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    O IMPACTO DAS RELIGIES SOBRE A

    AGENDA SOCIAL ATUAL

    Bernardo Kliksberg

    I. UM PANORAMA INQUIETANTE

    O novo milnio se inicia em meio a grandes contrastes. De um lado, na esfera da cin-cia e da tecnologia, observamos que os progressos contnuos multiplicaram a capacidade dognero humano de produzir bens e servios. As revolues em numerosos campos comogentica, biotecnologia, cincia dos materiais, computao, ciberntica, eletrnica, comuni-caes e outros permitiram que nosso planeta esteja hoje em condies potenciais de satis-fazer as necessidades de quase o dobro de sua populao atual. Tornaram possveis tambm o

    prolongamento, em grau significativo, do espao de vida til e da expectativa de vida, bem comoa reduo a patamares mnimos da mortalidade infantil e da mortalidade materna, alm dapossibilidade de acesso macio educao, com base em tecnologias modernas.

    Por outro lado, contudo, dados recentes nos informam que um bilho e 200 milhesde pessoas se encontram em estado de pobreza extrema, vivendo com menos de um dlarpor dia; que trs bilhes se situam abaixo da linha de pobreza, ganhando menos de dois dlaresdirios; que 800 milhes sofrem de fome; um bilho e 300 milhes no dispem de gua potvel;trs bilhes carecem de servios de saneamento; e 2 bilhes no contam com o suprimento deeletricidade. So cruciantes as conseqncias desse estado de coisas. Trinta mil crianas morremdiariamente devido a causas evitveis, vinculadas pobreza, ao mesmo tempo que a expec-tativa de vida, que nos 26 pases mais ricos supera os 78 anos, se reduz a somente 53 anos nos49 pases mais pobres. Nada menos que um milho e 700 milhes perecem a cada ano deenfermidades vinculadas gua contaminada, falta de higiene ou carncia de outrascondies sanitrias bsicas. Enquanto nos pases mais ricos, somente seis crianas em cada milmorrem antes de completar um ano de vida, tal ndice se eleva a 100, nos pases mais pobres.De um total de meio milho de mes que do luz anualmente, a parcela de 98% se encontranos pases em desenvolvimento. Alm do mais, tais disparidades se tornaram cada vez maisagudas. O quinto da populao mundial que vive nos pases ricos dono de 86% do produto brutomundial, de 82% das exportaes, de mais de 95% do crdito, ao passo que o quinto maispobre s possui 1% de tudo isso. A diferena entre os nveis de renda desses dois quintos, queera de 30 para 1 em 1960, passou a ser de 74 para 1 em 1997, e continua se elevando.

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    SrieDEBATES V

    BR/2005/PI/H/1

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    Nessa moldura de oportunidades to amplas e de carncias e desigualdades to funestas,cabe perguntar: que papel podero desempenhar as religies, no sentido de que o desenvolvi-mento chegue tambm aos grandes setores da humanidade hoje excludos?

    Alm de qualquer hiptese terica que se possa estabelecer a respeito, no resta dvidade que as religies esto atuando diariamente, de modo muito concreto, na luta contra essesproblemas. Organizaes de base catlicas, evanglicas, protestantes, judaicas, muulmanas, ede todas as outras confisses religiosas, trabalham diuturnamente em prol dos mais desfavore-cidos. Na Argentina, por exemplo em que as polticas aplicadas fizeram com que, num espaode 12 anos, a cifra de pobreza se elevasse de 33% a 58% do total da populao, e ondeboa parte da classe mdia fosse destruda economicamente , uma vigorosa organizao desolidariedade da Igreja Catlica, a CARITAS, vem dando proteo a 3 milhes de pessoas,tendo como base 100.000 voluntrios. Do mesmo modo, a AMIA, instituio central dacomunidade judaica, desenvolveu uma ampla rede de proteo social que presta ajuda a uma

    de cada trs famlias dessa comunidade de pequena classe mdia arruinada pela crise. No Benin,segundo informa o Banco Mundial (2000), as entidades filiadas Igreja representamprovavelmente a mais visvel e extensa rede de proteo existente. Situaes semelhantesrepetem-se em todo o planeta.

    As religies no s esto presentes na vida cotidiana dos pobres como, em diversoscasos, se incorporaram ativamente discusso mundial sobre a globalizao e seus impactoseconmicos e sociais, bem como sobre o modelo de desenvolvimento desejvel.

    O Papa Paulo VI (1971) declarou que constitui um erro dizer que a economia e atica so distintas e estranhas entre si, e que a primeira no depende de modo algum da

    segunda. O Papa Joo Paulo II (2000), por seu turno, conclamou todos a uma reflexonova e mais profunda sobre a natureza da economia e seus propsitos. O mesmo clamor foilanado ainda pelo Arcebispo de Canterbury, George Carey, pelo Presidente do ConselhoDiretor do Congresso Judaico Mundial, Rabino Israel Singer, alm de outras proeminentespersonalidades espirituais de todo o mundo.

    De onde surge esse novo impulso voltado para um papel proativo no desenvolvimentode diversas religies de grande influncia? Que podemos esperar dele?

    O presente trabalho prope-se abordar esta temtica, para o que percorrer trs etapassucessivas. Em primeiro e segundo lugares, se concentrar no que considera as importantes

    razes que este compromisso tem com o desenvolvimento, em duas das religies mais influentes:o judasmo e o cristianismo. Para tanto, examinar a posio mantida pelo judasmo em faceda agenda de problemas-chave do desenvolvimento, concentrando-se para isso na viso doAntigo Testamento. Em seguida, reexaminar a doutrina social da Igreja, focalizando as suasexpresses atuais. Em terceiro lugar, o trabalho abordar a proposta que emerge das duasreligies com referncia ao mundo da globalizao e ao desenvolvimento. Dados os limitesmuito delimitados deste trabalho, pretende-se apenas apresentar esses temas de modoexploratrio. Alm disso, uma anlise mais extensa deveria englobar a viso que outras religiesde grande significao mantm sobre esses problemas.

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    Torna-se imprescindvel que tais temas sejam estudados de modo cada vez mais pro-fundo. sabido que as grandes vises religiosas no s mobilizam grande parte dapopulao mundial, como se mostram decisivas nas deliberaes dirias de milhes e milhesde pessoas e de famlias. Os valores espirituais representam um componente essencial do capitalsocial de uma sociedade, alm de constiturem simultaneamente um fim em si mesmo.

    II. A VISO SOCIAL DA BBLIA

    O Antigo Testamento, o Tor (instruo), que constitui a base do judasmo e textofundamentador reconhecido pelo cristianismo e outras religies, ocupa-se ativamente dosgrandes temas econmicos e sociais do gnero humano. Concentra o foco de sua ateno emquestes como a pobreza, a excluso social, as desigualdades, as responsabilidades da sociedade

    diante desses temas, bem como as do indivduo e as aes moralmente corretas. Tal preocupa-o se materializa em claros princpios norteadores e em orientaes de conduta. Contudo, otexto bblico no se limita a isso. Vai muito alm, estabelecendo normas pormenorizadas des-tinadas a assegurar nos atos a fidelidade aos princpios proclamados. Desse modo, converte-senuma densa e riqussima fonte de doutrina e de legislao econmica e social. Por outro lado,a Divindade expressa a sua vontade e a transcendncia que atribui a essa viso, por meio defiguras humanas concretas, os Profetas, os quais, em meio s circunstncias mais adversas,demonstrando enorme coragem e integridade total, chamam a ateno dos poderosos, e doprprio povo, para a imprescindibilidade de que sejam cumpridas as normas ticas prescritaspela Divindade e para a certeza dos males que acontecero, em caso de desobedincia. Moiss,Isaas, Jeremias, Ams, Osas, Ezequiel, alm de muitos outros, foram alm da transmisso

    da idia, com a entrega de suas prprias vidas, convertendo-se assim em referncias centrais deseu tempo, e de aprecivel parte do gnero humano.

    Entre as vises fundamentais suscitadas pelo texto bblico ao gnero humano, acham-se as seguintes:

    1. A idia da responsabilidade de um pelo outro.

    Os seres humanos tm a obrigao tica de velar por seus semelhantes, partindo-se doprincipio de que a solidariedade no uma opo, mas um mandato. No livro de Levtico, aDivindade prescreve: E amars a teu prximo como a ti mesmo (19:18). Agir deste modo navida cotidiana no merece reconhecimentos especiais, faz parte da vida humana. Um impor-

    tante pensador judeu contemporneo, o Rabino Abrao Y. Heschel (1987) declara que talcomportamento representa simplesmente a maneira de viver corretamente.

    2. A pobreza deve ser erradicadaSegundo a Bblia, a pobreza no inevitvel, no se enquadra na vontade divina. Muito

    ao contrrio. O desgnio de que o ser humano tenha plenas possibilidades de realiza-o. Diz o texto que No haver em teu meio necessitado algum (Deuteronmio 15:4).O eminente analista bblico Yeshahahu Leibowicz (1998) ressalta que tal declarao nodeve ser entendida como uma promessa divina, mas como uma exigncia imposta aohomem. Devemos evitar criar uma realidade em que haja indigentes entre ns. De modo

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    geral, acentua que os Profetas no so orculos, no dizem o que vai acontecer, mas simo que deveria suceder.

    3. A dignidade do pobre deve ser preservada por todos os meios

    Segundo o texto bblico, os pobres so seres humanos absolutamente iguais a todosos demais, pois a pobreza no lhes reduz em coisa alguma o carter de criaturas criadas pela Divin-dade, sua imagem e semelhana. A mensagem bblica mostra-se, pois, oposta tendncia usual nassociedades atuais de desvalorizar o pobre. Ela salienta inclusive que aqueles que se aproveitamdos rfos, das vivas, dos estrangeiros e dos pobres, que so as figuras de excluso na Antigidade,tero de defrontar-se com a prpria Divindade. Ela protege de modo todo especial os pobres.

    de tal modo vigorosa a defesa da dignidade humana do pobre, que impe a este umaobrigao aparentemente incompreensvel. Os textos dizem que at mesmo quem muitopobre tambm deve ajudar algum que seja mais pobre ainda. Pergunta-se por que razo,

    estando ele nessa difcil condio, se lhe exige que ajude os outros. A resposta que no sequer privar o pobre de uma obrigao que fundamental para a idia da dignidade humana:a da solidariedade com seus semelhantes.

    4. Evitar as grandes desigualdades

    A idia de igualdade essencial ao texto bblico. Antes de mais nada, todos osseres humanos so iguais no que mais importante. O monotesmo bblico proclama que sh uma Divindade. No existem divindades superiores ou inferiores, dependendo do grupode seres humanos. H somente uma, comum a todos, diante da qual no h diferenas nempossibilidade alguma de influenci-la num ou noutro sentido. As grandes desigualdadesforam geradas pelas sociedades, no fazem parte do desgnio divino. Buscando preveni-las,

    a Bblia estabelece uma legislao detalhada que cobre aspectos diversos. Entre as suasdisposies, acham-se a remisso das dvidas a cada sete anos, o ano sabtico da terra (duranteo qual suspensa a propriedade do solo, de modo a permitir que os pobres tenham acessoaos seus frutos), a proteo daquele que trabalha ao longo de instituies mltiplas (opagamento do soldo no tempo aprazado, as previses de aposentadoria, o descansosabtico e outras), bem como o jubileu. Por ocasio deste ltimo, a cada cinqenta anos, obem mais importante da Antigidade, a terra, devia voltar sua distribuio original, talcomo efetuada nos tempos de Moiss, em que a terra foi repartida entre as tribos e cls,de acordo com o nmero de membros de cada famlia. Tem grande fora no texto bblico aidia de que a terra foi dada para ser compartilhada, como nos demonstra o Levtico (25:23),que diz: A terra, portanto, no pertencer para sempre quele que a comprar, porque a terra

    minha, uma vez que vs sois estrangeiros e forasteiros em relao a mim.

    5. A sociedade deve organizar-se para combater a pobreza e abrir oportunidadesA idia de poltica pblica, de ao coletiva da comunidade diante dos problemas

    econmicos e sociais, constitui algo de importncia central no texto bblico. Nessa condio,ela indica diretrizes a serem seguidas pela organizao social, muitas das quais buscamevitar arbitrariedades e assegurar uma boa governana, ao mesmo tempo que determinaprescries detalhadas nos campos bsicos. Entre outras, estabelece um dos mais antigossistemas fiscais da histria, mediante instrumentos como o dzimo (percentual de 10% daproduo, destinado ao sustento dos sacerdotes, rfos, vivas e estrangeiros); regulamentos

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    do mercado que buscam assegurar o preo justo, a boa qualidade dos produtos e a impossibili-dade de prticas corruptas; regras para o respeito ao mercado de trabalho, que prenunciam odireito do trabalho, alm de normas que asseguram a eqidade no funcionamento da justia ea proteo dos direitos dos mais fracos.

    A tudo isso se acrescentam instituies para assegurar a proteo dos enfermos, o acessodas crianas educao, a assistncia aos ancios, e at mesmo a introduo de vigorosasmedidas de promoo de emprstimos aos pobres. Na qualidade de instrumentos pioneirosdo microcrdito e da assistncia pequena e mdia empresa, tais medidas so vistas hoje comoestratgias fundamentais em matria de desenvolvimento social. O grande sbio Maimnides,ao interpretar a Bblia, da qual um dos maiores intrpretes, estabeleceu no sculo XI umahierarquia de oito nveis para a ajuda aos outros, segundo o grau de autenticidade, de anoni-mato e de efetividade do auxlio. O mais elevado de todos consiste em ajudar o prximo detal modo que este, quando no precisar mais da ajuda, possa entrar em sociedade com o

    primeiro ou at mesmo oferecer-lhe um emprstimo. O acesso real ao crdito, sob a forma deemprstimo para atividades produtivas, aparece na Bblia como um mandato moral imperativo.

    6. O voluntariado constitui uma obrigao tica.Paralelamente a uma ao comunitria sistemtica, o texto bblico prescreve a necessi-

    dade de uma conduta individual solidria na vida cotidiana. Como nele no se permite apossibilidade de delegar ao estado ou ao mercado a resoluo dos problemas sociais, cabe acada pessoa trazer sua contribuio. Apregoa o voluntariado como forma de vida, para nosvalermos da expresso moderna. No Talmude, em que se acumulam sculos de interpretaoda Bblia, considera-se que a tzedaka, a saber, a ao solidria, se iguala em importnciaa todos os outros mandamentos combinados (Bava Bathra, 9, Talmude Babilnico). Os

    comentadores talmdicos enfatizam (Jinuj 478): Se, estando em condies de ajudar algumque pobre, deixares de faz-lo, estars transgredindo um comando da Bblia.

    A noo bblica no se limita a penalizar a ao que cause prejuzos a outrem. Vaimuito alm, pois impe o voluntariado, a conduta proativa de ajuda, alm de considerar aomisso como um erro grave, quando houver condies para atuar. Exclui quaisquer formas deinsensibilidade, tanto ativas como passivas. imperioso agir, diante do sofrimento do prximo.O Levtico (19:16) ensina: no ignores o sangue de teu prximo.

    Das concepes anteriores e de muitas outras que se poderiam acrescentar, surge umamensagem que tem plena vigncia para os problemas de nossos tempos, no obstante sua

    longevidade. Essa poderosa mensagem espiritual e tica tem sido e continua sendo, notranscurso de geraes, reinterpretada pelo povo judeu e por homens e mulheres de muitasreligies, motivo por que j se converteu num farol orientador para amplos setores do gnerohumano. Em face da agenda dos grandes contrastes de nossos tempos, tal mensagem vem sendodesfraldada freqentemente em defesa dos excludos, dos discriminados, das crianas, mulherese famlias, da proteo ao meio ambiente e dos direitos humanos, e das grandes causasuniversais. Diante das ambigidades e injustias, que permeiam a realidade contempornea,ressoa com grande fora a exigncia dos Salmos, quando dizem (Samo de Aspah, SalmoLXXXII: 3): Fazei justia para com o pobre e o rfo, julgai com eqidade o aflito e ocarente. Aliviai o aflito e o necessitado.

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    III. A IGREJA DIANTE DODESENVOLVIMENTO E DA GLOBALIZAO

    Inspirada nos ensinamentos de Jesus e seus discpulos, bem como no Velho e NovoTestamentos, a Igreja Catlica desenvolveu um vigoroso pensamento, para defrontar-se com osgrandes temas econmicos e sociais de hoje. Nas dcadas recentes, as encclicas pioneiras doPapa Joo XXIII, aps realizarem uma anlise percuciente da realidade internacional, formula-ram a propsito dos candentes temas sociais alguns princpios norteadores que tiveram grandeimpacto universal. Desde ento, a Igreja vem adotando, cada vez com mais nfase, o quechamou de opo preferencial pelos pobres. O Papa Joo Paulo II inseriu os temas sociais nocerne de suas prdicas cotidianas e, com grande persistncia e combatividade, voltou o foco desua viso espiritual e teolgica para a maioria dos dramas de excluso de nosso tempo. Suasencclicas sobre a matria se converteram em pilares do pensamento social contemporneo.A atitude da Igreja trouxe para o centro do cenrio internacional o debate sobre as relaes

    entre tica e economia, os impactos da globalizao, o tipo de desenvolvimento desejvel eoutras reas de preocupaes fundamentais. Alm disso, e de forma cada vez mais ativa, a Igrejaprovocou com suas reflexes alguns pontos de orientao, que entregou consideraocoletiva e que tiveram enorme ressonncia sobre o que devem ser regras justas nas relaeseconmicas entre o Norte e o Sul.

    Sero indicadas a seguir, de modo sinttico, algumas das principais posies adotadaspela Igreja com referncia aos temas de desenvolvimento e globalizao, e recorrendo princi-palmente voz de seu condutor, o Papa Joo Paulo II.

    1. A economia deve estar a servio dos seres humanos

    Segundo a Igreja, no se pode perder de vista que a economia no constitui um fim emsi mesma, visto que ela apenas um meio, embora da mais alta relevncia, que deve permanecera servio de fins superiores, dentre os quais o desenvolvimento do homem. Joo Paulo (2000)convidou os economistas e profissionais financeiros, bem como os lderes polticos, areconhecer a urgncia de que se assegure que as prticas econmicas, e as polticas a elasvinculadas, tenham como meta o bem de cada pessoa e da totalidade da pessoa. Acrescentouele ainda que uma economia que ignore essa dimenso tica no pode realmente ser chamadade economia, entendida esta como uma utilizao racional e construtiva da riqueza material.

    Para a Igreja, a realidade se encontra muito distante da situao desejvel. O segundoConclio do Vaticano (1965) retratou-a, valendo-se de uma expresso que ainda mantm plena

    vigncia, luz das tendncias observveis: Jamais disps o gnero humano de tantasriquezas, tantas possibilidades, tanto poder econmico. E, no entanto, uma parte considervelda humanidade sofre de fome e de misria, enquanto multides imensas no sabem lernem escrever.

    2. Aplicar os princpios norteadoresPara o Cristianismo, todos os seres humanos so irmos e irms entre si, por filiao

    divina, motivo por que a humanidade deve considerar-se uma grande famlia global. Portanto,as relaes entre seus membros devem ser sempre regidas pela solidariedade, misericrdiae amor, todos eles atributos da Divindade, a cuja imagem e semelhana foi criado o ser humano.

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    Assim sendo, como sublinha Joo Paulo II, na encclica a propsito do CentesimusAnnus, torna-se perfeitamente legtima a exigncia, por parte dos pobres, de ter o direito departicipar e gozar dos bens materiais e de fazer frutificar sua capacidade de trabalho. Tal pos-sibilidade deve ser vista como uma grande oportunidade espiritual e econmica aberta a todosos homens. O Papa ressalta ainda que A promoo dos pobres constitui uma grande ocasiopara o crescimento moral, cultural e at mesmo econmico de toda a humanidade. A tica dis-tributiva a que se referiu em detalhe Santo Toms de Aquino (Summa Theologica II-II Q 66A 7) recordando que o po que detns pertence ao faminto deveria exercer forte peso nofuncionamento econmico. Os elevadssimos nveis de desigualdade, inclusive no que dizrespeito aos Continentes, contradizem abertamente essa tica. Este o caso, por exemplo, daAmrica Latina, que o Bispo Irizar (1994) to bem caracterizou, ao assinalar que para nossoprprio escndalo constitui ao mesmo tempo o Continente mais desigual e o mais catlico.

    3. Existem riscos muito srios no funcionamento atual da economia mundial

    Sob outros aspectos, a situao atual apresenta-se como plena de oportunidades, dadoo acelerado progresso do conhecimento cientfico-tecnolgico e as possibilidades de integraeseconmicas regionais, embora ao mesmo tempo impregnada de riscos de grande envergadura.Entre estes, avultam as angustiantes disparidades entre o norte e o sul, o financiamento, umdesenvolvimento vertiginoso, em que a especulao e as manobras financeiras substituem otrabalho como fonte produtora de riqueza, com graves conseqncias regressivas, a visoreducionista do ser humano como homus economicus e a idealizao do mercado. Comrespeito a este ltimo, alis, previne o Papa (Centesimus Annus) que muitas necessidadeshumanas no tm lugar no mercado, e adverte que quando se passa a ver no homem mais umprodutor ou consumidor de bens do que um sujeito que produz e consome para viver, sinalde que a liberdade econmica perde a sua relao necessria com a pessoa e acaba por alien-la

    e oprimi-la.

    4. Necessidade de regras ticas para a globalizaoA nova economia mundial apresenta-se com um grande potencial de progresso, capaz

    de melhorar consideravelmente as capacidades produtivas do gnero humano, embora possaigualmente acentuar ainda mais as colossais desigualdades atuais, alijando boa parte do gnerohumano. Para enfrentar o problema, a Igreja lanou no incio do novo milnio o movimento dojubileu. Retomando a instituio bblica conhecida sob esse nome, que encerrava muitasnormas destinadas a proteger o exerccio da eqidade, a Igreja defendeu energicamente a insti-tuio de uma tica para a globalizao. Reclama ela (1998a) contra o que chamou de umainjustia social em nvel global. Entre seus componentes, encontram-se a condenao total ou

    parcial da dvida externa dos pases mais pobres, que se vem desse modo condenados porgeraes a sofrimentos enormes para a maioria de suas populaes; a reduo das fortes barreirasprotecionistas e das polticas discriminatrias, que impossibilitam aos pases em desenvolvi-mento exportar seus produtos para os pases ricos; o incremento da ajuda internacional, quehoje se apresenta em seu mais baixo patamar em vrias dcadas. Eis por que o Papa Joo PauloII pede insistentemente que se globalize a solidariedade. Adverte ainda que, para prevenirque a globalizao da economia produza os resultados danosos de uma expanso descontroladade interesses privados ou de grupos, de todo necessrio que ela venha acompanhada de umacultura global de solidariedade, atenta s necessidades dos mais dbeis.

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    5. Proteger os direitos econmicos e sociaisA dignidade do ser humano exige que ele tenha direitos plenos ao trabalho, acesso

    proteo de sua sade, educao, proteo da famlia, bem como a outros direitos econmicosbsicos. Colocar em dvida a legitimidade desses direitos, ou barganh-los, constitui umaviolao dessa dignidade que no se pode ignorar. Pede o Papa (1998b) que haja uma posioproativa a esse respeito: importante repudiar qualquer intento de negar a esses direitos umareal condio jurdica. Importa repetir igualmente ser necessrio engajar a responsabilidadecomum de todas as partes autoridades pblicas, setor empresarial e sociedade civil paraassegurar a sua aplicao total e efetiva.

    6. Os pobres devem ser a prioridade

    Uma das oraes bsicas da f crist, ensinada pelo prprio Jesus Cristo, dirige Divindade este pedido: D-nos hoje o po nosso de cada dia. A Divindade ps disposiodos seres humanos tudo o que era necessrio para que assim fosse. Apesar disso, quase metade

    do gnero humano carece dos bens mais imprescindveis. So extremos os danos produzidospela pobreza. De modo realista, o Papa (1999a) previne que O problema da pobreza algoque no se pode deixar para amanh. De fato, muitos dos efeitos por ela produzidos soirreversveis mais tarde, como os que provm da desnutrio infantil, da desarticulao defamlias, das enfermidades ligadas misria, da desocupao prolongada. Como ressaltado peloBispo Diarmuid Martin (2000), a pobreza impossibilita que os seres humanos possamser essa imagem de Deus em cuja semelhana foram criados, motivo por que ele destaca queas situaes de pobreza extrema constituem uma ofensa dignidade da pessoa humana etambm Divindade.

    A grande indagao, formulada pelo Papa h mais de uma dcada (1990), continua

    ecoando, cada vez mais atual: Quando se trata da renegociao da dvida externa, da regulaodos mercados ou dos programas de ajuste, ser que se presta ateno suficiente ao bem-estardos mais pobres, que deveriam ser a verdadeira prioridade?

    A doutrina social da Igreja foi atualizada plenamente para responder aos novos tempos.As diretrizes bblicas e a mensagem de Jesus foram concebidas para dialogar com um mundomarcado por fortes contradies. A nfase social foi acentuada de modo crescente, no sentidode responder ao clamor de vastos setores excludos do direito ao desenvolvimento. A mensagemassume o tom de denncia, coloca no centro de debate mundial as numerosas formas daexcluso social, embora ao mesmo tempo venha adquirindo contedos cada vez mais proposi-tivos. Sugere largas diretrizes para a construo de uma economia internacional que corres-

    ponda a essas normas ticas, bem como economias nacionais de perfil mais humano. Trata-se,em definitivo como j havia expressado Joo Paulo II (1999b), ao renovar a idia do Jubileu-- de impulsionar uma nova cultura de solidariedade internacional e de cooperao, na qualtodas as partes, especialmente as naes ricas e o setor privado, aceitem responsabilizar-sepor um modelo econmico que sirva a todos. Essa viso de um modelo para todos, comple-tamente abrangente, posta a servio de todos os seres humanos e de cada um deles em suaintegridade, constitui uma enorme contribuio ao futuro do gnero humano.

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    IV O IMPACTO DO CHAMADO DE ALERTA DAS RELIGIES

    Tanto o Velho e o Novo Testamentos como o judasmo e o cristianismo tm uma visoda realidade que prioriza a necessidade de enfrentar o sofrimento cotidiano de grandes setoresda humanidade, num mundo em que a possibilidade de bem-estar parece encontrar-se fora doalcance. Tal sofrimento atinge propores enormes. Estima-se (Pogge 2002) que 18 milhesde pessoas morrem prematuramente, a cada ano, por razes ligadas pobreza, cifra essa quecorresponde a nada menos que tera parte de todas as mortes. So 50.000 mortes gratuitaspor dia, dentre as quais cerca de 30.000 crianas menores de cinco anos de idade. Por outrolado, a disparidade de rendas de uns e outros alcanou nveis que as Naes Unidas (1999)qualificaram de grotescos. O conjunto dos ativos globais das trs pessoas mais ricas do mundo superior soma do Produto Nacional Bruto dos 48 pases menos adiantados do globo.

    Que impacto poder ter a viso religiosa diante dessas situaes? Em que medida

    poder ela contribuir de modo concreto para melhorar essas realidades?Em primeiro lugar, como j foi mencionado, a viso do judasmo e do cristianismo,

    semelhana do que ocorre com outras religies, une integralmente a viso com a ao. A vivn-cia religiosa integral conduz naturalmente necessidade interna de ajudar o prximo, demostrar-se coerente com a mensagem de amor transmitida pela Divindade. Mobilizados poresse compromisso interno, milhes e milhes de pessoas praticam a solidariedade ativa,baseadas em suas convices religiosas e incorporando-se a organizaes voluntrias, vinculadas sua f ou de outra natureza. Cresceu muito rapidamente o mundo das atividades sociaisvoluntrias ligadas s religies, a ponto de desempenhar hoje um papel significativo na grandeexpanso do movimento voluntrio em todo o mundo, tendo chegado, segundo algumas esti-

    mativas, a gerar mais do que 5% do Produto Bruto em diversos pases desenvolvidos e acumprir um papel relevante em muitos pases em desenvolvimento.

    Tem-se aqui um exemplo de impacto direto. A mobilizao de amplos setores, mediantea doao de horas de trabalho, a contribuio de seus conhecimentos, a coleta de recursos emuitas outras modalidades de ajudar seres humanos concretos. No modifica os problemasestruturais da pobreza, mas salva muitas vidas todos os dias. Representa, portanto, um valorinestimvel, alm de transmitir uma mensagem poderosa. O texto talmdico acentua: Quemsalva uma vida como se salvasse toda a humanidade (Talmud Ierushalmi, Sanhedrin, cap. 4, 22a).

    Bastaria isso para concluir que as religies produzem um impacto humanitrio de

    primeira ordem. H, contudo, um outro conjunto de implicaes muito especiais na posioque as religies adotaram em matria social. Amplos setores delas se converteram em advoga-dos de fato da causa dos pobres. A opo preferencial pelos pobres da Igreja Catlica, bemcomo a concepo de justia social dos Profetas hebreus se erguem para representar os que setornaram quase invisveis, e que so muito pouco ouvidos na hora das grandes decises.

    Em primeiro lugar, a viso social das religies sustenta que necessrio recuperar navida cotidiana os valores ticos que constituem os fundamentos que do sentido vida pessoal,familiar e histria. Os referidos valores no representam uma imposio, pois fazem parte danatureza da criatura humana, e justamente a sua promoo que permite aos seres humanos

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    alcanar a sua harmonia interior e a sua plenitude. Entre tais princpios se encontram o amor,a solidariedade, a justia, a retido, a superao das discriminaes de etnia de gnero e decor uma outra ndole, o respeito aos ancios, a proteo das crianas, o fortalecimento dafamlia, a eliminao da corrupo, a integridade, a autenticidade, a verdade, a humildade. Oseu exerccio de natureza relacional, e pode levar ao que Martn Buber (2000) chamava deEncontros entre um eu e um tu, isto , os espaos nos quais a plenitude parece estar maisprxima.

    Em segundo lugar, postula que existe uma contradio muito forte entre o discurso arespeito desses valores, que quase consensual: todos aceitam a sua importncia e a necessidadede pratic-los, entretanto situaes dirias os agridem com a maior freqncia. Tal o caso,dentre outros exemplos, do discurso segundo o qual as crianas devem vir em primeiro lugar,da garantia de que lhes devida a mxima proteo, do acesso a uma estrutura familiar slida,de educao e sade. E, no entanto, as cifras indicam que se trata do setor mais carente do

    mundo, cujas mdias de pobreza superam as correspondentes mdias globais. Em muitos casos,as suas famlias so desarticuladas diante do embate da pobreza. Existe uma gigantesca popu-lao de crianas que se vem obrigadas a trabalhar, constituindo uma escravido forada,para utilizarmos a expresso usada pela Organizao Internacional do Trabalho. Aumenta onmero de crianas abandonadas que vivem nas ruas de numerosas cidades dos pases em desen-volvimento, condenadas a uma morte prematura. So enormes os contingentes dos que no tmacesso s protees bsicas de sade, sendo que muitos deles nem completam os primeiros anosda escola, por falta de condies mnimas. Em vastas zonas do planeta, as crianas no so asprimeiras, mas as ltimas. A viso social das religies analisadas registra de modo inequvococontradies dessa magnitude entre os valores ticos proclamados e o resultado das prticasconcretas.

    Em terceiro lugar, tanto o judasmo como o cristianismo compartilham uma con-cepo muito definida a respeito da propriedade dos bens materiais. Segundo tal viso, aDivindade concedeu aos seres humanos riquezas naturais incontveis, bem como plenas possi-bilidades de explor-las e desenvolv-las. Mas o mandato estipula tambm que esses bens devemser compartilhados, pois pertencem em ltima anlise Divindade. medida que os utilizempara o bem coletivo, os homens sero tidos como bons administradores dos bens entreguespela Divindade, que assim se vero multiplicados. Uma reconhecida autoridade talmdica,Steinzaltz (1985), prope em contraposio que, se no os compartilham nem praticam asolidariedade, por se julgarem arrogantemente os criadores exclusivos das referidas riquezas, oshomens caem na prtica da idolatria, desdenhando a Divindade, ao se colocarem a si mesmos

    como a origem de tudo. A doutrina catlica, como a judaica, reconhece a propriedade privadae a v, como assinala Martn (2000), numa situao de dilogo com os princpios do destinouniversal dos bens criados. A propriedade privada se encontra de fato sob a forma de hipotecasocial, o que significa que ela exerce uma funo intrinsecamente social. Este o motivo por queo Papa Joo Paulo II (1999c) ressaltou, por exemplo, que os direitos privados no mbito dapropriedade intelectual devem ser delimitados por consideraes do bem comum. Disse ele queno se pode aplicar unicamente a lei de benefcio econmico a algo que se revela essencial paraa luta contra a fome, a enfermidade e a pobreza.

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    Em quarto lugar, partindo destas e de outras bases, as mencionadas vises, queconstituem um chamamento ao transformadora, consideram que a maior ameaa estna insensibilidade. As injustias sociais dizem respeito a todos. No constituem problemaspessoais dos pobres. Ao contrrio, so problemas coletivos, que pem a nu profundasfalhas ticas em nossas sociedades. O Papa Joo Paulo II (1990) menciona que as causasdas excluses no so naturais, mas mortais. Assinala ele que no se pode ignorar o papelmisterioso do pecado dos homens nos atentados solidariedade, de que padece uma grandeparte da humanidade. A passividade ou inao formam parte destes pecados. A coernciaexigida requer atuao.

    Estes chamados a colocar no centro aquilo que sempre deveria ter estado l, isto , osvalores ticos; a deixar mostra as hipocrisias cotidianas, que revelam uma enorme distnciaentre os valores e as prticas; e a atuar so todas mensagens que caem no vazio, sem possi-bilidade de conseqncias prticas.

    A realidade parece indicar o contrrio. As demandas provocadas por essas mensagensacham-se perfeitamente ao alcance, caso haja uma firme vontade tica.

    As disparidades entre os pases ricos e os pobres j atingiram tal nvel que, mediantemodificaes mnimas, poder-se-iam alcanar resultados enormes. Jeffrey Sachs (2003) calcu-la que por menos de 1% da renda anual dos pases ricos seria possvel garantir que todos ospobres tivessem gua potvel e saneamento, que todas as crianas pobres pudessem ir escola,e que se proporcionasse financiamento adequado luta contra a Aids, a Tuberculose e aMalria. Estima-se que a cada ano os pases pobres perdem cerca de 700 bilhes de dlares deexportaes potenciais, devido s barreiras protecionistas dos pases ricos. Por seu turno,

    Hopenhayn (2003) estima que, para amortizar em 20 anos o custo de cancelar a dvidaexterna dos 52 pases mais pobres, bastariam menos de 4 dlares mensais para cada habitantedos pases ricos. Ele assinala tambm que se nos ltimos trs anos se tivesse perdoado a dvidaexterna dos 20 pases mais pobres, e se esse dinheiro assim poupado tivesse sido investidoem saneamento pblico, poderiam viver hoje 21 milhes de crianas que morreram porfalta de ateno.

    Apesar de tudo isso, o montante da ajuda para o desenvolvimento, provinda dos 22pases ricos que compem a OCDE, reduziu-se proporcionalmente, ao invs de aumentar.Em 1969, a ONU determinou que o valor global de tal ajuda no deveria ser inferior a 0,7%do Produto Bruto dos referidos pases. De 1990 a 1992, tal cifra havia baixado para somente

    0,30% e, no ano de 2001, mal alcanava o patamar de 0,22%.

    Diante dessas cifras, conserva a mais alta validade a insistncia da igreja e dasoutras vises sociais religiosas, a propsito de matrias como as mencionadas: dvida externa,protecionismo, ajuda para o desenvolvimento. Se houvesse progressos nessas frentes, poderiamser decisivas as melhoras para a vida de milhes e milhes de pessoas.

    Por outro lado, essas conclamaes so compartilhadas por amplos setores dosprprios pases ricos. Segundo um recente relatrio da OCDE (2003), metade dos cidadosresidentes naqueles pases acreditam que deveria ser aumentada a ajuda para o desenvolvimen-

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    to. Por sua vez, e j em nvel planetrio, uma investigao recente (Banco Mundial 2003), apsouvir a opinio de lderes de todos os setores de numerosos pases, revelou que uma maioriaavassaladora, de mais de 70% dos consultados, considerava crucial combater a pobreza paraalcanar a paz mundial e reduzir as tenses globais.

    No esto isoladas as vozes que se originam da viso social religiosa do judasmo, docristianismo e de outras religies. Existe latente, em amplos setores, a mesma percepo de quea contradio tica tem de ser corrigida com urgncia. No resta dvida de que a mensagempermanente das religies, nesse sentido, muito contribuiu para tal percepo.

    Juntamente com seu trabalho direto em prol dos desfavorecidos, essas vises sociaisexercem um outro grande impacto de projees inestimveis: esto apresentando o caso ticoaplicado ao conjunto do gnero humano. No admissvel que num mundo dotado de tantaspossibilidades haja tanta dor diria para tantos. A economia no est funcionando, como

    deveria, para todos os seres humanos, e para a integridade de cada ser humano. Estaconscincia vigilante, denunciadora, e cada vez mais propositiva de amplos ncleos religiosos,suscita perguntas cujas respostas no podem mais ser adiadas.

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    SOBRE O AUTOR

    Bernardo Kliksberg obteve cinco ttulos universitrios, entre os quais dois Doutorados, em Cincias

    Econmicas e Cincias Administrativas. A Universidade de Buenos Aires outorgou-lhe as suas distinesmximas, a Medalha de Ouro e, por duas vezes, o Diploma de Honra.

    Prestou servio de assessoramento a mais de 30 pases e a diversos Presidentes, em reas crticas dedesenvolvimento.

    Foi Assessor da ONU, BID, UNESCO, UNICEF, OIT, OEA, OPS e outros organismosint er nacionais. Entre outros encargos de responsabilidade, foi Diretor do Projeto da ONU deModernizao Estatal para a Amrica Latina.

    Escreveu 40 livros e centenas de artigos tcnicos que provocaram forte impacto internacional. Teveobras traduzidas para o ingls, portugus, chins, russo, rabe, hebreu, francs e outros idiomas. Muitasde suas obras alcanaram numerosas edies.

    considerado o pioneiro de uma nova disciplina, a de gerncia social, que se difundiu em todo oContinente. uma autoridade internacional reconhecida em matria de capital social.

    Lidera nesta regio a reivindicao entre tica e economia. Dirige a Iniciativa Interamericana deCapital Social, tica e Desenvolvimento (BID-Noruega), de grande repercusso, e da qual um dos co-fundadores.

    Em reconhecimento a seu papel de liderana internacional, foi designado Co-Relator Geral daConferncia Mundial sobre Gesto Social (Copenhague), Relator Geral do Congresso Mundial sobrereformulao do Estado (Mxico). A Associao Internacional de Institutos e Escolas de AdministraoPblica designou-o Relator Geral de sua ltima Conferncia Mundial (Miami, 2003).

    Por sua trajetria e contribuies, foi condecorado por diversos governos e distinguido como

    cidado e visitante ilustre por vrias cidades (entre elas, Montevidu, Tucumn, Corrientes, Resistnciae outras). Foi designado Professor Honorrio, Professor Emrito e Doutor Honoris Causa de diversasuniversidades do Continente. Foi convidado a fazer conferncias nas universidades de Harvard, NovaYork, Georgetown, Califrnia do Sul, Birmingham, American University, Instituto de Cincias Polticasde Paris, Universidade Complutense de Madri, Universidade Hebraica de Jerusalm e muitos outroscentros de excelncia mundial.

    Preside a Ctedra de Honra de Gerncia Social (UBA-PNUD) e a nova Ctedra Buenos Aires detica, cultura e desenvolvimento, criada pelo Teatro San Martn.

    Escreve regularmente para alguns dos principais peridicos do Continente, entre os quais: LaNacin e El Clarn, da Argentina; La Repblica, do Uruguai; O Globo e Valor Econmico, do Brasil;El Universal, de Venezuela; Reforma, do Mxico; e muito outros.

    Converteram-se em bestsellers internacionais as suas obras mais recentes, intituladas Em Direo auma economia com uma face humana (2003) e Mais tica, mais desenvolvimento (2004). Entresuas obras traduzidas para o portugus, podem citar-se: Falcias e Mitos do Desenvolvimento Social(Cortez Editora, UNESCO, 2001); Desigualdade Na Amrica Latina. O Debate Adiado(UNESCO/Cortez, 2000); Amrica Latina: uma regio de risco pobreza, desigualdade e institu-cionalidade social (UNESCO, 2000); Repensando o Estado para o Desenvolvimento Social(UNESCO/Cortez, 1998); O Desafio da Excluso (FUNDAP, 1998).

    Traduzido por Oswaldo Biato, 8 de setembro de 2004]

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