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O JUÍZO SOBRE O JUIZ (O) OS JUÍZES NÃO TÊM HONRA? ANA LÚCIA SOARES GOMES ___________________________________________________ Dissertação de Mestrado em Comunicação, Media e Justiça Setembro de 2012

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O JUÍZO SOBRE O JUIZ (O)

OS JUÍZES NÃO TÊM HONRA?

ANA LÚCIA SOARES GOMES

___________________________________________________

Dissertação de Mestrado em Comunicação, Media e Justiça

Setembro de 2012

ii

Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em Comunicação, Media e Justiça, realizada sob a orientação científica

do senhor Professor Doutor Hermenegildo Ferreira Borges e co-orientação da senhora

Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues

iii

A todos os juízes e juízas

iv

AGRADECIMENTOS

Aos orientadores, diz Eco, não deve agradecer-se, no pressuposto de que não

terão feito mais do que a sua obrigação. No entanto, o agradecimento impõe-se pois

sem a sua colaboração o caminho teria sido trilhado com muito menos confiança.

Ao senhor Procurador e Professor convidado Plácido Conde Fernandes que deu

estímulo à primeira reflexão quando, entre outros, apresentou para exploração o texto

do autor espanhol Jesus Morate, também juiz, sob o título «El juez como objeto de la

critica por los medios de comunicación. Adecuación y extralimitación de la critica.

Formas de reacción frente a las extralimitaciones».

Ao senhor Professor Rogério Ferreira de Andrade que, na parte letiva,

apresentou a matéria atinente às organizações e comunicação estratégica, abrindo

uma janela cheia de perguntas.

Ao Conselho Superior da Magistratura que colaborou na viabilização da

divulgação pelos destinatários do link de acesso ao questionário elaborado.

Aos juízes que com entusiasmo participaram no inquérito que lhes foi dirigido.

v

RESUMO: Este trabalho tem por tema o juiz como objeto de crítica na sociedade contemporânea, democrática, maxime, europeia, marcada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que tem dado ênfase à liberdade de expressão. Tem início, porém, com a análise de conceitos prévios como o de Justiça e o de ”bom juiz”, a organização do sistema de justiça em Portugal e da própria liberdade de expressão, para analisar, depois, os juízos formulados sobre o juiz (pessoa, procedimento) ou sobre o seu juízo (decisão). Partindo então da afirmação do princípio da liberdade de expressão, desenvolve-se o trabalho tendo por referência um dos fins das limitações que o art. 10.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem contempla, a saber, a garantia da autoridade e imparcialidade do poder judicial, além da honra. São enunciadas algumas decisões judicias nacionais e analisadas outras europeias e, regressando ao contexto nacional, referem-se as reações aos abusos da liberdade de expressão, com especial relevo para a dimensão criminal do fenómeno, adiantando possíveis caminhos quer neste domínio, quer no campo da reputação dos tribunais e juízes, objeto do exercício da liberdade antes afirmada.

ABSTRACT: This work is about the judge as an object of criticism in contemporary European society. The European Court of Human Rights has set freedom of speech as a top priority. After reviewing the concept of justice, as well as the assumptions on what a good judge might be, I analyse the Portuguese judicial system take on the freedom of speech. My goal is to measure how the freedom of speech is manipulated by the Portuguese press regarding court decisions. Finally, I suggest ways of framing freedom of speech within the Portuguese judiciary system in regard to the Portuguese press and the handling of verdicts.

O JUIZO SOBRE O JUIZ(O) – OS JUÍZES NÃO TÊM HONRA ?

PUBLIC OPINION AND JUSTICE: IS THE JUDGE UNTOUCHABLE?

ANA LÚCIA SOARES GOMES

PALAVRAS-CHAVE: autoridade do poder judicial; crime; crítica; democracia; direito de resposta; honra; imparcialidade; indemnização; jornalista; juiz; Justiça; lei; liberdade de expressão; media; reputação; separação de poderes; tribunais; verdade.

KEYWORDS: Courts, crime, criticism, democracy, freedom of speech, honour,

impartiality, journalist, judge, judiciary authority, justice, law, media, reputation, right

to reply, separation of powers, settlement, truth

vi

ÍNDICE

ÍNDICE ....................................................................................................................................................... VI

NOTA PRÉVIA ............................................................................................................................................ IX

INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................1

I. A JUSTIÇA ..................................................................................................................................................3

1.1. A VIRTUDE, O VALOR E O RESULTADO DA AÇÃO DOS HOMENS ..........................................................................3

1.2. A DEMOCRACIA E A SEPARAÇÃO DE PODERES................................................................................................7

1.3. A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA DE JUSTIÇA: OS TRIBUNAIS ..............................................................................12

1.4. A VERDADE PROCESSUAL........................................................................................................................14

II. O JUIZ .....................................................................................................................................................17

2.1. AS FUNÇÕES EM GERAL E O ATO DE JULGAR EM PARTICULAR..........................................................................18

2.2. O JUIZ E A LEI.......................................................................................................................................21

2.2.1.A perpetuidade das leis vs. a inflação legislativa......................................................................22

2.2.2. A lei clara vs. a lei embrulhada ................................................................................................24

2.2.3. O dever de obediência à lei vs. a lei injusta .............................................................................25

2.3. O JUIZ PERFEITO: CARACTERÍSTICAS DO BOM JUIZ........................................................................................27

2.3.1. A pessoa ...................................................................................................................................27

2.3.2. O procedimento: cumprindo os princípios do contraditório, da imediação e da imparcialidade

...........................................................................................................................................................32

2.3.3. A decisão: Como fundamentar? Como comunicar? .................................................................34

III. A JUSTIÇA E OS MEDIA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO ......................................................................40

3.1. A LIBERDADE DE PENSAMENTO E DE EXPRESSÃO E O DIREITO AO INSULTO.........................................................40

3.2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO: UM VALOR ABSOLUTO? O ART. 10.º, N.º 1, DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO

HOMEM ....................................................................................................................................................44

3.3. MEDIA VS. JUSTIÇA/JUIZ VS. JORNALISTA ? ................................................................................................47

IV. O JUÍZO SOBRE O JUIZ(O) .....................................................................................................................57

4.1. A CRÍTICA EM GERAL E A HONRA ..............................................................................................................57

4.2. A CRÍTICA AO JUIZ.................................................................................................................................60

4.2.1. A pessoa ...................................................................................................................................60

4.2.2. O procedimento: alguns problemas como a lentidão excessiva, a televisão na audiência e

fatores conexos à independência.......................................................................................................62

4.2.3. A decisão ..................................................................................................................................69

4.3. A CRÍTICA INTERNA – INFORMAL E INSTITUCIONAL (OS RECURSOS E AS INSPEÇÕES) ............................................70

4.4. A CRÍTICA PÚBLICA (ATRAVÉS DOS MEDIA) .................................................................................................73

4.5. A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM: A AUTORIDADE E A IMPARCIALIDADE DO PODER JUDICIAL

PREVISTA NO N.º 2 DO ART. 10.º DA CONVENÇÃO .............................................................................................75

4.6. A JURISPRUDÊNCIA ...............................................................................................................................78

4.6.1. Alguns exemplos nacionais ......................................................................................................78

4.6.2. Jurisprudência europeia: casos velhos, novos ou históricos ....................................................81

V. OS ABUSOS DA CRÍTICA.........................................................................................................................97

5.1. O CRIME DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO SOBRE O JUIZ ....................................................................................97

vii

5.2. A VIOLAÇÃO DO DIREITO DE PERSONALIDADE E A INDEMNIZAÇÃO POR DANOS.................................................101

5.3. OUTRAS REAÇÕES...............................................................................................................................102

5.4. UMA POSIÇÃO RELATIVAMENTE À CONDUTA DO JORNALISTA .......................................................................106

VI. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A REPUTAÇÃO DOS JUÍZES ..............................................................109

6.1. DA DEFERÊNCIA À DESQUALIFICAÇÃO......................................................................................................109

6.2. DA DESQUALIFICAÇÃO AO RESPEITO .......................................................................................................111

6.3. DO RESPEITO À CONFIANÇA. A ACCOUNTABILITY .......................................................................................113

CONCLUSÃO .............................................................................................................................................116

BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS.................................................................................................................119

ANEXOS ....................................................................................................................................................134

ANEXO I – O QUESTIONÁRIO: NOTA EXPLICATIVA.............................................................................................134

ANEXO II – O QUESTIONÁRIO: GRÁFICOS, FORMULÁRIO E RESUMOS....................................................................135

viii

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. — Artigo

ASJP — Associação sindical dos juízes portugueses

CC — Código Civil

CCJE — Consultative council of european judges

CEDH — Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEJ — Centro de Estudos Judiciários

CP — Código Penal

CPC — Código de Processo Civil

CPP — Código de Processo Penal

CRP — Constituição da República Portuguesa

CSM — Conselho Superior da Magistratura

DUDH — Declaração Universal dos Direitos do Homem

EMJ — Estatuto dos Magistrados Judiciais

ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social

LOFTJ — Lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais

ONU — Organização das Nações Unidas

RC — Tribunal da Relação de Coimbra

RE — Tribunal da Relação de Évora

RG — Tribunal da Relação de Guimarães

RL — Tribunal da Relação de Lisboa

RP — Tribunal da Relação do Porto

STJ — Supremo Tribunal de Justiça

Trad. — Tradução

ix

Nota prévia

A presente dissertação constitui a componente não-letiva do mestrado em

“Comunicação, Media e Justiça”, organizado em parceria científica e pedagógica pelas

Faculdades de Ciências Sociais e Humanas e de Direito, ambas da Universidade Nova

de Lisboa.

Mas do que aqui se trata é, além do espírito de colaboração entre as

Faculdades de uma mesma universidade, a união de saberes que permitiu que

licenciados em direito e de comunicação se encontrassem e aprendessem mais, sem

deixar de interpelar quem à partida estava do outro lado: um encontro feliz ainda que

o caminho se afigure trabalhoso e arriscado, porque é sempre mais fácil permanecer

em “zonas de conforto”, o mesmo é dizer, que nos são mais familiares.

Optámos por traduzir os autores cujas obras consultámos, com a clara noção

de que a tradução não deixa de ser uma interpretação e recriação do que o autor terá

pretendido transmitir, como salienta Joana Aguiar e Silva na obra Para uma teoria

hermenêutica da justiça – Repercussões jusliterárias no eixo problemático das fontes e

da interpretação jurídicas.

Por razões de ordem prática (em concreto, o acompanhamento do filho mais

velho que ingressava no 1.º ano, exatamente no ano em que as regras foram aplicadas

nas escolas e nos manuais) adotámos no quotidiano o acordo ortográfico. Como disse,

foi uma escolha sem convicção, mas foi uma escolha que também está refletida no

trabalho agora apresentado.

Por outro lado, sem deixar de fazer referência às regras legais pertinentes em

vigor, optámos por integrá-las em nota de rodapé. Não que a incursão em outras áreas

do saber signifique uma subalternização da lei (como pode ser interpretado), mas,

mais uma vez, por razões de ordem prática, permitindo assim uma leitura corrida e

mais facilmente apreensível, no fundo o que qualquer autor, no domínio académico ou

outro, pretende. Ser lido e ser compreendido.

1

INTRODUÇÃO

“Human beings flourish in seeking conditions of justice, freedom,

equality, and community with each other.”1

O tema desta dissertação é o seguinte: o juiz como objeto de crítica.

A justiça é parâmetro fundamental da vida em sociedade: a injustiça gera

resignação ou indignação mas seguramente sempre infelicidade.

Por outro lado, é inegável a afirmação da liberdade e da liberdade de expressão

em Estados de direito democrático. Neste contexto, os titulares de órgãos de

soberania, em concreto, os juízes (que administram a justiça), não escapam à crítica.

Há o juiz perfeito? Que características tem? A que regras deve obedecer o

procedimento? Pode ou não ser o juíz objeto de crítica?

A crítica interna até faz parte do sistema.2 Todavia, quais serão os argumentos

mais usados para pôr em causa a pessoa, a decisão ou o procedimento do juiz? A

crítica tem, porém, maior visibilidade e perdura através dos media. A crítica pública do

juiz através dos media existe? E será a liberdade de expressão um valor absoluto?

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art. 10.º, n.º 2, prevê

limitações àquela liberdade, como a que é imposta pelo valor da honra mas também

pelo princípio da autoridade e imparcialidade do poder judicial. Propomo-nos analisar

alguma jurisprudência nacional (das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça)3 e

europeia sobre a matéria e apurar em que medida aqueles valores se sobrepõem ao

da liberdade.

1 Hugh Heclo, On thinking institutionally, p. 153.

2 Cf. os recursos e os relatórios de inspeção.

3 Deixamos de parte jurisprudência da primeira instância (não existe uma base de dados que permita a

recolha de dados) e do Tribunal Constitucional (seria outra a análise), sendo que o que nos provoca é o caso concreto e a ponderação feita a esse propósito.

2

Equacionando o cenário de abuso da crítica (não tutelado pela liberdade de

expressão?), enunciamos as possíveis reações (criminal, civil, administrativa e outras)

do ordenamento jurídico português e questionamos a coerência de algumas soluções

nele previstas.

Mas a investigação preliminar permite supor que a liberdade de expressão, na

vertente da crítica, tem maior valia, se não pelo resultado das decisões (em alguns

acórdãos do TEDH é dada prevalência ao n.º 2 mas com votos de vencido

consistentes), tê-la-á, possivelmente, pela força dos argumentos. Então, qual pode ser

a repercussão dessa crítica na reputação da instituição Tribunal e dos juízes? Qual a

perceção dos juízes portugueses? E de que modo tal pode influenciar o sentimento da

comunidade de que vive numa sociedade mais justa ou injusta, sobretudo num tempo

de “crise de autoridade”?

Sobre a concreta perceção dos juízes quanto às matérias que analisamos,

realizámos um inquérito por questionário cuja “ficha técnica” consta do anexo I.

Apesar da expressão, não se trata de método a ser apreciado à luz do rigor da

estatística e de critérios científico-sociológicos (não temos aqui margens de erro ou

perguntas codificadas). Não era esse o objeto principal de estudo nem tínhamos nós

conhecimentos ou meios para realizar tal tarefa. Com isso, cremos não estar a pôr em

causa a pertinência do método ou dos seus resultados. Apenas para que fique claro,

não pretendemos fazer qualquer extrapolação relativamente aos “não respondentes”;

daí a constante referência aos “juízes inquiridos”, como os efetivamente inquiridos e

respondentes, no fundo, o objeto disponível, as respostas dadas (como consta do

anexo II).

Pedimos às senhoras juízas e senhores juízes que exprimissem a sua opinião e

aqueles que aceitaram colaborar deram-na de forma participativa, acrescentando

respostas suas, comentários ou explicações.

E porquê ouvir os juízes?

3

Talvez porque “[o] leitor que está no livro não consegue ler o livro que está no

livro”4 e porque “[o] livro que está no livro não conta [não pode contar, ou não pode

só contar] a história do leitor que está ali”. A tentação de contar histórias é imensa,

mas neste trabalho não se pretendeu expressar a experiência da autora. Por isso, e

porque não pode ser esse o objeto de um trabalho académico, optámos por ouvir os

outros que diariamente cumprem a função de administrar a justiça em nome do povo.

Dos que ouvimos, dizemos agora, findo o trabalho, com confiança, que “o leitor

que está no livro pretende ser o leitor que está ali”. Explicando: os juízes inquiridos

manifestaram ter uma ideia muito concreta do que é ser (e não ser) “bom juiz”, quer

quanto às características pessoais e técnicas quer quanto ao posicionamento do

tribunal em face da comunicação social e, em concreto, das posições críticas que sobre

os mesmos podem incidir, além de se manifestarem no sentido de que é muito

importante que os juízes e os tribunais gozem de reputação na sociedade, dentro das

hipóteses que, no início, equacionámos.

I. A JUSTIÇA

“(…) l’object propre de la philosophie est l’étude de ces

notions prestigieuses, fortemente colorées au point de vue émotif,

que constituent les valeurs les plus hautes, de sorte que l’accord sur

leur sens conceptuel est presque irréalisable. Car ses notions, à

cause de leur sens émotif bien caractérisé, constituent le champ de

bataille de notre monde spirituel.”5

1.1. A virtude, o valor e o resultado da ação dos homens

De entre as notions prestigieuses, para Perelman (1990: 17), a noção da justiça

“parece ser, além das mais eminentes, a mais irremediavelmente obscura.”

4 Adaptação da fórmula usada por Italo Calvino, em Se numa noite de inverno um viajante (trad. de

Maria de Lurdes Sirgado Ganho e José Manuel de Vasconcelos, 2.ª ed., Lisboa, Veja, 1993), na p. 253

(apêndice I), de onde constam também as referências seguintes. 5 Chaïm Perelman, Éthique et Droit, p .16.

4

Porventura, como afirma o mesmo autor6, por ser considerada por muitos como a

principal virtude, a fonte de todas as outras7, um valor universal8, ainda que com

vários sentidos, e alvo – assim como o seu contrário, a injustiça – de tanta atenção

cuidada, a ponto de mais de dois mil anos passados, a Ética a Nicómaco9, de

Aristóteles (384 a. C. – 322), se manter objeto de estudo e de citação.

No propósito de contribuir para a dilucidação do conceito em presença,

António Hespanha refere: “Devemos afirmar que, como é dito pelo Filósofo

[Aristóteles] no livro V da Ética, a equidade é uma justiça melhor do que a justiça legal,

que se conforma com as palavras da lei. De facto, embora a justiça legal seja uma

espécie de justiça, não é a melhor de todas” (Hespanha, 2001: 1196).

Mas eis que nos é dado descobrir Ricoeur10 que verbaliza a experiência

ontogenética do injusto que todos vivemos – “a injustiça antes da justiça” - evocando

as lembranças da infância, uma experiência concreta clarificadora. O autor afirma que

«a nossa primeira entrada na dimensão do direito foi marcada pelo grito É injusto! Este

grito é o da indignação», uma “palavra de protesto”11 provocada por “partilhas

desiguais”, “promessas não cumpridas”, “punições desproporcionadas em relação às

nossas supostas faltas” e “retribuições não merecidas”.

Que soluções? A resignação? A violência? “(…) Em certas circunstâncias, a

violência – o agir sem argumento ou discurso e sem atender às consequências – é a

única forma de restabelecer o equilíbrio da justiça (Billy Budd12 que matou o homem

que contra ele prestara falso testemunho é o exemplo clássico). Neste sentido, o ódio

e a violência que algumas vezes – nem sempre – o acompanha estão entre as emoções

humanas “naturais”, e retirar ao homem tais características significaria desumanizá-lo”

(Arendt, 1970: 64).

6 Idem, ibidem.

7 Cf. Platão, República, 6.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990, 513 p.

8 Perelman, op. cit., no capítulo I, ponto 5 “cinc leçons sur la justice” (1990: 179).

9 Entre outras, cfr. a 3.ª ed/reimp. de 2009, Quetzal editores, Lisboa, 320 p.

10 Na sua obra O Justo ou da essência da Justiça, pp. 10-11.

11 Lucas, J.R., On Justice , Oxford: Oxford University Press, 1980, citado por Moura (1996: 4).

12 Conto com o mesmo nome de Herman Melville (1819-91) publicado postumamente em 1924 que

retrata a história de um marinheiro que mata o contra-mestre depois de ter sido falsamente acusado de planear um motim.

5

Ocorre que a pretensão de fazer justiça por si mesmo tem o risco de se juntar a

violência à violência13, o sofrimento ao sofrimento. Daí a instituição de um terceiro que

não seja nenhum dos protagonistas,14 imparcial, equidistante em relação às partes,

que afirma o que é justo em cada caso, o juiz, e afirmando-se a proibição da

autotutela. Daí a multiplicação de tribunais nos Estados, nas organizações (como o

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem15) e na comunidade internacional (Tribunal

Internacional de Justiça16 e Tribunal Penal Internacional17).

Como no-lo faz notar Hannah Arendt, “[o] fim da guerra – entendido num

duplo sentido – é a paz ou a vitória; mas à pergunta “E qual é o fim da paz?” não há

resposta. A paz é um absoluto (…)” (Arendt, 1970: 51).

A verdade é que a indignação face à injustiça permanece, quer no domínio

familiar (como exemplo, as partilhas desiguais entre os irmãos, as promessas que os

pais não cumprem), quer em campos mais alargados. Quando em outras paragens se

não cumprem os mais elementares direitos fundamentais (desde logo, o direito à vida,

através da execução da pena de morte após um julgamento justo18 ou processo

marginal, no âmbito de organizações mafiosas) e não existe reação formal sobre os

seus autores… Quando aqui perto se desenvolve uma administração poderosa a que

não se reage porque “não vale a pena”.

Esta sofrida experiência conduz, como vimos, a um desejo de vingança e à

multiplicação da violência, a uma «ordem estremecida» (para fazermos nossa a

expressão de Habermas, 2001: 575), ou a um estado de resignação – “an era of

13 A mesma convicção está presente na frase eloquente de Hanna Arendt (1970:80): “A prática da

violência como todas as ações, transforma o mundo, mas a transformação mais provável é num mundo mais violento.” 14

Ricoeur, op. cit., p. 11. 15

Um dos organismos criado pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem para assegurar, além do mais, o respeito pelos direitos dos indivíduos que os Estados contratantes se vincularam a observar. 16

Órgão da ONU que exerce, entre outras, a função jurisdicional, condicionada porém por um ato de aceitação (que pode ser prévia ao conflito) do Estado que se submete a tal jurisdição. 17

Foi precedido nos anos 90 por Tribunais especiais para julgamento de crimes ocorridos na ex-Jugoslávia e no Ruanda. Em 1998, 120 países adotaram o Estatuto de Roma, lançando as bases para um tribunal permanente. Entrou em vigor em 2002 após ratificação por 60 países. 18

Veja-se os 5.º e 6.º Aditamentos à Constituição dos EUA, incluído no Bill of Rights.

6

supercivilized monkeys” ou “man turned into a chichen or a rat”19, em ambos com

muito sofrimento.

*

Ao longo dos tempos têm sido elaboradas e difundidas várias conceções de

justiça, afirmando a mesma como valor e a injustiça como o seu contrário.

“A justiça é, em primeiro lugar, condição de existência da sociedade política”

(Homem, 2003: 132).

Longe vão os tempos em que o poder de quem afirmava o que era justo era

atendido sem questões ou dúvidas, o tempo em que a principal função dos reis era

entendida como um dever de fazer justiça. “Uma ideia geral de infalibilidade do poder

dos reis que actuam como julgadores justifica que se atribua ao príncipe que não

conhece superior o que se nega aos julgadores: julgar segundo a consciência e não

segundo o estritamente alegado e provado poder justificado com a afirmação teórica

de superioridade do príncipe à lei” (Homem, 2003: 133).

Sobre a soberania da Lei, emanada do Príncipe legislador único e soberano, e

sobre o lugar discreto do juiz na sua aplicação, peroravam já as Ordenações Filipinas

nestes termos: “… E assi dê [o julgador] a sentença definitiva, segundo que ahar

aleegado e provado de huma parte e da outra, anda que lhe a consciência dicte outra

cousa, e elle saiba a verdade ser em contrario do que no feito for verdade; porque

somente ao Príncipe, que não conhece Superior, he outorgado per Direito, que julgue

segundo a sua consciencia, não curando de allegações, ou provas em contrario, feitas

pelas partes, por quanto he sobre a Lei, e Direito nã presume, que se haja de

corromper por affeição”20.

Também não vivemos dominados pelos ordálios da Alta Idade Média, em que

se submetia “o acusado à prova do ferro em brasa ou da água gelada (ou outras

numerosas formas de prova previstas pelos usos locais)” (Prodi, 2002: 50). O resultado

manifestava a culpabilidade ou inocência.

19 Pavel Kohout, Briefe über die Grenze, Hamburg, 1968, p. 90, citado por Arendt (1970:83).

20 Cf. Ordenações Filipinas, 3.66., segundo Homem, 2003: 133.

7

Hoje, além das regras substantivas, o juiz percorre um caminho pré-definido na

lei (que vai dizendo qual o próximo passo) até ao momento da decisão final. E se um

mau processo pode condicionar a justiça do caso concreto, a decisão final, não há

dúvida de que a finalidade última de qualquer atividade judicial é a da sentença justa e

equitativa, adequada ao caso concreto, a concretização de uma regra de justiça.

A esta luz, “[a] questão da justiça está no cerne das questões que as sociedades

contemporâneas se colocam: sobre o seu funcionamento e sobre o seu futuro, bem

para além das opiniões sobre a justiça ou dos recursos efetivos à justiça” (Commaille,

2009: 104).

1.2. A democracia e a separação de poderes

Democracia: vocábulo com origem na Grécia antiga (demos-kratein) que

significa governo ou poder do povo. Ao longo dos tempos o conceito foi sendo

densificado, de tal modo que, num sistema democrático vigora o princípio da

igualdade (entre todos os cidadãos, e destes perante a lei) e o da liberdade.

Hannah Arendt sustenta que “não é necessário justificar a existência do poder

já que é inerente à existência das comunidades políticas; do que precisa é de

legitimidade” (Arendt, 1970: 52).

Dada a impossibilidade de todos e cada um dos cidadãos exercerem o poder

em toda a sua extensão e complexidade (democracia direta), afirmou-se então a

democracia representativa, nos termos da qual o povo escolhe por eleição os seus

representantes que tomarão decisões políticas.

E, no caso português, a partir da Constituição de 1822, foi afirmado o princípio

da independência entre os poderes, distinguindo entre: poder legislativo = feitura de

leis21; poder executivo = governo22; poder judicial = administração da justiça. Essa

21 É a Assembleia da República e o Governo que têm competência legislativa – arts. 161.º, 164.º, 165.º e

198.º da Constituição da República Portuguesa. 22

O Governo é o órgão superior da Administração Pública e de condução da política geral – art. 182.º da Constituição.

8

tripartição de poderes foi importada pela generalidade dos sistemas democráticos e

refletida e densificada nas Constituições dos Estados.

Hoje, o art. 2.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe Estado

de direito democrático, reafirma isso mesmo23.

Trata-se, sem dúvida, de uma aquisição civilizacional ainda que um conceito

diluído no atual constitucionalismo reduzido a um critério genérico de uma limitação

do poder do Estado24, no sentido em que são atribuídos poderes a diferentes órgãos

daquele.

Para melhor compreender a natureza do poder e a função do Estado importa

ter presente a seguinte advertência de António Hespanha:

“Mas é, na verdade, ao Estado (na sua acepção larga de «centro do exercício

do poder politico») que compete definir os detentores do poder legislativo e judicial

(…) Esta definição é feita, em primeiro lugar, através das normas jurídicas que

estabelecem o elenco das fontes de direito, as quais legitimam certos sujeitos-agentes

para a tarefa de criar ou declarar o direito.

Em segundo lugar, a definição dos detentores do poder jurídico-normativo é

feita através das normas que estabelecem o sistema de «aplicação» do direito e que

correspondem, grosso modo, às que estabelecem a organização judiciária”

(Hespanha, 1977: 41).

Como afirmou, mais recentemente, Ferrajoli (2008: 13) “a separação de

poderes é sobretudo uma separação que deve ser estabelecida entre duas classes: as

funções representativas, de governo, legislativas, e as funções de garantia. As funções

de garantia devem ser independentes, seja por serem actividade cognoscitiva (…) seja

por serem uma actividade de tutela dos direitos fundamentais.”

23 A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no

pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. 24

Silva (2011:191), citando Rafael Agapito Serrano (Libertad y división de poderes: el “contenido

esencial” del principio de la división de poderes a partir del pensamiento de Montesquieu), Madrid,

Tecnos, 1989.

9

Numa conceção primária de democracia, o poder legislativo está legitimado

pelo facto de os seus titulares, representantes do Parlamento, serem eleitos e

controlados por eleições gerais e livres. Segundo Alexy (2006:14), estamos perante um

modelo de democracia puramente decisionista25.

Assim, conclui-se com facilidade que os juízes, ao não serem eleitos, não

contam com qualquer legitimação democrática direta tendo em conta o critério acima

avançado.

Mas o art. 202.º da Constituição26 prevê que os tribunais administram a justiça

em nome do povo.

Robert Alexy fala em representação argumentativa.

Sobre esta incontornável questão da legitimação dos juízes, Ferrajoli (2008: 12),

em entrevista concedida à revista Julgar, e assim de forma coloquial e perfeitamente

apreensível, afirmou:

“[a] legitimação dos juízes – a legitimação política dos juízes – não tem nada

que ver com a representatividade política, isto é, não é uma legitimação do mesmo

tipo da exigida para funções de governo ou legislativa, precisamente porque a

jurisdição é uma função de garantia secundária, que intervém para protecção do

Direito e dos direitos, mesmo perante os poderes públicos (…) a legitimação política –

política no sentido representativo – justifica-se quanto às actividades que dizem

respeito àquilo que chamei a esfera do “decidível”, ou seja, àquela função que a

política tem de inovar, produzir normas, dentro dos limites e com os vínculos

estabelecidos pelas leis sobre a produção jurídica, no respeito do legislador pela

Constituição (…)”.

Tomando como ponto de partida a obra e o pensamento de Sherwin,27 em

When law goes pop, Hespanha (2010: 217) refere-se à forma como o equilíbrio

25 Não é aqui o espaço de discussão de matérias como o grau de abstenção nas eleições, a

responsabilidade política ou jurídica dos titulares de cargos políticos, etc. 26

Art. 202.º 1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. 27

Que consultámos e cuja leitura nos dias de hoje é de utilidade incontestada, aproveitando porém o contributo da tradução do autor português.

10

constitucional dos poderes permite a interação de diferentes narrativas: “(1) o senso

comum da opinião pública (doxa) no conhecimento adquirido no curso de nossa

experiência ordinária de vida (na tela e fora dela), ou (2) a prudência da interpretação

judicial baseada no conhecimento jurídico especializado e em habilidades de

interpretação e persuasão relativas à aplicabilidade e ao sentido de regras jurídicas,

politicas, e princípios jurídicos fundamentais específicos ou (3) as competências de

formulação especializada dos membros do legislativo (…)”. Acrescenta o autor

português que “o perigo surge quando o equilíbrio é quebrado”.

Em Portugal, um deputado pode em determinado período da vida contribuir

para a feitura de uma lei - por definição, geral e abstrata - susceptível de afetar

milhões de pessoas; um ministro pode tomar outras tantas decisões que afetem outras

tantas noutro período de tempo. Os juízes ingressam numa carreira28 e transformam a

sua vida em dirimir em cada dia conflitos entre as pessoas nos mais diversos planos:

condenam um empreiteiro na reparação de defeitos num edifício, condenam o ladrão

a sete anos de prisão, decidem com quem vive a criança de cinco anos, condenam o

empresário a pagar uma indemnização a um seu trabalhador ilicitamente despedido,

mas também condenam as vedetas, mas também condenam uma grande empresa a

pagar uma indemnização por danos ambientais… E fazem-no durante toda a vida ativa.

Trata-se, pois, de uma fonte de poder indiscutível e daí se temer, de quando

em vez, o “governo dos juízes”; “(…) as expressões “judiciarização da sociedade” e

judiciarização da política” são cada vez mais utilizadas para designar o que seria a

extensão do papel da justiça na gestão das relações sociais, no tratamento dos

28 O ingresso está regulado pela lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro e prevê que o candidato seja licenciado

em Direito e se proponha a concurso público; o concurso compreende uma fase escrita (uma prova de resolução de casos de direito civil e comercial e de direito processual civil + uma prova de resolução de casos de direito penal e de direito processual penal + uma prova de desenvolvimento de temas culturais, sociais ou económicos) – art. 16.º, n.º 1 – e uma fase oral (uma discussão sobre temas de direito constitucional, direito da União Europeia e organização judiciária + uma discussão sobre direito civil e direito processual civil e direito comercial + uma discussão sobre direito penal e direito processual penal + uma discussão sobre temas de direito administrativo, direito económico, direito da família e das crianças e direito do trabalho, estas a sortear com 48 horas de antecedência) – art. 19.º, n.ºs 2 e 5; e ainda a exame psicológico de seleção com duração mínima de duas horas – arts. 19.º, n.º 7, e 21.º, n.º 2; frequência de curso teórico-prático (1.º ciclo no CEJ de setembro a julho do ano seguinte; 2.º ciclo nos tribunais de setembro a julho do ano seguinte e nomeação como estagiários durante o mesmo período, portanto, o equivalente a três anos.

11

“problemas da sociedade”, no tratamento das transgressões (da delinquência comum

à delinquência política, da corrupção aos “crimes contra a humanidade”), na regulação

das trocas económicas” (Commaille, 2009: 104).

Esta “judiciarização” é desde logo definida como um crescimento do poder dos

tribunais face ao poder legislativo e executivo29, suscitando questões como a que

coloca Guarnieri (2003:13) ao dar o nome a um capítulo [h]ow to guard the guardians.

Se é certo que na sua génese “[a] representação da justiça como instituição foi

inspirada pela natureza fora do comum das funções cumpridas com uma referência

implicitamente ligada à ideia de transcendência (ver, por exemplo, a arquitectura

judicial, os rituais….)” (Commaille, 2009: 10130), importa referir o surgimento, no

tempo presente, de uma tendência de novo tipo que também se verifica em Portugal:

a tendência para alinhar a justiça e outras instituições públicas, como que incluindo

aquela numa nova administração pública, com preocupações de quantidade, de

“otimização organizacional” que se sobrepõem à finalidade de fazer justiça.

Esta visão não é partilhada pelos juízes que colaboraram no nosso inquérito.

Dos 110 inquiridos, nenhum indicou a produtividade numérica31 como o critério único

para dar corpo à ideia do “bom juiz”. É verdade que 15, nos comentários que fizeram,

incluíram tal indicador de entre outros, considerados de forma conjugada. Isto leva a

supor que os juízes sobrepõem regras de procedimento e resultado das ponderação à

produtividade numérica, ao presidir a uma audiência, a despachar processos ou

elaborar sentenças.

29 Idem, ibidem.

30 Citando entre outros autores, Antoine Vauchez e Laurent Willemez, La justice face à ses réformateurs

(1980-2006). Paris, PUF, 2007. 31

Anexo II, gráfico 2.

12

Questão diferente é a de anomalias no sistema que permitem que o Estado

Português tenha sido condenado por várias vezes32 por violação do art. 6.º da

Convenção33 por não ter sido respeitado o “tempo razoável”34.

1.3. A organização do sistema de justiça: os tribunais

Não pode existir justiça na sociedade sem tribunais para a fazer aplicar

(Homem, 2003: 132).

A institucionalização no que toca à realização da justiça responde, por um lado

e desde logo, a uma necessidade de organização das atividades humanas.

W. Richard Scott35 define instituições como “as estruturas e actividades

cognitivas, normativas e reguladoras que dão estabilidade e sentido ao

comportamento social”. Por seu turno, Rogério Ferreira de Andrade36 faz-nos notar

que “institucionalizar é produzir uma distinção de sentido, a qual se repete como

procedimento organizado e, ao repetir-se, sedimenta-se e adquire um estatuto, uma

legitimidade consentida aos olhos de comunidades existentes ou dos próprios

indivíduos, implicando ainda - para além da duração, da diferenciação e da

organização de sentido - que, mediante regras, se normalizem e sancionem os desvios

ao instituído”.

32 Computando o período de 1959-2011, foram 90 as condenações do Estado Português por lentidão –

cf. “table of violations 1959-2011” disponível no sítio do TEDH (www.echr.coe.int). Os números apresentados são absolutos e não ponderam a data de início da jurisdição do TEDH sobre cada Estado nem a sua representatividade tendo em conta o número de habitantes por país. De todo o modo, e tendo em conta os números, Portugal está muito à frente da Polónia (412 condenações), Turquia (493), Ucrânia (259) e Grécia (403), Itália (1155) ou França (281) e muito atrás do Reino Unido (26), Paises Baixos (8), Espanha (12) ou Montenegro (1) e Noruega (2). 33

1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável (sublinhado nosso) por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. 34

Cf. 4.2.2. 35

Cf. Rogério Ferreira Andrade (2003:2) 36

Idem.

13

É verdade que, além dos tribunais comummente conhecidos como tal (os

tribunais judiciais), existem formas de resolução de litígios que não passam por estes

tribunais (vide, por exemplo, os tribunais arbitrais ou os julgados de paz37). Acresce

que, sem prejuízo da função de controlo do juiz, a execução das decisões cíveis tem

hoje como protagonista o agente de execução, solicitador, profissional externo ao

tribunal38.

No entanto, iremos deter-nos nos tribunais enquanto órgãos do Estado e de

soberania39 e nestes nos tribunais judiciais40 e enunciar regras em vigor que,

necessariamente, comportam exceções que não apreciaremos.

Uma das características destes tribunais lembradas por Guarnieri (2003:151-

152), é a de a sua ação não estar dependente da vontade de ambas as partes em

litígio, como acontece na mediação ou na arbitragem. Isto é, o procedimento é

configurado em geral como uma disputa, uma parte contra a outra.

Os tribunais judiciais são41 por ordem crescente de hierarquia, os Tribunais

Judiciais de primeira instância, os Tribunais da Relação (Porto, Guimarães, Coimbra,

Lisboa e Évora) e o Supremo Tribunal de Justiça. Em regra, um certo caso começa por

ser submetido à apreciação do tribunal de primeira instância. Este tribunal pode ter

uma competência genérica (situações de todas as áreas são julgadas por um mesmo

juiz) ou competência especializada (consoante a matéria assim é distribuído o processo

no tribunal respetivo: instrução criminal, crime, família e menores, trabalho, comércio,

propriedade intelectual, assuntos do mar, execução de penas, execução, cível).

37«Estes representam de todo o modo uma solução “de reserva”, se não de “série B”» (Taruffo,

2009:199). 38

Veja-se o art. 808.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que prevê que cabe ao agente de execução (…) efectuar todas as diligências do processo de execução. 39

Sem atender, porém, às particularidades do tribunal constituído por juízes sociais (áreas dos menores e do trabalho) ou por jurados (área criminal). 40

Excluindo o Tribunal de Contas e os Tribunais Administrativos e Fiscais a que o art. 209.º, n.º 1, da Constituição também alude. 41

Art. 210.º, n.ºs 1, 3 e 4, da Constituição e art. 17.º da Lei de Organização dos Tribunais Judiciais (lei n.º 52/2008, de 28 de agosto).

14

Após decisão na primeira instância, não se conformando alguma das partes

com o resultado, então, pode recorrer. O recurso visa a alteração ou revogação da

decisão antes proferida42.

Quando não é possível recorrer uma vez mais – por ausência de instância

superior ou por decurso do prazo de recurso – diz-se que a decisão judicial transitou

em julgado e torna-se, sem dúvida, obrigatória43.

1.4. A verdade processual

Na fundamentada opinião de Ibáñez, “[e]xercer a jurisdição é dizer

imparcialmente o direito numa situação controvertida ou de conflito. Portanto, com

referência a um estado de coisas que se apresenta ao juiz como problemático para que

decida mediante a aplicação da norma que lhe corresponda” (Andrés Ibáñez, 2006:

19).

O processo judicial é definido como uma sequência de atos praticados pelas

partes e restantes sujeitos processuais com a finalidade de vir a ser proferida uma

decisão e que culmina, justamente, com a decisão do juiz: primeiro, decisão sobre se

certo facto aconteceu e que se enuncia e, numa segunda fase, a decisão de qual a

consequência para os autores ou vítimas desse acontecimento.

Parece, pois, que o conceito de processo está intimamente ligado ao de

verdade. Sucede que raros são os casos em que o juiz tem conhecimento direto dos

factos (prova direta em sentido estrito). O julgador deve ser um terceiro imparcial e,

portanto, algum ponto de contacto pessoal com a situação pode gerar incidente de

recusa ou suspeição44. Por isso, a verdade processual não coincide necessariamente

com a verdade ontológica45. Quem esteja fora do meio com certeza que ouve esta

42 Cf. 4.3.

43 Art. 205.º, n.º 2, da Constituição e art. 677.º do CPC quanto à noção de trânsito em julgado.

44 Ver os arts. 122.º a 136.º do CPC.

45 Talvez as situações em que o juiz se aproxime do facto ontológico seja aquela em que, investigando-se

um crime de tráfico de droga, por exemplo, se proceda à audição de escutas durante certo lapso de tempo e que o discurso aí ouvido seja compatível com as vigilâncias efetuadas pela polícia e com o resultado de uma busca domiciliária a que o juiz presida.

15

afirmação com choque e apreensão. Até porque as decisões dos tribunais também

fixam a história: as câmaras de gás existiram … É que a busca da verdade está sujeita a

regras procedimentais previstas na lei e por outro lado, não é infinita46.

Há um momento em que são alegados enunciados de facto juridicamente

relevantes (no sentido em que da sua prova se extrai uma consequência jurídica), o

momento em que é cumprido o princípio do contraditório, o outro em que são

indicadas as provas, em que são admitidas essas provas (e não admitidas outras por

legalmente inadmissíveis47) outro em que são apresentadas e discutidas para depois o

tribunal decidir, primeiro, quais os enunciados que julga demonstrados (que tenham

ocorrido ou que ainda sejam dados no presente como certos) e quais os que julga

como não provados48 e, depois, que consequências jurídicas extrai dos primeiros.

A verdade absoluta alcançável mediante meios cognitivos ilimitados é

totalmente imaginária. Isto não vale só para a verdade que se estabelece no processo

e por isso ela não deve ser considerada menor. Qualquer atividade cognitiva está

limitada pelos meios que podem ser usados para estabelecer a verdade, no caso, a

verdade possível (Taruffo, 2005: 74-75).

Como diz o autor, “a justiça do procedimento pode considerar-se certamente

como uma condição da justiça da decisão (ao menos no sentido de que não estamos

dispostos a aceitar como justa uma decisão tomada na sequência de um processo

injusto, no qual, por exemplo: não foi produzida prova, o juiz decidiu lançando os

dados ou baseando-se numa confissão obtida por tortura) mas não pode ser

46 Sem prejuízo da válvula de segurança conferida pelo recurso de revisão no processo civil e penal (arts.

771.º do CPC e 449.º e ss. do CPP), em regra o trânsito em julgado de uma decisão marca, como vimos, o momento em que a mesma se torna definitiva, em que se cristaliza a verdade no processo. Exceção para os chamados processos de jurisdição voluntária (de que se destaca a área atinente aos menores) – art. 1411.º do CPC. 47

O art. 32.º, n.º 8, da Constituição quanto a Garantias de processo criminal determina a nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Por outro lado, apesar do princípio de livre apreciação das provas, no processo civil também existem outros constrangimentos – cf. os arts. 513.º e ss. do Código de Processo Civil, no capítulo da instrução do processo. 48

Em qualquer processo vigoram regras de distribuição do ónus da prova. Assim, no processo penal, cabe à acusação fazer a prova e em caso de dúvida é resolvida a favor do acusado; no processo civil, a regra é a de que quem alega a titularidade de um direito, deve prová-lo - art. 342.º do Código Civil.

16

considerada como a única condição ou como condição suficiente para a justiça da

decisão” (Taruffo, 2009: 56).

Por outro lado, Garapon (1994: 86) afasta expressamente, e em termos que

estão hoje adquiridos nas regras dos países ocidentais, a conceção de uma verdade

superior que seria alcançada sem necessidade do contraditório e com recurso a

métodos inquisitórios bárbaros, por exemplo, com vista à obtenção de confissão,

acrescentamos.

Mas o direito não pode “prescindir da sua relação com a verdade (por mais

imperfeita que se afigure a sua realização) sob pena de abdicar de assumir a justiça

como fim último: pois, que justiça se pode construir sobre a mentira ou com

indiferença relativamente à verdade?” (Carvalho, 2008: 72).

No processo civil, ao nível da factualidade relevante, o juiz só pode usar aquela

que tenha sido alegada pelas partes49. E o princípio do inquisitório surge como

residual50. No momento de concluir pelas consequências jurídicas, o juiz ainda que não

esteja vinculado à qualificação jurídica dos factos51 também está limitado pelo pedido

formulado52. No processo penal o poder do juiz é mais lato mas, também ele, se

49 Art. 264.º do CPC: 1— Às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que

se baseiam as excepções. 2— O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514.º [factos do conhecimento geral e factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções] e 665.º [convicção segura do juiz de que o autor e o réu se serviram do processo para praticar um acto simulado ou para conseguir um fim proibido por lei] e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa. 3— Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório. 50

Art. 265.º, n.º 3, do CPC: Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Quanto às críticas à limitação do inquisitório não cabe aqui discutir. 51

O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (…) – art. 664.º do CPC; 52

A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir – art. 661.º, n.º 1, do CPC.

17

confronta com limitações que impedem o exercício discricionário e arbitrário do poder

que lei lhe confere53.

Pode questionar-se se o sistema assim criado não faz emergir necessariamente

a verdade, isto é, não há a certeza de que o método referido conduza a que por via dos

diversos meios de prova (documental, confissão das partes, pericial, inspeção judicial e

testemunhal, no caso do processo civil e outras mais no processo penal) seja apurada

factualidade exactamente coincidente com o que se passou. Mas como do que se

trata, a maior parte das vezes, é de analisar situações que ocorreram (sendo que

muitas não permanecem) não havendo uma câmara ou outro instrumento que

permita captar os sons, todos os ângulos de imagem possíveis e as motivações dos

intervenientes, então é a partir dos elementos trazidos pelas provas e fazendo uso de

uma cadeia de inferências justificadas (indução probatória) (Andrés Ibáñez, 2006: 35)

que se conclui que certo acontecimento ocorreu ou não, ainda que com a

particularidade de os resultados da prova não poderem garantir uma certeza absoluta

mas um certo “grau de certeza”, o de probabilidade, sobre a verdade do enunciado

dado por provado (Gascón Abellan, 2005: 128).

II. O JUIZ

“ - Por isso – prossegui – o bom juiz não deve ser novo, mas

idoso, tendo-se apercebido tarde o que é a injustiça, tendo-se

apercebido dela sem a ter alojado na sua própria alma, mas tendo-a

observado como coisa alheia nos outros, durante muito tempo, para

que, servindo-se do saber, e não da experiência própria,

compreenda o mal que ela é.”54

53 Art. 379.º, n.º 1, do CPP: É nula a sentença: (…) b) Que condenar por factos diversos dos descritos na

acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º [Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia] e 359.º [Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia]; sobre o que seja a alteração dos factos, v. art. 1.º, al. f) do CPP: aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis; 54

Platão, A República, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 6ª Edição, 409 c, p. 147.

18

2.1. As funções em geral e o ato de julgar em particular

O que faz um juiz? Um juiz julga. “¿ Que significa juzgar?”55 “O juiz apreende

diversas situações através dos sentidos e através do seu discernimento racional

estabelece o que o direito propõe para resolver um conflito, reconhecer um direito ou

impor uma obrigação. A decisão judicial exige, portanto, um ato de vontade do juiz

através do qual se põe fim a um processo.” (Pérez Luño, 2009: 170).

O ato de julgar é apresentado como uma experiência jurídica, política, social e

pessoal que encontra a sua expressão num quadro institucional (Poullard, 1999:13)

que não se reduz à aplicação da lei ao caso através de silogismo(s)56, mas também

como atividade criativa, presente no preenchimento de normas em branco e conceitos

indeterminados, conceitos legais abertos relativamente aos quais não estão

previamente definidas todas as situações que se integrarão naquela previsão, ou, no

limite, na interpretação abrogante ou revogatória de uma norma57, acrescentamos.

De entre os elementos de interpretação consolidados estão o elemento literal,

sistemático, histórico, e lógico ou teleológico, não hierarquizados entre si como

salienta Silva (2011: 377), sendo que a sua combinação está dependente da afirmação

de uma posição por parte do julgador (destacando um dos elementos) visando a

reconstrução do pensamento efetivo ou hipotético do legislador. Mesmo a

interpretação evolutiva ou atualista – que atende às transformações sociais – não

deixa de lado a intenção do legislador.

Mas grande parte do dia de trabalho do juiz passa por “despachar no processo”

sem decidir a questão fundamental que lhe é apresentada, ainda que esta seja a meta,

o “dizer a sentença”, a declaração do direito no caso concreto.

No processo civil: profere despachos escritos ou oralmente que, mesmo nesse

caso, ficam registados e fazem parte da cadeia de atos até à decisão final. Assim, um

juiz decide se o réu está ou não regularmente citado, se a contestação foi apresentada

55 Título do artigo de Antonio-Enrique Pérez Luño (2009).

56 Sobre o raciocínio dedutivo, cf. MacCormick, sob o título sugestivo “La argumentación silogística: una

defensa matizada” (2007). 57

Ocorre quando é inconciliável o texto e o espírito da norma.

19

em tempo, se a petição (articulado que uma vez entrado no tribunal dá origem ao

processo) contém as alegações necessárias à conclusão extraída pelo autor ou se para

tal se impõe completar a narração dos enunciados de facto; nesse caso, o juiz profere

um “despacho de aperfeiçoamento”; depois decide quais os enunciados de facto

alegados pelas partes que são relevantes para a resolução do caso concreto e se um

certo meio de prova é pertinente; designa data para a audiência, condena em multa

quem faltou injustificadamente e pode mandar deter o faltoso, preside à audiência

onde são apresentadas as provas, ainda que não constem do processo, e as alegações

dos advogados das partes. No seu trabalho diário, o juiz mais parece personificar,

muitas vezes, o famoso mito de Sísifo no desempenho de uma tarefa que parece não

ter fim. Mas cabe-lhe ainda:

Proferir a decisão sobre a matéria de facto: dizer quais os enunciados que

considera provados e não provados e dizer porquê. E, usando esses enunciados de

facto julgados provados, apurar qual a lei aplicável58 e, interpretando-a, resolver o

litígio, condenando ou absolvendo o réu (do pedido). É neste momento que se cumpre

a finalidade da atuação do juiz: não obstante se manter imparcial, toma posição sobre

os enunciados de facto e sobre a respetiva consequência jurídica segundo as regras em

vigor na comunidade.

Nesse momento, é posto fim à incerteza e resolve-se o conflito entre as partes,

não no sentido de vizinhos desavindos se tornarem amigos, por exemplo, mas no

sentido de afirmar que o vizinho António não pode fazer obras em casa à noite, altura

em que o vizinho Manuel descansa.

No entanto, estes caminhos nem sempre se fazem com a subsunção direta de

uma situação ao artigo “X” do Código Civil. Essas são as situações fáceis e que

culminam muitas vezes com a resolução do litígio em momento anterior ao julgamento

58 Corresponde às situações mais comuns. Como advertimos acima, não teceremos considerações sobre

outras questões relevantes mas que nos levariam longe, como por exemplo a posição de outras fontes

de direito ou critérios de decisão em face da lei (entre outras, o costume, os usos e a equidade). Para

desenvolvimentos, cf. Aguiar (2011: 251).

20

através de um acordo59. Aí, fica cumprida a finalidade primeira da decisão, a de pôr fim

ao conflito e pela prevenção de outros casos semelhantes, a “finalidade longa”, a paz

social, “prosseguindo o prosélito caminho de erodir toda a violência da sociedade”

(Borges, 2005: 167).

Como afirma Alexy (2001: 21) “a tese de que a jurisprudência não passa sem os

julgamentos de valor não significa que não existam casos, em que não haja nenhuma

dúvida sobre como se deve decidir, seja com base nas normas válidas pressupostas,

seja com referência a proposições da dogmática ou os precedentes. Pode-se inclusive

aceitar que esses casos são muito mais numerosos do que os duvidosos.”

Mas existem, os outros: os casos em que têm de ser ponderados valores. É que

mesmo que esse seja o cerne da atividade do juiz, os dados empíricos são sempre

novos e, portanto, obrigam a atenta apreciação e mais completa fundamentação. E o

fim da pacificação torna-se tão mais alcançável quanto a decisão e as suas razões

forem apresentadas, compreendidas e aceites como tal pela comunidade. Como nos

dá conta Tito Cunha, “a perspectiva metodológica, ou mesmo epistemológica, que nas

ciências sociais se aplicava a partir das ciências da natureza, pelo menos nas versões

predominantes, se caracterizava pelo esquecimento do auditório. Isto é, uma vez

assegurada a certeza e rectidão do método o interlocutor a quem o discurso dito

“científico” se dirigia era como se não existisse” (2005a: 349). Se isso deixou de ser

assim entendido, nunca foi assim no campo do judiciário. Por um lado, porque a

decisão judicial é dirigida a alguém que solicitou a intervenção do tribunal e por outro,

porque as decisões são públicas. Acresce que os media começaram a interessar-se por

dar cobertura noticiosa a informações e opiniões sobre alguns casos e decisões,

transformando o auditório virtual em auditório real.

No entanto: “[o] papel dos tribunais enquanto instâncias de informação e de

comunicação social foi drasticamente alterado a partir do séc. XIX com a consolidação

do Estado moderno, o movimento da codificação, o monopólio estatal da justiça e a

59 No início da audiência, o presidente procurará conciliar as partes, se a causa estiver no âmbito do seu

poder de disposição – art. 652.º, n.º 2, do CPC. O acordo pode ocorrer em momento anterior ou posterior.

21

profissionalização da função judicial. A partir daí, o conhecimento técnico passou a

dominar a informação e a comunicação, ao ponto de estas se transformarem, elas

próprias, em artefactos discursivos técnicos de que são excluídos todos os que não

dominam o conhecimento especializado que lhes subjaz” (Santos, 2005: 82).

Quererá isto significar que o emissor da mensagem, neste caso, o juiz não

consegue alcançar o seu auditório (as partes e a comunidade)? A sua decisão

(obrigatória) não chega aos destinatários? Estes não compreendem a mensagem e, por

isso, não ficam convencidos do dispositivo que a mesma contém?

Com alguma ironia, Perelman adverte-nos de que “normalmente é preciso

alguma qualidade para tomar a palavra e ser ouvido” (1996: 21).

Veremos.

2.2. O juiz e a lei

Pelo que ficou dito acima, a lei constitui, ainda hoje, um dos objetos

incontornáveis de trabalho do julgador.

Para 5,5% dos juízes inquiridos60, é a interpretação objetiva da lei que faz um

“bom juiz”.

Uma referência apenas para a circunstância de os juízes mais novos não terem

assinalado o item “Interpretação objetiva da lei” e de nas especificações só 9,1% (dos

mais novos) ter referido a questão da interpretação objetiva da lei (“desde que não

demasiado apegada ao formalismo, mas sim integrada no contexto do caso concreto”).

Tal escolha em geral (apesar de diminuta) pode não estar só associada a uma

preocupação por uma “fidelidade (formal) ainda largamente manifestada por grande

parte dos agentes envolvidos na prática judiciária em relação a modelos tradicionais”

(Aguiar, 2011: 414). Esta fidelidade não vale por si; pressupõe a utilização de uma

regra de igualdade entre os cidadãos, tão cara à democracia e também reconhecida

60 Representado a cor-de-rosa - cf. anexo II, gráfico 2.

22

pela citada autora. Até porque esta percentagem insignificante aumenta para 26,4%61

quando está em causa a “arbitrariedade na aplicação da lei” como parâmetro do “mau

juiz”, de alguma forma, permitindo destacar a importância do princípio da igualdade62

na aplicação da lei.

Na sua tese, Para uma teoria hermenêutica da justiça: repercussões jusliterárias

no eixo problemático das fontes e da interpretação jurídicas, Joana Aguiar e Silva abre

caminho para uma clara emancipação do juiz em relação à lei, para a imparcialidade e

outras características conjugadas que, nesta sua obra, ganham particular destaque.

2.2.1.A perpetuidade das leis vs. a inflação legislativa

Constitui um tópico do pensamento jurídico de todos os tempos a reclamação

contra o excesso de leis (Homem, 2003: 224).

As regras que disciplinam a sociedade não podem ser imutáveis pois que dessa

forma não cumpriam o seu objetivo, o de regular a vida social.

Mas também não pode chegar-se ao ponto de uma produção legislativa frívola,

sem sentido finalístico. “As propostas permanentes de reforma são um sinal da crise

de identidade da democracia portuguesa e do seu sistema de justiça” (Homem, 2007:

12).

Partilhe-se ou não do pensamento de Tomás Moro, em particular o que é

expresso na sua obra A Utopia63 quanto à conceção de sociedade por si imaginada, o

diagnóstico pelo mesmo feito quanto às leis64 que regulam a vida de todos e cada um

61 Representados também a cor-de-rosa - cf. anexo II, gráfico 3.

62 Não é necessário expender sobre uma exigência básica da justiça que corresponde ao tratamento

igual das situações iguais e tratamento diferente das situações diferentes, em função de diferença relevante. 63

Trad. de José Marinho, 7.ª ed., Lisboa, Guimarães editores, 1990. 64

“São as leis em pequeníssimo número e bastam no entanto para as instituições utopianas. O que os utopianos desaprovam principalmente nos outros povos é o número interminável de volumes de leis e comentários. Consideram suprema injustiça coagir os homens com inúmeras leis, tantas que as não podem ler todas, ou então obscuras em demasia para que as possam compreender (…) Pensam os utopianos que vale mais que cada um defenda a sua própria causa e confesse directamente ao juiz o que é costume dizer-se a um advogado. Dessa maneira há menos ambiguidade e subtileza e a verdade descobre-se mais facilmente. As partes expõem as suas razões (…) O juiz examina e pondera as razões

23

mantém-se atual. E a falta de estabilidade de leis fundamentais como o Código de

Processo Civil ou o Código de Processo Penal revelam isso mesmo. Atentemos, em

particular, nas múltiplas alterações de dois códigos estruturantes do sistema de justiça

como são o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal65.

É verdade que até na ciência mais exata não há verdades absolutas nem

eternas. Mas aquilo que distingue em termos ideais a sociedade de um estado

selvagem é, entre outras, a submissão a regras que, a mudarem, devem ser cada vez

melhores. E quando é o próprio legislador que se corrige, que volta atrás, que

reconhece que as soluções legais apresentadas não foram as melhores, então, não é

necessário apontar mais críticas.

Por outro lado, as legislações têm avançado numa pretensão clara de regular

domínios que antes eram do foro privado ou familiar (direito da família e dos menores)

ou nos quais o Estado não intervinha, como a bioética ou o ambiente. A multiplicação

de temáticas abrangidas pela lei, com a pretensão de disciplinar todas as áreas da vida

faz com que se crie a ideia de que matéria que não foi objeto de lei não pode ser

dirimida. Será assim?

De todo o modo, a ampliação do raio de ação da lei solicita do julgador

decisões. É que o juiz não pode optar por não decidir (como um médico decide não

sujeitar alguém a uma intervenção cirúrgica, por exemplo)66.

de cada um, fazendo-o com bom senso e boa-fé; defende a ingenuidade do homem simples contra as calúnias do patife (…) Muito difícil seria praticar tal justiça nos outros países que jazem enterrados sob um montão de leis tão embrulhadas e equivocas. Toda a gente, aliás, na Utopia, é doutor em direito; pois, repito, as leis são lá em muito pequeno número e a sua interpretação mais simples e material aceita-se como a mais razoável e a mais justa (…) uma lei nitidamente formulada, cujo sentido não é equívoco e ocorre naturalmente ao espírito, está ao alcance de todos (…). Que importa à massa, isto é, à classe mais numerosa e que mais precisa de regras, que lhe importa que não haja leis ou que as leis estabelecidas sejam de tal modo embrulhadas que para obter uma significação verdadeira seja necessário um génio superior, longas discussões e estudos intermináveis ? O juízo vulgar não é bastante metafísico para penetrar tais profundezas; aliás, tal não poderia pedir-se nunca ao que está ocupado constantemente em granjear o pão de cada dia” - p. 129-130. 65

O Código de Processo Civil (considerando o decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro) vai na 42.ª

versão (última alteração dada pela lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro); o Código de Processo Penal

(considerando o decreto-lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro) vai na 23.ª versão (última alteração da lei

26/2010, de 30 de agosto) – cf. informação pormenorizada no sítio da Procuradoria-Geral de Lisboa no

endereço www.pgdlisboa.pt 66

Art. 8.º do Código Civil.

24

2.2.2. A lei clara vs. a lei embrulhada

No que respeita ao acesso dos cidadãos à justiça, o mesmo passa por essas

regras poderem ser entendidas por todos. “Para que o direito seja democrático não

basta que ele surja da vontade popular; é ainda necessário que ele se mantenha ao

alcance do povo, tanto num plano cognitivo, como no plano prático: que seja

conhecido do povo e que seja actuável pelo povo para a resolução dos conflitos”

(Hespanha, 2009: 361). É cada vez mais insustentável o princípio de que a ignorância

da lei não aproveita a ninguém e que ainda hoje está plasmado no Código Civil

Português67. E a alteração sucessiva das regras prejudica, mais ainda, a conformação

do senso comum a essa presunção legal.

Assistimos ao paradoxo de numa era de comunicação em que se sabe o que se

passa no outro lado do mundo ao segundo, não conhecemos as leis que regulam o

nosso dia-a-dia – por serem muitas (desde legislação comunitária como são os

regulamentos aplicáveis diretamente, as leis a decretos-lei, a posturas municipais, etc.)

muitas por serem extensíssimas e outras tantas de difícil compreensão, na medida em

que o estabelecimento da regra se faz acompanhar de uma multiplicidade de

exceções que quase anulam a regra68.

Veja-se a recente introdução na publicação on-line do DR com um resumo em

linguagem clara69. Não podem ser aprovadas leis, à partida, mais claras? Uma maior

clareza das leis, ainda que no domínio europeu, é expressamente requerida por Martin

Cutts na sua obra Clarifying Eurolaw - How European Community directives could be

written more clearly so that citizens of Member States, including lawyers, would

understand them better70.

67 Art. 6.º.

68 Por exemplo, o art. 86.º do CPP quanto à publicidade do processo penal.

69 Medida em funcionamento entre 13 de outubro de 2010 e 31 de dezembro de 2011, com

reconhecidos méritos, que consistiu na disponibilização de resumos em linguagem clara, em português e inglês, de todos os decretos-lei e decretos regulamentares publicados em Diário da República. 70

Disponível em http://s3-eu-west-1.amazonaws.com/plcdev/app/public/system/files/5/original/ClarifyingEurolawNOCOVERS.pdf [Consult. em 03.07.2012].

25

O impacto de comunicações e de obras desta natureza pode, de facto, ajudar a

sensibilizar o Legislador a produzir leis cada vez mais ao alcance da compreensão

atécnica do homem-médio.

2.2.3. O dever de obediência à lei vs. a lei injusta

O juiz está sujeito à lei cuja existência confere previsibilidade às consequências

de certos comportamentos e, por essa via, segurança. Mas um juiz como a boca que

pronuncia as palavras da lei71 ou a lei como limite da vontade do arbítrio de um juiz? 72

Ultrapassado o positivismo jurídico, aceita-se que “o direito e a justiça não

dependem do critério do legislador” (Alexy, 2002: 6).

Mas as palavras de Perelman também devem sofrer uma atualização, quando,

referindo-se aos juízes e às leis, diz que “eles devem aplicá-las num espírito de

equidade, conforme as tradições da comunidade onde exercem a função” para depois

contrapor que “o filósofo não está, como o juiz, vinculado a fazer respeitar a ordem

estabelecida»” (1990:233).

A ciência jurídica desenvolveu métodos de interpretação da lei e

preenchimento de lacunas que determina que se distinga entre legalidade estrita e

justiça, entre a lei “A” e princípios e valores que integram a ordem jurídica situados ao

nível constitucional ou supra-constitucional.

Aarnio faz-nos notar que “nem todas a normas jurídicas que são formalmente

válidas são dotadas de (…) uma garantia de aceitabilidade axiológica” (1991: 83).

Nos termos do art. 204.º da CRP, qualquer juiz pode não aplicar uma norma por

inconstitucional. E na própria Constituição, o art. 21.º prevê o direito de resistência.

Os casos mais difíceis em que estão em causa direitos fundamentais

(plasmados diretamente na Constituição ou em princípios na mesma previstos73)

71 “La bouche qui prononce les paroles de la loi”, formulação de Montesquieu (1689-1755) em De

l’Esprit des Lois, Paris, Gallimard, 1995. 72

Art. 8.º, n.º 2, do Código Civil que se refere ao argumento da lei injusta ou imoral.

26

exigem do juiz uma ponderação de valores e a sua hierarquização no caso concreto74. É

que não há direitos absolutos e a lei não dá solução imediata; muitas vezes comporta

conceitos vagos, cláusulas abertas a preencher no caso concreto. Não é, pois, possível

ao juiz ser um aplicador neutral da lei: primeiro porque a lei pode ser contrária à

Constituição e aos princípios na mesma vertidos e que se entendem por justos,

respeitando a dignidade da pessoa humana75; segundo porque a afirmação de um

direito pode ter por consequência a preterição de outro.

A lei da ponderação é definida por Alexy (2006: 1) como a otimização relativa a

princípios contrapostos de tal modo que seja possível estabelecer a correção dos juízos

jurídicos num discurso de forma racional. Compreende três etapas: com a primeira

estabelece-se o grau (leve, moderado ou grave) de preterição de um princípio; na

segunda estabelece-se qual a importância de satisfazer um princípio em oposição com

o primeiro; na terceira fase decide-se se a importância de satisfazer o segundo

princípio justifica a preterição do primeiro. E cada uma das conclusões intermédias

deve ser justificada de forma racional, mesmo para os conflitos trágicos76.

Essa ponderação de valores leva Habermas (2001:552-553), reportando-se a E.

Denninger77, a apontar para a “dissolução do poder legal - do poder legalidade das leis

e medidas – e sua substituição por um “poder apoiado na legitimidade sancionada por

juízes”.

No sistema português essa ponderação entre direitos fundamentais, porque

previstos na Constituição (art. 18.º, n.º 2, da CRP), como vimos, não cabe apenas ao

Tribunal Constitucional.

73 Fazemos corresponder a norma injusta à norma inconstitucional uma vez que, em Portugal, não

obstante as revisões constitucionais que têm ocorrido, não se têm discutido questões prementes ao nível de direitos, liberdades e garantias não previstos nesse texto fundamental. 74

Não se trata aqui das convicções morais subjetivas do aplicador. 75

Recorde-se o art.1.º da Constituição: Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. 76

Lariguet (2004) que os define como não tendo resolução racional possível. 77

Verfassugsrechtliche Schlüsselbegriffe, en Ch. Broda, (1985), p. 284.

27

2.3. O juiz perfeito: características do bom juiz

O que é que um juiz deve ter? Que características pessoais? E no

procedimento? De que regras não pode um juiz arredar-se? E a decisão? Basta a

obediência à sistematização legal que determina que primeiro vem a identificação das

partes, depois o objeto do litígio, etc.?78

2.3.1. A pessoa

Longe vão os tempos em que a obrigação de reserva e a dignidade dos juízes

eram garantidas com regras como:

- Os magistrados só podiam contactar uns com os outros, não alargando o

círculo de amigos às pessoas da comunidade;

- Os magistrados não podiam exercer funções nos locais da sua naturalidade

(relativamente aos juízes de fora do Antigo Regime) e não deviam exercer funções

prolongadamente no mesmo círculo;

78 Cf. o artigo 659.º do Código de Processo Civil (sentença): 1— A sentença começa por identificar as

partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2— Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 3— Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. 4— No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais; indicar a proporção da respectiva responsabilidade e determinar a aplicação das secções B ou C da tabela I anexa ao Regulamento de Custas Processuais, quando seja caso disso. 5— Se tiver sido oral a discussão do aspecto jurídico da causa, a sentença pode ser logo lavrada por escrito ou ditada para a acta. Cf. o art. 374.º do Código de Processo Penal (Requisitos da sentença): 1 - A sentença começa por um relatório, que contém: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis; c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido; d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada. 2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém: a) As disposições legais aplicáveis; b) A decisão condenatória ou absolutória; c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime; d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal; e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal. 4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.

28

- Os magistrados deviam ser casados (Homem, 2003: 760).

Na obra Judex Perfectus são apontadas outras características: as estritamente

pessoais, como ser virtuoso, resoluto, forte, corajoso, não importando a formosura

corporal; e as técnicas, (acrescentamos nós) como o rigor técnico e jurídico, a

preparação e a formação permanente79, a sensatez ou sabedoria prática, “capacidade

de isolar aquilo que neles [casos concretos] é verdadeiramente importante e de criar

os meios para decidi-los” (Solum, 2009: 28).

Sobre a experiência: “pode alguém acomodar-se a esse proceder empírico,

dizendo: “tenho cinco, dez ou vinte anos de motivações produzidas e não necessitei

nunca de me questionar ou confrontar com os fundamentos epistemológicos do que

faço”? – Seguramente, não pode!” (Borges, 2008: 298).

E considerando o resultado do nosso inquérito, também diríamos que a

experiência, ou a antiguidade no exercício da profissão, não tem grande relevância no

que toca às posições tomadas quanto ao que seja um bom e mau juiz: assim, em geral

a imparcialidade foi escolhida pelos juízes em geral como algo que caracteriza o “bom

juiz”80.

Então, sobre as características do “bom juiz”, destacamos: a noção de que

enquanto pessoa está sujeita e condicionada por fatores emocionais, alguns

inconscientes. Como no-lo faz notar António Hespanha, parte da estratégia dos

advogados passa por procurar persuadir com a simplificação da narrativa “em matéria

de estratégia da prova, selecionando a factualidade e os testemunhos mais expressivos

e vibrantes, aproximando eventualmente o enredo probatório dos modelos de

histórias das séries televisivas”. É verdade que tais procedimentos são mais

compreensíveis pelo cidadão comum, mas trazem com eles uma intenção subjacente

que é a de condicionar o interlocutor (Hespanha, 2009: 420), no caso, o juiz. Referindo-

se mais uma vez a Sherwin, o nosso autor (2009: 425) enuncia o perigo da “mistura do

79 Fator de qualidade das decisões judiciais, segundo o Parecer do CCJE n.º 11 (2008), § 3. Disponível em

http://wcd.coe.int/wcd/ViewDoc.jsp?Ref=CCJE(2008)OP11&Language=lanEnglish&Ver=original&Site=COE&BackColorInternet=FEF2E0&BackColorIntranet=FEF2E0&BackColorLogged=c3c3c3 [Consult. em 03.07.2012]. 80

Desenvolvimentos mais à frente.

29

ficcional e da realidade esbater a capacidade para distinguir a verdade da

interpretação, da criação ou da fantasia, corroendo, com isto, valores que, pelo menos

no domínio da prova e da formação da convicção dos juristas clássicos, são centrais.” E

conclui, dizendo: “não podemos suprimir os meios de avaliar e decidir mais queridos

ao direito e longamente testados pelo tempo, apenas porque eles já não estão na

moda.” (2009: 426).

Importa recuperar duas características/capacidades que nos parecem

fundamentais ao exercício da função judicativa: a da valorização da crítica81 de tal

modo que possa absorver o que ações de formação e confrontação de saberes e

práticas podem ensinar; e a capacidade de comunicar. Diríamos, desta última, que se

trata de característica que necessariamente estará em cada juiz já que o mesmo

saberá falar, ler e escrever. Todavia a associação não deve ser tão precipitada.

Como vimos, o juiz profere decisões que são dirigidas às partes, algumas com

advogado, outras sem advogado. Mas ainda que o advogado possa exercer também a

função de esclarecer o seu cliente, a decisão é-lhe dirigida e, portanto, deve, no

essencial, ser percebida pela pessoa a quem é dirigida sem qualquer mediação.

É óbvio que será mais fácil ao juiz adaptar o seu discurso à pessoa particular

que tem perante si quando a decisão a proferir é oral. No entanto, quando o ato é

escrito, ele deve ser compreendido não apenas por um auditório especializado

(técnico-jurídico) mas por qualquer pessoa de cultura média.

Destaco ainda:

- Valorização de outros ramos do saber conducentes à assessoria técnica ou a

audição de peritos.

Hoje impõe-se que o juiz conheça o mundo em que vive e a comunidade onde

exerce a função, desde logo porque o caso concreto a resolver é um caso da vida: tem

vida pessoal, familiar e social, ainda que alguma atividade social lhe esteja vedada82.

81 Ver o citado Parecer do CCJE n.º 11 (2008).

82 Nota

91.

30

Mas “sempre se pressupôs que os juízes fossem dotados de uma personalidade

moral especial (…) É como se a virtuosa vida privada que os juízes deveriam levar sob o

ponto de vista moral, fosse uma condição necessária para o desenvolvimento correcto

da sua própria função jurisdicional, sob o ponto de vista técnico. E «podem as “más

pessoas” ser bons juízes?” (Malem Seña, 2007: 31-32).

Este autor enuncia exemplos de condutas ditas impróprias, segundo a moral

social vigente, e dá exemplos que distinguiria entre aquelas que têm uma vertente

íntima (como a vida sexual) e outra que se manifesta externamente nas relações com

os outros: o caso do juiz que insulta o árbitro num jogo de futebol, o juiz que tem por

amigos delinquentes, o juiz adicto do jogo, o juiz que pertence a associações

xenófobas; ou, por outro lado, o juiz que pertence à Cruz Vermelha ou à Amnistia

Internacional; o juiz extravagante que se apresenta segundo um gosto estético que

não é partilhado pela maioria da população do local onde exerce a sua profissão, o juiz

que não cumpre as regras do Código da Estrada e que não paga a segurança social da

empregada doméstica.

Do inquérito que fizemos, resultaram os seguintes dados:

Sobre as características do “bom juiz”, nenhum dos inquiridos indicou

características que podem reputar-se de pessoais como a cordialidade ou a

pontualidade83. No entanto, não deixaram 26,9% de referir em comentário a

importância da conjugação de diversas características, umas pessoais, outras de

procedimento. Já o “mau juiz” é relacionado por 12,7 % dos inquiridos84 com

“arrogância“, de onde se destacam os juízes mais novos (até 3 anos com 27,3%)85 e os

que situam no patamar seguinte em termos de antiguidade (26,5%) 86 contra os

valores de 2,1% e 5,6% dos restantes87. Uma nova maneira de ser juiz?

Verifica-se “um interesse crescente pelas éticas profissionais. Pense-se, por

exemplo, na irrupção da ética dos negócios, da ética dos jornalistas, da ética das

83 Cf. anexo II, gráfico 2.

84 Assinalada a violeta – cf. anexo II, gráfico 3.

85 A cor de laranja - cf. anexo II, gráfico 12

86 Assinalado a azul - cf. anexo II, gráfico 12.

87 Assinalados a violeta e encarnado - cf. anexo II, gráfico 12.

31

profissões médicas, da ética dos cientistas, etc. Todas estão a adquirir uma relevância

de que terão carecido durante muito tempo” (Regla, 2009: 526).

Veja-se o Compromisso ético dos juízes portugueses – Princípios para a

Qualidade e Responsabilidade88 que visa “enaltecer, valorizar e divulgar os valores

essenciais da Ética Judicial, a independência, a imparcialidade, a integridade, o

humanismo, a diligência e a reserva.” Veja-se ainda a Magna Carta dos Juízes do

CCJE89.

No entanto, é claro que a idoneidade constitui qualidade pressuposta do juiz já

que este é um critério de avaliação no âmbito das inspeções90. E que o

comportamento impróprio de um juiz é transferível para o conjunto da judicatura e

que a perceção de um caso particular gera ou permite gerar uma generalização a todos

os juízes e por isso, fazer diminuir o respeito pelos órgãos de justiça. Por isso

“pareceria prudente exigir ao juiz um comportamento apropriado, isto é, que ao

menos se abstenha de realizar as ações que possa vir a condenar” (Malem Seña, 2007:

47-48).

Quanto ao mais, percebe-se que, por exemplo, a importância da orientação

sexual ou a maneira como o juiz se apresenta é mais volátil no sentido em que a moral

social é mais permissiva ou mais indiferente a tais aspetos, tanto mais quanto o

procedimento e a decisão obedecerem às regras e boas práticas que enunciaremos.

De facto, a função de julgar impõe ao juiz certos deveres que não são exigidos a

outros atores que exercem funções no espaço social: por exemplo, é-lhes vedada a

atividade política e o exercício de outra atividade remunerada91.

88 Inspirada em documentos similares de outros países e organizações; data a publicação de 2009 e está

disponível no sítio da ASJP, em concreto em http://www.asjp.pt/wp-content/uploads/2010/04/1-Vers%C3%A3o-em-portugu%C3%AAs-COMPROMISSO-%C3%89TICO-DOS-JU%C3%8DZES-PORTUGUESES.pdf [Consult. em 03.07.2012]. 89

Entre outras matérias tratadas que justificam a consulta em www.coe.int/CCJE - cf. “18. A ação dos juízes deve ser guiada por princípios deontológicos, distintos das regras disciplinares. Esses princípios

devem ser treinados pelos juízes assim como considerados na respetiva formação.” 90

Art. 34.º, n.º 1, do EMJ: A classificação deve atender, entre outros critérios, à idoneidade. 91

Art. 11 do EMJ: 1 - É vedada aos magistrados judiciais em exercício a prática de actividades político-partidárias de carácter público. 2 - Os magistrados judiciais na efectividade não podem ocupar cargos políticos, excepto o de Presidente da República e de membro do Governo ou do Conselho de Estado.

32

2.3.2. O procedimento: cumprindo os princípios do contraditório, da

imediação e da imparcialidade

Além de regras precisas que dão indicações quanto ao passo seguinte do

processo, existem princípios que foram sendo desenvolvidos pela ciência jurídica e

afirmados na lei. Todos integram e dão corpo ao ritual que não tem mero sentido de

afirmação de poder (já que é o juiz que preside ao ato92), mas cumprido em função da

sua vertente instrumental estética e comunicativa (Poullard, 1999: 7).

O princípio do contraditório

Mesmo quando nas Ordenações Filipinas se previa o poder de o rei julgar

segundo a sua consciência e não de acordo com o que resultasse do processo, era

ressalvado o dever de ouvir a parte interessada por este ser um princípio do direito

natural que não admite derrogação (Jorge de Cabedo, apud Barbas Homem,

2003:134).

Com efeito, o abrandamento do processo para audição da parte contrária (veja-

se o caso do réu no processo civil e contra o qual foi formulado um pedido, ou o do

arguido no processo penal contra o qual foi formulada uma acusação da prática de um

crime a culminar na aplicação de uma pena) constitui princípio metodológico

fundamental e adquirido que permite legitimar a decisão: o terceiro imparcial ouve as

partes e após decide; nessa decisão, seja quanto aos enunciados de facto que julga

provados, seja quanto à decisão de direito (saber se a situação preenche ou não uma

Art. 13.º, n.º 1: Os magistrados judiciais, excepto os aposentados e os que se encontrem na situação de licença sem vencimento de longa duração, não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional, salvo as funções docentes ou de investigação científica de natureza jurídica, não remuneradas [destaque nosso], e ainda funções directivas em organizações sindicais da magistratura judicial. 92

Declarando aberta e finda a audiência e determinando os atos que aí são praticados – art. 650.º do Código de Processo Civil: 1— O presidente do tribunal goza de todos os poderes necessários para tornar útil e breve a discussão e para assegurar a justa decisão da causa. 2— Ao presidente compete em especial: a) Dirigir os trabalhos; b) Manter a ordem e fazer respeitar as instituições vigentes, as leis e o tribunal; c) Tomar as providências necessárias para que a causa se discuta com elevação e serenidade; d) Exortar os advogados e o Ministério Público a que abreviem os seus requerimentos e alegações, quando sejam manifestamente excessivos, e a que se cinjam à matéria da causa, e retirar-lhes a palavra quando não sejam atendidas as suas exortações. e) Significar aos advogados e ao Ministério Público a necessidade de esclarecerem pontos obscuros ou duvidosos; f) Providenciar até ao encerramento da discussão pela ampliação da base instrutória da causa, nos termos do disposto no artigo 264.º.

33

certa previsão normativa) o juiz pondera os argumentos trazidos de um e do outro

lado. O direito à palavra de cada uma das partes está previsto no art. 6.º da Convenção

Europeia dos Direitos do Homem sob a epígrafe direito a um processo equitativo.

Esta regra implica que qualquer um dos intervenientes tem direito a fazer valer

o seu ponto de vista, independentemente da sua condição (Ost, 1993:192).

O princípio da imediação

Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham

assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência final93.

Impõe-se, assim, o contacto direto entre o julgador e os meios de prova, o que

irá permitir àquele tomar posição com mais segurança quanto às provas e decidir

quanto aos “factos provados e “factos não provados”.

Por isso, tendo em conta este princípio, os mecanismos que permitem a outro

juiz ouvir uma testemunha e reduzir o seu depoimento a escrito ou mesmo em suporte

áudio são de evitar. Por outro lado, o mecanismo de teleconferência, visto como um

avanço sem necessitar de justificação,94 significa, neste contexto, um retrocesso não

obstante as vantagens para as pessoas que são arroladas como testemunhas.

O princípio da imparcialidade

Os tribunais decidem com imparcialidade os conflitos concretos. Para ser

imparcial, o juiz tem de estar equidistante das partes. Por isso, estão previstas causas

de afastamento do juiz do caso: impedimentos e suspeições, como vimos acima.

“Le juge juste sera impartial” diz-nos Perelman (1990: 235): não só no sentido

acabado de expor mas também naqueloutro em que o juiz está empenhado em fazer

cumprir os valores da comunidade.

“O ideal de um juiz independente e imparcial designa um juiz que não tem

outros motivos para decidir que não o cumprimento do dever. O cumprimento do

dever explica e justifica as decisões que toma; ou dito de outra forma, os motivos por

93 Art. 654.º, n.º 1, do CPC sob a epígrafe princípio da plenitude da assistência dos juízes.

94 Ver o Preâmbulo do decreto-lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, que previu essa possibilidade,

alterando o art. 623.º do CPC.

34

que decide (a explicação da decisão) coincidem com a motivação (a justificação) da

decisão” (Regla, 2009:529)95.

Mais uma vez, reportando-nos aos resultados do inquérito realizado aos juízes

portugueses, resulta evidente que a imparcialidade se destaca como característica do

bom juiz, já que foi escolhida por 68,2% dos inquiridos96.

Parece todavia que a importância da imparcialidade decresce à medida que a

antiguidade é maior: assim, o primeiro grupo (até 3 anos), 81,8% e os seguintes,

76,5%, 63,8% e 55,6%, respetivamente.97 – os extremos tocam-se? As respostas

comentadas indicam que não; não obstante a indicação de outras características

(desde logo o “bom senso”, a “conjugação de todos os parâmetros indicados”, a

“capacidade de resolução dos problemas processuais”, “capacidade de comunicação

com todos os intervenientes de forma prática, rápida e exequível”, “capacidade de

fazer justiça no caso concreto”, “capacidade de se fazer compreender nas decisões

tomadas”, “sólidos conhecimentos legais e da vida”, “preocupação com o rosto por

detrás do processo”, “capacidade de conciliação”, “segurança”, “capacidade de inovar

face às novas situações da vida”, “humanismo”, “independência”, “isenção) a

imparcialidade é referida por quase todos.

2.3.3. A decisão: Como fundamentar? Como comunicar?

Sobre a natureza e função do “veredicto” Pierre Bourdieu observa que “[o]

veredicto do juiz, que resolve os conflitos ou as negociações a respeito de coisas ou de

95 Esta regra fundamental não se situa no plano abstrato. A este propósito, veja-se o caso Olujić vs. Croatia (acórdão da 1.ª secção do TEDH, de 5 de fevereiro de 2009, disponível em. echr.coe.int/hudoc - lugar de onde foram extraídas todas as referências aos acórdãos do TEDH) no qual um antigo juiz e presidente do Supremo Tribunal, além de membro do Conselho da Magistratura, foi demitido por ter sido acusado de confraternizar e de proteger os interesses financeiros de dois criminosos muito conhecidos. Ocorre que os três juízes que no Conselho de Magistratura decidiram nesse sentido tinham antes comentado nos media tal situação de forma negativa, além de terem manifestado opinião sobre o mesmo juiz, designadamente que carecia de experiência e de conhecimento. Um deles votara contra o visado na eleição para presidente do Supremo Tribunal. Acresce que tal posição foi de alguma forma confirmada no procedimento, com a rejeição sucessiva de provas apresentadas pelo acusado. Sobre a situação objeto do procedimento disciplinar, remetemos para o ponto supra (2.3.1.). 96

Representada a verde – cf. anexo II, gráfico 2. 97

Assinalados a cor de laranja, azul, violeta e vermelho – anexo II, gráfico 11.

35

pessoas ao proclamar publicamente o que elas são na verdade, em última instância,

pertence à classe dos actos de nomeação ou de instituição, diferindo assim do insulto

privado – idios logos -, que só compromete o seu autor, não tem qualquer eficácia

simbólica; ele representa a forma por excelência da palavra autorizada, palavra

pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos” (Bourdieu, 1989: 236).

A seguir às “cinco lições sobre a justiça”, Perelman (1990:249) abre “justice et

raisonnement”, com referência a decisões do quotidiano ou importantes mas

relativamente às quais não passaria pela cabeça de alguém qualificá-las como injustas,

como decidir ir jantar a determinado restaurante, passar um mês de férias em

Florença ou pedir uma jovem em casamento. Isto para dizer que para afirmar que uma

decisão é justa ou injusta é necessário o apelo a um critério estabelecido, já que o

exercício do poder de decidir, em direito, supõe sempre a possibilidade de uma

escolha razoável de entre várias soluções (Perelman, 1990:674).

Mas o autor acrescenta que “[n]ão é suficiente declarar que o julgamento se

funda numa intuição ou num sentimento, um «não sei o quê» que desperta a simpatia,

como no caso do amor” (1990: 249).

Se no tempo da afirmação do positivismo, bastava a indicação pelo juiz da

norma aplicada, “um poder [o judicial] nulo, entregue a um corpo não

profissionalizado de autómatos que se deverão limitar a aplicar mecanicamente o

fruto da função legislativa” (Silva, 2011:196), agora é diferente, esse entendimento

está ultrapassado, “a decisão judiciária tem o estatuto de uma téchné, na medida em

que ali se promove o labor reflexivo de natureza teorética do saber jurídico sobre o

dado empírico da materialidade dos factos” (Borges, 2005: 166).

Há ainda que ponderar que a fundamentação também se destina aos cidadãos

e como tal pode exercer uma ação pedagógica sobre a comunidade. A motivação

também pode ser “uma tribuna privilegiada de o fazer, acentuando e ampliando o seu

teor justificatório e pedagógico e reforçando, por essa via, a credibilização da justiça e

dos tribunais” (Borges, 2005: 182).

36

Além da imposição constitucional98, a lei processual penal e civil prescrevem o

dever de fundamentação das decisões99. Consiste em dar as razões por que se decide

quer às partes (função interna ou endoprocessual) quer a terceiros, no limite, a todos

os cidadãos (função externa ou extraprocessual); daí ser vista também como uma

forma de legitimação do poder judicial. No entanto, trata-se de forma de legitimar

qualquer poder. Qualquer afirmação deve dar razões e não ser aceite enquanto ato de

autoridade que a decisão judicial também é100.

São apontadas muitas vezes críticas aos juízes por fundamentarem (de direito)

em excesso as decisões, pelo menos no que se refere a considerações doutrinárias

(opiniões de autores) ou referências jurisprudenciais (sobretudo de tribunais

superiores) que conduzem a um alongamento do texto, a “tratados” como se refere na

gíria, sem consequência prática na resolução do caso concreto. Uma explicação

apontada para tal realidade, já que o dever de fundamentação não justifica tudo,

prende-se com a preparação técnica e categoria intelectual constituírem

tradicionalmente critérios de avaliação nas inspeções regulares aos juízes e, portanto,

as citações serem entendidas como um índice de erudição e de categoria

intelectual101.

Ora, é expectável que o juiz, além de conhecer a lei, conheça as decisões dos

tribunais superiores sobre a matéria que vai julgar, conheça os estudos dos

professores de direito sobre o mesmo assunto. Mas o que as partes envolvidas e a

comunidade esperam é que o juiz dê as razões por que decide de certa maneira e não

98 As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na

lei – art. 205.º, n.º 1 - dever constitucional introduzido com a revisão de 1982 (lei constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro). 99

- Processo civil (art. 158.º do CPC): 1 -As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas; 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. - Processo penal (art. 97.º, n.º 4, do CPP): Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e da decisão; ver ainda a propósito da fundamentação do despacho que aplica medidas de coação o art. 194.º, n.º 4, e da sentença o art. 379.º, n.º 1, al a), ambos do CPP. 100

As decisões judiciais são obrigatórias, como já vimos. 101

Apesar de o art. 34.º do EMJ enunciar como critério de avaliação também a “simplificação dos atos processuais”. De todo o modo, a realidade descrita está a mudar: a título de exemplo, vide o curso “Gestão processual”, destinado aos magistrados e ministrado pelo CEJ em 22.06.2012, cujo programa e sumários estão disponíveis em elearning.cej.mj.pt/course/view.php?id=23&username=guest [Consult. em 03.07.2012].

37

de outra. Razões que possam ser sindicáveis em sede de opinião ou em sede de

recurso. O que interessa são os argumentos utilizados e não tanto a fonte de onde eles

emergem102. O argumento de autoridade é dos mais fracos de entre os que podem ser

enunciados. É que o mais conhecido e reconhecido dos autores não tem de estar

sempre certo ou colher sempre da comunidade um sim de assentimento ao que é

afirmado103. Muito embora se reconheça que, até no campo de outras ciências sociais

(como a economia) “uma boa parte do tempo do trabalho dito “científico” (…) consiste

em tentar convencer interlocutores de alguma coisa” e que “o argumento de

autoridade também intervém (…): se tão eminentes economistas o disseram, é para

acreditar.” (Cunha, 2005b: 5-7).

Acresce o argumento do precedente. Ao contrário do que sucede com outros

ordenamentos, a circunstância de num caso semelhante haver decisão anterior e tal

condicionar a decisão que se deve tomar, não vigora entre nós. Existem os Acórdãos

de Uniformização de Jurisprudência que, não sendo obrigatórios, decisão contrária

permite recurso 104. E neste ponto, apesar de tal dever não resultar da lei, enriquece a

decisão a ponderação dos argumentos, eles próprios, apresentados pelos interessados.

No processo de decisão, o princípio do contraditório está presente e vemos

como as características pessoais, inatas ou desenvolvidas, como a capacidade de ouvir

o outro e de esse outro estar presente no processo de decisão é fundamental para

aquela finalidade.

O juiz pondera resultados possíveis, alguns propostos pelas partes, outros

resultantes dessa conjugação e da sua própria reflexão. Em momento anterior à

fundamentação de direito, e depois de assistir à apresentação ou produção das provas

o juiz procede à respetiva valoração conjunta e decide quais os enunciados de facto

provados e não provados. Também aqui deve dar as razões da decisão para as partes

que têm acesso ao processo e para a comunidade em geral. Por isso a fundamentação

102 Ainda que por razões de honestidade intelectual se indique a fonte de certo entendimento.

103 “A referência à competência dos outros para justificá-lo, como qualquer outro argumento, fica aberta

à discussão (…) É possível e, em via de regra, necessário, abordar a questão de que se o que é dito é substancialmente correto” (Alexy, 2001: 189). 104

Art. 678.º, n.º 1, al. c), do CPC.

38

deve ser completa. E tal dever de fundamentação é tão mais relevante quanto mais

diferentes forem as versões das partes, já que é a partir dos “factos”105 que se decide

que norma aplicar, o mesmo é dizer, que consequência jurídica retirar.

O princípio da livre apreciação da prova106 não significa arbitrariedade: exige

análise e exposição das razões por que se atendeu a um certo depoimento e não a

outro, por que se excluiu um documento apresentado, etc.

Por outro lado, existem algumas restrições a esse princípio: documentos

autênticos ou autenticados (art. 169.º do CPP e 371.º do CC), prova pericial (art. 163.º

do CPP), confissão integral e sem reservas (art. 344.º do CPP)107.

E ainda os limites negativos a que já aludimos108. E ainda a regra da proibição

de valoração de certas provas. Nesse caso, se a prova existente não pode ser valorada,

verifica-se um “vazio” (Ibáñez, 2006:45). E sem acontecimento não há consequência

jurídica.

A libertação do discurso jurídico em relação ao latim está ligada ao programa

iluminista de acesso ao direito, de acesso à justiça. (Homem, 2003: 805).

A introdução dos meios informáticos no processamento de texto permitiu

outro passo largo no caminho de acesso à justiça. De facto, os textos manuscritos eram

por vezes ilegíveis109. Hoje, a informatização dos textos não trás esse problema mas a

leitura que se faz nem sempre coincide com a mensagem que se quis passar. O esforço

deve ser do emissor que tem perante si, não só o advogado (com domínio da técnica

jurídica) mas qualquer membro da comunidade com um grau médio de cultura. Por

exemplo, nas decisões deve ser percetível o que é a história do processo, a questão a

105 “O coração da decisão” segundo Michele Taruffo, numa palestra no Tribunal Eleitoral de Chihuahua,

México, em abril de 2010, [consult. em 20.01.2011] disponível em http://video.filestube.com/watch,4bb65fe5b424be0f03e9/Taruffo-8.html. 106

Cf. os arts.127.º do CPP e 655.º do CPC. 107

Sobre o direito à prova e a análise da jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto à limitação dos meios de prova, vide Nuno Lemos Jorge (2008), «Direito à prova: Brevíssimo roteiro jurisprudencial», in Julgar, n.º 6, set.-dez. de 2008, pp. 99-106. 108

Arts. 32.º 8 CRP, 125.º e 126.º do CPP que consideramos aplicável, por maioria de razão, ao processo civil. 109

A denúncia dessa ilegibilidade no processo levava a que o texto em causa fosse datilografado posteriormente.

39

apreciar e a fundamentação e decisão através de uma apresentação esquemática e

bem diferenciada de cada uma das partes.

Na sala de audiências, a palavra dos intervenientes e do juiz que preside à

audiência deve ser audível e o ritualismo processual da audiência ser compreensível e

ter presente que: “o ritual define os gestos, os comportamentos, as circunstâncias e

todo o conjunto de sinais que devem acompanhar o discurso; o ritual fixa, por fim, a

eficácia, suposta ou imposta, das palavras, o seu efeito sobre aqueles a quem elas se

dirigem, os limites do seu valor constrangedor” (Foucault, 1999: 39), sem prejuízo de a

decisão dever ficar escrita no processo (com indicação das normas aplicáveis e sua

discussão) e a comunicação ser preferencialmente oral de modo a permitir a

adaptação do discurso ao auditório particularíssimo que está perante o julgador.

Em ambos os casos é exigida a competência comunicacional do juiz.

Bourdieu (1989:226) afirma que a linguagem jurídica não deixa de consistir

num uso particular da linguagem vulgar mas com tantas especificidades110 que justifica

que se defenda a fuga ao hermetismo do discurso que Ibáñez entende que se deve

integrar “num desenho estratégico ambicioso de mudança cultural” (Andrés Ibañez,

2006: 51). Ou a fuga à discursividade técnica que, a par da burocracia, cumpre, “na

maior parte dos casos, uma função inibidora, indutora de descrença nos cidadãos no

que respeita à transparência e lisura do que se passa no quadro da concreta realização

da Justiça” (Borges, 2009: 306).

No fundo, trata-se de dar consistência à função de julgar em nome do povo. E

esperar que a pergunta final “alguma dúvida?” não seja entendida como pergunta

retórica.

110 Sobre o caso da linguagem usada pelo tribunal nas audiências, cf. Conceição Carapinha (2005: 20) e

em concreto quando nos serve o aperitivo, na introdução, referindo que a linguagem usada é “sentida

pelos falantes como muito prolixa, relativamente densa, às vezes incompreensível, como se de uma

outra língua se tratasse.”

40

III. A JUSTIÇA E OS MEDIA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

“[T]he peculiar evil of silencing the expression of an opinion

is, that it is robbing the human race; posterity as well as the existing

generation.”111

3.1. A liberdade de pensamento e de expressão e o direito ao insulto

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra (n.º 1 do art. 10.º) o

direito à liberdade de expressão nestes termos: Qualquer pessoa tem direito à

liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade

de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de

quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. A CEDH é, como

sabemos, aplicável no nosso ordenamento jurídico por via do art. 8.º da

Constituição112.

Todavia, já no seu art.9.º, a CEDH proclama que toda a pessoa tem direito à

liberdade de pensamento113, sem quaisquer restrições. Neste sentido, a liberdade de

pensamento é prévia em relação às demais “liberdades negativas” consagradas na

Convenção. Eugène Enriquez enfatiza a importância deste direito fundamental,

quando diz: “Ser reconhecido como sujeito psíquico é ser respeitado em seu fórum

interior, no seu trabalho de pensamento, na sua actividade de sublimação (…)”

(Enriquez, 2006: 4).

A liberdade sem limites é reconhecida também para a expressão de ideias e

opiniões? O art. 37.º da Constituição não salvaguarda outros direitos em confronto

111 John Stuart Mill, On Liberty (2.º cap.), Indianapolis: Bobbs-Merrill Educational Publishing, 1977.

112 2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas

vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.(…) 4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático. 113

Art. 9.º da CEDH sob a epígrafe Liberdade de pensamento, de consciência e de religião.

41

com a liberdade de expressão. A resposta é dada no entanto pelo art. 18.º da mesma

lei fundamental.

A afirmação da liberdade de expressão, de tão ampla, compreende o direito ao

insulto? As pessoas devem ser livres de incitar ao ódio racial, por exemplo?114 É que,

por definição, a liberdade de expressão é afirmada sobretudo para aquelas situações

em que a palavra ofende, choca ou incomoda115.

Não haveria necessidade de estabelecer em Declaração Universal ou

Convenção Europeia a liberdade para exprimir palavras agradáveis; essas são aceites

naturalmente.

“A liberdade de expressão significa permitir não apenas a expressão, defesa e

ensino de ideias que nos são indiferentes, mas também de ideias que nos fazem sentir

ofendidos porque consideramos que estão profundamente erradas” (Murcho, 2010:

23). E continua o autor: “deve haver liberdade de expressão de ideias falsas porque

isso nos dá uma oportunidade rara para compreender melhor o fundamento das

verdadeiras” (2010: 27), na linha do que defendia John Stuart Mill e Milton116.

Quanto ao hate speech, a sociedade é menos tolerante, sobretudo quando está

em causa a posição jurídica de pessoas de etnia diferente, os negros, mulheres,

homossexuais, relativamente a quem não se admite discursos discriminatórios ou de

incitamento ao ódio. “Quando determinadas condutas expressivas tenham como único

objectivo a ofensa, humilhação, descriminação e estigmatização de um determinado

grupo, não deverão ser reconhecidas como exercícios válidos da liberdade de

expressão, podendo ser legitimamente restringidas, na medida em que põe em causa a

igual dignidade da pessoa humana” (Meira:11).

114 Dworkin (2001: 497).

115 Cf. Caso Handyside vs. R.U. (acórdão do Plenário, de 7 de dezembro de 1976), ainda que já a

propósito do n.º 2 do art. 10.º da Convenção. 116

Autores referenciados por Verde (2000:213) que além da “teoria da verdade” aponta outras

finalidades da liberdade de expressão: a felicidade através da possibilidade de cada homem se expressar

e, com significado político, a participação dos cidadãos no processo democrático, acabando porém por

avançar que se trata de uma liberdade substantiva (a restringir apenas no confronto com outros direitos

fundamentais e perante “necessidade social imperiosa” e não instrumental (em relação a certas

finalidades) (213-214).

42

Os tribunais americanos consideram normalmente o hate speech117 como um

discurso que faz parte de uma sociedade aberta e democrática. Existem alguns que

defendem que agride deliberadamente do ponto de vista moral (não menos grave que

uma agressão física) e que não deve por isso ser permitido nas sociedades civilizadas

(Sani, 2011: 125).

Já o TEDH identificou várias formas de expressão que são consideradas

ofensivas e contrárias à Convenção (racismo, xenofobia, anti-semitismo, nacionalismo

agressivo ou discriminação contra minorias e imigrantes)118. E, mesmo fora do domínio

desta população, quando a palavra que representa uma opinião não é minimamente

fundamentada e tem por único efeito o enxovalho de uma pessoa, sem um fim último

que seja superior, então, estamos no plano do insulto e, esse, não é tutelado. Nem a

Convenção nem a nossa Constituição (que no art. 26.º confere dignidade

constitucional ao bom nome e reputação) reconhecem o direito ao insulto, ainda que,

na prática, se admita alguma permissividade em alguns campos como o do mundo do

futebol ou da política119.

Os casos relativos a criticas a juízes podem ser de fronteira (entre o insulto e a

crítica legítima), pelo menos a avaliar pelas decisões judiciais que sobre os mesmos

têm incidido.

Sobre um caso que ocupou os tribunais espanhóis, refere-se que “quando o

jornalista demandado afirma que é um “juiz mentiroso” produz-se um salto qualitativo

da esfera pessoal para a esfera profissional do demandante. Passa-se da crítica a uma

atividade pessoal do demandante à desqualificação, genérica e incondicionada de toda

a sua atividade profisional” 120.

A história é a seguinte:

117 Mantivemos a expressão original.

118 Ficha de junho de 2012, com a denominação “hate speech” disponível no sítio do TEDH, em concreto,

em http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/D5D909DE-CDAB-4392-A8A0-

867A77699169/0/FICHES_Discours_de_haine_EN.pdf [Consult. em 15.07.2012]. 119

Nova referência no capítulo “alguns exemplos nacionais”. 120

Argumentação da decisão da segunda instância resumida no STS 8412/2009, disponível em www.poderjudicial.es/ [consult. em 12.06.2011].

43

No dia 2 de março de 1999, D. Torcuato, um conhecido jornalista, no

programa radiofónico «Protagonistas», profere a seguinte declaração: “recorda-

se daquele tertuliano mentiroso que tínhamos aqui, que era juiz, um tal juiz

[apelido]? É um mentiroso e que fique aqui claro que esse senhor é um perigo. É

um perigo nacional. Um juiz mentiroso é um perigo nacional. O que me irrita é

saber que este senhor ainda exerce funções.”

Na primeira instância, o jornalista foi condenado121, com o argumento de que a

declaração consistia num comentário a uma discussão anterior sobre se o Sr. Alejo

havia ou não escrito no Diário de Egin quando (O Sr. Alejo era tertuliano num

programa de rádio e também juiz e havia dito que nunca tinha escrito no Diário de

Egin, ainda que sem certeza – retificou depois – tendo escrito no Anuário de Egin, do

mesmo editor) empregando qualificativos com a única finalidade de o desprestigiar

profissionalmente, conclusão retirada de diversos elementos: o tom depreciativo e

insistente (chamou-lhe mentiroso por 4 vezes) e a referência constante à profissão ao

chamar-lhe “juiz mentiroso” quando a dita mentira nada tinha que ver com a atuação

do juiz enquanto tal.

Aí refere-se que “no es el derecho al honor el que está limitado por la libertad

de expresión”122.

Sucede que o Supremo Tribunal teve entendimento diverso e concluiu pela

revogação da decisão condenatória. Um dos factos relevantes, embora não muito

acentuado pelas instâncias anteriores, teve que ver com o Diário de Egin ter conotação

com organizações ilegais ligadas ao terrorismo e num caso de tanta importância não

ser admissível ao autor o reservar-se para momento posterior a retificação do que

estava a dizer, dada a sua importância. Daí a equiparação à mentira. Foi ainda

ponderado um outro aspeto: o de um juiz estar sujeito a deveres éticos que estão além

do exercício estrito da profissão.

121 Por violação do direito à honra, a ler a decisão no espaço radiofónico em causa e a pagar de

indemnização o montante de 5 milhões de pesetas. Confirmação posterior pela segunda instância (Audiência Provincial de Madrid). 122

P. 4.

44

3.2. Liberdade de expressão: um valor absoluto? O art. 10.º, n.º 1, da

Convenção Europeia dos direitos do homem

A liberdade de expressão, a par de rigor no ato de informar, é um sinal de que

vivemos num sistema democrático123 que por sua vez impõe “o pluralismo, a

tolerância e o espírito de abertura” (Barreto, 2010: 272).

Jónatas Machado (2002: 237) enuncia as comummente designadas finalidades

substantivas da liberdade de expressão em sentido amplo, como que lhe dando

fundamento. São elas: a procura da verdade; o mercado livre das ideias;

autodeterminação democrática; controlo da actividade governativa e do exercício do

poder; criação de uma esfera de discurso público e opinião pública; garantia da

diversidade de opiniões; acomodação de interesses e transformação pacífica; e

promoção e expressão da autonomia individual.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem124, a Convenção Europeia125 e a

nossa Constituição126 prevêem o direito à liberdade de opinião e de expressão de que

a liberdade de imprensa constitui elemento fundamental127.

123“A sociedade democrática é aquela na qual o público tem meios de participar de forma significativa

na gestão dos assuntos que lhe dizem respeito e aquela em que os meios de informação são abertos e livres” – Noam Chomsky, logo a abrir Media control: The spectacular achievements of propaganada, Nova Iorque, Seven Stories Press, 1997. 124

Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informação e ideias por qualquer meio de expressão – art. 19.º da DUDH aprovada em 10 de dezembro de 1948. 125

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia - art. 10.º, n.º 1, da CEDH que entrou em vigor em 3 de setembro de 1953, a vincular Portugal desde 9 de novembro de 1978, data em que o país depositou o respetivo instrumento de ratificação. 126

Art. 37.º (liberdade de expressão e informação): 1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 127

Art. 38.º (liberdade de imprensa e meios de comunicação social): 1. É garantida a liberdade de imprensa.2. A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores, bem como a intervenção dos primeiros na orientação editorial dos respectivos órgãos de

45

E essa liberdade numa perspetiva ativa pode ser exercida por qualquer ser

dotado de razão, homem ou mulher, rico ou pobre, com mais ou menos

conhecimentos ou educação. Não há discriminação possível nem segundo os critérios

do art. 13.º da CRP128 nem segundo outros que se pudessem adiantar. O que importa

para a validade da opinião é a força do argumento escrutinada de acordo com critérios

de racionalidade apresentados por um qualquer cidadão, comentador ou jornalista.

Numa perspetiva passiva, também ninguém escapa ao exercício desse direito, no

sentido em que de qualquer actividade humana se pode “dizer bem” ou “dizer mal”.

Isto tem vindo a suceder com o que designamos de poder judicial, na pessoa

dos diversos intervenientes e suas posições e decisões.

Dever-se-á considerar saudável para a democracia que os poderes instituídos

sejam postos em causa não no sentido em que deveriam desaparecer129, mas no

sentido em que as suas determinações não são acatadas pura e simplesmente mas

podem ser discutidas?

É evidente que a resposta é positiva, tanto para o poder que emana do

Parlamento, do Governo e restante Administração, como o dos tribunais. Essa

possibilidade de crítica pode colidir com outros direitos? Dir-se-á que os ministros, os

deputados e os juízes têm direito à honra pessoal e profissional. Mas pior que uma lei,

um ato administrativo ou uma sentença injustos, será calar essa injustiça. Primeiro,

porque até pode haver outros pontos de vista que façam perder a razão daquele que

critica, depois porque se se tratar de uma injustiça flagrante, o não multiplicar essa

comunicação social, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional; b) O direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais, bem como o direito de elegerem conselhos de redacção; c) O direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias. (…) 4. O Estado assegura a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social perante o poder político e o poder económico, impondo o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral, tratando-as e apoiando-as de forma não discriminatória e impedindo a sua concentração, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas. 128

O art. 13.º da Constituição consagra o princípio da igualdade: 1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 129

As críticas à democracia ainda não fizeram nascer um sistema de organização social mais querido. Por outro lado, a crítica dos tribunais não se tem centrado na substituição de juízes profissionais por leigos, na privatização da justiça ou na eleição dos juízes.

46

opinião faz calar a injustiça mas não a faz desaparecer como tudo o que envolve de

indignação transformada em revolta e desejo de vingança e violência (Ricoeur, 1997:

11).

Assim, nenhuma das manifestações de poder (muito menos os poderes sociais

instituídos) está isenta de crítica.

As restrições autorizadas e permitidas à liberdade de expressão, para proteção

do interesse geral, de outros direitos individuais e para garantia da autoridade e

imparcialidade do poder judicial carecem de uma interpretação restritiva130.

De facto, o art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem131, depois

de no n.º 1 estabelecer a regra geral da liberdade, prevê no n.º 2132 certas

formalidades, condições, restrições ou sanções a essa liberdade para garantir a

autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

Por outro lado, o art. 18.º, n.º 2, da Constituição também prevê a possibilidade

de limitação de um direito para proteção de outro de valia constitucional133.

Como nenhuma das duas regras dá soluções diretamente aplicáveis aos casos

concretos, cada uma das situações será objeto de ponderação pelos tribunais

chamados a decidir confrontados em cada caso com “o terreno movediço dos valores”

(Borges, 2008: 300).

130 Rocha (2001), N’A liberdade de expressão como direito do Homem.

131 Aplicável por via do art. 8.º, n.º 2, da Constituição.

132 2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a

certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial. 133

No mesmo sentido o art. 29.º, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem: 1) Todo o homem tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade.

47

3.3. Media vs. Justiça/juiz vs. jornalista ?

João Pissarra Esteves (2005: 13) remete-nos para a aceção precisa de media

como sendo os “modernos dispositivos tecnológicos de mediação simbólica da

experiência humana.”

O campo dos media está “destinado a assegurar a mediação entre os diferentes

campos sociais”, adianta Adriano Duarte Rodrigues (1999: 28). “No campo dos media,

as funções discursivas predominam sobre as funções pragmáticas. Podemos

inclusivamente dizer que é a gestão dos discursos que caracteriza a sua natureza”134.

Mas ao mesmo tempo, continua o autor135: “o efeito mais notável que o campo dos

media exerce sobre a nossa experiência do mundo é o chamado efeito de realidade, o

facto de a realidade tender para o resultado do funcionamento dos dispositivos de

mediação, autonomizando-se em relação à percepção imediata do mundo e

sobrepondo-se à percepção espontânea dos nossos órgãos sensoriais.”

“A visibilidade das ações e dos acontecimentos e do impacto das palavras e

imagens na forma como as pessoas normais compreendem o que está a acontecer em

locais distantes ou na forma como formam opiniões ou fazem julgamentos morais

sobre isso, tornaram-se numa parte inseparável da revelação dos eventos eles

próprios, nesta era de visibilidade mediatizada” (Thomson, 2010: 49). E isso é tanto

mais assim quando hoje temos além da palavra escrita do jornal impresso, ou o som

do rádio, a imagem e palavra falada da televisão e a interação imediata disponível quer

em programas de televisão quer através da internet (comentários a notícias no sítio do

jornal on line, facebook, twitter, etc.), eliminando os intermediários entre o(s)

emissor(es) e o(s) destinatário(s) da mensagem136.

Não deixam os media de ser considerados como um “processo manipulativo”

(Esteves, 2005: 17) e com capacidade de agendamento dos assuntos de que se fala

(agenda setting). “Numa sociedade em que os mass media se converteram no único

meio para alcançar a verdade, na única chave para abrir o caminho do conhecimento

134 Op. cit., p. 26.

135 Op. cit., p. 27.

136Para este efeito Dayan e Katz (1999: 204-205) chamaram a atenção, referindo-se a

“desintermediação”.

48

do que se passa à nossa volta, em vez de nos oferecerem uma imagem nítida dos

factos ou ajudar-nos a despertar o nosso espírito crítico perante tantas injustiças,

conseguiram adormecer-nos e transformar-nos em seres passivos” (Gil Jimenez, 2007:

1).

No entanto, a imagem do cidadão como “mero consumidor de mensagens

mediáticas” (Esteves, 2005: 15) começa hoje a ser posta em causa de que as revoltas

árabes na primavera de 2010 são um exemplo137. Já aí (Esteves, 2005: 38) adianta que

“(…) para bloquear a deriva ideológica dos media é necessária a mobilização de uma

protecção institucional por parte do Estado de Direito, mas mais importante ainda é a

presença de uma experiencia vibrante de exercício da liberdade ao nível da vida

quotidiana (em tudo aquilo que envolve as tradições e os costumes culturais, a

socialização e a cultura política em geral das populações).” Pissarra Esteves conclui o

seu raciocínio (2005: 38), com esta advertência: “[o] futuro do Espaço Público depende

menos dos media em si do que destas condições sociais concretas (…) O

recrudescimento a que hoje assistimos da Sociedade Civil torna mais credível esta

possibilidade de uma requalificação democrática do Espaço Público”138. Mas será que

isto sucede com a área da Justiça no que diz respeito à relação com o campo dos

media?

A Justiça é pública139 e portanto publicável. A Justiça ganhou um protagonismo

social através dos media. Segundo Conceição Gomes140 tal deveu-se à massificação da

procura e morosidade e ineficiências consequentes; à degradação da intervenção do

Estado no setor social com invasão do judicial em áreas reservadas antes à área

política; à visibilidade social de alguns tipos de criminalidade económica que se

apresentou como a prova pública do mau funcionamento da justiça; e ainda ao

137 Não cabe aqui analisar o caráter mais ou menos espontâneo das revoltas na Tunísia ou no Egito.

Destaco apenas a importância da ação dos cidadãos e do meio através do qual se mobilizaram. 138

Habermas (2001: 447) define a sociedade civil como a composição de “associações, organizações e movimentos surgidos de forma mais ou menos espontânea que captam a repercussão que os problemas sociais têm na vida privada, a condensam elevando por assim dizer o seu volume, e a transmitem ao espaço da opinião político-pública.” 139

As audiências são públicas (regra geral da primeira parte do art. 206.º da Constituição). O acesso aos processos civis está regulado no art. 167.º do CPC e os penais no art. 86.º, 89.º e 90.º do CPP. 140

Em conferência sob o título “A mediatização da justiça: contextos e desafios”, CES, Lisboa, 22 de outubro de 2010.

49

desenvolvimento das tecnologias de comunicação e de informação e liberalização dos

meios de comunicação social.

Na verdade, a sociedade agora chamada de “sociedade de informação”141 na

qual a base técnica universal é a digitalização, faz circular os dados em redes

eletrónicas (Neves, 2007: 60), portanto, tudo com muita rapidez, ao segundo,

contrastando de forma evidente com outros tempos.

De todo o modo, o sistema de justiça aparece como uma “realidade

socialmente construída” (Commaille, 1994:12)142 pelas representações que se têm

dela.

E até podiam ser só complementares as funções dos media e da justiça

(quando por exemplo um jornal noticia que “A” vai ser sujeito a julgamento no dia “X”

pela prática dos crimes “Z”). Mas, reportando ainda a Commaille, as funções sociais da

justiça e dos media são muitas vezes concorrentes, com os media a tentarem suprir as

falhas da justiça e aspirando impor a sua definição do que é justo e verdadeiro (2009:

15). E os meios utilizados são muitas vezes sucedâneos dos usados no sistema judicial:

por exemplo, o testemunho. Sucede que “no testemunho, o destinador possui o

privilégio exclusivo de deter o poder de controlar a veracidade da sua mensagem, pelo

facto de ter experienciado directa e imediatamente os fenómenos e os

acontecimentos que narra. Por essa razão, a credibilidade da mensagem trocada

depende exclusivamente do reconhecimento por parte do destinatário do capital de

credibilidade que está disposto a atribuir ao destinador da mensagem” (Rodrigues,

1997: 1). E continua: “existe, muitas vezes e em especial no meio jornalístico, a

pretensão de valorizar esta modalidade de comunicação da experiência, em nome da

autenticidade da comunicação e da vontade de eliminação das eventuais distorções

que os dispositivos de mediação podem provocar.”

141 Oliveira Ascensão (1999: 9) explica a origem do que chama puro slogan.

142 Citando Berger e Luckmann em La construction sociale de la réalité, Paris, Méridiens-Klincksieck,

1986.

50

O cenário de crise da Justiça está associada àquela que é feita nos tribunais

judiciais por morosa143, opaca144 ou injusta145, portanto, inoperacional, disfuncional,

características negativas que são atribuídas aos tribunais e amplificadas nos media.

Na verdade, não se trata de peculiaridade da Justiça146. Mas é um facto que os

media se têm interessado pelos paradoxos; não pelo funcionamento normal da justiça,

mas dos casos insólitos e daqueles que representam de alguma forma a injustiça, quer

no procedimento quer na decisão. Por isso, a exposição envolve um maior escrutínio

da instituição por qualquer cidadão que exprime a sua opinião, não só perante outros

cidadãos mas perante atores dessa instituição. E se a imagem da desconfiança

relativamente ao tribunal é a que passa na televisão ou numa página de jornal on line,

essa imagem multiplica-se com comentários ou com discursos diretos perante e pelos

atores, eles próprios.

É importante estar atento ao que é divulgado nos media e refletir: a situação

relatada é só uma parte do caso? Mas se a imagem negativa for justa, impõe-se ter

abertura para mudar ou aceitar discutir a mudança?

É que é graças aos media que situações indesejáveis antes escondidas ou, pelo

menos, não conhecidas do grande público, vieram à luz do dia: “o antes invisível

tornou-se visível para todos verem”, nas palavras de Thomson (2010: 31)147.

De entre os diversos problemas no contacto entre o campo judiciário e o

campo mediático, a linguagem e o tempo são seguramente dois dos mais recorrentes.

143 Que dizer dos Tribunais Administrativos e Fiscais (estão fora da ordem dos Tribunais Judiciais) mas

quanto a esses fala-se em arbitragem necessária (veja-se comunicação em colóquio em http://arbitragem.pt/noticias/2011-01-27--coloquio-comunicacao.pdf [acesso em 05.06.2011]. 144

Não obstante a publicidade da maioria dos processos judiciais (e mesmo daqueles sob segredo de justiça), as decisões e os procedimentos são muitas vezes incompreensíveis/incompreendidos por muitas razões que não vamos desenvolver aqui. 145

Reportamo-nos a decisões judiciais alvo de crítica, designadamente nos media, e que passam a ideia de uma justiça de fraca qualidade. 146

“Os media têm manifestado um interesse crescente pela vida das organizações, expondo qualquer divergência entre a imagem da empresa [da instituição, acrescentamos nós] e as ações da organização” (Hatch e Schultz, 2005:116). 147

A propósito do caso de tortura de Abu Ghraib (Iraque) que também foi caso de justiça noticiado em 2004. No mesmo sentido, cf. Sen (2009:336) quando afirma que “o jornalismo de investigação pode revelar informação que, de outra forma, não seria noticiada ou sequer conhecida.”

51

Quanto ao primeiro, adianta Adriano Duarte Rodrigues (1999: 29-30): “ao

contrário dos outros discursos, o discurso mediático é antes um discurso de natureza

exotérico, isto é, compreensível independentemente da situação interlocutiva

particular. É este primeiro traço que assegura a relação de mediação entre todos os

domínios da experiência e entre todos os campos sociais.” O mesmo autor chama

“processo de naturalização das regras de representação especular da realidade” o que

justifica alguma tensão com outros campos sociais e, em concreto, acrescentamos,

com o campo jurídico e judiciário. “Embora aqueles não possam prescindir do

contributo deste para a imposição da sua visibilidade pública, não podem deixar de

considerar o discurso mediático com suspeição, acusando-o de atraiçoar os seus

valores e de não respeitar a autenticidade e o rigor dos seus discursos

especializados”148. Adriano Duarte Rodrigues sublinha que “[o] papel mais importante

do campo dos media será provavelmente cada vez mais a sua capacidade de

tematização pública e de publicização do confronto entre os discursos especializados

em torno das questões suscitadas por estes domínios”149. De tal modo que Miguel

Logo Antunes, administrador da Culturgest e licenciado em direito, tenha dito ao

Público150 o seguinte: “Leia quem não tem formação jurídica, algumas sentenças ou

acórdãos, e vai ver como espanta que se gastem tantas palavras, tanta energia

intelectual, tanta argumentação, para resolver um problema que o bom senso

rapidamente solucionaria (…)“.

Quanto ao segundo: “as novas tecnologias e interesses informacionais e

comunicacionais têm critérios de relevância que não coincidem com os dos tribunais e,

como tal, tentam impor os seus, sujeitando os operadores a um stress específico que

designo por stress comunicacional: o serem postos na contingência de se terem de

adaptar a critérios de relevância que lhe são estranhos e de terem de o fazer em

linguagem profissionalmente incorrecta” (Santos, 2005: 86).

A imprensa e mais tarde a televisão e hoje os meios de comunicação na

internet entraram no mundo da Justiça e nunca mais se desinteressaram. Na verdade,

148 Op. cit., p. 31.

149 Ibidem.

150 Suplemento P2, de 5 de março de 2011.

52

“os media não podem (…) alhear-se de um dos sectores mais importantes e sensíveis

para o bom funcionamento do Estado democrático, o poder judicial (…)” (Fidalgo,

2005: 1).

Mas nesse encontro – com “debates apaixonados” (Commaille, 1994: 12)

revelam-se desencontros que se têm revelado quase fatais para a Justiça: um dos

fatores mais importantes prende-se com o choque já enunciado entre tempo

mediático e o tempo da justiça. “Ali é o imediatismo, a vertigem da notícia que num

instante evolui para outra notícia ou simplesmente morre como notícia que era, mas já

não é” (Judite Sousa151). Aqui, há a petição de uma das partes, a audição da parte

contrária, a produção de provas e só depois a decisão, além dos recursos152. No

processo penal, existe ainda uma fase anterior à acusação que é da investigação

dirigida pelo Ministério Público com vista à recolha de indícios da prática de

determinado crime e do seu autor. Nesta fase, denominada de Inquérito, o juiz

intervém por vezes (quando estejam em causa direitos ou liberdades dos sujeitos) mas

é sobretudo nesta fase que o tempo da justiça investigatória e o tempo dos media

mais colidem.

Por outro lado, Roland Barthes (2007: 60-64) refere “a extraordinária

promoção do fait-divers na imprensa de hoje (alias que começam a chamá-lo mais

nobremente de informação geral)” e os exemplos que dá são quase todos relacionados

com o mundo da Justiça afirmando que o inexplicável está reduzido a duas categorias

de factos: os prodígios e os crimes. E esclarece ainda que “parece que todas as

relações imanentes ao fait-divers podem ser reduzidas a dois tipos. O primeiro é a

relação de causalidade. É uma relação extremamente frequente: um delito e seu

móvel (…). Mas em todos os casos em que a causalidade é de certa forma normal,

esperada, a ênfase não é posta sobre a própria relação, embora ela continue formando

a estrutura da narrativa; ela se desloca para o que se poderia chamar de dramatis

personae (criança, velho, mãe, etc.), espécies de essências emocionais encarregadas

151 «Informação e Justiça», no Jornal de Notícias, de 8 de fevereiro de 2003 (segundo Fidalgo e Oliveira,

2005: 5). 152

Trata-se, mesmo assim, de visão muito simplista uma vez que o processo abranda em diversos momentos previstos expressamente na lei ou devido a incidentes suscitados pelas partes.

53

de vivificar o estereótipo” como o crime passional, por exemplo, e relativamente ao

qual a narrativa, cada vez mais, a narrativa põe em relevo as circunstância aberrantes

(…) Os casos puros “e exemplares” são constituídos pelas perturbações da causalidade,

como se o espectáculo (a “notabilidade”, deveríamos dizer) começasse ali onde a

causalidade, sem deixar de ser afirmada, contém já um germe de degradação; como se

a causalidade não pudesse ser consumida senão quando começa a apodrecer, a

desfazer-se.” Os media como a jurisdição das emoções (Garapon, 1994:79).

De outra perspetiva, é afirmada a “mediatização da justiça” com a tendência

para a dramatização e sensacionalismo que não deixam de acentuar o escrutínio dos

media sobre a justiça (Machado e Santos, 2009)153.

Ainda que por estas e outras diferenças, se afirme a “crise da Justiça”154 e que

ela seja reafirmada e muitas vezes exacerbada, nos media, “uma crise só se torna

desastrosa quando lhe pretendemos responder com ideias feitas, quer dizer, com

preconceitos. Atitude que não apenas agudiza a crise como faz perder a experiência da

realidade e a oportunidade de reflexão que a crise proporciona” (Arendt, 1961: 174).

Uma das soluções apresentadas por sociólogos prende-se com o entendimento

de que “[a] justiça (…) está, cada vez mais, exposta a um processo de vulgarização da

sua função, como testemunha a observação segundo a qual “a justiça é um serviço

público” (Commaille, 2009: 101).

*

É evidente a convivência, num mesmo tempo, entre o campo judiciário e o

campo dos media.

Não obstante a evolução tecnológica num e noutro campo (muito mais

desenvolvida neste último), falamos ainda da convivência de homens e mulheres –

juízes e jornalistas - que desempenham funções estruturantes da sociedade através

153 Sobre a conjugação do valor mediático com o valor social: “Foi isto que aconteceu com o alegado

escândalo de pedofilia na Casa Pia: um tema que tem conteúdo humano (portanto, vende) e que faz os jornalistas sentirem que estão a cumprir o seu papel (denúncia e procura da verdade)” (Santos, 2004: 4). 154

Em Portugal, entre outros autores, António Barreto (org), Justiça em crise? Crises da Justiça, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000, 464 p.

54

das quais uma sociedade se define a si própria como Estado de Direito e Sociedade da

Informação.

Basta que não se confundam objetivos, estratégias e instrumentos de trabalho

de um e de outro campo (Fidalgo, 2005), tendo muito presente que “a justiça e a

comunicação social representam culturas profissionais muito diferenciadas”, como já

nos dava conta Cunha Rodrigues (1999: 94) mas nem por isso inconciliáveis. Basta que

cada um dos profissionais respeite a função do outro e os limites a que cada um está

sujeito.

E porque nem sempre assim é, nem sempre são respeitados os limites a que

cada um está sujeito, o juiz terá de se dar, a si próprio, um resguardo ético-jurídico que

nos parece implícito nesta definição de Ferrajoli: “Um bom juiz, um bom juiz

independente, é aquele que está em condições de absolver quando todos (a opinião

pública, o poder político, a imprensa) pedem a condenação – quando não haja provas

– ou que tem a coragem, a força de condenar os fortes e poderosos quando todos

pedem a absolvição” (Ferrajoli, 2008: 13).

É verdade que o juiz está sujeito à lei e que esta é a sua fonte de legitimação

principal, mas, também como vimos, não é menos certo que nem sempre a lei dá

resposta pronta, direta e adequada a um conflito e que, através de mecanismos de

interpretação/criação que a ciência jurídica tem desenvolvido, o juiz nunca deixa de

dar resposta afetando, em termos ideais, todos (mesmo todos) os que prevaricam.

Por isso, ainda que se possa atribuir responsabilidades de uma má decisão ao

sistema processual, à lei que não deu margem para interpretação mais justa, aos

restantes operadores que não cumpriram a sua função, aos meios de comunicação que

deram a solução do litígio antecipadamente e sem conhecimento de todos os

elementos, quem a diz, quem profere a decisão será sempre objeto de crítica.

Que ambos respeitem o dever de dar razões. A crítica é tanto mais útil à

sociedade quanto for fundamentada. Uma decisão não fundamentada apenas permite

a discussão sobre se se devia ter decidido “A” ou “B” enquanto que, em face da

apresentação das razões por que se faz, se permite uma crítica mais profunda.

55

Mas para a fundamentação cumprir finalidade tão ambiciosa é necessário que

o discurso seja previamente apreensível e compreendido desde logo pelos juristas e

num segundo momento por terceiros não juristas.

Trata-se de utopia? É que “já não há uma linguagem comum, mas a ilusão de

compreender os outros. A linguagem não poderá significar a mesma coisa para toda a

gente. O sentido de uma frase, ou de uma palavra, é uma outra frase ou uma outra

palavra, e assim por diante. Mas cada um associa diferentes frases e conteúdos ao que

é dito. Parece que nos entendemos, mas isso é ilusório” (Meyer, 2008: 312), a

propósito da caracterização de pós-modernidade em Jean-François Lyotard. Cremos

que não. A justiça, nas suas formas de ação e através de todos os intervenientes,

mantendo o carácter institucional e duradouro que assume, tem de desenvolver

estratégias que permitam ao cidadão (e ao jornalista) aceder, no sentido de

compreender o procedimento, o ritual, a decisão e a sua motivação. A receita passa

por conjugar rigor técnico e linguagem acessível.

Por outro lado, os media, a par do jornalismo de investigação155 (cujo objeto

pode coincidir ou fazer nascer um processo judicial) podem multiplicar esse esforço de

acessibilidade do cidadão à justiça e não apenas daquele que tem contacto direto com

o tribunal e aumentar a cultura jurídica e judiciária dos cidadãos (à semelhança do que

aconteceu com outros ramos do saber, como a ciência) – Machado (2011: 164) refere-

se a “uma via informal de contacto dos cidadãos com a justiça, centrada no papel dos

média”.

Isso não implica “branquear” os erros, eliminar a crítica. Mas sem dúvida que

exige um comprometimento com o rigor. A pretexto da falta de tempo de preparação

de uma notícia, a pretexto de a coluna de opinião não ter espaço suficiente, não

podem ser omitidos dados importantes para a compreensão do fenómeno objeto de

crítica.

155 Protegido pela “Declaração para a protecção e a promoção do jornalismo de investigação” de 26 de

julho de 2007, do Comité de Ministros do Conselho da Europa. Disponível em

https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?id=1188517&Site=CM&BackColorInternet=9999CC&BackColorIntranet

=FFBB55&BackColorLogged=FFAC75 [Consult. em 03.07.2012].

56

No que respeita à questão estrita da relação entre tribunais e media, afigura-se

fundamental, como propôs, Boaventura Sousa Santos (2005: 104):

“1. Dar uma nova formação a juristas e a jornalistas – só assim se desenvolverá

uma relação menos perversa e mais virtuosa, se compatibilizarão os discursos e se

respeitarão os direitos, liberdades e garantias de todos os intervenientes. (…)

6. Criar gabinetes de imprensa/comunicação junto do Conselho Superior de

Magistratura ou de tribunais a definir156;

7. Estabelecer a credenciação de jornalistas judiciários”157;

Acrescentamos nós:

- A formação conjunta de juízes e jornalistas que se tenham especializado ou

pretendam dedicar-se a tal área da sociedade – a Justiça – que fomente não apenas a

discussão teórica mas a de casos-práticos158;

- A formação prática específica dos juízes que lhes permita conhecer o campo

dos media e as suas regras de funcionamento, no pressuposto de que conhecer o

outro nos habilita a melhor contactar e comunicar com ele.

E no que respeita ao contributo específico dos juízes na sua ação, propomos:

- A divulgação de decisões judiciais públicas através de meios informáticos e a

sua apresentação de forma a evidenciar-se cada uma das partes e seu conteúdo;

- A eliminação dos despachos de fórmulas vazias e sem consequências no

processo;

156 Aliás previsto na lei orgânica do CSM, lei n.º 36/2007, de 14 de agosto, como gabinete de

comunicação e relações institucionais. 157

A exigência de uma credenciação especial para os jornalistas constitui exemplo dado por Jónatas Machado (2002: 562) de restrição dos direitos fundamentais de comunicação. Não partilhamos dessa posição: num quadro de precariedade das redações (e das profissões em geral) tal princípio conduziria a uma certa estabilidade (não mutismo) do corpo e permitiria afastar o clima de alguma desconfiança. 158

De que “Justiça e Jornalismo: pontes de comunicação”, conjunto de seminários realizados durante três dias em novembro de 2010 promovidos pelo STJ, pode ser visto como um auspicioso reinício. Já em 1994, em Albufeira, a ASJP (delegação regional sul) organizara um seminário subordinado ao tema Tribunais e comunicação social no qual intervieram jornalistas e profissionais do foro com a seguinte publicação «Tribunais e comunicação social – Seminário», ASJP (Regional Sul), 1994, 63 p.

57

- Que seja dada prioridade aos despachos (assim considerados como urgentes)

que incidam sobre requerimentos de jornalistas no exercício das suas funções.

A criação de gabinetes de imprensa de que se fala há mais de uma dezena de

anos, afigura-se, cada vez mais, como uma miragem; daí que a relação entre juízes e

jornalistas se afigure obrigatória mas a concretizar-se com cautela, passo a passo …

Mas os primeiros já vêm atrasados.

IV. O juízo sobre o juiz(o)

“A toda a largura da ampla entrada, estava inscrita, em

letras que se avistavam a grande distância, a seguinte advertência:

“Não se aceitam conselhos de quem saiba mais, mas apenas de

quem tenha realizado melhor” (…)”159

“[A] sua sentença [a de um juiz popular que no séc.XIX

decidiu não aplicar a pena de morte] é uma mistura de aparentes

idiotices e de manha: mas, afinal, consegue os objectivos

pretendidos: «Vi e não vi – dizia na fundamentação; sei e não sei;

corra a água ao cimo; deite-se fogo à queimada; dê-se laço em nó

que não corra. Por tudo isto e em face da prova do processo

constante, condeno o réu na pena de morte, mas dou-lhe cem anos

de espera para se arrepender dos seus pecados. Cumpra-se.»”160

4.1. A crítica em geral e a honra

Se quanto à maioria dos ofícios, a capacidade de crítica se circunscreve ao

círculo dos colegas ou dos superiores mais diretos (“para dizer mal”) e depois ao

círculo mais restrito da família (“para confortar, para dizer bem”), no caso de funções

públicas ou que despertam interesse do público, a janela abre-se para nunca se fechar

e as possibilidades de crítica são infinitas.

159 Hermenegildo Ferreira Borges, «Racionalidade e experiência na motivação judiciária», p. 297.

160 António Manuel Hespanha, «A resistência aos poderes», p. 455.

58

A título de exemplo, isto sucede com vedetas da televisão ou do cinema (estas

podem captar a simpatia do público com a aproximação gerada pelas personagens que

encarnam e com o glamour do ambiente em que vivem); isto sucede com figuras da

política (com agências de comunicação a zelar pela respetiva imagem), com figuras do

ramo empresarial (que dão, como é natural, a sua perspetiva dos acontecimentos e

são respeitados enquanto fontes de poder económico e de mudança). Isto sucede com

a justiça e com os seus intervenientes.

Como já enunciámos, a propósito da afirmação da liberdade de expressão161, a

manifestação da crítica nas suas mais diversas formas pode chocar, pode incomodar,

pode ofender. Pode, portanto, lesar a honra de outrem162.O que está em causa não é

só a “honra objetiva ou exterior”, “equivalente à representação que os outros têm

sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a

reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente” (Costa: 1999: 603),

mas com consequências na perceção de si mesmo - “honra subjetiva ou interior”163.

No séc. XVIII, Beccaria164 tratou dos duelos na parte X em Dos delitos e das

penas referindo que “desta necessidade dos sufrágios dos outros nasceram os duelos

privados” (1998: 82) e mais à frente “em vão os edictos de morte contra quem aceita

um duelo tentaram desenraizar este costume que tem o seu fundamento naquilo que

alguns homens temem mais do que a morte, pois que, privado dos sufrágios dos

outros, o homem de honra imagina-se exposto, ou a tornar-se um ser meramente

solitário – estado que um homem sociável não pode suportar – ou então a tornar-se o

alvo dos insultos e das infâmias, cujos golpes constantes o afectam mais do que o

perigo da pena.”

Esse costume foi-se entretanto desenraizado, mas nem por isso o valor que

com o mesmo se pretendia exaltar. Citando ainda Beccaria “se o ambicioso os [os

161 3.2.

162 Para um maior desenvolvimento das diversas aceções jurídicas do conceito – desde a Constituição,

ao Código Civil e Código Penal – cf. Brito (2010:35). 163

Sobre as teses que acentuam apenas uma das vertentes e sua superação, mais uma vez, cf. Brito (2010: 39-40). 164

Autor do Iluminismo (a obra data de 1764) mas o tradutor para português, em texto introdutório, dá

razões para o lermos hoje.

59

sufrágios dos homens] conquista porque são úteis, se o vaidoso os vai mendigando

como testemunho do seu próprio mérito, então vê-se o homem de honra a exigi-los

porque eles lhe são necessários. Esta honra é para muitíssimos homens condição da

sua própria existência”165.

No caso dos juízes: estão sujeitos ao dever de reserva166. A circunstância de o

juiz estar limitado quanto ao uso da palavra, designadamente, nos media, justificará a

fixação de limites ao exercício da liberdade de expressão por terceiro?

O Conselho Superior da Magistratura deliberou em 2008 sobre a matéria167. A

sua análise exigiria outro trabalho com tema diferente deste que nos propomos

abordar168. De todo o modo, não se estranhe porém quando se afirma que o

165 Op. cit., parte IX (Da honra), p. 81, remetendo para o que hoje se afirma ser o fundamento da

proteção da honra, a dignidade humana e o reconhecimento do valor do outro enquanto ser humano. 166

Art. 12.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ): 1 - Os magistrados judiciais não podem fazer declarações ou comentários sobre processos, salvo, quando autorizados pelo Conselho Superior da Magistratura, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo. 2 - Não são abrangidas pelo dever de reserva as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o do acesso à informação. 167

O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sua Sessão Extraordinária de 11 de março de 2008, deliberou: I - Proceder à publicação das decisões sobre a matéria do “Dever de Reserva”, publicação essa a efectuar sob a responsabilidade do Conselho Superior da Magistratura; II - Os valores protegidos e o fundamento do dever de reserva, para além das áreas de reserva ou segredo acauteladas pela Lei, são a protecção da imparcialidade, da independência, da dignidade institucional dos tribunais, bem como da confiança dos cidadãos na justiça, e do respeito pelos direitos fundamentais, em conjugação com a liberdade de expressão; III - Salvaguardados os segredos de justiça, profissional e de Estado bem como a reserva de vida privada, os juízes podem dar todas as informações sobre as decisões e seus fundamentos; IV - O dever de reserva abrange, na sua essência, as declarações ou comentários (positivos ou negativos), feitos por juízes, que envolvam apreciações valorativas sobre processos que têm a seu cargo; V - Todos os juízes, mesmo que não sejam os titulares dos processos, podem ser agentes da violação do dever de reserva; VI - O dever de reserva tem como objecto todos os processos pendentes e aqueles que embora já decididos de forma definitiva, versem sobre factos ou situações de irrecusável actualidade; VII - Não estão abrangidos no dever de reserva nem a apreciação de decisões decorrente do exercício de funções docentes ou de investigação de natureza jurídica, nem os comentários de natureza científica, estes depois do trânsito da decisão comentada; VIII - O Direito de Resposta está abrangido pelo nº 1 do art. 12º do EMJ desde que exceda o âmbito do nº 2 da mesma norma.- disponível em www.csm.org.pt/ficheiros/deliberacoes/acta2008_09.pdf [Consult. em 03.07.2012]. 168

Veja-se apenas a título de curiosidade a jurisprudência do TEDH a propósito da liberdade de

expressão do magistrado/juiz, em concreto, o caso Kudeshkina vs. Rússia (acórdão a 1.ª secção, de 26 de

fev. de 2009): por 4 votos contra 3, o TEDH considerou ter havido violação da liberdade de expressão da

juíza Olga Kudeshkina que havia sido retirada da investigação criminal de abuso de poder de um polícia,

alegadamente e segundo o Estado, devido à lentidão da investigação, segundo a própria sem qualquer

razão. Passados alguns meses, deu entrevistas aos media referindo que tinha sido exercida pressão pelo

presidente do tribunal e que tal dizia respeito a uma manipulação sobre o poder judicial. Disso também

60

sentimento realista quanto aos limites e imperfeições da justiça dos homens é tão

antigo com a exaltação doutrinária da justiça (Homem, 2003: 815).

E por vezes, a crítica vem de dentro, não só de dentro do sistema mas dos

próprios juízes. A este propósito, vide Dworkin (2006: 2) que a abrir Justice in robes

relata o episódio em que o juiz do Supremo, Holmes, a caminho do tribunal, deu boleia

ao jovem Hand e este, chegado ao destino, lhe terá dito “Do justice, Justice!”. Holmes

parou, fez o motorista dar a volta e aproximou-se do jovem espantado, dizendo

“That’s not my job!!”.

4.2. A crítica ao juiz

4.2.1. A pessoa

No Antigo Regime, os magistrados deviam seguir regras estritas quanto ao seu

comportamento. Na obra que vimos citando, Barbas Homem (2003) dá, como

vimos169, alguns exemplos. “Este tipo de disposições assenta na crença de que a

independência e a imparcialidade constituem virtudes individuais de cada magistrado,

melhor garantidas quando este se encontra isolado da comunidade” (2003: 761).

Ao contrário: gerou críticas à dureza dos juízes, como corolário da inteireza e

constância vs. desumanidade do seu comportamento170.

Atualmente, os juízes devem gozar de idoneidade moral e estão sujeitos ao

dever de reserva. Mas eis que de repente, os juízes perceberam “que os gravadores, as

canetas, as câmaras, as objectivas (…) deixavam de fitar os arguidos e as vítimas e se

estavam a virar para eles” (Helena Matos171, segundo Fidalgo e Oliveira, 2005: 7).

tinha apresentado queixa ao Conselho, mas nenhum procedimento disciplinar correra contra o mesmo

Presidente. A senhora juíza fora demitida depois de o Presidente do tribunal a ter acusado de difamar o

sistema de justiça e os juízes individualmente. O TEDH considerou que a senhora juíza se tinha referido a

um assunto de interesse público, ainda que pudesse ter exagerado em concreto em algumas

declarações. Concluiu ainda que a pena imposta justamente pelo tribunal de quem se tinha queixado

carecia de garantias processuais. 169

V. 2.3.1. 170

Op. cit., p. 767. 171 «Justiça e Comunicação Social», no Público, de 12 de janeiro de 2002.

61

A exposição mediática de alguns juízes em Portugal, umas vezes voluntária,

outras vezes mediante um verdadeiro assédio172, deu a ver aos cidadãos que vêem

televisão os seus juízes fora ou dentro do espaço do tribunal173.

E a exposição – a involuntária – será ela necessária aos cidadãos e por essa via,

deve ser explorada pelos media no cumprimento do dever de informar? Mesmo

quando essa exposição permite sublinhar a singularidade do juiz, banalizar a função da

justiça mas também desqualificá-la? (Commaille, 1994: 12).

Trata-se de situação paralela a outras figuras públicas ou que despertam a

curiosidade do público mas com a agravante de poder ter como consequência a

desvalorização intencional174, como forma de legitimar a palavra seguinte que é a do

jornalista.

Muitas vezes, a comunicação social, a fim de tornar o caso relatado mais

interessante aos olhos da opinião pública, acaba por identificar o juiz175, de o

fotografar, de o filmar fora do tribunal e de o tornar protagonista da ação, como se

fosse vedeta da televisão que as pessoas têm curiosidade em ver e saber como se

apresenta.

Prosseguir esse caminho é tanto mais grave quanto estamos a falar, na maior

parte dos caos, de um juiz de instrução que não tem em mãos apenas o caso que gera

interesse dos media mas outros e cuja exposição da imagem o expõe perante

telespectadores em geral mas também perante outros cidadãos que já foram presos

ou que estão a ser investigados, o que pode gerar problemas de segurança.

172 Vide as situações relatadas por Fidalgo (2005: 7) a propósito da juíza Conceição Oliveira (Caso da

Universidade Moderna) e do juiz Rui Teixeira (Caso Casa Pia). 173

Ainda se lembram da leitura do acórdão do Caso Padre Frederico em que o juiz leu a decisão condenatória perante as televisões com transmissão em direto da sala de audiências do Tribunal (na Madeira)? 174

Vide o exemplo francês quando Le Figaro, de 22.02.1993, se referia a “petits juges” - Hanin, 1994: 20. 175

O nome e colocação do juiz é pública - cf. o sítio do Conselho Superior da Magistratura em http://www.csm.org.pt

62

Um juiz não é uma figura pública, pelo menos absoluta e permanente no

sentido explicitado por Brito (2010:46)176 ainda que exerça funções públicas. Como tal:

as suas decisões e procedimentos são públicos177, suscetíveis de publicação, de incidir

sobre eles opinião, crítica positiva ou negativa. Ao contrário, a sua pessoa não deve

despertar interesse por si só. Isto é, o juiz só por ser juiz de certo caso, não deve ver o

seu quotidiano devassado. Isso não significa que não seja exigível ao juiz idoneidade

moral no início como ao longo da carreira e que comportamentos que a ponham em

causa não possam ser denunciados178.

4.2.2. O procedimento: alguns problemas como a lentidão excessiva, a

televisão na audiência e fatores conexos à independência

A crítica do procedimento pode ter por fundamento a própria lei ou a atuação

ou omissão concretas do juiz ou ainda a forma como o sistema se organiza. Em edição

de 2011, o jornal Público179 caracterizava a justiça portuguesa como “lenta, cara e

burocrática”, usando no título exatamente tais expressões.

Iremos salientar aquele primeiro qualificativo e depois desenvolver outras

questões prementes na atualidade e que podem conduzir a um juízo – correto ou não -

sobre a justiça, os tribunais e o juiz.

A lentidão excessiva

Tem sido uma das críticas mais apontadas aos tribunais portugueses e a que

mais condenações tem sujeitado o Estado Português pelo Tribunal Europeu dos

Direitos do Homem. Mota (2009:39) recorda que o primeiro caso que levou à

condenação de Portugal foi em 1984 - Guincho vs. Portugal. Salta à evidência que o

176 Pela mesma autora, é feita referência expressa ao âmbito negativo do conceito de figura pública, aí

não incluindo os juízes (p. 48, nota 59

). 177

Em regra, isso sucede mais tarde ou mais cedo, exceção feita a alguns dados que constem de decisões como sucede com as sentenças de adoção, por exemplo – art. 173.º B da Organização Tutelar de Menores. 178

Art. 82.º do EMJ: Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções. 179

15 de maio de 2011, p. 4.

63

que determinou que um processo tivesse demorado “x” anos para conhecer uma

solução definitiva não dependeu só do juiz que julgou o caso, (desde logo porque são

vários juízes e instâncias a intervir) mas de um conjunto de circunstâncias não ligadas,

ou não sobretudo ligadas, à questão da produtividade numérica do juiz180.

No entanto, trata-se de fator fundamental que ainda que não dependa só do

juiz, ele na sua atuação e na direção do processo e na própria audiência deve procurar

respeitar ou, não sendo possível, explicar181.

Aspetos que têm sido considerados e que apontam para maior celeridade:

agilização do processo, especialização dos tribunais em razão da matéria que

apreciam; libertação dos tribunais de questões menores: mediação e julgados de

paz182.

Sucede que, como vimos, a tarefa do juiz cumpre-se com a sentença. Mas

existe um procedimento anterior a cumprir.

Por vezes, esse procedimento é interminável, quer por via do uso de

mecanismos legais que permitem objetivamente atrasar o fim183 – a sentença – quer

porque funcionários ou juízes ou outros intervenientes (maxime perícias ou relatórios

que não dependem do juiz) não cumprem os prazos fixados184.

Mas não podemos confundir “brevidade” com “precipitação”. No processo

penal, mesmo sem ponderarmos dificuldades de investigação motivada pela falta de

meios, o decurso do tempo é inevitável para recolher elementos para efetuar

180 Cf. Hespanha (2009: 384-385) que aponta para várias causas para a ineficiência e lentidão da justiça.

181 Por exemplo, vide a circular n.º 8/2012: deliberação do Plenário Ordinário do CSM, de 23.04.2012

(disponível no sítio do CSM), que recomenda que as testemunhas não tenham incómodos adicionais além dos de se deslocarem ao tribunal. De facto, para as testemunhas certo procedimento pode parecer lento pelo tempo que esperam. Por que não cabe ao juiz controlar o tempo que cada testemunha é inquirida pelos advogados ou pelo procurador nem a matéria sobre a qual incidirá o depoimento, a solução passa por solicitar a colaboração dos intervenientes nesse sentido (sobre o tempo que prevêem para inquirição) e informar disso a testemunha. 182

Fica aqui a enunciação sem qualquer apreciação crítica sobre esse caminho, já que não é o lugar aqui para o fazer. 183

Não cabe aqui apontar as motivações dos sujeitos que intervêm nesse sentido, se usar expediente dilatório com a finalidade de atrasar o veredito, se a defesa de um ponto de vista e de um direito que ficaria comprometido de outra forma. 184

Também não cabe apontar neste breve trabalho as razões desses atrasos, se por preguiça de quem exerce funções, se por excesso de trabalho, se por falta de racionalidade na gestão.

64

ponderações e decisões de, por exemplo, solicitar ao juiz de instrução a emissão de

mandados de busca domiciliária ou escutas telefónicas, ou sujeitar um arguido a

interrogatório judicial para aplicação de uma medida restritiva da liberdade, no limite,

a prisão preventiva. Ora, este tempo está fundamentado.

O imediatismo dos media a que antes nos referimos é muitas vezes justificado

com o interesse da opinião pública. Mas, será de facto assim? A antecipação de

decisões judiciais, os “diretos” à porta dos tribunais pretendem alimentar

permanentemente audiências ávidas de novidade como afirma Fidalgo (2005: 5)?

Umas vezes com fundamento outras vezes por desconhecimento, os media dão

informação ou expressam opinião falsa. Multiplicadas essas situações, então

facilmente se gera o sentimento de injustiça e a falta de confiança nas instituições, nos

advogados, nos procuradores, nos juízes.

Ao mesmo tempo, a função escrutinadora dos media pode ter um “papel de

alerta”185 já que a publicidade externa (além da que existe no processo) é uma forma

de controlo da Justiça pela comunidade. A crítica à Justiça deve no entanto ser justa,

fundamentada.

A televisão na audiência

A audiência, em regra é pública e o respetivo procedimento pode ser apreciado

pelos presentes, incluindo jornalistas.

Dada a função relevante devem estes, após os diretamente envolvidos, ter

prioridade na ocupação de lugares na sala.

Não poderia o acesso das câmaras de televisão à audiência (captando imagem

e som) permitir uma maior publicidade e controlo pelos telespectadores e,

indiretamente, pelos cidadãos em geral?186 A mesma pergunta já fez Garapon

185 O mesmo autor, na página seguinte.

186 Art. 89 CPP: 1 - É permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração

circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral. 2 - Não é, porém, autorizada, sob pena de desobediência simples: a) A reprodução de peças processuais ou de documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido autorização expressa da autoridade

65

(1996:91) adiantando a “famosa transparência” ao mesmo tempo que aconselha

“prudência”.

A experiência quase única da leitura integral de um acórdão transmitida pela

televisão (Caso Frederico) denota a hostilidade dos magistrados relativamente à

presença das câmaras nas audiências187. Não terá sido dos momentos mais felizes de

televisão188. Pensem agora na multiplicação do fenómeno. Não cremos que os próprios

media tivessem interesse na transmissão integral da leitura de todas as decisões finais.

Por outro lado, já anos passados das primeiras experiências, a imagem dada

após a leitura do acórdão do Caso Casa Pia em que o advogado de um dos arguidos e

juiz presidente trocaram palavras, a propósito de este referir que a fundamentação

podia não estar redigida, impõe que as cautelas se mantenham. Não temos dados para

concluir se tal incidente foi suscitado por estar presente a comunicação social. Mas, a

ser esse o caso, não estaremos em presença de uma tentação de protagonismo?

Esta hostilidade é fruto de uma pesada tradição. “O processo é público. Mas o

corpo judiciário considera que a televisão é de alguma maneira ainda mais pública.

Admite o processo público mas não na praça pública” (Henri Leclerc189 segundo Fidalgo

e Oliveira, 2005: 7).

Tal posição não exclui o desenho (prática sem tradição em Portugal) e, como se

tem visto, a captação de imagem (sempre submetida ao acordo dos visados) o que

judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação; b) A transmissão ou registo de imagens ou de tomadas de som relativas à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar; não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser; c) A publicação, por qualquer meio, da identidade de vítimas de crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a reserva da vida privada, excepto se a vítima consentir expressamente na revelação da sua identidade ou se o crime for praticado através de órgão de comunicação social. 3 - Até à decisão sobre a publicidade da audiência não é ainda autorizada, sob pena de desobediência simples, a narração de actos processuais anteriores àquela quando o juiz, oficiosamente ou a requerimento, a tiver proibido com fundamento nos factos ou circunstâncias referidos no n.º 2 do artigo anterior. 4 - Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação. 187

No mesmo lugar. 188

Coelho (2000: 442) refere-se a uma glória efémera para caracterizar o período iniciado com aquela

transmissão e as que se seguiram como as do caso Melancia ou o processo Costa Freire. 189

«L’indispensable publicité de la justice», Dossiers de l’Audiovisuel, n.º 107, jan.-fev. de 2003.

66

permite dar a noção de uma sala de audiências a quem nunca entrou num tribunal e

que, em virtude do princípio da publicidade da audiência, é convidado a

comparecer190. Pode dizer-se que esta publicidade se impõe uma vez que os tribunais

são órgãos de soberania. Os argumentos que justificam a presença das câmaras em

órgãos de soberania não coincidem porém: o Parlamento, é um órgão único, ao invés,

os tribunais são muitos (mais de 350); qual o critério de escolha de acompanhamento

de um caso e não de outro? No Parlamento (além dos casos pessoais que muitas vezes

os próprios deputados trazem ao debate) são discutidas leis gerais e abstratas; nos

tribunais discutem-se casos concretos com pessoas concretas que não têm de ser

expostas num filme segundo critérios de terceiros191 e com claros efeitos inibitórios

sobre os intervenientes, refletindo-se no seu comportamento já de algum modo

condicionado no caso de “leigos” por estarem num meio estranho.

Se o que se pretende é captar o ambiente em que a audiência decorre, então a

imagem do local pode ser recolhida no início, já que tal realidade permanecerá: o juiz,

o procurador, o advogado, o arguido – no caso da audiência penal - estarão sentados

no mesmo lugar.

Se o que se pretende é recolher as declarações do arguido ou o depoimento de

uma testemunha e ampliar pormenores de postura, mãos trémulas, a suar, rubor na

face ou atrapalhação no discurso ou outros estereótipos, quando considerados

isoladamente, a situação é claramente distinta192. Ora cá está o limite da atividade dos

media a ser ultrapassado. Como diz Fidalgo, isso conduziria necessariamente ao

julgamento na praça pública. É que um jornalista conta uma história ancorado na sua

versão dos factos, aquela que o mesmo pensa corresponder à verdade. A consideração

de elementos específicos da audiência podem facilmente ser usados pelo jornalista

190 Na província, ainda é costume haver pessoas normalmente mais velhas que se deslocam ao tribunal

para assistir aos julgamentos do dia. Essa prática está irradiada nas cidades. Por isso, crianças e jovens deviam fazer visitas aos tribunais com a mesma naturalidade que o fazem a outros espaços comunitários. Neste sentido aponta a iniciativa da ASJP “Tribunais de porta aberta”. 191

Parece óbvio que a escolha do ângulo de visão e do modo de edição das imagens e som não deve caber ao juiz, não é essa a sua área de intervenção; trata-se de atividade que obedece a critérios jornalísticos. 192

“A maior parte dos acontecimentos são radicalmente transformados pela televisão, tornando-se

frequentemente irreconhecíveis para as pessoas que assistiram no local” (Dayan e Katz, 1999: 82).

67

para contar a sua história mas envolve um julgamento paralelo. Isso é reconhecido

pelos próprios jornalistas quando sugerem que “uma única câmara, fixa, que registasse

apenas planos gerais da sala, funcionaria em sistema de «pool», para todos os

operadores televisivos.” (Coelho, 2000: 448)

Por muito que uma audiência possa conter todos os ingredientes para um bom

espetáculo, não o é, nem a sua espetacularização deve ser alimentada. Daí se

compreender a posição do TEDH na decisão de 6 de maio de 2003, citada por Barreto

(2010:290) ao mesmo tempo que anota que “a boa administração da justiça pode

justificar que não se autorize transmissões ao vivo, via rádio ou televisão, das

audiências de julgamento.”

Ainda que os juízes profissionais tenham a obrigação de não se deixarem

influenciar pelas versões dos factos divulgados pela comunicação social, um

julgamento paralelo denigre a imagem da justiça e destrói a confiança social nos

tribunais pelas piores razões. É que, como nos diz Cunha Rodrigues (1999:40) “os

media não estão em condições de cumprir o programa processual estabelecido na

Constituição e nas leis para defesa de direitos fundamentais.”

Alguns fatores conexos à independência do juiz

A independência de poderes constitui limite material da revisão da

Constituição193 e a independência dos tribunais é afirmada na Constituição e no

Estatuto dos Magistrados Judiciais194. Reflete-se em dois aspetos:

- uma independência funcional ou interna que se expressa na não sujeição do

juiz a quaisquer ordens para poder julgar em consciência os casos concretos que lhe

são submetidos a apreciação (salvo o que resultar em recurso de decisões proferidas

por tribunais superiores) e aquando da prática de atos inerentes ao exercício da função

de julgar;

193 Art. 288.º, al. j), da CRP.

194 Afirmada do art. 203.º da CRP e no art. 4.º do EMJ: 1 - Os magistrados judiciais julgam apenas

segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.

68

- uma independência orgânica ou externa que se expressa na composição

equilibrada do órgão de gestão da carreira do juiz e que garanta que essa carreira não

fica condicionada por critérios político-partidários195.

E a independência do Juiz deve estar garantida por uma lei específica, que lhe

assegure uma independência real e efectiva relativamente aos demais poderes do

Estado. O Juiz, como depositário da autoridade judicial, deverá poder exercer as suas

funções com total independência relativamente a todas as forças sociais, económicas e

políticas, e independentemente dos demais juízes e da administração da justiça – art.

2.º do Estatuto Universal do Juiz (em cuja elaboração colaboraram juízes de diversos

países do mundo).

A falta destas qualidades não é afirmada pelos media como um fator negativo

do procedimento e da decisão, não é visto como um problema. Nestes casos, os media

servem de veículo aos operadores judiciários, maxime aos juízes que denunciam o que

consideram ser ataques à sua independência. No entanto, não se reflete depois como

preocupação em termos de opinião, de debate ou de outras informações.

Por exemplo, a introdução do Citius (nome dado ao sistema que obriga à

desmaterialização do processo judicial e na prática de atos por meios electrónicos (no

processo civil) suscitou críticas de classes profissionais ligadas ao foro, maxime dos

juízes, que se manifestaram nos media nesse sentido, mas não houve dos próprios

media problematização da circunstância de a Plataforma CITIUS ser gerida,

administrada e controlada pelo Ministério da Justiça (departamento governamental)

através do ITIJ – Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, que atua sob a

superintendência e tutela do respetivo ministro196.

195 Vide com a designação de independência interna e externa a Recomendação n.º 12 (2010) do Comité

de Ministros do Conselho da Europa disponível em https://wcd.coe.int/wcd/ViewDoc.jsp?id=1707137&Site=CM [Consult. em 03.07.2012]. 196

Uma nossa decisão foi objeto de recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional que por acórdão n.º 293/2009, no DR, II série, de 10 de julho (entre outros), não julgou inconstitucionais as normas em causa, enunciando além de outros, os seguintes argumentos: - Nem a definição dos meios que devem ser utilizados para os juízes praticarem os seus actos no processo civil se insere na área reservada à função jurisdicional, nem essa definição pelo poder legislativo é susceptível de afectar a independência dos juízes. - O controlo da rede onde opera a aplicação informática através da qual os juízes praticam os seus actos no processo civil, ainda que possa ter influência na maior ou menor eficácia ou segurança da

69

A mesma atitude é revelada em relação a outros elementos que dão

consistência ao princípio “independência” como:

- As condições materiais (estado dos edifícios e de equipamento como

fotocopiadora e faxes) e segurança dependente do Ministério da Justiça;

- A qualidade do sistema informático, como vimos, dependente do Ministério

da Justiça;

- Os recursos humanos afetos à área da Justiça, maxime funcionários que são

integrados e colocados pelo Ministério da Justiça,

Para enunciar apenas alguns.

A CM/Rec (2010) 12197 reporta-se a este problema quando no ponto 6 do

capítulo I, determina que os juízes devem ter os poderes necessários e poder exercê-

los com vista ao cumprimento dos seus deveres e à manutenção da sua autoridade e

da dignidade do tribunal. E no capítulo V, ponto 33., é referida a importância dos

recursos e equipamentos dos tribunais de tal modo que os tribunais cumpram a sua

função e os juízes trabalhem de modo eficiente. Ainda sobre a independência e seus

aspetos conexos, vide novamente a Magna Carta dos Juízes198.

4.2.3. A decisão

O CCJE (Conselho Consultivo dos Juízes Europeus, organismo do Conselho da

Europa) enunciou em 2008 os fatores que potenciam más decisões, algumas que se

revelam no procedimento199.

A crítica que pode ser feita à decisão é, desde logo, a falta de clareza, quando

os destinatários, partes ou terceiros, por exemplo, um jornalista, não a compreende.

tramitação electrónica dos processos, não se traduz em qualquer interferência na área reservada ao poder jurisdicional, uma vez que não estamos perante uma actividade materialmente jurisdicional, nem é susceptível de pôr em risco a independência dos juízes, uma vez que esse controle em nada condiciona ou interfere com a liberdade de julgar. 197

Disponível em no sítio do CCJE, www.coe.int/CCJE 198

Enunciada pelo mesmo organismo em novembro de 2010. Já o referenciámos. 199

Parecer n.º 11(2008). Já o indicámos.

70

A clareza não se refere só à questão de direito mas também à:

- Decisão em que se julga provado ou não provado algum enunciado de facto;

- Sistematização da decisão. Um dos casos analisados no ponto 4.6.1. diz

respeito justamente à falta de entendimento por parte de um jornalista do conteúdo

de um acórdão da Relação, já que confundiu afirmações que, no texto, eram atribuídas

a uma das partes, e, na notícia, fez corresponder a posições do próprio tribunal.

Independentemente de se poder dizer que o jornalista não leu com atenção o acórdão,

a verdade é que se pode dizer que o mesmo não era, sob esse ponto de vista,

absolutamente claro.

Depois há a motivação ou falta dela, de facto ou de direito, e a justeza da

decisão final, também sujeita a escrutínio, uma vez que as decisões são

fundamentadas.

4.3. A crítica interna – informal e institucional (os recursos e as inspeções)

Dentro de um paradigma de sistema integrado por juízes, advogados,

procuradores, funcionários e partes (em sentido amplo, no sentido em que se

integram vítimas, arguidos, autores, réus, testemunhas), chamo crítica interna à que é

realizada por estes.

Tal crítica tanto pode ser informal (pode decorrer numa conversa entre

indivíduos, por exemplo, duas testemunhas num café, a seguir à audiência, criticam

determinado procedimento de um juiz ou mesmo a sua decisão, ou ocorrer por um

“desabafo” do arguido a seguir ao conhecimento da medida de coação que lhe é

aplicada) como formal ou institucional, como é o caso dos recursos e das inspeções.

Os recursos

O recurso visa a alteração ou revogação da decisão antes proferida.

71

Barbas-Homem (2003:261) faz-nos saber que a interposição do recurso já foi

interpretada, segundo Álvaro Vaz, como uma espécie de injúria para os juízes.

No tempo presente, uma tal interpretação, não faz sentido para a comunidade

jurídica. Tanto mais que “a injustiça da sentença é o primeiro fundamento do direito

ao recurso, aspeto que demonstra o papel estrutural da justiça no fundamento do

sistema processual – Ordenações Filipinas, 3.95. 1” (Homem, 2003: 138). Este

entendimento, sim, mantém-se. Daí que, mesmo em caso de revogação de uma

sentença pelo tribunal superior (que não deixa de configurar uma crítica a quem

tomou a primeira decisão), tal é aceite naturalmente200. Assim é visto pelos juízes

portugueses inquiridos: nenhum considera que o recurso seja um ato injurioso201,

afirmando antes que encara o recurso de uma decisão sua “com normalidade, uma

garantia no sistema judicial”202.

Em regra, um certo caso começa por ser submetido à apreciação do tribunal de

primeira instância203. Como já dissemos, após decisão na primeira instância, não se

conformando alguma das partes com o resultado, então, pode recorrer. No domínio

cível: cabe recurso para o Tribunal da Relação da área das decisões cujo valor da ação

exceda os € 5.000204. E da Relação para o Supremo, nos casos do art. 721.º do CPC,

com a seguinte limitação (embora como se alertou no início, também existam

exceções): cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da

Relação a não ser que a Relação confirme, sem voto de vencido e ainda que por

diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. O chamado recurso per

saltum para o Supremo Tribunal (recurso direto da decisão de primeira instância) é

admissível nos casos do art. 725.º do CPC205. No processo-crime: o recurso é, em regra,

200 Sem prejuízo de se tentarem perceber os argumentos que terão conduzido a decisão diferente da

primeira instância. 201

Cf. anexo I, gráfico 5. 202

Cf. a questão n.º 5: apenas um dos inquiridos não assinalou aquela hipótese; no entanto, no comentário que fez referiu que encarava “com indiferença”. 203

Cf. 1.3. 204

Arts. 678.º, n.º1, do CPC e 31.º da LOFTJ Sobre o valor da ação, atente-se no artigo genérico do art. 305.º do CPC. 205

Que estipula: 1 — As partes podem requerer, nas conclusões da alegação, que o recurso interposto das decisões referidas no n.º 1 e na alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, desde que, cumulativamente: a) O valor da causa seja superior à alçada da Relação;

72

para a Relação206. Pode haver recurso direto para o Supremo: caso de decisões em que

tenha sido fixada pena de prisão superior a cinco anos e não esteja em causa a

apreciação de matéria de facto (isto é, os dados considerados demonstrados

consideram-se fixados, discordando-se da qualificação jurídica ou da medida da pena,

por exemplo).

Se no processo for invocada a inconstitucionalidade de alguma norma aplicável,

então é admissível o recurso para o Tribunal Constitucional207.

As inspeções

Os atores judicias que têm a sua casa no edifício do tribunal (funcionários,

procuradores e juízes) estão sujeitos a avaliação periódica.

No caso dos juízes de primeira instância (“juízes de direito”), a inspeção é

realizada por juiz-desembargador (da Relação, tribunal de segunda instância), em

regra, a cada quatro anos208.

A apreciação diz respeito a certo período de tempo e passa pela consulta do

processo individual, dos processos, acesso à gravação das audiências e fala com outros

profissionais em relação com o juiz, com o fim de ponderar os seguintes critérios:

- o tempo de serviço, os resultados das inspeções anteriores, os processos

disciplinares e quaisquer elementos complementares que constem do respetivo

processo individual209;

- ao modo como os juízes de direito desempenham a função, ao volume,

dificuldade e gestão do serviço a seu cargo, à capacidade de simplificação dos atos

processuais, às condições de trabalho prestado, à sua preparação técnica, categoria

b) O valor da sucumbência seja superior a metade da alçada da Relação; c) As partes, nas suas alegações, suscitem apenas questões de direito; d) As partes não impugnem, no recurso da decisão prevista no n.º 1 do artigo 691.º, quaisquer decisões interlocutórias. 206

Art. 427.º do Código de Processo Penal. 207

Veja-se o art. 280.º, n.º 1, da Constituição: Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais: a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade; b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. 208

Falamos da inspeção ordinária - art. 36.º do EMJ. Pode haver inspeções extraordinárias. Cf. ainda o Regulamento das Inspeções Judiciais. Disponível no sítio do CSM. 209

Art. 37.º, n.º 1, do EMJ.

73

intelectual, exercício de funções enquanto formador dos auditores de justiça,

trabalhos jurídicos publicados e idoneidade.210

Os juízes de direito são classificados, de acordo com o seu mérito, de Muito

bom, Bom com distinção, Bom, Suficiente e Medíocre211, sendo que a classificação

mais baixa implica a suspensão do exercício de funções do magistrado e a instauração

de inquérito por inaptidão para esse exercício212.

4.4. A crítica pública (através dos media)

Também os profissionais do foro e as partes usam o espaço público dos media

para “se queixarem” da decisão do juiz ou do seu procedimento. Isso acontece no fim

de audiências em que os advogados, dirigindo-se aos jornalistas no local, tomam

posição sobre a decisão judicial condenatória, por exemplo, referindo-se à pena fixada

e à intenção de da mesma recorrerem.

Em outras ocasiões, a crítica é mais aberta, com a formulação de juízos que

podem ofender a honra, reputação, consideração do juiz e de tal modo que ponham

em causa a autoridade e a imparcialidade do poder judicial. E pode ser emitida através

de notícia ou de opinião, por juristas ou não juristas, em programas de rádio ou

televisão em direto, em jornais, nas redes sociais, etc.

210 Art. 34.º, n.º 1, do EMJ e art. 13.º, n.º 2, do Regulamento que quanto à capacidade humana indica,

com intenção de precisar, a idoneidade cívica, a independência, isenção e dignidade da conduta, o relacionamento com sujeitos e intervenientes processuais, outros magistrados, advogados, outros profissionais forenses, funcionários judiciais e público em geral; prestígio profissional e pessoal de que goza; serenidade e reserva com que exerce a função; capacidade de compreensão das situações concretas em apreço e sentido de justiça, face ao meio sócio-cultural onde a função é exercida; capacidade e dedicação na formação de magistrados. E quanto à adaptação ao serviço são analisados, entre outros, os seguintes fatores: bom senso; assiduidade, zelo e dedicação; produtividade; método; celeridade na decisão; capacidade de simplificação processual; direção do tribunal, das audiências e outras diligências, designadamente quanto à pontualidade e calendarização destas. Na análise da preparação técnica, a inspeção toma globalmente em linha de conta: categoria intelectual; capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço; capacidade de convencimento decorrente da qualidade da argumentação utilizada na fundamentação das decisões, com especial realce para a original; nível jurídico do trabalho inspecionado, apreciado, essencialmente, pela capacidade de síntese na enunciação e resolução das questões, pela clareza e simplicidade da exposição e do discurso argumentativo, pelo senso prático e jurídico e pela ponderação e conhecimentos revelados nas decisões. 211

Art. 33.º do EMJ. 212

Art. 34.º, n.º 2, do EMJ.

74

Do que foi dito acima, a tendência parece ir no sentido de reduzir o alcance do

ilícito quando estejam em causa titulares de cargos públicos e quando a conduta

expressiva ocorra por ocasião do exercício das suas funções (Machado, 2002: 815).

Segundo o mesmo autor, procura-se inibir o ruído causado por ações de

responsabilidade civil/penal sempre que estejam em causa comportamentos que

possam ter interesse público ou contribuir para a aferição da idoneidade do titular do

cargo. A discussão e a crítica devem ser abertas, robustas e desinibidas. “A crítica

pública deve ser um direito e não um risco.”213

Contudo, esta posição não permite que sejam ultrapassados de forma

manifestamente abusiva e desproporcional à margem de qualquer discussão séria dos

assuntos de interesse público, no caso, dos assuntos da justiça.

Porque a comunicação social tem por característica o relato do que é negativo

ou insólito, encontra na Justiça e nos procedimentos e decisões da Justiça terreno fértil

para a crítica. Como referem Machado e Santos (2011:159), “o funcionamento

rotineiro da justiça não suscita grande interesse da parte dos média ou do cidadão

comum”. Por exemplo, as críticas da decisão, com a indicação acrescida do que um juiz

devia ou não decidir ou fazer, conduz a uma avalancha de opiniões negativas que por

inoperância de reação dos próprios visados ou das instâncias que velam pela

independência e imparcialidade do juiz (em Portugal, o Conselho Superior da

Magistratura214) conduz a que a opinião negativa perdure (Peces Morate, 2006: 297).

Sendo certo que “[a] reputação e a respeitabilidade dos juízes são essenciais para

garantir a confiança da sociedade nas suas decisões que devem ficar a salvo de

ataques infundados”215. E isso é tanto mais assim quanto mais os juízes, como já

vimos, estão sujeitos ao dever de reserva, figurando a limitação desse dever uma

exceção.

213 Marc Carrillo, «La cláusula de consciencia y el secreto professional de los periodistas», citado por

Machado, 2002: 806). 214

V. Lei orgânica do Conselho Superior da Magistratura (lei n.º 36/2007, de 14 de agosto). 215

Na mesma obra, p. 293.

75

Aqui vale o critério adiantado por Alexy (2001: 192)216, ao enunciar as regras e

formas do discurso prático geral, qual seja a regra para partilhar a carga da

argumentação de que decorre estoutra que diz: quem apresentou um argumento só é

obrigado a apresentar outros no caso de surgirem argumentos contrários. É que

qualquer pessoa que possa falar ou verbalizar de alguma forma o seu pensamento

pode proferir afirmações e participar de um discurso. Por isso, não exigir o

cumprimento desta regra “deixaria qualquer orador preso num canto pela repetição

infantil “por quê ?”217

Daí a exigência de que a contestação ao discurso judiciário (forma ou

conteúdo), maxime, por parte dos media deva também ele ser fundamentado, e isso é

tanto mais praticável quanto se tiver em conta a função social atribuída aos media.

4.5. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem: a autoridade e a

imparcialidade do poder judicial prevista no n.º 2 do art. 10.º da Convenção

Enunciada a regra da liberdade de expressão e “[d]aí que muitos entre nós,

queiram erigir o direito à informação como um símbolo divino inatacável à sombra da

Convenção Europeia dos Direitos do Homem que, espantosamente, não prevê a defesa

autónoma do direito à honra como direito de personalidade genético do Homem, (…)

[esquecemos] (como sublinhou Vital Moreira) que a Convenção é direito infra-

constitucional português ao contrário da Declaração Universal dos Direitos do Homem

recebida como direito constitucional pelo artigo 16.º da nossa Lei Fundamental e que

inscreve em si a defesa desse direito” (Nascimento, 2011: 4).

Mas, como já ficou dito, as normas constitucionais (mesmo as atinentes a

direitos fundamentais) devem ser interpretadas à luz de convenções ratificadas por

Portugal, como é o caso da CEDH, e da jurisprudência emanada do TEDH218.

De facto, o n.º 1 do art. 10.º da Convenção afirma a liberdade de expressão. O

n.º 2, por seu turno admite que:

216 Recolhido de M. G. Singer, in Generalization in Ethics, Nova Iorque, 1961.

217 Segundo o mesmo Alexy, na mesma obra e no mesmo lugar.

218 Já mais do que uma vez citado art. 8.º, n.º 2, da CRP.

76

O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades,

pode ser submetido a certas

– formalidades, condições, restrições ou sanções,

– previstas pela lei,

– que constituam providências necessárias,

– numa sociedade democrática, (…)

para a proteção da honra (…)

para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

Sendo a regra a liberdade de expressão, valorizada quer nos E.U.A.219 quer na

Europa (através dos acórdãos do TEDH que decidem os casos limite), uma vez que por

essa via se assegura a formação de uma opinião livre numa sociedade democrática220,

são admitidas exceções. No caso do Tribunal Europeu, a interpretação do n.º 2 tem

sido restritiva, mas como veremos mais disponível para aplicar o n.º 2 quando esteja

em causa a autoridade e imparcialidade do poder judicial do que a mera honra.

As formalidades, condições, restrições ou sanções à liberdade de expressão têm

de estar previstas na lei nacional, precisa e acessível ao cidadão o qual pode prever

assim as circunstâncias e consequências da sua aplicação221, sem espaço para

arbitrariedades.

Como apurar se se trata de providências necessárias numa sociedade

democrática ? A interpretação que tem sido dada ao adjetivo “necessário” não é de

indispensável nem de razoável, oportuno ou normal, mas de necessidade socialmente

imperiosa numa sociedade democrática222 que necessita ao mesmo tempo da

219 Cf. A Primeira Emenda à Constituição: Congress shall make no law (…) abriding the freedom of

speech, or of the press (…) 220

Sen, 2009: 322-323. 221

No caso Sunday Times vs. RU (Acórdão do Plenário, de 26 de abr. de 1979) uma das questões era justamente a imprecisão do Contempt of Court, a lei interna que foi aplicada ao Sunday Times. 222

“pressing social need” na expressão usada no Caso Sunday Times vs. RU (2) (acórdão do Plenário, de 26 de nov. de 1991).

77

publicidade do processo223 (e por consequência da possibilidade de se falar sobre ele)

e de ter confiança nas instituições que criou para dirimir conflitos.

A restrição tem de ser idónea para garantir o valor que se pretende tutelar, no

caso, a honra de terceiro ou autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

A autoridade, no sentido em que o juiz decide de forma obrigatória para

entidades públicas e privadas224 e que, caso não seja cumprida a decisão, são usados

meios coercivos de satisfazer o que é afirmado (ainda que com graus diversos): por

exemplo, quando o arguido é condenado numa pena de prisão, o mesmo é detido para

cumprir a pena; ou quando o devedor não paga a quantia devida, são-lhe penhorados

e vendidos os seus bens para satisfação do direito do credor.

A imparcialidade, como a equidistância que o juiz mantém em relação às partes

e ao conflito de modo a não estar, à partida, mais próximo da posição de uma ou de

outra parte, é um direito fundamental do cidadão, o direito a um juiz imparcial.

E fica de fora a honra pessoal do juiz? E a honra funcional ou o prestígio

profissional do juiz, a honra cuja lesão tenha influência na sua reputação enquanto

bom juiz?

Como deixámos expresso, a exceção do n.º 2 também prevê a proteção da

honra e, neste caso, a honra do juiz.

O que sucede é que, tendo em conta a atividade pública desenvolvida pelos

tribunais e o interesse numa sociedade democrática em discutir assuntos de interesse

público como é o da justiça, o campo da honra do juiz acaba por ser restringida.

Diríamos que não a ponto do que é proposto para os políticos relativamente aos quais

“é preciso não esquecer o carácter, por vezes ostentatório, do militantismo político do

ofendido” (Barreto, 2010: 286).

Já o dissemos: “A reputação e respeitabilidade dos juízes são essenciais para

garantir a confiança da sociedade nas suas decisões, que devem ficar a salvo de

ataques infundados” (Peces Morate, 2006: 293). Neste sentido se pronunciaram os

223 Art. 6.º da Convenção:

224 Art. 205.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição.

78

juízes inquiridos quando perguntados sobre a importância da reputação dos juízes e

dos tribunais na sociedade: numa escala de 1 a 5 (em que “1” correspondia a “nada

importante” e 5 “muito importante”), 84,4% assinalou “5”225, 11,9%, “4”226 (num total

de 96,3%) enquanto apenas 2,8% marcou “3”227 e 0,9%, “1”228 229.

É dentro deste quadro apresentado pelo art. 10.º, n.º 2, da Convenção que os

Estados podem explorar a ingerência legítima à liberdade de expressão.

Assim, em que casos é que uma notícia, uma reportagem, uma crónica pode

ser silenciada ou ser responsabilizado o seu autor quando se trata de fazer prevalecer

a autoridade e a imparcialidade do poder judicial sobre a liberdade de expressão?

4.6. A jurisprudência

4.6.1. Alguns exemplos nacionais

Sobre os casos que os tribunais judiciais têm sido chamados a decidir, uma

primeira nota: de entre as situações de crítica pública e exercício e abuso de liberdade

de expressão, a maioria centra-se no plano político e futebolístico230. As decisões dos

tribunais nacionais atinentes a crítica ao juiz:

- São poucas231;

- Dizem respeito ao comportamento pessoal do juiz232, ao procedimento233 e à

decisão234 e respetiva fundamentação.

225 Assinalado a verde – cf. anexo II, gráfico 10.

226 Representado a salmão – cf. anexo II, gráfico 10.

227 A violeta – cf. anexo II, gráfico 10.

228 Assinalados a cor de laranja – cf. anexo II, gráfico 10.

229Como já foi feita referência, não pretendemos extrapolar os resultados do inquérito e dos dados

obtidos, no sentido de concluir que os juízes em geral têm esta perceção, até tendo em conta um elemento importante como o método de divulgação, que de alguma forma aponta para participantes abertos ao outro, disponíveis e portanto mais sensíveis à temática aqui explorada. 230

Pesquisa feita em www.dgsi.pt e cuja conclusão também é confirmada pela estatística dos casos

portugueses atinentes a liberdade de expressão e que foram apreciados pelo TEDH: Lopes Gomes da

Silva (2000), Roseiro Bento (2006), Almeida Azevedo (2007), Colaço Mestre (2007), este de futebol. 231

No estudo de Cláudia Araújo (2009: 154) nos anos de 1994/95 no caso do Público, um juiz havia

apresentado queixa ou denúncia e o processo veio a ser arquivado, portanto, não seguiu sequer para

julgamento, o que pode justificar o número diminuto de casos disponíveis.

79

A maioria decide no sentido de fazer prevalecer a liberdade de expressão

porque na notícia o juiz não é identificado235, porque é mais importante permitir o

debate sobre o funcionamento dos tribunais do que o interesse dos juízes em serem

protegidos das críticas236, porque as decisões judiciais são sindicáveis pelos cidadãos

em geral e pela comunicação em particular e o jornalista cumpriu os seus deveres

deontológicos237, porque “ponderados os valores jurídicos em confronto, o princípio

da proporcionalidade conjugado com os ditames da necessidade e da adequação e

todo o circunstancialismo concorrente, tal direito (liberdade de expressão) possa

prevalecer sobre o direito ao bom nome e reputação”238. Em casos gritantes, conclui

que a liberdade de expressão assume menor valia porque, por exemplo, no caso visto,

“inexiste o tal clima emocional que, no momento dos factos, pudesse levar a algum

exagero de linguagem”239.

Devem os juízes ser acusados de corporativismo? Além das que encontrámos e

relatámos, não existem outras críticas aos juízes que possam ser consideradas

abusivas? Os juízes não se sentem? 240 Não reagem porque são tolerantes à crítica?

232 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de julho de 2009 (em www.dgsi.pt) no qual um juiz

é autor por ter sido divulgado episódio em que deu voz de detenção a homem que lhe chamou mal criado numa fila para o multibanco (a factualidade provada não é assim tão simples mas o que se pretende nesta referência é apenas ter uma noção do tipo de situações e sentido de decisão dos tribunais superiores). 233 Relação de Guimarães, 04.01.2010 (exarar em um artigo de imprensa que um juiz de direito "teve um comportamento parcial e altamente incorrecto", acrescentar que tal magistrado "não me dava garantia de isenção" e depois compará-lo "aos juízes do Tribunal do Santo Ofício"); Relação de Coimbra, 13.05.2009 (envio de uma carta à Provedoria de Justiça, no qual se mostra a indignação pelo facto do julgamento ter sido adiado em duas datas); Relação de Lisboa, 20.06.2006 (acusação de uma juíza de corrupção depois de a mesma ter sido ilibada pelo STJ). 234

RL, 22.04.2010 (crítica a juiz pelo julgamento improcedente de cinco processos de adoção); RL, 25.06.2009 (crítica ao juiz por nas regulações do poder paternal e quanto à guarda das crianças favorecer as mães em detrimento dos pais); STJ, 16.11.2006 e 27.05.2008 (crítica ao juiz por um pai que começou a exibir na praça fronteira do tribunal cartazes de protesto dizendo: "um filho precisa da mãe e do pai todos os dias" e "estou em greve de fome desde 30 de junho porque não posso estar com o meu filho todos os dias", facto que foi relatado pela comunicação social) 235

RL, 16.07.2009. 236

RL, 22.04.2010. 237

RL, 25.06.2009. 238

STJ; 16.11.2006. 239

RG, 04.01.2010. Ao contrário do que se admite quanto aos advogados na defesa do respetivo constituinte. Sobre as expressões dos advogados e a posição do TEDH e referências a outros países, cf. Barreto (2010: 289). 240

De entre os juízes inquiridos, 35,5% referiu nunca ter sido alvo de qualquer insulto no exercício da profissão – anexo II, gráfico 4 (assinalado a cor de laranja).

80

Não reagem simplesmente?241 Os litígios que existem são resolvidos de forma

definitiva pela primeira instância?242

De acordo com a posição dos juízes inquiridos, 37,3% reconheceu nada fazer243

no caso de ser veiculado num meio de comunicação social notícia ou opinião negativas

sobre um seu procedimento.

No que toca à relação entre juízes enquanto produtores de informação

relevante e os jornalistas que a divulgam, merece destaque a situação em que o

jornalista tendo tido acesso ao acórdão de mais de 163 páginas assume como

fundamentação usada pelos juízes, passagens, correspondentes à posição de um dos

arguidos, como estas que seguidamente se referem:

Este passo da argumentação do recurso revela verdadeiras inversões lógicas e

coloca-nos no reino da pura fantasia: partindo da simples memória da ex-mulher do

arguido, esquece-se o único elemento relevante, a inexistência – atestada em exame

médico-legal – de “qualquer mancha ou sinal de relevo”, para finalmente se pretender

transformar uma mera “possibilidade” num “forte indício! “.

As expressões “intrigantes, enigmáticos e sem justificação à vista alguns

fundamentos utilizados neste recurso pelo Ministério Público” e “depoimentos dos

cinco jovens que acusaram o arguido (…) falsidades e loucuras, estranhando-se por

isso que o Ministério Público insista em motivações que pertencem ao delírio

demencial.

Os noticiários em causa foram ouvidos por pessoas, nomeadamente

profissionais do foro, sendo várias as que contactaram o autor para lhe manifestar a

maior perplexidade pelo facto de, supostamente, ter subscrito um acórdão com tal

tipo de retórica, e dizendo-lhe mesmo que passara para a opinião pública uma

imagem de má-educação, agressividade e falta de senso dos juízes que subscreveram

o acórdão. O acórdão do STJ, de 25 de fevereiro de 2010 concluiu (excerto do

sumário):

241 8,2% reconheceram ter sido alvo de insulto e nada ter feito, conforme representação no anexo II,

gráfico 4, a castanho. 242

As bases de dados disponíveis no sítio da DGSI dizem respeito apenas aos Tribunais da Relação e STJ. 243

Assinalado a azul – cf. anexo II, gráfico 7.

81

4 – Os juízes, os tribunais - sem prejuízo de lutarem por uma formação

especializada dos profissionais que com eles trabalham por forma a que possa ser

cumprido com a preceito o dever de informar – não podem ser particularmente

sensíveis a alguns destemperos ou inexactidões na publicitação da sua actividade

3 - Essa especial qualificação, em contraponto com um universo mais comum

de outros profissionais (de outras profissões), não pode conduzir a uma sensibilidade

sensível mas a uma sensibilidade tolerante, que tenha em conta as condições

concretas do exercício profissional donde proveio a ofensa.

Na fundamentação do Supremo foi usado o argumento do tempo da

comunicação social como fator justificador:

Aos três repórteres de rádio presentes nas instalações do Tribunal da Relação de Lisboa

foi entregue uma cópia do acórdão, o qual foi analisado no momento "a várias mãos", em

trânsito para o Tribunal de Monsanto, para onde os jornalistas de imediato se deslocaram a

fim de colher as reacções dos intervenientes no processo "Casa Pia" e com a pressão dos

noticiários de hora a hora, como é típico das estações de rádio.

O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de setembro de 2009, havia

decidido em sentido contrário, nestes termos:

I - Não existe interesse legítimo que possa justificar a publicação de notícias

consabidamente falsas ou negligentemente subinvestigadas.

II - A boa prática jornalística não se coaduna com a publicação de notícias ou

artigos de opinião desqualificadores da imagem pessoal e profissional de juízes – por

reporte a um acórdão subscrito por aqueles, e oportunamente disponibilizado à

imprensa – com suporte único num “take” de uma agência noticiosa – ademais

“mediado” aquele por artigo publicado noutro jornal.

4.6.2. Jurisprudência europeia: casos velhos, novos ou históricos

Não apenas pela divulgação que é garantida pela internet244 mas pela

multiplicação de obras publicadas245, assim como pelas notícias de condenações dos

244 Desde logo o sítio do TEDH que fornece informação relevante de forma acessível sítios atinentes a

direitos humanos.

82

Estados, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a sua interpretação pelo

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem ganho relevância no espaço público

português.

Um ponto de ordem para esclarecer que, não obstante se tratar de

jurisprudência emanada de um único órgão, o Tribunal Europeu dos Direitos do

Homem, versa sobre diferentes situações ocorridas em diversos momentos da história,

alguns com mais de 30 anos, espelhando múltiplas maneiras de ver o mundo e em

concreto a questão da liberdade de expressão no que toca ao item concreto da

suscetibilidade de limitação desse direito quando esteja em causa a autoridade e a

imparcialidade do poder judicial246. Por outro lado, é de salientar que um dos aspetos

analisados em todas as decisões é a da lei interna de cada país, sendo que umas vezes

a decisão do Tribunal consiste numa crítica à própria lei (por violadora do art. 10.º)

outras vezes à concreta decisão do tribunal nacional.

O que nos interessa, pois, é a análise dos casos concretos e dos argumentos

utilizados os quais se mantêm nos dias de hoje. Por outro lado, a leitura da

jurisprudência do TEDH é sempre rica pois são comuns os votos de vencido, uma outra

perspetiva comum em direito.

Sempre que possível, iremos atender ao critério pessoa-procedimento-decisão

já usado anteriormente: facilita a apreensão da história e dos argumentos usados.

Depois iremos deter-nos sobre casos ocorridos a nível supranacional, em que se

abordou a questão dos juízos paralelos, e um outro a nível nacional.

Sobre a pessoa do juiz

Caso Albayrak vs. Turquia (acórdão da 3.ª secção, de 31 de janeiro de 2008)

245 Apenas para referir em Portugal, a título de exemplo, e por ordem alfabética, Albuquerque (2008),

Barreto (a edição de 2010, mas houve anterior) e Mota (2009). 246

Por uma questão de ordem vamos apenas analisar casos que tenham ponderado críticas a juízes tal como os entendemos em Portugal e não outras situações em que o juiz forma um corpo único com o MP (Guarnieri, 2003:112) – cf. por exemplo, Perna vs. Itália (06.05.2003), July e SARL Liberation vs. França (14.02.2008) – e bem assim, casos que tiveram expressão nos media – excluindo assim por exemplo os Casos Skalka vs. Polónia (27.05.3003), Saday vs. Turquia (30.06.2006) e Kiprianou vs. Chipre (15.12.2005).

83

Um juiz, Albayrak, foi acusado de ter comportamento conflituoso com

colegas, chegar tarde ao trabalho, só fazer a barba uma vez por semana e não

usar gravata; acabou por ser condenado disciplinarmente sobretudo por se

apresentar referindo a sua origem curda e manifestar a sua simpatia pelo PKK

(partido trabalhista do Curdistão, organização armada ilegal) e por ter dito que

se o pusessem fora da magistratura se juntaria à organização na Alemanha,

além de falar em curdo com os curdos e ler publicações (antes de serem

censuradas) e ver televisão ligadas ao PKK. Com essas condutas teria posto em

causa a honra dos juízes e a dignidade do judiciário assim como o respeito pela

função.

O juiz negou tais afirmações (à exceção da leitura do jornal) mas foi

condenado disciplinarmente em julho de 1996 com a transferência para outra

área territorial com recurso improcedente, tendo ainda ficado impedido de ser

promovido nos dois anos seguintes após uma inspeção subsequente. Acabou

por sair da magistratura. É advogado.

O acórdão analisou a questão da liberdade de expressão pois foi sob esse

prisma que Albayrak apresentou a sua defesa247: está um juiz limitado quanto ao tipo

de publicações que lê ou aos canais de televisão a que assiste?

Foi aceite que a limitação da liberdade de expressão, além de estar prevista na

lei, se impunha para garantir a imparcialidade e autoridade do poder judicial,

discutindo-se apenas se se tratou de providência necessária numa sociedade

democrática, no limite, se se atribui à autoridade nacional, por proporcional, margem

de manobra para limitar a liberdade de expressão.

Reconheceu que as funções de juiz se distinguem das de outros serviços

públicos (§ 42) ao mesmo tempo que qualificou de “vagas” as acusações atinentes à

aparente falta de imparcialidade, já que nenhum elemento fora junto que apontasse

que o juiz alguma vez se apresentasse como associado da organização ou se tivesse

247 § 43, ainda que o Governo turco além de ter acentuado o comportamento do juiz, destacou o facto

de a organização ser qualificada como uma organização terrorista - § 36.

84

comportado de modo a pôr em causa a imagem de juiz imparcial num caso concreto (§

46), concluindo pela violação da liberdade de expressão (§ 49) e condenação do Estado

turco no pagamento de € 6.000 por danos patrimoniais e não patrimoniais (§ 63).

Quanto às restantes questões relatadas no acórdão mas não objeto de

apreciação expressa, remetemos para as considerações já expostas248.

Caso Maestri vs. Itália (acórdão do Grand Chamber, de 17 de fevereiro de 2004)

Um juiz, Maestri, foi sancionado disciplinarmente com uma

admoestação por pertencer à Maçonaria (Grande Oriente d'Italia) entre 1981 e

1993, já que contrariava os deveres disciplinares. Foi interposto recurso, sem

sucesso. Depois disso, foi considerado inapto para aceder ao Supremo Tribunal

e transferido para a Sicília (sem ter havido demonstração da sua relação com o

caso).

Os fundamentos adiantados foram os seguintes: incompatibilidade entre os

compromissos de um maçon e de um juiz, a existência de relação hierárquica entre

maçons, a rejeição da “justiça do Estado” em favor da “justiça maçónica” e a natureza

indissolúvel do pacto entre os maçons, mesmo num caso de um elemento que queira

deixar a organização (§ 13), além de deliberação de 14 de julho de 1993 do Conselho

Superior atinente à incompatibilidade entre as duas atividades e o princípio

constitucional atinente à imparcialidade e independência do poder judicial (que limita

a liberdade de reunião (§ 15) e do artigo 18.º da Constituição que proíbe a constituição

de organizações secretas.

Neste caso, estava em causa a liberdade de reunião ou associação a que alude

o art. 11.º da Convenção e o Tribunal Europeu concluiu que tinha havido violação do

referido artigo mas por motivos relacionados com a clareza da lei interna, já que a

primeira deliberação do Conselho Superior sobre o assunto datava só de 1990 tendo

248 Ponto 2.3.1.

85

dado azo a posterior debate mas centrado na progressão na carreira e não na vertente

disciplinar.

Concluiu pela violação da liberdade de reunião e condenou o Estado italiano no

pagamento de € 24.000 (danos não patrimoniais e despesas).

Os votos de vencido249 concluíram que não tinha havido qualquer violação da

Convenção. Os argumentos usados foram os seguintes: a presunção de que o juiz,

porque juiz, conhecia a incompatibilidade entre as funções que exercia e a maçonaria,

até porque só alegou a falta de precisão da proibição perante o TEDH, decisões

anteriores dos tribunais superiores italianos sobre a interpretação das normas (no

pressuposto de que são os tribunais internos quem melhor interpreta a lei do país –

outra questão é a da sua compatibilidade com a Convenção), além do contexto

histórico e social específico da Itália (vários casos que vieram a público, a suspeita de

que lojas maçónicas estavam implicadas em conspirações com vista a subverter a

democracia italiana, que parte tinha ligações à máfia, ao terrorismo e ao crime

organizado, além do relatório de uma comissão parlamentar atinente à loja maçónica

“P2”), a Constituição italiana (com a afirmação de normas que dizem respeito à

independência do judiciário, além da submissão à lei) e outras leis e deliberações do

Conselho Judiciário e acórdãos do Tribunal Constitucional e posições anteriores quanto

à precisão das normas internas aplicáveis; além do reconhecimento de que é

impossível a uma norma disciplinar descrever com exaustão todas as situações

concretas em que terá aplicação, a precisar pela interpretação dos valores sociais a

fazer pelo órgão disciplinar, sendo que, no caso, teria sido feito pelo Tribunal

Constitucional.

Caso Obukhova vs. Rússia (acórdão da 1.ª secção, de 8 de janeiro de 2009)

Em janeiro de 2003, uma jornalista do Zolotoye Koltso escreveu um

artigo a relatar um acidente de viação que ocorrera em 2001 e em que foram

intervenientes o seu marido e uma juíza que identificou. No final, referiu que

249 6 (organizados em dois grupos distintos) em 11 juízes.

86

tinha a impressão de que uma juíza se estava a aproveitar do cargo para obter

uma vantagem por ser juíza já que nem tinham sido ouvidos.

A jornalista foi condenada assim como o jornal proibido de publicar

mais sobre o assunto.

O Tribunal considerou que a proibição de publicações sobre os elementos

factuais do acidente era indevida, na medida em que a visada não tinha intervindo no

exercício de funções e, como tal, não estava tal proibição ao abrigo do n.º 2 do art.

10.º da Convenção (autoridade do poder judicial) - § 26. Quanto aos elementos do

processo em que era pedida a indemnização pelos danos causados no acidente, a

publicação também foi admitida por o processo ser público (§27). Condenou o Estado

russo no pagamento de € 1.000 por danos não patrimoniais.

Sobre o procedimento

Caso Präger e Oberschlick vs. Áustria (Chamber, acórdão de 26 de abril de

1995)

No dia 15 de março de 1987, o jornalista Präger publica um artigo

com o título “Achtung ! Scharfe Richter !250” no qual em 13 páginas critica

os juízes do Tribunal Criminal de Viena, denunciando, a partir de

testemunhos e da sua observação direta (durante seis meses, assistiu a

julgamentos, falou com advogados, ouviu investigadores universitários,

leu relatórios) a atitude dos nove juízes daquele tribunal como sendo

arrogantes, que tratavam mal os advogados, que humilhavam os arguidos

(tratando-os desde logo como se já tivessem sido condenados), que se

recusavam a falar com o oficial de diligências, que fixavam penas mais

pesadas, etc., numa atitude de exercício de poder absoluto.

250 “Atenção! Juízes terríveis!“

87

O jornalista foi condenado por crime de difamação na pena de 120 dias de

multa e o editor no pagamento de indemnização por danos não-patrimonias, além da

apreensão das publicações disponíveis (ao abrigo do Media Act - § 19).

O Tribunal nacional e o Tribunal Europeu deram prevalência à autoridade do

poder judicial com os seguintes argumentos: admitem-se limitações à liberdade de

expressão quando esteja em causa a confiança dos cidadãos no sistema de justiça,

sistema fundamental numa sociedade democrática e como forma de o proteger e às

instituições de ataques infundados, sobretudo porque os juízes estão obrigados a um

dever de reserva. Não aceitou, pois, o TEDH o que os jornalistas alegaram ser um traço

da publicação (o de recorrer à caricatura e ao exagero como forma de atrair os

leitores). Por outro lado, teceram críticas ao procedimento deontológico do jornalista,

já que o mesmo não deu oportunidade ao juiz de se pronunciar e nem sequer havia

assistido a qualquer julgamento do mesmo.

Merecem ser explorados os votos de vencido que, no seu conjunto, trazem

argumentos válidos: foi salientado que o motivo da investigação jornalística foi um

estudo sociológico do qual resultava que o Tribunal Criminal de Viena era diferente

dos outros, quer em termos de procedimentos, quer de decisões. O jornalista quis

procurar as razões para essas diferenças, concluindo que as explicações estavam na

personalidade do juiz e no espírito corporativo. Avançou ainda um outro argumento

não definitivo e que teve que ver com o facto de outros juízes não demandarem o

jornalista. Foi ainda feita uma apreciação crítica quanto ao facto de o juiz ofendido ter

usado a via criminal em vez da civil.

Sobre a decisão

Caso Kobenter e Standard Verlags GmbH vs. Áustria (acórdão da 1.ª secção, de

2 de novembro de 2006)

Após a publicação de um artigo num jornal católico, um grupo de

homossexuais ofendidos recorreu a tribunal. Na decisão judicial proferida

havia uma passagem em que se referia a homossexualidade como

88

estando incluída no reino animal, dando exemplos de práticas entre

animais do mesmo sexo. Nessa sequência, o jornalista Kobenter escreve

vários artigos no jornal diário Der Standard e, referindo-se à decisão,

disse que a mesma não diferia muito da dos tribunais medievais e que

apoiava uma campanha de ódio aos homossexuais.

O tribunal nacional condenou o jornalista por difamação em pena suspensa na

execução e na publicação de toda a decisão judicial, concluindo para tanto que

insinuara que o juiz tinha violado grosseiramente regras procedimentais e que tal

apreciação não era válida.

O Tribunal Europeu condenou a Áustria pois considerou que o ataque à decisão

não era um ataque injustificado ou destrutivo ao juiz ou ao poder judicial.

Caso De Haes e Gijsels vs. Bélgica (Chamber, acórdão de 24 de fevereiro de

1997)

Em 1986, são publicados 5 artigos na revista Humo, nos quais é

criticado, com termos violentos, o tribunal de recurso por ter atribuído a

responsabilidade parental dos dois filhos menores ao pai, um notário, quando

em 1984, a mãe e os avós se haviam queixado de abuso sexual do pai sobre as

crianças, queixa que foi considerada infundada, apesar de concluírem que não

houvera má fé dos denunciantes. Nos artigos, os jornalistas referiram que o

tribunal havia errado no seu julgamento, fazendo menção à posição de peritos

(os quais haviam sido ponderados pelo tribunal mas não valorados) e além de

outras expressões disseram: “todas as indicações vão no sentido de que a

reputação do pai e do avô contam mais do que a saúde física e mental das

crianças (…) o tribunal rejeitou todos os relatórios desfavoráveis ao notário.

Como pode isto acontecer?” Nesse artigo com o título “Incesto autorizado na

Flandres”, são feitos relatos da vida deste pai e dos filhos com referência ao

estado físico e psicológico das crianças, assim como da transcrição de uma

inquirição feita na polícia a uma das crianças na qual descrevia os abusos

89

sexuais sofridos; e feitas descrições da vida dos juízes que decidiram o caso.

São publicados outros artigos com desenvolvimentos.

Os jornalistas foram condenados no pagamento de indemnização por

danos não patrimoniais no montante de um franco.

O Tribunal Europeu questionou o facto de a interferência do Estado, com a

condenação dos jornalistas, ter sido necessária numa sociedade democrática.

Acentuou a necessidade de os tribunais terem a confiança dos cidadãos e

estarem a salvo de ataques infundados, desde logo, devido ao dever de reserva que

sobre eles impende, ao contrário do que sucede com os políticos (§ 37). Ao mesmo

tempo, reconheceu que os artigos continham muita informação detalhada e que o

tribunal não havia condenado a mãe e os avós por terem denunciado o caso, já que

não tinham razão para duvidar das suas alegações.

O tribunal concluiu pois pela seriedade das alegações publicadas (§ 39) que

considerou proporcionadas tendo em conta a indignação que o caso gerou (§ 48)

apesar de injustificadas certas referências pessoais ao pai de um dos juízes visados

(§45 e 49).

De entre os 9 juízes, houve dois votos de vencido que admitiram poder

perguntar-se porque é que o tribunal tomou aquela decisão, recusando que, sem

razão, se insinue que a decisão teve fundamentos políticos, ao contrário do que

impõem os princípios da independência e imparcialidade.

Caso Barfod vs. Dinamarca (22 de fevereiro de 1989)

Em 1979 o Governo local da Gronelândia decidiu sujeitar a

impostos os trabalhadores dinamarqueses que trabalhassem nas bases

americanas da G.

A questão foi levada a tribunal constituído por um juiz profissional

e outros dois juízes, empregados do Governo local. Em agosto de 1982,

um cidadão (não visado pela lei) escreveu na Groonland Dansk artigo

90

onde punha em causa as qualificações e a capacidade e poder para

decidir com imparcialidade dos dois juízes num caso em que o seu

empregador era interessado, concluindo mais ou menos assim: os votos

foram de dois para um (a favor do Governo local)). Com este grupo de

juízes não é preciso muita imaginação para adivinhar quem votou como.

O Tribunal Europeu deu prevalência à autoridade e imparcialidade do poder

judicial.

Mais uma vez, merece atenção o voto de vencido (do juiz Gölcüklü): por não ter

havido um ataque às pessoas individualmente consideradas, mas um ataque à sua

imparcialidade, não devido a qualquer procedimento que tivessem adotado em

particular, mas devido à circunstância de, sendo empregados de uma parte interessada

serem juízes, que supostamente são independentes e imparciais, concluiu pela

violação do art. 10.º.

Sobre os juízos paralelos

O tema do “juízos paralelos” no campo judiciário tem merecido justificada

atenção por parte da comunidade científica, tanto da área do Direito como das

Ciências Sociais. Boaventura Sousa Santos, que tem dedicado, de forma persistente, ao

estudo dos temas e problemas da justiça, refere-se-lhe nestes termos:

“a investigação jornalística pode ajudar a investigação judicial, mas também

pode provocar erros ou desvios, quer por intenção das fontes, quer pelo modo como a

notícia se reflectiu negativamente na investigação e na fiabilidade das provas; os

efeitos da mediatização nas testemunhas, podendo levar à produção de reflexos de

auto-censura ou de vedetismo; e o perigo da feitura de justiça à medida da opinião

pública, ao possibilitar que o elemento opinião pública, que os media ajudaram a

formar, “entre” para a sala do tribunal podendo produzir reinterpretações do real no

sentido da sua aproximação às expectativas da comunidade” (Santos, 2005: 100).

91

É que, como sustenta a investigadora brasileira Marília Budó, “o juiz, apesar de

sua formação para abstrair questões externas ao processo no momento de julgar, é

um ser humano que vive em sociedade. Assim, o questionamento que se faz é se, com

a insistência midiática em fazer de um suspeito ou acusado, culpado, pode-se

influenciar juízes e jurados na emissão de suas decisões e julgamentos. Isto parece

ainda mais concreto quando se observa a divulgação extremada dos atos de

investigação, que deveriam ser sigilosos, e a exposição de provas obtidas por meios

ilícitos pela mídia” (Budó, 2005: 2).

Porque são perigosos os juízos paralelos?

Porque influenciam o juiz? Porque podem influenciar o juiz? Porque quando a

decisão coincide com a versão dos media dão a ideia à comunidade de que o juiz se

deixou influenciar? (É possível medir a influência que o juiz tem sofrido ao longo dos

tempos?) Porque os cidadãos não aceitam as decisões judiciais que não coincidam com

o juízo veiculado pelos media?

Marília Budó (2005: 6)251 considera que “[n]ão há dúvidas de que a exposição

massiva dos fatos e atos processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o

(in) consciente do juiz, além de acarretarem intranquilidade e apreensão”.

Dos juízes inquiridos, só 0,9%252 reconheceram ser influenciados pelas notícias

ou opiniões veiculados pelos media. 7,3% afirmaram não aceder às mesmas

justamente para não ser influenciados253. 66,4% dos inquiridos254 revelaram ler ou ver

as notícias ou artigos de opinião sobre um caso que tenham em mãos, não associando

a essa atividade qualquer influência dos media na decisão a tomar. 17,3% afirmaram

apenas não aceder a tal material255, porventura numa reação de proteção quanto ao

que pudesse ser lido ou visto, para que nem sequer se ponha a hipótese de tal

251 Citando Aury Lopes Jr., Introdução crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. 252

Representado a cor de laranja – cf. anexo II, gráfico 6. 253

A violeta no quadro – cf. anexo II, gráfico 6. 254

A azul - anexo II, gráfico 6. 255

A vermelho – anexo II, gráfico 6.

92

influência poder dar-se. Optaram pelo comentário, em resposta aberta, 8,2% dos

inquiridos256.

Nem este inquérito, nem outros estudos disponíveis permitem concluir que os

juízes não são influenciados pelo que está à sua volta. Já dissemos que hoje se exige

que o juiz esteja atento à sociedade e ao mundo em que vive e como tal que “ande na

rua”, “leia jornais”, “conduza nas estradas”, “tenha família”, etc.257

E uma coisa é serem influenciados diretamente por uma opinião ou notícia

veiculada pelos media; outra coisa é acederem-lhe e apreciarem o tratamento

jornalístico sem que com isso sejam diretamente influenciados.

Trata-se de matéria muito discutida nos Estados Unidos a propósito do sistema

de jurados, que estará muito diluído num outro de juízes profissionais, com o percurso

a que fizemos referência258.

A propósito de estudo feito em Espanha em 2006, Peces Morate (2006:298-

299) revela que 75% dos juízes se importam (algo ou muito) que os meios de

comunicação se fixem num assunto da sua competência. Isto não significa que se

deixem influenciar diretamente, a ponto de até um jornalista considerar patética a

posição de um juiz do Supremo Tribunal daquele país quando dizia que a solução para

não se deixar influenciar era não ler os jornais, não ouvir rádio nem ver televisão259.

Caso Sunday Times vs. Reino Unido (acórdão do Plenário, de 26 de abril de

1979)

256 A verde – cf. anexo II, gráfico 6. Nos comentários constam referências ao facto de a questão nunca se

ter colocado em concreto, além da falta de rigor jornalístico por vezes revelada, assim como uma notícia poder servir para “alertar o juiz para a necessidade de uma mais detida fundamentação neste ou naquele aspeto que seja mais polémico ou mais perturbador”. 257

Trata-se de exemplos que apenas pretendem de facto ilustrar algumas de outras possíveis formas de os juízes naturalmente captarem sinais. 258

Cf. 1.2. (nota 28). 259

O texto não permite apurar se aquela afirmação foi proferida com ironia ou naqueloutro sentido já antes afirmado de que o juiz está dentro da sociedade e como tal permeável ao seu pulsar ou ainda no sentido que terá justificado a observação do jornalista aí citado.

93

Entre 1958 e 1961, uma empresa de produtos bioquímicos (Destillers

Company) pôs no mercado um medicamento contendo talidomina e prescrito

como sedativo para grávidas. O consumo desse medicamento provocou mal-

formações nos bebés, tendo sido alegada a negligência da empresa.

Depois de acordos entre a empresa e algumas famílias, estava em

preparação um outro, com homologação judicial, no qual se previa a criação de

um Fundo com cerca de £ 3.000.000. Entretanto, o Sunday Times que já tinha

publicado sobre o assunto, foi proibido de publicar artigo em que analisava as

propostas de acordo que acabaram por não prosseguir mas que constituíam

uma pressão para a Destillers pagar mais às famílias.

Em 1972/73, foi apresentada nova proposta de acordo excedendo por

mais de seis vezes o valor antes adiantado, no caso de £ 20.000.000.

A House of Lords concluiu ter o Sunday Times incorrido na contempt of court,

uma lei que visa evitar o desafio à autoridade do tribunal e que chegou a ser

considerada como vaga e imprecisa por nela estarem contidas muitas condutas, entre

as quais a conduta de interferência no curso da justiça, fosse aquela interferência

intencional ou não, provável ou real.

O Tribunal Europeu deu prevalência à liberdade de expressão, tendo

ponderado outros factos dos quais importa destacar: o de ao tempo serem publicados

artigos nos quais se negava a responsabilidade da empresa e o de em 1976 a

investigação pública sobre a tragédia ter sido arquivada.

Veja-se como um acórdão com mais de 30 anos se mantém atual e como o

jornalismo evoluiu desde então, no que respeita à capacidade de intervenção, não só

quanto aos grandes casos da política mas também do chamado segmento “sociedade”,

alertando consciências, dando uma outra ou nova perspetiva.

A votação foi quase repartida (11 para 9) e os votos de vencido constam de um

único texto.

94

Caso Worm vs. Áustria (29 de agosto de 1997)

É publicado na revista Profil (que trata sobretudo de política) um artigo

sobre o Ministro das Finanças que o jornalista em causa, de nome Worm,

investigou desde 1978, tendo sobre o mesmo publicado mais de cem artigos

sobre a figura pública. No decurso da audiência do então já ex-Ministro

(Androsch) acusado de evasão fiscal, o jornalista publica assim: “Para reflexão:

O tribunal com jurados passou dois dias a deliberar sobre a evasão fiscal de

Hannes Androsch. Durante a audiência, a atmosfera estava gelada (…) O

horizonte cinzento pela impressiva apresentação do arguido que piorou com a

sua posição refugiando-se em lapsos de memória (“Eu não me lembro”- “Não

sei em pormenor”) e tentando atribuir a culpa a outros (“Durante estes anos

fui representado por consultores”) ou fazendo-se de vítima (“Em toda a Áustria

não houve uma grande empresa que tivesse sido tão inspecionada como eu

fui”). O arguido entendeu mal a excessiva cordialidade do juiz presidente e

considerou-a como fraqueza. Também conhece o procurador há anos mas nem

por isso o conhece como deve ser. Matousek fala pausadamente e devagar

para que todos o percebam e age de forma espetacularmente não espetacular.

Só alguém arrogante é que o interpreta como ignorância. É sabido desde 1980

que Androsch foge aos impostos. Os procedimentos de 6.ª feira evidenciaram

provas de que durante anos o arguido escapou a acusações devido à

obediência zelosa de funcionários. Quando um juiz independente se

encarregou das investigações, os consultores de Androsch usaram de todos os

expedientes para atrasar o processo (…) O sr. Schachter disse ao tribunal que

Androsch era uma “vítima dos políticos” (…) Para reflexão.”

O tribunal nacional condenou Worm por tentar influenciar a decisão do

tribunal à luz da Mediengesetz que pune quem antes da decisão da primeira instância,

discutir o resultado da possível decisão e o valor das provas, de forma suscetível de

influenciar a decisão.

95

O Tribunal Europeu afirmou que pode haver discussão pública de casos

pendentes em tribunal não só em revistas especializadas, como na imprensa, como

entre o público (publicidade do processo); por outro lado, as figuras públicas e, em

concreto, membros ou ex-membros do Governo, estão sujeitas ao escrutínio dos

media. Mas o que se passou foi que o jornalista estava convencido da culpa e pelo seu

artigo levou deliberadamente o leitor a julgá-lo condenado previamente ao

julgamento. Não era uma mera suspeita; das suas palavras não era possível outra

interpretação que não a de que Androsch cometera evasão fiscal, evidenciando uma

intenção de usurpar a função dos juízes que estavam a julgar o caso.

O Tribunal Europeu não considerou necessária a demonstração da influência

direta, “an actual result of influence” mas, tão só, a probabilidade séria de tal

influência ocorrer.

Os dois votos de vencido exigiam que a informação ou as ideias tivessem posto

em risco real (não meramente hipotético) a imparcialidade do poder judicial.

Caso Furuholmen vs. Noruega (decisão da 1.ª secção, de 18 de março de 2010)

O advogado de defesa de um indivíduo acusado de maltratar a ex-

mulher apresenta ao tribunal fotografias por si organizadas, com isso

pretendendo reconstituir os factos e demonstrar que esses factos que davam

suporte à acusação não poderiam ter ocorrido. O tribunal recusou essa prova

recolhida na ausência dos outros sujeitos processuais e sem um observador

independente. Furuholmen, o advogado, forneceu esses elementos à

imprensa.

O seu constituinte foi condenado pelos factos de que vinha acusado

mas, após recurso, tal condenação veio a ser revogada por se ter considerado

que deviam ter sido procuradas provas, por exemplo, organizando uma

reconstituição ou prova pericial.

96

O Tribunal nacional condenara Furuholmen em multa de € 1.200. O Tribunal

Europeu concluiu que a recusa do tribunal devia ter sido respeitada e que a divulgação

pública de tais elementos pôs em causa (ameaça real) a imparcialidade do judiciário, a

par de uma limitação da liberdade de expressão do advogado insignificante, desde

logo pelo montante da multa aplicada (p. 12). No entanto, por outras razões, não

admitiu o recurso.

Concluimos esta resenha não exaustiva de casos com um caso português. Sem

desenvolvermos outros aspetos ponderados no acórdão, vejamos o

Caso Pinto Coelho vs. Portugal (acórdão da 2.ª secção, de 28 de junho de 2011)

No dia 3 de junho de 1999, a SIC abriu os telejornais com a

notícia mostrando reproduções da acusação contra o ex-diretor da Polícia

Judiciária por violação do segredo de justiça no âmbito de um caso com grande

repercussão mediática260. A jornalista foi condenada por crime de

desobediência devido à reprodução de peças processuais, proibida por lei.

O Estado Português além de outros fundamentos, alegou que a ingerência na

liberdade de expressão da jornalista foi justificada, além do mais, pela necessidade de

proteger a autoridade e a imparcialidade do poder judicial (§ 26).

Sem deixar de destacar que a atividade do jornalista não pode pôr em causa o

julgamento equitativo que é devido (§ 33), mas porque estava em causa o alegado

comportamento de um alto funcionário (de interesse geral) e porque os tribunais

internos não ponderaram devidamente o interesse na condenação da jornalista e a sua

liberdade de expressão (que no seu uso, mostrou a acusação como forma de dar mais

credibilidade à peça - § 38), o Tribunal Europeu considerou ter havido violação do art.

10.º e condenou o Estado Português no pagamento de uma indemnização de cerca de

€ 4.000 (correspondente ao montante em que havia sido condenada a pagar).

260 Reproduzimos a expressão sem mais referências, tal como fizemos com os casos anteriores.

97

Apresentámos este caso pela proximidade e porque, como ficou dito, foi

alegada a “autoridade e imparcialidade do poder judicial”. A mera reprodução de

peças processuais nos media pode comprometer aqueles princípios? O Tribunal

Europeu disse que não.

V. Os abusos da crítica

“Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade (…) é

tirânica.”261

Não constituindo a liberdade de expressão uma posição absoluta, então é

possível conceber situações de abuso: quando não há critério, quando não há

argumentos válidos, quando a palavra é pura ofensa, quando “enxovalha e rebaixa a

pessoa visada à condição de quem não é sequer reconhecido como interlocutor”

(Albuquerque, 2008: 497).

Enunciaremos apenas algumas das reações previstas no ordenamento jurídico

português.

5.1. O crime de injúria e de difamação sobre o juiz

O crime de injúria está previsto no art. 181.º do Código Penal e pune com pena

de multa de € 50 a € 60.000262 ou pena de prisão de 1263 a 3 meses a quem imputar a

outra pessoa factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigir-lhe palavras, ofensivos

da honra ou consideração.

261Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, p. 64

262 O número de dias de multa é fixado entre os 10 e os 120; a taxa diária entre os € 5 e os € 500 – art.

47.º, n.ºs 1 e 2, do CP. 263

O art. 41.º do Código Penal fixa o limite mínimo da pena de prisão.

98

A distinção fundamental deste tipo para o crime de difamação é que aqui o

autor dirige-se a terceiro e sem a presença do ofendido. A medida legal da pena sobe

para multa de € 50 a € 120.000264 e prisão de um até 6 meses – art. 180.º, n.º 1, do CP.

As ofensas verbais (na injúria como na difamação) são equiparadas às feitas por

qualquer outro meio de expressão, como a escrita, os gestos ou a imagem – art. 182.º

do CP.

No entanto, a ofensa escrita ou que tenha algum suporte duradouro e

portanto, pelo menos em potência, suscetível de ter maior audiência, e maior

danosidade, pode justificar que o grau de ilicitude (critério para determinação da pena

– art. 71.º, n.º 2, al. a), do CP) seja mais elevado.

Quando o veículo da ofensa seja um meio de comunicação social, então surge

mais um fator de agravação e o Código Penal refere-se a Publicidade e calúnia – art.

183.º, n.º 2, do CP. A medida legal de pena é: prisão até dois anos ou multa não

inferior a 120 dias265.

Está em causa um valor importante para a comunidade. Este é o pressuposto

da criminalização de condutas que o violem. No entanto, o procedimento depende de

queixa num primeiro momento e de acusação particular266, num segundo momento,

para o que a vítima se constitui assistente, assumindo a qualidade de sujeito

processual: por um lado tem de constituir advogado, pagar taxa de justiça e requer tal

estatuto ao juiz267; por outro lado, esse estatuto permite-lhe recorrer das decisões ou

colaborar ativamente na investigação268.

Quando o ofendido seja um juiz269 no exercício das suas funções ou por causa

delas: esse procedimento só depende de queixa270, cabendo ao Ministério Público o

264 10 a 240 dias de multa.

265 O mesmo artigo prevê outro fator de agravação: tratando-se da imputação de factos se averiguar que

o agente conhecia a falsidade da imputação – n.º 1. 266

Chama-se por isso crime particular. Faria Costa (1999:602) chama a atenção para este elemento que

a par da possibilidade de dispensa de pena (art. 186.º do CP) perpassa “uma clara ideia de consenso”. 267

Arts. 68.º e 70.º. do CPP e 8.º do Regulamento das Custas Judiciais. 268

Arts. 69.º e 401.º, n.º 1, al. b), do CPP. 269

Ou membro do Conselho de Estado, Representante da República, comandante de força pública, entre outros de uma lista de 14 linhas - art. 132.º, n.º 2, al. j), aplicável por via do art. 184.º, ambos do CP.

99

prosseguimento da investigação e dedução de acusação (ou arquivamento do

processo)271; a medida legal da pena é elevada de metade nos seus limites mínimos e

máximos.

Corolário do que dissemos acima, o n.º 2 estabelece causas de exclusão da

ilicitude, isto é, uma vez verificadas, a ofensa que consista na imputação de factos não

é punida. A exclusão da ilicitude está dependente da prova do seguinte: realização de

interesses legítimos; e prova da verdade da mesma imputação ou fundamento sério

para, em boa-fé, a reputar verdadeira.

É neste campo que normalmente tem cabimento a referência à liberdade de

expressão, mormente, a liberdade de imprensa272, quando compreendida dentro das

fronteiras da respetiva finalidade – a discussão e contribuição para formar a opinião

pública em assuntos de índole social, política, económica ou cultural, portanto,

assuntos com relevância para a sociedade enquanto tal273.

O ónus da prova, relativamente à demonstração da verdade dos factos,

compreende-se, pela regra geral, que é mais fácil provar um facto positivo do que um

facto negativo274. Já a alternativa que a norma permite – a de o agente provar que teve

fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira – remete-nos para a análise

de um procedimento que cabe ao agente, tratando-se de um jornalista, comprovar

270 Art. 188.º, n.º 1, al. a), do CP

271 Art. 49.º do CPP.

272 Iolanda Brito (2010: 311) destaca ainda a possibilidade de aplicação dos mecanismos gerais de

exclusão da ilicitude, como o exercício de um direito (liberdade de expressão), a que alude o art. 31.º, n.º 2, al. b), do CP. Plenamente aplicável quando estejamos perante a formulação de juízos de valor e já não da imputação de factos. 273

Na discussão do que sejam interesses legítimos, Costa (1999: 617) distingue “interesse público”, “interesse nacional” e “interesse do público”. 274

Cf. Brito (2010, pp.337-338, nota 657

) sobre as especificidades do ónus da prova em processo penal, bem como a mesma autora e nas mesmas páginas, as considerações sobre a hipótese de um jornalista não ter conseguido provar a veracidade do facto e o cumprimento do dever de informação (em sentido não coincidente com o que propusemos em 3.3.), além da posição crítica do que afirma ser um “desequilíbrio na atribuição do ónus da prova ao agente” (2010:341), ainda que a propósito da figura publica, o objeto do seu estudo.

100

que obedeceu às regras deontológicas vigentes275, designadamente as que estão

previstas no Estatuto do Jornalista276, portanto, as legis artis.

Não obstante a previsão da reação criminal - que pode passar pelo

conhecimento público da sentença condenatória277 (art. 189.º do CP) -, as

consequências são das menos gravosas no sistema penal, pelo menos, no que se refere

à pena de prisão. Quanto à pena de multa os critérios de determinação podem

conduzir facilmente à fixação de quantias mais reduzidas do que para muitas contra-

ordenações previstas, por exemplo, para violações ao Código da Estrada278.

Daí assumir particular relevância o pedido de indemnização civil – enxertado no

processo penal279 ou formulado em ação própria que analisaremos mais à frente.

Esta tendência é contrariada pela conclusão afirmada por Cláudia Araújo (2010:

158) que refere que quanto ao cenário português dos processos judiciais contra a

imprensa “a grande maioria dos processos é de natureza criminal; os processos cíveis

têm pouca expressão”. Tal pode explicar-se pelo efeito imediato (ter contra si um

processo crime onde, por força do princípio de adesão, pode ser discutido o pedido de

indemnização e onde o visado pode prestar declarações também como parte civil é

diferente de ter apenas um processo visando a indemnização), sendo que quanto ao

estudo feito do jornal Publico nos anos de 1994/95 só esteve em causa um juiz (2010:

154).

Também dos juízes que participaram no nosso inquérito280, nenhum optou pela

ação cível quando confrontado com a possibilidade de notícia ou opinião negativa

sobre um seu procedimento ou decisão. É verdade que 20% se reportou ao facto de a

reação depender de certos aspetos do caso concreto281 (e que num inquérito com as

275 Concretização da “boa fé” a que alude o n.º 4 do art. 180.º do CP.

276 Cf. art. 14.º do Estatuto. Não analisaremos aqui a questão do direito a não revelar as fontes – arts.

6.º, al. c), e 11.º do Estatuto do jornalista - lei n.º 1/99, de 1 de janeiro (com várias atualizaçãoes). 277

Art. 189.º do CP e 34.º da Lei de imprensa. 278

“[A]s molduras penais abstractas são índices da dignidade penal e do merecimento da pena (…) [O]s valores da honra, da consideração e do bom nome pessoal aparecem-nos enfraquecidos (…)” (Costa, 1999:628). 279

Art. 71.º do CPP. 280

Cf. anexo II, gráfico 7. 281

Designadamente de a expressão ser ou não injuriosa.

101

características deste não foram ponderadas). De todo o modo, destaco que foram só

2,7% os que afirmaram que apresentariam denúncia ao Ministério Público para

procedimento criminal. Embora tal se possa dever a outras variantes, a verdade é que,

como já afirmámos, a jurisprudência nacional (dos tribunais superiores) é muito pouco

relevante do ponto de vista numérico.

5.2. A violação do direito de personalidade e a indemnização por danos

O mecanismo de proteção do direito à honra através dos tribunais, num juízo

ou vara cível, culmina com a condenação do autor da ofensa no pagamento de uma

indemnização que tem um efeito de reparação dos danos patrimoniais provocados e

de compensação de direitos não patrimoniais. O tribunal pode atuar antecipadamente

com a finalidade de evitar que a ameaça de lesão se consume282.

Tal condenação depende da verificação dos pressupostos gerais da

responsabilidade civil283, sendo certo que a lei tutela a personalidade e suas

manifestações como o direito à honra284.

O raciocínio não está porém completo sem a ponderação de elemento

preponderante, o da liberdade de expressão, em moldes semelhantes ao que vigora

em sede penal285.

282 Arts. 1474.º e 1475.º do CPC.

283 Art. 483.º, n.º 1, do Código Civil (CC): Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito

de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Sobre a discussão atinente à aplicação da norma às situações de lesão da honra, cf. Brito (2010: 121). 284

Arts. 1.º, 25.º e 26.º da CRP e 70.º e 484.º do CC que diz Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados) 285

Aplicando o art. 335.º, n.º 1, do CC (1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. 2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.) ou o art. 31.º, n.º 2, al. b), do CP (Nomeadamente não é ilícito o facto praticado no exercício de um direito), considerando a ordem jurídica na sua totalidade (Brito, 2010: 135). Veja-se na mesma obra, nas páginas 139 e seguintes, várias teorias sobre a exceptio veritatis. O abuso de direito também está previsto no art. 334.º do CC, assim, [é] ilegítimo o exercício de um direito [a liberdade de expressão], quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

102

O art. 1474.º do CPC reporta-se à tutela específica da personalidade286. Trata-se

de processo de jurisdição voluntária e como tal sujeito a regras específicas. Além de

outras de pormenor, [o] tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos,

coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são

admitidas as provas que o juiz considere necessárias287 e [n]as providências a tomar o

tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em

cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna288.

A ponderação de valores é aqui mais premente já que, como vimos, a censura

prévia é proibida pela Constituição, mesmo a imposta por via judicial.

5.3. Outras reações

Além do recurso a tribunal, existem outros mecanismos que permitem reagir a

abusos da crítica ao juiz?

Enumeramos algumas que têm a virtualidade de permitir uma reação pronta,

além de diminuir os danos causados na honra do juiz e na credibilidade

(imparcialidade) e na autoridade da justiça289:

- Direito de resposta e de retificação290. Os órgãos de comunicação social

publicam ou emitem a resposta das pessoas (no caso, do juiz) que se considerem

prejudicadas por ofensas ou referências inverídicas, por textos ou imagens que

286 1— O pedido de providências destinadas a evitar a consumação de qualquer ameaça à personalidade

física ou moral ou a atenuar os efeitos de ofensa já cometida será dirigido contra o autor da ameaça ou ofensa. 287

Art. 1409.º, n.º 2, do CPC. 288

N.º 4 do citado art. 1409.º. 289

Lembram-se? São estes os critérios determinantes a ponderar na fixação de limites à liberdade de expressão. 290

Arts. 37.º, n.º 4, da Constituição e 2.º, n.º 2, al. c) da lei de imprensa (2. O direito dos cidadãos a serem informados é garantido, nomeadamente, através: a) De medidas que impeçam níveis de concentração lesivos do pluralismo da informação; b) Da publicação do estatuto editorial das publicações informativas; c) Do reconhecimento dos direitos de resposta e de rectificação) e 24.º e ss. da mesma lei, e ainda diretiva n.º 2/2008, do Conselho Regulador da ERC sobre a publicação de textos de resposta e de retificação na Imprensa, disponível no sítio da ERC (www.erc.pt/) a par da Recomendação Rec (2004) 16, adotada pelo Comité de Ministros em 15 de dezembro de 2004 sobre o direito de resposta nos novos media.

103

resultem do exercício da função jornalística ou do exercício da liberdade de expressão

e de opinião suscetíveis de afetarem a sua reputação ou boa fama291 e com o objetivo

de reposição da verdade se for o caso.

Nos termos da Lei de imprensa292 [o] conteúdo da resposta ou da rectificação é

limitado pela relação directa e útil com o escrito ou imagem respondidos, não podendo

a sua extensão exceder 300 palavras ou a da parte do escrito que a provocou, se for

superior, descontando a identificação, a assinatura e as fórmulas de estilo, nem conter

expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvam responsabilidade

criminal, a qual, neste caso, bem como a eventual responsabilidade civil, só ao autor da

resposta ou da rectificação podem ser exigidas. Segundo a diretiva da ERC, sobre a

publicação de textos de resposta e de retificação na Imprensa293,

“Em princípio, os sujeitos individuais ou grupais que chamem a si a defesa de

interesses difusos não poderão exercer os direitos de resposta e de rectificação

quando aqueles interesses tenham sido postos em causa de forma apenas genérica.

Assim sendo, o sujeito individual ou grupal pretendente apenas poderá exercer

o direito de resposta ou de rectificação quando ele próprio for alvo, directo ou

indirecto, das informações erróneas.”

Então, tal significa que, por exemplo, não seria possível à ASJP exigir o direito

de resposta, sobretudo tendo em conta o dever de reserva do juiz e as razões desse

dever? A resposta afirmativa merece muitas reservas.

A publicação do texto de resposta ou de retificação é feita na mesma secção,

com o mesmo relevo e apresentação do escrito ou imagem que tiver provocado a

resposta ou retificação, de uma só vez, sem interpolações nem interrupções, devendo

ser precedida da indicação de que se trata de direito de resposta ou retificação294.

291 Este último elemento não tem de estar presente no que toca ao direito de retificação: basta a

referência inverídica. 292

Artigo 25.º, n.º 4. 293

Disponível no sítio da ERC, como já dito. 294

Art. 26.º, n.º 3, da mesma lei.

104

Continuando a referência à diretiva, no que a mesma tem de esclarecedor

quanto à concretização do direito de resposta, a resposta ou a retificação a um

conteúdo publicado, deve ser:

- Numa página ímpar se foi publicada em página ímpar, dada a maior

visibilidade destas;

- Com letra (dimensão e formato), bem como espaçamento entre linhas e

outros pormenores gráficos igual aos do conteúdo objeto da resposta;

- Realçada mediante recurso a qualquer meio gráfico (caixa de texto,

sombreado, cor, dimensão ou formato da letra, etc.) semelhante ao que motivou a

resposta.

Os fundamentos legalmente admissíveis de recusa encontram-se enumerados

na lei de imprensa295.

Essa recusa pode ser impugnada judicialmente296. Uma vez que o interessado

pode recorrer à ERC (através do conselho regulador), a decisão pode depois ser

impugnada junto dos tribunais administrativos297.

De entre os juízes inquiridos, só 5,5% declararam optar pelo exercício do direito

de resposta298, a par de outros 2,7% que recorriam às entidades que atuam no

domínio da comunicação social e jornalistas299, quando confrontados com uma notícia

ou opinião negativas sobre um procedimento ou decisão.

Outras possibilidades, de resto escolhidas pelos juízes inquiridos, são as

seguintes:

- Comunicação da situação ao CSM, escolhida como hipótese por 32,7% dos

juízes inquiridos300 (que depois de averiguar pode emitir um comunicado): pelos juízes

295 Art. 26.º, n.º 7. O Conselho Regulador da ERC pode intervir neste domínio (arts. 59.º e 64.º do

Estatutos da ERC). 296

Art. 27.º da Lei de imprensa. 297

Art. 75.º, n.º 1, dos Estatutos. 298

Marcado a salmão – cf. anexo II, gráfico 7. 299

Assinalado a violeta (o mesmo valor dos que afirmaram que apresentavam denúncia ao Ministério Público para procedimento ciminal, a cor de laranja, no quadro) – ibidem. 300

Representado a verde – ibidem.

105

mais novos (com até 3 anos de antiguidade), esta comunicação foi a solução mais

adiantada (63,6%)301; contra os 38,2%, 25,5% e 22,2% dos escalões seguintes302.

- Comunicação à Associação Sindical dos Juízes Portugueses, por que optaram

15,5%.303. Destes, 36,4% correspondiam a juízes com menos de 3 anos para numa

curva descendente os escalões seguintes realizarem tal procedimento como segue:

14,7%, 12,8% e 11,1%304.

Ocorre que a grande maioria (em geral) reconheceu nada fazer, 37,3%305 e

outros 20%306 optaram por outra conduta, no caso (analisando o teor das respostas),

fazendo depender do teor da notícia ou opinião em concreto, assim a opção por um

dos procedimentos propostos. De salientar que foram os juízes mais novos na

profissão quem menos referiu nada fazer: 18,2% contra os 44,1%, 34% e 44,4%307 dos

escalões seguintes.

O ponto está em saber se, da perspetiva da administração da justiça e dos

juízes enquanto atores principais, se devem acatar passivamente as avalanches de

críticas, sem que os próprios (muito pelo peso (?)/garantia (?) do dever de reserva) ou

instituições como o CSM ou a ASJP nem sempre esclareçam (quando for caso disso)

com a mesma intensidade ou eficácia. A posição dos juízes inquiridos parece ir nesse

sentido e, sobretudo os mais novos na profissão parecem esperar muito de ambas as

instituições.

Sem ficar em silêncio e sem proferir declarações descoordenadas que, ao

contrário de esclarecer, confundam, como agir?

301 Assinalada a cor de laranja – cf. anexo II, gráfico 17.

302 Representados respetivamente com as cores, azul, violeta e vermelho – ibidem.

303 A castanho - ibidem.

304 Do mesmo modo que temos vindo a assinalar, a azul, violeta e vermelho, respetivamente – cf. anexo

II, gráfico 17. 305

A azul – ibidem. 306

A vermelho – ibidem. 307

Representados, respetivamente, com cor de laranja, azul, violeta e vermelho – ibidem.

106

5.4. Uma posição relativamente à conduta do jornalista

O exercício da liberdade de expressão, como vimos, é hoje tutelado pelos

ordenamentos nacionais e garantido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem,

sobretudo quando corresponde ao exercício de uma profissão como a de jornalista

cuja função é a de dar notícias e investigar outras cujo conhecimento seja relevante

para formação de uma opinião pública livre e esclarecida. A sanção penal latente sobre

tal atividade308 é proporcional relativamente ao que representa, uma limitação à

liberdade de expressão? Se o direito penal visa a proteção de bens jurídicos

fundamentais e é norteado pelo princípio da intervenção mínima, como justificar a

criminalização da conduta?

No caso Barfod referia-se que a pena não pode dissuadir a imprensa e o

cidadão de exercer o direito e liberdade de expressão. E no caso Mahmudov e Agazade

vs. Azerbeijão (acórdão da 1.ª secção, de 18 de dezembro de 2008)309 “a aplicação de

penas de prisão em casos de liberdade de expressão, nomeadamente no tocante a

questões de relevante interesse público, ainda que não sejam para cumprir, muito

dificilmente será compatível com o art. 10.º“.

Noutra linha, e sem se referir à posição concreta do jornalista, Faria Costa

(1999: 601-602) assumia “talvez um pouco contra algumas das actuais percepções do

sentido dos ventos da história sobre este preciso ponto (…) a honra é um bem jurídico

pessoalíssimo e imaterial a que não temos a menor dúvida em continuar a assacar a

dignidade penal.”

Já Iolanda Brito310 chama a atenção para a “aglomeração de factores que vão

ditar um agravamento da rarefacção da teia da tutela penal do bem jurídico” (2010:

308 Os tipos penais analisados dizem-se comuns por não preverem uma qualidade especial do agente,

qualquer pessoa pode vir a responder pela prática da conduta prevista. 309

Sobre um artigo de jornal que se reportava à máfia e corrupção no setor agrícola do país, acompanhado de uma fotografia de um então membro da Academia das Ciências, perito em agricultura e membro do Parlamento. 310

Ainda que a propósito da vítima enquanto figura pública. No entanto, cremos que tal conclusão também se aplica às críticas ao juiz, seu procedimento ou decisão quando no âmbito das questões a discutir numa sociedade democrática.

107

326) e reflete sobre a degradação em contra-ordenação das injúrias que se

materializem em formulações de juízos de valor (2010: 345, nota 668).

Com tais preocupações, propõe Jónatas Machado (2002: 775-776) que o direito

penal fique “reservado para os casos mais graves e flagrantes”.

Teixeira da Mota põe em causa o agravamento da medida legal da pena por via

da qualidade das pessoas visadas, considerando que “esta extensíssima lista de

pessoas que vêem a sua “honra e consideração” especialmente protegidas não tem

qualquer justificação, salvo num Estado desmesuradamente cioso da reputação de

personagens institucionais (…) uma parte substancial das mesmas não podem ter uma

protecção superior ao comum das pessoas antes têm de poder ser sujeitas a um

escrutínio particularmente atento e crítico dos cidadãos”311, sem deixar de reconhecer

a importância da independência, o prestígio e a confiança no poder judiciário.

Aceitamos que assim possa ser, sem prejuízo de, em função do caso concreto, a

qualidade da vítima (se relevante) ser ponderada para determinação da pena,

No sentido da descriminalização têm avançado as instituições europeias –

Resolução 1577 (2007) e Recomendação 1814 (2007) do Conselho da Europa intitulada

“Para uma descriminalização da difamação”. O Comité de Ministros respondeu

(reunião de 11 de junho de 2008) dando continuidade a tal finalidade –

designadamente que sejam cumpridos por todos os Estados-Membros os padrões

definidos pelo TEDH - convidou os Estados a contribuírem com comentários.

Mesmo mantendo a tipologia penal, a verdade é que além da necessária

interpretação das normas, elas só ganham especial relevo quando encontram uma

situação da vida a que possam ser aplicadas. É, pois, neste domínio que algumas das

perplexidades, algumas das incongruências, e os valores constitucionais, interpretados

à luz da CEDH e da jurisprudência da TEDH, hão-de ganhar consistência. E não falamos

apenas da sentença final, momento em que o juiz, após a audiência, tem de decidir se

a factualidade apurada constitui ou não crime, se lesou ou não um direito de

311 Op. cit., pp. 26-27.

108

personalidade (sem que outro valor se sobreponha). Falamos do juízo que o Ministério

Público (enquanto titular da ação penal) formula quando decide acusar ou arquivar312

ou nem sequer decide pela abertura de inquérito (quando a situação se apresente de

tal modo que se afigure justificada) ou da possibilidade de o juiz conhecer do mérito

após a petição e contestação, sem necessidade de audiência.

Sobre a publicidade e calúnia: faz sentido que ao mesmo tempo que se tutela a

liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, através da exclusão da ilicitude, se

agrave a medida legal da pena? Não pode haver dúvida de que uma situação concreta

nunca há-de integrar as duas previsões; ou a conduta está protegida ou, não estando,

é agravada. Cremos no entanto que tal previsão confunde em vez de clarificar a

posição do legislador penal.

Acresce que, em caso de condenação, a diferença entre as medidas legais das

penas é insignificante, mercê das medidas legais em si, e por outro lado que a maior

ilicitude e, em concreto, a maior danosidade da conduta sempre seriam ponderados

em sede de determinação da pena313.

Quanto ao direito de resposta:

Já foi afirmado. Mas como destacava o Acórdão do Conselho permanente do

CSM, de 9 de novembro de 2004 (citado por Brito, 2010: 48, nota 59), quando “cede à

tentação de fazer a defesa pública da sua imagem, o juiz corre, inevitavelmente o risco

de se deixar enredar em laços que, aos olhos do público, lhe roubam a independência.

E roubam-lha, porque o cidadão só acredita na independência do juiz quando este se

lhe apresenta como alguém que, sem nunca perder a seriedade, se atém apenas aos

factos, mantendo-se sempre indiferente ao que se diga ou possa dizer-se do caso que

tem que julgar”.

O acórdão mantém atualidade? Então a tendência que se impõe aos juízes é a

liberdade de expressão de terceiros a par do seu dever de reserva como garantia de

valores que assume e pratica. Mas com que consequências, com que soluções

312 Arts. 277.º e 283.º do CPP.

313 Artigo 71.º, n.º 2, al.a), do CP.

109

possíveis? Parece-nos que os resultados do inquérito apontam para um caminho

interessante.

VI. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A REPUTAÇÃO DOS JUÍZES

“Skepticism is a matter of exercising our critical faculties to

question other’s claims and demand an accounting”314

6.1. Da deferência à desqualificação

Não muito longe da atualidade, a decisão de um tribunal, de um juiz, era aceite

sem ser posta em causa. O arauto da decisão era credível em função do cargo que

ocupava e da função que desempenhava, independentemente do procedimento, dos

argumentos apresentados315. Justificava-se tal atitude por uma deferência a quem a

produzia, pressupondo mais conhecimento e sabedoria de quem decidia ou, como

adiantava Beccaria (na parte XLIII sobre os magistrados) a propósito da prevenção de

delitos, pressupondo o temor dos súbditos316. Essa atitude alimentava um prestígio

dos juízes em geral. Perdeu-se a aura que a justiça, o tribunal, o juiz tinham no

passado317, tal como sucedeu relativamente às instituições em geral nos chamados

países desenvolvidos (Heclo, 2008: 13).“[À] autoridade indiscutível da tradição se

substitui a autoridade da discussão (Fernandes, 2008: 315).

Por boas razões se afirma a liberdade de expressão e, no campo da justiça,

aquela tem a virtualidade de poderem ser denunciadas disfuncionalidades do sistema,

quer internamente quer, no seu expoente máximo, através dos media, obrigando as

314Heclo, On thinking institutionally, p. 13

315 Cf. a perspetiva de Poullard (1999: 60).

316 “Se o soberano, com o aparato e com a pompa, com a austeridade dos éditos, com o não permitir as

queixas, justas e injustas, dos que se julgam oprimidos, habituar os seus súbditos a temerem mais os magistrados do que as leis, eles tirarão mais proveito deste temor do que ganharia a segurança pública a sua própria” (1998:159). 317

Thomson (2010, 38) a propósito dos políticos e das instituições.

110

instituições públicas, e em concreto os tribunais, a prestar contas do seus

procedimentos, decisões e desempenho à sociedade, além de outros mecanismos de

controle já analisados, como os recursos e as inspeções. O que sucede é que se passa

subrepticiamente da denúncia à desqualificação para passar a imagem de que os

media fariam melhor (Garapon, 1994: 73), esquecendo-se que o ponto de vista da

justiça não é o explorado muitas vezes pelos media, mas sim os da vingança ou da

terapia318.

Heclo (2008: 13) denuncia que a tendência para desconfiar vai geralmente além

da crítica razoável, dentro do que chama as perguntas e interpelações que levam os

poderes a “dar razões”. “As autoridades institucionais não merecem o benefício da

dúvida. O que merecem é desconfiança. Assunto encerrado”. Clara hostilidade. É que

este é o tempo também da cultura popular caracterizada pela auto-promoção, pela

diminuição do valor do dever, pelo “pensar curto” o que enfraquece a confiança social

e os valores institucionais319, incluindo o do valor social dos Tribunais e do juiz.

E isso acontece tanto mais quanto se multiplicam as thrownness situations,

aquelas situações em que pessoas ou organizações são atiradas para fluxos de

acontecimentos não previstos nem controlados (Fernandes,2008:317)320 e com

consequências amplificadas por via da intervenção dos media.

A personificação institucional do poder na figura do juiz (Poullard, 1999: 10)

leva a que a erosão da instituição tribunal e sistema de justiça se reflita, depois, em

cada juiz.

E qual o prestígio da função e dos juízes em particular na atualidade, em

Portugal ?

Qual a medida da reputação dos juízes e dos tribunais na sociedade? E esse

grau é consequência das notícias das opiniões de que o sistema de justiça não

318 Na mesma obra, p. 81.

319 O mesmo autor na p. 45.

320 O mesmo autor, na página seguinte, faz referência a um caso concreto (a notícia da libertação

inesperada de presos preventivos, condenados por crimes graves, ao abrigo de recente legislação), no qual se evidencia, primeiro o silêncio, depois “surgem os primeiros discursos, as primeiras formas narrativas de criar sentido. Tão diversos quanto as suas fontes (…)”.

111

funciona? Do estudo do professor Hespanha sobre a imagem social dos tribunais

(2005: 28) concluiu-se por uma má opinião sobre a justiça oficial: “apenas 13% dos

inquiridos estão de acordo em que a justiça funciona bem. Apenas 18% a consideram

independente do poder político, social ou económico. Apenas 10% a entendem.

Apenas 11% a consideram eficaz na punição dos infratores e apenas 7% concordam

com a sua eficácia na reparação das vítimas.” Ainda que a apreciação não seja

uniforme (advertência do autor) a verdade é que é este o cômputo geral, ao mesmo

tempo que 61,8% disse ter alguma confiança ou muita confiança nos tribunais, assim

distribuídos; muita confiança: 6,3%, alguma confiança; 55,5%; pouca ou nenhuma

confiança 38,2%, assim distribuídas as respostas: 29,7%, pouca confiança; 8,5%,

nenhuma confiança. Concluindo ainda que “tem-se confiança na justiça, não porque

ela produza Justiça, mas porque ela produz certeza – certeza processual ou certeza

institucional.”321

Dos juízes portugueses inquiridos, 77,8%322 são da opinião de que existe

estreita relação entre as notícias e opiniões veiculadas pelos meios de comunicação

social sobre a “justiça” e a reputação dos juízes ainda que, na sua opinião, se repartam

quanto ao juízo que os cidadãos deles fazem no que respeita à influência pelos meios

de comunicação social323.

6.2. Da desqualificação ao respeito

A desqualificação pode conduzir ao desaparecimento dos tribunais, porque não

é inevitável a sua permanência e possível a sua substituição por outras formas de fazer

justiça? Como nos provoca David P. Levine (2001, 1251), a necessidade de existência

de uma organização é mesmo uma fantasia? É mesmo incerta a sobrevivência dos

tribunais? Quando os mesmos se afirmam como únicos ao mesmo tempo que se

verifica uma desjudiciarização dos conflitos, já que existem formas de resolução de

321 Na citada obra, pp. 31-32.

322 Numa escala de 1 a 5, em que “1” significa “nenhuma relação” e “5” “relação muito estreita”, 52,8%

assinalou o grau 5 e 25% o grau 4. Os restantes ficaram divididos pelas restantes três opções: 7,4% (3), 8,3% (2) e 6,5% (1) – cf. anexo II, gráfico 9. 323

Cf. anexo II, gráfico 8, com repartição de 43,6% e 48,% para “sim” e ”não”, respetivamente.

112

litígios que não passam pelos tribunais judiciais (vide, por exemplo, os tribunais

arbitrais ou os julgados de paz, além de outras). “A desinstitucionalização pode ser um

importante pressuposto para o desenvolvimento de novas iniciativas institucionais

com vista a preencher o vazio normativo e procedimental que a substituição e

deslegitimação das instituições criam.” (Oliver, 1992: 583). Ou a perceção de que

podem ser substituídos (indeterminacy, segundo Levine (2001: 1256) pode levar os

juízes e os tribunais a pensar de modo diferente? O autor propõe a suspensão do

pensamento atinente à “inevitabilidade da organização” e conclui que pensar sobre

isso pode até levar ao mesmo conhecimento mas de modo diferente do que se

construíssemos o nosso pensamento sem essa preocupação de suspender alguns

“dados adquiridos”. É possível, abrir os tribunais à sociedade, recolhendo contributos e

ações de outros saberes (que não se moldem ao pensar jurídico) e que promovam a

resolução de conflitos? E ainda, segundo o que acaba por afirmar Levine (2001: 1261),

como tornar inevitável o real, estabelecendo uma coesão firme entre a organização e o

mundo lá fora?

Hatch (2005) adverte porém para a hiper-adaptação324, com consequente

perda de cultura325, resultado de atribuir demasiado poder à imagem veiculada pelos

stake-holders sobre a auto-definição da organização de tal modo que a herança

cultural é esquecida ou abandonada, a organização torna-se incapaz de representar

algo profundo. Levando essa possibilidade ao extremo, teríamos, por exemplo, um juiz

a julgar de acordo com a opinião pública, a absolver ou a condenar consoante o

sentido veiculado pelos media. Já a incapacidade ou falta de vontade de responder às

imagens externas é qualificada por Hatch por “narcisismo organizacional”326. É um

processo mais rico do que a mera comunicação unidirecional emitida pela instituição.

Mas tratar-se-á de uma técnica? Reconhece o autor que não podemos voltar

atrás, a um tempo mais simples em que a deferência à autoridade institucional era

324 Nota 72, p. 133.

325 No mesmo lugar.

326 Nota 72, p. 131, recuperando o conceito de A. D. Brown, autor que estendeu o conceito individual ao

das organizações –“Narcissism, identity, and legitimacy.”, Academy of Management Review, 22: 643--

686.

113

natural327. Então, como ser moderno no sentido em que desconfiamos das instituições,

estamos atentos ao seu poder sobre nós e às suas falhas, ao mesmo tempo que

estamos comprometidos com os valores institucionais? E, nessa medida, respeitando a

instituição? A noção chave é “distrust but value”. É que a predisposição para a

desconfiança de alguma instituição em algum momento da vida é a marca dos nossos

tempos. Tal predisposição é acionada, desde logo, pelos media. É o caso paradigmático

da Justiça e de outras instituições que representem autoridade que têm sofrido de

deslegitimação e erosão da sua função social, acrescentamos.

Sobre a comunicação, propõe a este propósito Laborinho Lúcio, em entrevista

ao Público, de 12 de fevereiro de 2012: “Para mim é essencial também e passa muito

pela questão da confiança e da credibilidade (…) que é o do tratamento da

comunicação, a maneira como o sistema de justiça se relaciona com o exterior. Como

se relaciona com o cidadão que procura o sistema de justiça, com os media e com a

opinião pública, como permite que o exterior se relacione com ele próprio… nada disto

está verdadeiramente organizado. Mais uma vez, o que nós encontramos

sistematicamente são vários agentes do sistema de justiça que conflituam entre si sem

nenhuma co-responsabilização nos próprios conflitos que geram (…)”.

6.3. Do respeito à confiança. A accountability

Devemos convocar estrategas para mudar a imagem dos juízes e dos tribunais?

Dentro do espírito proposto por Heclo (2008), a imagem a refletir tem de ser

autêntica. Os juízes e os tribunais são “entidades providas de elevado capital simbólico

e cerimonial” (Fernandes, 2008: 325). O tribunal é instituição fundamental numa

sociedade democrática. Mas isso ainda não chega, nos dias de hoje, para afirmar a

justiça no espaço dos media, já que o espaço da justiça é público por natureza.

327 Heclo, na p. 43.

114

Na parte que lhe chamou “Hands & Minds”, Mintzberg (1987: 69) propõe que a

ação se inspire no artesão que pensa e faz, pensa e faz, numa ligação entre o

pensamento e a obra.328

Tendo presente estes dados e outros que não podemos já aqui desenvolver,

como atua o juiz no dia-a-dia, sabendo que a sua conduta, os seus procedimentos e

decisões estão a ser escrutinados e criticados justa mas também injustamente?

É não esquecer que:

- As instituições existem para as pessoas e para as servirem329, agindo os seus

atores com sentido de dever e de missão;

- (Ainda que possam por momentos suspender este pensamento e pensar de

modo diferente) os tribunais, enquanto órgãos independentes e imparciais são

estruturantes da sociedade porque são a alternativa à violência e à barbárie;

- Comunicar as decisões (publicidade hoje assegurada pela ASJP quanto a

decisões que suscitam mais interesse dos media) e, por via disso, permitir

conhecimento não só quanto ao caso concreto mas em geral330. É verdade que as

decisões judiciais (podendo conter um resumo, quando longas e se perspetive o

interesse da comunicação social) não devem carecer de comentário ou explicação

adicional pelo menos por quem decide, mas outras instâncias, como o CSM, poderão

fazê-lo – a uma voz – esclarecendo um instituto ou um procedimento.

- É imperioso ser tolerante com a crítica, uma oportunidade para olhar para

dentro de uma conduta, um procedimento, uma decisão e ganhar mais uma

perspetiva, além da do advogado, das partes, do procurador ou das testemunhas.

Ao mesmo tempo que:

328 “Minds” e “hands”.

329 Heclo, na p. 154.

330 Uma das conclusões do Inquérito aos sentimentos de justiça num ambiente urbano de 2002

(Hespanha, 2005) foi a de “o acesso ao conhecimento jurídico baseia-se na experiência quotidiana: as conversas, a experiência própria, a televisão e, um pouco menos, os jornais. Muito pouco em fontes tecnicamente mais sofisticadas, como as brochuras e o ensino formal, as conferências e os livros de direito.”

115

- Devemos conhecer a organização e o sistema de justiça e ter presentes

conceitos, estatísticas como pano de fundo, mas agir sempre com criatividade331.

- Agir para a comunidade (não necessariamente de acordo com a manifestação

que a mesma veicula) e tendo presente a função dos media não numa perspetiva de

fatalidade mas de compreensão da sua função e de cooperação, ao estilo do que

propõe Richard Sennett na recente obra Together: the rituals, pleasures and politics of

cooperation332.

331 Tal como propôs em 14 de abril de 2011 Mary Jo Hatch no seminário “art, design and management”

na University of Gothenburgh, Business & Design Lab, disponível em vídeo em http://www.youtube.com/watch?v=07i4F15hao (acesso em 03.07.2012). 332

Penguin Books Ltd, Londres, 2012, 336 p.

116

CONCLUSÃO

“In un’epoca e in un paese in cui tutti si fanno in quattro per

proclamare opinioni o giudizi, il signor Palomar ha preso l’abitudine

di mordersi la lingua tre volte prima di fare qualsiani affermazione.

Se al terzo morso di lingua è ancora convinto della cosa che stava per

dire, la dice; se no sta zitto. Di fatto, passa settimane e mesi interi in

silenzio.”333

Afinal, os juízes não têm honra? Os cidadãos, e os jornalistas em particular, não

mordem a língua? Nem respeitam a autoridade nem a imparcialidade do poder

judicial? Nem a reputação das instituições ou o bom nome dos seus protagonistas?

Estas perguntas – marcadamente provocatórias334 - foram em parte, supomos,

respondidas ao longo do texto. Muito ficou ainda por dizer, mas, concluindo, e

adaptando as palavras de Garapon, n’O Guardador de promessas335, a pós-

modernidade torna o julgamento ainda mais necessário e ainda mais frágil: tanto o

que é feito pelo juiz, perante as situações que reclamam decisão, como o que é feito

pelo cidadão ou, especificamente pelo jornalista relativamente à pessoa, ao

procedimento ou ao veredito do juiz. Temos, de facto, outra escolha senão assumir a

parte humana?

Neste caminho, há que compreender o fenómeno e:

- Interiorizar a função e as vantagens de uma comunicação social livre;

- Desenvolver o conhecimento do meio e uma certa literacia mediática que a

maioria dos cidadãos não tem, de modo a poder também desconstruir e não ver uma

333 Italo Calvino, Palomar, p. 103 (Arnoldo Mondadori , Milão, 1994, 130 p.).

334 Expressamente referido para que não haja a tentação de as interpretar como mais uma posição

cinzenta ou bolorenta de quem está a falar de dentro. 335

A expressão adaptada é a seguinte: “A modernidade torna o julgamento ainda mais necessário e ainda mais frágil. Temos outra escolha senão assumir a parte humana?” (1996:171).

117

notícia, artigo de opinião ou reportagem de modo acrítico o que previne os efeitos dos

juízos paralelos no processo judicial;

- Tolerar a crítica como inerente à alta função que se desempenha sem deixar

de esclarecer as partes e a comunidade quando a versão apresentada é apenas uma

perspetiva da realidade;

- Ao contrário do que dizem algumas vozes, influenciadas diretamente pelo

modelo americano (no que toca à justiça penal), faz sentido manter os juízes

profissionais e de carreira sem ligações a outras áreas de atividade que possam colidir

com a imparcialidade e com a imagem de imparcialidade. A possibilidade de pular de

atividade em atividade dificulta o exercício da imparcialidade que também se treina,

não é uma característica pessoal inata.

Como vimos, é passado o tempo em que a deferência a uma autoridade era

natural. Ao contrário do que se possa pensar, essa possibilidade constante de

escrutínio tranquiliza um juiz. Não obstante tentar fazer o melhor, aplicar a melhor

técnica, apreciar a prova com a maior atenção e cuidado, tratar com cordialidade as

pessoas que se lhe apresentam, saber que o controlo não é só o que exercem as partes

(recursos), o que o sistema prevê (inspeções), mas o da comunidade em geral (que

comparece nas audiências) e, sobretudo, dos media que, de repente, podem

interessar-se por algum caso da vida que tenha a sua versão judicial.

Essa atitude, diria que se manifesta não só no pensar como no agir

institucionalmente, tendo sempre presente em cada despacho, em cada decisão o fim

da sua atividade, fazer justiça no caso concreto.

Há agora que saber exteriorizar isso, sem queixumes ou lamentos, mas com

organização, com estratégia, com criatividade e aprendizagem contínua, até em

terrenos que não nos são familiares. Retenhamos, como corolário da nossa reflexão, as

avisadas palavras de Betty Edwards: “It´s sometimes necessary to remind ourselves

118

that Shakespeare at some point learned to write a line of prose. Beethoven learned

the musical scales, and (…) Vicent Van Gogh learned how to draw.”336

336 Betty Edwards, The new Drawing on the Right Side of the Brain, HarpersCollinsPublishers, Londres,

2008, p. 9

119

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www.echr.coe.int/echr/en/hudoc/)

1. Jurisprudência do TEDH analisada )

Caso Albayrak vs. Turquia (3 de janeiro de 2008)

Caso Maestri vs. Itália (17 de fevereiro de 2004)

Caso Obukhova vs. Rússia (8 de janeiro de 2009)

Caso Prager e Oberschlick vs. Áustria (26 de Abril de 1995)

Caso Kobenter e Standard Verlags GmbH vs. Áustria (2 de Novembro de 2006)

Caso De Haes e Gijsels vs. Bélgica (24 de fevereiro de 1997)

Caso Barfod vs. Dinamarca (22 de Fevereiro de 1989)

Caso Sunday Times vs. Reino Unido (26 de Abril de 1979)

Caso Worm vs. Áustria (29 de agosto de 1997)

Caso Furuholmen vs. Noruega (18 de março de 2010)

Caso Pinto Coelho vs. Portugal (28 de junho de 2011)

2. Outra jurisprudência do TEDH citada

Caso OLujić vs. Croácia (5.02.2009)

Caso Handyside vs. R.U. (07.12.1976)

Caso Kudeshkina vs. Rússia (26.02.2009)

Caso Sunday Times vs. R.U. (2) (26.11.1991)

Casos Perna vs. Itália (06.05.2003), July e SARL Liberation vs. França

(14.02.2008) Casos Skalka vs. Polónia (27.05.3003), Saday vs. Turquia (30.06.2006) e

Kiprianou vs. Chipre (15.12.2005)

Caso Mahmudov e Agazade vs. Azerbeijão (18.12.2008)

133

Jurisprudência nacional (disponível em www.dgsi.pt)

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16 de julho de 2009

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4 de janeiro de 2010

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de maio de 2009

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20 de junho de 2006

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22 de abril de 2010

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de junho de 2009

Acórdão do STJ, de 16 de novembro de 2006

Acórdão do STJ, de 27 de maio de 2008

Acórdão do STJ, de 25 de fevereiro de 2010

134

ANEXOS

Anexo I – O questionário: nota explicativa

Foi elaborado e realizado no âmbito do mestrado em que se insere a presente

dissertação e teve por finalidade colher a perceção dos senhores juízes relativamente

às características dos juízes, seu posicionamento quanto à crítica e quanto à relação do

que é veiculado nos meios de comunicação social e ainda quanto à reputação da

instituição e dos seus protagonistas.

O meio de divulgação foi o e-mail, associado ao contacto pessoal e ao facebook

(através de grupos que incluem juízes), portanto, juízes familiarizados e utilizadores

das novas tecnologias, sendo certo que atualmente o meio privilegiado de contacto

entre juízes e o Conselho Superior da Magistratura-- para tomar conhecimento de

deliberações, circulares, concorrer aos movimentos ou marcar férias – consiste no uso

de ferramentas associadas ao e-mail profissional. Portanto, a metodologia utilizada foi

o de pedido de colaboração através de e-mail (diretamente e através do Conselho

Superior da Magistratura) ou publicação no facebook nos grupos que integram juízes.

Os destinatários da divulgação n.º 137/2012 do CSM foram os 1969 juízes

ativos, sendo 1545 juízes de direito, 358 desembargadores e 66 conselheiros, segundo

informação recolhida junto da mesma instituição.

Acabou por ser um primeiro passo do que pode vir a ser desenvolvido com

mais rigor no futuro. Quanto aos resultados, não pretendemos fazer qualquer

extrapolação. O que se analisa é o objeto disponível, ou seja as respostas dadas.

As perguntas foram organizadas tendo em conta as matérias aqui tratadas e

que ao longo do texto servem para pontuar, para ilustrar certo entendimento ou

afirmação ou pelo contrário. Foram limitadas a 10 a fim de permitir uma colaboração

rápida.

135

Anexo II – O questionário: gráficos, formulário e resumos

Gráficos

Gráfico 1

Gráfico 2

136

Gráfico 3

Gráfico 4

137

Gráfico 5

Gráfico 6

138

Gráfico 7

Gráfico 8

139

Gráfico 9

Gráfico 10

140

Gráfico 11

Gráfico 12

141

Gráfico 13

Gráfico 14

142

Gráfico 15

Gráfico 16

143

Gráfico 17

Gráfico 18

144

Gráfico 19

145