. Eram somente reconhecidas as culturas que
fornecem elementos e características que davam aos colonizadores um caráter
particular, como comidas, nomes, roupas, lendas etc. (SANTOS, 1996, p. 71).
Pode-se dizer que a manutenção de uma identidade cultura está intimamente
relacionada ao campo do saber, de registrar e preservar os elementos culturais que
não têm garantias de permanência. Garantir a memória social preservando o vasto
repertório do Patrimônio Cultural sempre foi uma preocupação de historiadores,
arqueólogos, antropólogos e outros profissionais (LEMOS, 1987).
Para Mário de Andrade Patrimônio Artístico Nacional são ”todas as obras de
arte pura ou de arte aplicada, popular ou erudita, nacional ou estrangeira...” Além
disso, ele agrupava a arte em oito categorias dentre as quais a Arte arqueológica e
Arte ameríndia. Nestas fazem parte objetos, como fetiches, instrumentos de caça, de
pesca, da agricultura, domésticos, indumentária, jazidas funerárias, sambaquis,
inscrições rupestres, elementos da paisagem, do meio ambiente, os vocabulários,
cantos, lendas, magias, medicina culinária etc. (LEMOS, 1987, p. 37)
A preocupação com a conservação do patrimônio cultural e ambiental no
mundo cresceu e motivou muitos congressos a partir do início da década de 1970,
quando no Brasil emanou o célebre “Compromisso de Brasília”, assinado pelo
Ministério da Educação e Cultura da época, em cujas decisões destaca-se:
4. Sendo o culto do passado elemento básico da formação da consciência nacional, deverão ser incluídos nos currículos escolares de nível primário, médio e superior, matérias que versem o conhecimento do acervo histórico e artístico das jazidas arqueológicas e pré-históricas, das riquezas naturais e de cultura popular. (LEMOS, 1987, p. 91)
Há no texto acima o reconhecimento da importância do acervo histórico e
artístico como objetos do conhecimento. Para Zambon (I2001, p.23), “a arte não é
apenas um conhecimento por si só, mas também pode constituir-se num importante
veículo para outros tipos de conhecimento humano, já que extraímos dela uma
compreensão da expressão humana e de seus valores”. Para o autor a expressão
artística transmite mensagens ampla, são faces do conhecimento que se ajustam e
se completam sem que uma suplante a outra.
Nas sociedades primitivas há a transmissão do saber é de maneira informal,
pelo contato diário e vivencial entre adultos e crianças. Aprende-se pela experiência.
Nas civilizadas ou letradas não existe uniformidade cultural, mas formas diferentes
de culturas, que por vezes, são conflitantes, e formam as subculturas. Também o
autor lembra que as sociedades atuais passaram por profundas e radicais
transformações sociais, políticas e econômicas resultando em uma divisão do saber
entre as classes dominantes e dominadas e criaram-se escolas (DUARTE, 1983).
2.2 A CULTURA INDÍGENA: MARAJOARA E SANTARÉM
2.2.1 A cultura do índio brasileiro
O livro Museu Paraense Emílio Goeldi (1981), relata que a cultura material do
índio brasileiro é um objeto do conhecimento, uma atividade artística, mas um ato
cujo ponto gerador ultrapassa a técnica apurada considerando-se sua estética.
Segue abaixo algumas observações pertinentes contidas no mesmo.
O antropólogo Franz Boas analisa sob o viés tecnológico a representação
visual das sociedades tribais brasileiras em suas formas abstratas e geométricas.
Entende-as com significado estabelecido por uma convenção comum ao grupo, e
que podem coexistir sincronicamente com as “realistas“, que também são
simbólicas. Arqueólogos como Meggers e Evans, citados por Beltrão, identificam
áreas culturais e tipos de cultura pelas diferenças tecnológicas das cerâmicas, isto é,
por procedimentos técnicos e formais que sinalizam onde essas culturas se
localizam geograficamente.
Cabe lembrar que estudos antropológicos reconheceram inúmeros complexos
cerâmicos e com o uso de métodos de datação como o Carbono-14, associados a
pesquisas lingüísticas e paleoambientais, reconstituiu-se a pré-história amazônica
(in FROTA, 1981, p. 32).
2.2.2 A cultura Marajoara
FROTA (1981), explica que de acordo com o professor Mário F. Simões, a
ocupação da ilha de Marajó passou por várias fases. Inicialmente teria sido
percorrida/ocupada por bandos de caçadores e coletores pré-cerâmicos. Depois, na
fase Ananatuba, a área foi invadida por povos agricultores e que já conheciam a
cerâmica com técnica de finas incisões cercadas por incisões mais largas –
hachurada zonada, provavelmente ocorre de 1.100 a.C. e sobreviveu até 200 a.C.
Ela foi dominada e assimilada pela fase Mangueiras. (Ibidem, 1981, p. 61-63)
A fase Mangueiras possivelmente com agricultores da floresta adotou formas
decorativas da cerâmica. A terceira fase foi a Formiga com grupos que viviam nas
áreas de campo e próximas a um rio ou igarapé, cuja cerâmica era inferior às fases
anteriores, diferindo entre seus grupos. A partir de A.D. 400, prepondera a fase
Marajoara, até cerca de A.D. 1350 quando é expulsa ou absorvida pela fase Aruã.
A cerâmica marajoara era altamente elaborada e produto de especialização
artesanal. Fabricavam vasos domésticos utilitários e com superfícies não decoradas.
Variados vasos cerimonial-funerários decorados com técnicas (raspagem, incisão,
excisão, englobo e pintura), aplicadas isoladas ou combinadas num mesmo vaso.
As estatuetas de cerâmica marajoara, na maioria apresentam-se
antropomórficas, estilizadas, decoradas ou não, pintadas, na maioria, sem os braços
ou com estes abreviados, em posição sentada com as pernas e o corpo formando a
base de um “U”. Em geral, estão expostos os seios e os órgãos sexuais da mulher.
Outros exemplares são de cobras e lagartos em relevo e bancos, estatuetas,
rodelas-de-fuso, tangas triangulares, côncavas com furos nas extremidades,
colheres, adornos auriculares e labiais e vasos miniatura (FROTA, 1981, p. 63).
A pintura era bicromo ou policromo, com engobe (barro em estado líquido)
juntando pigmentos vegetais. Para o vermelho usavam o urucum, para o branco o
caulim, para o preto o jenipapo, além de carvão e da fuligem. Queimavam em forno
de buraco ou em fogueira a céu aberto. A peça era envernizado com breu de jutaí,
material que propiciava acabamento lustroso (ROSA, 2010).
2.2.3 A cultura Santarém
A cultura Santarém se desenvolveu na área da bacia amazônica, e por
apresentarem semelhanças com culturas do Circum Caribe, acredita-se que
originalmente emigraram para o norte da América do Sul. As coleções de peças de
museus mostram aspectos estilísticos de animais, pássaros e figuras humanas.
Faziam vasos de gargalo e de Cariátides (figuras femininas), conhecidos
como vasos globulares, de porte médio a grande, com base anelar e gargalo estreito
tendo no bojo esfinge animal ou humano. Outros apresentam forma de fruteiras, com
adorno modelado e aplicado à borda com freqüentes estilizações de rãs e cobras.
A técnica combina incisões e ponteados e um excesso de ornatos em relevo.
As estatuetas apresentam-se de formas antropomorfas ou zoomorfas, com bases de
apoio semilunares, unípedes, circulares, em pedestal e nas posturas eretas,
sentadas e acocorocadas. Algumas figuras são ocas, com pequenos seixos dentro
sugerindo maracá. O acabamento é simples, pintados, engobados.
Quanto aos cachimbos de cerâmica, estes são de forma angular, na
decoração afastam-se dos motivos zoomórficos, fixando-se em florões ou outros
padrões alienígenas. Pelo seu tipo e decoração julga-se que eles tiveram influência
artesanal dos missionários e primeiros colonos (Ibidem, 1981, p. 65).
Como em toda sociedade pré-histórica, o indígena brasileiro não desenvolveu
a escrita como forma de comunicação, mas ele se expressa por meio da arte
destacando e registrando os eventos importantes na vida da comunidade,
estabelece regras e leis e ainda recorda a tradição.
O grafismo dos povos indígenas brasileiros apresentam uma inovação
estética. Seus desenhos possibilitam a passagem para o conhecimento de outros
planos da subjetividade do homem, de pensar o diferente sem que esta diferença
obrigue a uma exclusão do outro. Desenhos, cores e linhas são formas plásticas de
expressar sentimentos da vida em sociedade ou para com os antepassados mortos,
relações cosmológicas e, partindo daí, esquemas de pensamento de uma riqueza
bastante peculiar (ROSA, 2010, p.6).
3 A PRÁXIS PEDAGÓGICA
A implementação do projeto iniciou-se no dia 22 de fevereiro de 2012 e
terminou em 29 de maio de 2012. Teve um total de 65 horas aula.
3.1 METODOLOGIA
Utilizou-se a metodologia histórico-cultural considerada adequada ao espaço
educativo no qual, se desenvolvem diferentes processos de comunicação do ensino-
aprendizagem. Essa metodologia própria das ciências humanas tem sua gênese nas
teorias de Lev Vygotsky - que entende o desenvolvimento do conhecimento não só
numa linha natural ou biológica, mas também, histórica, cultural e social, e a teoria
de Bakhtin - que considera a consciência individual como um fato sócio-ideológico,
entre o organismo e o mundo exterior, que se materializam nos signos, na
linguagem. Ambos os teóricos fazem uma discussão sobre pesquisa-intervenção
numa perspectiva histórico-cultural (FREITAS, 2002, p.7-10).
Buscou-se reviver o caráter historicista entre o mundo natural e o mundo
cultural e facilitar o ensino-apendizagem de reinterpretação de técnicas artísticas da
cerâmica dos povos pré-cabralinos salientando-se os aspectos da técnica da
cerâmica, com formas, cores e materiais utilizados por essas culturas. Cabe
salientar que no decorrer dos trabalhos, devido às dificuldades que se apresentaram
como de adquirir a argila e queimá-la, inseriu-se a confecção de peças com
grafismos em outros materiais, tais como papelão e bandejas de isopor.
A pesquisa bibliográfica sobre a cerâmica pré-cabralina da cultura Marajoara
e Santarém, forneceu as bases para a concretização dos objetivos propostos e
encaminhamentos para a prática com os alunos. A prática em sala de aula seguiu as
etapas: Apresentação de slides e documentários sobre a história e a cultura
indígena brasileira Marajoara e Santarém; Estudo da cultura Marajoara e Santarém
por meio de textos com ênfase nas técnicas da cerâmica e diferenças entre ambas;
apreciação de slides: Grafismo da cerâmica indígena; Estudo das técnicas básicas
da cerâmica através de animação; Estudo de texto sobre as técnicas de cerâmica e
grafismo e Apreciação de um trabalho de releitura da cerâmica Marajoara, por
Mestre Cardoso - Ceramista de Icoaraci-BELÉM-PA.
3.2 REINTERPRETAÇÃO OU RELEITURA
A reinterpretação e releitura das Culturas Marajoara e Santarém obedeceram
ao seguinte plano didático:
Apresentar a proposta de intervenção pedagógica aos pais dos
alunos para tomarem ciência dos objetivos do trabalho.
Apresentar slides e documentários sobre a cerâmica Marajoara e
Santarém aos alunos. Slide de um ceramista paraense: Mestre Cardoso e dinâmica
de grupo sobre o referido ceramista.
Texto 1 - Trabalhar a Arte indígena brasileira
Texto 2 - Trabalhar a Cultura Marajoara
Texto 3 - Trabalhar a Cultura Santarém
Texto 4 - Trabalhar a Grafismo Marajoara e Santarém
Texto 5 - Trabalhar Técnicas da cerâmica e decoração
Iniciar o projeto de grafismo
Apresentar os instrumentos para auxiliar na produção e no entalhe da
cerâmica por meio de vídeo. Dicas para a fabricação das peças em cerâmica.
Elaborar projeto de grafismos a partir da simbologia indígena após
apreciar slide.
Confeccionar gravura de grafismo indígena impressos em bandejas
de isopor.
Preparar a argila - Modelagem livre (contra-turno)
Iniciar à confecção de peças de cerâmica – técnica de placas com
motivo indígena
Confeccionar peças de cerâmica (contra-turno) – técnica de placas
com motivo indígena
Apresentar os desenhos de grafismos aos alunos e compará-los com
as figuras geométricas (enlace com a Matemática)
Criar em papel sulfite quatro ou mais modelos de grafismo inspirados
nas culturas Marajoara e Santarém – colagem em papelão com excisos (uso de
barbante e outros materiais).
Exibir as técnicas de confecção de peças de cerâmica por meio de
vídeo. (contra-turno)
Confeccionar peças com técnicas de cerâmica - rolinho, bolas,
blocos (contra-turno)
Colar em papelão com excisos (uso de barbante e outros materiais)
Modelar utensílios estilo Marajoara e Santarém
Colar em papelão com excisos (uso de barbante e outros materiais)
Executar a gravação das placas de papelão com excisos em sulfite
Inserir na peça de cerâmica confeccionada os grafismos definidos no
projeto de simbologia indígena, usando os instrumentos adequados.
Trabalhar as formas e corrigindo imperfeições das peças
Trabalhar a técnica de preparo da cola cerâmica
Trabalhar o acabamento seguindo as técnicas do vídeo
Pintar as peças com engobo e queima das peças fora da escola
Envernizar as peças
Preparar a exposição dos trabalhos
Documentar as etapas dos trabalhos de alguns alunos em fotos.
Montar animação das etapas dos trabalhos. Montagem da exposição.
Expor o material produzido pelos alunos
3.3 ENCERRAMENTO E AVALIAÇÃO DO PROJETO O término da implementação deu-se com uma exposição dos trabalhos dos
alunos, conforme ilustra o anexo n0 , tendo participado toda a comunidade escolar
que ao final, fez uma avaliação positiva do mesmo.
Houve o reconhecimento de que o projeto levou à comunidade escolar a
pensar na Arte, enquanto disciplina escolar, como capaz de fazer um enlace com
outras disciplinas e encantar os professores para que estes imbuídos de tal efeito o
reproduzam com os alunos. Todos concluem que estudar a cultura indígena é um
dos caminhos para que se forme uma sociedade mais consciente de si mesma dos
valores que querem ter, mais igualitária e sem tanto preconceito.
A execução do projeto apresentou desafios e avanços durante as fases de
implementação pedagógica. Contou-se com o apoio da direção, dos colegas
professores e dos pais dos alunos, além da gratificante colaboração e entusiasmo
dos alunos. Contudo, algumas dificuldades foram se apresentando no decorrer
desse processo de ensino-aprendizagem, como: a falta de uma sala ambiente para
o trabalho e de prateleiras para guardar as peças, ainda a falta de verba para
aquisição do material necessário e para pagar o aluguel de um forno para a queima
das peças. Uma medida para minimizar os problemas foi fazer uma triagem de
peças a serem queimadas. Foi de grande valia a participação de colegas do PDE
com sugestões que minimizariam os impasses, tais como: a pintura de peças sem
queimar, trabalhos em outros suportes, por exemplo, em placas de isopor, garrafa
pets e outros. Entendo que todo projeto deve ser flexível, abrindo a possibilidade de
acrescentar e/ou mudar certos detalhes que, a priori nos parecia aplicável.
Quanto à sensibilização do aluno, esta iniciou-se ao apresentar o projeto, eles se
motivaram a buscar informações na internet, livros e revistas, depois com a
apresentação textos e slides, documentários e discussão em
grupo/questionamentos. Com relação aos objetivos propostos aos alunos percebeu-
se o sucesso, eles exteriorizaram a criatividade e, sobretudo, resgataram a cultura
Marajoara e Santarém e a contextualizaram com a contemporaneidade admirando a
arte de Fábio Smith e Mestre Cardoso, artistas brasileiros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 2001. BEUCLAIR, João. No tempo possível: notas da educação para a paz. Revista Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653) n.º 42/2 – 10 de marzo de 2007 EDITA: Organización de Estados Iberoamericanos para la Educación, la Ciencia y la Cultura (OEI). BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 2002. DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Por que arte educação? São Paulo: Papirus, 1991. FREITAS, M. T. A Vygotsky e Bakhtin- Psicologia e educação: um intertexto. S. Paulo/Juiz de Fora: Ática/EDUFJF,1994. _____. A abordagem sócio-Histórica como orientadora da pesquisa qualitativa IN: Cadernos De Pesquisa, n.116, p.20-39, julho de 2002 FROTA, Lélia Coelho. A cultura material do índio brasileiro: um objeto do conhecimento. In Fundação Nacional de Arte. Instituto Nacional de Artes Plásticas. Coleção Museus Brasileiro, 4. Museu Paraense Emílio Goeldi. Rio de Janeiro: Edição Funarte, 1981. LEMOS, Carlos. O que é patrimônio histórico. São Paulo: Brasiliense, 1987. RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido de Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. RIBEIRO, Darcy. 1970. Os índios e a civilização. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. Coleção primeiros passos:110. 9ª reimpressão, 16ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1996.
VIDAL, Lux, (organizadora). Grafismo indígena: estudos de antropologia estética – 2a ed., São Paulo: Studio Nobel: FAPESP, 2000 ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. Vol. 1. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. 2v. ZAMBONI, Silvio. A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores Associados, 2001. ENDEREÇOS ELETRÔNICOS Cerâmica Norio. Cerâmica Marajoara. Disponível em:<www.ceramicanorio.com/arte popular/ceramicamarajoara/cerâmica marajoara.html> Acesso em 31 maio 12. ROSA, Ronel Alberti da. Mekangô (gente-desenho): grafismo e espacialidade entre os índios brasileiros como linguagem não-verbal. Palestra apresentada em 2010, no XVIII Congresso Internacional de Estética, em Pequim Disponível em <idc.org.br/GESTIONALE/upload/.../ECONTENT/.e.../Mekango.pdf>.Acesso:4/6/12.
ANEXO 01
DESENHOS ESQUEMÁTICOS
Fonte: PETINATI, Ana Maria Pivetta, 2012
ANEXO 02 - REINTERPRETAÇÃO OU RELEITURA DA CERÂMICA MARAJOARA
Placas de cerâmica
Fonte: PETINATI, Ana Maria Pivetta, 2012.
Papelogravura
Fonte: PETINATI, Ana Maria Pivetta, 2012.