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O Jardim da Luz

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® Lu Mounier 2010 

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"Nós dominaremos o mundo". Otto von Bismarck - 1863

"Deus nos criou para civilizar o mundo. Morte a todos que resistirem a minha vontade."  Kaiser Wilhelm II - 1914

"Meu lema é destruir a qualquer custo. O Nacional Socialismo mudará o mundo."  AdolfHitler - 1933

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SUM RIO

O Autor.........................................05Sinopse.........................................06Capitulo 22.....................................08Capitulo 23.....................................15Capitulo 24.....................................21Capitulo 25.....................................30Capitulo 26.....................................34Capitulo 27.....................................39Capitulo 28.....................................46Capitulo 29.....................................52Capitulo 30.....................................56Capitulo 31.....................................60Capitulo 32.....................................65Capitulo 33.....................................70Capitulo 34.....................................77Capitulo 35.....................................81Capitulo 36.....................................85Capitulo 37.....................................90Capitulo 38.....................................96Capitulo 39....................................101Capitulo 40....................................107Capitulo 41....................................111Capitulo 42....................................114Capitulo 43....................................122Capitulo 44....................................125Capitulo 45....................................129Capitulo 46....................................134Capitulo 47....................................141Capitulo 48....................................146Capitulo 49....................................152Capitulo 50....................................156Capitulo 51....................................161Capitulo 52....................................164Capitulo 53....................................171Capitulo 54....................................182Consideracoes finais...........................188Bibliografia...................................189

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O AUTORCom apenas 24 anos de idade ele já conquistou mais de 100 mil leitores, tornando-se o

autor de e-livros mais lido da internet. Luiz Renato é Lu Mounier. Nascido na cidade de SãoPaulo em novembro de 1985, começou a escrever já nos tempos de escola, onde se interessou pelo teatro, passando a escrever peças num misto de imaginação com a realidade do seu dia adia.

Desde suas primeiras peças teatrais, até os dias atuais, Lu Mounier  já conta com dezlivros escritos, todos divulgados na forma de e-books. Aquilo que começou como uma diversãoentre amigos tornou-se algo muito maior, atingindo a faixa de 100 mil leitores.

Sua intenção é democratizar a leitura, por isso se preocupa em ser direto e simples.Escreve para aqueles que gostam de ler, e se inspira na realidade em que vivemos, relatos deamigos e até mesmo em histórias próprias, como no livro @mor.com.br .

Lu Mounier  já abordou temas atuais como Emo, AIDS, primeira transa, SegundaGuerra Mundial, Prostituição, Pedofilia, Primeiro emprego, entre outros. Em uma linguagemsimples, atinge públicos de diversas idades e níveis literários.

Até o momento disponibilizou nove títulos: @mor.com.br ;  A marca de batom; Umestranho dentro de mim; Quase Levy um fora;  Prazer em conhecer ;  Eles perguntam, eleresponde; O que olhos não veem, coração também sente; Profissão Amante e O Jardim da Luz. 

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SINOPSEExistem aqueles que acreditam em Destino, porém, acreditam também que um ser

autoritário, frustrado e de ideais fantasiosos pôde ser capaz de interferir nos destino demilhões de pessoas? Dá para acreditar que esse mesmo ditador mudou a História e o cursodo mundo pra sempre? Isso realmente aconteceu, porém, existiram aqueles que lutaramcontra, e um deles chamava-se Hans Fischer.

Com o apoio de seu avô, Hans decide enfrentar uma nação e ir em busca de seuamor, um jovem judeu que partiu para Lodz, cidade polonesa, ao encontro de seus pais. Achama do amor se mantém acesa, aumentando ainda mais naquele tão sonhado reencontro.

O que Hans e Eliezer não sabem é que o sofrimento está apenas começando, masindependente disso, o amor fala mais alto, e juntos lutarão pelo único direito que possuem,o de Amar.

A segunda parte do livro abordará não somente um romance, mas também aarquitetura de um ideal que pretendia reinar por mil anos. A partir de agora, os dois personagens levarão os leitores a conhecer o outro lado da história. Através de Hans eEliezer os leitores entrarão na história, adentrando nos Guetos e Campos de concentração, passando por momentos de sofrimento, tortura e coragem.

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"E aconteceu que, quando o Faraó deixou ir o povo, Deus não os levou pelocaminho da terra dos filisteus, que estava mais perto; Mas Deus fez o povo rodear pelocaminho do deserto..."  Êxodo 13.

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Capitulo 22

Vovo costumava dizer que a Esperança deveria ser a última a morrer, eque enquanto houvesse esperança, haveria vida. Se era verdade ou não pouco importava, porém, a única alternativa que me restava era acreditar que um dia eu voltaria a reencontraro grande amor da minha vida e podermos viver em paz. Enquanto eu estivesse vivo, lutaria para manter acesa a chama do meu amor.-Hans... - Interrompeu-me mamãe adentrando em meu quarto.-Ja?-Recebi uma carta de papai!-O que aconteceu com o vovô? - Perguntei assustado.-Nada. Disse que ele e mamãe estão sentindo-se muito sozinhos e virão passar um tempoconosco, já que também estamos praticamente sozinhos.-Que legal! Quando chegam?-Na próxima semana.

Sentei-me à mesa da cozinha. Ao ligar o rádio, o ministro da propaganda  JosephGoebbels falava a nação alemã de dentro do estúdio fortemente protegido, informando quea Alemanha invadira a Polônia. A notícia abalou o mundo.

 No dia 1º de setembro de 1939, sem aviso as forças alemãs cruzaram a fronteira polonesa.

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Da sacada do escritório da chancelaria, Adolf Hitler falou ao povo:

"Faremos o nosso dever."

Dois dias após a invasão da Polônia, França e Grã-Bretanha declaram guerra aAlemanha.

 Na Grã-Bretanha, eis que o primeiro ministro anunciara a seu povo:

" Estou falando para vocês do gabinete número 10 da Rua Downing. Esta manhã oembaixador britânico em Berlim entregou ao governo alemão uma nota final declarandoque, a menos que ele respondesse até às 11h00 da manhã que estavam preparados pararetirar seus soldados de Berlim, haveria um estado de guerra entre nós. Preciso lhes dizeragora que tal garantia não foi recebida e que, consequentemente este país está em guerracom a Alemanha". Chamberlain

Havia combates por todas as ruas da Polônia, em Danzig. A fronteira entre Polônia eAlemanha desapareceu, enquanto os poloneses resistiam e enfrentavam uma barreira de 32quilômetros de aço e poder de fogo com sua antiquada cavalaria. Hitler vai até a frente decombate observar o massacre em  Poznan. Em três semanas, a nação polonesa estavareduzida a cinzas, sem resistência.

Embora França e Grã-Bretanha tomassem a iniciativa de ajudar o país atacado,havia pouco que pudessem fazer.

Cerca de trinta minutos após a invasão nazista, os aviões da  Luftwaffe  sobrevoaram a Polônia,destruindo sua força aérea. A maioria surpreendida ainda no chão, e os aviões que conseguiram decolar se

viram em minoria, sendo logo abatidos.Os alemães possuíam cinco mil tanques super modernos, enquanto a Polônia dispunha de

aproximadamente 600 comuns. A Luftwaffe possuía seis mil aviões modernos, e a Polônia, menos de mil emmodelo inferior.

As esquadrilhas nazistas invadiram a Polônia destruindo estradas, comunicações, estações de rádio,usinas elétricas, pontes e ferrovias. O exército polonês encontrou-se desorganizado com a perda de sua forçaaérea e sem comunicação. Em terra, os nazistas avançavam. Durante vinte dias de morte e horror, cadahomem, mulher e criança lutou para salvar o país. Mas sem comida e água, a resistência acabou.

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Esperei o bonde passar para poder atravessar a rua. Caminhei pela calçada por doisquarteirões, até o prédio onde Stephan morava. Naquele momento ventava forte, fazendo-me bater o queixo involuntariamente.

Abri lentamente a porta do edifício, tomando cuidado para não ser visto por quem passava por ali. Subi a escada até o primeiro andar, procurando nas portas dos apartamentoso número 202. Ao chegar no segundo andar, encontrei. Meu coração acelerou. Minha pernadireita tremia como nunca. Respirei fundo, tomei coragem e bati três vezes à porta. Poucotempo depois ela foi se abrindo lentamente, até a distância de um palmo.

Um olhar curioso revelou-se por trás daquele pequeno espaço entre a porta e o batente.-Pois não? - Questionou uma senhora curiosa.-Hallo!... Poderia falar com Stephan?-Quem é você?-Fischer... Hans Fischer.-Fischer?...-Ja... Sou irmão de Patrick Fischer, o melhor amigo de Stephan.-Ah sim! Entre, por favor... - Pediu esboçando um leve sorriso abrindo a porta.-Com licença, senhora...?-Heiselmann, Marta Heiselmann.-Ah sim!-Sente-se, por favor. - Falou enquanto girava a chave.-Danke! Mas preciso ser breve.-Ora, por favor, não recuse um convite de uma velha senhora solitária. - Riu.-Tudo bem, não recusarei.-Pelo menos essa tarde não tomarei chá sozinha. Vou lhe servir uns biscoitos amanteigadosque eu mesma preparei.

-Danke!Enquanto aguardava aquela simpática e generosa senhora buscar o chá na cozinha,

 permaneci sentado naquela velha poltrona de couro escuro e gasto. Silêncio. O pêndulo docuco ia e vinha num rítimo constante. Na parede recoberta por papel com desenhos floraishavia um retrato de um senhor, provavelmente o esposo da senhora Heiselmann,emoldurado em um quadro dourado e prata.-Aqui está! - Exclamou ela portando uma bandeja nas mãos.-Hum... Minha barriga já respondeu só de sentir o cheiro do seu chá... Maçã?-Ja! Gosta?-Muito!-Vou lhe servir então...

-Ta bom.Enquanto servia-me seu chá de maçã, ela comentava:

-Eu não sabia que você também era amigo de Stephan...-Bem... Na verdade não sou.-Não?-Não.-Então...?

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-O que acontece é que pedi um favor a Stephan, e ainda não obtive resposta. Sendo assim,resolvi saber o que aconteceu...-Favor? Que tipo de favor? - Perguntou levando um biscoito a boca.-Ele não comentou nada com a senhora?-Não... Na verdade, já faz alguns dias que não o vejo.-Mas ele não mora aqui?-Sim, mora...-Então?-Humpf... Stephan vem apresentando um comportamento muito estranho.  - Lamentourepousando sua xícara ao pires.-Comportamento estranho?-Ja. Stephan está cada vez mais agressivo, rebelde...-Bem, desde que o conheço, ele sempre foi assim. - Comentei antes de dar um gole no chá.-Não!... Stephan era um rapaz doce, carinhoso, estudioso.-Então o que explica ele ser atualmente tão malvado quanto um SS?

Levantando-se do sofá, ela esclareceu:-Após a morte de meu marido, Stephan ficou muito abalado, pois era muito apegado ao pai. Para que não se sentisse muito sozinho e aconselhada pelo meu cunhado, acabei ocolocando na Hitlerjugend¹... Stephan nunca mais foi o mesmo.-Senhora Heiselmann...-Marta.-Como?-Pode me chamar apenas de Marta!-Bem... Marta, minha mãe também está muito decepcionada com o comportamento de Patrick... Essa perseguição aos judeus...-Perseguição? O Patrick também está envolvido nessa paranóia?

-Ja.-Gott! - Exclamou sentando-se ao sofá. -Patrick foi capaz de denunciar a família de um amigo meu ao governo. Consequentementeeles foram expulsos da Alemanha.-Humpf... Você acha que Stephan tem participação nisso?-Não sei, mas quando precisei de sua ajuda ele concordou em meu ajudar. Claro que não saiu de graça.-Seja mais claro?

1. Hitlerjugend:  Juventude Hitlerista. Tratava-se de uma instituição governamental da qual os jovens,crianças e adolescentes de ambos os sexos entre 6 e 18 anos eram obrigados a participar. Criada pelo Estadoentre 1922 e 1945, começou como um pequeno movimento, e a partir de 1936 com o alistamento obrigatório,cerca de 3,6 milhões de membros foram recrutados. Em 1938, os números alcançavam 7,7 milhões, e em1939, já no período pré-guerra, decretou-se recrutamento geral.

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-Dona Marta... Eu preciso ajudar meu amigo Eliezer a sair da Europa, mas para issonecessitamos de um passaporte falso, porque ele é judeu.-E o que Stephan tem a ver com isso?-Stephan possui conhecidos que falsificam documentos perfeitamente, então pedi sua ajudaem troca do único bem valioso que eu possuía... 

Assustada, dona Marta levou sua mão à boca ao mesmo tempo em que esbugalhouos olhos.-Como eu posso ajudá-lo, Hans?-Perdão...?-Quero saber como eu posso ajudar você e seu amigo.-A senhora?-Ja.-Bem... Confesso que fui pego de surpresa...-Nunca concordei com essa perseguição a judeus...-Algum motivo em especial?-Um dia eu lhe conto, quem sabe!-Desculpe.-Vai aceitar minha ajuda?-Claro!... Mas, quanto irá me custar?-Encare isso como um pedido de desculpa pelo que Stephan fez contra seu amigo ajudando seu irmão.-Danke!  - Agradeci com um enorme sorriso. - Stephan disse que ainda essa semana odocumento estaria pronto, sendo assim, gostaria de poder buscar meu amigo e trazê-lo para Berlim. Seriam poucos dias de espera até que os documentos estejam em nossasmãos.-Entendo...

-A senhora sabe onde ele poderia ficar?-Ja. O apartamento de minha irmã está vazio, pois ela está na Suíça...

Levantando-se do sofá, deu uma volta pelo sofá e continuou:-Tenho as chaves do apartamento... Vou emprestar a vocês!-Está falando sério? - Levantei-me.-Mas é claro que sim!-Dona Marta... Nem sei o que dizer...-Não se preocupe com isso! Mas por favor, não comente nada com ninguém. Nem com suamãe.-Será um segredo nosso!-Ja.

-Agora preciso ir, logo irá anoitecer e do jeito que as coisas estão...-Eu o acompanho até a porta.-Danke!-Hans...-Ja?-Sua mãe deve ter muito orgulho de você. - Comentou com os olhos cheios d’água. -Por que diz isso?

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-Seus olhos são o espelho de sua alma, Hans... Uma bondade de enriquecer o orgulho dequalquer mãe. -Não sou bonzinho, senhora Marta, sou apenas humano. Até mais ver.-Até!

Coloquei meu chapéu na cabeça e deixei seu prédio. Meu peito encheu defelicidade, pois eu já poderia trazer o Eliezer novamente pra perto de mim, e assim queestivesse com seu novo passaporte em mãos, embarcaríamos para o Brasil para nunca maisvoltar.

O governo suíço havia pedido aos alemães para carimbarem a letra J em todos os passaportes judeus. Não demorou muito para que os britânicos também adotassem tal procedimento, pedindo aos iugoslavos para fazerem o mesmo. Essa medida foi adotada afim de impedir que os refugiados prosseguissem para a Palestina.

Em maio de 1939, mais de 900 refugiados seguiram a caminho de Cuba, ondetiveram sua entrada negada. Ao serem recusados também nos EUA e na América Latina,não tiveram outra alternativa se não voltar para a Europa.

Durante os dez primeiros anos de Alemanha Nazista, havia mais de 400 mil vagasnão preenchidas nas cotas de imigração dos EUA. Cada lugar não preenchido era umasentença de morte para um judeu europeu. Entre os poucos sortudos que conseguiramdeixar a Europa e se refugiarem em outros países estava  Albert Einstein. 

Os britânicos não confiavam nos russos, e os poloneses não permitiriam que um único soldadosoviético entrasse no país. Não conseguindo um acordo com o ocidente, Stalin decidiu unir-se ao inimigo, eno dia 23 de agosto de 1939 foi assinando o pacto germano-soviético. O acordo envolvendo Alemanha eRússia os comprometem a não atacar uma a outra, mantendo-se neutras se uma delas for atacada por terceiros.Mais tarde tornaria-se pública uma cláusula secreta prevendo a eliminação de alguns países, como a Polônia,

 por exemplo.

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Cheguei em casa e segui direto para meu quarto. Ao abrir a porta, sobre minha camaavistei um belo traje de gala.-Hans!  - Exclamou mamãe ao me ver. - Trate de se apressar. Vá se lavar e se vista para sairmos.-Sairmos?-Ja!

Inferno! Provavelmente iríamos para algum evento especial, a tirar pelo seu luxuosovestido, cujo estava impecável.-Mutter... Não me diga que será mais um jantar político de papai?-Acertou! - Confirmou aparentemente furiosa.-Gott!... Diga que adoeci e não poderei estar presente. - Pedi deitando-me à cama. -Não!

 Nesse momento Patrick apareceu trajado com sua farda Gestapo, dizendo-me comseu olhar sarcástico e tom debochado:-Ainda não está pronto para o jantar do Führer, fedelho?-Jantar do Führer!? - Levantei-me assustado.-Ja, Hans... Seu pai e família foram convidados para jantar com o Führer...-Mas Mutter...-Nem pense em recusar, fedelho...

Encostando a porta, mamãe pediu-me encarecidamente:-Hans, pelo amor de Deus, não desaponte seu pai. Vista-se para esse jantar...-Não to a fim, Mutter...-Por mim!

Levei um tempo para pensar. Relutei contra minha vontade, porém, olhando osolhos de mamãe ao pedir daquela maneira, não resisti e acabei cedendo.-Humpf... Está bem.

Seguido de um suspiro, ela agradeceu aliviada:-Obrigada, filho!

Fechei a porta do quarto e permaneci por alguns minutos em silêncio, olhando paraaquele fraque sobre minha cama. Enquanto isso, a Alemanha e o mundo continuavam suarotina.

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Capitulo 23

Ajeitando meu traje, adentrei a sala dizendo:

-Estou pronto, Mutter.Todos já aguardavam por mim.-Então vamos. O carro já nos espera. - Comentou papai pegando seu casaco.

Entramos em um carro preto que já nos aguardava. Durante todo o caminho fomosescoltados por soldados SS, caminho esse que parecia não ter fim.-O jantar não é com o Führer? - Perguntei a mamãe.-Ja.-Mas esse não é o caminho da chancelaria... Ainda estamos em Berlim?-Não sei... Filho, por favor, não questione, apenas espere.-Humpft... Ja.

Deixei de querer entender onde estávamos indo e acabei viajando em meus pensamentos, ansioso para poder colocar em prática meu plano de fuga, e claro, rever ogrande amor da minha vida.-Chegamos! - Disse o motorista.

Chegamos em um lugar montanhoso, ao que parecia ser um chalé. Mais tarde eudescobriria que tratava-se de  Berghof , a casa de campo de Adolf Hitler. Construído pelo próprio Adolf Hitler, o chalé alpino com vista para a montanha conhecida como Undesberg  tratava-se de seu esconderijo. Uma linda mansão que aspirava ser um castelo, com umaenorme janela de 32m², a maior janela retrátil do mundo.

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Era em  Berghof   que o  Führer   recebia oficiais de alta patente em particular,refugiava-se dos problemas.

Percebi que o jantar não era exclusivamente para nossa família, mas sim para algunsoutros oficiais também, como Joseph Goebbels, do qual havia chego antes de nós. Himmlerfoi anunciado logo em seguida.-Pensei que fosse um jantar, e não uma festa. - Sussurrei para mamãe.-Hans, contenha-se. - Respondeu apertando meu braço.-Mutter! A Europa está em guerra, enquanto o Führer festeja!-Também estou indignada, mas nosso protesto não mudará a situação...-Humpf...

O ambiente parecia alegre, música ao fundo, um verdadeiro contraste com asituação em que a Europa se encontrava.

Após subirmos um considerável lance de escadas, eis que o Führer  veio nos receber.-Heil mein Führer ¹ ! - Disse papai com sua mão estendida em direção ao Führer.

A saudação romana, na qual Hitler se baseaou, já eram utilizadas na coroação de reisalemães antigos. Ela exigia que o braço direito fosse levantado em um ângulo aproximadode 45 graus na horizontal. Em multidões, onde o espaço era limitado, os braços eramerguidos a 90 graus.

Mamãe e eu, claro, não ficamos de fora. Tivemos que cumprimentá-lo da mesmaforma, saudando o homem da Alemanha como se fosse o único Deus do universo.

Calado, Adolf Hitler nos olhou e respondeu com um singelo gesto balançando acabeça. Ao seu lado estava Eva Braun, que exibindo um espontâneo sorriso saudou.-Sejam bem vindos!... Eva Braun. - Apresentou-se a mamãe.-Encantada! Gisela Fischer.-Linda estola, senhora Fischer.-Obrigada.

Eva Braun era uma bela mulher da cabeça aos pés. Olhos azuis, estatura mediana.Seus cabelos louros escuros emolduravam seu rosto arredondado de traços delicados.

Eva e Hitler se conheceram no início dos anos de 1930, porém, apenas seus amigosmais íntimos sabiam do relacionamento. Poucas pessoas conheciam sua estranha fascinação por mulheres. Por sua causa, três haviam tentado cometer o suicídio.

Eva e Hitler se conheceram no início dos anos de 1930, porém, apenas seus amigos mais íntimos

sabiam do relacionamento. Ex-recepcionista de uma loja de fotografia administrada pelo fotógrafo de Hitler,Heinrich Hoffmann, Eva passou a ser vista nas recepções particulares de Hitler em seu refúgio nas montanhas.Sua presença tornou-se cada vez mais frequente. Quando jovem Eva esteve num instituto feminino emBernau. Após sua tentativa de suicídio, Hitler a colocou sob sua proteção em 1932, e com ela veio sua irmãGretel. Eva foi vista com Hitler pela primeira vez na casa dele em Munique, em seguida no refúgio deBerchtesgaden quando este foi construído.

1. Heil mein Führer: Salve, meu líder - Quando endereçada ao próprio Hitler.

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Entramos em Berghof. A casa era linda, enorme. Uma janela gigantesca na sala davaa impressão de uma pintura emoldurada em vidro das montanhas bávaras, tema preferido deHitler. Durante o dia a paisagem deveria ser de encher os olhos e a alma.

Transformado em uma segunda chancelaria por Marin Bormann, guarda-costas de

Hitler, Berghof recebeu pessoas famosas como o duque e a duquesa de Windsor, Mussolini,entre vários outros.

Durante o jantar sentei-me ao lado de mamãe à mesa. Aqueles assuntos políticosdavam-me náusea, e mal havíamos chego eu já estava querendo partir.-A invasão da Polônia foi um sucesso! - Comentou Patrick.-O Führer sabe o que é melhor para nós... - Falou Himmler.-Claro, o Führer tem sempre razão. - Concordou Greta erguendo sua taça de vinho.-Acha que a Hitlerjugend teve sua parcela de contribuição nisso, meu Führer?  - Perguntou papai.-Certamente! Ao educar a geração jovem com as premissas da direita, o Estado do Povoterá que ver que uma geração da humanidade está formada e será adequada para este

combate supremo que decidirá os destinos do mundo. No ano de 1936, Hitler unificou as organizações de jovens, anunciando que todos os

 jovens alemães deveriam se alistar nos  Jungvolk ¹  aos 10 anos de idade, podendo sertreinados em atividades extracurriculares, das quais incluíam a prática de esportes eacampamentos, além de uma doutrinação ao nazismo. Aos 14 anos de idade os jovensdeveriam entrar na  Juventude Hitlerista, sujeitando-se a uma disciplina semi militar, bemcomo às atividades externas e à propaganda nazista. Paralelamente a ela havia a  Liga das Jovens Alemãs, onde as moças aprendiam os deveres da maternidade e os afazeresdomésticos, e como os garotos, aprendiam os verdadeiros objetivos do nazismo, bem comoo que fazer para alcançá-lo. Aos 18 anos de idade os jovens deveriam alistar-se nas forçasarmadas ou nas forças de trabalho. Um dos jovens participantes da  Hitlerjugend  foi Joseph

 Alois Ratzinger , conhecido atualmente como Papa Bento XVI.Repousando seus talheres ao prato, mamãe questionou:

-Acha justo mandar para a guerra jovens que mal começaram a viver, meu Führer? O sofrimento dessas mães que vêem seus filhos partirem na incerteza de voltarem vivos!... Acha que todos concordam com seus ideais?

 Nesse momento papai engoliu a seco, com os olhos esbugalhados parecendo nãoacreditar no que ouviu.

1. Jungvolk: povo jovem, jovem camarada.

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Com um olhar fuzilante, Hitler olhou para mamãe e respondeu:-Senhora F ischer... Quando um oponente declara: “Não vou ficar do seu lado”, eucalmamente digo: “Seu filho já pertence a nós... O que é você? Você vai morrer, seus

descendentes, no entanto, agora ocupam o novo campo”. Em pouco tempo eles não

conhecerão nada além desta nova comunidade.-Não acha isso uma crueldade com esses garotos? - Insistiu mamãe.-A natureza é cruel... Então também estamos destinados a ser cruéis. Ao enviar a flor da juventude alemã para a chuva de metais da guerra sem o menor remorso pelo precioso sangue deles que está sendo derramado, eu deveria ter o direito de eliminar milhões deuma raça inferior que se multiplica como vermes.

Silêncio na mesa.-Uma nação cujas famílias têm, em média, quatro filhos pode se dar ao luxo de ir à guerrade 20 em 20 anos. Mesmo que morram dois dos filhos, restarão os outros dois para perpetuar a raça... O importante é que estamos no caminho certo. - Completou Himmlertentando desviar o assunto. - Em breve, estaremos livres de todo o lixo que infecta ahumanidade, incluindo os judeus.

 Não contente em ficar calado, Patrick teve que soltar um infeliz comentário:-Hans é amigo dos judeus.

Imediatamente o Führer olhou e questionou com um tom de voz firme:-Isso é verdade, Hans?-Bem... Eu...-Hans tinha um amigo judeu quando criança, felizmente ele e sua família já foram expulsosda Alemanha! - Interrompeu papai, tentando consertar a idiotice do meu irmão.

Mamãe soltou um profundo suspiro de alívio. Embora não tenha feito outrosquestionamentos, Hitler pareceu não ter engolido aquela desculpa, ainda observando-me por um bom tempo durante o jantar.

-Muito em breve solucionaremos o problema chamado JUDEUS. - Falou Himmler.-O Holocausto é a solução definitiva para os judeus. - Completou Adolf Hitler.

A palavra "holocausto" quer dizer "Cremação", originando-se devido a sacrifícios erituais religiosos da Antiguidade, em que animais, vegetais e seres humanos eramoferecidos às divindades, onde eram completamente queimados durante o ritual.

Já no século XIX a palavra "holocausto" passou a ser sinônimo de grandesmassacres e catástrofes. Na Segunda Guerra Mundial o termo Holocausto (com inicialmaiúscula) passou a ser utilizado especificamente para referir-se ao extermínio de milhõesde pessoas politicamente indesejadas pelo regime Nazista. Entre eles estavam militantescomunistas, ciganos, judeus, homossexuais, eslavos, deficientes mentais e motores, prisioneiros de guerra soviéticos, membros da elite intelectual polaca, russa e de outros

 países do Leste Europeu, testemunhas de Jeová. No decorrer do julgamento dos responsáveis pelo extermínio nazista, o termo

Holocausto passou a ser adotado para referir-se somente ao massacre dos judeus peloregime.

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Após o jantar, já estávamos todos no carro quando mamãe comentou:-Nunca imaginei o Führer casado...-Por que, Mutter? - Perguntei.-Esse homem é muito estranho...-O próprio Demônio a senhora quer dizer. - Completei. 

Por anos, o comportamento de Adolf Hitler quanto às mulheres foi questionado,levantando inclusive a suspeita de que ele fosse homossexual. Na verdade ele não era. Aesposa do assistente pessoal do Führer, Frau Schaub, esclareceu os rumores quanto à vidaamorosa do Senhor da Alemanha. Afinal, existiu um Hitler galanteador.

"Os boatos de que Hitler não era normal com mulheres são falsos. Como esposa deum homem que foi seu assistente durante 20 anos houve várias ocasiões onde pudeobservá-lo em particular, como também na companhia de mulheres. Posso lhe assegurarque com certeza era um homem normal. Adorava mulheres e adorava estar na presença dabeleza feminina. Sei tudo sobre o seu relacionamento com Eva Braun de 1931 até o fim.Também sei sobre muitos outros casos amorosos".

Chegamos em casa no início da madrugada. Ao descermos do carro, avistamos umoutro veículo da Gestapo parado em frente ao nosso prédio. Curioso para saber o queacontecia, Patrick entrou correndo. Minhas pernas tremeram, e mamãe, como sempre, preocupada com nossa família.

Subimos correndo em direção ao nosso apartamento, e quando estávamos na metadeda escada, quatro soldados passaram por nós muito apressados. Paramos.

Segurando minha mão, mamãe disse:-Psiu!... Espere...

Ouviamos gritos. Soldados armados passaram por nós, arrastando brutalmente a

senhora Elfriede e sua família.-Por favor, vocês estão me machucando!... Soltem - me! - Pedia ela.-Mamãe... Mamãe! - Gritava sua pequena filha de quatro anos.-Gisela, por favor, me ajude...

O olhar com o qual ela implorava ajuda falou por si só, descrevendo com todos osdetalhes a dor e o sofrimento de ter sua família rasgada como um pedaço de papel. Tivevontade de chorar com ela, com sua filha que mal chegara ao mundo e sofrera como gentegrande.-Mas o que está acontecendo? - Perguntou mamãe desesperada.-Estão nos tirando de casa... Somos cidadãos alemães! - Respondeu a senhora Lauris.-Cala essa boca! - Gritou um Gestapo seguindo de um tapa em sua face.

-Mamãe! Mamãe!Ao vê-la cair pelas escadas seu marido ficou furioso, tentando desesperadamente

ajudá-la, mas sob a mira de um fuzil teve que se acalmar para não morrer. Com o supercíliosangrando ela tentava se levantar, e comovida, mamãe tentou ajudar.

Lembro-me como se fosse hoje dos gritos desesperados daquela pobre criança quenada tinha a ver.-Mutter, não se envolva nisso. - Repreendeu Patrick tirando-a de perto de Elfriede.

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Depois disso nada mais vimos, apenas os gritos e barulhos de pancadas até quefossem colocados dentro daquele carro todo vedado de vidros escuros. Pelo corredor do prédio e entre os degraus havia alguns pertences, peças de roupa e malas espalhados.

Após lacrar a porta daquela injustiçada família, caminhando em passos lentos umsoldado Gestapo olhou para nós e desejou com um leve sorriso:-Tenham uma boa noite!

Entramos em casa e mamãe correu para seu quarto. Eu não entendi o motivo peloqual a família Lauris foi levada daquela maneira de sua casa. Eles eram alemães,considerados arianos.

A dúvida persistiu até papai dizer enquanto tirava seu casaco calmamente:-Aos poucos vamos nos vendo livres de toda essa raça que contamina a Alemanha... Finalmente esses testemunhas de Jeová foram desinfetados de nosso prédio.

A perseguição a esse povo tinha razões políticas. Os Testemunhas de Jeovánegavam-se a dizer a saudação "Heil Hitler"   e não serviam ao exército por questõesreligiosas. Além disso, eles recusavam-se a jurarem lealdade ao Estado e muito menos aapoiarem Hitler. Pacifistas que não pegavam em armas, foram perseguidos e levados paracampos de concentração.

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Capitulo 24

No outro dia  acordei com a campainha tocando. Levantei assustado, pois acena que presenciamos na madrugada anterior deixou-me traumatizado.

Vestido apenas com uma ceroula, cobri-me com um roupão e segui até a sala. Ao

aproximar-me, apoiei o ouvido direito à porta questionando:-Quem é?-Hans? Sou eu, sua avó, querido!

Suspirei aliviado enquanto destrancava a porta.-Vovó! Vovô!-Hans! Como você está enorme! - Disse vovô adentrando a sala com uma enorme mala.-Eu disse a você, Peter... Eu falei que eles estavam dormindo. Não deveríamos ter chegotão cedo...

O engraçado era que vovô e vovó viviam em pé de guerra. Bastava ficarem juntos por alguns minutos e uma discussão nascia.

Assustada com o barulho, mamãe perguntou:-Mas o que aconteceu?... Mutter!-Gisela! Olha, eu disse ao seu pai que era muito cedo, mas você sabe como ele é teimoso, filha.-Não ligue para essa velha louca...-Calma, calma!...-Essa viagem me cansou! - Disse vovô jogando-se na poltrona do papai.-Mutter... A senhora não disse que chegaria dentro de alguns dias?

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-Ja! Mas seu pai, teimoso como sempre...-Humpf... Tudo bem, vou preparar algo para vocês comerem.-Hum... Estou mesmo com fome, filha!-Aguenta um pouquinho, papai.-Peter, fique quieto! Quer acordar a casa inteira?-Não... Oliver está em casa?-Está dormindo. - Respondi.-Graças a Deus! - Comemorou vovô.

 No final da tarde mamãe e vovó foram ao supermercado juntas, enquanto eu e vovôficamos em casa, pois Patrick e papai saíram logo após o café da manhã, para alegria dovovô.-Hans!? - Chamou-me ele batendo a porta do quarto.-Entre!-Olha o que eu trouxe para você!-Nossa! Aquelas balas azedas que eu adorava quando criança...-Você acha que eu me esqueci?

Demos um abraço.-Que tristeza é essa, meu filho? - Perguntou sentando-se a cama.-Tristeza?-Sim... Está murcho... Cadê aquele sorriso que vivia estampado no seu rosto.-Estou um pouco triste, vovô.-Por quê?-Essa madrugada, ao chegarmos em casa presenciamos uma cena muito feia. A Gestapoexpulsou a família Lauris de casa...-Humpf... Imagino como você deve estar se sentindo... -Estou muito preocupado com meu amigo.

-Que amigo?-O Eliezer.-O que houve com ele?-Não te contei que foi com sua família morar em Lodz?-Não me recordo de você ter me dito.-Sinto falta dele, vovô.-E por que não vá visitá-lo?-Pelo simples fato dele ser judeu.-Ele não pensa em fugir da Europa?-Até pensa, mas sem dinheiro...-Isso é o de menos, podemos dar um jeito.

-Podemos?-Claro!-Como?-De quanto vocês precisam para ir embora?-Bem... O suficiente para comprarmos os bilhetes de navio, comer...-Deixa comigo.

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Saber que vovô estava do meu lado encheu-me de esperanças novamente. O riscoaumentava cada dia que passava, na medida em que a guerra avançava. Fugir da Europatornava-se uma questão de vida ou morte para os judeus.

Já na sala, sobre a mesa de jantar vovô e eu iniciamos um jogo de xadrez.-Hans...-Hum?-Onde vocês estavam para chegar na calada da madrugada?-Ah... Fomos a um jantar.-Pelo horário mais pareceu uma festa!-Também! Na verdade nós fomos jantar em Berghof, a convite do Führer.-Do Führer?-Ja... Mas não gostei de conhecê-lo. Tenho certeza que o senhor também não iria gostar...-Eu já o conheço.-Já?-Uhum...-De onde o senhor o conhece, vovô?-Adolf e eu lutamos juntos na guerra de 1914...-Uau!

O assunto começou a me interessar. Eu sempre ouvia vovó comentando que vovôPeter estava esclerosado por ter lutado na guerra, mas nunca haviam tocado no assunto darelação com o Chanceler Alemão.-Ele foi um bom soldado, vovô?-Na verdade Hitler não era um combatente, mas sim um mensageiro.-Mensageiro?... Hitler lutou na guerra sendo um carteiro?-Ja!...  Adolf Hitler era responsável por levar mensagens de um ponto a outro da linha de frente do exército alemão. Essa era sua função.

-Conte-me mais, vovô... De onde ele vem?Por volta das seis e meia da tarde do dia 20 de abril de 1889, sob uma espessa

neblina que envolvia o povoado austríaco de  Braunau am inn, fronteira com a Alemanha,nascia o quarto filho da família Hitler. Com um aspecto saudável, o pequeno meninonascido sob o signo de Áries foi batizado na Igreja Católica com o nome de Adolf.

Adolf cresceu nessa pequena família de classe média alta, composta pelos seus pais,uma empregada, Angela e Alois (Filhos do casamento anterior de Alois Hitler e irmãosmais velhos de Adolf), Edmund e Paula. Alois era funcionário público, um homemtrabalhador e fumante compulsivo. Embora fosse ausente na educação dos filhos, tratava-osde forma severa, descarregando neles sua cólera por motivos mais ínfimos, em especial no pequeno Adolf, do qual era mais ríspido e exigente do que com os demais.

Os cuidados e atenção dos filhos daquele "doce lar" estavam nas mãos daempregada e da matriarca Klara, uma mulher de caráter dócil, atenciosa e educada. Comseu inflexível amor que dedicava aos filhos, Klara era o pólo oposto de Alois, direcionandoseu cuidado em especial ao pequeno Adolf. Em outras palavras, Adolf cresceu entre asfrequentes surras de seu pai e a proteção maternal de sua mãe. Sem dúvida, tudo issoinfluenciou no caráter daquele que seria o futuro  Führer   da Alemanha, um homemdesconfiado, de poucos amigos, afastado da realidade que o rodeava, mergulhado emfantasia e extremamente frio.

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Enquanto pensava na estratégia que utilizaria para avançar no tabuleiro e ganhar dovovô, questionei:-Mas vovô, se Hitler era austríaco, por que foi lutar no exército alemão?-Isso é uma longa história...-E o senhor irá me contar, né?-Claro!...

O falecimento de seu irmão Edmund em fevereiro do recém chegado século XXcaiu como uma bomba na vida dos Hitler. Klara ficou muito abalada pela quarta morte deum filho seu, ao mesmo tempo em que Alois viu sua "herança masculina" resumir-seapenas no jovem Adolf. A consequência disso foi a super proteção de sua mãe, sendo oúnico filho homem que lhe restara, já seu pai concentrou sua atenção no rapaz, naesperança de que ele atendesse as suas expectativas.

"Quando as crianças brincavam juntas, Adolf era sempre o líder. Os outros faziam oque ele mandava. Deviam saber que a vontade dele era mais forte que a deles. Papaiqueria que Adolf se tornasse funcionário do governo como ele próprio, mas meu irmão nãoconseguia se decidir. Não era do tipo de ficar sentado e portanto, como funcionário do governo, não ficaria à vontade". Paula Wolf  

As discussões entre Alois e Adolf aumentavam dia a dia na nova casa em  Linz,cidade considerada natal por Hitler. Contrariando sua vontade, Adolf foi matriculado em Realschule, um colégio de formação técnica, o que o afastava daquilo que ele julgava sersua vocação: ser artista. Seu desempenho medíocre no colégio começou a irritar Alois,tornando as brigas e bofetadas mais intensas e frequentes.-Hitler chegou a repetir de ano no colégio, vovô?-Ja... Três vezes.

-E por que o pai dele o matriculou em um colégio desse se não era seu desejo?-Porque Alois queria que seu filho seguisse seus passos, já que era o único filho homemque sobreviveu e levaria seu nome.-E como Adolf veio parar na Alemanha?

Adolf Hitler era um garoto magro e pálido, incapaz de se adaptar às disciplinas escolares. Era vistocomo obstinado, prepotente, fervoroso, dogmático. Politicamente repudiava a defesa da pátria austríaca, coisaque seu pai idolatrava e apoiava o "nacionalismo pangermanista" de Schönerer . Embora odiasse o colégio doqual foi praticamente obrigado a frequentar, aproveitou os ensinamentos de  Leonard Pötsch, professor deHistória, onde aprendeu a amar suas raízes germânicas e desenvolver o forte amor à pátria.

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Em janeiro de 1903, após longo período enfermo, Alois Hitler morreu. Para Adolf,não passou de uma bênção, pois agora ele teria completa liberdade de fazer o que sempredesejou. Convencer sua mãe a deixá-lo prosseguir com seus sonhos artísticos tornaria-semais fácil, abandonando definitivamente as aulas que, segundo ele, não lhe acrescentavamnada. Foram dois anos dedicando-se a fantasias, aos desenhos, ao teatro, e sobretudo àópera de Richard Wagner , da qual tornou-se fanático.

Em busca de seu sonho, Hitler persuadiu sua mãe, que muito doente deu-lhe inteiroapoio para ir à Viena. Sem nenhum tipo de preparação, mas levado pela segurança em simesmo, apresentou à prova requerida para ingressar na Academia de Artes. Como já era dese esperar, foi reprovado. Uma terrível decepção. Adolf jamais previra a reprovação comoopção, era algo inimaginável para ele. Depois disso, voltou a Linz para cuidar de sua mãe,que já se encontrava num estado agonizante, partindo naquele mesmo ano.

A morte de Klara deixou Hitler prostrado numa dor indescritível. Tal acontecimentoabalaria para sempre as estruturas emocionais do jovem, pois morrera a única pessoa queele amava verdadeiramente nesse mundo.

Carregando pacotes às mãos, mamãe questionou abrindo a porta da sala:-Demoramos?

Logo em seguida, vovó entrou comentando:-Hoje teremos um jantar especial!-Mas onde vocês foram?-Ao mercado, Vater... - Respondeu mamãe.-Mas que mercado longe!-Não exagere, seu velho ranzinza!...  Nós mulheres precisamos nos distrair, assim comovocês homens. - Falou vovó tirando suas luvas.-Distrair? Vocês mulheres só sabem fazer mexericos! Além de gastar o dinheiro dosmaridos.

-Será que vocês passarão o resto da vida nesse clima?  - Perguntou mamãe. - Hoje irei preparar um Strudel de cerejas...-Oba! - Exclamei.-E eu farei salsichas para o jantar. - Completou vovó.

Assim que elas seguiram para a cozinha com suas sacolas de compras, vovôdesabafou:-Mulheres... Um mal necessário... Hans, ouça a voz da experiência... Não faça a besteirade se casar.-Por que, vovô?-Porque as mulheres são umas ingratas. Jamais reconhecem o que os homens fazem porelas.

-Será que isso não é um problema que só o senhor e a vovó enfrentam?-Claro que não! Também já fui jovem como você... Acredite, mulheres são todas iguais,antes de se casarem são como ovelhas, mas depois que casam, transformam-se em lobos... Xeque-mate!-Mais uma partida?-Só se valer uma aposta.-Quanto o senhor quer apostar?

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Tirando um bolo de dinheiro do bolso, colocou sobre a mesa dizendo:-Acho que isso é o suficiente.-Mas... É muito dinheiro, vovô!-Deixa de ser covarde!... Não seja como seu pai, um borra-botas de merda. Aprenda com seu avô, que a vida de um homem é feita de riscos e desafios...-Humpf... Está bem. Vamos!

Iniciamos uma nova partida, porém, permaneceu a dúvida que não queria calar:-Vovô...-Hum?-O senhor ainda não me respondeu como que Hitler veio parar na Alemanha...-Onde paramos mesmo?-Quando ele foi reprovado na Academia de Viena.-Ah é mesmo!

Ao ser recusado pela segunda vez na Academia, Adolf Hitler ficou desapontado, porém, não teve coragem de voltar para Linz e permaneceu em Viena. Na companhia de seuamigo de infância August Kubizek , ambos planejavam escrever uma ópera juntos, seguindouma idéia abandonada por Wagner. Três anos antes eles teriam assistido à ópera " Rienzi",de Wagner. A ópera se passa na Roma Medieval, onde Rienzi, porta-voz do povo, opõe-se àaristocracia. Seu desejo era retroagir um século e restabelecer a República da Antiguidade, passando a ser o porta-voz do povo. Mas Rienzi é vítima de uma conspiração, e sua última batalha acontece no Capitólio que desaba, incendiado à sua volta.

Hitler comoveu-se profundamente com "Rienzi", traçando planos para seu futuro e para o futuro do seu povo.

Mais tarde, ele diria:

"Foi naquela hora que tudo começou".

Tal experiência criou três fixações em Hitler que nunca o abandonariam: Linz, aAntiguidade e Wagner.

"Só entende o Nazismo quem conhece Wagner".  - Adolf Hitler  

Com sua infinita imaginação, Hitler associou o crescimento da pobreza, a"degeneração" do que ele considerava terra teutônica, ao mesmo nível em que seencontrava a Alemanha, a "detestável" mescla de raças que enfraquecia a pureza do ariano,a precária situação de indigente que se encontrava, tendo que dormir sob folhas de jornais

 pelas ruas, deveria ter um culpado: os judeus.

 Na escola, o jovem Adolf Hitler nunca foi um menino brilhante, com suas notas medíocres. Em 1907ele foi à Viena e, como já era de se esperar, não conseguiu entrar para a academia de artes. O motivo eraóbvio: faltava-lhe talento. Mas ele tão cedo não desistiria, se dizendo artista. Mais tarde, acreditando de queera realmente um artista, diria ao povo alemão o tipo de arte que deveria ser apreciada por eles.

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"Eu detestava a mescla de raças exibida na capital, odiava aquela heterogêneacoleção de tchecos, polacos, húngaros, ucranianos, sérvios, croatas, etc.., e, acima de tudo,os judeus, esse lamacento produto presente em todos os lugares: judeus e sempre judeus".  Trecho do livro Mein Kampf. 

Um pouco confuso, questionei:-Deixa eu ver se entendi... Hitler dormiu nas ruas como um mendigo?-Ja...-Mas ele não tinha direito a herança deixada pela mãe ao morrer?-Tinha, porém, as autoridades de Viena não permitiram que ele tivesse acesso antes dos 24anos de idade.

Hitler lutaria ao lado dos alemães nos campos de batalha europeus, graças a sua partida para a Alemanha após tomar posse da herança de sua mãe, o que não aconteceuantes de completar 24 anos de idade.

"No dia 08 de agosto, dirigi à Sua Majestade, o rei Luis III, uma petição solicitandoconsentimento para que eu servisse em um regimento bávaro. O gabinete ministerial tinhanaquela época muitos assuntos com que se ocupar, de modo que meu júbilo foi aindamaior, pois a solicitação foi despachada favoravelmente no mesmo dia. Começou paramim, da mesma forma que para todo alemão, o período mais excelente e inesquecível detoda a minha existência terrena". Trecho do livro Mein Kampf

 No dia 02 de agosto de 1914, o povo alemão recebeu a notícia da proclamação daGuerra no Odeonsplatz  de Munique. Entre o povo estava Hitler, exaltado e repleto de júbilo. Ali começaria uma nova etapa decisiva na formação da doutrina nazista, onde Hitlerse envolverá com grande prazer.

Ainda em Linz, Hitler fantasiava sobre as óperas que escreveria. Seriam tão extravagantes que

superariam as de Wagner. O que fascinava Hitler era a mescla de ilusão e realidade. Hitler absorveu suas propostas, tal como o Anti-semitismo, o mito do sangue puro, culto ao legado nórdico deram um contorno àvisão de Hitler sobre o mundo. Segundo diversos pesquisadores, Adolf tornou-se leitor assíduo de umfolhetim chamado Ostara, dirigido por  Jörg   Lanz  von  Liebenfels, um extremista cativado pelas religiões

 pagãs. Sua literatura anti-semita afirmava que os Judeus eram biológica e geneticamente inferiores. Taisfolhetins iniciavam com perguntas do tipo: "Você é loiro? Está cansado da administração popular?" Tudo issofascinou Adolf Hitler, que passou a sentir que suas inquietações finalmente encontravam uma resposta, é aíque Hitler "descobre" que "pertence à raça escolhida".

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Após anos de miséria, desequilíbrio e sonhos desfeitos, Adolf encontraria noexército alemão a disciplina, dignidade, equilíbrio, camaradagem, além do sentimento deunidade e participação que tanto almejava. Hitler entrou no conflito como "correio",transformando o "artista" em um soldado que, pela primeira vez na vida, sentiu-se realizado por completo, reconhecido ao receber duas cruzes de ferro pelo valor demonstrado emcampanha.

A Primeira Guerra Mundial tinha sido uma guerra para acabar com a guerra. Atensão que existia entre as potências européias e constantes alianças de países contra outrosfindaram definitivamente nela quando o arquiduque herdeiro da Áustria-Hungria, FranciscoFernando, foi assassinado em 28 de junho de 1914, em Sarajevo. O governo austríaco, nãoaceitando explicações, responsabilizou a Sérvia, declarando guerra um mês após oassassinato. Tal decisão resultou na extensão do conflito a praticamente toda a Europa. AAlemanha declarou guerra à Rússia em 01 de agosto e à França dois dias depois. A entradadas tropas alemãs na Bélgica fizeram com que a Grã-Bretanha declarasse guerra àAlemanha no dia 04 de agosto.-Xeque-mate! - Declarou vovô mais um vez.-Ah!... Não sei como poderei lhe pagar, vovô...

Entregando-me aquele maço de dinheiro, vovô falou:-Isso aqui é seu. Vá, não perca tempo, salve seu amigo enquanto ainda há chance...-Por que o senhor está fazendo isso, vovô?...-Porque você é meu neto, e quero lhe ver feliz.-Tem certeza que é apenas isso?-Por que acha que não seria?-Pode confiar em mim, vovô... Seu segredo comigo ficará guardado.

Após um profundo suspiro ele olhou-me pensativo e falou:-Hans... Jamais contei isso a alguém...

-Confie em mim!-Certo dia, enquanto estudava na biblioteca deparei-me com uma moça, a mais linda dasmoças!...  Olhar tímido, cabelos negros. Por um descuido, a perdi de vista. Passei a frequentar aquela biblioteca todos os dias no mesmo horário na esperança de reencontrá-la, e quando isso aconteceu, sentaram-me ao seu lado e puxei assunto. Dalice era uma garota encantadora, doce...-Dalice? Não era a vovó?-Não!... Muito antes de conhecer sua avó...-Ah ta... Continue, vovô...

Em Munique, Hitler passou a sentir-se em casa. Naquela época, Munique era uma cidade enriquecida pela cultura e pela arte, com diversos artistas vindos de todos os cantos da Europa, onde ali se encontravam para "expressar" seu talento. Esse ambiente conquistou Adolf.

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-Naquela tarde acompanhei-a até o portão de sua casa... Agradecida ela cedeu-me um sorriso, do qual eu jamais me esquecerei... Meses depois eu a pedi em namoro, e ao aceitar,me fez o homem mais feliz do mundo!-E quantos anos vocês tinham?-Ambos tínhamos a mesma idade, 16 anos.-E ela era bonita?-Muito!... Uma pele branca e lisa como porcelana... Dalice foi uma paixão a primeiravista, acredito que tenha sido a única...-Mas vovô... E a vovó?-Sua avó surgiu em minha vida depois, um casamento acordado entre famílias.-E o que aconteceu com Dalice?-Dalice era uma garota de família judia, e quando souberam que namorávamos, a proibiude sair de casa desacompanhada.-E como faziam para se verem?-Passamos a nos encontrar no parque, onde apenas trocávamos olhares... Mas certo dia,ao passar em frente sua casa avistei uma placa anunciando o imóvel à venda. Fiqueidesesperado. Perguntei aos vizinhos, mas ninguém sabia ou quis me informar para onde Dalice e sua família haviam ido.-E o senhor nunca mais teve notícias?-Nunca... Assim como nunca me esqueci daquele tímido sorriso.-Tem esperança de um dia ainda encontrá-la?-Humpf... Já se passaram mais de 40 anos, dificilmente ela me reconheceria...-Não foi isso que perguntei vovô.

Após um breve momento de silêncio, ele continuou:-Meu coração diz que um dia ainda iremos nos reencontrar... Por isso, Hans, não podemosdeixar de ficar perto das pessoas que gostamos, sejam amigos ou amores, o que importa é

que nos façam bem e estejam perto de nós.-Ainda falando de Guerra? - Questionou vovó entrando na sala.-Não... Vovô estava me contando velhas histórias de quando era jovem.-Seu avô é praticamente uma enciclopédia ambulante.  - Ironizou vovó voltando para acozinha.-Não ligue para ela.-Danke, vovô!-E viva a felicidade!-Viva!

Levantamos-nos da mesa, e enquanto vovô caminhava em direção ao sofá,questionei:

-O senhor ainda me deve uma regata, lembra-se?-Sim!-Prometeu-me quando eu ainda morava em São Paulo.-Não se preocupe, meu neto... Pretendo cumprir em breve.-Assim que eu ajudar o Eli a fugir, promete nos levar para praticar regata no Rio Tietê?-Claro! Quando eu era jovem, equipes do clube me disputavam para ter-me na equipe...-O senhor é demais!

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Capitulo 25

Alguns dias se passaram. Após enviar uma carta ao Eliezer dizendo que

iria à Lodz buscá-lo, aguardava ansioso pela resposta, que não chegou até mim de uma boaforma.-Hans!... Eu quero saber o que isso significa?...   - Questionou mamãe entrando em meuquarto com um papel na mão.-O que, Mutter?

Com os olhos lacrimejando, jogou aquela folha sobre minha cama. Assustei-me.Meu coração já estava batendo na garganta. Lentamente aproximei-me. Peguei aquele papele notei que se tratava de uma carta enviada pelo Eliezer, em resposta a que eu havia lheenviado.-Mas... Quem lhe deu o direito de abrir uma carta endereçada a mim? - Questionei furioso.-Não foi proposital... Não tinha seu nome no envelope, nem remetente.-Humpf... Está bem.-Hans... Eu quero uma explicação... Por favor, não me esconda nada.-Mas do que a senhora está falando, Mutter?

Tremendo ela foi até a porta do quarto e a fechou, revelando logo em seguida:-Eu já sei de tudo, Hans!... Mas quero ouvir de sua boca.-Não sei do que a senhora está falando. - Tendei disfarçar distanciando-me. -Naquela noite eu vi além de um simples afeto de amigo, Hans.

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 Nesse momento minha saliva desceu rasgando.-Engoli calada até hoje essa dor que me aperta o peito. Eu vi, Hans... Eu vi você e Elizertrocando carícias...-Mas amigos não podem dar um abraço e...-Amigos não beijam na boca! - Gritou interrompendo-me.

 Naquele momento eu percebi que não tinha mais como lhe esconder nada. Elarealmente já sabia de tudo.-Humpft... Mutter...-Todo esse tempo agüentei calada, guardando comigo algo que jamais compreendi...-Mutter, eu posso explicar.- Não! Eu não quero que você me explique nada, Hans... Tudo é muito claro. 

Sentando-se a cama, mamãe cobriu seu rosto com as mãos e começou a chorar.Tocado, caminhei até ela e sentei-me ao seu lado.-Eu... Eu não sei o que dizer... Por favor, peço que não conte nada ao Vater.-Está louco? Se seu pai souber disso ele mata vocês dois!-A senhora... Deve ta me odiando por isso...-Como posso odiar um filho? Não diga tolisses!-Eu não gostaria de te ver assim, Mutter...

Beijando minha mão, ela comentou:-Meu menino... Parece que lhe vi engatinhar ontem...-Nunca quis lhe magoar, Mutter.-Eu sei, eu sei...-A senhora me perdoa?-Para que servem as mães se não para perdoar?

Abraçamos-nos.-Isso que vocês estão vivendo lhe faz feliz?

-Humpf... Muito! Nesse momento ela voltou a chorar.

-Não fique assim, Mutter!-Tenho medo que você sofra!-Mas eu não acabei de dizer que estou feliz?-Meu filho... Esse mundo em que vivemos é cruel... Essa guerra...-Não se preocupe, saberei me cuidar.-Como? Do que você está falando?-Eu... Eu decidi que vou buscar o Eliezer, e juntos fugiremos para o Brasil.-Não!... Por favor, Hans...-Mutter... Acalme-se. Vai dar tudo certo!

-Pelo amor de Deus, Hans... Você sabe que a situação para os judeus não está fácil na Europa, tão pouco para aqueles que os defende...-Por isso fugiremos para o Brasil.-Homens... Todos egoístas!-Eu juro que...-Não jure aquilo que não poderá cumprir...

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-Mas não quero que a senhora sofra.-Meu querido... Toda mulher já nasce predestinada a sofrer... Não podemos expressarnossas opiniões, não podemos votar, temos que ouvir caladas as decisões dos maridos...-Mutter, eu queria que a senhora soubesse...-Hans, aonde quer que você vá, estarei aqui te esperando... Passe o tempo que for.

Demos um forte abraço. Em seguida, ela limpou suas lágrimas e deixou meu quartosem mais nada dizer.

 Naquela mesma noite parti para Lodz. A hora da despedida foi a mais difícil, porém,a promessa de que voltaria em breve a deixava mais tranquila, embora preocupada.

Durante todo o tempo em que passei naquele trem sonhava com o momento em quereencontraria o Eliezer. Será que ele estava bem? Estaria se alimentando direito? Ainda mequeria? Essas e outras questões em muito pouco tempo seriam respondidas.

Ansioso, adormeci.

“Um dos mais tolos enganos que poderíamos cometer seria

 permitir que os povos conquistados do leste possuíssem armas. A

história ensina que todos os conquistadores que permitiram a

 posse de armas pelas raças dominadas prepararam sua própria

queda ao fazê-lo. ”   - Adolf Hitler.

Acordei com um barulho de ferro arranhando. Espiei pela janela e percebi queestávamos parando. Pensei que fosse ter um ataque do coração. Finalmente havia chego!Levantei-me com uma ansiedade sem igual. Meu coração parece que iria sair pela boca,enquanto minhas mãos suavam. Peguei minhas malas e caminhei até a saída.

Ao desembarcar na estação de trem, andei por alguns metros até avistar o Eliezer.Vestindo um grosso casaco cinza, procurava-me preocupado em meio as pessoas quecirculavam pela plataforma.

Segurando minha mala, aproximei-me dele que ao me ver correu em minha direçãocom um enorme sorriso na face.-Hans!... Que saudade!  - Disse ele inspirando profundamente em meu cangoteacompanhado de um apertado abraço.-Também senti muito sua falta.-Não quero mais ficar longe de ti... Nunca mais!-Você não ficará longe de mim... Eu vim te buscar!-Me buscar!?

Sorrindo ele deu-me mais um forte abraço, passando sua mão por todas minhascostas.-Senti tanta saudade de você que achei que fosse morrer.  - Comentou o Eliezer enquanto otrem apitava.-Pare de dizer bobagens... Ninguém morre de saudade.-Mas eu pensei que fosse morrer!... Meu peito doía demais.-Já passou, agora nós estamos juntos novamente, pra sempre.-Ja!-Posso te pedir uma coisa?

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-Claro, tudo que você quiser.-Podemos sair daqui? Estou morrendo de frio!

Rimos.-Desculpe! Vamos pra casa...

Deixamos a estação. As ruas de  Lodz  estavam cobertas de neve, e o vento friocortava meu rosto de maneira insuportável. Atravessamos rapidamente, pois o bondedobrava a esquina já em nossa direção.

Ao entrarmos no bonde a situação melhorou um pouco, pois estávamos protegidosdo forte vendo gélido.

Sentando ao meu lado, o Eliezer questionou:-Sua mãe concordou com a sua vinda, Hans?-Você sabe que não... Mas isso não adiantaria muito, eu viria de qualquer jeito.-Minha mãe não gostou quando eu disse que você viria me visitar.-Talvez não seja uma boa idéia eu ir até lá então.-Não! Você vai sim...-Se for para causar desacordos familiares prefiro evitar, Eli.

Pegando em minha mão ele respondeu:-Você já faz parte da minha vida.

Respondi com um sorriso.-Como conseguiu chegar aqui sozinho?-Na verdade eu contei com a ajuda de duas pessoas maravilhosas. - Respondi.-Duas pessoas?-Ja!-Quem?-Vovô, quem me deu dinheiro para que eu viesse.-Você contou tudo a ele? - Questionou assustado.

-Claro que não! Está louco?-Menos mal...-Vovô jamais entenderia... Na idade dele...-Então quem é a outra pessoa?-A senhora Heiselmann.-Senhora Heiselmann?-Ja... Marta Heiselmann, mãe de Stephan.-Stephan... O amigo de Patrick?-Ja.-Adonai! Hans... Ela pode ser uma espiã do governo!

Achando sua reação engraça, discordei:

-Não!... A senhora Heiselmann é uma boa pessoa. Inclusive vai nos emprestar oapartamento de uma familiar sua para que você fique por lá enquanto seu passaporte não fica pronto.-Hans... Não podemos confiar no Patrick nem em ninguém que tenha relações com ele, principalmente Stephan.-Não temos outra alternativa, se não confiar nesse momento.-Humpf... Espero não ser mais uma armadilha daqueles dois cretinos!-Não se preocupe, dará tudo certo.

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Capitulo 26Chegamos em sua casa. Sobre minha roupa ainda pairavam alguns flocos

de neve. Entramos rapidamente. Tirei o casaco aliviado do frio que fazia lá fora, oentregando ao Eliezer juntamente com meu chapéu.-Sente-se, Hans.-Danke!

-Ima parece não estar em casa...Sentei-me ao velho sofá de couro desbotado. Diferente de sua casa em Berlim, anova residência da família  Lovitz  era bem menor que a anterior. As paredes pareciammofadas, com uma decoração escura e antiga. Já a mobília era bem diferente daquelas dosobradinho em Berlim, onde reconheci apenas a menorá¹ sobre a mesa da sala. Era tudomuito diferente, estranho, triste.

Apoiando seu joelho direito entre minhas pernas o Eliezer tocou em minha face efoi aproximando sua boca da minha, pouco a pouco, até iniciarmos um beijo. Que saudade!O abraço veio em seguida, quente, forte. Senti-me amado, desejado, feliz. Aquela mão pesada tocando em minha cintura fizeram-me arrepiar. Desabotoei o cinto de sua calça,sedento pelo seu amor.

1. Menorá: trata-se de um candelabro de sete braços, um dos principais e mais conhecidos símbolos doJudaísmo. Originalmente era um objeto constituído de ouro batido, maciço e puro, feito por Moisés para sercolocado dentro do Santo Lugar - átrio intermediário entre o Átrio Exterior do Santuário e o Santo dos Santos- juntamente com o Altar de Incenso e a Mesa dos Pães da Proposição. Simboliza os arbustos em chamas queMoisés viu no Monte Sinai.

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Com a respiração ofegante ele olhou-me no fundo dos olhos, mordiscando o cantode sua boca.-Que saudade desse corpo colado ao meu!... Essa pele branca e lisa... - Dizia ele chupandomeu pescoço.

Segurei em seus cabelos e os puxava a cada mordida que recebia nos mamilos. Queloucura! Deitei meu corpo já nu sobre o seu. Meu coração parecia que iria sair pela boca. Nossas roupas jogadas ao chão frio coberto por um gasto tapete, enquanto nossos corpos banhavam-se no suor do prazer. Os movimentos pélvicos ficavam cada vez mais intensos, eos gemidos inevitáveis.-Você está tremendo? - Perguntou-me preocupado.-Não se preocupe, logo passa...

As mordidas que recebia no queixo levaram-me ao céu. Safado! Sabia exatamente o ponto que me deixava louco. As molas do sofá rangiam com as bombadas cada vez maisintensas. No silêncio da casa sentia seus dentes cravarem em minha pele a certeza do desejoverdadeiro, o pecado dos amantes.

Gozamos juntos, gritos e gemidos foram inevitáveis.-Uau!... Como eu sonhei com esse momento novamente...   - Disse o Eliezer deitando suacabeça em meu peito suado.-Sério?-Ja... Não via a hora de te reencontrar e poder te sentir novamente...-Foram dias intermináveis! - Concordei.-Hans...-Hum?-Eu te amo... Mais que tudo nessa vida.-Também amo você. - Completei o abraçando.

Após um longo suspiro, ergueu sua cabeça, olhou-me sorrindo e falou:

-Acho melhor vestirmos nossas roupas antes que alguém chegue.-Verdade!

Foi só o tempo de calçar os sapatos até que sua mãe e irmã chegassem. Segurandouma sacola de papel contendo hortaliças, a senhora Lovitz questionou fechando a porta:-Mas que malas são essas? Hans! - Exclamou ao notar-me ali parado.-Hallo, senhora Lovitz!-Adonai! - Sussurrou.-Desculpe chegar assim de surpresa...-Eliezer já havia me alertado sobre sua vinda... - Interrompeu-me caminhando em direçãoà mesa da sala, onde repousou seu pacote.-Senhorita Ashira!

-Hallo, Hans! - Cumprimentou-me Ashira com um sincero sorriso na face. -Suponho que sua visita seja breve. Não?- Questionou sua mãe cruzando os braços. -Ja. Amanhã mesmo estou voltando para Berlim.

Percebi pela sua reação que minha presença naquela casa, pelo menos de sua parte,não era bem vinda. Obviamente a situação foi constrangedora para ambas as partes, porém,uma força maior mantinha-me ali.

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-Como foi de viagem, Hans? - Perguntou a doce Ashira.-Um pouco cansativa, mas cheguei bem... Isso é o mais importante.-Você tem razão. O que está achando de Lodz?-Fria!

Rimos. Após deixar seu chapéu pendurado próximo a porta, a senhora Lovitz saiuda sala.-Ashira vai se casar, Hans. - Comentou Eliezer.-Meus parabéns!-Obrigada!-E não vai demorar muito para que o Eliezer se case também. É só uma questão de tempo... Pouco tempo. - Completou a senhora Lovitz voltando a sala.-Ima... Por favor, não começa.-Começo sim! Eu e seu pai já iniciaremos os preparativos para que você e a...-Eu vou embora! - Gritou o Eliezer interrompendo-a.-O quê?- Questionou não querendo entender. -Isso mesmo que a senhora ouviu. Eu vou embora para o Brasil!-Você está louco?-Cansei, Ima...-Adonai!... Que o Criador não ouça o que você está dizendo...

Irritado, seguiu até seu quarto e abriu a porta de seu armário com voracidade. Logoem seguida sua mãe foi atrás, cuspindo fogo pelas ventas. Fiquei preocupado. E pensar quetoda aquela confusão acontecia por minha culpa.

Ao vê-lo jogar suas roupas sobre a cama, sua mãe afirmou trancando a porta:-Eu não permitirei que você saia dessa casa!-Tenho 19 anos, Ima. Não sou mais criança.-Não pense que não sei o que acontece entre você e esse alemão nazista...

-Do que está falando, Ima?Aproximando-se dele ela justificou:

-Eliezer... Esse não é o destino que o Criador preparou para nós... Para você!-Pode ir direto ao ponto?-Essa sua relação com esse rapaz não me agrada. Eliezer, não me diga que isso é uma simples amizade, porque não é.

Tocando no ombro de sua mãe o Eliezer completou:-O que diz meu coração é que essa relação é pura e verdadeira. Se meu coração é quemdiz, nosso Criador entenderá. Se o que eu sinto for pecado, então que venha o castigo.

Sem dizer mais uma só palavra ele deu um beijo em sua testa e saiu.-Vamos embora, Hans.  - Disse o Eliezer caminhando em minha direção carregando uma

mala.Chorando, sua mãe correu até a sala gritando:

-Se você cruzar por essa porta, não precisará voltar nunca mais!Após um profundo suspiro, ele virou-se e disse para ela olhando em seus olhos:

-Se um dia a senhora amou de verdade, entenderá minha decisão.

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Quando deixamos sua casa já havia anoitecido. Caminhávamos apressados pelacalçada, driblando os amontoados de entulhos que foram despejados pelo caminhodecorrentes aos ataques nazista.-Eli... Por que estamos correndo?

Chorando, ele respondeu:-Para que no caso de eu me arrepender, já não tenha mais tempo de voltar para casa.

Paramos por um momento. O frio me arrepiava até a espinha, doía os ossos.-Farei de tudo para que você só tenha alegrias.-O amor que sinto por você é o que me dá forças, Hans .

Demos um forte abraço.-Eu não estava preparado para voltar hoje mesmo para Berlim.-Podemos passar a noite em um hotel se você quiser... Se é que existe algum em pé...-Não!-Prefiro partir logo e chegar à Alemanha o quanto antes.-Então vamos nos apressar para pegar o próximo trem.-Podemos parar para comer algo antes?-Ja.

Próximo a estação havia um pequeno restaurante, onde paramos para comer algoantes da longa viagem. Calado, o Eliezer tomava sua sopa pensativo.-Ainda te aflige? - Perguntei partindo um pedaço de pão. -Estou angustiado por ter saído sem me despedir do Tateh...-Eli, se você quiser voltar eu vou entender...-Não! Já chegamos até aqui, não voltarei atrás.-Quero que você saiba que estou do seu lado...-Eu sei, meu amor!-Depois você envia uma carta com pedido de desculpas.

-Ja... Farei assim que chegar em Berlim. Naquela mesma noite embarcamos de volta para a Alemanha. Cansado, o Eliezer

deitou sua cabeça em meu ombro, enquanto meu olhar perdeu-se nos campos escurosrecobertos por neve que passavam diante a janela.

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Em seis de setembro as forças polonesas já haviam deixado  Lodz. Sem polícia nasruas, a rádio oficial pedia a todos os homens capazes de usar armas que deixassem a cidadee se dirigissem ao Leste. Apenas mulheres e crianças eram vistas nas ruas. As estradas quelevavam a Varsóvia estavam todas lotadas, porém, nada adiantou, e no dia 27 de setembrode 1939, Varsóvia se rende aos Nazistas.

"Poloneses capazes de liderar devem ser liquidados. Seus

seguidores também serão liquidados. Não há por que mandar tais

elementos aos campos de concentração do Reich."

Em 28 de setembro de 1939, os Ministros de Relações Exteriores da Alemanha e União Soviéticaassinaram em Moscou um acordo de divisão da Polônia. A Lituânia passa para a zona de influência soviética,em troca de alguns territórios polacos já ocupados.

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Capitulo 27Estabelecer a nova rotina não foi fácil. Apenas Marta e eu sabíamos

da volta do Eliezer à cidade. Embora minha mãe desconfiasse, nunca confirmei que voltaraacompanhado do “judeu”.

-Hans... O que aconteceu que você voltou tão rápido? - Questionou-me mamãe ao me verentrar a sala de casa.

-Nada, Mutter... Apenas não tinha mais nada a fazer em Lodz...-Você não deveria ter feito isso... Pode se complicar!  - Dizia acompanhando-me até meuquarto.-Já estou de volta, não estou?-Humpf... Ja.-Mutter, por favor, vamos esquecer essa história?

Retirando-se do meu quarto ela respondeu:-Posso tentar, mas vai ser difícil. Boa noite!-Boa noite!

Desfiz minhas malas. Arrumei-as novamente no armário, e para minha sorte, papainem havia notado minha ausência, afinal, ele passava mais tempo fora do que em casa.

Esperei que todos dormissem para poder sair. Passei a visitar o Eliezer quase todasas noites, levando alimento, água e combustível para se aquecer do frio sempre que precisava.

A noite estava silenciosa. No escuro daquele quarto, apenas o reflexo do luar insistiaentrar. O abracei. Às vezes ouvíamos o bonde passar, um cão latir, ruídos que soavamquebrando a sinfonia do silêncio dos inocentes.

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Deitados a cama, com a cabeça apoiada em meu peito o Eliezer disse após um profundo suspiro:-Humpf... Hans, será que isso tudo um dia vai acabar?-Mas é claro que sim! - Respondi acariciando seu cabelo.

 Nesse momento ouvimos um tiro seguido de um grito vindos da rua. Assustado, oEliezer abraçou-me forte dizendo:-Adonai! Essa violência me assusta...-Não se preocupe, aqui dentro ninguém lhe fará mal... Eu te protejo.-Hans...-Hum?-Humpf... Será que o mundo inteiro irá se calar diante dessas injustiças?-Mas Eli... Quem garante que o mundo sabe?-E quem garante que não sabe? Hans... Não é possível que ainda não tenha chego aosouvidos de outros governos as atrocidades que os alemães estão cometendo...-Não é bem assim, Eli... A população alemã não sabe o que realmente está acontecendo.-Às vezes as coisas acontecem aos nossos olhos e nós não queremos ver.

Muito se discutiu sobre o conhecimento do povo alemão e do mundo quanto asatrocidades cometidas ao povo "indesejável". Os alemães sabiam que o governo estavaeliminando de alguma forma esses tais indesejáveis.

A princípio, Adolf Hitler foi rejeitado por muitos alemães, visto como um austríacoarrogante de idéias loucas, idéias essas que jamais seriam aceitas por uma sociedadeesclarecida como a alemã. Mas quando a grave crise econômica atingiu o país, onde 20milhões de pessoas aguardavam em filas de alimento e 6 milhões desempregadas, eratentador e animador ser chamado de "raça superior". Em janeiro de 1933 o povo alemãocedeu. Enquanto milhões aplaudiam Hitler quando ele prometeu tornar a Alemanha grandenovamente, reconstruir o exército germânico, acabar com o desemprego, retomar territórios

alemães e ampliar seu poder em todo o continente, eles também aplaudiram quando Hitler prometeu expulsar os judeus e outros da vida alemã.

Judeus eram surrados por civís nas ruas, assim como denunciados pela população aogoverno, onde tinham seus pertences confiscados. A riqueza e o luxo que os alemãesdesfrutavam era proveniente do sacrifício judaico, onde o povo germânico era o grande beneficiário.

Antes de atearem fogo na famosa sinagoga Volhinos em Lodz, os nazistas obrigaramo Rabino Segal, respeitadíssimo por toda comunidade judaica, a colocar seu xale de oração.Em seguida, ordenaram que ele queimasse a sagrada Torá na presença de sua congregação.Já em  Mielec, vários judeus foram trancados dentro de sua sinagoga, ateando fogo emseguida. Os que conseguiram sair foram baleados pelos soldados alemães que cercavam o

 prédio. Professores e médicos poloneses foram presos e assassinados. Pelo menor pretexto,civís eram baleados. Himmler ordenou que todas as escolas fossem fechadas, explicandosua ação ao declarar:

"O polonês é um escravo. Basta que ele saiba escrever seu

nome e contar até 10."

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Adormeci com o dia quase clareando, preocupado com o destino incerto daquele povo, principalmente do homem que eu amava.

Ao acordar, deparei-me com a cama vazia ao meu lado enquanto alisava o lençolainda de olhos fechados. Assustei-me. Levantei imediatamente e calcei o chinelo. Vestindoapenas uma ceroula fui até a cozinha, onde não havia ninguém.

O sumiço do Eliezer deixou-me desesperado. Voltei à sala e aproximei-me da janela.Meu coração só faltava sair pela boca, tamanho desespero. Com o dedo indicador afastei acortina para observar a rotina lá fora. O bonde seguia seu curso normalmente, assim comoas pessoas e os carros. Meu peito, angustiado, parecia que iria explodir.

Ouvindo alguém mexer a porta, olhei imediatamente assustado.-Graças a Deus! - Exclamei ao ver o Eliezer entrar, cabisbaixo.-Bom dia! - Respondeu com um leve sorriso no rosto.-Onde estava? - Questionei aflito.

Colocando sobre a mesa um vasilhame com leite e uma sacola de papel pardo elerespondeu:-Fui comprar leite, pão... Não havia nada para comermos...-Mas eu não disse que compraria assim que acordasse?-Você estava em um sono tão profundo que não achei justo atrapalhar...-Eu quase morri de preocupação, sabia?-Desculpa!-Fiquei com muito medo que alguém o pegasse...-Humpf... Já faz dias que estamos nessa situação insuportável! Às vezes sinto vontade deme entregar e acabar com tudo isso.-Do que está falando? Está louco!?-Cansei de me esconder, fugir como se eu fosse um criminoso...

Dando-lhe um abraço apertado, acalmei-o dizendo:

-Tenho certeza de que tudo isso vai acabar. Essa situação é provisória.-Até quando vamos passar por isso?-Eu já tenho quase todo o dinheiro para comprar as passagens para o Brasil. Até o final domês estaremos bem longe da Alemanha.-Você conversou com Stephan sobre os passaportes?-Sim! Ficarão prontos amanhã. Irei buscá-los no final da tarde.-Humpf... Cada dia que passa, viver na Europa está mais difícil para os judeus.-Eu escrevi para o meu tio que mora no Brasil. Já combinei com ele que pegaremos umnavio assim que estivermos com a documentação em mãos.-Só vou conseguir respirar aliviado quando estivermos em alto mar.

Beijei sua testa e acariciei seus cabelos.

 No parágrafo 4 do Programa Oficial do Partido Nazista, conhecido pela população e por todas asembaixadas, dizia: "Apenas aqueles que são nossos compatriotas podem se tornar cidadãos. Só quem tem sangue alemão, independente de religião, pode ser nosso compatriota. Por isso, nenhum judeu pode ser nossocompatriota, portanto, nenhum judeu pode ser cidadão da Alemanha."  

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Antes das nove da manhã eu já estava em casa. Ao chegar na rua onde morava,avistei um carro da Gestapo parado em frente ao prédio onde eu morava. Escoltando oveículo, dois fardados andavam de um lado para o outro carregando enormesmetralhadoras.

Cruzei o portão do edifício cabisbaixo, tremendo. Subi rapidamente as escadas. Jáno corredor, parei para respirar. Seguido de um profundo suspiro, abri a porta. Nessemomento avistei mamãe servindo uma xícara de café a um senhor sentado a poltrona dasala.

Segurando um charuto na mão esquerda, olhou-me com um olhar fuzilante.-Hans... Que bom que você chegou! - Exclamou mamãe com a voz trêmula. - Esse senhor... -Hans Fischer? - Interrompeu ele.-Ja...-Recebi uma denúncia de que o senhor está ajudando judeus a fugir...   - Falou bufandoaquela fumaça fedorenta.-Eu?-Ja. Isso não é verdade?-Bem... Não sei de onde podem ter tirado essa idéia de que...-Quem é Eliezer Lovitz? - Interrompeu-me mais uma vez.-Humpf... Eliezer foi um amigo de infância...-Ainda mantém alguma relação com esse rapaz?-Não... Desde que ele e sua família se mudaram para Lodz...-Faz bem!... Sabe, Hans... Esse povo não deve ser digno de nossa compaixão. Não se deixeenganar.-Isso foi dito pelo Führer?-Ja!... O Führer tem sempre razão!-Concordo! - Ironizei. 

Virei-me e seguia para o meu quarto quando ele, ainda sentado, perguntou:-O que você foi fazer em Lodz, Hans?

 Na mesma hora eu gelei. Como ele sabia que eu havia estado em Lodz? O nome doEliezer?-Eu?...-Ja...-Lembra-se que você foi levar uma encomenda minha, filho?-Encomenda?... Ah! Aquela encomenda? Ja...-Coincidência... Na mesma cidade que mora seu amigo...

Caminhando em passos lentos, voltei ao centro da sala dizendo:-Talvez o senhor queira que eu diga que fui encontrar com meu ex-amigo judeu, mas não

 foi dessa vez. Olhe para mim, veja minha casa, minha família... Não tenho condiçãoalguma de contribuir com a fuga desse povo. Aliás, a vida desses porcos não me interessa.-Muito bem! Por enquanto, é só isso.  - Disse ele entregando a xícara à mamãe elevantando-se do sofá.-Eu lhe acompanho. - Falou mamãe.-Tenham um bom dia!-Ao senhor também.

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Assim que fechou a porta, tremendo, mamãe deixou que a xícara caísse ao chãoquebrando-se imediatamente.-Gott... Gott... Hans, pelo amor de Deus...-Alguém, cujo eu desconfio quem, fez a denúncia...

Com as pernas trêmulas, corri até meu quarto, onde vi tudo revirado, porém, não bagunçado. Naquele instante desesperei-me. Abri a gaveta dentro do guarda roupa ecomecei a procurar as cartas que Eliezer e eu trocávamos. Não as encontrei.-Está procurando por isso? - Questionou-me mamãe com um pacote de cartas nas mãos.-Ceus!... Achei que eles...-Eu fui mais rápida!...  Enquanto ele se distraiu eu peguei as cartas e escondi no avental...-Danke!... Mas como a senhora sabia da existência delas?-Descobri há pouco tempo... Quando arrumava suas roupas na gaveta... Mas não se preocupe, eu não as li.-Muito obrigado, Mutter!-Com licença.

Assim que ela saiu, procurei uma caixa para guardar as cartas que recebera doEliezer. Em seguida, escondi no fundo atrás do camiseiro.

Em outubro de 1939 foi criado o primeiro gueto na Polônia ocupada pelos Nazistas,mais precisamente em  PiotrKow. Vindos de todas as partes do país, os judeus eramforçados a viverem em terríveis condições, isolados do resto da população.

Em meu quarto, fazia as contas do dinheiro que havia conseguido juntar, quandovovó bateu a porta:-Hans?-Já vai! - Gritei. 

Juntei rapidamente o dinheiro e os papéis dentro de um envelope e os guardeiembaixo do colchão.

-Entre!-Está tudo bem, querido?-Ja...-A senhora Heiselmann está lá na sala...-Senhora Heiselmann?-Ja.-Danke!

Fiquei cabreiro. Achei estranho a senhora Heiselmann ir até minha casa sem antesavisar, correndo o risco de ser vista pelo Patrick ou Stephan.-Senhora Marta!-Como vai, Hans? - Cumprimentou-me com um lindo sorriso.

-Estou bem e a senhora?-Indo!-Vovô... Gostaríamos de conversar as sós... - Disse ao vovê que estava sentado na sala.-Claro! Vou ler meu jornal lá na praça... Vou aproveitar para engraxar meus sapatos. Atémais tarde!-Até!

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Sentamos-nos ao sofá. Tirando suas luvas, ela comentou após um profundo suspiro:-Ando preocupada com certas coisas que estão acontecendo...-Como o que, por exemplo?-Com a Gestapo. Essa semana estiveram em minha casa para averiguar uma denúncia deque estou protegendo judeus...-Gott! Dona Marta, eles também estiveram aqui me questionando a mesma coisa...-Suspeito que isso seja coisa dos dois.-Dos dois?-Patrick e Eliezer!-Ah sim!... Suspeitei de Patrick. Acredita que a Gestapo sabia inclusive que estive em Lodz?-Mas como?-Eu não sei... A única pessoa que sabia disso era minha mãe.

Abrindo sua bolsa, ela entregou-me algo dizendo:-Encontrei isso nas coisas de Stephan...-Meu pingente! Como sabe que era meu?-Desconfiei ao encontrá-lo embrulhado junto de um passaporte em seu criado-mudo.-Será o passaporte que eu havia encomendado?-Não sei... Mas nisso não mexi para não causar suspeitas.-De qualquer forma ele irá desconfiar.-Stephan passa mais tempo fora do que em casa... Quem garante que ele não perdeu narua?

Rimos.-Se é que ele já não deu falta. - Completei.-Coisa que eu não duvido. Mas o motivo maior que me trouxe aqui foi para pedir a vocêque tome muito cuidado, pois pelo que eu conheço do meu filho, não duvido que ele seja

capaz de denunciar até mesmo a própria mãe...-Será?-Não tenha dúvidas!... Mas agora eu preciso ir, não posso ser vista aqui em sua casa.

Levantando-nos do sofá, agradeci:-Senhora Heiselmann, eu lhe agradeço muito por se preocupar e...-Não tem de que agradecer, Hans. Faço isso para limpar o espírito e a consciência.   -Interrompeu-me tocando em minha mão.

Fechei a porta e voltava ao meu quarto quando mamãe parou-me no corredorquestionando:-Hans... Quem era essa senhora?-Uma amiga.

-Amiga?-Ja!-Hans, há uns dias o Patrick veio me perguntar se você havia ido atrás daquele judeu.-Perguntar?-É...-A senhora confirmou?-Claro que não! Mas desconfio que ele ouviu uma conversa entre seu avô e eu...

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-Mutter... Do que a senhora está falando?-Vater e eu conversávamos, onde ele contou-me que lhe deu o dinheiro e o incentivou parair atrás daquele rapaz... Provavelmente ele deve ter ouvido nossa conversa.-Mas como a senhora sai por ai comentando as coisas sem prestar atenção em quem está por perto?-Em casa só estávamos Vater e eu, seu irmão deve ter chego sem que nós percebêssemos...-Gott!... Então foi ele mesmo que nos denunciou para a Gestapo.-Nos denunciou? Hans... Aonde você vai?

Corri até a rua para avisar a senhora Heiselmann. Ela precisava saber que estavacorrendo perigo, assim como eu. Ao atravessar a rua avistei-a entrando no bonde. Assimque ele passou, um carro da Gestapo revelou-se. Naquele momento percebi que estavasendo vigiado. Esperei o bonde passar e segui até sua casa, apreensivo. Pela janela percebiao carro me seguindo. De alguma forma eu tinha que despistá-los.

Desci dois pontos a pé e continuei caminhando. O carro continuava a me seguir.Aproveitei-me de uma confusão numa feira e consegui me infiltrar, saindo da mira daquelesfardados.

Cheguei na rua de seu edifício e ao ver o carro da Gestapo saindo me escondi atrásde um poste. Esperei que passassem, para logo depois seguir até seu apartamento. Olhei deum lado para o outro, e só entrei no prédio quando tive certeza de que ninguém mais meseguia.

Toquei a campainha, mas ninguém respondeu. Virei as costas e antes de pisar nodegrau, algo parecia puxar-me. Olhei para a porta e toquei em sua maçaneta. Sem esforçoela se abriu. Após olhar de um lado para o outro, entrei. A casa estava revirada. Caídas aochão estavam suas luvas, as mesmas que ela usava minutos antes quando esteve em casa, porém, com marcas de bota e respingos de sangue.

Diante daquela cena, não tive mais dúvidas. Ela havia sido presa. Corri até o quarto

de Stephan e segui direto até o criado mudo onde sua mãe havia citado. Enrolado em um papel estava o passaporte que ele mandou falsificar. Coloquei-o no bolso e quando iadeixando o quarto ouvi a porta da sala bater. Senti minhas pernas tremerem. Espiando pelafresta, avistei alguém cujo lembrava ser o Stephan. Pisadas fortes, barulhentas. Caminhei na ponta dos pés até a cozinha, onde havia uma saída de serviço, por onde eu saí.

1. Gueto: a palavra “gueto” (Do italiano ghetto) trata-se de uma região ou bairro de uma cidade onde habitamos membros de uma etnia ou grupo minoritário, resultante da existência de tratamento discriminatório decircunstâncias econômicas ou sociais.

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Capitulo 28

Abotoando o casaco até o pescoço, abaixei a aba do chapéu ecoloquei as mãos no bolso. Caminhei em passos longos em direção a casa onde estava o

Eliezer, tomando cuidado para não ser visto por ninguém. Meu medo era tanto que euchegava a suar.Subi a escada do prédio na ponta dos pés para não chamar atenção. Na metade dos

degraus tirei meu relógio do bolso e vi que já passava das três da tarde. Continuei a subir, equando faltava apenas um andar, eis que uma família passa por mim. Os cumprimenteirapidamente e apressei os passos. Seus olhares desconfiados me deixaram com receio, masmantive-me firme, sem transparecer o nervosismo.

Antes de abrir a porta, olhei de um lado para o outro, tomando cuidado para não servisto por algum vizinho. Entrei rapidamente. Sentado a mesa estava o Eliezer, chorando.

Preocupado, aproximei-me dele perguntando:-O que aconteceu, Eli?

Esfregando o olho ele entregou-me o papel que dizia:

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Lodz, 15 de outubro de 1939.

Querido irmão,Esperamos que você tenha chego bem de volta a Berlim. Nossa

 situação está complicada. Ontem, por volta das oito da manhã fomos acordados com fortes batidas a porta. A Gestapo entrou em nossacasa e em minutos, após uma minunciosa revista, nos expulsou de casa

 apenas com a roupa do corpo. Devíamos nos mudar para o gueto.

Levaram nossos pertences pessoais, e caso reclamássemos, seriamosfuzilados. Nossa casa foi confiscada, lacrada, sem que nada

 pudéssemos fazer.Sentimos sua falta. Não deixe de nos escrever!

Ashira Lovitz

Dobrando o papel, perguntei:-Como isso chegou até você?-O rapaz que trabalha na mercearia... Ele conhece meus pais, deixei o endereço dele paranos comunicar.-Agora, junto com seu povo os conflitos irão diminuir, Eli...-Eu preciso ir vê-los... Eles estão precisando de mim!-Está louco? Se te pegarem por ai, podem te levar sabe-se lá pra onde...

Abraçando-me, ele comentou:-Só você para me dar forças...

 Nesse momento ouvimos fortes batidas a porta.-Você está esperando alguém? - Perguntou o Eliezer assustado.-Não...-Abram, Gestapo! - Gritaram lá fora.-Adonai!... O que vamos fazer? - Questionou sussurrando.-Esconda-se no quarto.-Mas e você?-Faça o que eu to mandando... Vai, esconda-se!

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Esperei que ele encostasse a porta do quarto, em seguida, abri a da sala. Fuiempurrado para longe por um soldado que perguntou:-Cadê o judeu?-Que judeu?-Não tente nos enganar, rapaz.

Quando ela pronunciou aquela frase, três homens altos e cara feia adentraram,armados até os dentes.-Não sei do que estão falando... Estou sozinho.-Vasculhem a casa!

Quando ele deu ordem para que vasculhassem o apartamento eu gelei. Eles foramdireto para o quarto, e ao vê-los entrar naquela sede insaciável, vi minha vida acabarnaquele instante. Portas batiam, objetos caiam. Mas de tudo, o pior momento foi quandoouvi um tiro ser disparado. Pensei que tudo estava acabado, nossas vidas chegavam ao fim,até os soldados voltarem exclamando:-Nada, senhor! Não encontramos nada...-Muito bem... Não foi dessa vez, mas não desistiremos. Estamos de olho em você, rapaz.

Após deixarem o apartamento, levei um certo tempo até entender que ainda estavavivo. Ofegante, corri até o quarto, que revirado já não tinha mais nada além da bagunça.-Psiu!... Hans, me ajude aqui! - Pediu o Eliezer pendurado a janela.

Corri até ele comentando:-Meu Deus!... Eu quase morri do coração. Você quer me matar?-Eu não... A Gestapo talvez.-Pensei que haviam lhe encontrado quando ouvi aquele tiro.-Posso ter cara, mas não sou tão tonto a ponto de deixar me pegarem tão fácil.

Abraçamos-nos forte, e assim permanecemos por um bom tempo.

"Eu realmente não tinha esperanças de sobreviver. Quando estava uns cincominutos deitada na vala, pensei que a morte ainda viria. Só notei que ainda estava vivaquando ouvi os assassinos indo embora cantando, bêbados".   Rozele Goldstein -Sobrevivente do Holocausto

Melancólico, o Eliezer pediu:-Hans... Já faz dias que não vejo a rua... Respiro ar puro... Sinto falta da minha liberdade!-Você sabe que isso é provisório!-Sim, eu sei!

Tirando o envelope do casaco, falei:-Veja o que eu tenho aqui...

-O que é isso?-Seu passaporte!-Nossa!-Agora nós já podemos partir para o Brasil. Só preciso providenciar as passagens denavio...-Não poderia haver notícia melhor do que essa!

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Após um profundo suspiro, continuei:-Mas tenho que te contar uma coisa...-O quê?-Humpf... A senhora Heiselmann procurou-me hoje para pedir ajuda, e também me alertar.-Alertar?-Ja... Fomos denunciados à Gestapo, e estamos sendo vigiados... Suspeitos de ajudar judeus a fugirem!-Adonai!-Isso não é tudo. Há poucas horas estive em sua casa, e não a encontrei.-Mas ela não estava na SUA casa?-Sim, mas precisei falar com ela e ao chegar em sua casa encontrei tudo bagunçado e...-E...?-E... Quando cheguei na rua de seu prédio avistei um carro da Gestapo saindo, e ao entrarem seu apartamento... A luva que ela usava quando foi em casa estava caída no chão de sua casa, com respingos de sangue.-Humpf...-Você acha quê...-Tenho certeza que eles a levaram.-E agora? Os próximos seremos nós!-Calma... Não vamos pensar no pior. Seremos mais cautelosos quando andarmos por ai.-Temos que partir logo então...-Ja!

Esperamos o final da tarde para podermos sair para um passeio. Para não chamaratenção, pedi ao Eliezer que retirasse de sua roupa a Estrela de Davi amarela, dessa formasua identificação não seria tão notória.

Após caminharmos por quase uma hora pela floresta longe da cidade, paramos para

descansar um pouco. Abraçados, permanecemos encostados em uma árvore.Com sua cabeça apoiada em meu peito, o Eliezer comentou seguido de um profundo

suspiro angustiado:-Hans...-Hum?-Será que meus pais estão bem?-Não há porque não estar... Foram levados para um bairro só de judeus!-Mas aquela carta me deixou angustiado, sabe...-Tire isso da sua cabeça. Uma hora dessa sua família deve estar trabalhando junto com osoutros judeus...-Meu coração está apertado...

Dando-lhe um beijo na testa, falei:-Não se preocupe que nós vamos encontrá-los. Primeiro temos que resolver nossa situação.-Você promete?-Prometo!

Quando íamos iniciar um beijo ouvimos um barulho de carros se aproximarem.-Está vindo alguém! - Disse o Eliezer afastando-se.-Vamos sair daqui.

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Começamos a correr por dentro da floresta. O barulho estava cada vez mais perto,até que tudo ficou no mais absoluto silêncio.

Ofegante, o Eliezer parou perguntando:-Acho... Acho que conseguimos.

Bastou ele falar e novamente começamos a ouvir ruídos, só que dessa vez já nãoeram mais tão distantes de nós.-E agora, Hans?-Psiu! Não faça barulho! Espere aqui...

A nossa frente havia um muro de pedras, e sem ter outra alternativa, corri até ele,escalei as pedras e lá de cima estendi a mão dizendo:-Vem!

Olhando, o Eliezer falou:-Eu não vou conseguir...

Ao olhar entre as árvores, avistei vários soldados aproximando-se através daquelaestrada de pedras. Fiquei assustado.

Imediatamente desci até onde ele estava e peguei em seu braço dizendo:-Nós precisamos sair daqui agora!... Os soldados estão vindo pra cá.

Desesperado, escalei novamente o muro sem largar sua mão. Barulho de gritos e passos estavam cada vez mais perto e alto.-Hans... Eu estou escorregando...-Aguenta mais um pouco, Eli... Nós já estamos conseguindo.

Já no topo do muro, pulei para o outro lado, esperando pelo Eliezer logo abaixo.-Pode pular que eu te seguro. - Falei. -Hans... Eu vou pular!-Vem!

Assim que ele pulou eu o peguei. Ficamos observando pelas frestas. Estávamos

assustados, com medo de sermos vistos.Quietos, assistíamos a tudo amedrontados, pois o risco de sermos vistos pelos

soldados era eminente.Após estacionarem três carros na estrada ainda na floresta, os soldados com suástica

nazista nos braços arrastavam várias mulheres enfileiradas até a clareira próxima ao murodo cemitério onde estávamos escondidos.-Andem!... Andem!... - Gritava um dos soldados.

As mulheres choravam, aparentando estar cansadas. Não cheguei a contar, mascertamente havia mais de cem entre crianças e idosas.-Todo mundo tirando a roupa e colocando aqui. - Gritou o mesmo soldado.

Segurando minha mão o Eliezer sussurrou:

-Estou com medo, Hans.-Calma, procure ficar quieto, por favor.-Ta.

Depois de tirarem as roupas, os soldados pegavam as garotas mais jovens e aslevavam para o meio da floresta, onde eram estupradas seguidas vezes por eles atédesfalecerem, enquanto as mais velhas eram enfileiradas em frente uma vala rasa, cavada por elas mesmas pouco antes de tirarem suas roupas.

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O frio estava nos incomodando, e a umidade da floresta contribuía ainda mais paraaumentar a sensação de térmica. Segurando a mão do Eliezer percebi que ele tremia, masnão era de frio, mas sim de puro medo. Rindo, um dos soldados mandou que uma senhoralargasse as duas crianças que segurava nos braços. Implorando, ela gritava para que nãofizessem nada com seus bebês, mas não adiantou, pois ele atirou nela e em suas crianças.-Adonai! - Exclamou o Eliezer aterrorizado com a cena que havíamos acabado de ver.-Psiu... Por favor, Eli...-Eu vou lá... - Sussurrou.-O quê?-Alguma parente minha pode estar no meio dessas mulheres...-Você não vai poder fazer nada... - Pedi apavorado.-Não posso deixar que eles façam meu povo...-Eliezer! - Interrompi. - Por tudo que você mais ama, não faça uma besteira.-Você não tem idéia do quanto meu peito está doendo...-E você acha que pra mim é fácil esse tipo de cena diante dos meus olhos sem nada poder fazer?

Ouvimos mais dois tiros. Os gritos não paravam, e uma matança desenfreadaacontecia covardemente. Mulheres, antes felizes, agora tinham seus corpos amontoados emvalas, nus, sem um pingo de dignidade, compaixão.

Já havia escurecido quando os soldados foram embora, deixando para trás umamancha que marcou a História para sempre.

"Já estávamos despidos enquanto éramos conduzidos. Nossas roupas foramretiradas e levadas embora. Papai recusou-se a tirar suas roupas, então foi espancado. Nós imploramos, suplicamos para que ele as tirasse, mas ele não fez, não queria ficar nu. Nada adiantou. Os soldados rasgaram suas roupas e depois o mataram. Em seguida

 pegaram mamãe. Desesperados, pedíamos: „  Deixe-nos ir até ela?‟   Sem um pingo declemência atiraram nela também. Assistimos isso com nossos próprios olhos, sem que nada pudéssemos fazer. Depois foi vovó. Com duas crianças no colo, morreu aos 80 anos perfurada pelas balas do ódio indescritível de uma minoria, assim como minha tia ao seulado. Minha irmã mais nova correu nua, implorou, pediu aos alemães que a poupasseabraçada a uma amiga. Ele olhou no fundo de seus olhos e atirou nas duas. Elas caíramimediatamente, abraçadas, minha irmã e sua amiguinha. Aproximando-se de mim, perguntou aquele alemão: „  Em quem você quer que eu atire primeiro?‟  Calei-me. Fecheimeus olhos e senti que ele pegava a criança de meus braços que de medo chorava, gritava. Ele atirou nela, e depois em mim. Cai na vala entre os corpos. Naquele instante pensei queestivesse morta, que aquela era a sensação que vem depois da morte. Mas logo senti que

estava sendo sufocada. Outras pessoas, corpos caiam sobre mim, empurrando-me cada vezmais pro fundo. Com a pouca força que me restava, subi até o topo daquela 'sepultura'. Eutentava ver onde terminava aquela fileira de corpos, mas era impossível. Nem todosestavam mortos, permanecendo ali, deitados, nus em seu último sofrimento. As crianças gritavam „  Mamãe!‟... „  Papai‟ .”- Depoimento de uma sobrevivente. 

A noite já estava alta quando voltamos para casa, decididos que não iríamos maisesperar.

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Capitulo 29

Abri a porta de casa. Estava tudo escuro. Fechei a porta lentamente paranão fazer barulho. Dei apenas dois passos até sentir um tapa. A luz acendeu. Com um cinto

na mão papai me esperava.-Vater!...-Seu desgraçado! Eu vou acabar com você...-Por favor, pare com isso...

Todos que já estavam dormindo, foram até a sala para ver o que acontecia. Papai me batia com força, com ódio.-Oliver! Pare com isso... Pelo amor de Deus! - Pediu mamãe entrando na frente.-Você está louco, Oliver? - Gritou vovô.-É por isso que esse rapaz continua assim... Você sempre passando a mão na cabeça dele.-Ele é meu filho! - Respondeu mamãe abraçando-me.-E meu também... E filho meu não vai envergonhar a Alemanha, enquanto eu viver, vai servir ao Führer e honrar nossa raça!-Você está tão louco quanto Adolf Hitler. Vá para seu quarto, meu neto.-Ja, vovô.

Passei por vovó, que chorando lamentava a cena que presenciava. Meu olho estavainchado, dolorido. Tirei meu casaco e deitei-me sobre a cama. Ao fechar os olhos ouvi passarem a chave na porta. Levantei-me imediatamente. Tentei abri-la, mas não adiantou.

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-A partir de hoje, Hans não sairá mais do quarto sem minha permissão.  - Avisou papai.-Não me tranquem aqui... Por favor!

 Naquele momento o mundo desabou sobre minha cabeça. Eliezer corria perigo, etrancado naquele quarto eu nada poderia fazer para ajudá-lo. Ao tentar escapar pela janela,notei que ela estava obstruída, ou seja, papai já havia premeditado tudo. Tornei-me prisioneiro de minha própria casa.

Sentei-me ao chão, aproximando os joelhos ao rosto com um abraço. Ali fiquei, como peito apertado, chorando. Já havia se passado duas horas quase, e o silêncio predominava,até ser quebrado pelo barulho da chave na fechadura. Lentamente a porta foi se abrindo.Segurando uma vela, vovô entrou no quarto sussurrando:-Hans... Hans...-Vovô!-Não temos muito tempo... Pegue suas coisas e vá... Corra... Vá ser feliz!

Ainda assustado deixei escapar um sorriso de felicidade. Juntei algumas peças deroupa em uma pequena mala e deixei minha casa. Todos dormiam. Antes de partir, abraceio vovô e agradeci de peito aberto:-Muito obrigado, vovô!

Dando-me dois leves tapas no rosto ele sorriu ao mesmo tempo em que as lágrimasdesciam, desabafando:-Queria eu ter sua idade e coragem... Vá, meu neto... Vá ser feliz... Corra!

Deixei minha casa e corri ao encontro do cara que me fazia ver o mundo maiscolorido, que me enchia de alegria com apenas um simples sorriso.

 No relógio os ponteiros marcavam três da manhã. Subi às escadas na ponta dos pés, pois não podia chamar atenção. Abri à porta rapidamente, entrando com cuidado para nãoser visto.

Cada minuto que passávamos em Berlim o perigo aumentava. Nossas vidas estavam

 por um fio, dependendo apenas da nossa força e amor.Coloquei minha mala no canto da porta e segui até o quarto. Deitado sobre a cama,

o Eliezer chorava no silêncio do seu tormento. Meu coração apertou ao vê-lo naqueleestado, um sofrimento que não se pode explicar, onde o coração afunda num vale delágrimas sem que ninguém possa resgatar.

Sentei-me à cama e acariciei seu cabelo dizendo:-Você precisa ser forte...

Virando-se para mim ele falou:-Hans!... Que bom que você veio...-Assim que amanhecer nós vamos partir.-Já?

-Sim... Não podemos mais perder tempo.-Não queria partir sem saber se minha família está bem... Onde estão...-Humpft... Aqui também não podemos ficar, se não seremos vítimas das maldades nazista.-Seremos? Por que você fica se colocando no meio disso? O judeu não é você, é a mim queeles querem...-Se eles quisessem te levar, terão que me levar junto. Eu não vou te deixar.

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Revoltado, ele levantou-se da cama, pegou o abat-jour e jogou à parede gritando:-Drogaaaaaaaa! Não é justo!...

Corri até ele e o segurei para que não atirasse mais nada, pedindodesesperadamente:-Não!... Pelo amor de Deus, pare!-Isso é injusto, Hans!-Eu sei, mas sozinhos não temos forças contra a Gestapo, SS...

Chorando muito ele encostou sua cabeça em meu peito. Queria um dia acordar ereceber a noticia de que tudo aquilo não passou de um pesadelo, uma noite mal dormidacom um breve fim, mas infelizmente aquela era nossa realidade.

Após um profundo suspiro, toquei em sua face com as duas mãos e falei:-Agora precisamos dormir... Vou deixar tudo pronto para quando sairmos no início damanhã não perdermos muito tempo.

Fazendo sinal com a cabeça ele concordou. Peguei suas malas e caminhei em passoslargos até a sala. Coloquei-as sobre a mesa, pois estavam um pouco pesadas. Esfregandouma mão à outra, comentei:-Nossa! O que você tanto leva dentro dessa mala?

Antes que ele respondesse, alguém bateu à porta. Olhamos-nos assustados.Caminhando em direção à porta na ponta dos pés, fiz sinal para que voltasse ao quarto efizesse silêncio.

Segurando ao batente da porta, perguntei:-Quem é?-Sou Helene, vizinha do lado.

Desconfiado, abri parcialmente a porta questionando:-Sim?-Bem... Eu ouvi um forte barulho e vozes, queria saber se está tudo bem.  - Falou tentando

enxergar o interior da sala.-Sim, por aqui está tudo bem.-Tem mais alguém com você?-Estou sozinho, senhora.-Há quanto tempo mora aqui? Nunca tinha o visto...-Qual a razão de tantas perguntas, minha senhora?-Bem... Ouvimos falar que ainda existem judeus escondidos pela cidade...-Como pode ver, não sou judeu nem estou escondido.

 Nesse momento ouvimos um barulho vindo do quarto.-Você não disse que estava sozinho?  - Questionou aquela intrometida apoiando a mão à porta.

-Isso não é da sua conta!-Deixe eu ver se não chamarei a polícia! - Ameaçou já forçando entrar.-Tudo bem. - Respondi liberando sua entrada.

Assim que ela entrou, tranquei a porta. Como um leão faminto em caça à presa elacaminhou em direção ao quarto. Entrei em desespero. Se descobrissem o Eliezer, na melhordas hipóteses iriam nos separar, algo que eu não estava disposto a aceitar.

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Tomado pelo desespero, peguei uma panela vazia que havia sobre a mesa e acerteisua cabeça. Imediatamente ela caiu desmaiada, antes mesmo de chegar ao quarto.-Vamos embora daqui, agora! - Falei pegando a mão do Eliezer.-Mas Hans...-Não temos mais tempo... Vamos!

 Na pressa, deixamos as malas para trás. Descemos aquelas escadas rapidamente, parando logo na entrada antes de cruzarmos o portão. Aquelas alturas, todo cuidado era pouco, pois tínhamos todos contra nós, somente o amor ao nosso favor.

Olhando de um lado para o outro da rua, disse ao Eliezer:-Vamos! - Sussurrei.

Cabisbaixos, seguimos apressados pela calçada até o ponto do bonde. Devido aohorário demoraria a passar, sendo assim, aguardaríamos ali até que o primeiro passasse.Respiramos fundo, pois mais uma etapa estava vencida, pelo menos era o que achávamos,até ouvir nos chamarem.

Voltamos a caminhar.-Não olha e continua andando. - Falei.-Estou com medo, Hans...-Agora não é hora de ter medo, e sim coragem.

Apressamos os passos. Embora eu tivesse tomado todo cuidado ao entrar no prédio,a Gestapo conseguiu seguir-me sem que eu suspeitasse. Notando que os soldados estavamcada vez mais próximos, disse ao Eliezer:-No Três você corre. Um... Dois... Três... Vai!

Entramos na primeira rua e começamos a correr como loucos. Por sorte nãolevamos um tiro. Ao chegarmos no parque, escalei o muro primeiro e ajudei o Eliezer asubir. Cada minuto que passava, nosso destino se distanciava, aumentando nossa angústia.

Cansado, o Eliezer falou:

-Não quero mais fugir.Entrei em desespero.

-Eli, por favor, precisamos sair depressa.-Não! É a mim que eles querem, não você.-Pelo amor de Deus, não se entregue...-Corre, Hans!... Corre!...-Sem você eu não vou. - Respondi chorando.-Vai, antes que eles te peguem.-Se eles te levarem, vão ter que me levar também!

 Nesse momento ele deu-me um soco, fazendo-me rolar morro abaixo em meio àsfolhas secas caídas ao chão. Desmaiei. Abri os olhos lentamente, com certa dificuldade

devido a luz do dia que começava a clarear.Levantei-me com o corpo dolorido, e um pequeno corte na testa que me fazia

sangrar.Voltei pra casa arrasado, mancando e chorando, louco de raiva e remorso.

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Capitulo 30

Abri à porta cabisbaixo, com raiva de mim mesmo por não ter lutadomais. Segui para meu quarto, aproveitando que não havia ninguém em casa. Pelo menos erao que eu pensava, pois logo que passei pelo corredor minha mãe abordou-me:

-Hans! Onde está com a cabeça? - Questionou séria.-Que susto, Mutter!Pegando pelo meu braço, levou-me até seu quarto, fechou à porta e quis saber:

-O que você está pensando, Hans? Está achando que essa situação toda é um parque dediversão?-Não estou me divertindo... Eu estava fazendo justiça!

Mamãe chorava, mas mantinha seu jeito durão e seco de ser.-Em meu lugar, minha avó teria te colocado pra fora... Minha mãe...-E a senhora? - interrompi. - Vai me por pra fora de casa?-Acha que me alegraria te ver sofrer? Sendo massacrado pela sociedade, pelos nazistas?...-Mutter...-Hans você não sabe como uma mulher sofre nesse mundo controlado por homens... Aguentamos tudo caladas, sem poder opinar, escolher...-Humpft... Obrigado por não ter contado nada ao Vater, Mutter. - Agradeci abraçando-a.

Tocando minha cabeça, disse após um longo suspiro:-Hans... Pelo amor de Deus... Não deixe que as pessoas abusem de você...-Não sei preocupe, Mutter... Ninguém ficará sabendo... Somos discretos.-Meu filho... Você sabe que não foi isso que eu sonhei pra você...-Eu sei, Mutter.

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Ouvimos um barulho.-Seu irmão! - Exclamou ela correndo em direção à porta...-Vou pro meu quarto.-Não deixe que ele descubra ou desconfie de algo... Seu pai saiu hoje achando que vocêestava no quarto.-Danke!-Hans, você sabe como o Patrick é... Pelo amor de Deus, ele não pode saber de nada...-Ainda não enlouqueci.

Voltei ao meu quarto, e lá permaneci por dias, comportando-me como um bomrapaz. Papai ficou super feliz, pois ao que tudo parecia, eu havia esquecido aquela históriatola de ajudar judeus definitivamente. Doce ilusão. Na verdade eu só estava ganhandotempo, aguardando a oportunidade para partir em busca do meu grande amor.

Sentados ao sofá, vovô e eu conversávamos quando a campainha tocou. Da cozinhavovó foi atender:-Eu atendo! - Disse ela carregando um lindo vaso nas mãos.-Mutter! - Exclamou tia Ingrid em prantos.-Ingrid! O que aconteceu?-Uma desgraça... Uma desgraça! - Disse ela abraçando vovó com um papel a mão.

Enxugando as mãos mamãe veio até a sala questionando:-O que está acontecendo?

Vovô e eu nos levantamos.-Ingrid! O que aconteceu?-Gisela... Olha... - Falou entregando-lhe o papel.

 Não era muito difícil de adivinhar o teor daquele papel, e minha suspeita confirmou-se na expressão que mamãe fazia enquanto a lia.-Gott!

-O que houve, Gisela? - Perguntou vovó, trêmula.-Robert faleceu, Mutter.-Gott!-Meu menino... Meu Robert...-Julia, sente-a aqui ao sofá...-Ai, Vater...-Venha minha filha, sente-se aqui um pouco.-Vou buscar um copo com água para ela. - Disse vovó.

Assim que ela se sentou, peguei o papel que informava sobre a morte de meu primo para ler. Partiu nosso coração ver o desespero da tia Ingrid, embora todos nós jáestivéssemos preparados para tal notícia.

 Na verdade Robert foi vítima de um dos princípios do nazismo: O embelezamentodo mundo. Segundo a visão do partido, há muito tempo atrás o mundo era lindo, mas amiscigenação e degeneração o poluíram. Somente a volta aos antigos ideais faria ahumanidade ascender.

 Nos anos 1930 Adolf Hitler abriu uma exposição apresentando os ideais de belezaque pretendia adotar, semelhante ao representado pela antiga Arte Grega. Ao anunciar aaquisição da clássica estátua grega “O Discóbolo", Hitler teria dito: 

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"Notem como o homem já teve beleza física. Só podemos falar em progresso sereadquirimos tal beleza e a superarmos. Para que possamos enfrentar os deveres de nossotempo. Vamos nos empenhar na busca da beleza e elevação. Assim, nossa raça e nossa arteresistirão ao julgamento de todo milênio!"

Colocando em prática esse ideal, algumas semanas após o início da guerra, o Führerda Alemanha iniciou o programa de Eutanásia. Dessa vez a nação ficaria livre de pessoascom deficiências. Seu amigo e médico pessoal,  Karl Bradt   e seu chefe de Estado-Maior, Philipp Bouhler , selecionaram os médicos que fariam parte do programa. A ordem foiescrita em papel pessoal de Hitler, com datada com o dia em que iniciou a guerra.

Trazendo um copo com água da cozinha, vovó questionou:-Mas não disseram qual a causa do falecimento?-Dizem na carta que foi por Tifo... - Respondeu mamãe.-Tifo? Em um hospital? - Duvidou vovô.-É mentira, Vater!... Vocês não estão vendo que isso é só uma desculpa pra justificar amorte do meu filho? Eles mataram o Robert!

Após efetuar testes na prisão de Brandemburgo, Adolf Hitler delegou o médico daSS e recomendou o uso letal de monóxido de carbono. Em seguida foi aberto um escritórioem Berlim para o programa, localizado na Rua Tiergarten, número 4, posteriormenteutilizado como codinome da organização: T4. Um formulário foi desenvolvido comquestionário e laudo médico, onde eram distribuídos em hospitais e asilos. Os mesmosdeveriam ser preenchidos com os dados da patologia, capacidade para o trabalho, religião,raça e ficha criminal de cada paciente. No rodapé era reservado um espaço para a decisãodo médico. Um sinal azul significava Vida, e o vermelho Morte. Obviamente os judeus possuíam um status especial.

Mais tarde os pacientes selecionados seriam levados, sendo providenciado

transporte pela equipe de avental branco da SS. Para que não fosse vistos, as janelas dosônibus eram pintadas. Antes de transportar o paciente para a unidade de morte aguardavam-se um período. Durante esse tempo a família recebia três cartas. A primeira justificava amudança do paciente devido à guerra. Já a segunda carta informava que o paciente haviachegado bem em seu destino, e a última, preparada por um departamento especial. atestavaa causa fictícia da morte e dava condolências. Os médicos assinavam as cartas comassinatura falsa, e foi uma dessas cartas que tia Ingrid recebera.

 No programa T4 os médicos nazistas viram a chance de fazer experimentos que seriam muitoutilizados no futuro, como falsificar assinaturas, comportando-se como criminosos. O que não significava quesua imagem fosse abalada, pois eles achavam que o povo alemão não estava pronto para entender tais radicaismedidas. A matança poderia ser feita por qualquer um, porém, para manter a legitimidade das mortes eranecessário que um médico abrisse o gás da câmara. Os pacientes eram agrupados na câmara de gás e oscorpos eliminados no crematório.

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A medicina alemã estava entre as melhores do mundo, com tratamentos modernos ea mais nova tecnologia existente. Porém, aquele papel ambíguo do médico que curava comuma mão e matava com a outra começou a gerar desconfiança no povo alemão.

Desesperada, tia Ingrid acusava:-Foram eles... Foram eles...-Eles quem, Ingrid? - Perguntou mamãe.-Foram as SS, Gisela... Eles mataram meu filho.-Mas por que eles fariam isso, filha? - Questionou vovó tocando em sua mão.-Porque meu filho é deficiente... Especial... Covardes!... Eles são covardes!

 Nesse momento papai entrou em casa. Tirando seu casaco, olhou curioso para nós perguntando:-O que acontece aqui?-Robert faleceu. - Respondeu mamãe.

O que nos surpreendeu foi a indiferença com que papai tratou a notícia, como seuma barata fosse esmagada.

Caminhando em direção ao quarto, ele falou:-Precisam fazer esse alarme todo?-Alarme todo? Você fala isso porque não era um filho seu! - Gritou tia Ingrid revoltada.-Se eu tivesse um filho aleijado, já teria dado um fim há muito tempo.-Gott! - Exclamou vovó.-Oliver!... O que deu em você?-Nada, querida! Já pensou no que teremos para o jantar de hoje?-Você não tem coração!-Vou tomar um banho. Meus sentimentos, Ingrid.

Sem responder ela o olhou indignada. Mamãe parecia não acreditar na cena queacabávamos de presenciar, o que para mim não foi uma surpresa.

-Eu vou embora dessa casa!-Calma, Ingrid... Você está muito nervosa.-Calma? Sou obrigada a ouvir desaforos do seu marido, na situação em que me encontro, evocê me perde calma?-Ingrid, sua irmã tem razão.-Ninguém sabe a dor que estou sentindo, Vater.-Nós imaginamos, filha... Como mãe eu também não aceitaria a morte de um filho. Eu lheentendo...-Danke, Mutter!

Em um filme produzido pelos nazistas, eles teriam esclarecido:

"Hoje, as pessoas saudáveis vivem em guetos e casebres. Porém, foram construídos palacetes para os loucos. E eles nem sequer se dão conta de toda beleza que os cerca. O povo alemão mal sabe a extensão dessa peste. O povo alemão não conhece a atmosferaopressiva onde milhares de doentes têm de ser alimentados e tratados. Indivíduos que sãoinferiores a qualquer animal ”. 

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Capitulo 31

Na cozinha, tentava consertar a alça da chaleira que semquerer havia derrubado ao chão, quando vovô chegou discretamente exclamando:-Aqui está você!-Bom dia, vovô!

-Bom dia!... Olhe o que chegou para você... - Disse entregando-me uma carta.-Uma carta?-Ja!-É do Eli, vovô!-Eu sei... Por isso que tratei de vim logo lhe entregar, antes que seu pai a visse e...-Danke! Vou ler em meu quarto. - Falei levantando-me da mesa.-Vá, meu neto!

Meu coração só faltou sair do peito, tamanha era a ansiedade por notícias suas.Tranquei a porta para não ser pego de surpresa. Deitei-me a cama e abri o papel de dentrodo envelope.

Em 07 de maio de 1940 o gueto de Lodz já possuía aproximadamente 162 mil moradores convivendonum espaço de 1,6 km².

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Lodz, 15 de Abril de 1940.

Hans,Infelizmente tivemos que nos distanciar para que nossa integridade física fosse preservada.Mas não se preocupe, estou bem, morando com meus pais em Lodz. Longe do que eraem Berlim, nossa casa aqui no gueto é muito humilde, e pouco tempo sobra para outrosafazeres a não ser trabalhar.Espero que você esteja bem. Penso em você todas as noites, e espero um dia poderreencontrá-lo.

Shalom

Eliezer Lovitz

Aproximei aquele papel em meu peito para sentir um pedacinho daquele que mefazia sonhar. Impossível controlar as lágrimas que desciam a cada suspiro involuntário.Embebido na saudade extrema, adormeci.-Hans... Hans... - Chamava mamãe batendo a porta.

-Ja!-Sua avó e eu vamos à ópera. Não quer ir conosco?-Danke, mas prefiro ficar aqui. Vovô não irá com vocês?-Nein... Disse que está com dor de cabeça.-Esse velho vive com dores... - Completou vovó calçando suas luvas. -Vamos logo, Gisela,antes que perdemos a hora. Odeio chegar atrasada...-Vamos indo, Hans. Cuide de seu avô para nós...-Pode deixar.

Fechei a porta da sala, e não demorou muito vovô apareceu, com uma caneca namão e um charuto na outra.-Aquelas duas já se foram?-Sim.-Ainda bem.-Por quê? O que houve?-Mulheres... Só servem para nos perturbar.-Ainda dói sua cabeça?-Cabeça? Dor?-Ja... Disseram que o senhor não quis ir à ópera porque estava com dor de cabeça...

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-Ah... Foi a primeira desculpa que me veio em mente...  - Disse sentando-se a poltrona do papai.-Sabe, vovô... Sinto uma tristeza tão grande pelo meu amigo, por não ter conseguido ajudá-lo a fugir.-E só porque não conseguiu uma vez irá desistir?-Hum?-Se Adolf Hitler tivesse desistido quando foi derrotado nas eleições, hoje não seria o Führer da Alemanha!-O que quer dizer com isso?-Na vida, nada é fácil. Não se desiste de uma guerra no primeiro obstáculo queencontramos pela frente. Seja forte, lute pelos seus objetivos...-O senhor acha que...-Ah se eu tivesse a sua idade...

Aquela pequena conversa com vovô encheu-me de ânimo. Naquele instante eudecidi. Não importava o lugar que Eliezer estivesse, eu iria encontrá-lo.

Alguns dias se passaram, e uma viagem de última hora de papai deu-me a chanceque eu precisava.-Hans... Que mala é essa? - Questionou mamãe entrando em meu quarto.-Humpf... Eu preciso ir, Mutter.-Ir? Ir aonde?-Salvar a minha felicidade.

Seus olhos começaram a lacrimejar.-De novo essa história? Será que você ainda não se deu conta de que a vida não os quer juntos?-Meu amor é mais forte que a vontade da vida. Por isso eu vou tê-lo de volta. - Respondicolocando mais roupa dentro da mala.

-Meu filho, pelo amor de Deus!... Essa guerra...-Que venha a guerra! Existe forma melhor de morrer do que por amor?-Gott!

 No final da tarde, tudo já estava pronto para que eu definitivamente partisse. O trem partiria em breve, sendo assim, não poderia demorar muito.-Hans...-Vovô!-Meu neto...

Demos um forte abraço. Chorando, ele desejou-me:-Talvez, quando você voltar, eu já não esteja mais aqui nesse mundo para comemorar seu sucesso...

-Não diga uma coisa dessas, vovô!-Mas lembre-se de que eu, seja qual erro for, estive sempre do seu lado...

Aquela despedida foi forte demais. A maior tristeza de tudo era que vovô tinharazão, pois aquela seria a última vez que trocaríamos um abraço, um olhar, antes de suamorte, que acontecera semanas depois.

Abri à porta da sala quando mamãe apareceu dizendo:-Não vai nem se despedir de mim?-Humpft... Não queria te ver sofrer... - Falei colocando a mala ao chão.

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Demos um forte abraço. Quanto sofrimento! Assim como mamãe, milhares deoutras mulheres passavam pelo mesmo sofrimento perdendo seus filhos e maridos naguerra. Mas ela era forte, e isso me servia de incentivo para continuar minha luta.

Entregando-me um papel, ela disse enxugando suas lágrimas:-Pegue!-O que é isso? - Questionei.-Foi pra esse lugar que levaram o Eliezer.-Que lugar é esse?-É um gueto... Em Lodz...-Mas como a senhora descobriu?-Coração de mães não falha... Eu já previa que isso cedo ou tarde iria acontecer... Humpft... Pedi ao Patrick que me desse o endereço desse gueto onde levavam os judeus...-Ao Patrick?-Humpf... Ja! Seu irmão não entrou em muitos detalhes, mas disse que esse é um doslugares onde estão isolando os judeus na Polônia.-Mutter... Por que a senhora fez isso?-Porque sei que de qualquer jeito você iria, porém, sem minha ajuda demoraria mais para...-Humpf... Danke! - Beijei sua mão.-Que Deus esteja com você a todo momento e não lhe desampare.-Amém!

Após me despedir de todos, peguei um carro de aluguel e parti para a estação detrem. Meu coração estava dividido entre deixar minha família e encontrar o Eliezer, porém,em nenhum momento pensei em desistir. Naquele momento, Lodz era meu único destino.

 No início do século XX, Pinsk e Lodz eram as cidades onde os vendedores selevantavam cedo as segundas e quintas para vender suas mercadorias no mercado. Varsóvia,

capital polonesa, era onde os escritores saboreavam vagarosamente seu chá e descreviam avida da época. Em Viena, seus parques e amplas ruas viviam repletas de artistas captandomomentos de lembranças, ao mesmo tempo em que violinistas transformavam cafés emsalas de espetáculo.

“Não se pode viver verdadeiramente e desistir do que dá

significado e propósito a uma vida inteira.”  - Adolf Hitler

 No dia 09 de novembro de 1940, em Heckfield, Arthur Neville Chamberlain, Primeiro-ministro doReino Unido, veio a óbto. Renunciando seu cargo de Primeiro Ministro em 10 de maio de 1940, foisubstituido por Winston Churchill.

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O barulho de ferro arranhando acompanhado de bruscos solavancos indicava que otrem estava parando. Eu já havia perdido a noção das horas que passei dentro daquelevagão.-Por favor... Como faço para chegar ao gueto? - Perguntei a um funcionário da estação.

Olhando-me com desprezo ele indicou-me o caminho. Caminhei até o ponto do bonde mais próximo e segui à risca suas orientações. Minutos depois, deparei-me com o talgueto.

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Capitulo 32Caminhando pelas ruas,  reparei que as pessoas olhavam-me estranho,

com ar de repugnância. A quantidade de gente circulando no interior daquele bairro eragrande, assim como a sujeira.

Duas horas já havia se passado desde a minha chegada, e a fome estava cada vezmais insuportável. Ao passar por uma feira, levei as mãos no bolso para ver se tinha algumdinheiro, quando ouvi alguém chamar meu nome:

-Hans!?Virei-me.-Senhora Lovitz!-O que faz aqui, rapaz? - Questionou aproximando-se de mim segurando um cesto cheio de batatas.-Vim ajudar vocês...-Nos ajudar? Já nos ajudou mandando nossa família pra cá. - Ironizou.-A senhora sabe que não tive culpa alguma... Mesmo assim, peço que me perdoem.-Humpft... Quanto tempo faz que você está aqui?-Acabei de chegar...-Já tem onde ficar?-Ainda não.-Venha comigo. - Disse subindo à calçada.-As pessoas nos olham estranho nesse lugar. - Comentei enquanto caminhávamos.-Eles sabem que somos de Berlim... Dizem que os judeus de lá se acham melhores por falaralemão.-Mas eu não tenho cara de judeu.-Está entre nós, e isso já basta.

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“Os judeus sempre foram um povo com características

raciais definidas e nunca uma religião.”  - Adolf Hitler

Entramos em um prédio. Depois de subirmos dois andares de escada, a senhoraLovitz tirou uma chave de seu bolso e abriu à porta.-Entre! - Exclamou empurrando-a.-Com licença...

 No interior do apartamento não havia ninguém. O vidro da janela entreaberta faziacom que a cortina verde clara desse único sinal de vida naquele lugar escuro e úmido. Nocentro da sala uma mesa de madeira com quatro cadeiras ocupavam um pequeno espaço, eao canto próximo à porta um grande cesto com alguns vegetais.

Vê-los naquela situação apertou-me o peito. A senhora Lovitz, que sempre foi umamulher fina, jamais imaginei vê-la vestida em andrajos, magra e abatida.-Vou preparar uma sopa de batatas pra você comer.

-Por favor, senhora Lovitz, não quero incomodar...-Onde comem três, comem quatro. Daqui a pouco o Boris chega e estará faminto...Pegando quatro batatas ela olhou para mim e disse:

-Quero que você saiba, Hans, que sua presença aqui não me agrada nem um pouco. E sóestou fazendo isso pelo meu filho que muito lhe estima.-Senhora Lovitz, eu nunca fiz nada para prejudicá-los!-Sua família nos colocou aqui.-Não!... Adolf Hitler os colocou aqui. Eu e minha mãe não temos culpa de nada. O Patrickteve sua contribuição, mas por favor, não me trate assim... Ele não sabe o que está fazendo...-Não sabe? Acha que sou ingênua, Hans?

-Senhora Lovitz, os jovens desse país estão hipnotizados por esse governo que...-Chega, Hans! - Interrompeu-me. - Vamos esquecer esse assunto, certo?-Humpf... Tudo bem.

A porta se abriu. Virei o pescoço em sua direção e avistei o Eliezer entrar, emseguida seu pai. Meu coração quase saiu pela boca. Nossos olhares se falavam sem quenossas bocas proferissem uma só palavra.

Levantei-me. Como ele estava diferente! Seu rosto abatido, sujo, expressamentecansado. Vestido em andrajos, mais parecia um morador de rua. Tive vontade de chorar deemoção, mas também de tristeza por vê-lo naquele estado deplorável.

Caminhando lentamente em minha direção, questionou parecendo não acreditar:-Hans?... O que faz aqui?

-Vim te buscar! - Respondi exibindo um expressivo sorriso.Abrindo seus braços ele veio em minha direção. Que saudade! Abraçamos-nos comtanta vontade, tal como matar a sede num deserto.-Você está louco? - Questionou chorando com sua mão esquerda apoiada em minha nuca.

Em seu ouvido sussurrei:-Sou louco por você.

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"Tudo parecia inútil. Ninguém se importava conosco. Éramos a bagagem extra domundo. Já havíamos desistido da esperança, até que ouvimos uma história magnífica arespeito de um diplomata sueco, Raoul Wallenberg, que foi para a Hungria em uma missãode salvar judeus. Logo aquele homem se tornou o salvador. Todos os dias, correndo um grande risco ele tirava pessoas das mãos dos nazistas. Ele conversava conosco e nosmostrava que havia um ser humano que se importava, um anjo naquele inferno. Raoulimprimia seus próprios passaportes suecos, em seguida corria para os trens de deportados,trens que estavam saindo para Auschwitz, alcançando o grupo desesperado. Estendendo seus braços, dava aos judeus a passagem para viver. Ele conseguiu salvar 30 mil pessoas, sendo apenas um homem. Mas depois da libertação de Budapeste, os russos o raptaram. Essa é a ironia de tudo. Aquele nobre ser humano que fez tanto pelos outros, poderia estarapodrecendo em algum lugar. Completamente só.” 

Raspando a colher ao fundo do prato de lata amassado, o senhor Lovitz comentou:-Nada como uma sopinha para nos aquecer nesse frio.-Pois é... Desde que me mudei para a Europa eu vivo com frio. - Comentei.

Todos riram.-Bem, vou me preparar para dormir. - Disse ele levantando-se da mesa.

Olhando para mim, o Eliezer disse:-O Hans pode dividir a cama comigo...-Melhor não! - Disse sua mãe enfática. - Ele pode dormir em uma esteira que tem no...-Esther, com um frio desse... Está louca?  - Interrompeu o senhor Lovitz. - É melhor quevocês dividam a cama, acredito que o Eliezer não irá se importar.-Por mim não há problemas, meu pai.-Então pronto! Resolvido!

De um jeito ou de outro a senhora Lovitz queria nos manter afastados. Embora euquisesse muito, sentia-me constrangido. Mesmo sem dizer, ela dava a entender que sabiasobre nós e que não aprovava.

Mais tarde eu descobriria que no gueto os judeus recebiam apenas o mínimo dealimento, obrigados a realizar trabalhos forçados, existindo como prisioneiros totalmente amercê de seus capatazes nazistas.-Hans... Está acordado? - Sussurrou o Eliezer.-Ja.-Está com frio?-Ja.

Eliezer apenas aguardava minha confirmação para fazer aquilo que ele estava louco

 para fazer, que era me abraçar. Óbvio que o abraço foi só o começo, pois bastou nossa pelese tocar para um beijo iniciar. Que delícia! Tomando cuidado para não fazer barulho eletrouxe seu corpo para cima do meu, já sem camisa, ao mesmo tempo em que sua mãoesquerda descia pelo meu peitoral até chegar em meu membro já excitado. Que loucura!Estávamos todos no mesmo quarto, porém, a saudade e desejo eram tantos que o risco valiaa pena.

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Sua boca lambia meu pescoço, intercalando com leves mordidas no queixo. Gemi baixinho. Minha tesão estava a mil, e num único movimento brusco o puxei mais para cimae comecei a chupar seu mamilo. Arrepiado, Eliezer puxava meu cabelo. O cobertor subia edescia, seguindo o ritmo dos movimentos pélvicos que fazíamos, roçando nossas penas,coxas com coxas. Minha boca foi parar em seu pênis, enquanto a sua o mesmo fez.Penetrados, gozamos juntos, com força, calados. Aquelas alturas minha pele estava todamarcada, provas de um prazer absoluto, onde o limite era o Amor.

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Capitulo 33

Acordei feliz. Alisei o lençol e percebi que Eliezer já não estava. Olhei parao outro lado e seus pais também. O barulho de panela caindo ao chão soou. Vesti uma roupae levantei.

-Bom dia, Hans! - Saudou a senhora Lovitz ao me ver entrar na cozinha.-Bom dia!... O Eliezer não está?-Não... Foi procurar um trabalho. - Respondeu colocando uma leiteira sobre a mesa.-Será que ele vai demorar?-Não sei... Sente-se. Vamos tomar nosso café da manhã!-Danke!-Danke... Nunca entendiisso...-Isso o quê?-Você vir do Brasil e falar alemão fluente.-Sou brasileiro, mas meus pais são alemães. Na rua eu conversava em português com meusamigos, mas em casa sempre nos falamos em alemão.-Entendi.-Só o que eu não praticava era o frio europeu.-O frio...-Ja...-Você deve ter passado muito frio essa noite...-Um pouco. Mas como a senhora sabe?-Deduzi, afinal, qual outro motivo haveria para você e meu filho dormirem abraçados?

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Gelei. Sua indireta pareceu-me provocação, um teste para saber até onde eu eracapaz de chegar. Por um momento calei-me, mudando de assunto em seguida:-O pessoal aqui acorda bem cedo...-A vida no gueto não é como no mundo lá fora. Por aqui tudo é mais difícil.-Vocês não pensam em ir embora?-E quem disse que estamos aqui por vontade própria?-Humpf... Desculpe.

Da Eslováquia, o Rabino Weissmandel escreveu para organizações judaicas naSuiça: "Não entendemos como vocês podem comer e beber, dormir a noite, como podem sair para passear. Tenho a impressão de que fazem essas coisas. Essa responsabilidadeestá sobre seus ombros. Nós estamos juntos há meses e vocês ainda nada fizeram".  

 No início da tarde o senhor Lovitz chegou acompanhado de uma notícia quemudaria nossas vidas para sempre.-Boa tarde! - Exclamou cabisbaixo, fechando a porta.-Boa tarde!-Boris... Aconteceu alguma coisa?-Humpf... As novidades desse lugar parecem não ter mais fim.-E qual foi a novidade dessa vez?-Estamos proibidos de deixar o gueto.-Como isso?-Ninguém mais pode sair ou entrar sem autorização...-Adonai! - Exclamou a senhora Lovitz preocupada.

 No dia 1º de maio de 1940 a trágica notícia de que ninguém poderia deixar o gueto pegou a todos de surpresa. Ninguém poderia entrar ou sair sem ordem expressa alemã.Posteriormente descobriríamos que o gueto de Lodz foi o primeiro gueto europeu a serfechado com arame farpado.

Os judeus que viviam em guetos eram obrigados a usar uma faixa branca no braço com uma estrelade Davi azul. Deixar o gueto era crime, bem como contrabandear pão ou qualquer outro alimento. A punição

 para os chamados "crimes" quase sempre era a morte. Mas os judeus não foram as únicas vítimas dosnazistas. Começando em outubro de 1939 e durante 1940 eles já haviam assassinado mais de 70 mil alemães eaustríacos que foram considerados "inadequados para viver". Entre esses estavam os portadores de doençascrônicas, retardados mentais. Eram exterminados em câmaras de gás em 6 instituições especiais de eutanásia.Tal programa de eutanásia tornou-se base de treinamento para a SS, que mais tarde usaria sua recém-adquiridahabilidade ao administrar os campos de extermínio nazistas.

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Proibido de deixar aquele lugar, passei a morar no gueto com Eliezer e sua família, eno meio dessa convivência as diversas dificuldades como todos os judeus.

Certo dia, ao andar pela rua deparei-me com uma situação absurda. Um pequeno bonde que interligava Lodz às cidades vizinhas passava pelo meio do gueto. A rua por ondeele transitava foi cercada por arame farpado de ambos os lados, e sobre ela foram instaladas pontes que ligavam as duas partes do gueto. Frequentemente os alemães praticavam tiro-ao-alvo em direção àquelas pontes, mirando nos pedestres que por ali passavam.

O gueto cresceu de tal maneira que tornou-se uma espécie de "estado", totalmenteautônomo, com suas próprias leis, polícia, funcionários e até um "presidente" acompanhadode "ministros".  Rumkowski, o presidente do gueto, procurou impor sua autoridade peranteos moradores através da fome.Todos se submetiam a ele de um modo ou de outro. A comida passou a ser controlada, onde as rações semanais não supriam a necessidade de um únicodia. A população passava fome, porém, aqueles que possuíam algum dinheiro podiamcomprar alimentos contrabandeados.-Boa noite! - Saudou Eliezer entrando em casa.-Boa noite!-O que aconteceu com você? - Perguntei preocupado.-Nada, não se preocupem.

Com a roupa imunda e o rosto machucado, dizer que nada havia acontecido era omesmo que contar piada para surdo.-Foram os guardas novamente? - Questionou sua mãe.-Humpf... É.-O que tem os guardas? - Perguntei sem entender.-Eles me obrigaram, junto com outros rapazes, a lavar as calçadas da cidade.-Lavar as calçadas da cidade?-É, Hans...

-E esse corte em sua testa?-Isso foi um escorregão que levei.-Vou preparar um banho para você, meu filho.-Obrigado, Ima... Estou morto de fome!

A cidade de Lodz foi incorporada ao Reich, recebendo o nome de Litzmannstadt em homenagemao general alemão, do qual a conquistara na Primeira Grande Guerra.

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-Eli...-Hum?-Estou muito preocupado.-Com o quê?-Com tudo!... Quase não temos comida!-Humpf... Além disso, nos falta dinheiro. - Falei levantando-me e seguindo até a pia.-Se ao menos tivéssemos um emprego...

Umedecendo um pedaço de pano na água, continuei:-Enquanto não encontrarmos um emprego, darei um jeito de conseguir mais comida.-Como?-Vou pensar.  - Respondi caminhando em sua direção. - Agora me deixe limpar esse ferimento...-Ai!-Doeu?-Não... Foi charme! - Falou colocando sua mão sobre a minha.-Felizmente foi um pequeno arranhão... Já está quase acabando.-Se você cuidar de mim assim sempre que algo me acontecer, vou querer cair todos os dias.

Rimos.-Não diga tolices... Pronto!-Seu banho já está pronto. - Avisou sua mãe voltando a cozinha.-Obrigado, Ima. Deixa eu tomar banho e tirar essa roupa suja...-Vá, que quando você voltar o jantar já estaremos servindo o jantar.

Assim que ele entrou no banheiro o senhor Lovitz chegou, e como já era decostume, portando mais uma notícia sobre a guerra.-Boa noite!-Boa noite, senhor Lovitz!

-Vocês não sabem o que estão comentando por todo o gueto.-O quê? - Perguntamos curiosos.-A Alemanha invadiu a França!

Tal notícia chegou como uma bomba. Cada dia que passava a Alemanha avançavacada vez mais, diminuindo nossas esperanças de breve aquela guerra acabar.

Após o ataque a Polônia o exército nazista voltou-se para o Ocidente. Namadrugada de 10 de maio de 1940, sem declarar guerra, o exército alemão atacou três países neutros: Holanda, Bélgica e Luxemburgo, além de invadir a França. Agora, mais 500mil judeus ficariam sob o domínio nazista.

"A violação da neutralidade da Holanda e Bélgica não

importa. Ninguém a questionará quando alcançarmos a vitória".

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Chegara a vez da França sofrer. Com o ataque à Holanda e Bélgica, começou aofensiva. Em junho de 1940 Hitler estava no auge, quando em uma cinzenta madrugada de23 de junho de 1940 um avião aterrisou em Le Bourget , fora de Paris. Acompanhado de umgrupo de artistas ele passeou pela cidade sucumbida. O relógio já marcava seis da manhã.Aquela era a primeira vez que Adolf Hitler pisava na capital francesa, porém, não o fezsozinho. Acompanhado do escultor Arno Breker e os arquitetos Hermann Giesler e AlbertSpeer, seguiram para o teatro Ópera de Paris. Como um perito em casas de ópera, Hitlerliderava o grupo. "Meu sonho era conhecer Paris". - Comentou ele enquanto voltava para oaeroporto. Empolgado, perguntou a Speer: -"Paris não é linda?"  

"Meditei muito se deveria ou não destruir Paris. Mas quando

Berlim estiver pronta, Paris será uma sombra. Então por que

destruí-la?"  - Adolf Hitler  

A tarefa de destruir Paris ficou a cargo de Albert Speer. Os projetos para a criaçãoda nova capital mundial estavam prontos. Através de enormes maquetes, Hitler expôs o queseria a nova Berlim. Speer projetou um arco do triunfo duas vezes maior que o original deParis, inspirado em um esboço de Hitler de 1925, bem como o Palácio do Führer, umcomplexo arquitetônico destinado a nova residência de Hitler. Um dos seus maiores projetos era o Centro Cultural, ostentando uma cúpula dezessete vezes maior que a Basílicade São Pedro em Roma, com capacidade para 180 mil pessoas. Sua extensão erainacreditável, com uma abertura no teto que permitia entrada da luz do dia, e por sugestãodo próprio Führer uma imensa estatua sua seria posta logo na entrada. Até 1950, no maistardado, a nova capital estaria pronta, tendo vencido a guerra.

 Naquela noite eu não consegui dormir pensando em como faria para conseguir

comida, pois sinais de desnutrição já era visível a todos, inclusive a mim que há poucotempo havia chegado.O dia mal havia amanhecido e eu já havia levantado. Fiquei sabendo que fora do

gueto, nas imediações, havia barracas comercializando hortaliças, coisa que faltava muito por lá. Tratei de sair de casa primeiro que todo mundo, dessa forma não seria questionado eimpedido de me arriscar.

Enquanto caminhava minha barriga resmungava, premida pela fome e desespero.Aproveitei-me de uma pequena confusão e consegui enganar um sentinela, passando por baixo de uma cerca de arame farpado. O dinheiro que eu possuía não era muito, porém, nasituação em que nos encontrávamos de estrema pobreza, daria para segurar as pontas porum bom tempo.

Comprei verduras e legumes, além de um pouco de café. Escondi um pouco dentroda roupa, e o que não coube deixei dentro de uma pequena sacola, enrolada e colocadaembaixo do braço. Torci para que na volta tudo desse certo, caso contrário minha cabeça poderia rolar.

Felizmente deu tudo certo, e ao chegar em casa todos me aguardavam, preocupadoscom minha saída sem aviso.

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-Hallo!-Hans! Onde você estava? - Questionou o Eliezer aprensivo.-Fui fazer umas comprinhas!-Comprinhas?-Ja... Trouxe batatas, beterrabas, espinafre, rabanete, tomate...-Mas como você conseguiu tudo isso?  - Questionou a senhora Lovitz com os olhos brilhando.-Contrabando... Comprei fora do gueto.-Você está louco? - Revoltou-se o Eliezer.-Permanecer na situação em que todos estávamos não dá...-Mas você poderia ser pego!-Porém não fui. Trouxe muitas coisas para comermos, pelo menos uma semana comendobem...-Vou preparar uma farta sopa de legumes para o almoço!   - Disse a senhora Lovitz todafeliz.

Levantando-se da mesa o Eliezer foi para o quarto. Percebendo que ele não haviagostado da minha escapada, fui atrás dele para tentar conversar.-Com licença... - Entrei no quarto.

Deitado a cama, ele nada disse.-Eli... Não quero que você fique assim...-Mas eu fiquei muito bravo! Ainda estou... 

Sentei-me ao seu lado.-Você sabe que só fiz isso pelo bem de todos!-Humpf... Eu sei, mas e se algo acontecesse com você?-Porém, nada aconteceu. Olha eu aqui, sem nenhum arranhão!-Fiquei com um medo tão grande de te perder, Hans...

-Eu sei, eu sei...-Mas posso te contar uma coisa?-Ja!-Senti-me lisonjeado com sua atitude!-Verdade?-Uhum... Você é um homem e tanto!

Demos um forte abraço.-Por você eu ofereço minha vida!-Ani ohev otcha!-Eu também.

 No dia 22 de junho de 1940 a França se rendeu aos Nazistas.

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 Naquele dia jantamos sobre uma farta mesa. A senhora Lovitz até mudou um poucoa maneira de me tratar, enquanto seu marido exibia um sorriso que ia de orelha a orelha.-O jantar de hoje estava espetacular! - Comentou o senhor Lovitz.-Devemos isso ao Hans! - Completou o Eliezer.-Muito bem, Hans... Nós estamos muito felizes pela sua bravura e coragem. Mostrou que éum homem honrado, de caráter!-Obrigado, senhor Lovitz. 

Tendo em vista o sucesso da primeira tentativa, passei a deixar o gueto para comprarcomida fora toda semana. Em quase todas elas me dei bem, mas como na vida nem tudo écomo planejamos, eis que me peguei em apuros.

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Cheguei em casa mais branco que um fantasma. Fechei a porta da sala e logo asenhora Lovitz aproximou-se, ao mesmo tempo em que secava suas mãos em um pano.-Hans!...-Senhora Lovitz... Preciso de um copo d‟água... -Venha até a cozinha... Mas o que aconteceu? - Questionou puxando a cadeira para mim.-Quase fui pego pelos alemães.-Adonai! Mas como isso?-Um guarda me parou na rua e me pediu documentos. Por sorte um grupo de vendedoresde trapos disse que eu trabalhava com eles, caso contrário eu teria sido fuzilado alimesmo.-Mas que perigo!-E para completar, dois garotos começaram a me apontar na rua gritando que eu era judeu.-Hans, a partir de hoje não vamos mais permitir que você se arrisque dessa forma.-Mas senhora Lovitz...-Não adianta, Hans... A última coisa que queremos é ver você ferido ou punido por contadessas escapadas. Daremos um jeito de conseguir boa comida sem arriscar tanto.-Humpf... Tudo bem.

Alguns dias se passaram. Já estávamos no verão, e a estação daquele ano foiextremamente quente, e a falta de higiene somada a de medicamentos resultou na morte dequase todas as crianças recém-nascidas do gueto. O medo do aparecimento de outrasdoenças preocupava a todos. Em casa passamos a tomar cuidado com a água e alimentos,claro que dentro das nossas possibilidades.

Adentrando a sala, a senhora Lovitz comentou:-Já estão sabendo da última?-Não! - Dissemos eu e Eliezer sentados ao sofá. - O que houve, Ima?

-A França se rendeu.-Como?-É o que estão comentando no quintal...

O quintal do prédio onde morávamos era também utilizado para reuniões davizinhança, e claro, não se falava em outra coisa que não fosse a Guerra. Frequentementesurgia alguém com novidades, onde as supostas derrotas alemãs não passavam de umafarsa.

 No gueto não tínhamos acesso a rádios nem jornais, e a única forma das notíciaschegarem até nós eram as vindas de alguém com acesso a pessoas de fora do gueto, porém,sem garantias da veracidade das mesmas.

Ao tomarmos conhecimento da derrota da França depositamos nossas esperanças na

Rússia, acreditando que Stalin daria um ultimato a Hitler exigindo Lodz e Varsóvia, cidadesdas quais pertenceram à Rússia antes da Primeira Guerra. Mas nada disso aconteceu.

“Assim como a orientação denominal de um homem é o resultado de sua

educação, e o religioso precisa de um retiro para sua alma, a opinião pública

das massas representa nada mais que o resultado final de uma incrível

tenacidade e perfeita manipulação de sua mente e alma. ”  - Adolf Hitler

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Dormíamos tranquilamente, no mais profundo silêncio quando ouvimos um barulhode carro parar na rua. Seria uma situação normal, se não fossem os gritos chamando porsocorro. Assustados, todos levantamos e seguimos até a janela.-Não acenda a luz! - Sussurrou a senhora Lovitz.-Mas... O que estão fazendo? - Questionou Eliezer.-Psiu!

Espiávamos pela janela, calados, sem que nada pudéssemos fazer. Os soldadosalemães invadiram o prédio da frente e pouco tempo depois famílias inteiras caminhavamem fila, vestindo apenas pijamas, acuadas à parede, ameaçadas por rifles, metralhadoras ecães.-De frente pra parede! - Gritavam eles.

Sem que esperássemos, uma rajada de tiros foram disparados contra aquelas pessoas, banhando a calçada com o sangue da dor. Silêncio. Assustada, a senhora Lovitzlevou a mão a boca, amparada pelo seu marido. Ficamos sem entender a razão pela qualfizeram aquilo. Não havia outra explicação se não por Maldade.-Adonai! - Exclamou o Eliezer levando sua mão à boca.

Fechando a cortina o senhor Lovitz nos afastou da janela. Depois do queacabávamos de ver, não conseguimos dormir. Quem garantia que não seríamos os próximos?

 No dia 08 de agosto de 1940 iniciou a Batalha da Grã-Bretanha. Em setembrodaquele mesmo ano a Inglaterra era bombardeada sem piedade, ao mesmo tempo em quesubmarinos alemães cercaram as linhas inglesas do atlântico. Com isso a Inglaterra ficarasozinha.

"A situação da Inglaterra é sem esperança. Vencemos a

guerra. Reverter o processo de vitória é impossível."Mas ao que parecia impossível para os alemães, o grande senhor da guerra enganou-

se. Os britânicos acabaram com a invencível Luftwaffe de Goering, e a invasão da Grã-Bretanha precisou ser adiada.

Todos do gueto desejávamos a vitória dos ingleses. Na vizinhança só se falavanisso, uma maneira de não deixar que nossas esperanças se perdessem pelo vento e pelotempo. As notícias também eram alimentadas pelos mendigos-cantores, que em troca demoedas jogadas pelas janelas ouvia-se canções sobre Rumkowski e a ida à terra de Israel.

Em 15 de novembro de 1940 foi erguido o muro que isolou o gueto de Varsóvia. Sendo o maior detodos, o gueto de Varsóvia abrigava cerca de 350 mil judeus vindos de toda parte da Europa ocupada pelosnazistas, já em 16 de novembro a população do gueto atingiu a média de 500 mil habitantes.

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Já estávamos no final do verão quando o presidente do gueto declarou que as áreasdesocupadas seriam divididas entre aqueles que desejassem cultivá-las. Cada lote dispunhade 50m², sendo que o voluntário que fosse cultivá-la receberia por apenas um marco uma porção de sementes.

Aquela “política” animou a todos em casa. Tratei de alugar um lote e imediatamente plantei rabanetes e cenouras. Para me ajudar o Eliezer conseguiu comprar um pouco maisde sementes e plantou batatas, nabo e cebolas. Em pequenas latas colocadas a janela asenhora Lovitz plantou salsa e alface, rendendo muita comida para nós e até paracomercializarmos como pequena fonte de renda. Todos os dias ao acordar eu era oresponsável por regá-la, e no final da tarde isso ficava a cargo do Eliezer.

Mas infelizmente essa situação não era favorável e de acesso a todos. Ainda haviamuita gente passando fome, e revoltados com tal indiferença perante ao problema umgrande grupo de pessoas saiu às ruas e começou a espancar todos os funcionários do guetoque encontravam pela frente, incluindo policiais. Nem mesmo as residências dos ministrosescaparam.-O que está acontecendo? - Questionei ao Eliezer que entrava correndo em casa.-Entre, entre!... - Exclamou fechando rapidamente a porta.

Afastei-me imediatamente, com medo, sem saber o que fazer. Das ruas eu só ouviagritaria, vidros quebrando, carros correndo.-Eli... Pelo amor de Deus, o que está havendo?-Estão fazendo justiça.-Estão?... Quem?-O povo está revoltado pela situação em que estamos vivendo no gueto. Uma multidão está surrando os funcionários, policiais...-Gott! E onde estão seus pais?-Pensei que estivessem aqui...

-Não... Achei que você tinha ido até a feira com sua mãe...-Adonai! E agora?... Eu vou atrás deles.-Não! - Exclamei o segurando rente a porta.-Me solta, Hans!-Não!... Não vou deixar você sair no meio dessa confusão...

 Nesse momento a porta se abriu. Segurando um pacote a mão, questionou a senhoraLovitz:-Que briga é essa aqui?-Ima! Estava preocupado com a senhora e o pai...-Não se preocupe, seu pai já está subindo. Nem pensem em sair de casa, já viram aconfusão que está lá fora?

-Prefiro não ver. - Respondi.A polícia alemã começou a percorrer as ruas em carros abertos atirando em todo

mundo. Aquela atitude desesperada complicou nossa situação ainda mais. Muita gentemorreu, e a polícia judia recebeu reforço de mais 800 policiais, em sua grande maioriacriminosos e ex-presidiários.

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Capitulo 35

A vida no gueto tornou-se insuportavel. Um pelotão especialda polícia judia foi criado, o Sondercomando, cuja tarefa era efetuar buscas nas residências.Todas as vezes que apareciam, confiscavam objetos e toda espécie de valores, principalmente jóias, ouro e prata. Mas os alemães também não ficavam atrás. Sempre

davam um jeito de tirar dos judeus tudo que conseguiam, os explorando ao máximo.Jantávamos todos a mesa quando ouvimos baterem a porta:-Abram... Polícia judia!

Esbugalhando seus olhos a senhora Lovitz limpou a boca e sussurrou para o Eliezer:-Vá até o quarto e esconda aquela caixa!-Ta!

Em seguida ela levantou-se, pegou um pão inteiro e começou a esconder pequenos brincos de diamante e ouro entre o miolo.-Abram essa porta!-Já vai! - Gritou o senhor Lovitz.

Ao abri-la seis soldados entraram em casa, como gafanhotos na lavoura.Começaram a revirar toda a cozinha, enquanto outros faziam o mesmo na sala e no quarto.

Minutos depois saíram levando alguns objetos de prata, dois quadros e algumas porcelanas. Sorte a nossa que não foram os  Krypo, pois esses costumavam torturar a todosna ânsia de descobrir objetos escondidos, diferente da Sondercomando que fazia somente buscas.

Tais torturas vitimavam judeus todos os dias, levando à morte centenas de inocentesque em sua maioria das vezes nada possuíam.

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 Não demorou muito para que surgisse uma nova espécie de dinheiro: o  Rumki.Todas as células de dinheiro alemão deveriam ser substituídas pelo  Rumki, sendoconsiderado a posse de marco crime sob pena de morte.

O dia mal havia amanhecido quando o senhor Lovitz abriu a porta de casaexclamando ao voltar da rua:-Mais uma!-O que houve, Boris? - Questionou a senhora Lovitz.-As novidades nesse lugar parecem brotar da terra!-Mas o que aconteceu?-Não podemos mais possuir nenhum dinheiro alemão, sob pena de morte.-Adonai!-Devemos trocar tudo pelo Rumki, uma nova moeda a ser utilizada no gueto.-Então vamos trocar!

Carregando todo o marco que possuíam no bolso, o senhor e senhora Lovitz saíram para trocá-lo por Rumki. Enquanto isso, aproveitei que estava sozinho em casa e resolvi preparar um almoço surpresa. Preparei um chucrute com salsicha e talos de agrião, igual ao preparado pela vovó em casa.

Percebi que alguém havia chego quando a porta bateu ao fechar.-Hallo!-Oi, Eli!-Onde estão todos?-Seus pais foram trocar marcos por Rumki...-Rumki?-Ja...-Mas o que é isso?-A nova moeda do gueto... Ninguém mais poderá utilizar moeda alemã sob pena de morte!

-Humpf... Isso já está se tornando perseguição...-Mas e você? Onde estava?-Fui ver se conseguia algum trabalho.-Conseguiu algo?-Ja!... Começo amanhã mesmo.-Sério?-Sim!... Começaram a ser instaladas fábricas de uniformes para soldados. Como uma delas será controlada pelo pai de um colega meu de escola também judeu, ele conseguiu umavaga para mim.-Que bom!

 Nos abraçamos.

-Agora nossa situação aqui no gueto vai melhorar, você vai ver!  - Disse ele com umenorme sorriso estampado na face.-Com certeza!

Pegando pela minha mão ele arrastou-me para o quarto dizendo:-Vem comigo...-Para onde?-Vamos aproveitar que não tem ninguém em casa e curtir um pouquinho!

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Tirando suas calças ele já mostrou o quanto estava excitado. Suas chupadas em meu pescoço deixaram-me também. O perigo que corríamos nos deixava com mais tesão, nosfazendo suar de medo e prazer.

Fizemos sexo intenso, pelados. Abraçados, com as pernas entrelaçadas o Eliezerdeitou sua cabeça sobre meu peito e assim permanecemos, curtindo intensamente os rarosmomentos que tínhamos para nos amarmos.-Hans...-Hum...-Seria tão bom podermos ficar juntos sem nos esconder de ninguém...-É... Um sonho que ainda viveremos.-Que jeito? Essa guerra maldita...-Amor, essa guerra não irá durar para sempre... Eterno só nosso amor!-Algo que eu não consigo entender... Por que tanto ódio em relação ao nosso povo?-Não vamos mais pensar nisso, tudo bem?-Humpf... Ta bom.

Durante todos os séculos o mundo olhava com desconfiança para o povo judaico.Aqueles homens que precisavam de bode expiatório para seus próprios fracassos voltavam-se contra os judeus. Nos primeiros dias do Cristianismo, São João Crisóstomo frustrado pela recusa dos judeus a se converterem os chamou de "os mais miseráveis dos homens" . Oteólogo Martinho Lutero, ao se deparar com a mesma firmeza, disse: "As sinagogas delesdeveriam ser incendiadas e suas casas da mesma forma deveriam ser destruídas. Vamosexpulsá-los do país para sempre". 

Em todos os países os judeus eram um inimigo conveniente. Para os analfabetos,eles eram instruídos. Para os camponeses, ricos. Para os ricos, espertos. Os romanos osviam como rivais políticos. Os inquisitores os viam como "assassinos de Cristo". Oscossacos os viam como "ladrões da riqueza da terra". Para eles, os judeus eram diferentes.

Diferentes na aparência, no modo de se vestir, nas crenças, na observância dos dias santos.

“Hoje acredito que estou agindo de acordo com a vontade do

Criador Todo-Poderoso: - ao defender-me contra os judeus, estou

lutando pelo trabalho do Senhor.”  - Adolf Hitler

Com a chegada do inverno, a fome e miséria aumentaram de forma insuportável.Certo dia acordei com um barulho de cavalos. Em casa todos ainda dormiam. Curioso,levantei-me e segui até a janela para espiar o que acontecia. Parado próximo a umamontoado de neve avistei um enorme furgão, puxado por dois cavalos. Sua função era

recolher os mortos que eram deixados pelas ruas, tudo porque aquelas alturas, no gueto jánão se realizavam enterros, sendo assim, os mortos eram deixados frente as casas paraserem recolhidos pelo barulhento furgão. Os corpos eram jogados de qualquer jeito, comoamontoado de lixo, sem nenhum tipo de respeito.

Aquela imagem jamais me sairia da cabeça.-O que foi, Hans? - Questionou o Eliezer tocando minhas costas com sua mão.-Que susto!...

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-Por quê?-Veja... - Sussurrei.-O que é aquilo?-Estão recolhendo os mortos...-Humpf... Que situação triste! - Comentou afastando-se.

Fechei a cortina traumatizado.-Esse frio está demais... Precisamos dar um jeito nisso! - Falou o Eliezer batendo o queixo.-Mas como conseguiremos combustível para nos aquecer desse inverno?-Atrás do nosso quarteirão tem várias casas abandonadas. Podemos ir até lá e buscarlenha para a lareira.-Boa idéia! Eu vou com você...-Ta.

Agasalhamos-nos bem e fomos à rua em busca de lenha. Na rua Brzezinska duas portas quebradas ocupavam um lugar na calçada.-Veja, Hans! Duas portas caídas ali... - Apontou o Eliezer.-Mas são grandes... Devem ser pesadas...-Vamos pegar alguns pedaços e depois voltamos para pegar mais.-Certo.

Juntamos uma pilha de taboas das portas e levamos para casa. Acendemos a lareiraenquanto o senhor e senhora Lovitz ainda dormiam. Em pouco tempo a casa inteira jáestava aquecida.-Nossa!... Mas o que aconteceu aqui? - Questionou a senhora Lovitz deixando o quarto.-Por que, senhora Lovitz?-Por quê? Não sinto frio...-Trouxemos lenha, Ima... Temos o suficiente para dois dias!-Que bom! Pelo menos por esses dois dias não passaremos frio.

-Verdade!

Em 27 de março de 1940 Heinrich Himmler ordenou a construção do campo de concentração deAuschwitz, tendo sua abertura em 20 de maio daquele mesmo ano. 

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Capitulo 36

Certo dia a senhora Lovitz chegou em casa com um sorriso deorelha a orelha. Colocando um pacote sobre a mesa, exclamava contente:

-Consegui! Consegui!-Ima... O que aconteceu?-Consegui, filho! Consegui um emprego!-Mas que maravilha! - Festejou o senhor Lovitz.

Com o avanço da guerra começaram a ser instaladas no gueto fábricas de uniformes para soldados. A oportunidade de melhorar de vida deixou os moradores alvoroçados.Todos almejavam um emprego nas fábricas, porém, não era uma tarefa tão fácil. A senhoraLovitz só conseguira uma vaga porque a esposa do irmão de Rumkowski a conhecia,indicando-a para ele que aceitou empregá-la.

Aqueles que não conseguiam um emprego, enfrentavam a fome e o frio da maneiraem que podiam. Todos os cães e gatos existentes no gueto já haviam sido sacrificados.Certa vez um morador do mesmo quintal comentou que havia encontrado um cachorro perdido ao voltar do trabalho. Seu relato causou inveja a todos que o ouviam. Como oinvejamos, loucos para que a sorte nos desse a mesma oportunidade.

Junto com a fome veio a sujeira, e com ela os piolhos. Eles eram brancos e grandes,espalhando-se por todo nosso corpo. Lembro-me que quando os peguei, passava horastentando tirá-los do corpo.-Hans... Pode me ajudar aqui? - Pedia o Eliezer se coçando.

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-O que foi?-Me ajuda a tirar essa praga... Do meu corpo... Adonai! Adonai!-Calma... Tire a roupa primeiro... Vamos lavar com água quente!-Ta. 

Tiramos nossas roupas, e de corpos nus passamos a caçar os piolhos um do corpo dooutro. Minha pele de branca já estava vermelha, marcada de unha, com algumas feridas.

O tempo foi passando e nós continuávamos nossas vidas, sobrevivendo dia após dia,em condições desumanas. Como se já não bastassem aqueles problemas, outros passaram asurgir. O gueto começava a receber mais judeus que chegavam todos os dias, milhares provenientes de toda Alemanha. Por estarem corados, saudáveis, bem vestidos, acabavamdespertando a inveja de todos que ali estavam. As relações deles com os habitantes do guetonão eram das melhores, pois por virem de cidades como Berlim, Frankfurt entre outrascidades alemãs, julgavam-se superiores aos demais por falarem alemão.

Enganados e animados, desembarcavam na periferia de Lodz achando que estavam próximos do Canal da Mancha, onde supostamente seriam trocados por alemães junto aInglaterra. Carregados com malas de couro, logo se viram em situação pior que a nossa,vendendo tudo que tinham a troco de comida, vivendo na mais absoluta sujeira.

Quando anunciaram no gueto que os alemães necessitavam de 20 mil judeus paratrabalhar fora do gueto, eles foram o primeiro a se candidatarem, e também, os primeiros amorrer. Posteriormente o gueto passou a receber também judeus de outras cidades polonesas e da Tchecoslováquia.

Com a lotação do gueto de Lodz, as famílias se viam obrigadas a dividirem asmoradias, e nós, claro, não ficamos fora disso. Em nosso pequeno apartamento recebemos afamília Schneider recém chegada da Alemanha. Acompanhado apenas de sua mãe, o jovemSamuel Schneider contou-nos sua história em nosso primeiro jantar:-Em primeiro lugar, Ima e eu gostaríamos de agradecê-los por nos receber em vossa casa...

-Onde cabem quatro, cabem seis! - Brincou o senhor Lovitz.Após um profundo suspiro, sua mãe comentou:

-Espero que não estejamos atrapalhando...-Existem coisas na vida que não temos escolha. Essa é uma amostra disso... - Respondeu asenhora Lovitz.-Mas conte-nos, senhora Schneider... Como vieram parar no Gueto? - Perguntei.-Depois que tivemos nossa casa invadida pelos alemães, tivemos que ir morar na casa deamigos, eu, meu marido e Samuel. Certa vez, ao voltarmos da sinagoga, nos deparamoscom a casa toda revirada. Escondidos, os alemães ainda nos aguardavam. Naquele diaapanhamos muito, sem qualquer motivo. Levaram nossas jóias, pertences de valor,dinheiro. Como se já não fosse o bastante, levaram nossos maridos, além da dignidade que

um ser humano poderia ter.-E a senhora nunca mais teve notícias do seu marido?  - Questionou o Eliezer.-Humpf... Disseram que o levariam para trabalhar em uma fábrica de munições, porém,aquela foi a última vez que nos vimos.

Colocando mais sopa em seu prato, a senhora Lovitz comentou:-É um absurdo o que os alemães estão fazendo com nosso povo!-Desculpe pelo desabafo, Esther. - Disse ela limpando as lágrimas.

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Chegou o ano de 1941 e com ele muita crueldade. No período de 21 a 26 de janeiroforam organizados motins anti-judeus na Polônia, onde centenas foram mortos comrequintes cruéis.

Quando recebemos a notícia de que a Rússia havia entrado no combate, achávamosque ela havia decretado guerra contra a Alemanha e que em no máximo três dias tudoestaria acabado. Doce ilusão. Ao chegarem as notícias sobre o avanço alemão, ninguémacreditou, achavam que tais notícias teriam sido plantadas para encobrir as derrotas.

Aos comandantes, Hitler teria dito:

"Fechem o coração à piedade! Sejam brutais! 80 milhões de

 pessoas devem obter o que é delas. Sejam duros. O mais forte

sempre terá razão."  - Adolf Hitler

 No dia 22 de junho de 1941 os alemães invadiram a URSS, seu aliado durante os

últimos dois anos. Unidades de tropas especiais conhecidas como "Brigadas da Morte" iamlogo atrás dos exércitos assassinando os judeus em cada cidade e aldeia.

O mundo ficou chocado. Ninguém esperava aquilo. Stalin e Hitler eram aliados,dividiram a Polônia, até assinaram um pacto de assistência mútua. A ofensiva alemãadentrou fundo no território russo, e seu avanço foi acelerado porque a Luftwaffe possuiacontrole total do ar.

Apesar do Pacto, Hitler planejava o ataque à Rússia desde o verão de 1940, porém, para que isso fosse possível era preciso proteger a retaguarda. Aquelas alturas o horizonte jánão brilhava tanto, e apesar das vitórias do eixo na Europa, o fascista Mussolini sofreu umahumilhante derrota para os ingleses no norte da África. Não recebendo qualquer ajuda daEspanha, Adolf Hitler foi visitar Francisco Franco¹, afinal, ele havia o apoiando. Tal

encontro durou mais de nove horas, e apesar dos apertos de mão e sorrisos diante dascâmeras, Franco não se comprometeu.

“O maior dos gênios deve possuir a habilidade de fazer com

que diferentes oponentes pareçam como se eles pertencessem a

uma única categoria.”  - Adolf Hitler

Com a invasão da Rússia, Himmler discursou:

"As nações que possuam sangue do nosso tipo, tomaremos. Se necessário,

raptaremos as crianças educando-as conosco. Se outros países prosperam ou seu povomorre como gado, a mim só interessa que necessitamos de escravos para nossa Kultur. Sedez mil mulheres russas morrem de exaustão cavando valas antitanques, só me importa queessa vala sirva para o bem da Alemanha."

1. Nascido na cidade de Ferrol em 4 de dezembro de 1892, Francisco Franco Bahamonde foi militar, chefe-de-estado, ditador espanhol, Regente do Reino Espanhol desde outubro de 1939 até sua morte que ocorreraem 20 de novembro de 1975 na cidade de Madrid.

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Hitler pensou que a Rússia seria derrotada em 4 meses, e que a maioria dos russosapoiaria os alemães provocando o colapso russo, dos quais eram incompatíveis com essaidéia, comprometendo seus planos.

"Devemos resgatar os antigos princípios. As cidades

 precisam ser completamente destruídas."   - Disse Hitler em Leningrado.

Enquanto todos já dormiam, Samuel, Eliezer e eu conversávamos.-Como era sua vida antes de chegar aqui, Samuel?  - Perguntou o Eliezer.-Viviamos felizes em Berlim... A alfaiataria do meu pai era uma das melhores da cidade.-Seu pai é alfaiate? - Questionou o Eliezer.-Ja!... Tinha muitos clientes importantes...-E se ele estiver aqui no gueto também? - Cogitei.-Será, Hans?

-Claro, Eli!... Talvez essa história de fábrica de munição tenha sido só pra despistar eassim separá-los...-Então o que acha de sairmos para procurá-lo amanhã?-Que boa idéia! - Exclamou o Eliezer.-Sério mesmo que vocês vão me ajudar a reencontrar meu pai?-Claro! Amanhã mesmo começaremos.-E pensar que isso tudo é culpa de Adolf Hitler! - Desabafou Samuel.-O Hans o conhece muito bem... Até jantou na casa dele.-Isso é verdade, Hans?- Não... Eu não o “conheço muito bem”, apenas estive sim uma vez na casa da montanha.  -Sério?

-Ja!-E você não ficou com medo dele?-Não...-Ele parece ser muito mal. - Falou o Eliezer.-Pessoalmente não transparece. Mas confesso que ele tinha umas manias estranhas...

Adolf Hitler era sem dúvida uma pessoa com transtornos e frustrações sentimentais. Não bebia nem fumava, além de uma fixação por doenças. Vegetariano, adorava bolos,doces e quando estava relaxado gostava de ouvir antigas músicas infantis conhecidas portodo mundo. Nunca chegava na hora certa e sempre partia rapidamente de carro. Hitleradorava velocidade. Apenas ele sabia onde o encontrá-lo, um verdadeiro adorador deanimais e crianças. Amante do bom gosto, o Führer preferia tapetes grandes e macios.

Levando uma xícara de chá à boca, Samuel me perguntou:-Será que por causa dessas esquisitices que ele é solteiro até hoje?-Mas quem disse que ele é solteiro? - Questionei.-E não é?-Não! Pelo menos no dia em que fui jantar na residência de Berghof ele nos apresentouuma linda mulher, Eva Braun.-Então por que ele não a apresenta a todos?-Não sei.

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Um casamento prejudicaria sua imagem de solitário. Embora gostasse de se passar por homem do povo, Hitler estava a todo tempo cercado por guardas da SS ao seu lado.

Obviamente que o Führer, cujas horas acordadas eram turbinadas de deveres eobrigações, não tinha como oferecer atenção à Eva como uma garota de sua idade esperava.Alguns trechos de seu diário falavam da raiva que sentia pela negligência de Hitler, mastambém escreveu com orgulho o trecho em que citou ser amante do maior homem daAlemanha e do mundo.

Governanta de Hitler em Berghof, Frau Raubal além de meia irmã, tinha como função manter o chaléda montanha funcionando perfeitamente para que o Führer sempre pudesse utilizá-lo para encontros políticose negócios longe da chancelaria. Mas depois que sua filha se suicidou por amor a Hitler, Frau ressentiu-secom a posição de Eva como sucessora de sua filha, largando o emprego e deixando Eva sob responsabilidadede seu mestre.

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Capitulo 37Logo ao amanhecer saímos os três a procura do senhor Schneider. Com um

retrato de seu pai nas mãos, Samuel caminhava em passos largos, ansioso por notícias deseu pai.

Cinco quarteirões a frente eis que a primeira pista aparece:-Bom dia! - Saudou Samuel entrando na barbearia.-Bom dia!

-Estou procurando por esse homem... - Comentou mostrando-lhe o retrato. - O senhor sabedizer se já o viu por aqui?-Bem... Que eu me lembre, não. Já pensou em colar cartazes pelo gueto como“procurado”? -Humpf... Infelizmente não tenho dinheiro para isso. Mas se algum dia aparecer por aquiesse senhor chamado Abel Schneider, diga-o que seu filho o procura.-Abel Schneider? - Perguntou outro senhor levantando-se da cadeira.-Sim... O senhor o conhece?-Claro! Dividimos o mesmo quarto no gueto de Varsóvia!-Varsóvia? Meu tateh encontra-se em Varsóvia?-Não mais. - Respondeu caminhando em direção a Samuel enquanto limpava sua face.-Como assim? Para onde o levaram?-Humpf... Certo dia acordamos com uma proposta irresistível de trabalho em Berlim, masaos nos candidatarmos, apenas Abel foi selecionado, e eu, mandado para cá sem qualquerexplicação.-Então... Quer dizer que meu pai está em Berlim?-Sim! Deve estar muito melhor que nós...-Obrigado pela notícia, senhor!

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Deixamos a barbearia aliviados, nos considerando como os caras mais sortudos dogueto.-Não acredito! Meu pai está bem e em Berlim!-Que bom hein, Samuel! - Comentou Eliezer. -Nem sei como agradecer vocês dois...-Mas eu sei. - Respondi. - Pode nos ajudar a trazer lenha para a semana.-Claro! Com o maior prazer!

"A situação da Inglaterra é sem esperança. Vencemos a

guerra. Reverter o processo de vitória é impossível."  - Adolf Hitler.

Mas o Grande Senhor da Guerra enganara-se. Os britânicos explodiram com ainvencivel Luftwaffe de Goering. Sendo assim, a invasão da Inglaterra foi adiada.

Enquanto isso, o gênio militar Adolf Hitler dizia aos generais:

"Preparem-se para esmagar a Rússia Soviética rapidamente,

antes de eliminarmos a Inglaterra."

Hitler tratou de montar as pressas um novo plano de ataque em uma distante florestaa leste da Prússia, onde preparou a estratégia da grande batalha contra a Rússia. Com umalinha de frente que ia do báltico ao mar negro, os alemães atacaram, e para que não restassenada para o invasor, os russos queimavam tudo que deixavam para trás, restando apenasterra calcificada. Ao serem capturados eram feitos prisioneiros aos milhares pelos nazistas.

Ao que o Marechal Hering teria escrito: "Nos campos de prisioneiros os russoscomeçaram a comer uns aos outros. Este ano, entre 20 e 30 milhões morrerão de fome na

 Rússia. Talvez seja bom, porque certas nações devem desaparecer."  Tudo indicava que as duas cidades maiores da Rússia cairiam, Moscou e

Delingrado. Triunfante, Hitler exclamou: "Basta chutar a porta e toda aquela estrutura podre virá abaixo!"

Quanto mais os russos entendiam o caráter da guerra, mais bravamente elesresistiam. O inverno russo chega em novembro. "Não haverá luta no inverno" , assegurouHitler aos generais. As tropas alemãs não estavam preparadas para o inverno. Mais uma vezele mentiu.

O negro inverno russo surpreendeu os alemães, até então invencíveis. Sem roupas eequipamentos apropriados, não resistiriam por muito tempo.

Hitler subestimou o rigoroso inverno russo e demitiu alguns generais, assumindo

também o posto de Comandante Chefe.

Fracassando com a Inglaterra, a Alemanha fica com duas frentes de guerra. Semanas depois, Hitlerquer ir ao território russo ocupado.

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"O comando operacional pode ser feito por qualquer um. A

tarefa do comandante-chefe é treinar o exército do modo nacional- 

socialista. Não conheço general que o faça como eu quero. Assim

decidi assumir o comando."  - Adolf Hitler  

O Führer tinha sempre razão, porém, enganou-se quando achou que Inglaterra eRússia cairiam. O exército vermelho lutou até o fim, e a campanha nazista já se atrasaraquatro fatais semanas decorrentes da tomada da Iugoslávia e Grécia.

Hitler proibiu bombardeios em Atenas, confessando seu sentimento e estima aGoebbels. Amante da arte, seu coração pertencia à Antiguidade, Roma e Atenas. Ele tinhafixação pela antiguidade, alimentando uma admiração irrestrita pela antiguidade,considerando um modelo de sociedade que queria formar.

"Se falarmos em antepassados, chegaremos aos gregos."   -Adolf Hitler.

Hitler descreveu Esparta como "o Estado de raça mais pura". Roma Antiga era a"República mais poderosa que já existiu".

"Atenas, Esparta, Roma... Se criarmos a síntese das três,

nossa Nação jamais perecerá."  - Adolf Hitler.

 Naquela noite, Samuel mal se aguentava de ansiedade para contar a sua mãe anovidade, esperando até a hora do jantar para a grande revelação.

-Mãe... Tenho uma novidade... - Disse ele partindo um pedaço de pão.Todos à mesa paramos para ouvi-lo.-Que novidade, filho?-Descobrimos onde papai está.-Como!-Hoje de manhã... Na barbearia...-Samuel, explique isso direito. - Pediu a senhora Lovitz.

Em Kremlin, com uma voz lenta, hesitante e sem emoção Stalin convoca seu povo a incendiar aterra. A invasão da Rússia planejada por Hitler empacava em um grande redemoinho de sangue e fogo.

Ao tomar conhecimento em Florenza de que Mussolini agira de surpresa e invadira a Grécia comhumilhante derrota, Hitler decide que antes da Rússia seria necessário invadir a Iugoslávia e a Grécia, tendo aRússia que esperar. Bulgária, Romênia e Hungria tornaram-se satélites alemães, e a suástica ascendeu naacópola de Atenas.

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-Essa manhã saímos a procura de meu pai... Quando passamos por uma barbearia, eis queum senhor nos contou que dividiu um quarto com papai em Varsóvia, e que ele foitrabalhar em Berlim para os alemães...-Adonai! Que ótima notícia!

-Isso sim é motivo para comemorar. - Propôs o senhor Lovitz.-Verdade, Ima! Vamos comemorar...-Como comemorar? Mal temos dinheiro para comer!

Após alguns minutos de silêncio, o Eliezer sugere:-Bem... Acredito que o Shabat já pode ser uma comemoração... Assim agradecemos aocriador e...-Boa idéia, filho!-Obrigado, pai.-Então está resolvido.

Com a preocupação nítida em sua face, a senhora Schneider comentou seguido deum profundo suspiro:

-Mesmo sabendo de que seu pai está bem, ainda fico preocupada.-Mas por que, Ima?-Um judeu na Alemanha... Essa idéia me assusta!-Mas ele foi a trabalho, Ima!-Porém, continuará sendo judeu.-Sua mãe tem razão, Samuel. - Concordou a senhora Lovitz. - O Führer não é de confiança.Todos nós sabemos que ele odeia judeus.-Eu só não entendo como é que um povo tão esclarecido como o povo alemão elegeu esselouco!-Mas Hitler não foi eleito pelo povo. - Interrompi.

Curioso, o senhor Lovitz quis saber:

-Desde quando você entende de política, Hans?-É que o avô dele foi amigo do Führer, Tateh.-Amigo do Führer? Como assim, Hans? - Questionou a senhora Lovitz.-Vovô lutou com Adolf Hitler na Primeira Grande Guerra.-Eu nem sabia que Hitler lutou na Guerra! - Exclamou o senhor Lovitz.-Sim, mas não passou de um mero mensageiro.

Adolf Hitler nunca venceu uma eleição livre. Mas se nunca foi eleito, como chegouao cargo de Chanceler da Alemanha?

Algumas situações lhe foram favoráveis. Primeiro porque industriais, investidores e banqueiros viram em Hitler a única força contra os esquerdistas, o apoiando e financiandosua campanha. Além disso, Hitler contava com o temor da classe média em perder o que

haviam conquistado após a terrível inflação, já os desempregados tomados pelo desesperovestiram a camisa parda de Hitler. E foi em janeiro de 1933 que Rindenburg rendeu-se a pressão esmagadora da população e cedeu dando a Adolf Hitler o posto mais alto dogoverno depois do presidente.

"Sinto-me como um Robert Koch da política"  - Adolf Hitler

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Em seus comícios, Hitler prometia tudo a todos. Prometeu uma Alemanha forte esólida. Prometeu emprego aos desempregados, marido para todas as mulheres solteiras.Prometeu rasgar o Tratado de Versailles, esmagar a corrupção do governo, diminuir o poderdas indústrias e bancos, os mesmos que financiavam sua campanha. Tal promessa ele jamais cumpriria. O tempo todo ele prometia esmagar os judeus. "São os grandesculpados"  - Berrava ele. Essa ele cumpriria até o fim.

Assim triunfou o austríaco anônimo. O mesmo que odiava socialistas e judeus,defensor da brutalidade, inimigo da democracia que baseou todo seu programa político emmentira e propaganda. “Podemos controlá-lo”  - Diziam aqueles que lhe deram o poder,enquanto gritava o povo: “Queremos nosso líder!”. Assim começou o III Reich.

Em uma tranquila manhã o senhor Lovitz bateu a porta assustado, trazendo anovidade:-Mas o que é isso! - Exclamou a senhora Lovitz levando a mão ao peito.-Você não sabe da última...

Ainda deitado, ouvia tudo calado.-O que houve dessa vez?-Os alemães...-O que tem os alemães?-Eles estão retirando todos os doentes dos hospitais...-Retirando os doentes dos hospitais?-Sim! Estão deportando todos!-Adonai! Ainda bem que em casa não temos ninguém doente.-Independente de termos ou não, isso me assusta.-Por quê?-Porque amanhã pode ser os judeus!-Boris... Você falando assim me deixa apreensiva!

-Esther, a situação em que nos encontramos agora é uma ameaça pra qualquer um,independente do estado de saúde...-Prefiro não pensar nisso agora. Preciso ir para a fábrica.  - Disse ela dando o último goleem seu café.

 Naquela tarde sai para procurar emprego, ou melhor, para candidatar-me a uma vagana mesma fábrica em que a senhora Lovitz estava trabalhando. Ao voltar para casa deparei-me com uma situação da qual jamais conseguiria apagar de minha mente. Do outro lado darua doentes estavam sendo arrancados de seus leitos e jogados de qualquer jeito em umenorme caminhão. A cena era horrorizante. Ainda vestindo avental, crianças gritavamarremessadas pelas janelas.

Parado em frente ao hospital, observava tudo imóvel, incrédulo. As pessoas que por

ali passavam fingiam não ver, medo de serem repreendidas talvez, porém, algumas nãoconseguiam disfarçar nem esconder sua indignação. Por um momento achei estar vivendoum pesadelo quando deparei-me com um soldado SS arrancar um bebê do colo de sua mãee o arremessar contra a parede. Voou sangue para todo lado. Jamais pensei que pudessehaver ser humano com tamanha perversidade.-Pelo amor de Deus! - Exclamei abrindo a porta de casa.-Hans?... O que aconteceu? - Questionou o Eliezer correndo até mim.

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-Eu... Eu... Ah céus!-Sente-se aqui! - Disse ele puxando a cadeira. - Agora conte-me... O que foi que...-Eu conheci o inferno! - Interrompi.-Como?-Eu acabei de ver uma cena que jamais pensei viver para presenciar tal situação...-Hans, por favor, conte-me o que acontece?-Eli... Eu vi os soldados da SS jogarem crianças pelas janelas do hospital...-Adonai!-Eles arrancaram um bebê do colo da mãe e jogaram contra a parede!-Mas... Por que isso?-Eu não sei! Estou muito impressionado com tudo que vi, Eli... - Desabafei o abraçando.-Calma... Não se desespere, estamos aqui para te confortar...-Eli... Se algum dia quiserem me torturar, promete que dará um tiro em minha cabeçaantes?-Você está louco?-Por favor?-Deixe de dizer tolices!

Abraçamos-nos. Durante dias eu não consegui dormir a noite. Acordava no meio damadrugada sonhando que estava sendo jogado pela janela do hospital, na mira das armas.Às vezes encontrava-me em estado febril, com o lençol molhado de suor.

Em uma dessas noites acordei chorando. Meu corpo todo tremia de medo. O pesadelo foi tão real que meu coração estava disparado. Levantei-me e segui até a cozinha,onde preparava um café.-Hans!... - Exclamou o Eliezer ainda com os olhos praticamente fechados.-O que faz acordado uma hora dessa, Eli?-Vi que você não estava na cama, fiquei preocupado...-Humpf... Não se preocupe, está tudo bem.

-Outro pesadelo? - Questionou bocejando.-Ja...

Puxando a cadeira, aconselhou-me:-Hans... Não acha melhor procurarmos um médico para...-Não! Pode deixar que o tempo resolverá tudo.-Mas você vai ficar dormindo mal por quanto tempo mais? Vejo que você está exausto, comolheiras...-Seu amor é minha força, Eli. 

Esboçando um leve sorriso ele aproximou-se de mim e me abraçou. Aos poucosnossas faces foram deslizando até o encontro de nossas bocas. Iniciamos um beijo,recheado de ternura e amor. No silêncio da madrugada trocávamos carícias, e por um

instante ao abrir levemente os olhos notei o Samuel parado a nossa frente.Em dezembro de 1941 a ofensiva alemã foi detida fora de Moscou. Sua derrota

tornou-se uma catástrofe, onde logo em seguida os Estados Unidos entraram na guerra.Com o ano de 1941 chegando ao fim, Adolf Hitler percebeu que a guerra estava em ummomento decisivo. Os objetivos propostos não tinham suporte material, enquanto suaambição de dominar o mundo caia por terra. Agora, o que restava era a dor da morte doTerceiro Reich, que sucumbia lentamente. Sendo assim, um objetivo secundário começariaa tomar forma: a eliminação dos judeus.

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Capitulo 38

A presença de Samuel ali parado feito uma estátua me fez interromper o beijo imediatamente. Empurrei o Eliezer para trás, sem saber o que fazer.-Samuel! - Exclamei.

-Adonai!... Samuel, por tudo que é mais sagrado, não conte nada a ninguém!   - PediuEliezer.-Eu... Bem, eu... Não sei o que dizer... Desculpem, não fiz por querer.-Nós podemos explicar...-Não, vocês não precisam me explicar nada...-Precisamos sim! - Confirmou Eliezer.

 Nos sentamos à mesa. Conversamos por horas. Atento, Samuel ouviu de nós toda ahistória, desde seu início. Confesso que fiquei com receio de que ele não compreendesse, ede fato ele não compreendeu, mas nos respeitou e prometeu guardar segredo, o que nosdeixou mais aliviados.-Mas... Como conseguiram manter esse segredo por tanto tempo?-O Amor é nosso motivo maior...-Vocês são homens! Eliezer, você sabe que o Criador jamais aprovará tal situação...-Se ele desaprova uma forma de amor bonita como a nossa, não é quem eu pensei que fosse.-Humpf... Bem... De minha parte não comentarei nada com ninguém.-Obrigado, Samuel!-Não tem de que agradecer, Hans... Você e o Eliezer sempre foram muito legais comigo,ajudaram-me a procurar meu pai... Não seria justo eu fazer qualquer coisa contra vocês.

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Abraçamos-nos os três. A partir daquele dia nosso segredo passou a sercompartilhado, tirando o peso e angústia que tomava conta de nós.

Com os hospitais vazios, viver no gueto tornava-se cada vez mais triste. As pessoas já não viam mais motivos para viver, pois haviam perdido seus entequeridos, muitas dasvezes único representante da família vivo.

A fome e o sofrimento só faziam aumentar. Ao distribuírem as rações no gueto,observava a mistura de miséria e alegria que tomava a todos. Ao pegar sua parte de ração,corriam até o canto mais próximo e devoravam em segundos. Tal situação fazia com que passássemos horas falando em comida, relembrando o que comíamos antes daquela malditaguerra. A população do gueto poderia ser dividida em duas categorias. Os coitados,andavam mal vestidos, subnutridos, mal conseguiam andar. Já os privilegiados, desfilavamde roupa limpa, comiam bem, todos eram funcionários e policiais.-Hans...-Ja?-Você não sabe o que aconteceu.-O quê?-Os Weismann...-O que tem os Weismann?-Foram expulsos de casa pela Sondercomando!-Nossa! Mas quando?-Ontem. Encontrei com o filho mais novo deles que me contou.-Que tragédia!-Você não sabe da pior... Tiveram que ir morar com outra família. Disse-me que estãodividindo um quartinho com menos de quatro metros, e para cozinhar precisam usar ocorredor.-Quanta maldade!

A família Weismann havia chego ao gueto de Lodz dias antes da família Lovitz.Ocupavam um apartamento consideravelmente grande, gerando um certo conforto para osseis integrantes daquela misteriosa família. Raras vezes cruzei com algum dos Weismann pelo quintal, pois eram pessoas muito reservadas, quase não saiam de casa.

Em meados de julho de 1941, mais precisamente no dia 31, Goering   mandou Heydrich iniciar os preparativos da “Solução Final” para a questão dos judeus. Seis mesesdepois, em uma reunião envolvendo 15 oficiais de alta patente em Wansee, subúrbio deBerlim, voltaram a discutir a implementação da “Solução Final”. 

Em 15 meses os "Einsatzgruppen"  assassinaram um milhão de judeus, porém, os nazistas sabiam quetais métodos não poderiam ser utilizados para eliminar judeus em nenhum outro lugar da Europa onde o anti-semitismo não estava tão profundamente enraizado. Sendo assim, decidiram montar centros para assassinatosem massa para onde os judeus da Europa poderiam ser deportados. Já no fim de 1941 foi inaugurado o

 primeiro campo de extermínio situado em Chelmno, uma pequena vila na Polônia ocupada pelos alemães.

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Tomando a palavra, Heydrick  disse: “Os judeus devem ser separados por sexo, paraque não nasçam mais crianças judias. Uma vez separados, eles devem ser colocados paratrabalharem em colônias de trabalho, onde uma grande parte vai definhar através daredução natural".

Aqueles que sobrevivessem teriam de ser tratados apropriadamente, de forma aevitar que se tornassem "celula germe" de um novo desenvolvimento judeu. Talorganização seria comandada por  Eichmann, do qual disse reunião: "Eu não consigolembrar em detalhes, mas falaram sobre métodos de matança, sobre liquidação, sobreextermínios". 

Após sua palavra, todos falaram. Enquanto a reunião acontecia, garçons semovimentavam distribuindo bebidas. Ao término da conferência, os planos discutidos nareunião prosseguiram com a criação de um grande complexo de campos de concentraçãoem  Auschwitz,  Birkenau, locais onde os judeus de toda parte da Europa seriam enviados.Em Treblinka, o comandante mandou construir uma fachada idêntica a uma estação de trem para enganar as vítimas que ali chegavam.

 No dia 07 de dezembro de 1941 os EUA foram atacados pelas forças navais e aéreasdo império japonês a sua base em Pear Harbour. A operação aeronaval de ataque à baseestado-unidense de Pearl Harbor, na ilha de Oahu, Havaí, foi executado sem prévio avisocontra a frota do Pacífico da Marinha dos Estados Unidos da América e suas forças dedefesa. Quatro dias após o ataque a Alemanha declarou guerra aos EUA. Ao receberem anotícia os judeus poloneses respiraram aliviados por saberem que não estariam maissozinhos, pois Stálin, Churchill, e agora Roosevelt estavam comprometidos em destruir onazismo derrotando Hitler.

Durante semanas tentamos entender o que levou o Japão a bombardear a marinhados Estados Unidos.

Sete de dezembro de 1941. Era uma calma manhã de domingo. Os soldados estavam

começando a acordar. As ruas de Honolulu, Havaí, estavam quietas, tranqüilas. Porém, taltranquilidade não duraria por muito tempo, dando lugar a um acontecimento que mudariamais uma vez o curso da História, assim como a vida de milhões de pessoas pelo mundo.

"Nós imaginamos que entrariam em guerra com a Alemanha primeiro; muitos pensaram que declarariam guerra à Alemanha para ajudar a Inglaterra. Os rapazes no Atlântico já tinham entrado em guerra com eles. Os destróieres que estavam escoltando osnavios de abastecimento até a Inglaterra. Estavam lutando uma guerra não declarada no Atlântico Norte com os U-boats alemães. Só pensaram no Japão por lá, estavam ocupadoscom a China. Não estava acontecendo muita coisa lá; ninguém imaginou que atacariam os Estados Unidos, ou pelo menos os que eu conhecia não."

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Mas para quem pensava que a rincha entre Japão e EUA começara a partir do ataquea Pearl Harbor enganou-se. Na verdade os conflitos iniciaram-se 88 anos antes, em 1843,quando quatro navios de guerra estado-unidenses comandados pelo Comodoro  Matthew Perry ancoraram no porto de Uraga, no Japão. Perry havia exigido permissão para entregaruma mensagem do presidente Fillmore ao Shogunato. Mesmo conseguindo uma audiência,não conseguiram convencer os japoneses de abrirem seus portões aos navios estado-unidenses. No ano seguinte Fillmore retornou, dessa vez com sete navios, repetindo suasexigências. Devido à diplomacia persistente de Perry e uma demonstração clara desuperioridade naval, os japoneses não viram outra alternativa senão ceder. Naquela época oJapão era um mundo muito diferente, pois tinha isolando-se de influências políticas,comerciais externas e religiosas por mais de dois séculos.

A partir de então, as barreiras foram rompidas. Três anos mais tarde, o cônsulestado-unidense Townsend Harris foi acompanhado até a sala de audiência, ondeatualmente é o Palácio Imperial em Tóquio, então conhecido como Edo, para iniciar asnegociações que levariam a um acordo de intercâmbio entre Japão e EUA. Coincidência ounão, a data de chegada de Harris foi em 07 de dezembro de 1857.

O efeito da mudança repentina no Japão foi grande. O principal motivo era, emgrande parte, à sua inabilidade de manter a política de isolamento do Japão. Com isso,Shogunato foi deposto de seu cargo e o imperador voltou ao poder. Mas ao se expor aoutras culturas, o Japão na verdade estava se preparando para dominá-las. Antes mesmo daqueda dos Shoguns, a liderança Japonesa começou a arquitetar manobras que os colocariaem posição de poder, tanto na Ásia como no mundo. "As nações do mundo verão nossoimperador como o grande líder de todas as nações, seguirão nossa política e cederão aosnossos julgamentos." - Disse um conselheiro japonês. Tal afirmação havia sido anunciada1200 anos antes, uma política de Hakko Icchiu. O imperador Jimmu teria dito: "Traga omundo todo para debaixo do mesmo teto imperial." Em poucas palavras, queria dizer:

"Controlem o mundo."Inglaterra, EUA, Rússia, França, Holanda e Japão disputavam terras na região do

 pacífico no início do século XX. Tendo tirado as Filipinas da força da Espanha, os EstadosUnidos também controlavam Midway, Samoa e as Ilhas Havaianas. Além disso, todas estasnações disputavam poder na China, e no ano de 1900 a Rebelião Boxer levou a morte demissionários, diplomatas e outros estrangeiros que viviam na China, abrindo portas paraoutras nações mandarem uma força expedicionária de 19000 soldados. No tratadoresultante a Grã-Bretanha saiu vencedora, e apesar de manter presença militar na China, osEstados Unidos haviam perdido influência no país. Este episódio, somado com o de ter seusrecursos no Pacífico consumidos rapidamente ao tentar criar um movimento deindependência nas filipinas, induziu os Estados Unidos a fecharem todos seus territórios no

Pacífico para investimentos estrangeiros. Isso deixou os japoneses ofendidos, porém, nãodisseram nada.

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 No ano de 1895 o Japão já havia tornado-se a primeira potência asiática dos temposmodernos ao derrotar uma potência européia num conflito armado, quando derrotou aRússia em Porto Arthur. Somado com a derrota da China em 1894 numa batalha porinfluência da Coréia, deixou claro que o Japão era um poder em ascensão na Ásia. Parachegar a esse patamar, sendo por séculos uma sociedade feudal, o Japão levou menos de 50anos. Agora ele era uma nação moderna, alcançando o sucesso seguindo uma antigalegislação, fazendo bom uso em suas grandes vitórias militares de um antigo princípioSamurai: “Vença primeiro, lute depois."

O ataque à base dos EUA danificou 11 navios e 188 aviões, matando 2403 militares estado-unidensese 68 civis. Porém, os 3 porta-aviões da frota do pacífico não estavam no porto, sendo assim não foramdanificados, bem como os depósitos de combustível e outras instalações. Em um ano a Marinha dos EUA na

 base já havia reconstruído sua frota apenas com os recursos existentes não danificados pelo ataque. O ataquemarcou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra do Pacífico, passando a serconhecido como Ataque a Pearl Harbor.

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Capitulo 39

Ja estavamos no fim de setembro  de 1942 quando os alemãesordenaram que 20.000 judeus deveriam ser deportados.

Entrando em casa, a senhora Lovitz exclamou após um profundo suspiro:

-Está chegando a hora!-Hora de que, Ima? - Questionou o Eliezer.-Vão transferir vinte mil judeus do gueto...-Humpf... Já estamos sabendo...-Avistei Rumkowski no pátio do Corpo de Bombeiros rodeado por uma multidão de pessoas. Parei para ouvi-lo, e cabisbaixo ele disse que tentou, mas nada pôde fazer. Osalemães estão exigindo vinte mil judeus para deportação, e que precisam de três milvoluntários por dia durante uma semana.

A preferência inicial era por judeus improdutivos, ou seja, velhos e doentesdeveriam se apresentar voluntariamente. Quanto às crianças, tentavam convencer os pais deentregar seus filhos, com a promessa de uma vida melhor fora do gueto.-Será que tem algum louco capaz de se candidatar como voluntário?  - Ironizei.

 Naquele mesmo dia, receberíamos uma reveladora notícia enquanto jantávamos.-Bem... Eu gostaria de dizer algo... - Disse Samuel pedindo a palavra.-Pois diga, Samuel! - Apoiou o senhor Lovitz.

Levantando-se da mesa, Samuel continuou:-Gostaria que vocês soubessem que Ima e eu somos muito gratos por nos acolher em vossacasa...

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-Imagina! Não tem do que agradecerem... - Falou a senhora Lovitz.-Mas Ima e eu tomamos uma decisão, devido a tudo isso que vem ocorrendo conosco, judeus... Minha mãe e eu decidimos que nos candidataremos a voltar para Berlim...-Adonai! Mas como?-Senhora Lovitz... Talvez lá esteja nossa redenção!-Ou a morte!-Que seja, mas é uma chance que temos... Se ficarmos aqui, nunca saberemos de fato averdade. Além disso, podemos reencontrar meu pai!-Samuel, por favor, não faça isso! - Pedi.-Sinto muito, Hans... Mas nossa decisão já está tomada. Partiremos amanhã pela manhã.-Adena, o que fez com que vocês tomassem essa decisão?-Esther... Vocês sabem como a situação dos judeus vem se tornando cada vez mais difícilaqui no gueto... Não sabemos aonde isso vai parar, e se não arriscarmos uma novaoportunidade, continuaremos aqui, esperando que o pior aconteça.-Humpf... Eu os compreendo!-Ima! - Exclamou o Eliezer. -Filho, em partes eles tem razão! E se lá houver melhores condições de vida? Tanta fome,mortes, desgraças que vemos acontecer à beira dos nossos olhos sem que possamos fazernada...

Embora tivessem decididos a irem embora, faltou-lhes iniciativa, adiando a partida.Assim como eles, ninguém se apresentou. Furiosos, os alemães declararam estado de sítiono gueto, proibindo a todos de saírem de casa. Iniciava então mais um pesadelo.Acompanhados de enormes caminhões, os soldados cercavam um quarteirão após o outro,exigindo que todos saíssem à rua. Doentes, idosos e crianças eram imediatamenteencaminhados para caminhões especiais.

 No quinto dia após o início da ação, chegara nossa vez. Descemos apreensivos,

esperando pelo pior.-Se eles tentarem levar você, eu vou junto!  - Sussurrou o Eliezer enquanto descíamos asescadas.-Por favor, não faça nenhuma besteira, Eli...-Por você eu faço qualquer coisa.-Rápido, para aquele lado! - Gritou um soldado SS apontando para nosso lado direito.

Obedecemos sem nada dizer. Enfileirados, aguardávamos suas decisões, ou melhor,a decisão de um dos soldados que selecionava um a um. Ao passar pelo Eliezer ele parou.Minha mão começou a suar.-Qual seu nome? - Perguntou ele.-Lovitz... Eliezer Lovitz...

Respiramos aliviados quando ele continuou a caminhar. Pouco tempo depois se deu por terminada a ação do dia, onde várias famílias que moravam no mesmo prédio que nósforam levadas. Com isso várias moradias foram desocupadas no quarteirão, e visando umconforto melhor, Samuel e sua mãe trataram logo de se mudar para uma delas, maisexatamente na rua de trás a nossa.

Para nosso alívio, naquele dia o estado de sítio cessou, pois haviam preenchido acota de 20 mil judeus deportados. Posteriormente tomaríamos conhecimento de que todaaquela gente havia sido exterminada em Chelmno.

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Com vinte mil judeus a menos, a vida dos que ficaram teve uma significativamelhora. Além do espaço, passamos a receber mais rações.

A rotina dos Lovitz continuava normalmente. Às vezes cruzávamos com osSchneider, que felizes, acabaram mudando de idéia e desistiram de partir.

Ouvi a campainha tocar e imediatamente fui atender.-Pois não?

Sem nada dizer, um soldado SS entregou-me uma intimação e partiu. Curioso, abri aconvocação que nos dava ordem de desocupar aquele prédio. Tivemos que nos mudar paraum outro bem menor, pois com um pretexto de construção de uma estrada que ligavaMoscou a Berlim, a mesma passaria pela rua Brzezinska, quando na verdade isso eraapenas um argumento para demolição do gueto.

Em nosso novo apartamento localizado no quarto andar mal cabíamos nós. Acozinha era menor que a anterior, e com apenas um quarto, mal conseguíamosdisponibilizar as duas camas de solteiro que ficavam praticamente coladas uma a outra.Subir e descer quatro andares de escada era uma tarefa fatigante, e para evitar tal esforço demais de uma vez por dia, providenciamos um balde com tampa para fazer nossasnecessidades. Além das camas, só coube um cesto onde passamos a utilizá-lo para guardarlegumes.-Eu não posso acreditar... Olha só o estado desse lugar!   - Exclamou a senhora Lovitzinconformada.-Esther, poderia ser pior.-Pior? Nem banheiro mais nós temos! Vamos ter que dividir com o prédio inteiro!-Bem, pelo menos temos um pouco de ração que durará por semanas.

Duraria, até o zelador bater a nossa porta:-Com licença...-Pois não?

-Sou zelador do prédio e vi que vocês possuem interesse em ficar com o apartamento.-Sim.-Pois bem, para que vocês fiquem com esse quarto cobrarei dois quilos de açúcar e umquilo de pão.

Lá se foi nossa ração extra. Tivemos que entregar ao zelador tudo que tínhamos paracompensar os quilos extras que ele exigiu e não havíamos em estoque.

"Uma das histórias que me lembra minha mãe são da época em que estávamos no gueto. Ela preparava alguma coisa para comermos. Mas ela nunca comeu conosco. Umdia ela desmaiou, e eu a peguei no ar. Durante cinco dias ela não comeu nada, deixandotudo para nós. Isso é tão dramático! Nada mais me deixou tão impressionado, quanto

aquele momento. Uma verdadeira mãe judia."  - Simon Wisenthal

 Nossa primeira noite foi um pesadelo. As paredes do apartamento eram recobertascom papel de parede, que mofado e velho, abrigavam percevejos. Podíamos senti-los passear pelo quarto sem parar, centenas deles. Combatê-los tornou-se uma de nossas tarefasdiárias.

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-Hans...-Me chamou, senhora Lovitz?-Sim... Me ajude aqui com essa bacia... - Pediu seguindo em direção ao quarto.-O que vai fazer com essa bacia cheia de água?-Vou colocar nos pés das camas. A vizinha me disse que isso ajuda a espantar os percevejos.-Nossa! Pois então vamos colocar mais!-O que estão fazendo? - Questionou o Eliezer ao chegar.-Estamos tentando resolver um dos problemas da casa... Percevejos!-E para que são essas bacias com água?-Pergunte à sua mãe.-Foi a dona Basya que me ensinou. Parece que na casa dela deu certo...  - Respondeu asenhora Lovitz.

Semanas se passaram e assim como as bacias d’água, nenhum método contra

 percevejos adiantou.-Senhora Lovitz, vou buscar um pouco de lenha para essa noite.-Obrigada, Hans!-Volto já.

Depois de procurar pelas redondezas, encontrei um pacote de lenha em umamontoado de entulhos num quarteirão desocupado. Tratei de me apressar para pegá-lo, pois se fosse visto por algum soldado, poderia ser fuzilado imediatamente, já que tudo nogueto passou a ser motivo para punição.

Ao voltar, passava pela praça quando o zelador anunciou aos que ali estavam:-Caros judeus... Existe uma necessidade de pessoas para a produção de uniformes na Alemanha, e o Führer resolveu lhes dar a oportunidade de trabalhar nas fábricas, em lugar seguro, distante da guerra. Não se preocupem, porque eu acompanharei vocês... Ouçam os

canhões de Varsóvia! Não precisam de bagagens, levem apenas panelas e talheres, porém,aviso-lhes que os que logo se apresentarem receberão os melhores lugares...

Voltei para casa desconfiado.-Hans! - Exclamou Samuel ao encontrar-me na rua.-Samuel! Como você está?-Estou bem e você?-Bem também!-O que leva nesse saco?-Lenha.-Pegue... - Disse oferecendo-me dois tijolos de carvão.-Carvão!

-Sim... Conseguimos bastante e não custa nada dividir com os amigos, afinal, você e a família Lovitz foram muito bons comigo e com minha mãe quando precisamos.

Demos um abraço.-Puxa... Muito obrigado, Samuel!

Os tijolos de carvão eram feitos de pó de carvão colados com piche. O bom era queacendiam com mais facilidade do que os carvões de antes da guerra, porém, queimavammuito rápido.-Você ouviu a proposta do zelador, Hans?

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-Ouvi...-Acho que dessa vez Ima e eu iremos.-Samuel, não faça isso...-Não tem mais jeito, Hans... O gueto vai fechar.-O gueto vai fechar?-Sim...-Quem disse isso?-Ouvi uns comentários... Vejo tanta gente sendo obrigada a fazer coisas absurdas,agredidas, executas... Dói ver seu povo sofrer sem nada poder fazer.-E se você esperasse uns dias mais?-Não sei, dependendo de como a situação estiver...-Bem, preciso ir. Foi muito bom revê-lo e saber que estão bem!-Obrigado, Hans!

Cheguei em casa e só estava o senhor Lovitz. Sentado a cadeira na cozinha,mantinha a perna direita esticada a sua frente, ao mesmo tempo em que massageava a própria coxa.-Senhor Lovitz... Está tudo bem?-Hans! Filho, sinto muita dor nessa região da perna...-Mas o senhor sente dor no músculo? Na pele?-Creio que seja no osso.-Provavelmente seja falta de cálcio.  - Comentei colocando os pacotes sobre a mesa. - Deixa-me ver...

Apertando sua coxa, eu ia perguntando:-Dói aqui?-Não...-E aqui?

-Também não...Bastou eu tocar em sua patela para que um grito soasse.

-O que houve?-Ai também dói!-Senhor Lovitz... Isso é problema nas articulações!-Ah é?-Sim. Eu aconselho o senhor a procurar um médico...-Médico? No gueto? Mal temos comida...-Humpf... Infelizmente tenho que concordar com o senhor...-Boris? O Que houve? - Questionou a senhora Lovitz entrando em casa.  -Hans e eu estamos tentando descobrir de onde vem essa minha dor na perna...

-E o Hans é médico por acaso?-Deixe de ser rabugenta, Esther!-Hoje nos fizeram uma proposta lá na fábrica...-Qual proposta?-O Führer quer que os judeus vão trabalhar em fábricas de uniformes na Alemanha...-Eu também ouvi tal proposta na praça agora há pouco. - Comentei.-E o que você está pensando em fazer?-Não sei, Boris... Mas parece uma boa proposta.

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-Senhora Lovitz, estão querendo nos enganar...-E se ficar... Morrer de fome? De frio?-E qual era a proposta, Esther?-Aqueles que se apresentassem primeiro, teriam os melhores lugares e postos de trabalho.Garantiram um local seguro, longe da guerra...-Isso sim é bom!-Eu achei uma boa proposta...

Embora eu não concordasse em partir, concordava com ele nessa questão. A proposta era boa, e ficar no gueto já não era mais garantia de sobrevivência, assim como partir também não. Mas como eu tinha em mente o plano de fugir com Eliezer, voltar para aAlemanha acabaria atrapalhando, até mesmo dificultando nossa fuga por estarmos nocentro do poder Nazista.

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Capitulo 40

No dia seguinte  Eliezer acompanhou-me para trocar nossas rações. O

senhor senhora Lovitz estavam trabalhando, ficando ao nosso encargo o preparo do jantar.Depois de quase duas horas de espera na fila, voltávamos para casa quando um alvoroçocomeçou a se formar.-Hans... Alguma coisa está acontecendo!-Vem comigo!

Peguei pelo seu braço e corremos por um túnel por dentro de um prédioabandonado. Com as costas apoiadas naquela parede de tijolos lascados, aguardamos queum carro da polícia passasse. Sobre ele estavam três soldados, todos armados, prontos para possivelmente atirar em alguém.-E agora, Hans?-Calma! Apenas me segue.

Assustado, fez sinal positivo com a cabeça. Corremos pelas ruas vazias nosesquivando de muro em muro, até finalmente chegarmos ao prédio em que morávamos.

Subimos as escadas correndo. Trancamos a porta com uma madeira para reforçar.Através da fresta da janela observávamos a movimentação nas ruas, principalmente na praça, onde o zelador voltou a dizer em alto e bom som a todos:-Estão vendo como posso prender todos a força?... Entendam, minha intenção e desejo nãoé essa. Quando voltarem para suas casas, pensem muito bem na proposta e se apresentemlivremente com suas respectivas famílias a partir de amanhã.

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Olhando-me apavorado, o Eliezer questionou:-Hans... O que faremos agora?-Não podemos nos apresentar sem nenhuma garantia...-Mas o zelador garantiu que...-Garantiu?  - Interrompi. - Você viu a forma como essas pessoas estão sendo tratadas?Olha a situação em que nos encontramos! Chegamos ao fundo do poço, suportando todotipo de humilhação, passando fome e frio...-Mas Hans, essa guerra não vai durar muito.-Quem disse que não? Não temos mais certeza de nada!

Abraçando-me, ele falou após um longo suspiro:-“Conforme o camelo, assim o fardo.” Se o Criador nos deu essa provação, é porque tem

certeza do quanto poderemos aguentar...Pelo restante do dia não saímos de casa, amedrontados com o que poderia nos

acontecer.Já era tarde da noite quando o senhor e a senhora Lovitz chegaram. Respiramos

aliviados ao vê-los, porém, uma felicidade que não durou muito.-Boa noite, rapazes! - Saudou o senhor Boris.-Boa noite! - Respondi.-Tateh... Precisamos te contar uma coisa...-Já estamos sabendo, Eliezer. - Respondeu.

Colocando uma sacola sobre a mesa, disse a dona Esther:-Não se falava em outra coisa lá na fábrica...-Eu e o Hans vimos tudo, Ima...-Filho, eu e seu pai decidimos nos apresentar voluntariamente.-O quê? Vocês não podem fazer isso!-Eliezer, não temos escolha. - Disse seu pai. -Nossa fábrica não funcionará mais a partir de

amanhã.-Mas...-E sendo assim, não teremos emprego, nem o que comer.-Tateh, é arriscado partir sem saber nosso destino!-Estamos em um barco sem saída, filho. Precisamos partir...-Eu não vou! - Gritei apavorado.-Mas o Eliezer vai. - Respondeu sua mãe.-Eu?... Ima...-Esther, os meninos ainda possuem condição de ficar, não é justo tirá-los daqui.-Eu não vou sem meu filho!-Vai ser melhor para todos nós... Os meninos ficam. - Decidiu o senhor Boris.

O caos começou a se instalar naquela família. O Eliezer não aceitava a decisão dos pais de partirem, gerando um tremendo conflito naquela longa noite. No gueto, ninguémsabia sobre Maidanek, Treblinka e os demais campos de concentração. Os deportadosanteriormente jamais mandaram qualquer notícia, motivo que nos fazia suspeitar das tais promessas.

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 No dia seguinte os dois partiram. Apertou-me o coração ver o Eliezer sofrer peladespedida dos pais. Muitas lágrimas, tristeza.-Filho... Um dia tudo isso irá acabar, e nos reencontraremos para reviver como sempre fomos... Uma família feliz!-Ima... Não deixe de mandar notícias assim que chegarem em Berlim?-Claro!  - Afirmou ela cobrindo-se com um xale velho e desbotado, vestes completamentediferente das que costumava usar antes da guerra.

Ao fecharem a porta, selavam mais um capítulo daquela terrível História. Eliezernunca mais voltaria a ver seus pais.

Deitado à cama, ele chorava calado, de bruços, lamentando a partida que no fundoele sabia ser para sempre.-Eli... Não fique assim... - Pedi acariciando seu cabelo.-Eu deveria ter ido com eles...-Ah é? Como você é egoísta!-Egoista, eu?-Sim! Eu deixei minha casa, minha mãe, briguei com minha família, estou passando fome, sendo perseguido, tudo isso para poder ficar ao seu lado!-Hans...-E você diz que deveria ter partido com eles? - Levantei-me indignado.-Mas Hans...-Olha, Eliezer... Por mais dificuldades que passei aqui, jamais cogitei a hipótese de jogartudo pro alto e voltar pra minha casa quentinha, para o colo da minha mãe. Meu único propósito por estar aqui é somente o amor que sinto por você, apenas isso.-Desculpe, Hans... Eu não quis dizer...-Eliezer, por favor. Não diga mais nada, vamos dormir cedo porque a fome já está a meincomodar.

-Mas Hans...-Boa noite!

Deitei-me na outra cama e não abri mais a boca. Cansado e faminto, adormeci em pouco tempo. Enquanto o sono não vinha fiquei refletindo, achando que havia exageradonas palavras com o Eliezer, mas ele em momento algum também havia se mostrado preocupado comigo, onde a única coisa que importava eram seus pais.

Acordamos com latidos dos enormes cães que os soldados soltavam pelas ruas.-Hans... Está ouvindo? - Perguntou o Eliezer.-Ja...

Levantamos da cama imediatamente. Corremos até a janela para espiar o queacontecia lá fora. O quarteirão inteiro estava cercado por inúmeros soldados SS armados.

Em um primeiro momento os soldados atiravam para o alto, mandando que todosdeixassem suas casas de imediato, em seguida começavam as buscas vasculhando cadacanto com seus cães famintos por sangue judeu.-Adonai! Estão vindo pra cá!... - Exclamou o Eliezer em pânico.-Calma...-Como calma? Vão nos pegar, nos enviar sabe lá pra onde... Nos separar... - Cogitavadesesperado com as mãos à cabeça.-Ninguém vai nos separar, Eli.

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-Por favor, Hans... Promete que você não irá me abandonar?-Prometo! Agora precisamos nos esconder. - Respondi olhando em seus olhos.

Decidido que não iriamos nos entregar. Peguei o pinico que havia embaixo daminha cama e comecei a jogar urina por todo o quarto.-O que você está fazendo? Está louco? - Disse o Eliezer tapando seu nariz com a mão.-Se subirem aqui com os cães, o cheiro vai confundir o olfato deles e deixar os soldadoscom nojo!

Em seguida, abri o cesto de roupas e tirei algumas peças dizendo:-Você terá que se esconder aqui.-Dentro do cesto?-Sim!-Humpf... Ta bom.

Imediatamente o Eliezer pulou para dentro do cesto. Não houve dificuldade para ele, pois sendo baixinho e magro, ficaria bem acomodado por algum tempo. Em seguidacomecei a preencher o cesto com algumas roupas que havia tirado, e para completar soqueitodos os legumes que tínhamos disponíveis. Aproveitei os pacotes de lenha e as caixas decarvão, colocando-as sobre a tampa do cesto. Dessa forma ninguém suspeitaria de que alidentro houvesse alguém escondido.

Preguei uma tábua na porta pelo lado de fora e coloquei um cadeado, dando aimpressão de que o lugar estava abandonado. Ouvi passos se aproximarem. Antes de entrarem pânico, escondi-me rapidamente dentro do forno, controlando inclusive a respiração para que ninguém suspeitasse de nossa existência. Que aperto! Mexer o corpo era quaseque impossível, e o medo de me faltar ar faziam-me sentir fobias.

Um estrondo foi ouvido. O suor em minha testa escorria sem parar. Arrombaram a porta! Comecei a rezar. Através de uma pequena fresta no forno eu conseguia ver aquelas botas pretas e altas, das quais jamais irei me esquecer. Meu queixo tremia. Além de torturar,

os alemães sentiam um prazer sádico em descobrir esconderijos.Por sorte eles não ficaram por muito tempo em nosso quarto. Ao saírem, veio o

silêncio. Ouvimos batidas nas portas vizinhas, seguidas de choros e gritos. Os alemãeshaviam acabado de descobrir as crianças do prédio escondidas no forro. Que azar!Levaram-nas para fora e novamente um silêncio de expectativa se fez presente.

Certos de que a polícia e os soldados SS haviam partido, deixamos nossoesconderijo. Todos haviam sido levados, apenas eu e Eliezer conseguimos escapar.

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Capitulo 41

Nos dias seguintes o cerco ao gueto so aumentou.  Os

alemães passaram a isolar os judeus em uma parte, pois assim era mais fácil controlá-los edeportá-los.

"Havia boatos de uma operação no gueto. Sabíamos que iria acontecer em cerca deuma semana. Nós ainda tínhamos um relógio de ouro. Sem notícias de minha mãe, fui até seu apartamento e perguntei à vizinha: 'Eu dei um relógio de ouro para minha mãe'. E elarespondeu: 'Sim, eu sei'. E que quando o policial saiu sem levar minha mãe ela bateu em sua porta e disse: 'Graças a Deus! Eu dei o relógio pra ele'. Mas uma hora depois, outro policial ucraniano voltou e como minha mãe não tinha mais nada pra dar ele a levou. Fuiaté a estação de trem, e corri freneticamente entre um vagão e outro. As pessoas estavamnuas, sem nada, e a gente ouvia: 'Agua, Agua, Agua'... Eu gritava: 'Mãe, mãe, mãe'. Enada! Não havia possibilidade de ajudar. Muitas vezes sonhei com aquela situação, com as pessoas dentro dos vagões. No sonho eu me vejo correndo e não podendo ajudar... Eu seique a mataram em Belzec. Minha esperança era que ela tivesse morrido no caminho de Belzec e tivesse sido poupada de ir para a câmera de gás. Você sabe o que significa dizer: Eu espero que ela tenha morrido durante o transporte?" - Simon Wisenthal

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Teve uma noite que fazia muito frio, e como não podíamos utilizar métodos quedenunciassem nossa presença naquele edifício abandonado, tivemos que nos contentar comuma pequena brasa próxima a cama que aquecia uma panela com água, além de uma vela bem próxima para aquecer nossas mãos.

Com a cabeça deitada em meu peito, o Eliezer questionou:-Hans...-Hum?-Como será que meus pais estão nesse momento?-Acredito que já tenham chegado a Berlim.-Mas sem me avisar?-Avisar como? Olha só a condição em que nos encontramos...-Humpf... Você tem razão... Hans?-Hum?-Você não sente saudade da sua mãe?-Claro que sinto!... Às vezes sonho com ela, fico imaginando o que ela estaria fazendonesse momento... Mas tenho certeza que Mutter está muito bem.-Sem dúvida! E tudo isso por culpa do Führer! O que eu não entendo, é como um homemque queria ser artista tornou-se líder de um partido que hoje pretende dominar o mundo!

Adolf Hitler adorava as músicas de Wagner, dizendo ter visto sua ópera “Ocrepúsculo dos Deuses” mais de cem vezes. Quando ainda jovem sentia-se encantado pelamitologia germânica, transformado posteriormente por  Rosenberg   em exemplo de raça“ariana”. Através de Wagner também vieram as noções de arte para uma nova civilização.

"É o exército que nos faz homens. Quando vemos um

exército reforçar-se a fé no futuro de nosso povo."  - Adolf Hitler

Hitler julgava-se seguidor daqueles que haviam forjado uma nação guerreira como Frederick o Grande  e  Bismark . Acontece que nenhum líder nazista utilizou-se de idéiasoriginais, valendo-se de antigos conceitos alemães, os distorcendo para enquadrá-los nasideologias do partido. Mas, afinal, como Adolf Hitler chegara ao partido Nazista?

O Exército alemão havia o contratado para espionar um determinado grupo quetinha por hábito se reunir nas cervejarias, chamado Partido Nacional Socialista Alemão dosTrabalhadores (Em alemão:  Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei  - NSDAP), ouentão, Partido Nazista. Mas Hitler, ao invés de espioná-los, preferiu unir-se a eles. 

"Foi o passo mais decisivo de minha vida. A partir dali, não

mais haveria retorno." - Adolf Hitler

Adolf Hitler tornou-se chefe do partido nazista em 29 de julho de 1921, quandoiniciou logo em seguida um programa transformando o partido numa organização radical erevolucionária. A Sturmabteilung   (seção de assalto) foi fundada naquele mesmo ano,começando uma política de expansão do Partido Nazista através do medo, intimidação eataques violentos a outros partidos políticos.

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Hitler usou seus dons artísticos na política. Ele criou tudo, desde o uniforme, as bandeiras e o estandarte. Ele deu forma ao nazismo com seus desenhos e instruções. Ainsígnia do Partido foi criada por Hitler em 1923.

Repousando sua colher ao prato, o Eliezer comentou:-Amanhã eu começo a trabalhar...-Mas como? Você não me contou nada...-É que só fiquei sabendo hoje também... Farei o trabalho de carregar entulho.-Eli, você está tão magrinho que...-Hans, eu preciso trabalhar, nós precisamos comer!-Humpf... Eu sei, amor... Em breve também conseguirei um trabalho e conseguiremos umaboa quantia para partimos ao Brasil.-É tudo que eu mais quero!-E vamos conseguir...

Dei-lhe um beijo em sua testa e adormecemos.

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-Eli! Por favor, vá... Eu ficarei bem.-Humpf... Ta bom.-Mas antes é melhor você proteger seus pés.-Como?-Em cima do cesto tem um pedaço de pano velho. Corte-o no meio e enrole em seus pés...-Tudo isso é preocupação?-Zelo por alguém que a gente ama!-Você foi a melhor coisa que já me aconteceu na vida... - Disse ele deixando uma lágrimaescapar.

Após enrolar os pés como eu havia pedido, deu-me um beijo na testa e foi trabalhar.Assim que ele saiu, deixei a vela próxima a minha cama e acabei adormecendo. No meio dosono comecei a tossir. Quanto mais eu tossia, mais dores eu sentia, fazendo-me gemer, atégritar de dor.

Quando o Eliezer chegou e me viu chorando, pegou-se no desespero.-Adonai! Hans... O que houve?-Estou... Sentindo muita... Dor...-Precisamos ver um médico...-Ai... Ai... - Gritei ao tossir.-Eu vou chamar um médico.

Desesperado o Eliezer saiu, e pouco tempo depois voltou acompanhado de ummédico.-Olá! - Exclamou o médico com um simpático sorriso.-Olá!

Aproximando-se da cama, questionou:-Então você que é o Hans?...-Sim.

-Eu sou o doutor Asher... Vim a pedido do seu amigo Eliezer...-Ah sim...-O que você está sentindo, Hans?-Estou sentindo muitas dores no peito, fraqueza...-Sente mais dores em algum outro lugar?-Também me dói um pouco o abdômen.-E essas dores no peito são contínuas?-Pioram quando eu respiro profundamente, tusso, espirro...-Teve febre?-Uhum.-O que você comeu hoje?

-Nada. Não sinto fome...-Humpf... Vamos ver...

Após examinar-me, diagnosticou seguido de um profundo suspiro:-Essas dores são ocasionadas quando as duas superfícies pleurais se esfregam uma a outrae sentem-se na parede do tórax junto ao local da inflamação...-E o que isso quer dizer, doutor?

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-Hans... Você está com pleurite¹ .-Pleurite? Adonai!-Mas... O que é isso? - Perguntei assustado.-Doutor, teria algum remédio para curá-lo disso?-Humpf... Até tem. Podemos fazer uma pulsão, drenando com uma seringa a água do pulmão, porém, esse método deixará o pulmão seco repentinamente, podendo o estadoevoluir para uma tuberculose.-Isso não! - Exclamou o Eliezer preocupado.-Aconselho que fique acamado até que a água no pulmão seque sozinha. Para ajudar eurecomendaria algumas injeções de cálcio. Infelizmente não disponho de nenhuma, pois na situação em que o gueto se encontra elas se tornaram raras por aqui.-E onde posso encontrá-las, doutor?-Provavelmente através do contrabando.-Entendo...-Os alemães deixaram de fornecer remédios ao Centro de Saúde.-Doutor, ficamos muito gratos pela sua visita...-Não há o que agradecer...-Hans, desejo a vocês melhoras!

Agradeci com um sorriso. Ao acompanhar o doutor até o patamar da escada,recomendou o médico:-Eliezer, não deixe que ele coma nada muito salgado.-Sim, doutor.-E também diminua a quantidade de líquido.-Seguirei as recomendações.

Ao voltar para o quarto, percebi que o Eliezer chorava, porém, tentando esconder.

1. Pleurite: ou Pleurisia trata-se de uma inflamação nas pleuras pulmonares. A doença acontece quando uma bactéria ou vírus irrita a pleura causando inflamação, resultado de processos infecciosos ou não. 

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Pegando seu cobertor, o jogou sobre mim.-Você vai ficar bom... Agora precisa se manter bem quentinho. - Comentou acariciando-me.

Com o cobertor a mais a tosse amenizou, porém, quando vinham pareciam queiriam acabar comigo. Limpando suas lágrimas o Eliezer pegou uma beterraba, fez um furono meio e recheou com açúcar. Em seguida ele colocou no forno.-Eli...-Hum?-O que você está fazendo?-Todas as vezes em que tínhamos tosse em casa, Ima fazia um xarope de beterraba comaçúcar. Isso vai ajudar a melhorar a tosse.-Mas no forno?-É... O açúcar e a beterraba irão derreter e formar um espesso xarope.

Todas as vezes que eu tossia, ele dava-me uma colher daquele xarope. Confesso quealgum resultado surtiu, pois as tosses começaram a diminuir.

 No dia seguinte Eliezer saiu levando em um embrulho seu par de sapatos novos queeu havia lhe dado. Fingi que dormia, para que não se sentisse constrangido ao mesmotempo em que derramava suas lágrimas de preocupação.

Dando-me um beijo na testa, sussurou:-Melhoras, meu amor!

 No horário do almoço ele voltou para casa. Sobre a mesa depositou um pacote, emseguida tirou suas luvas e o echarpe. Em passos lentos ele aproximou-se de mim, aflito,com medo de que o pior houvesse acontecido.-Hans... Você está acordado? - Sussurrou.-Ja!-Que bom!  - Exclamou após um profundo suspiro. - Trouxe uma coisa que vai lhe fazer sarar.

-O quê?-Consegui comprar cinco injeções de cálcio de 10 cm³ cada.

 Naquele instante eu entendi o porque de sua saída com os sapatos que eu havia lhedado. Para conseguir comprar as injeções e me salvar ele vendeu o presente que guardavacom tanto carinho.-Mas por que você foi vender os sapatos?-Sapatos?... Do que você está falando, Hans? - Fingiu não saber.-Eu vi quando você saiu essa manhã com os sapatos que eu lhe dei...-Humpf... Eu pensei que você estivesse dormindo...-Mas não estava. Eli, não precisava ter feito aquilo...-Você acha que eu trocaria sua vida por um par de sapatos? Hans, deixa de ser bobo!

Quando você estiver recuperado poderá me dar outro... Nesse momento sua vida é o queme importa!-Humpf... Nesse momento eu acabo de descobrir uma coisa.-Que coisa?-Porque te amo!

Vi seus olhos brilharem e as lágrimas descerem. Sem nada dizer ele abraçou-me,apoiando sua cabeça em meu peito, permanecendo por alguns minutos.

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-Preciso voltar ao trabalho, Hans...-Está bem.

Calçando suas levas, ele avisou-me:-Pedirei para que uma enfermeira venha visitá-lo para lhe aplicar as injeções...-Está bem.-Te amo! - Sussurrou fechando a porta.

Algum tempo depois levantei-me da cama e fui espiar a janela, que coberta com papelão para não dar pistas de que havia alguém lá, impedia a entrada de luz natural.Afastei um pouco aquele papelão velho e amassado. A rua estava deserta. Caminhando em passos lentos voltava para a cama quando alguém bateu à porta.-Quem é? -Perguntei.-Sou Leah, enfermeira. Vim a pedido de Eliezer Lovitz...-Um momento.

Caminhei até a porta e abri.-Boa tarde!-Boa tarde! Você que é o Hans?-Sim.-Sou enfermeira Leah. Vim aplicar-lhe as injeções de cálcio.-Por favor, entre!-Com licença!

Fechei a porta. Colocando sua maleta sobre a mesa, ela questionou:-Preciso de um pouco de água e uma panela para ferver a seringa... Posso pegar essa aquimesmo?-Claro!-Com licença...

Enquanto a água fervia, ela puxou uma cadeira e passamos a conversar.

-Vocês moram aqui sozinhos?-Sim... Os pais do Eliezer voltaram para a Alemanha.-Então vocês são da Alemanha...-Ja! Você também?-Sou de Munique... Mas... Você não me parece judeu...-Humpf... Bem, é porque... Porque... É que tenho dois avós que são judeus e ai fuiconsiderado um judeu também.-A água já está fervendo!

Percebi que ela não acreditou muito na minha justificativa, porém, estava pouco meimportando com o que ela estava pensando.

Ao voltar com a seringa desinfetada, disse-me:

-Vou precisar amarrar seu braço com esse cordão de borracha...-Tudo bem.-Você vai abrir e fechar a mão para que o sangue circule.-Ta.

Após amarrar a borracha em meu braço, Leah pediu:-A partir de agora você comece a respirar pela boca...-Sim... É a primeira vez que tomarei injeção na vida.

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-Está falando sério?-Sim...-Mas fique despreocupado, não vai doer nada.

Ela tinha razão. Quase não senti a picada da agulha, porém, um calor quase queinsuportável passou a tomar conta de mim, efeito do remédio que acabara de ser aplicado.-Prontinho, Hans! - Disse ela desamarrando o cordão de borracha do meu braço.-Nossa! Que calor isso me deu!-É normal sentir esse calor no momento da aplicação. - Explicou levantando-se.-Muito obrigado, enfermeira Leah!-Imagina... Dentro de dois dias eu voltarei para aplicar mais uma injeção.   - Dissearrumando sua maleta.-Dois dias?-Sim. É preciso um dia de intervalo para esse procedimento.-Entendi.-Se tudo der certo, nos veremos em dois dias.-Se tudo der certo?... Como assim?-Humpf... Estão fechando o cerco para os judeus no gueto...  - Contava encostada a porta. -Os alemães vão fechar o gueto...-Mas será mesmo verdade isso?-Sim... Aqueles trabalhadores de rua serão os alvos mais fáceis agora para deportação.-Nossa!-É... H oje possivelmente já deve está tendo algum tipo de “caça aos judeus”... 

Meu coração começou a bater na garganta. Assim que ela se foi eu tratei logo devestir uma roupa bem quente e sai para procurar o Eliezer. O perigo que ele estava correndosem saber deixava-me mais angustiado.

Passei pela rua Brzezinska e só de olhar o prédio onde morávamos em ruínas partiu-

me o coração. Como eu não sabia o endereço exato de onde o Eliezer trabalhava, passei a procurá-lo por todos os cantos possíveis do gueto, já que ele fazia trabalhos externos. Atosse estava quase me matando. A cada dez metros que eu andava tinha que parar paradescansar e tossir, claro, segurando os gritos por conta de uma dor indescritível.

Quase duas horas após o início da procura, eis que avistei o Eliezer atravessando arua.-Eli! - Acenei.

Sem acreditar no que via, aproximou-se rapidamente de mim questionando:-Hans!... O que faz aqui? Você está louco?-Eli... Eles vão deportar os judeus que trabalham nas ruas... - Explicava ao mesmo tempoem que tossia.

-Mas do que você está falando?-A enfermeira Leah disse que os judeus que trabalham nas ruas serão os primeiros a seremlevados, porque o gueto vai fechar...-Hans, isso é boato. - Respondeu trazendo-me para um canto da calçada.-Diziam que a perseguição nazista era boato e você viu no que deu?  - Tentava convencê-loem meio a tosses violentas.-Tudo bem. Vamos sair daqui... Conversamos em casa.

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Voltamos para casa, caminhando em passos lentos. Debilitado, apoiava-me aoEliezer, que preocupado, perguntava a todo momento se estava tudo bem.

Ao dobrarmos a rua Wolborska, um homem veio correndo desesperado dizendo:-Escondam-se! Os alemães estão vindo ai e pegando todo mundo que encontram pela frente para deportação...-Adonai!

Correr não podíamos, pois no estado em que eu estava, mal conseguia andar.Apressamos os passos. Silêncio na rua. Antes de contornar o quarteirão ouvimos barulho decarro se aproximar.-Não adianta, Eli... Eu não agüento mais...-Não podemos parar agora, Hans!-Por favor... - Pedia tossindo. - Estou sentindo muita dor.-Adonai!

Parados em frente uma montanha de escombros, o Eliezer sentou-me a beira dacalçada e pediu:-Espere por mim aqui.-Aonde você vai?-Salvar nossas vidas!

Correndo ele atravessou a rua, pegou um pedaço de papelão e voltou. No terrenoamontoado de entulhos ele retirou algumas pedras, deixando um buraco na parte próximaao muro do prédio abandonado.-Vem comigo... - Disse ele pegando em minha mão.

Deitei-me sobre o papelão. O barulho de carro aproximava-se cada vez mais.Colocando seu corpo por cima do meu o Eliezer deitou, protegendo-me de qualquer entulhoque pudesse cair sobre nós.-Tente se acalmar, tudo vai ficar bem...

-Eu... To com vontade... De tossir, Eli... - Sussurrei.-Segure mais um pouco...

A forma como ele abraçou-me, preocupado, fez com que me sentisse o homem maisseguro do mundo. O cuidado em forrar o papelão para que minhas costas não pegassemfriagem, colocar seu corpo por cima do meu cara que nada me acontecesse.-Logo isso tudo vai passar. - Acalmava-me com um beijo na testa.

Um barulho aterrorizante de passos, caminhão e tiros nos fizemos tremer. A poucosmetros de nós estavam aqueles que poderiam interromper nossa história para sempre. Derepente ouvimos ao que parecia duas mulheres gritando. As vozes pediam para que asdeixassem ir, e ao chorar de uma criança, eis que um tiro as silenciou.-Meu Deus! - Exclamei.

-Por favor, Hans... Não se mova. - Sussurrou o Eliezer.-Eu não vou aguentar...-Você vai sim... Você enfrentou sua família e uma nação inteira para ficar ao meu lado, evai desistir agora? Se você fizer isso, não é o homem que pensei que fosse.  - Diziachorando.

 Não respondi, apenas o abracei. Foram mais de quatro horas esperando dentrodaquele buraco empoeirado. Pensei que fosse morrer, segurando aquela tosse que pareciaquerer explodir meu peito.

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Já havia anoitecido quando o Eliezer disse:-Acho que já podemos sair...

Chegamos em casa mais pálidos que dois fantasmas. Tirei aquele casaco cheio desujeira e deitei-me a cama.-Vou preparar aquele xarope de beterraba pra você. Ele vai te ajudar com essa tosse...-Obrigado, Eli!-Fique ai deitadinho, deixe tudo comigo...-Está bem.

Dando-me o xarope na boca, o Eliezer comentou:-Amanhã não irei trabalhar, você precisa de mim por perto...-Não! Despreocupe-se, você precisa trabalhar, eu vou ficar bem.-Humpf... Não posso ir sabendo que você está doente aqui. Está decidido, eu vou ficar.

Durante aquela semana o Eliezer acabou cumprindo sua promessa, ficando em casae me cobrindo de paparicos. Sobravam tantas rações que conseguia alimentar-me duasvezes por dia, e com as injeções de cálcio que a enfermeira Leah aplicava-me sentia arecuperação dia após dia.-As rações estão durando, Eli...-Você viu?... Isso é muito bom, não acha?-Sim, acho. - Respondi desconfiado.

Mais tarde eu descobriria que as rações não estavam durando mais, a verdade eraque o Eliezer deixou de comer suas rações, as deixando para mim. Sua atitude foi tão nobreque somente alguém que ama de verdade poderia fazer. Apesar de tudo, ele jamais soubeque eu havia descoberto.

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Capitulo 43

Ja fazia um mes que eu havia me recuperado por completo, quando num belo final de tarde nos surpreenderam com fortes batidas à porta.-Quem será? - Sussurrei.

Caminhando na ponta dos pés em direção a porta o Eliezer pediu silêncio com o

dedo a boca.-Abram! Polícia Alemã!-Adonai!-Calma, não se desespere. - Sussurrei. - Deixa que eu abro.-Não, Hans!-Eli, calma! Deixa comigo.

Respirei fundo e abri a porta.-Pois não?-Pegue sua mala e nos acompanhe.-Mas para onde?-Não faça perguntas. Pegue apenas uma mala de até vinte quilos e nos acompanhe!-Bem, como posso... 

Um dos policiais puxou o gatilho de sua arma, não me fazendo pensar duas vezes.-Tudo bem. Já estou indo.

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Arrebentando a porta com o pé não nos deram tempo de fazer as malas. Pegamosaquilo que vimos a frente e fomos arrastados para fora de casa. Escoltados sobre a miradaquelas enormes armas seguimos até os bondes que já aguardavam por nós.

Partimos sem saber para onde. Algum tempo depois já estávamos no desvio daestrada de ferro em Marysin, onde fomos obrigados a descer e entrar em vagões de carga.-Para onde estão nos levando? - Perguntei a um dos soldados que nos escoltavam.-Vocês vão para Alemanha trabalhar com aquilo que possuem habilidade... Não há nadado que temer, fiquem tranqüilos. Uma boa viagem!

A porta do vagão se fechou. Que escuridão! Apreensivo o Eliezer pegou em minhamão sussurrando:-Calma... Tudo vai ficar bem...

Os vagões foram trancados pelo lado de fora. Todos ficaram no mais absolutosilêncio. No primeiro sacolejar, o trem começou a partir. O vagão em que estávamos estavatão lotado que mal conseguíamos respirar, amontoados como gado.

Durante aquelas viagens que chegavam a durar dias ao longo de 2.400 quilômetros,muitas coisas aconteciam. Grande parte dos idosos e crianças acabava morrendo nocaminho, ou por sufocamento, desnutrição, inanição. Os vagões eram selados, mal permitiam a entrada de ar para que se pudéssemos respirar.-Hans... - Sussurrou o Eliezer com a cabeça apoiada em meu ombro.-Hum?-Estou com muito frio!

Tirei meu paletó e dei para ele. Havíamos improvisado um banheiro nos fundos dovagão, estendendo um cobertor para que pudéssemos fazer nossas necessidades em um balde. Em pouco tempo o cheiro tornou-se insuportável.-Não estou conseguindo respirar, Hans...

Encostei a cabeça do Eliezer em meu ombro e assim permanecemos, ouvindo o

 barulho do atrito dos ferros do vagão. Sentíamos fome, sede, frio, medo. Assimadormecemos.

Dormíamos num profundo silêncio, quando de repente o trem começou a parar.Espiei pela fresta ao meu lado direito e avistei luzes em um ponto distante, dos quais seaproximavam cada vez mais, tornando-se mais fortes. Embora fosse uma novidade, as pessoas continuavam indiferentes, reservadas em seu mais profundo silêncio da alma.

O Eliezer acordou. Esfregando o olho, perguntou-me:-O que está acontecendo, Hans?-Não sei... Só sei que o trem parou. - Sussurrei.

Seu olhar era curioso. Aproximamos-nos mais da fresta para tentar ver algumacoisa, mas não era possível avistar muito, apenas o que parecia ser postes de cimento, com

isoladores de arame e uma grande quantidade de soldados.-Chegaram mais judeus!... Vieram para a fábrica de sabão. - Gritou alguém lá de fora.

Claro que pensamos que iríamos realmente trabalhar em uma fábrica de sabão, porém, o que nos esperava ia muito além disso.

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Sentimos mais um solavanco. O trem começou andar novamente. Adentramos aoque parecia uma muralha, feita de tijolos e altos muros. Como o dia já estava clareando foi possível avistar vários postes de cimento entrelaçados com isoladores feitos de aramefarpado. Inúmeros soldados andavam de um lado para o outro carregandosubmetralhadoras.

Assustado, o Eliezer exclamou apertando forte minha mão:-Adonai!... Que lugar é esse?-Acalme-se! - Pedi.

Os freios rangeram bruscamente. Em um estrondo apavorante as portas dos vagõesforam abertas.-Raus, raus, verfluchte juden¹ ! - Gritavam aqueles homens armados.

Acabávamos de chegar a Aushwitz.

1. Raus, raus, verfluchte juden: Fora, fora, malditos judeus!

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Capitulo 44

Fundado no ano de 1940, o campo de prisioneiros de Auschwitz recebiano mesmo ano 728 prisioneiros políticos poloneses, e em 1942 chegaria a marca de 20 mil prisioneiros em dado momento. Nunca paravam de chegar pessoas, cujas vidas não tinhamqualquer valor. Localizado no sul da Polônia, Auschwitz foi símbolo do Holocausto nazista,um complexo de campos. Ao todo existiram três campos principais e mais trinta e novecampos auxiliares.

Muita gritaria, choro, desmaios. O barulho era de enlouquecer, deixando a todosassustados.-Adonai!... O que está acontecendo? - Questionava o Eliezer apavorado.-Alles raus¹ ! - Gritavam três soldados SS.-Hans... O que vão fazer com a gente?-Eu não sei, mas faça o que eles estiverem mandando.

Fomos tirados dos vagões com violência. Que cena triste! Crianças abraçavam suasmães, gritando desesperadamente.

-Mulheres de um lado, homens do outro! - Gritou um soldado SS.Algumas pessoas trajando roupas listradas ajudavam a formar as filas. Crianças de

colo eram arrancadas dos braços de suas mães e entregues nos braços dos idosos. Entramosna fila dos homens.

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“Nós andávamos vagarosamente. Um homem da SS ficava alguns metros à nossa frente. Quando passávamos na sua frente, ele fazia um sinal com o bastão para uns irem para a esquerda e outros, para a direita. Para a esquerda, direcionava todos os velhos ecrianças que estavam sem pais. Às vezes, uma mãe ia para a direita e seu filho para aesquerda. Se a mãe se recusasse a deixar o filho os dois eram mandados para a esquerda. Para a esquerda estava o caminho para as câmaras de gás”.  - Depoimento de umsobrevivente. 

Os listrados tratavam logo de separar as crianças de idade aproximada erazoavelmente parecidos, as instruindo para que se identificassem perante aos alemãescomo gêmeos. Apavorados, nos mantivemos calados. Caminhávamos em fila, pouco a pouco.-Hans... Se alguém quiser nos separar...-Eliezer! - Interrompi. - Pára de dizer tolisses. -Mas Hans...-Por favor, não fique pensando no pior.

Embora eu pedisse calma, o cenário em que nos encontrávamos não nos permitia tê-la. Seu desespero justificou-se quando a nossa frente um soldado SS mostrou a queestavam. Com uma baioneta ele segurava a cabeça de uma senhora, que cansada, malconseguia se levantar. Sem motivo algum ele deu-lhe um golpe em sua face, fazendo comque ela caísse ao chão. Os outros soldados que estavam ali próximos, riram.

Aproximando-se de nós um dos listrados aconselhava:-Quem tiver de óculos os retire... Belisquem as bochechas até que fiquem vermelhas, e não parem na fila!-Mas pra que tudo isso? - Questionei.-Se quer sobreviver, não questione nada. Apenas faça o que eu te aconselho...  - Respondeu

amedrontado.Chorando, o Eliezer resmungava:

-Adonai... Por quê?... O que fizemos a ti?Sem querer ele tropeçou, empurrando outros que estavam a sua frente. Atentos ao

início de uma confusão, dois soldados se aproximaram gritando:-O que está acontecendo aqui?

Percebendo que a situação poderia piorar, entrei na frente e o ajudei a levantardizendo:

O campo de concentração Auschwitz I servia de centro administrativo para todo o complexo. Nestecampo morreram aproximadamente 70.000 prisioneiros de guerra soviéticos e polacos. Já o segundo,Auschwitz II (Birkenau), tratava-se de um campo de extermínio onde foram exterminados cerca de um milhãode judeus e dezenove mil ciganos. Quanto ao terceiro campo, Auschwitz III (Monowitz), foi utilizado comocampo de trabalho escravo para a empresa IG Farben.

1. Alles raus!: Todos pra fora!

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-Não houve nada, ele apenas tropeçou e caiu...Outro soldado apontou sua metralhadora para nós. Nesse momento gelei. Parecia

que o mundo havia parado, onde minha vida passou em um instante pelos meus olhos, quefechados de medo só abriram quando o Eliezer falou:-Hans... Já está tudo bem...-Cadê eles?-Correram para separar uma confusão lá atrás.

Após nos separar em grupos, mandaram-nos passar diante de um alemão, cujoexibia um olhar horrorizante. Escoltado por outros soldados SS, aquele homem nada dizia,apenas virava o dedo à direita ou à esquerda, do qual nos separava conforme sua vontade.

Chegara minha vez. Com suas calças por cima de uma camisa parda e umsuspensório segurando-a, aquele homem olhou para mim desconfiado. Gelei. Por uminstante achei que fosse ser fuzilado a seu pedido, mas logo respirei aliviado quando eleliberou-me. Mais tarde ficaríamos sabendo que aquele homem com cara de carrascotratava-se de Josef Mengele¹.

Logo atrás de mim havia um senhor cujo um SS deu-lhe ordem para que tirasse seuchapéu, porém, o mesmo não o fez. Furioso, outro soldado que estava ao lado de Mengelegritou questionando:-Por que não tiraste o chapéu, velho imundo?

Calado, ele descobriu sua cabeça. Ao expor seus cabelos brancos, Mengele pegou a bengala que segurava e deu-lhe dois golpes na costela ao mesmo tempo em que gritavafurioso:-Tentando me enganar? Vigarista! Judeu vigarista!

Agarrado pelo colarinho ele foi retirado da fila, onde logo foi cercado por váriossoldados SS que começaram uma sessão de espancamento.-Não olha... Continue caminhando. - Pedi ao Eliezer.

Apelidado de “Anjo da Morte”, Josef Mengele foi um dos responsáveis por realizarexperimentos macabros utilizando cobaias humanas no complexo de Auschwitz, deixando acomunidade médica internacional estupefata. Mengele tinha verdadeira obsessão pormulheres e crianças ruivas, principalmente por gêmeos, dos quais acreditava encontrava-sea chave do enigma da pureza ariana. Para atraí-las para seus experimentos, Mengeledistribuída doces, encaminhando-as para seu laboratório logo em seguida, onde iniciavasuas diabólicas experiências.

Amputação de órgãos e injeções de vírus e outras substâncias letais, sobretudoradioativas, eram apenas alguns dos seus modos de estudo. Relatos de algumas de suascrueldades consistiam em dissecar prisioneiros anões vivos, com intuito de provar seremfruto da excessiva miscigenação de raças. Além disso, também amputava pernas e braços

de crianças para tentar (sem sucesso) regenerá-los, ou então jogava prisioneiros em águafervente para ver o quanto suportavam. Seu laboratório estava localizado no Bloco 10 docampo Auschwitz, para onde levavam ciganos e judeus que possuíam doenças hereditárias,tal como Síndrome de Down, nanismo, irmãos siameses e outras anomalias que julgavadignas de seus “estudos”, dissecando pessoas mestiças e submergindo seus cadáveres numatina com um líquido que consumia as carnes, deixando expostos os ossos que eramenviados para Berlim, tornando-se macabro mostruário da degeneração física dos judeus ououtros em exposições.

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Continuamos a caminhar, agora bem longe da fúria dos soldados. Mais da metadedaquela multidão que vieram conosco no trem foi barrada por Mengele. Os gritos e chorosiam ficando cada vez mais baixos, distantes.

 Nitidamente cansado, Eliezer perguntou a um dos listrados que nos acompanhava:-Esse... Esse povo... Para onde serão levados?-Para o crematório.  - Respondeu apontando para uma chaminé que expelia uma fumaçanegra misturada a fuligens que pairavam no ar.

O cheiro daquela fumaça era horrível. A princípio não entendemos o que talchaminé significava, mas logo descobriríamos, assim como todos que por ali passaram.-Pode nos dizer por onde saímos daqui? - Questionei.-Por ali. - Respondeu o listrado apontando novamente para a chaminé. - A gente entra porali, e sai por lá...-Adonai!... Eu vou voltar... - Desesperou-se o Eliezer.-Por favor, não faça isso! - Pediu um listrado.-Eli, pelo amor de Deus, não faz isso comigo...

Curioso, um rapaz na fila questionou:-E as crianças... O que farão com elas?-Apenas os gêmeos são poupados, mas ainda assim por pouco tempo. Doutor Mengeleadora utilizá-los para suas experiências, seu passatempo favorito.

Quanta violência! Eu parecia estar vivendo um pesadelo. Olhava o rosto daquelas pessoas, imaginando o quanto deveriam ter sofrido até chegarem ali, quantos parentes perderam. Foram filhos que perderam pais, mães que perderam seus filhos, maridos.

“O primeiro ques ito essencial para o sucesso é o emprego

eternamente, constante e regular da violência.”  - Adolf Hitler

Um grupo de listrados aproximou-se de nós com baldes vazios nas mãos dizendo:-Brilhantes, ouro, prata, dinheiro... Não escondam nada, despejem tudo no balde.

Como eu e Eliezer nada tínhamos de valor, não depositamos nada nos baldes, porém, fomos logo avisados que se estivéssemos escondendo algo, seriamos fuziladosimediatamente. Conforme iam passando, acompanhei o barulho dos metais que lá caíam, eem pouco tempo os listrados saíram com os baldes lotados.

1. Josef Mengele: Nascido na cidade de Günzburg em 16 de Março de 1911, Josef Mengele estudou Filosofiae Medicina na Universidade de Munique, na Alemanha, sendo condecorado em 1942 por bravura militar e

 partindo para Auschwitz no ano seguinte. Mengele foi oficial médico chefe da principal enfermaria do campode Auschwitz Birkenau, porém, na escala de hierarquias estava abaixo dos médicos Eduard Wirths e HilarioHubrichzeinen.

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Capitulo 45

Levados para uma horrivel sala, recebemos ordens para queficássemos nus. Lugar úmido, paredes manchadas de mofo. Encurralaram-nos em umcanto. Sem que déssemos motivo, um soldado SS aproximou-se de nós, passando a noschicotear. Coloquei os braços na frente para que não ferisse meu rosto. Alguns se

desesperavam, esses apanhavam ainda mais. Quanta maldade! Procurei ficar na frente doEliezer para que nada fizessem com ele, e deu certo.-Schma Israel ¹ !  - Exclamou Eliezer em estado de choque. - O sangue judeu está sendoderramado!

Empurraram-nos para o chuveiro, sangrando, a base de gritos e chicotadas.-Aguente firme. - Sussurrei ao Eliezer ao vê-lo chorar, desprotegido.-Não sei por quanto tempo mais irei aguentar...

Tentávamos trocar poucas palavras em meio a gritos, correria, violência.

1. Schma Israel: ouvi Israel.

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A água do chuveiro estava fria, e numa velocidade inexplicável passou para o estadoquente, assim oscilando entre ambas as temperaturas. Pouco tempo depois mandaram-nosseguir até o fim do corredor. Ao chegarmos, vários listrados começaram a raspar nossascabeças e pêlos embaixo dos braços. Agüentamos tudo calados, sem reclamar. Em seguidativemos que passar por um estranho homem que rasparia nossos pêlos pubianos. Suanavalha velha e cega nos fazia pular de dor, causando naquele bruta montes um sádico prazer. Quanta humilhação!-Próximo pau! - Gritava ele assim que acabava.

Para matar os piolhos, um dos listrados encostava uma toalha molhada com umremédio ardente embaixo dos braços e no pênis. A dor era tão forte que parecia que iriaqueimar nossa pele, principalmente pelas feridas causadas pela navalha cega. Pensei quefosse desmaiar, mas me segurei. Minha preocupação era com o Eliezer, pois aqueles quemuito manifestaram sua indignação acabaram desaparecendo no meio dos outros.

Por fim, recebemos “roupas novas”. Um paletó em farrapos, uma calça velha e nada

mais. Camisa nem pensar. O máximo que recebemos foram dois triângulos costurados umno outro, que ao ser abertos poderíamos enfiar os pés, os usando como meias. Um par detamancos holandeses de madeira finalizavam o procedimento inicial de “boas vindas”.

Deixamos aquele lugar tenebroso. Já havia anoitecido. Enfileiras, caminhávamosem silêncio. Um cheiro insuportável de carne e ossos queimados exalavam naqueleambiente. A fumaça negra nos impedia parcialmente de ver o céu, onde uma massa cinzentacom partículas brancas era tudo que nossos olhos podiam enxergar. Os isoladores por onde passavam o arame farpado se faziam notórios, e os postes pendiam luminárias comlâmpadas de fraca luminosidade, o que davam a entender que grande parte da energia que por ali corria era voltada para os arames que os cercavam.-Esse lugar... Esse lugar é o inferno! - Comentou o Eliezer ofegante.-Logo estaremos bem longe daqui...

-Adonai... Por quê? O que fizemos para merecer isso?-Eli, por favor, mantenha a calma...-Calma? Vamos morrer, Hans!-Não! Nós não vamos!-Calados! - Gritou um SS.

Os campos de concentração eram ocupados por pessoas vindas de todas as partes da Europa, religiãoe preferência política. Para facilitar as equipes de transporte na identificação, criou-se um sistema dedistinção, onde classificavam os prisioneiros por triângulos coloridos costurados no braço do paletó. Os de cor preta eram destinados a pessoas consideradas anti-sociais como deficientes, grevistas, alcoolatras, feministas,lésbicas, anarquistas. Já o vermelho, para Presos políticos. Verde era para criminosos comuns, e o trianguloazul  para imigrantes. Os judeus usavam dois triangulos amarelos, que sobrepostos formavam a Estrela deDavid. Triangulo roxo  para Testemunhas de Geová, marrom  para Ciganos e rosa  para Homossexuaismasculinos.

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Baixamos a cabeça. Adentramos em Birkenau, onde havia a inscrição logo naentrada: “Arbeit macht frei¹”. Fomos levados até um barracão vazio, onde havia na portaum cartaz escrito “quarenta cavalos”. Naquele aglomerado de gente havia em média

quatrocentas pessoas, ocupando um espaço, ao que tudo indicava, o espaço de quarentacavalos.

Estávamos todos apavorados, desnorteados, sem saber o que fazer. O lugar estavasujo, mal iluminado. Pouco tempo depois avistamos um homem de estatura baixaadentrando, balançando uma bengala ao mesmo tempo em que gritava:-Seus filhos da puta! Vocês sabem o que estão fazendo aqui?

Silêncio! Ao se aproximar da luz, percebemos seu olho esquerdo com uma enormecicatriz. Cabelo raspado, dentes podres. Jamais me esquecerei daquele sorriso sarcásticoque nos mantinham imóveis próximos à parede.-Vocês estão em Auschwitz! - Gritava ele. - O maior complexo de concentração do mundo! Estão com medo? Pois devem ficar... Devem mesmo! Porque daqui, só se sai pela chaminé!

Ao meu lado havia um balde de lata, amassado e sem alça. Ao vê-lo, apontou-medizendo:-Você!-Eu?-É... Traga esse balde aqui...

Tremendo, peguei o balde e levei até ele.-Coloque-o aqui... Bem no meio!-Sim.

Após deixar o balde ali, voltei para o meio dos rapazes onde estava antes.-Tratem de jogar dentro desse balde tudo que vocês estão escondendo na boca e no cú!...Ouro, brilhantes, diamantes...

 Ninguém se manifestou.

-Aquele que não o fizer, eu matarei sem dó.Todos ficamos com medo. Percebendo que ninguém havia se pronunciado para

entregar o que havia pedido, chamou dois rapazes que estavam logo a frente e os fez baixaras calças na frente de todos. Em seguida, os fez defecarem para mostrar que nadaescondiam, porém, um deles não conseguiu, e esse apanhou bastante com a bengala quetrouxera. Não demorou muito e o balde já estava cheio de ouro, brilhantes, diamantes,fazendo com que aquele psicopata maldito saísse rindo, um contentamento macabro. Maistarde ficaríamos sabendo que aquele infeliz era tão prisioneiro quanto nós, um polonês dosubmundo que fazia aquilo por conta própria.

Depois de passar três horas dentro de um tanque de água gelada, já não suportandomais, um soldado russo implorou a um oficial alemão para que o matasse.

-"Não espere compaixão daquele cão fascista"   - Disse outro russo que dividia o tanquecom ele.

1. Arbeit macht frei: o trabalho liberta.

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Com o auxílio de um intérprete, o cientista responsável pelo experimentocompreendeu o significado do que falavam e foi até o escritório. Ao voltar, ameaçou ossoldados alemães com uma arma nas mãos caso alguém tentasse atender ao pedido dosoviético. Passaram-se mais duas horas de sofrimento e agonia até que a morte chegasse para os dois russos.

 Nossa primeira noite no campo foi horrível. Dormimos naquele mesmo barracão, nochão sujo e frio, ambiente sombrio, fétido, úmido. Tivemos medo, dor, angústia. Nãosabíamos o que nos esperava, e nosso futuro era incerto.

O dia ainda não havia amanhecido quando fomos despertados aos gritos:-Todo mundo se apresentando em frente o barracão... Agora!

Levantamos-nos rapidamente. Antes que desse tempo de sairmos, os Kapos¹adentraram ao barracão e começaram a nos bater com chicotes, porretes.

Apanhávamos sem saber por quê. Por um momento, ao me virar para o lado, avisteium deles erguendo um porrete e vindo na direção do Eliezer, que de costas não percebeu.Imediatamente corri até ele e o puxei. Sua intenção era acertar a cabeça e na certa omataria.-Adonai! O que foi isso? - Questionou assustado.-Ele quase acertou sua cabeça...

Fomos empurrados para fora, chutados como animais. Lembro-me que levei mais decinco socos nas costas, um deles me fez perder a respiração por algum momento, tudo paraque não o fizessem com o Eliezer.-Todo mundo enfileirado! - Gritou um alemão.

Tratamos de imediatamente formar várias fileiras, um atrás do outro. Mandaram-noscorrer em círculos em volta do barracão. Deveria ser por volta das cinco da manhã, um friode doer os ossos, e mais de 30 horas sem comer absolutamente nada. Estávamos fracos,famintos e com sede. Não podíamos parar. Achei que fosse desmaiar, e quando pensei em

desistir, eis que um judeu logo a minha frente o fez. Imediatamente dois Kapos o pegaram ecomeçaram a chutá-lo ao mesmo tempo em que diziam:-Quem mandou parar?...-Por favor... Por... Favor...-Aqui vocês só devem fazer o que a gente mandar. Entendeu?

Depois da terceira volta, não vi mais o rapaz se mexer. Virei o rosto e continueicorrendo.-Seja forte, Eli...

Quando ele disse que não agüentaria mais imediatamente o imaginei no lugardaquele pobre rapaz, e ver o Eliezer apanhar daquela forma eu não iria suportar.-Eu vou parar...

1. Kapo:  tratavam-se de prisioneiros judeus encarregados de vigiar os outros prisioneiros dos campos deconcentração. Exerciam os trabalhos mais sujos, cansativos, considerados indigno pelos alemães que serecusavam a fazer, o que davam aos Kapos privilégios perante os outros prisioneiros. Muitas vezes os Kapostratavam seus semelhantes com muito mais violência que os próprios alemães, com o intuito de mostrarem um

 bom trabalho e assim se tornarem insubstituíveis perante os nazistas.

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Ao mesmo tempo em que ele parou, os Kapos solicitaram que formássemos filanovamente. Que sorte! Por pouco o Eliezer não se tornara mais uma vítima daquelesnojentos. O que parecia ser o máximo de onde um ser humano poderia chegardescobriríamos posteriormente que o pior ainda estava por vir.

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Capitulo 46O dia começou a clarear,  e os exercícios que nos obrigaram a fazer

 pareciam intermináveis.-Agora vou lhes ensinar um novo exercício! - Gritou um Kapo.

Ensinou-nos um exercício cujo deveríamos fazer uma espécie de performance, ondeo boné que usávamos fazia parte daquele ridículo exercício. Se não o fizéssemos rápido, aogosto deles, acabávamos apanhando. Os mais velhos eram os que mais sofriam, esfomeados

e cansados, caiam ao chão cobertos de pancada. Nada podíamos fazer, se não lamentar erezar por não ser o próximo.

“O maior dos gênios deve possuir a habilidade de fazer com

que diferentes oponentes pareçam como se eles pertencessem a

uma única categoria.”  Adolf Hitler

 Nossas vidas em Auschwitz era praticamente um filme de terror. Éramos obrigadosalevantar as cinco da manhã, formando filas para receber um café que mais parecia águacom tinta, horrível. Em seguida, praticávamos exaustivos exercícios durantes horas. Noalmoço comíamos uma rala sopa de bata com casca. Era comum encontrarmos grão de

areia no prato, pois nesse caso em especial não havia preocupação com a higiene.

"185 degraus. A cada dez minutos tínhamos de levar uma pedra daqui ao topo. Durante o funcionamento deste campo, milhares morreram aqui nesses degraus. Para mim,cada degrau significa corpos sem vida. Cada pedra era para mim o corpo de um serhumano, de um prisioneiro. Quando eu estava na torre das pedras eu via pessoas, pessoasmortas. Isso me tornou diferente."  (Simon Wisenthal, 1977 CBS Interview, falando sobre ocampo de Mauthausen, na Áustria)

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Após o almoço, voltávamos a fazer exercícios até a hora da revista. Um SSacompanhado de uma metralhadora fazia a contagem dos prisioneiros. E por fim,recebíamos um naco de pão com margarina antes de irmos dormir.-Está acordado ainda? - Questionei ao Eliezer sentando-me na beira de sua cama.-Ja...-Humpf... Amanhã darei um jeito de encontrar uma maneira de sairmos daqui.

Deitado de lado, de costas para mim ele argumentou:-Você já se deu conta de onde estamos? Já reparou na quantidade de cercas elétricas nosmantém aqui dentro?-Até hoje eu nunca desisti de você. E é pensando assim que estou passando por tudo isso, eé por você que nos tirarei dessa.

Virando-se para mim, ele tocou em minha mão dizendo:-Se você não estivesse ao meu lado, nesse momento certamente eu não estaria vivo.-Pare de dizer bobagens!-É verdade, Hans... Só você para me dar forças nesse momento tão difícil para mim... Vermeu povo passando por humilhações que ser humano algum merece...-Confie em mim... - Pedi acariciando seu cabelo. - Farei de tudo para que nossa permanência nesse lugar dure o menor tempo possível.-Danke!-Agora eu vou voltar pra minha cama... Daqui a pouco é hora de levantar...-É verdade... Boa noite!-Boa noite!

Alguns meses se passaram. Durante esse tempo, muito sofrimento e dor. Aquelasalturas não éramos mais considerados como seres humanos, se é que algum dia issorealmente aconteceu. Acredito ter perdido ao menos 15 quilos nos dois primeiros meses emque lá passei. Quando Eliezer e eu nos olhávamos, uma vontade de chorar sem igual nos

apertava o peito.Em novembro de 1942, aos 21 anos de idade Rosa Robota viu sua família ser levada

 para a câmara de gás em Birkenau. Revoltada, nada pôde fazer, porém, a oportunidade devingança chegaria dois anos depois. Com a ajuda de um grupo de amigas na fábrica demunições  Krupp, em Auschwitz, elas conseguiram contrabandear dinamites para aorganização de resistência no campo. E então, no dia 07 de outubro de 1944 Auschwitzsurpreendeu-se com o que parecia ser inacreditável. Um dos crematórios cujos corpos detantos pais e filhos foram queimados explodiu. Com a explosão quatro homens da SS forammortos, e cerca de 600 pessoas conseguiram escapar. Em poucos dias a maioria foi perseguida e morta, e após uma investigação aprofundada, Rosa foi presa. A SS usou-se detodos os métodos de tortura com ela, mas Rosa não traiu ninguém. Pouco antes de ser

enforcada ela rabiscou suas últimas palavras em um pedaço de papel: “Chasak V'Hamatz¹". Enquanto nos exercitávamos, reparava na fumaça que saída daquela tenebrosa

chaminé. O crematório não parava de funcionar, expelindo fogo e fumaçaininterruptamente.

1. Chasak V'Hamatz: sejam fortes e corajosos.

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Em uma noite chuvosa, acordamos com gritos que vinham de fora. Levantamosassustados, e em silêncio fomos até a janela espiar o que acontecia. Avistamos um homemcorrendo, gritando, pisando em poças de água a sua frente.-Adonai! - Exclamou o Eliezer.-Fale baixo! - Reclamou um listrado.

Com um prazer sádico em torturar, três Kapos corriam atrás daquele homem comdois cães. Antes que ele chegasse até as grades, os enormes cães negros o alcançaram. Emminutos aquele pobre homem desesperado foi devorado como num rio de piranhas. Com osclarões dos relâmpagos víamos aquele sangue sofrido se misturar à água da chuva, ondenascia um lago de sofrimento e dor.

Assustados, voltamos para nossas camas. Embora tentássemos, ninguém conseguiudormir naquela noite.

A ordem de extermínio dos judeus vinha sendo cumprida rigorosamente pelo SS,onde tal tarefa era mais importante que a própria segurança dos soldados alemães. No período da ofensiva russa, por exemplo, o exército alemão em fuga chegava a desalojar osferidos alemães que seriam transportados em vagões, dando lugar aos judeus que seriamdeportados para Auschwitz. Tal acontecimento pôde ser presenciado em Lublin.

"No fim de março de 1943, o comandante da SS, Heinrich Himmler, visitou o campode Mauthausen, Áustria. Para entrete-lo, mil judeus alemães recém chegados foramreunidos à margem da pedreira. Um a um foram jogados para a morte, de uma altura de50 metros abaixo. Chamavam isso de 'salto de paraquedas', tornando-se passatempo favorito dos SS." - Simon Wisenthal

Certo dia, fui um dos primeiros a chegar para receber a sopa. Enquanto tomava,reparei que os Kapos não possuíam controle das filas para a distribuição das mesmas, pois

éramos praticamente iguais, com aquela aparência cadavérica. Imediatamente enxergueiuma grande oportunidade, e claro, coloquei-a em prática. Voltei ao final da fila e consegui pegar outro prato de sopa. Passei a fazer isso todos os dias, pegando o maior número desopa que conseguia. Dias antes havia conseguido um prato de latão, fator importante queme ajudou nesse momento, pois aqueles que não possuíam prato recebiam a sopa nas mãos.Como era rala, escorria entre os dedos, e ver aqueles homens desesperados lambendo osdedos era uma situação que eu não queria para mim.-Eli...-Hum?-Descobri uma maneira de sairmos dessa situação de fome absurda!  - Comentava enquantolimpávamos o barracão, supervisionados por dois Kapos.

-Como?-Quando for a hora da distribuição das sopas, seja um dos primeiros a chegar na fila... Pegue uma das primeiras filas, e depois que você tomá-la, volte para a última fila!-Mas Hans... Se alguém descobrir poderá nos fuzilar!-Ninguém irá descobrir... Eles não possuem controle das filas...

Com nossos pratos amarrados à cintura, continuávamos a trabalhar, pois não podíamos descuidar se não éramos roubados.

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-Humpf... Não estou me sentindo muito bem...-O que você tem?-Acho que estou com febre...-Deixa eu ver... Está mesmo! Quer deitar-se um pouco?-Não! Ninguém pode saber, Hans... Você bem sabe para onde levam os doentes...-Vou ver se consigo roubar algo na cozinha para você se alimentar. Isso deve serdesnutrição!-Não vá se arriscar, Hans! Amanhã passarei a fazer o que você me aconselhou...-Mesmo assim tentarei conseguir algo pra você.

O barracão estava cada vez mais lotado de gente. Durante a noite, a dificuldade eramaior ainda, pois mal conseguíamos nos mexer na cama. Caso alguém levantasse paradefecar ou urinar, ao voltar para a cama seu lugar já estaria ocupado por outro. Chegou ummomento que para sairmos do barracão tínhamos que pisar nos outros. A única coisa boa detudo isso foi que o Eliezer passou a dividir a cama comigo, o que nos permitia trocarcarícias enquanto todos dormiam.-Hans...-Hum?-Se algum dia nos separarmos... Promete que não irá me esquecer?-Separar? De onde você tirou isso?-Humpf... Do jeito que isso aqui está tão corrido, tenho medo de que nos desencontramos enão te ache mais.-Pois caso a gente se perca, vamos marcar um ponto de encontro.-É uma ótima idéia! Mas onde?-No Jardim da Luz.-Em que lugar?-Em frente a fonte...

-Combinado! Mas em que dia?-Como não temos certeza se isso vai acontecer, nem quando sairemos daqui, não vamosmarcar datas. Assim que sairmos daqui, vamos direto ao Brasil e lá esperamos um o outro.-Então ta bom... Se eu for e você não estiver...-Vá no outro dia!-Ja! Irei todos os dias lhe esperar, até lhe encontrar!

Dei um beijo em sua testa, e logo ele adormeceu. Esperei que a madrugadaadentrasse para seguir até a cozinha. Caminhei na ponta dos pés, esquivando-me peloscantos para não ser visto. Atravessei três barracões, e antes de partir para o próximo,esquivei-me diante a sombra de um deles para não ser pego pelo foco de uma lanterna.Gelei. Munido de uma metralhadora, um soldado SS caminhava vagarosamente, vigiando o

exterior dos barracões.Algum tempo depois consegui chegar à cozinha. Estava tudo escuro. Percebi que

dois Kapos ainda permaneciam por lá, vigiando para que o ambiente não fosse saqueado. No momento em que se distraíram, consegui adentrar na dispensa.

Peguei duas maçãs e as coloquei dentro da calça. Quatro batatas cruas também nãome escaparam. Abaixei-me para não ser visto. Fui esquivando-me pelas sombras dosalojamentos, sem ser notado por ninguém.

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Quanto estava quase chegando no barracão em que Eliezer e eu dormíamos, ouvialguém chamar após um breve assovio:-Hey, você!

Parei.-O que pensa que está fazendo?

Ouvi uma arma sendo engatilhada. Aos poucos fui me virando, apreensivo,morrendo de medo de ser alvejado.-Eu... Eu...-Pensa que engana quem? - Questionou aproximando-se.

Ao chegar mais perto, um raio de luz iluminou sua face.-Samuel! - Exclamei surpreso.-Quem é você?-Não está me reconhecendo? Sou eu... Hans!-Adonai! O que faz aqui?-Eu é que pergunto... O que VOCÊ faz aqui? Não tinha ido trabalhar em Berlim?-Era mentira!-Ceus! Então os pais do Eliezer...-Sim, Hans... Ninguém escapou.-E sua mãe?

Percebi que a notícia não seria boa ao vê-lo abaixar sua cabeça.-Ima adoeceu no trem enquanto vínhamos para Auschwits...-Mas recuperou-se ao chegar?-Ela faleceu ainda no trem.

Incrédulo, lamentei:-Eu... Eu sinto muito por ela...-Humpf... Tudo bem. Mas e você?

-Permanecemos no gueto o máximo que conseguimos, porém, chegamos no limite eacabamos vindo para aqui...-Cheguei a ver o senhor Lovitz chegar aqui...-E onde ele está? - Perguntei esperançoso.-Humpf... Não está mais... Foi levado para a câmara de gás no mesmo dia em que chegou.

Decepcionado, perguntei a ele ao mesmo tempo em que reparava em sua arma:-E você... Como pôde se sujeitar a esse papel? Seu próprio povo!-Humpf... Eu sei, Hans... Mas foi uma oportunidade que apareceu e eu não poderia deixarde aproveitar... Sendo um Kapo, pelo menos garanto comida e minha sobrevivência...-E você vai me maltratar por ter pego um suposto judeu roubando comida na cozinha?-É o meu dever, Hans... Mas você é meu amigo, e sou eternamente grato por você e a

 família Lovitz que nos ajudou quando precisei. Não se preocupe, Hans... Farei o possível para ajudar você e o Eliezer, inclusive com a comida.-Obrigado, Samuel!-Mas, por favor, volte logo para sua cama, ninguém pode lhe ver aqui.-Sim.-Vou lhe escoltar até lá...-Obrigado!

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Após me acompanhar até a porta o Samuel voltou para seu campo. Atravessei ummar de homens que dormiam naquele barracão abarrotado. Às vezes ouvíamos um gemido, pois muitas das vezes voltavam feridos ou doentes dos trabalhos forçados.

Habitante da pequena cidade de Malhouse, na França, Pierre Seel foi preso aos seus17 anos de idade juntamente com seu primeiro amor Jo. Para descrever os terríveismomentos em que passou no campo de concentração, Pierre escreveu o livro,  Moi - PierreSeel - Déporté Homossexuel , onde relata um dos períodos mais trágicos e inesquecíveis desua vida, quando Jo, ao som de cantatas de Bach, fora levado ao centro do campo e despido pelos alemães. Em seguida lançaram cães sobre ele para que o devorassem vivo. Pierre atéhoje não entende os motivos da morte de seu companheiro com tamanha crueldade, já que ocampo em que estavam não era de extermínio e sim trabalhos forçados.

Ao voltar do campo, Seel decidiu esquecer o pesadelo, trancando-se em seu quarto,sem conversar com ninguém. Desolado, não revelou a seus pais o motivo de sua prisão,condenando-se a mais de 40 anos de silêncio e sofrimento que duraram até o dia 27 deMaio de 1981, quando durante um debate na cidade de Toulouse, Seel resolveu falar. Seudepoimento foi concedido na condição de total anonimato, o primeiro de uma vítimafrancesa da perseguição nazista aos homossexuais, divulgado em uma revista por ocasiãoda recém lançada peça Bent, na França, em 1981.Somente em 1982 Pierre decidiu assumir seu passado, após ouvir o arcebispo deEstrasburgo pregar contra a salvação dos homossexuais, os chamando de "Enfermos". Suaconfissão soou como um escândalo, resultando em divórcio e afastamento de filhos e netos.

Atualmente Pierre vive em Toulouse, na França, com uma aposentadoria de menosde $800,00 euros.

"Resolvi romper o silêncio para não ser cúmplice dos alemães. Descobri que se eunão contasse minha história me colocaria na posição de cúmplice dos carrascos nazistas...

Contei em uma carta ao arcebispo toda a minha história e mandei uma cópia para minhamulher e para meus três filhos adultos."  - Pierre Seel

Deitei-me à cama ao lado do Eliezer. Percebi que ele estava suado, molhado. Toqueiem sua testa e percebi que estava com febre.-Eli... - O chamei. - Eli... -Hum?-Acorde... Trouxe algo pra você comer...-Hans! Não acredito que...-Psiu!... Coma logo antes que alguém veja...

Deu gosto vê-lo comer com tanta vontade aquelas maçãs, enchendo-me de alegria.

A lei que permitia perseguir homossexuais vigorou na Alemanha até 1979, quando foi oficialmenterevogada.

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Após saciar sua fome, deitou-se ao meu lado e suspirou dizendo:-Você não deveria ter se arriscado assim por mim.-Claro que deveria! Você é minha razão de viver... Voltarei lá e roubarei comida quantasvezes forem necessárias para te ver bem.-Você não existe, Hans!-Existo sim... Eu existo pra te amar!-Danke!... Por tudo...-Sabe quem encontrei na cozinha?-Não!-Samuel Schneider.-Como? Ele e sua mãe não tinham ido para Berlim?-Pois é... Mas acabaram vindo parar aqui.-Hans! Será que meus pais também vieram pra cá?

 Não tive coragem de revelar a verdade a ele. Um dia, quando não estivéssemos maisnaquela situação, contaria-lhe a verdade.-Claro que não, Eli...-Como pode ter tanta certeza?-Bem... Se eles estivessem vindo parar aqui, já estaríamos sabendo...-Humpf... Não sei... Há tanto tempo estamos presos nesse lugar e ninguém se manifestou... Não creio que o mundo ainda não saiba da existência de Auschwitz...-Talvez não saiba mesmo...

A desconfiança do Eliezer fazia sentido. A existência dos campos de extermíniohavia chego ao ocidente, porém, tal notícia foi tratada com insignificância. Em 02 de julhode 1942 o jornal The New York Times trazia na página 06 uma reportagem comentando quemais de um milhão de judeus foram exterminados na Europa, onde a primeira página damesma edição dava grande destaque ao tênis do Governador Lehman que foi doado para

uma campanha. Já em outubro de 1943, durante as deportações de Roma para Auschwitz oembaixador alemão, Barão von WeizsacKer, mandou um telegrama para o MinistroExterior alemão.

"Embora sob muita pressão, o Papa não se deixou levar por

nenhuma demonstração de crítica à deportação de judeus de

Roma."

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Capitulo 47

O tempo ia passando, pessoas iam morrendo, chegando, e nós permanecendo. Mantínhamos a esperança de deixar aquele lugar o mais rápido possível, esabia que nossa hora chegaria. Enquanto isso, muitas coisas aconteciam fora daquelecercado de arames farpado, e uma delas fora o atentado contra o Führer.

Em 20 de julho de 1944 concretizava-se um fracassado atentado contra Adolf Hitler.Dentro do Wolfsschanze, Quartel General Secreto de Hitler localizado na Prússia Oriental,serviu de cenário para um plano que tinha tudo para dar certo. Organizado por um grupo deoficiais do Wehrmacht  e liderados pelo Coronel Conde Claus von Stauffenberg como partede um golpe de estado, batizado como Operação Valquíria.

Stauffenberg   levou para a reunião de lideranças dentro de uma mala uma bomba,deixando-a próxima de Hitler. Após explodir, Stauffenberg pensava que o líder nazistahavia morrido, declarando que sua força de comando assumiria o controle da Alemanha.Mas, para o azar de todos, Hitler havia sobrevidido e posteriormente descobrira a lista deconspiradores. Cerca de 5.000 pessoas foram presas e 200 executadas, incluíndo o coronelStauffenberg.

Tal conspiração fora iniciada por aproximadamente 500 oficias alemães, cujoestarvam frustrados com a forma como a Segunda Guerra estava sendo administrada, asgrandes baixas do exército alemão desde a derrota de Stalingrado, a incompetência deHitler em recuos militares e os diversos crimes cometidos contra civis e, em especial, oHolocausto. Considerado um dos dias mais relevantes da Segunda Guerra Mundial, casohouvesse tido êxito, poderia ter modificado drasticamente a guerra e o mundo. Este foiapenas o último de um total de 42 atentados sem sucesso contra Adolf Hitler, sendo quesomente Stauffenberg já havia tentado pessoalmente por três vezes assassinar o Führer.

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Acordamos com uma enorme gritaria. Abriram o barracão e nos mandaram sair.Espiei pela janela e notei um certo tumulto.-Tem alguma coisa errada... - Comente enquanto caminhava no meio daquele aperto.-O que há de errado, Hans? - Questionou o Eliezer.-Não sei... Mas não podemos seguir esse fluxo. Vem comigo...

Peguei em sua mão e aproveitei o tumulto para escapar. Disfarçadamentecaminhávamos pelos fundos, como se pertencêssemos a outro setor.-Hans... Para onde estamos indo?-Precisamos nos esconder!-Mas por quê?

Antes que eu respondesse, ouvimos dois soldados SS comentarem:- Precisamos mandar pelo menos quinhentos para os “chuveiros”... 

Para dar a sensação de segurança, o uso de uma nova “lingua” foi adotada.“Deportação” tornou-se “reassentamento”, enquanto que “chuveiros” significavam

“câmaras de gás”. O cerco começou a se formar. Vários soldados SS começaram a chegar, e o terror

começou a se formar.-Olha ali mais dois judeus! - Exclamou um deles.

Apressamos nossos passos e ao dobrarmos o corredor dos banheiros, entramos emum deles.-Adonai! Vão nos pegar...-Ninguém vai nos pegar!

Encostei levemente a porta de um dos sanitários para não chamar atenção. Abri atampa do vaso e disse ao Eliezer:-Vamos ter que entrar aqui.

Tapando o nariz, fez cara de nojo. Sem ter outra alternativa, pulamos dentro do vaso

sanitário, caindo em uma piscina de fezes. Esquivamos-nos em um canto e ali ficamos, emsilêncio. O cheiro estava insuportável. Aquela água podre batendo em nossa cintura, fria,fétida. Entre as frestas de madeira alguns raios de luz se permitiam entrar, porém, não osuficiente para iluminar o ambiente por completo.

Olhando-me, o Eliezer chorava em silêncio. Toda vez que me lembro daquela cena,choro indignado. Para garantir nossas vidas, descemos a mais absoluta humilhação que umser humano pode chegar.

 Na cabana onde se realizou a reunião em 20 de julho de 1944, estavam presentes os seguintesoficiais: Führer Adolf Hitler, Marechal-de-campo Wilhelm Keitel, General Alfred Jodl, General WalterWarlimont, Franz von Sonnleithner, Major Herbert Buchs, Heinz Buchholz, Tenente-General HermannFegelein, Coronel Nicolaus von Below, Almirante Hans-Erich Voss, Otto Günsche (Ajudante de Hitler),Major-General Walter Scherff, Major Ernst John von Freyend, Heinrich Berger, Almirante Karl-Jesco vonPuttkamer, General Walther Buhle, Tenente-Coronel Heinrich Borgmann, Major-General Rudolf Schmundt,Tenente-Coronel Heinz Waizenegger, General Karl Bodenschatz, Coronel Heinz Brandt, General GuntherKorten, Coronel Claus von Stauffenberg, Adolf Heusinger.

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Quase duas horas depois voltamos ao nosso barracão. Silêncio. A maioria doshomens que lá estava haviam desaparecido, ou melhor, exterminados nas câmaras de gás.-Hans! - Exclamou Samuel adentrando ao alojamento.-Samuel!

-Que susto! Quando fiquei sabendo que levariam quinhentos homens daqui pro chuveiro,vim correndo, mas não os encontrei...-Nos escondemos nas fossas...-Vocês estão bem?-Sim... Obrigado pela preocupação!

Tirando um saco de dentro do casaco, ele nos entregou dizendo:-Aqui tem um pouco de pão e margarina... Não deixe ninguém ver...  - Pediu olhando de umlado para o outro.-Obrigado! - Agradeceu o Eliezer com um tímido sorriso na face.-Agora tratem de tirar essa roupa suja que vou arrumar outros uniformes para vocês... Rápido!

Imediatamente tiramos nossa calça e casaco. Enquanto isso ele saiu do barracão, eao voltar, conforme prometido trouxe roupa limpa.-Enquanto eu estiver aqui, ajudarei vocês no que puder...-Samuel, precisamos sair daqui! Você tem que nos ajudar...-Humpf... Se eu pudesse, Hans, faria... Mas esse tipo de coisa não está ao meu alcance.-Mas você é um vigia!-Sim, mas não temos total liberdade, Hans! Somos tão prisioneiros quanto vocês dois,também obedecemos ordens... Tudo aquilo que faço, preciso me reportar aos alemães...-Eu pensei quê...-Vocês acham mesmo que se houvesse essa liberdade toda eu já não teria dado um jeito de fugir desse inferno?

Antes que chegasse alguém, ele falou:-Agora eu preciso ir. Não se preocupem, sempre que eu puder farei de tudo para ajudá-los... Trarei a vocês comida e os livrarei do bloco 11...

O bloco 11 de Auschwitz I tratava-se de uma prisão dentro da própria prisão, ondese aplicavam os mais terríveis castigos, e muitas das vezes sem qualquer motivo justificável. Alguns consistiam em confinamento por vários dias em celas tão pequenas quenão permitiam sentar-se. Muitos prisioneiros eram executados, pendurados pelos pés, mãos,ou até mesmo esquecidos para morrer de fome.

Em Treblinka, o comandante de trabalho do campo, Carl Gustav Farfi, necessitou deuma cirurgia, sendo a mesma realizada por um médico judeu chamado Julian Choransky.Durante sua cirurgia a chave do depósito de munições do campo foi furtada e copiada. Ao

término da intervenção, demonstrando sua gratidão, Choransky foi mandado à câmara degás por Carl Farfi. Com os rumores de que o campo de extermínio seria desativado,começou a ser organizado um movimento clandestino cujos participantes pertenciam a doiscampos diferentes. Com o objetivo de conseguir o acesso ao depósito de muniçõestentariam destruir o maior numero de instalações possíveis, além de guardas, com issolivrariam centenas de prisioneiros daquele inferno.

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Acordei e logo percebi que o Eliezer não estava bem. Respirando com dificuldadeele ainda parecia dormir. Levantei-me e comecei a andar pelo barracão a procura de algummédico.

Martelando uma fresta de madeira, um dos listrados apresentou-se como médico:-Eu sou médico.-Graças a Deus! Meu amigo não está nada bem. Poderia examiná-lo?-Onde ele está?-Por favor, venha comigo...

Caminhamos até nossa cama. Após examiná-lo, deu seu diagnóstico.-Humpf... Como eu suspeitava... É Tifo.-Tifo! - Exclamei apavorado.-Sim...

Tifo trata-se de uma doença epidêmica transmitida pelo piolho humano do corpochamado  Pediculus humanus corporis, que excretam em suas fezes a bactéria  Rickettsia prowazekii. Através de feridas invisíveis ela penetra o ser humano, onde seu período deincubação gira em torno de 10 a 14 dias, período em que as bactérias se reproduzem nointerior de células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos, ocasionando inflamaçãodos vasos. A mortalidade gira em torno de 20% dos casos não tratados corretamente, porém, o índice aumenta para dois terços quando acometida em desnutridos.

Olhei para o Eliezer ali deitado, abatido. Seus olhos profundos, recobertos porolheiras, tão diferente daquele garoto saudável e garboso que eu conheci.-Ninguém pode saber que ele está doente... Entendeu?  - Disse o médico.-Tudo bem... Muito obrigado.

Em silêncio ele se afastou. Piscando lentamente o Eliezer olhava-me, dizendo apósum profundo suspiro:-Acho que está chegando minha hora...

Comecei a chorar.-Pare de dizer bobagens!-Hans... Deixe eu tocar em sua mão?

Aproximei-me dele. Ao tocar-me, esboçou um leve sorriso comentando:-Como é bom sentir você... Saber que você está comigo...-E continuarei sempre!-Quando eu morrer, Hans, não desista de lutar pela justiça desse povo...-Não quero que você fale assim! - Desabafei o abraçando, chorando como uma criança.-Como foi bom te amar!... Para onde eu for, sempre te levarei comigo em meu coração,meus pensamentos... Minha alma pertence a você...-Você não vai a lugar nenhum sem mim! E o nosso encontro no Jardim da Luz?

-Estarei lá, conforme o combinado!...-Eli... Não faz isso comigo? Por favor!-Quero dormir um pouco... Sinto-me cansado...-Vou deixar você descansar um pouco.

Dei-lhe um beijo em seus lábios feridos, saindo do barracão logo em seguida.Procurei pelo Samuel, desesperado por ajuda. A angústia que sentia era indescritível, comose mil facas atravessassem meu peito de uma só vez. Vasculhei todos os cantos daquelelugar, até encontrá-lo próximo aos chuveiros.

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-Samuel!-Hans! - Exclamou apreensivo. - O que faz aqui?-Preciso de sua ajuda...

Levando-me rapidamente para um canto longe da movimentação dos guardas, pediu:-Por favor, não se comporte dessa maneira... Não sabe o risco que coloca nossas vidas!-Desculpe... Eu estou desesperado!-Mas o que houve?-O... O Eliezer...-O que tem o Eliezer?-Está com Tifo!-Adonai!-Por favor... Será que você não poderia ver se consegue uns remédios para ele?

Preocupado, andou de um lado pro outro.-Mas como conseguirei isso?...-Não sei... Deve ter algum laboratório médico aqui para os soldados...-Humpf... Talvez o doutor Mengele tenha algo... Mas entrar lá é muito arriscado!-Diga-me onde é que eu irei.-Está louco? Se te pegam, fuzilam-te na hora!-Não me importa, quero tentar...-O Eliezer precisará mais de você vivo do que morto. Eu sei de alguém que poderá nosajudar.-Verdade?-Sim... Mas agora volte para seu alojamento e deixe que eu lhe procuro.-Tudo bem.

Virei-me e voltava para o barracão quando ele falou:

-Hans...-Sim?-Não deixe que ninguém saiba que ele está enfermo.-Farei de tudo para que isso não ocorra.

Mais aliviado, voltava com o olhar atento quando um prisioneiro passou por mimgritando feito um louco. Assustei-me. Chorando ele aproximou-se da cerca elétrica e asegurou. Faíscas começaram a pular, acompanhadas de fumaça. Seu corpo tremia, grudadonaqueles arames farpados que o prendiam e derretiam sua pele. Pouco tempo depois ele parou de tremer. Estava morto.

Rindo, dois soldados aproximaram dizendo:-Um a menos... Deixe-o ai...

Quando episódios daquele tipo aconteciam, os soldados davam ordem para que nãoretirassem o cadáver da cerca, onde o mesmo permanecia lá até apodrecer. A noite víamosaquelas sombras em meia a pálida iluminação, dependuradas no arame farpado, impossívelde esquecer.

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Capitulo 48

Com um balde e um esfregao, limpava o refeitório sob a mira de riflesdos soldados e Kapos. Avistei o Samuel, que discretamente andou pelo refeitório, em passos lentos. Ao notar-me ali, caminhou até mim, deu-me um tapa na cara e comentou:-Hoje é a sua vez.

Puxando-me pelo casaco ele me arrastou para fora do local, xingando-me de todosos nomes. Eu nada fiz. Os soldados riam, gargalhavam.

Longe dos olhos de todos, atrás de uma viga caída de madeira, olhou de um lado prooutro antes de entregar-me um frasco dizendo:-Aqui está o remédio para o Eliezer.-Ah! Obrigado!-Desculpe pelo tapa e pela maneira em que te tirei de lá, mas era a única maneira de nãolevantar suspeitas...-Tudo bem...-Agora vá logo antes que alguém descubra...-Obrigado!

Voltei ao barracão onde estava o Eliezer. Ao me aproximar ele abriu os olhosdizendo:-Que bom que você chegou... Estava justamente sonhando com você...-Ah é?-Ja!-E o que você sonhou?-Não me recordo muito bem... Só me lembro da parte em que você me beijava dentro de umtrem...

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Sentando-me a beira da cama, mostrei-lhe o frasco dizendo:-Sabe o que é isso?-Não... O que é?-O remédio para você ficar bom!-Como você conseguiu isso?-Neste momento é o que menos importa... Beba um gole... - Falei destapando o frasco.

Após dar-lhe o remédio, guardei-o no bolso do casaco para que ninguémdescobrisse. Embora não estivesse totalmente curado, conforme os dias foram passando oEliezer começou a apresentar significativas melhoras.

“As maiores mudanças revolucionárias do mundo seriam

impensáveis se sua força motivadora, ao invés do fanatismo, sim,

a paixão histérica, tivessem sido meramente as virtudes

o rdinárias da lei e da ordem.”  - Adolf Hitler

Depois do jantar, preparava-me para dormir quando o Samuel adentrou ao barracão.Olhando-me, fez sinal para que eu me aproximasse. Sai discretamente.

Sussurrando, ele comentou encostando-se próximo a janela:-Hans... Você precisa tomar cuidado...-Tomar cuidado?-Sim... Hoje eu ouvi perguntarem por você.-Por mim? Quem?-Não sei... Dois soldados alemães estavam perguntando por ti.-Céus! Será que descobriram algo?-Humpf... Temo que alguém descobriu e nos denunciou... Preciso deixar esse lugar o

quanto antes.-Você sabe que não será fácil.-Sim, mas você vai me ajudar.-Eu?-É.-Como?-Preciso que você estude a rotina dos soldados...

Olhando de um lado para o outro desconfiadamente, questionou:-Hans... O que você está pretendendo?-Por enquanto não posso contar. Mas conto com sua ajuda.-Humpf... Farei o possível para lhes ajudar, meu amigo!

-Obrigado!Voltei ao barracão, preocupado, em silêncio.

-Aonde você foi, Hans? - Questionou o Eliezer já deitado.-Eu?... Fui... Fui urinar...

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O dia a dia dos soldados nos campos de concentração era por eles encarado comoum trabalho comum. Passavam o dia batendo em prisioneiros, fuzilando crianças, mulheres, jogando corpos em valas comuns. No final da tarde voltavam para suas casas, para oconforto de suas famílias, como se tivessem passado o dia em escritórios, confraternizandoagradáveis atividades sociais. Mais tarde isso seria relatado em um livro escrito pelohistoriador estado-unidense Daniel Jonah Goldhagen em Os Carrascos Voluntários de Hitler .

Segurando em minha mão, o Eliezer pediu:-Hans... Me abraça? Estou com frio...

Coloquei a mão em sua testa. Estava quente, febril. Fiquei preocupado, pois oremédio parecia não estar mais fazendo efeito como antes.-Eli...-Hum?-Você está se sentindo bem?-Humpf... Só um pouco de dor de cabeça... Mas não se preocupe, logo vai passar. -Acalmava-me já de olhos fechados.

Pouco tempo depois ele adormeceu. Passei a noite em claro, sem sono, chorando.Olhava para o Eliezer dormindo, abatido, magro. Parecia ontem quando corríamos pelascalçadas de Berlim, brincando no parque. Bateu uma enorme saudade de quando saíamos para tomar gasosa, de brincar com soldadinhos de chumbo.

“-O que aconteceu com seu chapéu? -É uma kipá!” 

Só de imaginar tudo que havíamos vivido, as lágrimas desciam como uma torneiraaberta.

“-Hans... Aonde vai?-Vou convidar o Eliezer para tomar uma gasosa!” 

Perdido naquela angústia, tentava entender o tamanho de tanta maldade. Nãoencontrei resposta.

“-Hans...-Eu?-Você quer ser meu amigo?” 

O dia amanheceu. Aquela manhã estava fria, pálida. Deixei o Eliezer lá deitado, nocanto, descansando para que logo se recuperasse.

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Levantei-me e segui com todos para nossa rotina fatigante diária, todo o tempovigiados pelos soldados armados, famintos por maldade e sofrimento alheio. Olhei para océu e lá estava aquela fumaça negra, constante, sem começo nem fim.

"As SS geralmente selecionavam prisioneiros, chamados Kapos, para fiscalizar oresto. Todos os prisioneiros do campo realizavam trabalhos e. exceto nas fábricas dearmas, o domingo se reservava para limpeza com duchas e não tinha trabalho." MarioTomé - Historiador português.

 No interior do barracão, lavava o chão com um esfregão quando um soldado entrou,nos ensurdecendo com sua batida a porta. Levei um susto. Cabisbaixos, todos continuamosnossos serviços, calados.

Ao avistar-me, o soldado caminhou em minha direção e pressionou-me contra a parede, foi quando pude ver sua cara.-Patrick! - Exclamei surpreso.

Levei um soco no olho. Em seguida ele começou a gritar, mandando todos saírem. Nos fundos do galpão, em uma das fileiras de camas, estávamos apenas nós dois.

Agarrando meus cabelos, falou-me com ódio:-Seu desgraçado!... Tem idéia do quanto te procurei por esses campos a fora?-A mim? O que você quer?-Minha vontade era te matar! - Respondeu soltando-me.-E por que não faz agora?

Com ódio nos olhos, gritou:-Por sua culpa Mutter está doente!

Ao tomar conhecimento daquela notícia, desesperei-me.-Doente?

-É!-O que ela tem?-Ficou preocupado?... Seu porco! Você é a vergonha de nossa família!-Não sou eu que estou tirando a vida das pessoas.  - Respondi limpando a boca sangrando.

Empurrando minha cabeça para frente, provocava-me.-O que a Mutter tem?- Perguntei já entrando em desespero.

Apoiando seu antebraço direito à parede o Patrick falou:-Ela está muito doente... Ficou assim desde que você teve essa infeliz idéia de sair de casa pra correr atrás desse judeu imundo!-Se você não tivesse aberto essa boca, muitas coisas poderiam ter sido evitadas...-Será que você ainda não percebeu que essa raça maldita só trás problemas?

-Você poderia ter evitado, Patrick!-Não poderia trair nossa nação.-Trair a nação?-Se o Führer...-Ah... O Führer outra vez!... Humpf... Você tem idéia de quantas famílias estão sendodestruídas?... Não temos nem certeza se voltaremos a ver nosso pai outra vez!-Essa Guerra veio para o bem.

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-Bem de que, meu Deus!? De quem? Não feche os olhos para aquilo que você não querver...-Suas palavras não me comovem, Hans. - Respondeu com um sorriso irônico.-Patrick... Pela nossa mãe, me ajude sair daqui?-Não posso. - Falou caminhando em direção à porta.-Mas pode deixá-la morrer de desgosto?...-Não foi você quem escolheu? Trocou o conforto de nossa casa para embarcar em trensimundos de carga como ovelhas indo para o massacre!-Ovelhas indo para o massacre? O que você sabe sobre ficar amontoado de uma forma quenem animais ficam? Enfraquecidos por dias de fome e privações? O que você sabe sobre ficar trancado em vagões fechados, sem amigos, armas, sem comida? Mesmo queescapássemos dos nazistas, quem estaria lá para nos receber? Quem se importavaconosco? Quem levantaria um dedo por nós?

Aproximando-se dele, continuei:-O que as pessoas que usam frase como essa, Patrick, sabem sobre honra?... Sobre osmilhares de pais que não deixaram seus filhos? Ou que ficaram para abraçá-los, paraacariciá-los, trocar olhares com eles por uma única vez mais?...

Aos poucos ele foi se emocionando.-Será que eles conhecem o significado de Respeito? Aqueles que deram sua ração diária dealimento para que um pai, uma avó, um rabino pudesse viver por mais um dia? O que sabem de um povo que se recusou a acreditar na morte da humanidade em um lugarabandonado chamado inferno?

Tocando em seu ombro, questionei:-Onde estão seus valores humanos, meu irmão?... Orgulha-te ver crianças chorarem vendo seus pais sendo brutalmente assassinados, separados, agredidos, mutilados? Coloque-seno lugar dessas pessoas... Imagine como mamãe está sofrendo em saber que você está

contribuindo com isso...-O que você está tentando conseguir com isso?-Não deixar que nossas lembranças se percam na História.

Demos um abraço. Finalmente consegui quebrar o gelo daquele coração duro.-Lembra quando você quebrou o cinzeiro do Vater e eu assumi a culpa para ele não tecastigar? - Perguntei.

Rimos.-Lembro!... E quando você me salvou dos meninos que queriam me bater lá na Praça da República...-Mamãe costumava dizer que você era o redime de todos seus pecados...

Ele começou a se emocionar.

-Tenho saudade daquele tempo. - Falou sobrepondo sua mão à minha.Após um profundo suspiro, falei olhando em seus olhos:

-Acha que vale a pena enterrar nossa história? Deixar nossas memórias serem consumidas pelo mesmo fogo que queimam os judeus?

Dando-me um abraço ele se calou. Percebi que estava emocionado, porém, ele nãoqueria demonstrar, e o que eu poderia fazer naquele momento era respeitar.

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Tentando parecer durão, afastou-se de mim dizendo:-Essa noite chega mais um trem trazendo judeus... Se prepare para partir.-Só vou se o Eliezer for junto.-Outra vez esse judeu?

Respondi apenas com meu olhar.-Mais tarde eu volto... Procurem ser discretos. - Disse o Patrick fechando à porta.

Feliz, deixei que lágrimas escapassem. Eu não via a hora de poder sair daquele lugare tirar o Eliezer dali, vivermos em paz nossa história longe da perversidade humana.

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Capitulo 49

Voltei ao barracao onde Eliezer e eu dorm amos  feliz davida, mancando por conta do frio, ansioso para contar a novidade que mudaria nossas vidas para sempre.

Atravessei a neve apreensivo, pois do lado de fora do campo não havia ninguém, ese os guardas me vissem poderiam atirar sem qualquer questionamento. A fumaça negra parecia estar a todo vapor com altas labaredas de fogo.

Empurrei à porta lentamente, tomando cuidado para não ser visto pelos guardas.Ouvi uma forte gritaria, em seguida um aglomerado de homem caminharam rapidamenteenfileirados e escoltados por quatro SS e dois Kapos. Escondido, esperei que todos saíssem.

Pulei uma poça d'água que alguns rapazes puxavam com rôdo e caminhei emdireção ao fundo do barracão. Sobre a cama que dormíamos estava apenas o echarpe xadrezque o Eliezer adorava.

Fiquei desesperado quando meus olhos não encontraram aquilo que eu tanto procurava.-Você viu o Eliezer? - Perguntei a um senhor que arrumava à cama ao lado.-Está deitado naquela cama!  - Respondeu apontando para o último leito no final docorredor.

Caminhei apressado até ele, que ao me ver abriu um enorme sorriso exclamando:-Hans!-Que susto levei...-Susto?

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-Estava procurando por ti, mas não estava encontrando...-Estava ajudando o pessoal com a arrumação das camas, mas não me senti muito bem eresolvi deitar aqui um pouco.-Você ainda está com febre! - Exclamei tocando sua testa.-Logo vai passar. - Respondeu beijando minha mão.-Tenho uma novidade pra você. - Sussurrei próximo ao seu ouvido.-Que novidade?-Essa noite deixaremos esse inferno!-Como!?-O Patrick vai nos ajudar.-Seu irmão?-Ja!-Hans... Mas como? O que ele faz aqui?-Isso não importa agora, mas sim que vamos deixar esse lugar de uma vez por todas.-Humpf... Não confio nele.-Nesse momento nós só temos ele para confiar.-Humpf... Eu gostaria de acordar e saber que tudo isso não passou de um sonho.

Acariciando sua face, falei:-Mas isso vai acontecer... Essa noite estaremos livres...-E partiremos para o Brasil!-Ja!... E daqui 70 anos, quando estivermos bem velhinhos iremos relembrar de tudo isso erelatar para os livros de História.-E onde estaremos daqui 70 anos exatamente?-Hum... Imagino eu e você, bem velhinhos, caminhando no Jardim da Luz, em frente ao xafariz.-E posso saber o que você faz com meu echarpe na mão?

-Estava em sua cama... Pensei que...-Acabei esquecendo. Fique com ele, guarde no seu bolso para ninguém pegá-lo.-Tudo bem. Agora vou voltar para o barracão e esfregar o chão... Pela ultima vez!-Até mais tarde!-Até!

Percebi que o clima no campo estava estranho. Os vigias haviam sumido, o que parecia ser obra do Patrick para me ajudar.

Por volta das cinco da tarde ele apareceu. Com ar de desconfiança ele entregou-medois uniformes de soldado e ordenou-me:-Vistam-se com isso e me aguardem no galpão 1 em duas horas.-Ta bom.

Assim que ele fechou a porta escondi as fardas embaixo de uma das camas e fui procurar pelo Eliezer. Meu coração parecia que iria saltar pela boca de tanta felicidade.Entrei naquele barracão com um sorriso que ia de orelha a orelha, correndo como um louco para tirá-lo definitivamente daquele purgatório.

Percorri aquele enfileirado de camas. Como não o encontrei, passei a procurá-lo dooutro lado. O barracão estava vazio. Apenas dois listrados amontoavam uma pilha deuniformes, do qual perguntei a um deles:

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-Hey, você!... Viu o Eliezer por ai?-Quem é Eliezer?-Humpf... Cadê o pessoal que estava aqui há umas horas atrás?-Saíram agora há pouco para o banho.-Banho?

 Na mesma hora desesperei-me. Sai correndo em direção ao barracão apelidado deCanadá. Os prisioneiros iam para lá enganados, acreditando que fossem tomar banho.Conforme ia me aproximando, conseguia ouvir gritos cada vez mais altos. Tentei correr omais rápido possível, mas desnutrido, sem forças, logo me cansava e tinha que parar pararespirar e não sucumbir à fraqueza.

Logo na entrada havia a inscrição: Banhos. Entrei. No fundo daquilo que parecia umvestiário, avistei uma enorme porta de aço se fechando. Após trancá-la, um soldado saiu, passando por mim, que escondido, não me notou. Os gritos cessaram. Sob os bancos dovestiário havia diversos sapatos, todos arrumados como se logo fossem recuperados. Damesma forma os uniformes listrados, colocados sobre os bancos de forma cuidadosa.

Corri até aquela porta, procurando pelo Eliezer entre aquele monte de gente nua,através de um pequeno vidro grosso. Desesperei-me. Meus olhos não o encontravam. Doisrapazes olharam-me profundamente, respirando com dificuldade, aparentando falta de ar.Seus olhos me pediam ajuda, mas eu nada podia fazer.

Ouvi barulho de botas se aproximarem. Corri até os bancos e comecei a juntar osuniformes.-Mas o que você faz aqui? - Perguntou um soldado SS.

Bati continência e respondi:-Fui encarregado de juntar todos os uniformes, senhor!-Pois então continue o que estava fazendo, seu verme!-Sim, senhor!

Dobrei todos os uniformes e arrumei os sapatos. Percebendo que o caminho estavalivre, deixei aquele lugar imediatamente.

Os prisioneiros eram levados para as câmaras de gás enganados. Pensando que iriamtomar banho, recebiam sabonetes e toalhas na entrada, e quando todos estavam amontoadosnaquele espaço, as enormes e pesadas portas de ferro eram fechadas. Ao invés de água, oscanos liberavam Zyklon B, um gás produzido pelas fábricas Degesch, na cidade de Dessauna Alemanha. Iniciava-se então o espetáculo assistido pelos SS atrás de grossos vidros.Todos os prisioneiros morriam asfixiados em poucos minutos.

Ao cruzar a porta, caminhava apressado para longe dali quando deparei-me comquem não esperava.-Samuel!

Diferente da polícia de Sondercomando do gueto, a Sonderkommando do campo tratava-se de umcomando especial.

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-Hans... O que faz aqui? - Questionou-me olhando de um lado para o outro apreensivo.-Estou procurando pelo Eliezer... E você? O que faz vestindo esse uniforme listrado?-Humpf... Não sou mais um Kapo... Mandaram-me para a Sonderkommando, sou um dosresponsáveis por arrumar os corpos retirados das câmaras de gás...-Samuel... Eu preciso saber se o Eliezer foi levado para as câmaras de gás...-Vem comigo!

Para dar a sensação de segurança, inventou-se um novo significado para a línguaalemã, onde “Deportação” passou a chamar -se “Reassentamento”, “seleção para a mortetornou-se “Tratamento especial” e “Chuveiros” nada mais eram que as “Câmaras de gás”. 

Depois que todos morriam, os alemães ligavam poderosos ventiladores para tirar ogás que restava dentro dos banheiros, e logo em seguida retiravam os corpos para seremreciclados.-Se perguntarem, diga que você é novo e começou hoje por aqui, Hans...  - Alertou-meSamuel.-Tudo bem.

 No meio daquele amontoado de corpos, procurava pelo Eliezer numa angústia semfim, pulando um a um. Ali encontrava-se o destino de famílias inteiras, o término de umsofrimento interminável.-E agora? O que vamos fazer? - Questionei perdido.-Bem... Agora nossa função é retirar anéis, alianças, dentes de ouro...

Antes de serem encaminhados aos crematórios, os Sonderkommando retiravam dosmortos tudo aquilo que poderia ser reutilizado. Dentes, anéis e alianças de ouro, porexemplo, eram derretidos e transformados em novas jóias, das quais eram ostentadas pelassenhoras alemãs sem que desconfiassem de sua origem. Os cabelos eram raspados, principalmente os femininos, embalados para que fossem transformados em tapetes,decorando a casa de muitas famílias alemãs. Como se não fosse o bastante, a gordura dos

corpos era reprocessada e transformada em sabão, enquanto que os ossos com as cinzaseram transformados em fertilizantes. Para que não restasse testemunhas do que acontecia,após três meses de exercício naquela função os Sonderkommando  tinham também comodestino as câmaras de gás.

“Torne a mentira grande, simplifique -a, continue afirmando-a,

e eventualmente todos acreditarão nela.”   - Adolf Hitler

Ao pisar em um braço caído, gelei. Olhei para aquele corpo esquelético de um jovem rapaz, chamando-me atenção. Seus olhos abertos pareciam querer dizer algo, um

último pedido que não pôde ser ouvido nos seus últimos momentos de agonia. Seu rostocadavérico me fez lembrar do meu Eliezer, da última vez em que o vi, do seu beijo emminha mão.

Passei horas procurando por ele, mas não o encontrei.

Através de uma canalização especial, a gordura extraídas dos corpos no crematório era redirecionada para uma fábrica situada num edifício ao lado. A tal fábrica chamava-se “R.J.F” (Rein Juden Fetz), que

significa Gordura Pura de Judeus.

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Capitulo 50

Deixei o Canada correndo, fugindo pra longe daquele vale de sombras.Chorei como uma criança perdida, apavorada. A fumaça negra que saída daquela chaminéescurecia o céu.

Denominados de Krema II e Krema III, os crematórios em Birkenau tinham suas

instalações subterrâneas com salas para despir, duchas e tratamento desinfetante. Em umacrueldade sem tamanho, soldados nazistas ordenavam que os prisioneiros despissem edeixassem seus pertences no vestiário, dizendo que poderiam pegá-las ao final do suposto banho. Quando todos já estavam amontoados, nus, liberava-se descargas do agente tóxico Zyklon B  pelos chuveiros cujo jamais saíram uma só gota d’água. Tudo acontecia de formarápida e eficiente.

Corria de um barracão para o outro, quando dois soldados SS cercaram-me. Comum rifle apontado para mim, mandaram que eu seguisse para uma fila, juntando-me comvários outros prisioneiros.

A seleção de prisioneiros que seriam levados às câmaras de gás acontecia de diversas maneiras e pordiversos motivos. Às vezes, durante a revista diária soldados SS escolhiam um grupo de prisioneiros e osmandavam “tomar banho”. O fato de olhar ou não para um SS de forma a não agradá-lo também poderia serfatal. Tudo poderia significar viver ou morrer, até mesmo em momentos de necessidades fisiológicas.

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-Todo mundo andando em fila! - Gritava um SS.Seguimos andando um atrás do outro, até a saída do campo. A princípio eu não

estava entendendo nada do que estava acontecendo, até avistar o trem.Com a aproximação das tropas dos EUA, os nazistas precisavam dar fim nos

campos de concentração para que não restassem provas contra eles. Sendo assim, as pessoas que lá estavam precisavam deixá-lo, fosse pela chaminé, enterrados em valascomuns após serem fuzilados, transferidos para outros campos mais distantes.

Fomos jogados nos vagões que ali estavam parados como sacos de lixo. No meio detoda aquela confusão meus olhos procuravam pelo Patrick entre os soldados, mas não oencontrou.-Depressa! Depressa! - Gritavam os soldados.

Os vagões eram abertos, não muito grandes. Aglomeraram por volta de 60 pessoas por composição, e no meio daquele amontoado de gente, escolhi um cantinho para ficar.Estávamos expostos a tudo, frio, chuva, sol. Não sabíamos para onde iríamos nem quantotempo levaria, nada nos foi dito.

 No dia 26 de Novembro de 1944, o comandante de Auschwitz, Richard Baer,recebeu uma surpreendente ordem para desfazer a instalação, diminuindo o ritmo deextermínios do campo. Tal ordem partiu diretamente de Adolf Hitler, causando espanto amuita gente. Para Josef Mengele a ordem não causou estranheza, pois ele estavaconvencido que a Alemanha Nazista perderia a guerra. De forma encoberta ele abandonou ocampo em 17 de Janeiro de 1945, 10 dias antes da invasão pelo Exército Vermelho, do quallibertou os poucos sobreviventes.

Após deixar Auschwitz, Mengele seguiu para o antigo campo de concentração deGross-Rosen, onde teve suas operações encerradas em Agosto de 1944. Em meados de1945 fugiu para o Oeste disfarçado de membro da infantaria regular alemã portandoidentidade falsa, mas não adiantou muito, pois Mengele foi capturado.

Como prisioneiro de guerra, cumpriu pena em prisão próximo a Nuremberg,libertado depois quando se desconhecia sua identidade, pois durante os julgamentos de Nuremberg não se mencionou Josef Mengele como genocida. Livre, Mengele fugiu para aArgentina ainda na década de 1940. Ao saber que Adolf Eichmann fora capturado poragentes do Mossad em Buenos Aires, Mengele tratou de fugir da Argentina escondendo-seno Paraguai, mudando-se para o Brasil em seguida, onde viveu nas cidades de Serra Negra,Assis, Nova Europa, Mogi das Cruzes e Bertioga.

Algum tempo após o trem partir uma pequena confusão se iniciou no vagão em queeu estava. Levantei-me e fui ajudar a separar a briga antes que tal fúria contaminasse outroshomens.-Samuel! - Exclamei segurando um dos envolvidos na confusão.

-Hans! Que bom que lhe encontrei! - Desabafou abraçando-me.Sem entender, questionei a ele:

-Mas... O que faz aqui?...Afastando-nos dos outros rapazes, ele contou-me em voz baixa:

-Esqueceu que eu já fui um Kapo? Assim que vi uma brecha, escapei daquele inferno!-Ou seja, você fugiu...

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-Não se preocupe, no meio da confusão só vão dar por minha falta quando estivermos bemlonge...

Três dias após o início da viagem começaram a morrer os primeiros prisioneiros.Caso acontecesse, tínhamos ordens para deixar os corpos nas paradas dos trens, porém, nãofazíamos isso com todos, pois usávamos os cadáveres como colchão, amenizando o frio edureza daquele chão de madeira e lascas.-Sabe, Hans... Mesmo que essa guerra acabe amanhã, pra mim não fará mais nenhumadiferença.-Por que você diz isso, Samuel?-Já perdi toda minha família, minha casa, minha dignidade...-Mas não perca as esperanças!

Tocando em minha mão ele disse após um breve sorriso:-Obrigado por tudo que você tem feito por nós judeus...-Por favor... Pare com isso...-Não... Se não fosse por você e os Lovitz, Ima e eu teríamos morrido naquela noite...-Do que você está falando, Samuel?-Humpf... Naquele dia em que batemos a sua porta, estávamos fugindo da polícia... Fomostirados de casa e levados para a praça para sermos fuzilados, e quando percebemos ummomento de distração dos guardas, escapamos. Se voltássemos para a rua tão breve,certamente seriamos capturados e mortos...-Entendi... Bem, nem sei o que dizer, Samuel...-Por isso serei eternamente grato a vocês!

Ao amanhecer do dia chegávamos em mais uma parada. Acordei com o ranger dostrilhos enquanto o trem parava. Levantei-me e notei que na estação havia um cano jorrandoágua em um balde sem parar. Desci do trem e corri até lá. Demorei a acreditar, e não perditempo, peguei logo aquele balde e voltava ao trem quando um soldado gritou:

-Você ai... Pare imediatamente!Parei. Sem pensar duas vezes respondi com a voz trêmula:

-Foi... Nosso SS quem mandou, senhor... Não atire!Acreditando, deixou-me levar o balde para o trem. Isso foi o bastante para que os

outros prisioneiros corressem até lá para quererem fazer a mesma coisa. A confusão estavaarmada. Encolhi-me em um canto e tomei aquela água até não agüentar mais, dividindocom Samuel o conteúdo daquele balde. Os soldados começaram a atirar, e eu, mantive-meencolhido naquele canto. Quando consegui espiar, vi corpos caídos por todos os lados, umsobre os outros, banhados em poças de sangue.

Em meados de Novembro de 1944, com a intenção de esconder das tropas soviéticas as atividades docampo, os nazistas iniciaram a evacuação de Auschwitz Birkenau. A maioria dos prisioneiros deveria partir

 para o oeste. Os que estivessem muito fracos para caminhar foram deixados para trás. Estima-se que foramlibertados pelo exército soviético entre 3000 e 7500 prisioneiros pesando de 23 a 35kg, sendo libertadas em27 de Janeiro de 1945.

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Aqueles que nos viram beber água pediram para que urinássemos no balde para que pudessem beber. Que humilhação! Aquilo era desumano. Por mais que tentei, não conseguiurinar.-Hans... - Sussurrou Samuel.-Sim?-Tenho aqui comigo pão e mel... Dividirei com você a noite para que ninguém veja.-Danke! - Agradeci feliz.

Mas Samuel não resistiu e acabou beliscando um pedaço de seu pão. Percebendoque um prisioneiro o olhava com olhos brilhantes, naquele mesmo dia entregou-me tudoque tinha dizendo:-Tenho certeza que ele tentará me roubar. - Sussurrou. - Guarde com você, por favor...-Tudo bem...

Samuel tinha razão. Naquela mesma noite ele acordou com a mão daquele rapazsegurando seu pescoço, enquanto a outra revistava seu casaco em busca do pão. Aoencontrar um naco no bolso de seu casaco, o soltou e afastou-se para longe. A partir deentão chegamos a conclusão de que guardar comida era arriscado, sendo assim, tratamos decomer tudo de uma só vez.

“As maiores mudanças revolucionárias do mundo seriam

impensáveis se sua força motivadora, ao invés do fanatismo, sim,

a paixão histérica, tivessem sido meramente as virtudes

ordinárias da lei e da ordem.”   - Adolf Hitler

Dois dias se passaram e durante esse período nada comemos. Alguns prisioneiros jámostravam sinais de que estavam doentes, e um deles era o Samuel.

-Acho que estou com febre, Hans... - Falou tremendo.-Deixa eu ver... Sim, você parece febril.-É... Esse é meu fim, Hans...-Do que você está falando?... Pare de dizer bobagens!-Não, amigo... Sinto que minha hora está chegando...-Samuel, não diga mais nada... Deite sua cabeça em meu ombro e descanse.-Danke!

Quando as forças aliadas avançaram em direção à vitória na primavera de 1945,depararam-se com os campos de concentração alemães, sendo que poucos estavam preparados para o terror que encontrariam.

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"Os soldados se aproximaram da cerca e ficaram parados olhando para nós. Eunão conseguia entender a reação deles. Eu gostaria de poder lhe dizer como foi estranhoobservá-los enquanto nos encaravam de uma maneira incompreensível. Então, notei um soldado se contorcer e vomitar, e depois outro fez a mesma coisa, e depois mais outro, eentão compreendi. Eles nos olhavam com repugnância. Um profundo desespero tomouconta de mim, me senti como Adão na primeira vez em que percebeu que estava nu,deplorável e envergonhado. Olhei à minha volta e vi a mim mesma e aos outros prisioneiros com os olhos daqueles soldados. Era repulsivo olhar para nós, sem dúvida. Éestranho, não é mesmo, que eu nunca tivesse me dado conta disso antes. Logo depoisdaquele soldado passar mal, algo estranho aconteceu entre os prisioneiros. Nóscomeçamos a nos virar em outra direção, nós lhes demos as costas. Não queríamos que nosvissem. E se alguns instantes atrás queríamos que entrassem no campo, agora, com muitaveemência, queríamos que ficassem onde estavam, ou então que fossem embora."

Antes do dia amanhecer chegávamos em mais uma parada. Notei que os guardas jánão nos vigiavam como antes, deixando os prisioneiros mais soltos. Com isso, percebi umaoportunidade única de fugir.-Samuel, acorde... Chegamos em mais uma parada... Samuel... Samuel?...

Chamei, o chacoalhei, mas ele não se mexia. Toquei em seu rosto, estava gelado.

“-Sério mesmo que vocês vão me ajudar a reencontrar meu pai?-Claro! Amanhã mesmo começaremos.” 

-Samuel... Pelo amor de Deus, fala comigo? - Pedia desesperado.

“-Mãe... Tenho uma novidade...

-Que novidade, filho?-Descobrimos onde papai está.” 

Aproximando-se de nós, um dos prisioneiros falou:-Ele está morto!-Não!... Ele não está... Está dormindo!-Temos que tirá-lo do vagão. - Gritou outro.-Por favor... Não!...

Por mais que tentei, não adiantou. Mal tive tempo de me despedir de Samuel, poislogo o retiraram do vagão.

"Quando se olha para eles, não há como distingui-los um do outro. A cabeçaraspada e o aspecto cadavérico. Não há meios. Era difícil vê-los como humanos. Diantedas circunstâncias evita-se falar muito a respeito. É muito difícil."

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Capitulo 51Ao chegarmos a nosso destino final, no vagão em que eu estava

restaram menos de 30 pessoas vivas. O silêncio predominava, todos estavam amedrontados,sem saber o que fazer.

O trem parou. Estranhei quando notei os soldados nos abandonarem, correndo paradentro do mato. Olhei para atrás e avistei soldados russos se aproximarem. Estávamoslivres!

Os bombardeios à Alemanha estavam avançando. Para momentos de desespero,Hitler encontrava em sua cadela o conforto, pois quando ameaçada a vida do  Führer , elaera treinada para matar sob ordens.

 Na frente russa, a situação ia de mal a pior. As tropas alemãs foram expulsas daAlbânia, Grécia, Iugoslávia e Bulgária, e o próximo alvo de manobra seria Berlim. Astropas alemãs enfrentaram com bravura os maciços ataques russos, e com tropas em menornúmero, possuem menos armas, frio e fome.

Os aliados dobraram os ataques aéreos na Alemanha, ao mesmo tempo em que osalemães estavam se rendendo aos milhares.

Crente que a derrota chegara, Hitler disse a si mesmo: “Que assim seja. Se o

T erceiro Reich tem que cair, que seja para os americanos.” Mas tal desejo não aconteceria. Após um acordo, os americanos e britânicos

limitaram-se o avanço de suas tropas à Elba, deixando que os russos tomassem Berlim.Hitler sentiu a necessidade de voltar a Berlim na tentativa de mudar o rumo da vitória. Devolta a capital, ele e Eva Braum instalam-se na chancelaria, onde clama por sacrifíciosmaiores de seu exército.

Por volta do dia 20 de Abril de 1945 os russos já adentravam nos subúrbios deBerlim. Preocupado, Hitler convocou sua equipe para uma reunião final, onde decidiu ficaraté o fim. Em seguida, seguiu para o bunker sob a chancelaria acompanhado de Eva.

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Com a derrota inevitável, Himmler e Goering desertaram. Abandonado por maioriade seus companheiros de confiança, Hitler encontra-se próximo de um colapso nervoso,recusando-se a deixar o bunker.

“A saúde de Adolf Hitler piorou muito por causa de contratempos na frenteespecialmente após a batalha de Stalingrado. Não conseguia dormir, os seus nervos pioraram. Foi obrigado a medicar-se. Mas preciso acabar com esses boatos. Seu cérebro funcionou perfeitamente até sua morte."  - Julius Schaub, assistente pessoal de Hitler

Com o avanço das tropas inimigas, os defensores de Berlim eram expulsos, aomesmo tempo em que cápsulas de veneno eram distribuídas aos ocupantes do bunker  e dachancelaria. Sabendo que seu fim estava muito próximo, no dia 29 de Abril, Adolf Hitlercasou-se com Eva Braum.

"Entrei no quarto do bunker com ele. Na mesa havia uma pistola 75. Aproximou-seda pistola. Fiquei muito chocado. Pegou a arma. Mas, não. Ainda não era o fim. Estavaapenas verificando se estava carregada. Alguns dias depois, o evento que achei que fosseocorrer naquele momento, aconteceu." - Julius Schaub

Hans Bauer, piloto particular do Führer, declarou sobre as ordens finais que recebeude Adolf Hitler: 

"Cerca de 30 ou 45 minutos antes da morte de Hitler, no dia 30 de abril, elemandou me chamar. Quando me apresentei, tomou as minhas mãos nas dele e disse:'Bauer, quero me despedir...' Por um momento fiquei sem palavras, e demorou 20 minutos para nos despedirmos, onde pedia: 'Bauer, tenho mais duas ordens para você. A primeira é

que será responsável por queimar o meu corpo e o de minha esposa. E a segunda é paraque faça com que Bormann chegue até Doenitz. Doenitz é o meu sucessor natural. Dei a Bormann muitas ordens e documentos para que leve ao Doenitz.' O tempo todo fiquei pasmo como Hitler falava claramente. Não podia acreditar que o fim seria esse."

Berlim, em chamas, foi tomada. Seus últimos defensores foram arrancados de seusesconderijos, e no meio das ruínas empoeiradas, escombros, era difícil saber o que de fatoaconteceu com o caído ídolo nazista. Obviamente, a história completa seria “montada” depois.

Trancado em seu bunker, localizado no porão da chancelaria, o Senhor da Alemanhase mata com um tiro na boca, enquanto sua esposa morre após ingerir veneno. Seus corpos

foram queimados por Joseph Goebbels e Martin Bormann, guarda-costas do Führer, emseguida jogados em uma vala no pátio do lado de fora do bunker, bem próximo à entrada.

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"Quando vi o chefe pela última vez, tive o pressentimento que o final estava próximo, mas não havia mudança visível alguma nele. Nem o caráter dele, nem em maisnada. Ele se despediu e me dispensou. No dia seguinte, quando o chefe estava morto, fuiaté o bunker no momento em que retiravam o corpo. Então veio o Martin Bormann com Eva Braun nos braços. Tomei o corpo dela e a carreguei atrás de Adolf Hitler. Colocamosos corpos lado a lado no jardim. Tinha me incumbido com o difícil dever moral de jogar gasolina neles e atear fogo aos corpos. Os corpos queimaram das 13:30 às 19:30."  - ErichKempka, motorista particular de Hitler.

Para não ser caçado pelas tropas inimigas e sofrer prováveis e severas punições pelasua significativa contribuição nazista, Joseph Goebbels atirou em seus seis filhos. Emseguida, mandou um guarda da SS atirar nele e em sua esposa.  Já em Berlim, os russoshastearam sua bandeira vermelha nos portões de Brandenburgo. As tropas americanas deocupação que chegavam do oeste hasteavam a bandeira dos EUA, enquanto os líderesaliados, incluindo generais americanos e russos, assumiam o controle. Chegara o fim. OTerceiro Reich morre numa catástrofe convulsiva.  

Em 04 de maio de 1945 Berlim tratava-se de uma cidade de ruínas em brasa, queassim como a Fênix, deveria se reerguer das suas próprias cinzas. Assim como a capital, ocenário dos encontros amorosos de Hitler e Eva Braum em Berchtesgaden estava em ruínas.Seus principais atores deixaram a cena para sempre, enquanto os figurantes, líderesnazistas, encontravam-se mortos ou presos. Os russos estavam atirando em todas as pessoasconsideradas suspeitas pelas ruas a fora.

Aquele que um dia foi um simples operário, cujo sonho de levar o seu povo aconquista do mundo, terminou totalmente destruído. O mesmo que supervisionaraviolência, tortura, campos de concentração, câmaras de morte em massa, permanece atéhoje como símbolo sinistro de tirania. O tirano cruel, cuja ambição insana não parou com a

escravidão do seu próprio povo, foi detido somente depois que desencadeou no mundo amais brutal guerra já registrada na história.

 No dia 8 de maio de 1945 a Alemanha se rendeu.

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Capitulo 52

Um mes se passou. Durante esse tempo, mesmo convalecente não deixei de pensar em minha mãe e principalmente no Eliezer. Aos poucos fui me recuperando. Ganhei20kg, o que pode parecer pouco para alguém que chegou a pesar 32kg, mas para quemestava no limite entre a vida e a morte, era muito. Não houve um só dia em que eu não

tivesse procurado pelo Eliezer no meio daqueles sobreviventes. Percorria todos os diasaqueles corredores enlamaçados, esperando encontrar o verdadeiro amor da minha vida. Não houve um só instante em que eu não deixasse de lembrar de seu rosto, de seu sorriso,de suas palavras de conforto.

"Quando fomos libertado nós comemos, e comemos sem parar. Não havia a sensação de saciedade, apenas a consciência de que estávamos com fome e de que no dia seguinte não teria o que comer. Não sabíamos como parar." - Depoimento de umsobrevivente. 

 Na ânsia para se alimentar, muitos sobreviventes tiveram seu estômago rompido,enquanto outros que haviam lutado para viver, não tinham mais forças para enfrentar o tifoe a tuberculose que tomou conta dos campos de concentração. Algumas semanas após achegada dos aliados, milhares de prisioneiros libertados morreram. Só em  Bergenbelzin foram enterrados cerca de 13.000 corpos.

"Nosso primeiro ato como homens livres foi atacar os suprimentos. Só pensávamosnaquilo, não pensamos em vingança, nem nas nossas famílias. Nada, a não ser comida." - Depoimento de um sobrevivente. 

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Com minha liberdade de volta, tratei de partir para Berlim o mais rápido que possível. Ao chegar, deparei-me com uma cidade fantasma, destruída pelos bombardeiosinimigos.

Segui para minha antiga casa. Enquanto caminhava, chorava emocionado commomentos e lembranças de lugares que agora, não passavam de ruínas. Duas quadras antesde chegar no prédio onde morávamos eu e minha família, parei em frente a antiga sapatariado senhor Dirk.

“-Hallo, Hans! Como está seu pai?-Bem... Apesar de ter ficado um pouco mal esses últimos dias, mas já está melhor.” 

“-Encontrei um dos filhos do senhor Dirk no armazém...-Ah é? E como ele está?-Ele faleceu essa madrugada.” 

 Nada mais existia, a não ser entulhos aglomerados em meio a dor e sofrimentodaqueles que nada tinham a ver com a situação. As manchas de sangue pelas ruas era pouco, perto do número de lares que foram desfeitos, famílias que foram destruídas. Forammulheres que perderam seus filhos, maridos, netos, pais. Nações inteiras sacrificadas pelosimples capricho de poucos, lutando por um ideal fanático e fantasioso, cujo único efeitofoi a derrota de uma humanidade facelada pela guerra.

Caminhei em passos lentos, tomado pela angústia e o medo. Olhei para o lado eavistei um bonde, cravejado de tiros de fuzil. Fiquei imaginando em que momento seudestino foi interrompido, onde estariam seus passageiros.

Conforme aproximava-me da minha antiga casa, arrepiava-me pensar que o prédio poderia não mais existir. Mas para minha felicidade, lá estava ele, ao que parecia intacto.

Parei em frente a porta. Meu coração parecia que iria sair pela boca. Minha vida inteira passou diante dos meus olhos naquele instante, momentos de alegria e tristeza que paramuitos não significava nada, mas para mim significava muito.

“-Eliezer, por favor, me espere...-Meus pais... Será que fizeram alguma coisa com eles?” 

“-Hans... Pare! Alguém pode nos ver aqui...- Não me importo que nos vejam, só quero te beijar mais e mais!” 

Abri o portão lentamente. Emocionado, entrei. Quanto tempo longe! A sensação era

inexplicável, como se eu tivesse voltado no tempo, aos meus doze anos de idade. Aquelas paredes escuras, deterioradas com o tempo e aguerra, que foram também testemunhas deum romance proibido.

Parado em frente a porta de minha antiga casa, respirei fundo e tomei coragem paratocar a campainha. Tremendo, toque-a e esperei. Ninguém abriu. Depois da terceiratentativa, virei as costas e já ia descendo as escadas quando ouvi a porta destrancar.Imeditamente parei.-Posso ajudar? - Questionou uma voz.

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Gelei. Aos poucos virei-me. Parada a porta estava uma jovem moça de cabelosloiros e olhos claros, que lendo meu silêncio, questionou novamente:-Posso ajudá-lo?-Bem... Eu... Acho que me enganei...

Que decepção! Para onde levaram minha família? Quem era aquela mulher? O quefazia em minha casa?

Tantas perguntas que levaram anos para serem formuladas, e agora, não sabia o quefazer da minha vida, nem para onde ir. Eu estava literalmente sozinho.-O senhor está bem? - Questionou aquela jovem moça.-Aqui... Aqui não era a casa dos Fischer?-Anne, quem está ai? - Questionou alguém lá de dentro antes que ela respondesse.

Aquela voz eu conhecia. Era da minha mãe. Imeditamente eu empurrei aquela portae entrei. Parada próximo à porta da cozinha estava ela, abatida, triste. Olhando-meassustada, parecia não acreditar no que via. Senti-me como se fosse um fantasma, ummonstro de causar medo.-Mutter!... Mutter!... Sou eu... Hans!-Gott!... Filho!? Meu Deus!

Corri até mamãe antes que ela caísse de emoção. Abracei-a com o peso da saudadede anos sem vê-la.-Vem, Mutter... Sente-se um pouco... - Pedi levando-a até o sofá.

Fechando a porta, Anne falou:-Dona Gisela, vou buscar-lhe um copo d‟água. -Danke, querida!

Sentei-me ao seu lado. Olhávamos-nos um ao outro, parecia estar vivendo umsonho. Acariciando meu rosto ela questionou chorando:-Meu filho... O que aconteceu com você?... Está tão magro, abatido... Gott! O que fizeram

com você?Beijando sua mão, respondi:

-O importante é que estou aqui, Mutter... Vivo e ao seu lado.-Aqui está sua água, dona Gisela! - Falou Anne entregando-a o copo.-Danke, querida! Anne, deixe-os apresenta-los... Esse é meu filho Hans, irmão de Patrick.-Encantada!-Anne é a esposa de seu irmão.-Esposa de Patrick? Eu não sabia que ele havia se casado.

 Nesse momento um choro soou do quarto. Apressada, Anne saiu correndo paraatender ao que parecia uma criança.-Mutter... Eu não sabia que...

-Que era tio?-Tio?-Ja! Patrick e Anne têm uma linda filha... Katharina!

Segurando sua filha no colo, Anne dizia a ela:-Veja, Katharina... Esse é seu tio Hans!

Levantei-me. Era uma menina linda, cabelos cacheados com laço, loiros como trigo.-Hallo, Katharina! Mais que menina mais graciosa! Quantos anos ela tem?-Dois! - Respondeu Anne.

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Toquei em sua minúscula mão, branca e delicada como porcelana. Chorei deemoção.-Ela é linda, Mutter!-Onde está Patrick, Mutter?-Na guerra!...

 Naquele instante percebi que mamãe ainda não tinha tomado conhecidmento do fimda guerra. Por hora, achei melhor não revelar.-Ai... Meu coração!...-Mutter... Não quer deitar um pouco?-Não! Quero ficar um pouco mais com você, meu filho!-Teremos todo tempo do mundo para ficarmos juntos... Para sempre!-Hans tem razão, dona Gisela... Vá descansar um pouco!-Humpf... Está bem...

Ajudei-a levantar e a levei para seu quarto. Encostei a porta e apaguei a luz.Enquanto ela descansava, parei por um momento para olhar cada canto daqueleapartamento, cada história que ele deixou. Era como se o tempo voltasse e eu revivesseexatamente aquelas situações.

Abri a porta do meu antigo quarto lentamente. Após um leve ranger, silêncio. O perfume de lavanda que exalavam os lençóis remetiam-me à infância. Quanta saudade!Aproximei-me da janela, tocando levemente à cortina. Fechei meus olhos.

“-O que você está fazendo, Hans?-Aquilo que meu coração está pedindo.” 

“- Meninos! Pensei que não sairiam mais do quarto...” 

 No auge das minhas lembranças, alguém bateu a porta:-Com licença...-Ah! Entre, Anne... - Falei limpando as lágrimas sem que ela visse.

Abrindo timidamente a porta, ela dizia:-Você deve estar com fome... Gostaria de comer um pouco?-Claro!-Vou aquecer para você...-Danke!

Antes que ela deixasse meu quarto, quis saber:-Anne!-Ja?

-Onde está Patrick?Após um instante de silêncio, Anne deu dois passos a frante e falou após um

 profundo suspiro:-Patrick... Patrick faleceu, Hans.-Como!?-Não sei... Apenas recebi a notícia de que foram surpreendidos pelas tropas inimigas etodos os homens do exército alemão que ali estavam foram aniquilados.-Gott! Mutter deve ter ficado arrasada...

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-Ela ainda não sabe, Hans... Não tive coragem de contar a ela... Sua mãe está muitodoente, não sei se iria agüentar...-E sobre meu pai? Alguma notícia?-A última notícia de que recebemos do senhor Oliver foi há dois anos, em umacorrespondência em que ele dizia estar partindo para o Leste... Depois disso, nunca maistivemos notícias...-Humpf... Danke!

Ao sair, Anne fechou a porta. Sentei-me em minha cama. Tirei o sapato, em seguidaa calça. Abri a gaveta e peguei uma roupa limpa. Segui para o banheiro, onde tomei um banho de quase uma hora. Que alívio! Há meses eu não sabia o que era sentir-se limponovamente.-Hans... Já coloquei a comida na mesa. - Falou Anne ao me ver sair do banheiro.-Danke!

Seguimos até a cozinha. Nos sentamos a mesa e começamos a conversar.-Quer pão, Hans?-Ja!-Aqui está!-Danke...

Após um breve momento de silêncio, comentei:-Patrick não me contou que havia se casado.-Quando você o encontrou? - Questionou esperançosa. -Não tenho noção de tempo... Há alguns dias...-Gott! Ele... Estava bem?-Ja...-Rezo todas as noites para que ele volte pra casa... Conhecer nossa filha...-Patrick não conhece a filha?

-Não!... Quando Patrick partiu para os campos de concentração, ainda não sabíamos queeu estava grávida.-Então ele não sabe que é pai?-Sim, sabe... Recebeu a notícia por correspondência, inclusive um retrato de Katharina...-Lamento tanto nossa relação não ser como a de tantos outros irmãos comuns...-Por que você diz isso?-Porque Patrick não gostava de mim...-Mas... De onde você tirou isso, Hans?-Patrick e eu nunca nos demos muito bem...-Hans... Patrick amava você!-Anne, sei que você chegou há pouco e...

-Não, Hans... Patrick amadureceu, tornou-se homem...-Como você sabe de tudo isso, Anne?-Ele revelou-me que iria atrás de você, e que faria o possível para trazê-lo de volta ao seioda família...-Ele... Realmente falou isso?-Humpf... Ja... Foi por isso que ele decidiu pedir permissão para ser transferido aoscampos de concentração... E passou de campo em campo procurando seu irmão...

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-Até me encontrar em Auschwitz.-Então ele conseguiu! - Comemorou emocionada.-Se hoje estou aqui, é graças ajuda dele.-Tenho certeza!-E... Como você entrou na vida do meu irmão?

Partindo um pedaço de pão, ela revelou:-Tudo começou em um desfile militar... Papai era chefe de uma das tropas e acabamostrocando olhares. Alguns meses depois ele foi jantar em casa e após algumas trocas deolhares, ele pediu para me namorar ao papai.

Rimos.-Minha mãe não concordou muito com a idéia, mas papai adorou ter na família mais ummilitar...-Coisa de nazista?-Talvez!... Seis meses depois Patrick e eu nos casamos. Viemos morar aqui, com sua família... Alguns dias depois seu pai partiu para o Leste, e três meses depois seu irmão...-Foi ai que descobriu que estava grávida?-Cerca de uma semana após partir eu descobri a gravidez.

 No dia 06 de agosto de 1945, após seis meses de intenso bombardeio em 67 outrascidades japonesas, na ordem do então presidente estado-unidense Harry S. Truman que há poucos meses ocupava o cargo do falecido Franklin Delano Roosevelt, a bomba atômica" Little Boy"  cai sobre Hiroshima numa segunda-feira. Três dias após, em 09 de agosto, a"Fat Man"  caiu sobre a cidade de Nagasaki.

Os Bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki foram ataques nucleares contra oImpério Japonês, realizados pela Força Aérea dos Estados no fim da Segunda GuerraMundial. Historicamente, até agora estes foram os únicos ataques onde se utilizaram armasnucleares. As estimativas do número total de mortos variam entre 140 mil na cidade de

Hiroshima e 80 mil em Nagazaki. As estimativas se elevam quando contabilizadas asmortes posteriores devido à exposição à radiação, sendo que a maioria dos mortos eramcivís.

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Com o nome de Projeto Manhattan, os EUA projetaram e construíram as duas bombas atômicas com o auxílio do Reino Unido e Canadá, inicialmente para o uso contra aAlemanha nazista. Em 16 de julho de 1945 o dispositivo nuclear, chamado Gadget, foitestado em Los Alamos, no Novo México. As bombas de Hiroshima e Nagasaki foram asegunda e terceira a serem detonadas, sendo as únicas empregadas como armas dedestruição em massa.

A escolha dos "Alvos" foi feita a partir de interesses militares, mas sobretudo deinteresse político-econômico. Hiroshima e Nagasaki tratavam-se das regiões maisdesenvolvidas industrialmente do Japão na época, e ao fim da Segunda Guerra o Japão seriaa única potência que poderia desequilibrar o fluxo de capitais e mercadorias dos EUA,motivando os ataques a estes alvos.

As explosões nucleares, juntamente com a destruição das duas cidades somado as centenas demilhares de mortos em poucos segundos, levaram o Império do Japão à rendição incondicional no dia 15 deagosto de 1945, onde assinou o armistício em 02 de setembro na baía de Tóquio. Posteriormente, o papel dos

 bombardeios atômicos que levaram a rendição do Japão e findaram a Segunda Guerra seria motivo dediscussões e debates. Nos EUA o ponto de vista que prevalece é, claro, o do seu próprio interesse, onde afirmaque os bombardeios terminaram a guerra meses mais cedo do que haveria acontecido, salvando muitas vidasque seriam perdidas em ambos os lados caso a invasão planejada do Japão tivesse ocorrido. E no Japão, a

 população em geral acredita que os bombardeios foram desnecessários, uma vez que a preparação para arendição já estava em progresso em Tóquio.

Atualmente o Japão não possui exército ou qualquer força militar, tendo sua proteção fornecida pelovitorioso EUA após assinatura do armistício, bem como Alemanha.

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Capitulo 53

De volta em meu quarto, peguei o echarpe do Eliezer que havia deixadosobre a cama, dobrei e o guardei na primeira gaveta do armário. Todos os dias ao acordar eantes de dormir eu o tocava, cheirava tentando extrair a essência de sua pele, cheiro.

Alguém bateu a porta.-Entre! - Gritei.-Filho!-Mutter!... Por que não está descansando?-Queria vim ficar um pouquinho com você...-Claro! Venha...

Sentando-se a beira da cama, ela questionou:-O que é isso que você está segurando?-Humpf... Era o echarpe do Eliezer, Mutter.

Após um momento em silêncio, ela comentou seguido de um profundo suspiro:-Ainda não teve notícias dele?-Não...-E seus pais?-Foram mortos nas camaras de gás... Em Auschwitz...-Gott!-Tenho tanto medo que algo tenha acontecido com ele, Mutter...-Meu filho... Noticias ruins chegam depressa... Se algo de mal tivesse acontecido, você jáestaria sabendo...

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 Não consegui conter a emoção. Que vergonha! Chorei na frente de mamãe, perdido,sem saber o que fazer nem por onde começar. Deitei minha cabeça sobre seu colo,recebendo os afagos de uma mãe preocupada.-Cedo ou tarde receberemos noticias dele, meu filho...-A esperança me mantém vivo, Mutter.-Quem sabe se você anunciar seu nome nos jornais...-Não havia pensado nisso!-É uma alternativa.-Ja... Mas predendo ir ao Brasil o quanto antes.-Ao Brasil?-Ja... Marcamos de nos encontrar, caso nos perdêssemos, no Jardim da Luz...-E você acredita que o encontrará no Jardim da Luz?-Muito! Eu senti que naquele instante nossas almas uniriam-se, Mutter...-Humpf... Hans, tudo isso é tão difícil pra mim...-Eu sei, Mutter...-Mas não posso lhe recriminar... Você é meu filho, não vou lhe abandonar quando precisamais de mim.-Filho... Se for preciso ir ao Brasil para encontrar o Eliezer, nós iremos!-Nós? - Questionei emocionado.-Ja...-Mutter...

Abraçamos-nos. Eu já sabia que tinha uma mãe especial, mas naquele momento,descobri que ela era muito mais do que eu pensava e sabia.

Dois meses haviam se passado. Durante esse período levamos nossa vidanormalmente. Consegui um trabalho em uma revistaria próximo de casa, e assim comecei a juntar o dinheiro para o tão sonhado retorno ao Brasil.

Cansado, cheguei em casa louco por um banho. Fechei a porta e tirei o casaco, ocolocando sobre o sofá.-Hans!-Hallo, Mutter!-Veja... Veja! - Exclamava exibindo um papel nas mãos.-O que é isso, Mutter?-A resposta!... Alguém viu o nome do Eliezer no jornal e nos encaminhou essacorrespondência dizendo onde ele pode estar.

 Nesse momento quase desmaiei. Minhas pernas amoleceram, minhas mãos tremiam. Nervoso, peguei o papel, mas a ansiedade não me permitiam ler.-O que diz aqui, Mutter?

Após uma violenta tosse inesperada, mamãe respondeu-me:-Aqui diz que ele seguiu para Palestina...-Palestina?-Ja...-Mas... O que ele faria na Palestina?-Não é a terra do povo judeu?-Se é lá que ele está, é para lá que vou...

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-E se ele não estiver lá, Hans?-Só saberei se for descobrir...-Não necessariamente. - Disse Anne parada próxima a porta do corredor.-Como assim?

Adentrando a sala, ela dizia:-Desculpem pela minha intromissão, mas não pude deixar de ouvir...-Diga, Anne... O que você sabe?-Eu? Não sei de nada, dona Gisela... Mas minha mãe trabalha para o governo inglês, ecomo a Grã-Bretanha quem possui o controle palestino, achei que ela pudesse saber...-Será que ela poderá nos dizer se Eliezer Lovitz adentrou à Palestina?-Posso telefonar para ela amanhã pela manhã e descobrir.-Anne... Nem sei como lhe agradecer...-Imagina!... Eu digo que ele é o que seu?-Bem...-Diga que se trata de um conhecido muito querido de nossa família. - Interviu mamãe.-Humpf... Está bem... Vou ligar para ela na primeira hora do dia.-Danke!

Embora cansado, naquela noite nem consegui dormir direito, tamanha ansiedade. Ashoras pareciam não passar, a e única coisa que eu desejava naquele momento era que o diaclareasse.

Para os judeus, Eretz Israel tratava-se da terra onde seu povo permaneceracontinuamente por três mil anos. Mesmo depois da destruição de Jerusalém pelos romanose a expulsão dos judeus no Século II, os judeus mantiveram o sonho de retornar à sua pátria bíblica. A Palestina foi invadida pelos árabes por volta do Século VII, onde permaneceramapesar do território ter sido conquistado e reconquistado. Com o aumento do número de judeus seguindo para a Palestina fugindo de Adolf Hitler, os árabes temiam que os judeus

viessem a se tornar a maioria.Desde a Primeira Guerra Mundial os britânicos governaram o território palestino,

dividido pelo mandato da Liga das Nações, na intenção de apaziguar árabes e judeus, alémde proteger seus próprios interesses imperialistas no Oriente Médio. Apesar da promessa britânica de estabelecer um território nacional para os judeus, se viram obrigados a mudaros planos políticos devido a grande pressão dos árabes. Em 1939, os britânicos emitiramum documento onde tornava restrita a imigração de judeus para terras palestinas, e já em junho de 1945 a Grã-Bretanha passou a permitir a entrada somente de 1500 judeus por mês.

A Segunda Guerra Mundial deixou a Europa em ruínas, e na Alemanha cerca de onze milhões derefugiados vagando pelas ruas devastadas, dominados pela fome, doenças e desespero. O exército aliadotentava manter a ordem em meio à anarquia e o caos que encontravam. Já os refugiados chegavam de todaEuropa Oriental, Rússia e Países Bálticos, sendo todos classificados oficialmente como Migrantes Forçados.

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"Éramos odiados porque havíamos voltado da morte. Eles consideravam queestávamos mortos e enterrados. Estavam muito felizes porque não havia mais judeus e nem problemas com os judeus. Nosso retorno foi uma dolorosa surpresa para eles. Olhavam para nós como se fossemos fantasmas e ninguém gosta de fantasmas." - Depoimento de umsobrevivente. 

"Os tchecos olhavam para você e diziam: - Como você ousa voltar pra cá. Na Polônia o anti-semitismo era pior, eles matariam você por ter voltado." - Depoimento deum sobrevivente. 

Após falar com sua mãe no Reino-Unido, Anne bateu à porta do meu quarto paracontar-me a notícia:-Entre! - Pedi.-Estava dormindo?-Não... Não consegui pregar o olho a noite inteira. - Comentei sentando-me à cama.

Adentrando ao quarto, ela comentou:-Falei com minha mãe e depois de consultar uma listagem de judeus que adentraram à Palestina, Eliezer Lovitz não está na lista.-Humpf... Meu Deus! Será que ele entrou com outro nome?-Essa hipótese não faz sentido, mas caso tenha acontecido, se tornará quase impossívelessa procura...

Desanimei.-Aceita uma outra sugestão?-Ja!-Pelas ruas existem listas com os nomes dos judeus libertados dos campos deconcentração. O que acha de ir até lá checar?

-Você iria comigo?-Mas é claro que sim!-Danke, Anne!

Enquanto tomávamos café, mamãe comentou elevando sua xícara a boca:-Anne contou-me que irá acompanhá-lo para checar as listagens com os nomes dos judeus...-Ja... Fico muito grato a ela, Mutter.-Se for preciso eu ir às ruas ajudar, também farei.-Não! A senhora está doente, não deve ficar se esforçando.-Hans tem razão, dona Gisela. Iremos eu e ele, a senhora fica em casa descansando nacompanhia de Katharina...

-Vocês têm certeza? Gostaria tanto de ajudá-los...-Mas Mutter...-Por favor, Hans?-Humpf... Está bem. Vamos todos então.

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Depois de tomarmos nosso café da manhã, nos preparamos para ir às ruas. Enquantodescíamos as escadas, mamãe comentou:-Filho...-Ja?-Será que nossa história teria sido diferente se nossa família fosse unida como está agora?-A senhora tem alguma dúvida?

Silêncio. Cruzamos o portão da rua. Segurando Katharina no colo, caminhei sentidoa praça. As ruas já estavam mais limpas do que quando cheguei, e o transporte público aos poucos foi retomando a normalidade.-Tio... Olha!  - Apontou Katharina para um grupo de soldados do Exército Vermelho que passavam por nós.

Parei. Só de vê-los passar por nós, todas as lembranças ruins em que passei vieram àtona. Agora eu sabia que o inferno era na Terra.-Hans... Hans... Hans! - Chamava mamãe.-Ja?-Está tudo bem?-Algumas recordações... Apenas isso...-Você ficou pálido de repente!-Não é nada...

Com o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, o que restou da derrotadaAlemanha foi dividido em quatro zonas de ocupação. Cada zona passou a ser controlada por uma das quatro potências aliadas, sendo elas: Estados Unidos, França, Reino Unido eUnião Soviética. Já Berlim, capital e sede do Conselho de Controle Aliado, foi igualmentedividida em quatro setores, mesmo estando situada bem no meio da zona soviética.

 Nos dois anos seguintes ocorreram divisões entre soviéticos e as outras potênciasaliadas, porém, os russos se negavam a contribuir com os planos de reconstrução para uma

Alemanha pós-guerra, auto-suficiente e detalhamento contábil das infra-estruturasindustriais e instalações já removidas pelos próprios soviéticos. França, Estados Unidos,Reino Unido e países do Benelux reuniram-se para que mais tarde fossem transformadas aszonas não-soviéticas do país em zonas de reconstrução, aprovando a ampliação do PlanoMarshall para reconstruir a Europa para a Alemanha.

Em 1945 Stalin chegou a revelar aos líderes alemães comunistas que pretendiaenfraquecer aos poucos a posição Britânica em sua zona de ocupação, que os EUAretirariam sua ocupação em no máximo dois anos. Após isso, nada mais impediria umaAlemanha unificada sob controle comunista soviético. A principal função do PartidoComunista na zona Soviética alemã foi encobrir as ordens russas através de suaadministração, simulando para outras zonas de ocupação que tratavam-se de iniciativas

 próprias. Enquanto isso, a propriedade e a indústria foram nacionalizadas na zona deocupação Soviética.

 No ano de 1948 Stalin instituiu o Bloqueio de Berlim, impedindo que suprimentos ealimentos pudessem chegar a Berlim Ocidental após um desentendimento sobre areconstrução do país e uma nova moeda alemã.

Apontando para um poste do outro lado da rua, Anne exclamou:-Vejam! As listas!

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Atravessamos à rua. Em volta de um mural haviam algumas pessoas procurandoentre os nomes das listas divulgadas seus parentes, amigos, entes-queridos. Algumasmulheres se desesperavam por não encontrar quem procuravam. Sua dor era compreensível,claro, pois só quem passou por determinada situação sabe a dor e trauma que nosacometeria para sempre.

Enquanto procurávamos, nos dividimos em três. Mamãe começou pela ponta, ondehavia várias pessoas com sobrenome Lovitz, enquanto eu checava o final da lista, ondetambém haviam Lovitz.-Achei! Hans... Achei! - Comemorava mamãe.

Pensei que meu coração fosse sair pela boca. Com Katharina corri até onde mamãeestava, procurando ansiosamente pelo nome do meu grande amor.

LANG, MariaKLEIN, JackLOVITZ, ElieserBLAT, IshmaelGELTSCHIMIDT, EnochTHAL, Berger

Ao ler, desanimei-me. Aquele não era o nome do Eliezer, mas sim de outra pessoa.-Não... O nome do Eliezer não escreve com S, Mutter...-Se estivessem catalogados por ordem alfabética, ficaria mais fácil de identificar.

Aquela lista mais parecia um improviso, pois os nomes estavam catalogados deforma aleatória, tomando de nós um bom tempo. No final da tarde terminamos a checagem. Nada de encontrá-lo. O meu Eliezer havia sumido da História como se nunca houvesseexistido. Assim como ele, quantas outras pessoas tiveram suas vidas apagadas como cinzas

ao vento? No final do verão, milhões de refugiados voltaram para suas casas e para os

familiares. Mas não os judeus, pois esses não tinham para onde voltar.

"Todos aqueles dias lutamos para sobreviver. Hora após hora, dia após dia, e nãotivemos tempo de compreender a monstruosidade da nossa tragédia. Agora tudo estavaclaro. Nossas famílias já não esperavam mais por nós, não tínhamos um lar para o qual pudéssemos voltar. Para nós a vitória havia chegado tarde demais." - Depoimento de umsobrevivente. 

Assassinado por guerrilheiros da Resistência italianaBenito em 28 de abril de 1945, Amilcare AndreaMussolini fundou a República Social Italiana (conhecida como República de Salò), ao Norte do país.Juntamente com sua esposa Claretta Petacci, tiveram seus corpos expostos à excração pública durante dias, naPiazza Loreto em Milão.

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Capitulo 53

Voltamos para casa.  Enquanto subíamos as escadas, um sentimento de perda remoia dentro de mim. Segurei-me para não chorar diante de mamãe que comentou:-Será que um dia o mundo terá paz?-Dona Gisela, todos nós esperamos que as guerras acabem...

Com o fim da Primeira Guerra Mundial em 1919, sentiu-se a necessidade de umaorganização internacional com objetivo de arbitrar os conflitos e manter a paz entre asnações, criando-se então a Liga das Nações. Embora fosse estabelecida para esse fim, no

 período entre guerras, de 1919 a 1939, sua ação foi limitada devido a oposições entre paíseseuropeus, pois na década de 1930, Itália e Alemanha passaram a demonstrar interesse porum novo conflito mundial. Não demorou muito e a Segunda Guerra foi declarada, e comela sentiu-se novamente a necessidade de uma organização com o mesmo caráter da Ligadas Nações, pois a mesma havia fracassado.

 No ano de 1945, em uma conferência realizada na cidade de San Francisco nosEUA, reunindo representantes de cinquenta países do Bloco Aliado, foi assinada a Carta decriação de uma nova organização. Com sede em Nova York, essa nova organização deveriater como objetivos evitar guerras, defender os Direitos Humanos, promover oDesenvolvimento mundial, paz e segurança mundial, entre outros. E foi no dia 24 deoutubro de 1945 estabeleceu-se a Organização das Nações Unidas (ONU).

Teoricamente as coisas funcionariam perfeitamente, porém, muito diferentes na prática. Outrasguerras vieram, tal como a do Iraque, Vietnã, Guerra Fria, e a ONU pouco fez, tendo sua autoridadedesrespeitada por um de seus criadores, os Estados Unidos da América. As atrocidades e desrespeitos contraos direitos humanos continuam em toda parte do mundo, e países ameaçam declarar guerras contra aquelesque os impedirem de criar suas próprias bombas atômicas, mesmo não assumidamente revelada, como fazema Coreia do Norte e o Irã.

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Alguns dias se passaram. Tudo parecia normal, um dia tranqüilo como qualqueroutro. Levantei-me antes de todo mundo e resolvi preparar o café da manhã. Enquanto aágua aquecia, resolvi espiar mamãe em seu quarto. Abri a porta lentamente, para que nãoacordasse. Quando me aproximei de sua cama notei que mamãe estava suando demais.-Mutter... Mutter...

Percebendo que ela não respondi, corri para chamar um médico.-Hans... Você fez muito bem em ter me chamado... Por pouco sua mãe não infartou.  - Disseo médico após examina-la.-Ela vai ficar bem, doutor?-Ja... Mas eu gostaria de conversar com você lá fora. Pode ser?-Podemos.

Deixamos que mamãe descanse em sua cama e seguimos até a sala, onde o doutorrevelou-me sua real situação:-Infelizmente, Hans, sua mãe não possui muito tempo de vida...-Doutor!-O coração da senhora Fischer está muito fraco, à beira de um infarto...-Não pode ser! - Exclamei sentando-me ao sofá, chorando, em prantos.

Adentrando a sala, ainda sem saber de nada, Anne questionou:-Hans?... O que houve?-A senhora é parente da senhora Fischer?-Sou sua nora... Anne Fischer.-Senhora, sua sogra está passando por um momento conturbado de sua saúde... Comoexplicava ao senhor Hans, o coração da senhora Fischer está muito fraco, não resistirá por muito tempo.-Gott! E o que podemos fazer para ajudá-la?-Evitar que ela fique nervosa, e mante-la em repouso.

-Pode ter certeza que faremos o que estiver ao nosso alcanse, doutor.-Tenho certeza que sim. Agora eu vou indo, e caso precisem, contatem-me com urgência.-Danke, doutor.

Acompanhei o doutor até a porta, transtornado.-Não fique assim, Hans... A dona Gisela ficará bem!-Minha mãe é a única pessoa que me restou nessa vida... Entende?-Eu imagino como você deve estar se sentindo... 

Sentando-se ao meu lado no sofá, ela continuou:-Quando perdi meu pai para essa guerra, achei também que mais nada no mundo meconsolaria, com o tempo fui me conformando... É a lei da vida... A relação dos meus paistambém não foi fácil...

-Como assim?-Meu pai era alemão e minha mãe inglesa. Depois que essa guerra começou, tiveram que se separar... Mas papai optou pelo exército nazista porque quis... E como mamãe játrabalhava para o governo inglês, decidiu continuar. Foi ai que papai veio morar na Alemanha por conta de sua escolha militar, enquanto eu e mamãe permanecemos em Londres.

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-E como conheceu meu irmão então?-Uma vez que viemos visitá-lo, acabamos assistindo em desfile da Gestapo. Papai estavatão feliz que nos encheu de alegria, e foi nesse mesmo dia que fomos apresentados, Patricke eu.

Levantando-me do sofá, comentei:-Vou me arrumar, se não chegarei atrasado no trabalho. Enquanto eu não estiver em casa,cuide bem da minha mãe por mim?-Pode deixar! Agora vou preparar uma sopa de legumes para ela...

 Naquela tarde trabalhei bastante, sempre de olho nas notícias dos jornais, naesperança de encontrar alguma pista que me levasse ao Eliezer.-O que está fazendo, Hans? - Perguntou meu patrão.-Estou tentando obter notícias de um velho amigo, senhor Hoffmeister.-Ele é um refugiado da guerra?-Ja.-E você já tentou procurá-lo nos campos de refugiados?

Indesejados e desabrigados, os judeus sobreviventes se reuniram na zona americanada Alemanha e da Áustria. Em ex-campos de trabalho forçado, estábulos e camposesportivos, foram criados mais de quinhentos centros para refugiados. Os centros menores poderiam abrigar entre cinquenta e quinhentos refugiados, já os maiores, mais de cinco mil.

Os migrantes forçados eram encaminhados para os acampamentos conforme seu país de origem, enquanto os judeus misturavam-se a população geral, da qual incluíaucranianos, lituanos, croatas e estonianos, sendo que muitos desses haviam adentrado naAlemanha durante a guerra para ajudar os nazistas.

George S. Patton Jr., general americano, insistia que cada acampamento fossecercado com arame farpado vigilância dos detentos por guardas armados.

Cheguei em casa já havia anoitecido. Segui até meu quarto, abri a gaveta e peguei o

echarpe do Eliezer. Quanta saudade! De olhos fechados, o abracei. Era a única coisa que eutinha do meu grande amor, pois nem um retrato sobrou para registrar sua passagem pelaHistória. Nossas almas estavam tão ligadas que eu conseguia sentir seu calor, seu cheiro,sua respiração ao meu ouvido.-Hans... Hans! - Chamava mamãe de seu quarto.

Deixei o echarpe sobre a cama e segui até onde ela estava, abrindo lentamente a porta ao mesmo tempo em que questionava:-Chamou, Mutter?

Estendendo sua mão, ela pedia:-Aproxime-se...-Estou aqui, Mutter... Está tudo bem?

-Meu filho... Pode me dar um abraço?-Mas é claro! - Respondi abraçando-a.-Agora estou pronta!-Pronta? Do que a senhora está falando, Mutter?-Chegou a hora da despedido, Hans.

Meus olhos encheram de lágrimas.-Despedida? Do que a senhora está falando?

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-Filho... Eu estou partindo...-Mutter... Não diga bobagens!

Segurando forte em minha mão ela pediu:-Jamais desista, filho... Jamais desista de seu objetivo.-Mutter...-Agora eu já posso ir em paz,-Pare com isso, Mutter... Não me deixe aqui sozinho...-Aonde quer que eu vá, jamais lhe deixarei...-Mutter...-Te amo, meu filho!-Mutter... Mutter... Não! Não! Mutter...

Assustada, Anne adentrou ao quarto questionando:-O que houve?-Anne... Minha mãe ta morrendo!-Dona Gisela... Dona Gisela!...-Temos que pedir socorro! - Gritei levantando-me.-Hans... Não adianta! Sua mãe... Faleceu!

Ouvir aquela notícia foi como receber uma facada no peito. Naquele momento euqueria que uma bomba caísse sobre mim, que o chão se abrisse e me levasse em um buracosem fim.

Ao declarar que era chegada a hora da "solução final", o número de judeus quefugiam para Israel aumentou. Para eles, a Palestina era a Terra Prometida, para ondelevaram seu potencial financeiro e tecnológico, iniciando a construção de um país. Mas aregião já estava ocupada por uma sociedade de cultura e tradição muito antigas, tantoquanto às dos recém-chegados, com a diferença que, no Oriente, 65% da população era pobre e analfabeta.

Com o poio do Canadá, juntamente com a maioria da Europa capitalista, em 1949 os EUA criaram aOTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma aliança militar com objetivo de proteçãointernacional caso haja um suposto ataque de países do leste europeu. Em resposta à OTAN, a URSS firmouem 1955 entre seus aliados o Pacto de Varsóvia, com intúito de unir forças militares da Europa Oriental. Em

 pouco tempo as alianças militares estavam em pleno funcionamento, onde qualquer conflito entre dois paísesintegrantes poderia ocasionar em uma guerra nunca vista antes.

 Naquele mesmo ano (1949) a URSS testava seu primeiro dispositivo nuclear.

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Com o término da Segunda Guerra Mundial, a recém-criada ONU propõe umadivisão da Palestina, tornando-se Estados: um Estado árabe e um Estado judeu. Juntamentecom o apoio de países árabes, a União Soviética rejeitam tal proposta. Para os judeus queescapara do Holocausto, Israel tratava-se do paraíso que tanto esperaram, mas para os palestinos, sua ocupação por judeus tratava-se de uma grande injustiça ao permitir que suaterra fosse ocupada por pessoas recém-chegada.

Em meio a protestos e recusas, no dia 14 de maio de 1948 foi proclamada a criaçãodo Estado de Israel, assinada por Ben Gurion. Em seguida os ingleses se retiram e, quaseque imediatamente, o Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria atacam Israel. Mas foramderrotados em poucos meses. Setecentos e cinqüenta mil palestinos tiveram que abandonaro país, passando a ser exilados. Neste êxodo, nascia outro povo. Dava-se início a um novodrama: o dos refugiados palestinos.

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Capitulo 54

Apos a morte da mamae, Anne foi morar em Londres com seus familiaresmaternos, enquanto eu vendi nossa antiga casa e me mudei para o Brasil. Durante todo essetempo, não deixei de procurar um só dia por notícias que me levassem ao paradeiro doEliezer, todas elas sem sucesso.

 Na madrugada do dia 13 de agosto de agosto de 1961 as forças armadas bloquearam

as conexões de trânsito à Berlim Ocidental. A população acordara com algo até entãoinacreditável, um muro que dividia a campital em duas, apoiadas por forças soviéticas preparadas à luta, nos pontos de fronteira para os acessos ocidentais. Todas as conexões detrânsito ficaram interrompidas. Assim nascia o famoso Muro de Berlim.

O Muro de Berlim tratava-se de uma barreira física, erguida pela República Democrática Alemã(Alemanha Oriental) durante o período da Guerra Fria, circundando toda a Berlim Ocidental e separando-a da

 parte Oriental. Além de dividir Berlim ao meio, o muro representava a divisão do mundo em dois blocos,sendo República Federal da Alemanha, do qual era controlado pelos EUA. Já o lado da RepúblicaDemocrática Alemã (RDA) era dominado pelos socialistas e simpatizantes do regime soviético.

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Acordei cedo naquela manhã de 08 de novembro de 2005. Levantei ansioso,otimista, esperançoso. Tomei café da manhã, saboreando um delicioso Strudel de cerejas,como há anos não provava.

O relógio da sala marcavam 08h05 quando sai de casa. Tranquei a porta e segui emdireção ao ponto do ônibus com minha inseparável bengala. A dificuldade para andar fazia-me caminhar lentamente. Segui em direção ao Jardim da Luz, na esperança de reencontrar omeu amor.

Ao chegar na estação de trem já comecei a perceber as mudanças que o tempotrouxe. A estação da Luz toda reformada, moderna. A Pinacoteca fazendo parte do parque,em estilo rústico. Quanta mudança!

Cruzei a rua e entrei no parque, emocionado. Tudo estava muito diferente, porém,algo não havia mudado. Lá estava ela, a velha fonte, esquecida pela modernidade, masrecheada de histórias, segredos. Obras de arte se espalhavam por todo o jardim,despercebidas pela pressa das pessoas que por ali passavam.

Meu peito doía, e a saudade acumulada em todos esses anos matava-me por dentro.Uma lágrima desceu. A única lembrança que eu tinha do Eliezer era aquele seu echarpexadrez, porque sua imagem existia apenas em minha memória.

Aproximei-me da fonte. O dia estava lindo, ensolarado. Os pássaros cantavam comona chegada da primavera, e a brisa leve acariciava minha face cansada e enrugada. Derepente o sol deu lugar às nuvens, e uma leve garoa começava se formar. O cheiro de gramamolhada se fez presente, trazendo a nostalgia dos velhos tempos de infância.

Debrucei-me um pouco para ver aquelas sujas águas da fonte, esquecida por todos.Enquanto observava meu reflexo à água parada, minhas lágrimas se misturavam a elas,desejando o tão sonhado encontro com o meu amor.

 Naquele momento ouvi chamar meu nome:-Hans!

Assustei. Aquela voz eu conhecia. Provavelmente era a idade que estava medeixando louco, imaginando coisas. Mas logo a verdade se fez presente. O reflexo da águamostrava-me a imagem de um jovem garoto, o mesmo que deixou o Brasil contra suavontade e encontrou na Alemanha sua razão de viver. Ali estava, refletida entre folhas elágrimas minha imagem de menino.-Hans! - Chamou-me novamente aquela voz.

Olhei para trás e avistei o que parecia um sonho. Lá estava o Eliezer, sorrindo paramim, lindo, todo arrumado como se fosse a uma festa. Naquele momento minha bengalacaiu ao chão, e minhas pernas já não doíam mais. Reparei que ao nosso redor tudo estava setransformando, onde senhoras caminhavam com seus longos vestidos e sombrinhas, oshomens com seus chapeis, casacos, exatamente como acontecia quando eu o visitava na

infância. De longe avistei um bonde passar, cenário exatamente igual ao da década de 1930.Realmente acreditei que estava vivendo um sonho.

Aproximando-se de mim, com o sorriso mais lindo do mundo, o Eliezer exclamou:-Como você demorou! Eu estava te esperando...-Eliezer... É você?

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-Claro que sou eu, bobo!Caminhei em sua direção, correndo como um menino.

-Eli!... Eu estou sonhando?Rindo, ele respondeu:

-Não! É a mais absoluta realidade... A nossa realidade!Eu já não sentia mais dor nas articulações, apenas uma sensação de alívio no peito.

Meu corpo estava leve, e tudo ao que meus olhos alcançavam acompanhou-me no tempo.-Mas... Não pode ser! Eliezer... Eu morri?

Segurando em minhas mãos ele soltou uma breve gargalhada, respondendo com umsereno tom de voz:-Não... Você começou a viver agora!-Hans! - Chamou-me alguém atrás de mim.

Ao me virar avistei mamãe correndo em minha direção.-Mutter!?-Filho!...-Mutter!... Mutter!...-Você não sabe o quanto esperamos por você!... Quanta saudade!-Mutter... Como a senhora está bonita! - Exclamei abraçando-a.

Pouco a pouco fui avistando outras pessoas chegarem, e entre elas estavam vovôPeter e a vovó, o senhor e senhora Lovitz, que logo me abraçaram contentes, Patrick,senhor Dirk, quanta gente!-Eli... Você não tem idéia do que estou sentindo agora... - Comentei chorando feito criança.-Eu sei, Hans... Eu sinto tudo que você sente. A partir de agora, ninguém mais irá nos separar.-Não?-Não! Eu vim te buscar... Vou te levar comigo!

-Jura!? Aonde vamos?-Ao reino dos eternos apaixonados, Hans...

Demos um forte abraço, e a partir de então, a concretização do amor eterno. Foinaquele momento que tive a certeza de que um amor verdadeiro, jamais se deixa morrer. Avida é uma passagem, da qual levamos apenas nossa consciência e nosso amor.

Hans Fischer

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“Eu realmente acreditei que venceríamos.” - Adolf Hitler

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CONSIDERACOES FINAIS

Foi cansativo, trabalhoso, mas valeu à pena. Foram dois anos de dedicação à pesquisas, horas assistindo filmes, documentários, de leitura e revisões. Quando iniciei esselivro, não fazia idéia da repercussão que ela traria. O Jardim da Luz foi sem dúvida a obramais longa e complexa que já escrevi até então, e mesmo sendo recheado de detalhes einformações omitidas em nossas aulas de História no colégio, não foi possível detalhar ecitar outros acontecimentos dentro desses anos em que a guerra se intensificou, tal como ODia D e os atentados à Hitler, por exemplo. Ainda existem muitas coisas a serem faladas,mas que não caberiam apenas em 2 livros. Por isso, resumi as informações colhidas ao

máximo, transformando-as em um romance repleto de conflitos, tendo a Fome, Dor, Frio eMedo, superados pelo verdadeiro Amor.Eu não entendia o que foi Adolf Hitler, até estudar sua história. Seus ideais

começaram a fazer sentido, assim como seus propósitos, e embora eu concorde com alguns,não significa que eu apoie seu método de prática dos mesmos. Todos aqueles que estudam oassunto (Ou sua grande maioria) se fascinam, alguns até se arriscam quando se auto-denominam Neo-Nazistas, repetindo aquilo que o poder Nazista exerceu de ruim.

A Segunda Guerra Mundial significou muito mais do que o massacre de 6milhões de judeus. Ela mudou o curso do mundo. É injusto quando citam apenas os Judeuscomo vítimas desse tenebroso período de conflitos, tendo em vista que milhões de outrosinocentes também foram vítimas, violência vinda de todos os cantos do mundo pordiferentes motivos. Na época em que a crise na Alemanha levava seu povo à miséria, os judeus eram os únicos que ainda conseguiam manter um bom padrão de vida, porém,recusavam-se a compartilhar o que tinham se não entre eles mesmos. Isso foi uma dasrevoltas de Adolf Hitler, que considerou a fortuna deles como sendo fruto de exploraçãodos próprios alemães, tomando conta das casas e famílias germânicas após a derrota do paísna Primeira Guerra. Ao seu modo, os Judeus não foram integralmente os mocinhos dahistória, tendo em vista que muitos se omitiram à condição, contribuiram para os feitos doFührer e até mesmo se aproveitaram da exploração de seu próprio povo.

Atualmente, temos o exemplo de Israel e Palestina. Depois de sanções ao país,Israel bombardeou um navio em missão de paz que desafiou seus embargos levandocomida para parte da Palestina. Onde está aquele povo pacífico, que fora vítima deatrocidades sem revidar? Onde está a Paz prometida com a criação desse Estado após aguerra?

As respostas do certo ou errado está dentro de cada um. Reflitam sobre ascausas, julgue imparcialmente e assim chegarão às conclusões que jamais pensou um diaexistir.

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LIVROS

CORES, Jiménez Pablo. A estratégia de Hitler . 1. Ed. São Paulo: Madras, 2006.ALLEGRITTI, Pablo. O Clã de Hitler . 1. ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2006.ABRAHAM, Ben. …e o mundo silenciou. 1. ed. São Paulo: Sherit Hapleita.ABRAHAM, Ben. Holocausto. 1. ed. São Paulo: Sherit HapleitaHITLER, Adolf. Mein kampf . Centauro, 2001. 

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 REVISTAS

Título: Hitler –  Simbologia e OcultismoEditora: Escala

Edição: 01

Título: HolocaustoEditora: EscalaEdição: 01

Título: II Guerra Mundial - Campos de ConcentraçãoEditora: EscalaEdição: 01

FILMES

Título: Europa Europa (Filhos da guerra)Diretor: Agnieszka HollandAno: 1990Distribuição: SpectraPaís de origem: Alemanha / França / Polônia

Título: O Pianista (Le Pianiste)Diretor: Roman PolanskiAno: 2002

Distribuição: Europa FilmesPaís de origem: França

Título: O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank)Diretor: George StevensAno: 1959Distribuição: Fox Home EntertainmentPaís de origem: EUA

Título: A Noiva de Frankenstein (Bride of Frankenstein)Diretor: James WhaleAno: 1935

Distribuição: Universal PicturesPaís de origem: EUA 

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Título: O 9º Dia (Der Neunte Tag)Diretor: Volker SchlöndorffAno: 2004Distribuição: Imagem Filmes

País de origem: Alemanha

Título: O menino do pijama listrado (The boy in the striped pyjamas)Diretor: Mark HermanAno: 2008Distribuição: Buena VistaPaís de origem: Reino Unido

Título: BentDiretor: Sean MathiasAno: 1997

Distribuição: Goldwyn Entertainment CompanyPaís de origem: Inglaterra

Título: O resgate do soldado Ryan (Saving Private Ryan)Diretor: Steven SpielbergAno: 1998Distribuição: DreamWorks Distribution L.L.C. / Paramount Pictures / UIPPaís de origem: EUA 

DOCUMENTARIOS

Título: Marcha para vitória - A caminho de Berlim. (A ascensão de Hitler)Distribuição: Focus Filmes

Título: Marcha para vitória - A caminho de Berlim (A batalha da Inglaterra)Distribuição: Focus Filmes

Título: Marcha para vitória - A caminho de Tóquio (Pearl Harbor)Distribuição: Focus Filmes

Título: A vida secreta de Adolf Hitler (The secret life of Adolf Hitler)Distribuição: CMG

Título: O ataque Nazista (The Nazis strike)Diretor: Frank Capra / Anatole LitvakDistribuição: LIDER

Título: Genocídio (Genocide)Diretor: Arnold SchwartzmanDistribuição: Focus Filmes

Page 193: O Jardim Da Luz 2 - O Reencontro Do Amor Eterno

8/10/2019 O Jardim Da Luz 2 - O Reencontro Do Amor Eterno

http://slidepdf.com/reader/full/o-jardim-da-luz-2-o-reencontro-do-amor-eterno 193/193

O Jardim da Luz

Título: Eu nunca te esqueci (I Have Never Forgotten You: The Life & Legacy of SimonWiesenthal)Diretor: Richard TrankDistribuição: Focus Filmes

Título: Nunca mais (Ever again)Diretor: Richard TrankDistribuição: Focus Filmes

Título: Libertação 1945 (Liberation)Diretor: Arnold SchwartzmanDistribuição: Focus Filmes

Título: Ecos do passadoDistribuição: Focus Filmes

Título: O longo caminho para casa