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A questão indígena e o Vale do Paraíba Fluminense.
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Cincias Sociais
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
Marcelo SantAna Lemos
O ndio virou p de caf?: a resistncia dos ndios Coroados de Valena frente
expanso cafeeira no Vale do Paraba (1788-1836)
Rio de Janeiro
2004
]
Marcelo SantAna Lemos
O ndio virou p de caf?: a resistncia dos ndios Coroados de Valena frente
expanso cafeeira no Vale do Paraba (1788-1836)
Dissertao apresentada, como
requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Histria, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao:
Histria Poltica.
Orientador: Marco Morel
Rio de Janeiro
2004
CATALOGAO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ CCS/A
Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial desta dissertao. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data
L557 Lemos, Marcelo Sant'Ana. O ndio virou p de caf? : a resistncia dos Coroados de Valena frente expanso cafeeira no Vale do Paraba (1788-1836)/ Marcelo
SantAna Lemos. - 2004. 228 f. Orientador: Marco Morel. Dissertao (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. Bibliografia. 1. ndios da Amrica do Sul - Brasil - Teses. 2. Indios Coroados -
Teses. 3. Caf - Paraba do Sul(RJ) - 1788-1836 - Teses. I. Morel, Marco II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.
CDU 572.95(81)
Marcelo SantAna Lemos
O ndio virou p de caf?: a resistncia dos ndios Coroados de Valena frente
expanso cafeeira no Vale do Paraba (1788-1836)
Dissertao apresentada, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre, ao Programa de Ps-Graduao em Histria, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. rea de concentrao:
Histria Poltica.
Aprovada em: 07 de maio de 2004
Banca Examinadora:
__________________________________________ Marco Morel (Orientador) Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da UERJ __________________________________________ Jos Ribamar Bessa Freire Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da UERJ __________________________________________ Joo Luiz Fragoso Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2004
DEDICATRIA
Aos descendentes dos
Coroados de Valena.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho resultado de um esforo coletivo, sem o qual no teria existido.
Esforo este que se fez de vrias formas, mas somente juntas puderam garantir a sua
efetiva concretizao. J se passaram quatro anos da primeira viajem a Valena realizada
graas amizade e solidariedade de Vitor Gaglianoni, sem o qual essa jornada no se
iniciaria.
Em Valena sempre contei com a colaborao e simpatia da Lucia Aparecida
Gonalves, secretria da Catedral de Nossa Senhora da Glria, de Ricardo Nunes e o apoio
do Padre Medoro, para pesquisar nos livros de batismos e bitos.
Agradeo tambm as preciosas informaes prestadas por Gustavo Abruzzini, da
Assessoria de Comunicao da Prefeitura de Valena e a Adriano Novaes, pelo seu notvel
Conhecimento da histria da cidade e pelos esclarecimentos dados sobre as sesmarias da
cidade.
Em Conservatria fico em dvida com a professora Maria do Carmo Carvalho Moura
que nos apresentou um pouco do distrito e seu passado, alm de nos guiar pela cidade e
abrir as portas da Igreja de Santo Antonio do Rio Bonito, onde o padre Edlson nos
franqueou os livros para que pudssemos conhecer o contedo.
Em Pira pude contar com a amizade e infraestrutura oferecida por Mariana
Nascimento que facilitou a minha pesquisa.
No posso esquecer os meus colegas e amigos do Banco do Brasil, que de vrias
maneiras tornaram possvel este trabalho: ao David Sobrinho pelo coleguismo, o apoio
motorizado e tempo cedido para que pudssemos realizar as entrevistas em Barra do Pirai,
com a famlia Silva; ao Dr. Jackson Alcntara por compartilhar seus conhecimentos de
medicina fundamentais para entendimento de diversos bitos; a Maria Lucia pelo socorro
na reviso e na rea de biblioteconomia; ao Roberto Augusto pelas tradues do alemo e
pelo apoio para que pudesse chegar a tempo nas aulas; a Beth Felipe pelas broncas e ora
necessria de uma amizade de anos; a Maria Marta e demais colegas do setor pela pacincia
com o colega estressado; sem esquecer tambm meus companheiros de luta sindical
Iacilton, Paulo e Cludio.
Aos funcionrios da Biblioteca Nacional, do IHGB, APERJ, UERJ, CCBB e da
Papelaria Terra pelo excelente atendimento.
A Maria Jos, Raquel e Isabel que deram condies para que eu tivesse mais tempo
para a dissertao.
A Simone por ajudar na reviso do texto e a Ceclia pelas sugestes e reviso do
resumo.
Aos professores do Pedro II que me empurraram at aqui: Glads, Lygia, Vera, Carlos
Cruz e Alessandro.
Ao meu amigo professor Paulo Seabra pelo incentivo desde o comeo e emprstimo
de livros para tese. Sem esquecer tambm o apoio de outros amigos como o Marcio, a
Claudia, Carlos Henrique, Isabela, Marilene, Paulinho, Ana Helena, Jos Augusto e
Glucio.
Aos professores do Orlando Barros, Osvaldo Munteal Filho e Lucia Maria B. P. Neves
pelas oportunidades de debates e dilogos dentro e fora da sala de aula, que enriqueceram a
minha dissertao.
Agradeo Jacqueline, Beth Brea, Luis, Vivian, Viviane, Dimas e Hilton meus colegas
das turmas de 2001 e 2002 do Mestrado de Histria pela discusso e reflexo sobre o meu
tema.
As minhas amigas Marieta e Isabel Correa pela troca de angstias, fontes e leituras
necessrias para a concluso de nossas dissertaes.
Aos colegas do Programa de Estudos dos Povos Indgenas da UERJ que conversaram
e discutiram comigo sobre a temtica indgena: Helena, Mrcia Malheiros e o professor
Jos Ribamar Bessa Freire, coordenador do Programa. Agradeo ao Bessa, especialmente,
pelo entusiasmo que sempre me acolheu, aconselhou e ajudou para que chegasse aqui.
Ao meu orientador Professor Marco Morel pela sua pacincia e tranqilidade, que
contrastava com a minha impacincia e agitao, ao indicar as deficincias, os erros e
correes de rumo que deveria ter para conseguir um bom resultado.
As minhas irms Gisele e Viveca pelo apoio moral.A minha irm Marisa pelo apoio
moral e material. Ao meu irmo Roberto e sua esposa Joana, pela solidariedade e carinho,
com que acompanharam meu trabalho.
Aos meus pais Luiz Weber e Lina sem os quais essa tese no sairia, que sempre
acreditaram em mim.
A Lucia pelo auxlio, pacincia e carinho com que me acompanhou nestes anos de
mestrado.
Aos meus queridos filhos Cludio, Tadeu e Jlia pela compreenso e carinho com
que agentaram as ausncias do pai.
RESUMO
LEMOS, Marcelo SantAna. O ndio virou p de caf?: a resistncia dos ndios Coroados deValena frente expanso cafeeira do Vale do Paraba 91788-1836). 2004. f. Dissertao (Mestrado em Histria)- Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
Os ndios Coroados do Mdio Paraba do Sul sofreram um cerco, no seu territrio, como conseqncia da expanso da fronteira social luso-brasileira, nos scs. XVIII e XIX. Esse processo foi estimulado pela expanso do mercado interno do Sudeste, que criou condies favorveis para acumulao de capitais, necessrios para o estabelecimento da lavoura cafeeira, na regio de Valena (RJ), que acelerou o cerco e a desestruturao do modo de vida Coroado. Esse processo resultou em diferentes momentos de resistncia e de composio com a sociedade luso-brasileira e depois brasileira, com avanos e recuos, que deram origem ao aldeamento de Valena (RJ).No sculo XIX, de uma maneira geral, a questo indgena foi subordinada ao problema da terra, mas cada local desenvolveu os seus processos com ritmos prprios e particulares, que devem merecer a ateno dos estudiosos. Em Valena (RJ) a questo da mo-de-obra indgena esteve presente, com peso, at a segunda dcada do sculo XIX, e somente da em diante a questo de terras passa a ter centralidade. A poltica indgena variou tambm pela forma como foi aplicada pelos agentes do Estado, com repercusses demogrficas nas populaes indgenas. O desaparecimento poltico dos Coroados ocorre a partir da terceira dcada do sculo XIX. Esse desaparecimento poltico no significou a sua extino fsica e nem tnica, como foi interpretado e difundido pela historiografia regional.
Palavras chaves : Coroados. Fronteira. Histria indgena. Rio de Janeiro. Demografia histrica.
RSUM
Les indignes Coroados du Moyen Paraba du Sud eurent leur territoire assig la sute de lexpansion de la frontire luso-brsilienne, pendant le XVIII me et le XIX me sicle. Ce processus, stimul par lexpansion du march intrieur du Sud-Est , cra ls conditions favorables laccumulation de capitaux , ncessaires pour tablir la culture du caf , dans la rgion de Valena , ce qui fit acclerer le sige et la destructuration du style de vie Coroado. Il en rsulta diffrents moments de rsistance et dalliance avec la socit luso- brsilienne et plus tard brsilienne , faits de progrs et de marches en arrire , qui donnrent naissance la bourgade de Valena (RJ). Au XIX me sicle , dune manire gnrale, le problme indigne finit par tre dpendant de la question de la terre nanmoins, ces processus se droulrent difremment ,selon les localits, des rythmes propres et particuliers, ce qui doit mriter l attention des chercheurs. Valena (RJ), la question de la main-doeuvre indigne eut de limportance jusqu`a la deuxime dcennie du XIX me sicle et ce nest qu partir de ce moment-l que la question des terres devint fondamentale. La politique envers les indignes subit ds variations selon la forme dapplication employe par les agents de l` tat, laquelle eut ds rpercussions sur la dmographie des populations indignes. La disparition politique des Coroados a lieu ds la 3me dcennie du XIX me sicle.Cette disparition politique ne signifia pas pour autant leur extinction physique ou thnique, telle quelle est interprte et diffuse par lhistoriographie rgionale.
Mots-cls: Coroados. Frontires. Histoire indigne. Rio de Janeiro. Dmographie historique.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 Ali Maow Maalin, o ltimo homem contaminado pela varola no
Mundo .........................................................................................................160
Fotografia 2 Primeiro Livro de Batismos da Igreja de N.S. da Glria de Valena ............162
Fotografia 3 Trecho do Relatrio do Presidente da Provncia do Rio de Janeiro, de 1836 ..............................................................................................................199
Fotografia 4 Sr. Jos Manoel da Silva, descendente dos ndios Coroados de Valena .....207
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Climograma de Resende .................................................................................108
Grfico 2 Valena Batizado de crianas por categorias 1809 1814 ........................148
Grfico 3 Valena bitos por categorias 1809-1814 ...............................................149
Grfico 4 Valena Nascimentos x bitos indgenas 1809 1814 ............................151
Grfico 5 Valena Nascimentos x bitos escravos 1809 1814 ..............................152
Grfico 6 Valena Nascimentos x bitos livres no ndios 1809 1814 ..................153
Grfico 7 Valena - bitos por doenas ndios 1808-1814 ......................................156
Grfico 8 Valena - bitos de escravos por doenas 1807 1814 ..............................157
Grfico 9 Valena - bitos de livres no ndios por doenas 1809-1814 ....................158
Grfico 10 Valena - Batizado de crianas percentual 1814 .....................................179
Grfico 11 Valena - Batizado de crianas percentual 1815 .....................................180
Grfico 12 Valena Batismos de crianas por categoria anos escolhidos ................. 181
Grfico 13 Valena Batismos por categoria (1809-1830) .............................................182
Grfico 14 Valena Registros indgenas em relao ao total de registros de
Batismos .......................................................................................................184
Grfico 15 - Valena bitos indgenas -1807 1822 .....................................................186
Grfico 16 Valena bitos por categoria 1807 1830 .............................................187
Grfico 17 Valena - Matrimnio entre os livres no ndios 1809-1815 ....................190
Grfico 18 Valena - Matrimnio entre escravos 1809-1815 ..................................... 191
Grfico 19 Valena - Matrimnio entre ndios 1809-1815 ..........................................192
Grfico 20 - Valena - Sacramentos na hora da morte ndios (1807 1815) ..................194
Grfico 21 Valena Sacramentos na hora da morte livres no ndios ( 1807
1815) ............................................................................................................195
Grfico 22 Valena Sacramentos na hora da morte escravos (1807 1815) ............196
Grfico 23 Valena - Sacramentos na hora da morte - por categoria -1807-1815 .......... 197
LISTA DE GRAVURAS
Gravura 1 Dana Puri (Rugendas) .....................................................................................59
Gravura 2 Enterro de um Coroado (Rugendas) .................................................................62
Gravura 3 Contato com os ndios (Rugendas) ...................................................................94
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 Detalhe do mapa do Sargento-Mor Manuel Vieira Leo, de 1767 .......................22
Mapa 2 Detalhe do Serto da Paraba Nova no mapa do Sargento-Mor Manuel
Vieira Leo, de 1767 ............................................................................................23
Mapa 3 Aldeias e conflitos ................................................................................................36
Mapa 4 Distribuio de sesmarias e sua respectiva ocupao ao longo dos principais
caminhos para Minas nos sculos XVIII e incio do XIX .................................. 39
Mapa 5 Cerco aos Coroados, 1710 ....................................................................................41
Mapa 6 Cerco aos Coroados, 1750 ....................................................................................42
Mapa 7 Cerco aos Coroados, 1810 ....................................................................................43
Mapa 8 Cobertura vegetal original Estado do Rio de Janeiro .........................................64
Mapa 9 Aldeamentos e conflitos no Mdio Paraba (1788-1802) ...................................104
Mapa 10 Esboo do local que assinala o primitivo aldeamento Coroado .......................122
Mapa 11 Esboo da Vila de Valena, em 1846 ...............................................................123
Mapa 12 Esboo da repartio territorial das sesmarias no entorno da sesmaria dos
Coroados ...........................................................................................................131
Mapa 13 Principais vias de circulao at o Rio Paraba ................................................136
Mapa 14 Estrada do Comrcio e da Polcia .....................................................................138
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Comparao de Vocabulrios Coroados e Puri .....................................................51
Tabela 2 Lista de material para o aldeamento (parcial) .....................................................112
Tabela 3 Lideranas indgenas batizados .......................................................................129
Tabela 4 Lideranas indgenas e suas famlias batizados e padrinhos ...........................143
Tabela 5 Populao cabocla em Valena, em 1872, por sexo, por freguesia e
percentual sobre o total da populao da cidade ...............................................202
Tabela 6 Populao cabocla em Valena, em 1890, por sexo, por freguesia e
percentual sobre o total da populao da cidade ...............................................203
Tabela 7 Percentual da populao cabocla sobre a populao total de cada cidade do
Mdio Paraba e sobre o total da populao regional, em 1872 ........................204
Tabela 8 - Percentual da populao cabocla sobre a populao total de cada cidade do
Mdio Paraba e sobre o total da populao regional, em 1890 ........................204
SUMRIO
1. INTRODUO, p.1
1.1. Referncias tericas, p.7
1.2. Mtodos, tcnicas e fontes de pesquisa, p.16
2. CAPTULO 1 ANOS DE CORRERIAS: LEVANTANDO A POEIRA. p.20
2.1 Correrias: fronteiras em movimento, economia em crescimento, p.25
2.2 Os Coroados de Valena, p.44
2.3 O modo de vida dos Coroados, p.52
3. CAPTULO 2 IDIAS ILUMINISTAS NO SERTO DOS NDIOS, p. 66
3.1 Uma trajetria singular, p.67
3.2 Uma sada para a crise colonial: o Imprio Luso-Brasileiro, p.69
3.3 A economia civil, p.71
3.4 A civilizao dos ndios, p.74
3.5 Comunicaes Coloniais, p.87
3.6 Um aldeamento diferente, p.93
4. CAPTULO 3 ANOS DE ALDEAMENTO: BAIXANDO A POEIRA, p.96
4.1 Nasce uma aldeia, p.105
4.2 Novos aldeamentos, p.114
4.3 Conflitos no Rio Preto, p.117
4.4 Valena, um aldeamento Luso-Brasileiro, p.120
5. CAPTULO 4 O DESENVOLVIMENTO DE VALENA, p.126
5.1 O primeiro perodo: anos Coroados, p.126
5.2 As vias de penetrao para o serto de Valena, p.135
5.3 Os livros de batismos e bitos (primeiro perodo), p.140
5.4 O segundo perodo: A inverso demogrfica, p.162
5.5 A construo do desaparecimento poltico dos Coroados, p.172
5.6 Os livros de batismos e bitos (segundo perodo), p.178
6. CONSIDERAES FINAIS - LEVANTA, SACODE A POEIRA E DA VOLTA
POR CIMA, p.198
7.BIBLIOGRAFIA, p.209
7.1 Fontes Primrias, p. 209
7.1.1 Manuscritos, p.209
7.1.2 Fontes impressas, p.213
7.2 Bibliografia geral, p. 215
7.3 Internet, p. 228
1
1. INTRODUO
Esta dissertao se insere no esforo que vem sendo desenvolvido nacionalmente,
desde o incio dos anos 90, a partir do Ncleo de Histria Indgena e do Indigenismo, da
Universidade de So Paulo, sobre o papel desempenhado pelos povos indgenas na Histria
Nacional, apontando para uma reviso na historiografia no que se refere a esses povos.
So frutos desses esforos de pesquisa publicaes como o Guia de Fontes para a
Histria Indgena e do Indigenismo em Arquivos Brasileiros e Os ndios em Arquivos do
Rio de Janeiro, que deram aos pesquisadores instrumentos de pesquisa capazes de facilitar
o acesso a um conjunto de informaes de fontes documentais escritas, iconogrficas e
orais.
Partimos desses instrumentos para podermos no apenas recuperar um pedao da
histria local dos ndios Coroados de Valena, perdida na poeira dos arquivos, mas tambm
resgatar uma dvida pela excluso dessas populaes da histria e apontarmos para a
necessidade de lutarmos por uma sociedade democrtica, plural e multi-tnica, na qual as
diferenas raciais, culturais, econmicas no se tornem desigualdade e excluso.
O nosso objetivo contribuir para uma avaliao das polticas indigenistas do final
do sculo XVIII at meados do perodo Regencial, observando a sua prtica exercida pelos
agentes locais do Estado no Vale do Paraba, alm de avaliar qual foi o impacto da
expanso da fronteira social luso-brasileira, e depois brasileira, principalmente aps a
instalao da lavoura cafeeira, no desaparecimento poltico dos ndios Coroados de
Valena.
2
Esse impacto sobre a populao Coroada foi medido atravs dos registros de
batismos e de bitos existentes na Igreja de Nossa Senhora da Glria de Valena. A
comparao dos registros indgenas com o restante da populao deu condies de
acompanhar o processo de evoluo do contato entre a sociedade luso-brasileira e as
sociedades indgenas do local.
Nosso recorte temporal vai de 1788, quando ocorrem expedies punitivas contra os
Coroados que aparecem na regio da Freguesia Sacra Famlia do Tingu, at 1836, quando,
pela Lei Provincial de n. 34, os terrenos antes pertencentes aos ndios Coroados passam
para a Cmara da Vila de Valena.
Para entendermos as polticas indgenas desse perodo, trabalharemos analisando a
aplicao dos principais instrumentos legais do perodo: o Alvar de trs de maio de 1757
(conhecido como Diretrio Pombalino); a Carta Rgia de doze de maio de 1798 (que aboliu
o Diretrio de Pombal, retomou o conceito de guerras defensivas, transformou o ndio em
rfo e permitiu o estabelecimento de brancos em terras indgenas) e a Lei de 12 de agosto
de 1834 (Ato Adicional que determinava que as provncias, atravs das Assemblias
Legislativas e seus governos definissem sobre as polticas de catequese e civilizao dos
ndios).
A nossa dissertao verifica como esses instrumentos jurdicos foram apropriados
pelos agentes do poder local; como os movimentos indgenas responderam a cada momento
desse processo, inseridos dentro da correlao de foras polticas da regio, alm de
analisar os aspectos particulares da poltica local de aldeamento e controle da mobilidade
dos Coroados.
O debate poltico e as aes referentes construo do Imprio Luso-Brasileiro,
incentivado por Dom Rodrigo de Souza Coutinho, vo levar discusso sobre o papel dos
3
povos indgenas nesse modelo1, e essa atmosfera influenciou a iniciativa de Jos Rodrigues
Cruz na civilizao dos Coroados, na regio prxima a sua fazenda de Pau-Grande. A
influncia da ilustrao portuguesa chegou aos sertes de Valena atravs da iniciativa
particular desse fazendeiro.
As conjunturas internacionais do perodo estudado acabaram gerando grandes
mudanas: as repercusses das Revolues Americana, Haitiana, Francesa e das Guerras
Napolenicas levaram crise do Antigo Regime (externa e interna), demandando a criao
de sucessivas solues do Imprio Portugus para o territrio brasileiro (mudana da Corte,
criao do Reino Unido, etc.) que no impediram o processo de ruptura e independncia.
O rebatimento dessas conjunturas no Vale do Paraba pode ser notado atravs de
vrios aspectos que afetaram o cotidiano dos Coroados: o recrutamento forado para
trabalhar no Arsenal de Marinha; a apropriao de grandes parcelas territoriais de Valena,
por nobres e burocratas da Corte; a circulao de viajantes e cientistas; etc.
O incio do Imprio e o perodo Regencial no representaro a criao de novas
polticas indgenas, apesar das propostas apresentadas Constituinte, por isso mesmo, tero
grande influncia as foras locais na definio de rumos que afetaram os Coroados de
Valena.
O nosso recorte espacial vai trabalhar com diferentes escalas ao longo do tempo (da
menor escala geogrfica maior rea, para a maior escala geogrfica menor rea), pois
distinguimos diferentes perodos de ocupao, diferentes modos de produo da vida, que
1 Neste contexto esto o Plano de civilizao dos ndios do Brasil, escrito em 1794, de Domingos Alves Branco Muniz Barreto (Biblioteca Nacional, Seo de Manuscritos, cdice 3,1,29) e tambm os textos de Manuel Martins de Couto Reis: Descrio Geographica, Pulitica e Cronographica do Distrito dos Campos de Goitacaz, de 1785, publicado pelo Arquivo Pblico do RJ, e o ofcio contendo consideraes sobre os meios mais favorveis civilizao dos ndios que ocupavam as margens do Rio Paraba do Sul e seus afluentes... , de 1799 (Biblioteca Nacional, Seo de Manuscritos, cdice 7,4,10).
4
exigem diferentes territrios, portanto impossibilitando a utilizao de uma nica escala.
Assim propomos diferentes abrangncias territoriais (escalas) ao longo do estudo:
A) Fins do Sculo XVIII Toda a regio que se estende do atual municpio
de Resende at Cantagalo, incluindo as regies do Mdio Paraba,
Centro-Sul Fluminense e Regio Serrana, onde os Coroados transitavam
pelo Rio Paraba e seus afluentes, vivendo dentro do seu universo
cultural prprio e seu modo de vida peculiar. A expanso da fronteira
agrcola, pela dinamizao do mercado interno, na regio Sudeste, levou
ao confronto dos novos ocupantes da regio com os povos indgenas que
viviam na rea.
B) Incio do Sculo XIX at 1823 Regio de Valena abrange Paraba do
Sul, incluindo Barra do Pira e parte de Vassouras. A partir do
aldeamento em Valena, ocorrem mudanas no modo de vida dos
Coroados. Da fundao da aldeia at a fundao da vila (1823), a
importncia da populao Coroada vai declinando;
C) De 1815 a 1836 Diminuio do territrio de Valena com a fundao
das vilas de Vassouras e de Paraba do Sul. O desaparecimento
poltico da populao Coroada dentro da populao de Valena e
regies adjacentes, o seu declnio demogrfico e o avano do processo
de destribalizao.
A cada perodo percebe-se uma mudana na densidade demogrfica de populaes
de no-ndios, pelo aumento de freguesias e vilas fundadas na regio e pelo rpido
desaparecimento ou perda de importncia dos povos indgenas na composio da populao
da regio, por conta de epidemias, violncias e migraes.
5
Podemos distinguir dois perodos econmicos no corte temporal que fizemos: um
primeiro que vem dos fins do sculo XVIII at os dois primeiros decnios do sculo XX,
em que a decadncia da minerao no provoca uma depresso econmica geral em toda a
regio Sudeste, pois, de acordo com a anlise feita por Joo Fragoso2, o que ocorre que as
unidades produtivas exportadoras (sejam mineiras e agrcolas) conhecem dificuldades, mas
os setores produtivos ligados ao mercado interno ganham peso na regio, fazendo uma
expanso contnua da fronteira agrcola e aumento do mercado interno, nesse perodo.
O segundo perodo ocorre quando a crise do setor agro-exportador se reverte, a
partir do final do segundo decnio, quando o caf transforma a economia nacional e a
paisagem, rasgando a floresta, conquistando o Vale do Paraba num ritmo acelerado,
fundando vilas e povoados, que implicaro um impacto acentuado aos povos indgenas
fluminenses.
A temtica indgena tem sido pouco tratada, dado que a postura majoritria dentro
da historiografia brasileira, em relao aos povos indgenas, continua sendo a mesma desde
Varnhagen3, que, alm de eurocntrica (extremamente preconceituosa com os povos
indgenas, em geral), no dava importncia devida a eles dentro do processo de colonizao
e praticamente confinava sua participao aos dois sculos iniciais, ignorando a sua
presena ativa, nos sculos posteriores, com exceo da Regio Norte.
Na dcada de 90, do sculo XX, o tema indgena reapareceu, com renovado
interesse, atravs de trabalhos de historiadores, antroplogos, ecologistas e jornalistas, que
a partir de diferentes ngulos tm se debruado sobre a histria indgena. Esse
2 FRAGOSO, Joo Luis Ribeiro. Homens de Grossa Aventura: Acumulao e Hierarquia na Praa Mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992. 3 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Visconde de Porto Seguro. Histria Geral do Brasil. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1956. Tomo I-V.
6
ressurgimento est relacionado superao da postura pessimista dos anos 50, dada atravs
da reverso das expectativas demogrficas de vrios povos indgenas, bem como a luta e a
organizao deles em prol de seus direitos.
Em vrios estados (So Paulo, Rio de Janeiro, Paran, Amazonas, etc.) apareceram
trabalhos que procuraram dar conta do papel do trabalho indgena, da catequese dos ndios,
da situao de aldeamento, do universo simblico, em diversos momentos da Histria.
John Monteiro4 vai demonstrar a articulao entre as bandeiras e a produo
agrcola paulista, na medida em que era a mo de obra escrava indgena, proveniente dos
apresamentos, descimentos e guerras feitos pelos bandeirantes, que sustentava a produo
agrcola paulista, e sem ela isso no seria possvel.
Manuela Carneiro5 vai discutir a insero do ndio na sociedade brasileira, do sculo
XIX, em construo, na qual o eixo da questo indgena passa da importncia do trabalho
para a liberao da terra indgena, para a expanso agrcola.
Marta Amoroso6 analisa os processos de catequese e evaso do aldeamento
constitudo no sculo XIX, na rea de avano da fronteira agrcola do Paran.
No Rio de Janeiro, os trabalhos de Jos Ribamar Bessa Freire7, na coordenao do
Programa de Estudos dos Povos Indgenas da UERJ, e de Mrcia Malheiros foram
fundamentais para lanar a luz na histria indgena escondida nos arquivos.
4 MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra. ndios e Bandeirantes nas origens de So Paulo. So Paulo: Companhia das Letras, 1994. 5 CUNHA, Manuela Carneiro da. Poltica Indigenista no sculo XIX. In: Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras/FAPESP/SMC-PMSP, 1992. 6 AMOROSO, Marta Rosa. Catequese e Evaso. Etnografia do Aldeamento Indgena So Pedro de Alcntara, Paran (1855-1895). Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Antropologia da USP,1998. 7 FREIRE, Jos Ribamar (coord.). Os ndios em Arquivos do Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: UERJ. Vol. I 1995, Vol. II 1996.
7
Os aldeamentos litorneos, constitudos pelos jesutas, ao longo dos sculos XVI,
XVII e XVIII, vo ser o objeto da dissertao de Malheiros8, que investigou a sua trajetria
desde a sada dos jesutas at o seu desaparecimento no final do sculo XIX. A sua tese
observa os ndios aldeados do Rio de Janeiro como grupos sociais que filtravam sob
categorias prprias a interveno da sociedade envolvente (colonial e nacional),
constituindo dessa forma, comunidades que se diferenciavam das populaes regionais,
atravs da origem indgena.
No Norte Fluminense, o trabalho de Clara Emilia Monteiro de Barros9 focaliza o
Aldeamento de So Fidlis, sob o aspecto simblico, verificando o ordenamento fsico do
aldeamento e a iconografia produzida sobre ele.
Na regio do Mdio Paraba no temos trabalhos recentes, somente o clssico de
Joaquim Norberto de Sousa e Silva: Memria Histrica e Documentada das Aldeas de
ndios da Provncia do Rio de Janeiro. Que saiu na Revista do IHGB, tomo XVII, de 1854.
Alm deste foram produzidos alguns livros sobre a Histria de Valena, na primeira metade
do sculo XX.
Ao pretender focar os ndios do Mdio Paraba, este trabalho visa investigar uma
rea e um povo pouco estudado, que no incio do sculo XIX aldeado, a partir de uma
iniciativa particular, com aval estatal, fato singular em relao aos aldeamentos do nosso
Estado.
1.1 Referncias tericas
8 MALHEIROS, Mrcia. ndios misturados: identidade e desterritorializao no sculo XIX. Dissertao de mestrado apresentada ao ICHF da UFF, 2001. 9 BARROS, Clara E. Monteiro de. Aldeamento de So Fidlis: o sentido do espao na iconografia. Rio de Janeiro: IPHAN, 1995.
8
As hipteses que propomos investigar nesta dissertao so as seguintes:
A) A questo indgena no Rio de Janeiro, no sculo XIX, subordinada lgica do
problema da terra, de uma maneira geral, mas deve-se atentar para as particularidades dos
processos e seus ritmos locais, como o caso de Valena.
B) Nesta rea, a questo aparecer como decorrente do processo de expanso da
fronteira agrcola, que num primeiro momento era impulsionada pelo crescimento do setor
ligado ao mercado interno (que incorpora esporadicamente o trabalho indgena), dentro do
modo de produo escravista colonial, e, posteriormente, pelo setor agro-exportador
cafeeiro (estruturado no trabalho escravo), que ser a p de cal no espao indgena dos
Coroados. Levando-os para a situao de aldeamento, posteriormente, a destribalizao,
desterritorializao e desaparecimento etno-poltico.
C) A poltica indgena teve variaes na sua aplicao (brandura x terror)
conduzidas pelos agentes locais, que resultaram em diferentes momentos e reflexos
demogrficos para os Coroados.
As principais referncias e os conceitos tericos que trabalhamos para procurar
investigar estas hipteses esto divididos dentro de dois eixos principais que se articulam
para dar conta, de forma eficaz, do tema:
1 HISTRIA POLTICA: A discusso sobre a poltica indgena desenvolvida no
perodo fundamental para o entendimento dos eventos que ocorreram no aldeamento dos
Coroados de Nossa Senhora da Glria de Valena.
9
Nos inspiramos nas reflexes de Manuela Carneiro Cunha10 sobre a poltica
indgena do sculo XIX, que leva a marca das contradies especficas de ter tido regimes
polticos diferenciados (colnia, imprio e repblica) e reas geogrficas bem distintas,
para podermos pensar sobre o significado do Aldeamento naquele momento:
A poltica indigenista do perodo leva a marca de todas essas disparidades. mas para
caracterizar o sculo como um todo, pode-se dizer que a questo indgena deixou de
ser essencialmente uma questo de mo-de-obra para se tornar uma questo de
terras. Nas regies de povoamento antigo, trata-se mesquinhamente de se apoderar
das terras dos aldeamentos. Nas frentes de expanso ou nas rotas fluviais a serem
estabelecidas, faz-se largo uso, quando se o consegue, do trabalho indgena, mas
so sem dvida a conquista territorial e a segurana dos caminhos e dos colonos os
motores do processo. A mo-de-obra s ainda fundamental como uma alternativa
local e transitria diante de novas oportunidades (p. 133).
A particularidade do aldeamento da regio de Valena que de rea de fronteira
agrcola, e, portanto, com a utilizao da mo-de-obra indgena para desbravamento de
terrenos e outros servios agrcolas, passa, em 30 anos, para rea dinmica da produo
cafeeira, articulada ao comrcio internacional, que necessita de terras para a expanso da
produo e, por isso, usurpa as terras doadas aos ndios, alm daquelas que foram
liberadas com o aldeamento, e introduz a mo-de-obra escrava, em larga escala.
A velocidade da mudana traduzida nos tipos de conflitos em que se envolvem os
ndios Coroados de Valena: promovendo correrias, fugindo de recrutamento forado,
10 CUNHA, Manuela Carneiro da. Polticas indigenista no sculo XIX. In: ____ (org.). Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura/Fapesp, 1992.
10
participando de disputa entre fazendeiros, lutando contra a usurpao da sesmaria da
Aldeia, aliando-se a quilombolas, etc.
A perda progressiva das suas terras e a diminuio progressiva da sua participao
como mo-de-obra agrcola leva a um desaparecimento da questo indgena, na regio, j
na dcada de 30. O que significa isso?
O fato de terem desaparecido dos documentos oficiais suficiente para atestar a
sua extino? Para dar conta desse problema no se pode esquecer, em primeiro lugar, do
debate que se desenvolvia desde o sculo XVIII e que ganha dramaticidade no sculo XIX:
como se deveria tratar os ndios: com brandura ou ferocidade? Dessa questo derivava
outra: seriam eles humanos ou animais? Essas discusses tericas acarretavam
conseqncias prticas: a possibilidade ou no de se civilizarem, isto , de serem
incorporados nao, virarem caboclos (civilizados ou catequisados), de no serem mais
considerados ndios pela sociedade envolvente.
As categorias destribalizados, caboclos e bravos apontados no trabalho de Jos
Bessa Freire e Mrcia F. Malheiros11, sero trabalhadas na nossa dissertao para dar conta
das diversas situaes enfrentadas pelos Coroados.
O conceito de civilizao utilizado em nosso trabalho o indicado por Elias12:
expressa a conscincia que o Ocidente tem de si mesmo. Poderamos at dizer: a
conscincia nacional. Ele resume tudo em que a sociedade ocidental dos ltimos dois ou
trs sculos se julga superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporneas
mais primitivas.
11 FREIRE, Jos Ribamar & Malheiros, Mrcia.Os aldeamentos Indgenas do Rio de Janeiro.Programa de Estudos dos Povos Indgenas. Departamento de Extenso. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 1997. 12 ELIAS, Norbert.O processo civilizador: uma histria dos costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.Vol.1, p.23.
11
Cabe aqui a advertncia de Elias sobre o fato de que o significado de Civilizao
no o mesmo para as diferentes naes europias, particularmente entre franceses e
ingleses de um lado e alemes de outro. Essa advertncia ser levada em conta quando da
utilizao como fonte dos relatos dos viajantes sobre os Coroados.
No sculo XVIII, a sociedade luso-brasileira j estava bastante complexa, do lado
de c do Oceano, e compunha um campo poltico fragmentado e eivado de profundas
discordncias quanto maneira de se relacionar no s com os ndios, mas tambm entre
si13, o que levou a uma interveno do governo portugus, de forma autoritria, com
intuito de resolver essas discordncias e tambm os problemas geopolticos mais cadentes
relativos definio das fronteiras sul-americanas com o Imprio Espanhol: o processo de
expulso dos jesutas, a criao da poltica indigenista controlada diretamente pelo Estado
metropolitano (expressa no Diretrio Pombalino), o aumento do controle poltico-militar
sobre a Colnia, a criao de Companhias de Comrcio para reforar o controle sobre a
circulao das mercadorias so exemplos dessa orientao.
A preocupao nessa fase passa a ser a de integrar o ndio sociedade luso-
brasileira, o discurso que antes era converter e catequizar, passa a ser civilizar e catequizar,
com nfase no primeiro aspecto.
Com a sada de Pombal e com as mudanas polticas decorrentes, entre elas a
revogao do Diretrio, volta-se a discutir o destino dos povos indgenas: uma srie de
memrias, planos de civilizao e ofcios so produzidos com o intuito de sugerir, ao
Estado, polticas indigenistas a serem seguidas em substituio s contidas no Diretrio.
Esse debate prossegue no Imprio, com a proposta de Jos Bonifcio Constituinte, com as
13 ALEGRE, Maria Sylvia Porto. www.biblio.ufpe.br/libvirt/revista/ethonos/p.alegre.htm , p. 2.
12
avaliaes e recomendaes de vrios cientistas e viajantes estrangeiros (Von Martius,
Saint-Hilaire, Eschewge, etc.) e passando pelo debate dentro do IHGB.
Podemos avaliar que a legislao, bem como a sua aplicao, at a edio, em 1845,
do Regulamento acerca das Misses de Catechese e Civilizao dos ndios flutuante,
pontual e, como era de se esperar, em larga medida subsidiria de uma poltica de terras.14
O reflexo da poltica indgena, do incio do sculo XIX, na regio de Valena foi a
usurpao da terra do aldeamento, que foi apropriado pela Municipalidade, em 1836, pois
no reconheciam mais a presena de ndios na sede do municpio. Esse desaparecimento
dos Coroados no fsico (extino) e sim poltico (no se tem mais reivindicaes
coletivas dos Coroados) e tnico (no so reconhecidos como ndios os que vivem na sede
do municpio, e sim como caboclos, isto , ndios civilizados).
2 ECONOMIA FLUMINENSE NOS SCULOS XVIII / XIX O segundo eixo do
nosso trabalho refere-se s caractersticas da dinmica econmica da regio no final do
sculo XVIII at os anos 30 do sculo seguinte. Concordamos com as opinies de Joo
Fragoso em seu trabalho Homens de grossa aventura: acumulao e hierarquia na praa
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830), no qual chama a ateno para as
particularidades do Vale do Paraba nesse perodo: como num perodo caracterizado como
recessivo para a economia mundial (a partir de 1815 at o incio da dcada de 50) se inicia
a montagem de um sistema agrrio escravista-exportador na fronteira? Isso s seria
possvel em razo de uma ampla acumulao, previamente existente. Como surge essa
acumulao?
14 CUNHA, M.C. 1992, p.138.
13
Os modelos de Roberto Simonsen, Celso Furtado ou mesmo Jacob Gorender15 no
conseguem explicar essa acumulao, pois ignoraram ou menosprezaram o dinamismo do
mercado interno nesse perodo.
Os trabalhos de Maria Yeda Linhares, de Francisco Carlos e Alcir Lenharo16, entre
outros, chamam a ateno para a necessidade de desenvolvimento de estudos regionais que
melhorassem a compreenso sobre economia, pois era muito mais complexa do que aquela
que os modelos at ento apontavam e que o mercado interno dava condies para
processos de acumulao endgenas, que explicariam o rpido desenvolvimento das reas
de fronteira agrcola do Vale do Paraba Fluminense.
O trabalho de Fragoso vai identificar esse processo de acumulao endgena, que
caracterizaria uma dinmica interna dentro da economia colonial.
A montagem da cultura cafeeira no Vale do Paraba acontece num perodo recessivo
da economia mundial demonstrando que a economia colonial no se reduzia ao plantation
escravista, subordinado ao contexto das conjunturas internacionais, sendo mais complexo.
Na verdade, ocorre uma transformao de parcela da acumulao mercantil
endgena em produo agrcola, atravs da participao de diversos comerciantes e
traficantes de escravos da praa do Rio de Janeiro na aquisio de terras em Valena e na
montagem de fazendas de caf, ou na participao da ampliao da produo aucareira de
Campos.
15 LINHARES, Maria Yeda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Histria da Agricultura Brasileira: combates e controvrsias. So Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 116-117. 16 LENHARO, Alcir. As tropas da moderao (o abastecimento da Corte na formao poltica do Brasil 1808 1842). 2 ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, DGDI, Div. Editorao, 1993.
14
O conceito de arcasmo proposto por Fragoso como um verdadeiro projeto social,
cuja viabilizao dependia, no fundamental, da apropriao das rendas coloniais17 ajuda no
entendimento de que o capital mercantil metropolitano preocupava-se em apenas apropriar
o resultado final da atividade econmica colonial o sobretrabalho dos escravos contido no
fluxo comercial entre a Colnia e Portugal e o fato de no se constituir numa burguesia
mercantil forte, o que forjou as brechas necessrias para a economia colonial adquirir um
certo grau de autonomia.
Essa possibilidade de uma maior autonomia permite a montagem de uma economia
colonial tardia, aqui entendida como:
um perodo de consolidao de novas formas de acumulao econmica do
Sudeste-Sul escravista, formas essas coincidentes com o domnio do capital
mercantil e, pois, com a hegemonia de uma nova elite econmica. A elite, nesse
caso, seria constituda pela comunidade de comerciantes de grosso trato residente
na praa mercantil do Rio de Janeiro.18
A minerao levou estruturao de uma agricultura de alimentos para fornecer
macias provises de vveres para os mineiros, levando criao, no Sul-Sudeste, de reas
de abastecimento interno.
Minas Gerais e outras regies aurferas, aps o declnio da atividade mineira,
estruturaram um mercado interno que deu sustentao ao crescimento populacional do
17 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo.O arcasmo como projeto: mercado atlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia.Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001, p53.
15
Sudeste, com a produo e circulao de produtos agrcolas usados na troca mercantil
(farinha de mandioca, cachaa, fumo, toucinho, charque, etc.) intercolonial e atlntica.
O aumento do mercado interno acarretou a expanso da fronteira agrcola, com
ocupao de novas reas, no Vale do Paraba, que levou ao confronto de dois modos de
produzir a vida: da sociedade escravista com a dos Coroados.
O conceito de fronteira que utilizamos o proposto por Costa19 e est intimamente
relacionado ao modo de produzir a vida e seus limites so socialmente construdos. Cada
sociedade trabalha a sua relao com o espao de forma diferenciada.
Quando falamos de fronteira no se trata apenas da expanso de uma fronteira
agrcola e sim do limite entre duas sociedades na qual uma se expressa de uma forma
diferente da outra, nos territrios que exercem o seu modo de produo da vida.
com conceito de modo de produo da vida proposto por Hobsbawn que
trabalhamos para refletir os acontecimentos da regio e ele significa o agregado das
relaes produtivas que constituem a estrutura econmica de uma sociedade e formam o
modo de produo dos meios materiais de existncia.20
A relao entre diferentes modos de produo da vida (da sociedade colonial e dos
povos indgenas) pode levar a transformaes derivadas da conjuno e interao de
sociedades distintamente estruturadas. Nesse sentido, todo desenvolvimento
desenvolvimento misto.21
18 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. O arcasmo como projeto: mercado atlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001, p.85. 19 COSTA, Wanderley M. O Estado e as Polticas Territoriais no Brasil. So Paulo: Contexto, 1991, p. 18. 20 HOBSBAWM, Eric. Sobre Histria. Ensaios. So Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 179. 21 HOBSBAWM, Eric. Sobre Histria. Ensaios. So Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 181.
16
No caso do Vale do Paraba, o processo produziu a desestruturao e destruio do
modo de vida Coroado, com impactos demogrficos sobre essas populaes.
A incorporao forada dos povos indgenas foi, em geral, traumtica, mas
diferenciada no espao e tempo: enquanto na regio de Resende o uso da fora e do terror
(usando at roupas usadas de pessoas com peste uma verdadeira guerra bacteriolgica)
foi determinante para sujeio, j na rea de Valena temos as relaes amistosas e a
prtica do escambo como formas principais de aproximao visando formao do
Aldeamento.
Outro aspecto refere-se s formas do trabalho indgena na fronteira, que a princpio
se deu atravs de uma srie de relaes e formas de trabalho no-capitalista: escambo,
trabalho gratuito, trabalho forado (recrutamento para a Marinha) e trabalho escravo, bem
como, a incorporao como campons pobre (em menor escala) na economia local.
A partir dos eixos acima que pretendemos estruturar a nossa dissertao.
1.2 Mtodos, tcnicas e fontes de pesquisa
A observao do impacto demogrfico ocasionado pela expanso da fronteira social
sobre os Coroados foi feita atravs dos registros paroquiais encontrados na Parquia de
Nossa Senhora da Glria (livros de batismos e bitos), em Valena. Esses registros indicam
os batizados indgenas ocorridos no perodo de 1809-1836 e os bitos de 1807-1830. Os
registros de batismos apresentam uma interrupo, por extravio, que vai do ano de 1817-
1821, os de bitos tambm no perodo de 1831-1836.
17
Utilizando as tcnicas sugeridas por Marclio22, fizemos o fichamento dos registros
e montamos um banco de dados sobre os povos indgenas da regio com o objetivo de
estabelecer percentuais de mortalidade e fecundidade especficas e comparamos com os
outros segmentos da populao. Com esses dados tambm verificamos as relaes de
apadrinhamento dos ndios com a sociedade luso-brasileira, avaliamos as causas dos bitos
nas diferentes categorias e tambm o grau de assimilao religiosa dos silvcolas.
Para fins de comparao, trabalhamos com trs categorias: ndios, livres no-ndios
e escravos. Consideramos ndios todos que aparecem como tais nos registros e tambm
filhos de me ou pai ndios, mesmo que casados com no ndios. A categoria livres no-
ndios incluiu todos os que aparecem nos registros como brancos, pardos, cabras ou negros
livres, j a categoria escravo agrupa todos que aparecem nesta condio nos registros.
Outros dados demogrficos foram conseguidos atravs de vrias fontes como: os
relatrios dos presidentes de provncia, relatos de viajantes, escritores, ofcios diversos e
censos demogrficos (1872 e 1890).
Sabemos das limitaes nos levantamentos censitrios dos sculos XVIII e XIX, e
tambm dos sub-registros de nascimentos e principalmente de bitos indgenas, objeto
inclusive de uma observao pertinente de Eschewge.23 Os dados por ns obtidos para a
regio tambm apresentam essas limitaes.
Para o levantamento das caractersticas etnogrficas dos Coroados, serviram de
fonte os relatos dos viajantes dos sculos XVIII e XIX, que estabeleceram contato com esse
22 MARCLIO, Maria Luiza (org.). Demografia Histrica. Orientaes Tcnicas e Metodolgicas. So Paulo: Livraria Editora Pioneira, 1977. 23 ESCHWEGE, Guilherme, Baro de. Notcias e reflexes estatsticas da Provncia de Minas Gerais. Biblioteca Nacional, cdice 5,4,5.
18
povo, como: Saint-Hilare, Couto Reys, Debret, Walsh, Spix e Martius, Eschewge, entre
outros.
Os relatos dos viajantes tambm foram utilizados para compreender o
desenvolvimento econmico local, na medida em que passaram pela regio em diferentes
pocas, descrevendo as mudanas na paisagem.
Alm desses relatos, utilizamos tambm como fontes diversas memrias produzidas
nos sculos XVIII e XIX, tanto sobre os povos indgenas quanto sobre as polticas
indgenas, das quais cabe destacar Joaquim Norberto de Sousa e Silva com a sua Memria
histrica e documentada das Aldas de ndios da Provncia do Rio de Janeiro, pela grande
massa documental sobre os Coroados, e Memrias da Misso de So Fidlis24, utilizado
para entender o comportamento dos Coroados de Valena, atravs dos seus parentes de So
Fidelis.
Os conjuntos documentais relativos s diversas correspondncias (ofcios,
provises, relatrios, cartas, requerimentos, certides, atas, etc.) entre os vrios rgos do
Estado Portugus e, posteriormente, do Estado Brasileiro com diversos atores polticos,
existentes nos Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional e Arquivo Pblico Estadual ajudaram
a identificar o comportamento dos agentes polticos no processo de desestruturao dos
ndios Coroado, os diversos conflitos resultantes, as polticas de aliana, os agentes
econmicos e o processo de ocupao do territrio.
A produo de diversos tipos de mapas, em diversas escalas, com o objetivo de
representar as diversas relaes sociais (circulao de bens e pessoas, evoluo do controle
administrativo, partilha territorial, mapeamento de conflitos, etc.), baseados na
24 Dirio dos Missionrios da Misso Capuchinha de 1781-1831. Memrias de So Fidelis. Manuscrito deixado pelos fundadores de So Fidelis, do Arquivo do Convento de So Sebastio.
19
documentao cartogrfica existente na Biblioteca Nacional, no Arquivo Nacional e no
IHGB, entre outros visa refletir a espacializao dos fenmenos histricos, to pouco
explorada.
20
2. CAPTULO 1
ANOS DE CORRERIAS1: LEVANTANDO A POEIRA
Ao deixar o Vice-Reino do Brasil para o seu sucessor, Luiz de Vasconcelos e Sousa
fez uma avaliao sobre a situao dos ndios do distrito de Paraba Nova, onde ao seu ver:
foi necessrio practicar-se outra differente providencia pelas irrupes que faziam
naquelles districtos, assolando as fazendas circuvizinhas, furtando os seus effeitos,
apresentando-se armados em figura de guerra, atacando e matando a todos os que
lhe cahiam infelizmente nas mos, de modo que a maior parte dos fazendeiros que
tinham os seus estabelecimentos do lado septentrional do rio, os abandonaram
inteiramente, por no serem suas foras capazes de lhes fazer a menor resistncia,
abrindo com este terror um seguro passo para os ndios passarem, ao lado opposto,
em que foram continuando as suas hostilidades. Foi necessrio reprimi-las com
maior vigor, antes que se fizessem mais prejudiciaes: e nesta considerao expedi
daqui o Sargento-mor Joaquim Xavier Curado, para se por a testa daquelles
moradores salva-los de tantas oppressoes, e restabelecer a paz e tranqilidade, de
que se achavam privados, recommendando-lhe a prudncia e moderao com que
devia precaver todo o rompimento, assim como a dilligencia e intrepidez, com que
se fazia necessrio rechachar estes brbaros, no caso de se no sujeitarem.
Comportou-se muito bem este official em todas as referidas circunstancias,
formando um corpo daquelles moradores, com que se fez respeitado em muitas e
repetidas occasioes e logares em que se practicaram aquellas irrupes; e sem fazer
estrago, por ter recorrido aos meios s capazes de os aterrar, sempre conseguiu
1 Correrias eram como os portugueses chamavam os confrontos com as sociedades indgenas
21
afungentar os rebeldes fora do serto circumvisinho2, aonde no tem apparecido, e
congregar outros dispersos, que no duvidaram formar uma nova aldea no logar da
sua antiga habitao, chamado Minhocal, em que presentemente se tem conservado
debaixo da direo e ensino do Vigrio daquella freguesia o Padre Henrique Joze
de Carvalho, que com o seu louvvel zelo se tem empregado nesta obra to bem
principiada e to prpria do seu ministrio. Presentemente no tem rendimentos
prprios para a subsistncia dos ndios, por serem estes soccorridos a expensa dos
moradores, em quanto se no estabelecem melhor nos terrenos, que lhe foram
marcados para fazerem e adiantarem as suas plantaes ficando com tudo a
segurana daquelle districto entregue ao capitao de ordenanas, que tem algumas
possibilidades para vigiar sobre estes brbaros que com a mesma facilidade com
que suspenderam as suas empresas, podem outra vez tomar a resoluo de
commetterem outras similhantes hostilidades, que iam sendo funnestissimas a todos
aquelles moradores de Parahyba Nova.(grifos nossos)3
Abrangia a Regio de Paraba Nova a rea da Freguesia de Campo Alegre at a de
Paraba do Sul, incluindo as reas ao norte da Freguesia de Conceio do Alferes e de Sacra
Famlia do Tingu (Mapas 1 e 2).
2 Entre os meios usados capazes de os aterrar o de maior estrago foi, sem dvida, deixar roupas contaminadas com varola nas reas por onde passavam os Puris, o que resultou em cadveres boiando, cotidianamente, pelo Rio Paraba. (SOUZA, Joaquim Norberto Silva. Memria Histrica e documentada das aldeias de ndios. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico do Brasil (Rio de Janeiro). vol. 17, 1854. p. 243-244). 3 VASCONCELOS, Luiz de. Memrias Pblicas e Econmicas da Cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro, para o uso do vice-rei Luiz de Vasconcellos. Por observao curiosa dos annos de 1779 at o de 1789. RIHGB. Rio de Janeiro, tomo 47, 1884.
23
Fonte: Silva, Moacir. Kilometro Zero. Rio de Janeiro: Oficina Tipogrfica So Benedito. 1934.
24
Em 1788, dois anos antes do relatrio do Vice-Rei, o ento Alferes das Ordenanas da
Freguesia de N.S. da Conceio dos Alferes, Igncio de Sousa Werneck foi encarregado de
de diligncias no Districto de Sacra Famlia e em outros circumvisinhos, onde os
ndios estavam fazendo depredaes, e o mesmo Vice-Rei ordenava que passasse
aquelles Districtos a tomar conhecimento dos lugares onde se devia postar alguma
guarda, que embaraasse aquelles selvagens, e , ao mesmo tempo, procurasse
pacificar os espritos dos moradores; servindo-se ,para esse fim, da Companhia de
Ordenanas de que era Mestre de Campo Ignacio de Andrade Sotto-Maior Rondon,
dando tambm quaesquer outras providncias que achasse mais convenientes assim
a esse respeito, como igualmente para proteger a diligncia de que se achava
encarregado, por ordem da Real Junta, o Piloto Antonio Pinheiro.1
Por que motivo, no final da dcada de 80, aumentaram as correrias na Regio do
Paraba Nova?
O que levou ao aumento dos conflitos entre os moradores e os gentios bravos
daquele serto?
Quem eram esses ndios?
So estas questes que procuraremos responder neste captulo.
1 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Fundo: Famlia Werneck: Notao Py 2.1: Igncio de Sousa Werneck. (Apontamentos biogrficos), s/data.
25
2.1 Correrias: fronteiras em movimento, economia em crescimento.
O aumento de conflitos Serra Acima revela um choque de fronteiras, onde o serto
no um espao vazio e desconhecido a ser ocupado.
Os conflitos ocorriam nas reas denominadas, em documentos e mapas, como serto
dos ndios bravos ou serto dos ndios, apontando para uma disputa de fronteiras entre
sociedades com modos diferentes de produzir a vida. A fronteira no s uma fronteira
agrcola, ela uma fronteira social, e o seu controle foi disputado palmo a palmo, durante
sculos, entre as sociedades indgenas e a sociedade luso-brasileira.
O conceito de fronteira utilizado no nosso trabalho est intimamente relacionado ao
modo como as sociedades produzem a vida, sendo os seus limites socialmente construdos.
Concordamos com a caracterizao de fronteira de Costa, para o qual em
qualquer tempo e lugar, os grupos sociais, desde os estgios primitivos at as modernas
sociedades capitalistas industriais, por exemplo, estabelecem determinados modos de
relao com o seu espao; em outras palavras, valorizam-no a seu modo.
No interior desse processo, podemos identificar relaes culturais com o espao, em
sentido estrito. Um grupo social primitivo, por exemplo, mesmo com uma tnue e
provisria fixao num determinado espao exprimir, a partir dessa relao, uma srie
de manifestaes: mitos, ritos, cultos, sacralizaes, etc. Do mesmo modo, exprimir,
com seu trabalho e sua tcnica, formas de apropriao e explorao desse espao,
marcando-o com as necessidades e o seu modo de produzir e, porque no dizer,
impregnando-o assim com a sua cultura.
26
Nesse sentido, o seu espao possui limites, cujo traado no constitudo por linhas
rgidas, mas zonas que se destinam a delimitar o espao de recursos necessrio
reproduo biolgica e cultural desse grupo. O especfico a reter, no nosso caso,
entretanto, diz respeito ao fato de que esse grupo projeta sobre o espao as suas
necessidades, a organizao para o trabalho e a cultura em geral, mas projeta
igualmente as relaes de poder que porventura se desenvolvam no seu interior.
Por isso, toda a sociedade que delimita um espao de vivncia e produo e se
organiza para domin-lo, transforma-o em seu territrio. Ao demarc-lo, ela produz
uma projeo territorializada de suas prprias relaes de poder (grifos nossos)2
A fronteira deve ser entendida como um limite do espao destinado reproduo
biolgica e cultural de um determinado modo de vida, que, dependendo da sociedade, se
expressa de forma mais fluida (terra dos antepassados, terra sem mal, etc.) ou mais rgidas
(cercas e limites em geral), quando a nitidez do espao poltico aumenta.
A propriedade privada, a propriedade fundiria como uma de suas formas, representa
um marco nesse processo de nitidez do espao poltico. A propriedade fundiria legalizada
representa uma institucionalizao de determinada correlao de foras marcada pelo
conflito.3
A percepo das fronteiras na Serra acima, como limite entre sociedades, se expressa
de forma diferenciada: fluida (valores simblicos existentes na paisagem florestal) nas
sociedades indgenas, mais rgida (marcos, cercas e porteiras) na sociedade luso-brasileira,
cada uma no seu respectivo territrio sobre o qual exercem os seus modos de produes da
vida.
2 COSTA, Wanderley Messias. O Estado e as Polticas Territoriais no Brasil. So Paulo: Contexto, 1991.
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A fronteira no esttica, ela mvel, tanto entre as sociedades indgenas
(redefinidas por guerras e alianas, e a pela mobilidade do seu modo de vida) e entre elas e
a sociedade luso-brasileira.
A palavra certo ou serto4, usada largamente pelas autoridades coloniais
portuguesas e por viajantes, nos sculos XVIII/XIX, tem um contedo ntido na nossa
regio de estudo: ela significa o espao do outro, o espao por excelncia da alteridade5,
isto , uma palavra que exprime claramente o conceito de fronteira que adotamos (em
vrias sesmarias doadas, nas proximidades da Aldeia de Valena, vem com a expresso
serto dos ndios).
A distribuio de sesmarias no serto dos ndios, nos ltimos decnios do sculo
XVIII, indica a mobilidade das fronteiras e seria resultante do aumento de atividades
econmicas e sociais, nas freguesias da Serra Acima.
Esse aumento de atividades est ligado ao crescimento do mercado interno no Sul-
Sudeste.
Concordamos com as opinies de Joo Fragoso, expostas no seu livro: Homens de
grossa aventura: acumulao e hierarquia na praa mercantil do Rio de Janeiro (1790-
1830), no qual chama a ateno para as particularidades do Vale do Paraba nesse perodo:
como num perodo caracterizado como recessivo para a economia mundial (a partir de 1815
at o incio da dcada de 50) se inicia a montagem de um sistema agrrio escravista-
3 IDEM, pg. 19. 4 Serto ou certo seriam a corruptela de deserto, para alguns autores; segundo outros sua etimologia estaria ligada s palavras desertum (desertor) e desertanum (lugar desconhecido para onde foi o desertor). A partir do sculo XV, em Portugal, passou a indicar os espaos vastos, desconhecidos, distantes e de baixa densidade demogrfica. No Brasil, foi usado com este e com outros significados. Para maiores discusses, ver AMADO, Janaina. Regio, Serto, Nao. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 8, n 15 (jan-jun), 1995, pp. 145-151. 5 AMADO, Janaina. Regio, Serto, Nao. Estudos Histricos. Rio de Janeiro, vol. 8, n 15 (jan-jun), 1995, p. 149.
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exportador na fronteira? Isso s seria possvel em razo de uma ampla acumulao,
previamente existente. Como surge essa acumulao?
Os modelos explicativos at ento existentes na historiografia brasileira no davam
conta de explicar essa acumulao prvia: seja antiga teoria dos ciclos econmicos de
Roberto Simonsen; seja a proposta de Celso Furtado que analisa a unidade escravista a
partir de seus componentes estruturais, mas enfatiza que a economia escravista dependia
em forma praticamente exclusiva da procura externa (apud Linhares) e que justifica a
expanso cafeeira pela desagregao da economia mineira, que liberou braos escravos (o
que no se comprova, antes pelo contrrio ela era grande consumidora de braos escravos)
ou mesmo Jacob Gorender com o modelo da plantagem bissegmentada em uma estrutura
de economia natural, tal como prope o historicismo alemo, e um setor da economia
mercantil (apud Linhares), no qual a produo de alimentos s se explicaria pelas
necessidades da plantagem, sendo incapaz de ter uma lgica prpria, e repousaria sobre
uma naturalidade das exigncias humanas, no participando do circuito de trocas6.
No final dos anos 70 e incio de 80, o debate sobre o mercado interno e a agricultura
de subsistncia ganha fora. Os trabalhos de Maria Yeda Linhares, de Francisco Carlos e
Alcir Lenharo, entre outros, mostraram que o desenvolvimento de estudos regional
enriquecia a compreenso de que havia uma economia muito mais complexa do que aquela
que os modelos at ento apontavam e que o mercado interno dava condies para
processos de acumulao endgenas, que explicariam o rpido desenvolvimento das reas
de fronteira agrcola do Vale do Paraba Fluminense.
6 LINHARES, Maria Yeda e SILVA, Francisco Carlos Teixeira. Histria da Agricultura Brasileira: combates e controvrsias. So Paulo: Brasiliense, 1981, pp. 116-117.
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O trabalho de Fragoso, ao estudar a praa mercantil do Rio de Janeiro, vai identificar
esse processo de acumulao endgena, que caracterizaria uma dinmica interna dentro da
economia colonial.
A economia colonial se demonstrava mais complexa do que a plantation escravista,
subordinada ao contexto das conjunturas internacionais, dado que em pleno perodo
recessivo da conjuntura internacional ocorre boa parte da montagem da cultura cafeeira do
Vale do Paraba e tambm o contnuo aumento da produo aucareira campista.
Essa montagem s foi possvel porque houve a transformao de parcela da
acumulao mercantil endgena em produo agrcola, o que pode ser constatado pela
participao de diversos comerciantes e traficantes de escravos da praa do Rio de Janeiro
na aquisio de terras em Valena, os futuros cafezais, ou na participao da ampliao da
produo aucareira de Campos.
O conceito de arcasmo entendido por Fragoso como um verdadeiro projeto social,
cuja viabilizao dependia, no fundamental, da apropriao das rendas coloniais e no qual
a atividade comercial lusitana tinha por fim ltimo a permanncia de uma sociedade
arcaica, no chegando a assumir os contornos revolucionrios que desempenhava em
outros pases.Logo a esterilizao de recursos apropriados na esfera colonial acabava
por ser to volumosa que a capacidade de financiar at mesmo as atividades essenciais
sua reproduo parasitria (navios, armazenamento, seguros, etc.) se tornava
limitada7
7 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo.O arcasmo como projeto: mercado atlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia.Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001, p 53.
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ajuda a explicar por que o capital mercantil metropolitano preocupava-se em apenas
apropriar o resultado final da atividade econmica colonial o sobretrabalho dos escravos
contido no fluxo comercial entre a Colnia e Portugal e o fato de no se constituir numa
burguesia mercantil forte, o que forjou as brechas necessrias para a economia colonial
adquirir um certo grau de autonomia.
Essa possibilidade de uma maior autonomia ganha corpo no sculo XVIII, quando a
capacidade do capital mercantil portugus financiar o trfico de braos escravos para a
minerao e a agricultura demonstrou-se limitada, tanto que a Coroa liberou, a partir de
1758, o comrcio de escravos para nativos do Brasil, fortalecendo os traficantes de escravos
da praa do Rio de Janeiro, a elite dos comerciantes.
A montagem dessa economia colonial tardia, aqui entendida como:
um perodo de consolidao de novas formas de acumulao econmica do Sudeste-Sul
escravista, formas essas coincidentes com o domnio do capital mercantil e, pois, com a
hegemonia de uma nova elite econmica. A elite, nesse caso, seria constituda pela
comunidade de comerciantes de grosso trato residente na praa mercantil do Rio de
Janeiro.8
Ocorreu, segundo o modelo explicativo de Fragoso e Manolo, porque existiu a
continuidade da agricultura extensiva,
8 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. O arcasmo como projeto: mercado atlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001, p. 85.
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cuja reiterao temporal dependeria, sobretudo, da existncia de uma oferta elstica de
homens, terras e alimentos. Assim combinados, eles se adequariam in totum a um
quadro geral caracterizado por baixos nveis de capitalizao e tcnicas agrcolas
rudimentares. Contudo, assumindo que as terras constitussem efetivamente em
recursos abertos, verifica-se que alimentos e cativos se inseriam no processo de
reproduo da agroexportao por meio do mercado. Em outras palavras: a estrutura de
produo colonial gerava seus mercados de homens e alimentos, o que, por sua vez
viabiliza a apario de circuitos internos de acumulao para alm das trocas com a
Europa.9(grifos nossos)
No texto acima, temos apenas uma divergncia com os autores em relao frase por
ns grifada, pois ambos encaram a terra como disponvel e sem embaraos, o que no era a
realidade, na medida em que para avanar sobre o interior teriam que enfrentar sociedades
indgenas pr-existentes, cuja conquista ou extermnio demandou tempo, dinheiro, apoio do
Estado, bem como levou a derrotas e recuos. Considerar a terra como elstica e fazer tbua
rasa da resistncia indgena, que existiu em grande parte do atual territrio brasileiro,
particularmente no Vale do Paraba, do sculo XVIII/ XIX, perpetuar uma negligncia da
historiografia com as sociedades indgenas.
O estudo da praa do Rio de Janeiro feito pelos autores demonstra que
a reproduo da economia colonial tardia se dava em meio a um mercado colonial e
atlntico de natureza no-capitalista. A mo de obra cativa era produzida na frica, por
mecanismos no-econmicos, e tinha por fundamento a montagem e/ou consolidao
9 FLORENTINO, Manolo e FRAGOSO, Joo. O arcasmo como projeto: mercado atlntico, sociedade agrria e elite mercantil em uma economia colonial tardia: Rio de Janeiro, c.1790-c.1840. Rio de Janeiro: Civilizao
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de hierarquias sociais internas ao continente negro. Por estar calcada na violncia, tal
produo no capitalista que se utilizavam do trabalho escravo, da peonagem, do
campons etc. -, geradoras de uma oferta de alimentos e de insumos bsicos a baixos
custos.
Homens e alimentos constituam duas das principais variveis do que aqui
designamos mercado atlntico. Se a elas agregarmos a estratgia pragmtica da
Metrpole cingida apropriao dos resultados finais da explorao colonial -,
estaremos diante das precondies fundamentais para a emergncia e posterior
hegemonia do capital mercantil da Colnia.
O quadro esboado, ao afirmar-se em meio a frgil diviso social do trabalho,
implicava uma dbil circulao de numerrio e bens, o que, por sua vez, redundava na
rarefao dos mecanismos de crdito. Estava dado o contexto inicial para a
preeminncia do capital mercantil residente, que ao deter a liquidez do sistema,
controlava os mecanismos de financiamento e, pois, a prpria reproduo da economia.
Acrescente-se, por fim que os baixos custos mediante os quais essa economia se
reiterava ensejavam a esterilizao de parcelas expressivas do sobretrabalho social
sob diversas formas (entesouramento, gastos conspcuos, etc.). J se ver no ter sido
gratuito que os grandes comerciantes (os negociantes de grosso trato) constitussem a
verdadeira elite colonial.
Uma economia assim estruturada, marcada pelo controle interno de fatores baratos
de produo, desfrutava uma relativa autonomia em face as flutuaes do mercado
internacional.10
Brasileira, 2001, p. 54. 10 IDEM, pp. 54-56.
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O desenvolvimento da atividade mineradora, no sculo XVIII, exige o suporte de
uma agricultura de alimentos, pois era insustentvel a importao de alimentos, dada as
necessidades de fornecer macias e imediatas provises de vveres, levando criao, no
Sul-Sudeste, de reas de abastecimento interno.
Essas reas, aps o declnio da atividade mineira, estruturaram um mercado interno
que deu sustentao ao crescimento populacional do Sudeste, particularmente da cidade do
Rio de Janeiro e a manuteno do trfico de escravos, com a produo e circulao de
produtos agrcolas usados na troca mercantil (farinha de mandioca, cachaa, fumo,
toucinho, charque, etc.) intercolonial e atlntica.
A expanso da fronteira fruto da ampliao desse mercado interno, levando
ocupao de novas reas, no Vale do Paraba, que acarretar o confronto de modos de
produzir a vida: da sociedade escravista com a dos Coroados.
Os conflitos e correrias que ocorreram ao longo do sculo XVIII e XIX, em vrios
locais do Vale do Paraba, envolvendo territrios das antigas Capitanias de So Paulo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro servem tambm como indicadores de reas dinmicas desse
mercado do Sudeste e mostram a expanso da fronteira interna da sociedade luso-brasileira,
como podemos observar no mapa. (Mapa 3)
O levantamento apresentado (Mapa 3) deve ser considerado um resultado bem parcial
, em cima da bibliografia e dos arquivos consultados para a dissertao, no pretendendo
ser exaustivo ou definitivo e sim um primeiro levantamento indicador de novas pesquisas
que devem ser feitas em todos os arquivos e bibliografias pertinentes.
O que foi levantado demonstra as dificuldades do avano da fronteira luso-brasileira
no interior do Vale do Paraba, no sculo XVIII, pela presena constante de sociedades
indgenas que resistem as investidas de diversas formas: ora fazendo correrias, ora
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aceitando o aldeamento imposto, ora recuando para a floresta, ora impondo o
despovoamento dos luso-brasileiros.
Por isso no podemos concordar com aqueles que acham o territrio como um fator
elstico, como se fosse um territrio vazio a ser ocupado.
As marcaes em crculos vermelhos no mapa so apenas ilustrativas da ocorrncia,
no sendo a localizao precisa do evento, dadas s dificuldades de reconstituir os locais
pelas indicaes imprecisas dos informantes.
A pesquisa se restringiu s sociedades Puris ou Purus, Coroados, Arari ou Ararizes e
Caxaxenes ou Caxixunes, que viviam ao longo do Rio Paraba.
Apesar do mapeamento se restringir ao sculo XVIII, principalmente a segunda
metade do sculo, e somente com sociedades Puri e Coroado, o resultado aponta para as
reas onde houve crescimento das atividades econmicas, nos ltimos 30 anos daquele
sculo: ao longo dos Caminhos para Minas, no Caminho Novo de So Paulo e na Regio de
Campos.
Podemos reforar essa argumentao observando a repartio territorial, atravs da
distribuio de sesmarias, que ocorreu no entorno dos Caminhos para Minas (Mapa 4), no
qual verificamos dois perodos distintos:
1. Logo que os caminhos so abertos, no primeiro quartel do sculo, so
solicitadas sesmarias pelos seus construtores (Garcia Rodrigues Paes, seus
familiares e conhecidos; Bernardo Proena e seus apoiadores) que ocupam
algumas reas efetivamente, mas deixando grandes vazios. Essas reas serviram
de apoio aos que comercializavam com as Minas Gerais, produzindo gneros
para o abastecimento da regio mineira e principalmente de apoio aos tropeiros.
E interessante observar que Garcia Paes ter conflitos com os Puris no s
35
quando fixa sua residncia nas margens do Paraba, mas no processo de
construo da picada em direo ao Rio de Janeiro. A regio do Registro do
Paraba durante o sculo XVIII foi constantemente fustigada.
2. No final do sculo XVIII e incio do seguinte ocorrem novas reparties de
sesmarias, indicando novo impulso na rea, no mais pela minerao, mas sim
pelo dinamismo do mercado interno, principalmente nas Freguesias de Sacra
Famlia do Tingu e Conceio do Alferes. Novamente veremos uma
correspondncia com o aumento de correrias, nesta regio no final da dcada de
80, nos anos 90 (comparar com o Mapa 3).
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Mapa 3 Anexo Relao de conflitos e correrias com sociedades indgenas Puris e Coroados.
N ANO EVENTO FONTE 1 1768 Entrada na Serra da Mantiqueira para conquista Reis, Paulo Pereira. O In dos ndios bravos (Puris) dgena no Vale do Para- ba. p.96 2 1770 Entrada na Serra da Mantiqueira para conquista Reis, Paulo Pereira. O In dos ndios bravos (Puris) dgena no Vale do Parai- ba. p.97 3 1771 Entrada na Serra da Mantiqueira para conquista Reis, Paulo Pereira. O In ndios bravos (Puris) dgena no Vale do Parai- ba. p.97 4 1771 Entrada na Serra da Mantiqueira para conquista Reis, Paulo Pereira. O In dos ndios bravos (Puris) dgena no Vale do Parai- ba. p.99 5 1772 Ataque dos Puris para furto das roas de Bento Reis, Paulo Pereira. O In Francisco Simes e diligncias punitivas do Al- dgena no Vale do Parai- Feres Manuel da Silva Caldas. ba. p.100 6 1792 Assaltos dos ndios bravos a Aldeia de So Luiz Silva, Joaquim Norberto Beltro, vindos de Minas Gerais. Instalao de de Souza. Memria His Patrulha na regio para dar combate as correrias torica ... de ndios.p.501/ dos ndios bravos. 502. 7 1791 Entrada do Capito Henrique V.L.Magalhes con- Silva, Joaquim Norberto tra o cacique Mariquita (Puri) que causava desasso de Souza. Memria His cego na Aldeia de So Luiz Beltro. Morte de Fran trica ... de ndios.p.500/ cisco Dias, na paragem chamada Joo Congo por 501. flechada. 8 1775 Temor de ataques de ndios Puris na roa prxima Reis, Paulo Pereira. O In ao Rio Bananal de Jos Correia Leme Marzago. dgena noVale do Paraba. p.100 9 1789 Ataques as fazendas do lado setentrional do Paraba Souza, Luiz de Vasconce- levando ao abandono delas, na regio da freguesia los e. RIHGB n.14. pp.37 N.S.Conceio de Campo Alegre(ndios Puris). e 38. 10 1775 Solicitao da reduo do gentio bravo da barra do Reis, Paulo Pereira. O In Rio Bananal at o Ribeiro chamado Barra Mansa dgena noVale do Paraba. p.100 11 1798 Ataques de ndios Ararizes e Caxaxenes as fazendas Biblioteca Nacional. Se- do outro lado do Rio Paraba, particularmente a do o de Manuscritos. C- Capito Mathias da Silva Carvalho e morte de um dice 7,4,45 n.4. soldado. 12/13 1788 Correrias dos ndios nas Freguesias de Sacra Fam Arquivo Nacional. Fam lia do Tingu e Conceio do Alferes. lia Werneck. Fundo Py microfilme 003/91, nota- o 2.1.
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N ANO EVENTO FONTE 14 incio sc.XVIII Confrontos entre Puris e bandeirantes ligados Pierre.Arnaud. Os no Garcia Paes que construa o Caminho Novo vos smbolos de Pa para Minas Gerais. raba do Sul. RIHGPS maio 1996, pp.14-15 15/16 1796 Roubos e mortes nas Fazendas da Varge, Rio Biblioteca Nacional. Peixe e So Mateus, na Capitania de Minas, por Seo de Manuscritos ndios Puris e Coroados. Cdice 7,4,5 n.1. 17/18 1796 Roubos e mortes nas Fazendas Parahiba e Fari- Biblioteca Nacional. nha, dos ndios Puris e Coroados. Seo de Manuscritos Cdice 7,4,5 n.1. 19 1789 Purus(Puris) do Rio Muriah flecharam de mor Arquivo do Convento te um preto Cipriano. de S.Sebastio. Mem ria de So Fidelis. pp.36-37 20 1791 ndios armados de flecha para recuperar uma Arquivo do Convento menina dada para criar pelos capuchinhos que de S.Sebastio. Mem a enviou para Vila de S.Salvador(Campos). ria de So Fidelis. pp.59-60.
55
Mapa 4
40
Ao longo dos sculos XVIII/XIX, os Coroados sofreram um cerco cada vez maior, em
decorrncia desse processo, que resultou em sucessivas reas de confinamento, que podem
ser acompanhadas pela consolidao das vias de circulao e de povoamento entre as
Capitanias do Rio e suas vizinhas (Mapas 5, 6 e 7).
O cerco aos Coroados vai resultar tambm numa poltica de estmulo aos
aldeamentos nestas regies visando reduzir ou controlar os conflitos e diminuir a
mobilidade indgena para poder liberar terras para os luso-brasileiros. Os aldeamentos de
Queluz (1801, SP), So Luiz Beltro (1788, RJ), Valena (1801, RJ), So Fidelis (1781,
RJ) e So Manuel do Rio Pomba (1770, MG) esto dentro desse contexto.
O aldeamento de Valena fruto dessa conjuntura e nele os luso-brasileiros vo
tentar fixar os ndios que passaram a Histria com a denominao genrica de Coroados.