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O LIVRO DO MESTIÇO
1
MESTIÇO Mestiço Brasileiro Nosso Povo, Nossa Etnia
MOVIMENTO PARDO-MESTIÇO BRASILEIRO
O LIVRO DO
O LIVRO DO MESTIÇO
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O LIVRO DO MESTIÇO
3
MESTIÇO Mestiço Brasileiro, Nosso Povo, Nossa Etnia
O LIVRO DO MESTIÇO
4
Atualizado em 16/08/2018.
Proibida a reprodução total ou parcial sem a autorização do
Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro.
O LIVRO DO MESTIÇO
5
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
O Livro do Mestiço – Mestiço Brasileiro, Nosso
Povo, Nossa Etnia é destinado aos associados do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro (Nação Mestiça), mas contém informações importantes para toda a comunidade do Povo Mestiço Brasileiro, sendo recomendada a sua leitura e divulgação dentro da comunidade.
O texto apresenta conceitos básicos sobre a identidade étnica do Povo Mestiço Brasileiro, sua situação legal, além de material útil para as atividades da associação e para a população Mestiça Brasileira em geral.
Inclusive por sua finalidade, é um texto em atualização constante.
Manaus, 27 de junho de 2006. Leão Alves Presidente do Movimento Nação Mestiça
O LIVRO DO MESTIÇO
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O LIVRO DO MESTIÇO
7
O POVO MESTIÇO BRASILEIRO
identidade nacional brasileira nasceu do
encontro e mestiçagem entre povos nativos,
brancos portugueses colonizadores e pretos
africanos trazidos ao Brasil pelo escravismo. Este
processo deu-se por cerca de trezentos anos até a
Nação brasileira estar plenamente constituída e capaz
de estabelecer o seu próprio Estado, separando-se do
Estado e da Nação dos portugueses. A Nação
brasileira, assim, antecede e se distingue do Estado
brasileiro, cuja legitimidade deriva e é inseparável da
sua finalidade de preservar e servir a Nação. A Nação brasileira possui uma identidade
própria e mestiça que a faz distinta das demais nações.
No continente americano, onde o espanhol, o inglês, o
francês, o holandês e o dinamarquês são idiomas
oficiais de diversos países e territórios, o Brasil é o
único que tem o português como idioma oficial –
pronunciado com um sotaque mestiço
A
O LIVRO DO MESTIÇO
8
marcantemente distinto do falado em Portugal. Esta
identidade nacional não existia antes de 1500, assim é
distinta das identidades das Nações, povos e etnias
que lhe deram origem, e estava plenamente
constituída em 16 de dezembro de 1815, quando o
Brasil se tornou um Reino Unido a Portugal e
Algarves, logo se independendo em 7 de setembro de
1822. A identidade nacional e a identidade mestiça
têm em comum o fato de ambas serem indissociáveis
da mestiçagem; a identidade nacional do próprio
processo de encontro, miscigenação, sincretismo e
identificação étnico-nacional, e a mestiça do resultado
em si deste processo de mestiçagem. A identidade
nacional inclui todo o processo e seu resultado, a
identidade mestiça.1 1 Dizer que a identidade brasileira está baseada na mestiçagem não é o mesmo que dizer que todos os brasileiros são mestiços – até porque para que haja a mestiçagem é necessário que haja ou tenha havido o não-mestiço. A identidade mestiça tem aspectos que a distinguem da identidade nacional, que é mais ampla em certos pontos e mais restrita em outros. A identidade nacional é baseada no encontro e mestiçagem entre nativos, brancos portugueses colonizadores e pretos africanos escravizados. Ou seja, um indígena, um branco descendente de colonizadores portugueses e um preto descendente de escravos africanos, um crioulo, são tão ligados à identidade nacional quanto um descendente da mestiçagem entre eles. Um português que migrara para o Brasil antes da independência era um colonizador que estava dentro do território então pertencente ao seu país; o que chegou no dia 8 de setembro de 1822, porém, já não era um colono, mas um imigrante estrangeiro. Neste sentido, a Constituição de 1824 considerou cidadãos brasileiros todos os portugueses que residiam no Brasil à época da Independência. Observe que se trata de um simbolismo: a identidade nacional está baseada, entre outras, no português colonizador, mas não no português
O LIVRO DO MESTIÇO
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Ou seja, a Nação brasileira foi gerada pela e na
mestiçagem.2
imigrante. Da mesma forma, a identidade mestiça é genealógica e étnica. Ela se dá dentro do processo histórico de formação da identidade nacional: é isto que une mestiços de diversas origens (embora a absoluta maioria dos mestiços brasileiros seja caboca-cafuza-mulata ao mesmo tempo) numa única identidade mestiça brasileira. A identidade mestiça é por essência e coerência concentradora, aglutinadora: por isto tanto um cafuzo quanto um mestiço de amarelo e branco fazem parte da mesma identidade étnica mestiça. Embora não haja provas inquestionáveis, é muito improvável que o primeiro descendente dos brancos portugueses no Brasil não tenha sido um mestiço caboco. No Brasil, o primeiro filho do europeu foi provavelmente um mestiço (o mestiço brasileiro terá nascido antes do branco brasileiro e do preto brasileiro), indicando a identidade brasileira baseada na mestiçagem; nos EUA, o primeiro filho do europeu foi provavelmente um branco (o branco norte-americanos terá nascido antes do mestiço norte-americano e do preto norte-americano), indicando a identidade estadunidense baseada no branco. Em resumo: mestiçagem é processo, mestiço é resultado do processo. 2 “Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Essa massa de nativos oriundos da mestiçagem viveu por séculos sem consciência de si, afundada na ninguendade. Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros”, resume Darcy Ribeiro em O povo brasileiro, cap. V, pág. 453.
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Disto se conclui que toda ideologia hostil à
mestiçagem e ao mestiço brasileiros é, além de racista,
hostil à Nação brasileira e, da mesma forma, toda
ideologia hostil à Nação brasileira é hostil ao Mestiço
Brasileiro.
Distinção entre raça e etnia
Raça e etnia são duas palavras que
freqüentemente são erroneamente empregadas como
se tivessem o mesmo significado. É fundamental,
porém, distingui-las a fim de, entre outras, evitar
erros no entendimento sobre a natureza da etnia do
Povo Mestiço Brasileiro.
Raça é uma palavra que tem sido objeto de
muita polêmica e debates – especialmente sobre sua
existência ou não. Um aspecto ligado à ideia de raça,
porém, é central: raça refere-se a biologia, ou seja, raça
está relacionada ao corpo, ao físico.
Há diversas definições para raça, por isso a
repetida pergunta se raças existem ou não só pode ser
respondida corretamente se em conformidade com a
definição dada à palavra raça.
Assim, os primeiros conceitos de raça, do
século XVIII, definiam raças não em termos de DNA
(que só foram descobertos na metade do séc. XX), mas
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em termos de grupos com características na sua
aparência física que os distinguiam de outros grupos.
Seja qual for, porém, a definição dada à
palavra raça, ela está sempre associada à biologia.
Por isto, num ponto de vista racialista, alguém
da raça branca será sempre um branco, seja ele
português ou francês, mesmo que ele seja separado de
seus pais biológicos e criado por índios sem voltar a
ver algum outro branco durante toda sua vida ou
aprender qualquer coisa da cultura de seus pais
biológicos.
Raça, assim, pode ser ilustrada como uma
família ampliada num aspecto rigorosa e
exclusivamente biológico.
Etnia, por sua vez, se distingue de raça por seu
caráter ideológico. Etnia é uma palavra que se refere a
um grupo que, embora tenha por base uma mesma
origem genealógica (ou racial, conforme o termo que
prefiram usar) e histórica, pode incluir como parte de
sua etnia indivíduos com origem em outras etnias,
similarmente, para ilustrar, a uma família que adota
uma criança e esta passa a ser considerada, por ela
mesma, pela família e pela sociedade em geral, parte
da família que a adotou.
Assim, em tese, uma criança branca filha de
portugueses que, separada dos pais, fosse adotada
O LIVRO DO MESTIÇO
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por índios manaós, por exemplo, não deixaria de
biologicamente ser branca, mas poderia etnicamente
deixar de ser portuguesa e ser etnicamente aceita
como manaó.
Assim, raça está relacionada a origem e etnia
está relacionada a identificação como grupo. Raça está
relacionada a miscigenação; etnia está relacionada a
etnificação e mestiçagem.
Etnificação é o processo de formação de uma
etnia, ou seja, de um grupo identitário que se
distingue de outras etnias. A etnificação pode ocorrer
na mestiçagem, com a formação de uma etnia mestiça.
Distinção entre miscigenação e mestiçagem
Miscigenação significa, literalmente, mistura
de origens.3 A palavra é utilizada para se referir à
concepção de pessoas geradas pelas diversas misturas
entre índios, brancos, pretos, amarelos, ou com
grupos diferentes destes, os quais, por características
3 Nos EUA, o termo correspondente, miscegenation, foi uma palavra criada durante a Guerra da Secessão (1861-1865) por dois jornalistas anti-abolicionistas apoiadores do Partido Democrata, David Goodman Croly e George Wakeman. Eles publicaram um panfleto intitulado Miscegenation: The Theory of Blending of Races, Applied to the American White Man and Negro [Miscigenação: A Teoria da Mistura de Raças, Aplicada ao Homem Branco Americano e ao Negro] no qual sugeriam que a política abolicionista do Partido Republicano, de Abraham Lincoln, visava promover a mistura de raças. Vide Racisms, de Steve Garner, p. 87.
O LIVRO DO MESTIÇO
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comuns na aparência física (fenótipo) dentro de cada
grupo, sugerem suas diversas origens geográficas e
genealógicas. Na miscigenação ocorre mistura entre
duas ou mais destas origens e a concepção de pessoas
miscigenadas.4
Quanto mais próximos são genealogicamente
dois indivíduos, mais eles tendem a ter aparências
assemelhadas. Um caso extremo é o dos gêmeos
idênticos, ou univitelinos, na terminologia da
biologia. Como eles provêm de um mesmo
espermatozoide e de um mesmo óvulo, são do mesmo
sexo e são tão parecidos entre si que outras pessoas
podem chegar a confundir os irmãos.
Esta relação entre parentesco e aparência se
manifesta na palavra ‘aparentado’, que pode
significar tanto duas pessoas que se parecem quanto
duas pessoas que são parentes.
Quando famílias se isolam de outras e seus
descendentes ampliam em número, formando povos,
etnias e ou nações, compostos por milhares ou
milhões de novas famílias, estas podem manter
4 A rigor, há ancestralidades e genealogias étnicas miscigenadas e não indivíduos ‘miscigenados’, pois ‘miscigenado’ implicaria ter havido um momento onde o indivíduo mestiço tivesse sido “puro” ou não-misturado. Um indivíduo mestiço, porém, é mestiço desde a fecundação; ele não teve um momento no qual não era ‘miscigenado’, diferentemente das ancestralidades e genealogias que lhe deram origem.
O LIVRO DO MESTIÇO
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características de aparência que indicam sua origem
comum.
Como outros povos europeus, uma
característica física dos portugueses foi adotada para
identificá-los genealogicamente, a cor da pele, mais
clara que a dos índios, de modo que foram também
denominados ‘brancos’.
Na carta de Pero Vaz de Caminha, este faz
referência à aparência física dos índios, sendo
observado entre outras, a tonalidade da pele.
Diferentemente dos pretos e dos brancos, porém, para
os índios a palavra que se firmou para referir-se a eles
não fazia referência a aparência física, mas foi a
adotada por Cristóvão Colombo, que pensou que
havia chegado às Índias e, equivocadamente,
denominou os nativos do continente ao qual chegara
de índios.
Assim, a aparência física dos brancos
portugueses em 1500 indicava que eles eram parentes
mais próximos entre si do que com os índios que
habitavam o atual território do Brasil e estes também,
por características comuns de aparência física,
indicavam uma genealogia mais próxima entre si do
que com os brancos portugueses.
O encontro entre brancos da Europa e índios
das Américas foi um momento em que o isolamento
O LIVRO DO MESTIÇO
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entre estes grupos se encerrou e propiciou a
miscigenação entre eles.
No Brasil, a miscigenação entre índios e
brancos gerou os cabocos, também denominados
caboclos ou mamelucos; entre índios e pretos, os
cafuzos, e entre brancos e pretos, os mulatos. Cabocos,
cafuzos e mulatos, porém, não se mantiveram como
segmentos genealógicos isolados, de modo que por
diversas miscigenações, o mestiço brasileiro em sua
absoluta maioria descende de índios, brancos e pretos
conjuntamente.
Devido à diversidade na aparência dos grupos
dos que se miscigenam, o conjunto das pessoas
miscigenadas não possui um padrão de aparência. Os
miscigenados podem, inclusive, não manifestar na
aparência física sua origem miscigenada.
O LIVRO DO MESTIÇO
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Um miscigenado, assim, pode tanto ter uma
aparência que por si só já atesta sua miscigenação,
como, por exemplo, a do jogador brasileiro de futebol
Mané Garrincha, como pode ter uma aparência que
não explicita sua miscigenação, como, por exemplo, a
do escritor alemão Thomas Mann.
O que faz com que um miscigenado não seja
identificado como tal por causa de sua aparência, mas
pela sua origem genealógica.
Mestiçagem significa formar mestiços. A
palavra mestiço provém do latim e significa
misturado.
Como foi dito, quando famílias se isolam de
outras e seus descendentes ampliam em número,
passam a formar povos, etnias e ou nações. Durante
milênios, povos índios geraram diversas etnias, como
astecas, incas, maias, manaós e tupinambás;
similarmente, povos brancos originaram diversas
etnias, como persas, gregos, espanhóis, portugueses e
ingleses; povos pretos africanos deram origem a
iorubás, malês, hausás, xosas e zulus; e povos
amarelos originaram chineses, coreanos, japoneses,
cambojanos e vietnamitas.
Assim, quando índios e brancos se
encontraram no século XV, não ocorreu apenas um
encontro entre genealogias, mas também entre etnias.
O LIVRO DO MESTIÇO
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Diogo Álvares Correa, o Caramuru, não era somente
um branco, mas um branco de etnia portuguesa; da
mesma forma, sua mulher Catarina Paraguaçu não
era somente uma índia, mas uma índia da etnia
tupinambá.
Os filhos que nasceram deles e de diversas
miscigenações similares, além de um fenômeno
biológico, genealógico, que era essencial, ou seja,
indissociável e independente da vontade deles,
viveram um encontro entre identidades étnicas, ou
seja, ideológicas.
Os primeiros mestiços brasileiros, assim, eram
distinguidos tanto dos brancos quanto dos índios não
por uma cultura própria, que estava surgindo do
encontro que lhes deu origem, mas por sua
característica genealógica distinta de todos os brancos
e de todos os índios. Foi esta consciência de uma
condição distinta que levou ao surgimento da sua
etnia e, depois, da Nação brasileira.
Quando duas ou mais etnias se encontram
pode ocorrer delas manterem-se, de uma ou várias
serem assimiladas ou delas mestiçarem-se dando
origem a uma etnia nova e distinta.
A miscigenação gera indivíduos
miscigenados, a mestiçagem gera indivíduos
etnicamente mestiços. Os mestiços são, assim,
O LIVRO DO MESTIÇO
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descendentes de ancestralidades miscigenadas e
mestiçadas. Ocorre, porém, de haver indivíduos
miscigenados que não se vêem como tais e que se
identificam somente com uma de suas
ancestralidades. Assim, por exemplo, há mulatos que
se identificam como brancos e outros como pretos ou
negros. Embora miscigenados, eles ignoram sua
miscigenação ou, tendo conhecimento, alienaram-se5
da mesma, renegando a identidade mestiça. Possuem
identidade mestiça, assim, aqueles mestiços que se
assumem etnicamente como tais e como distintos das
identidades não mestiças que lhe deram origem. Um
caboco não é branco nem índio, um cafuzo não é preto
nem branco, um mulato não é branco nem preto, o
mesmo pode ser dito dos mestiços descendentes de
amarelos.
O que faz com que um mestiço não seja
identificado etnicamente pela aparência, mas pela
origem e auto-identificação étnica.
Mestiços são pessoas miscigenadas que se
identificam etnicamente como distintas das etnias que
lhe deram origem.
5 “A palavra alienação deriva do latim alienus, que veio a dar ‘alheio’, significando ‘o que pertence a um outro’”, segundo Joaquim Mateus Paulo Serra em Alienação. Covilhã (Portugal): LusoFia:press, 2008, p. 5.
O LIVRO DO MESTIÇO
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Assimilação, sincretismo e etnificação
Assimilação é a incorporação de um ou mais
grupos de pessoas de determinada etnia por outra
etnia de modo que o grupo incorporado deixa de
manter sua identidade étnica passando sua população
e descendentes a tornarem-se indistinguíveis da etnia
na qual foram incorporados. O grupo incorporado é
assimilado.
Esta assimilação pode ser voluntária, como a
ocorrido com imigrantes europeus que viajaram para
o Brasil e outros países da América com o desejo de
ter uma nova nacionalidade e integrar-se à cultura e
modo de vida do povo local. Pode também ser
imposta como condição para imigração ou
permanecer no país, como ocorre quando um povo
imigrante resiste aos costumes do povo local e tenta
formar cistos étnicos ou impor seus valores ao povo
que o acolheu; ou quando um povo conquista outro,
O LIVRO DO MESTIÇO
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impõe sobre este sua cultura e o soma à sua
população.6
Destaque-se que na assimilação não há
eliminação física, morte, da população assimilada,
mas a adição da sua população à do grupo
assimilador, desaparecendo somente sua identidade
étnica.7
No sincretismo, dois ou mais povos de
culturas distintas misturam suas culturas dando
origem a uma nova. O sincretismo pode ser tão amplo
que pode resultar no surgimento de um novo povo,
com a permanência ou não dos povos que lhe deram
origem. No caso do Brasil, ocorreu um marcante
6 É exemplo do primeiro caso a política de nacionalização empreendida pelo presidente Getúlio Vargas voltada a populações imigrantes hostis à integração com os brasileiros. Como exemplos do segundo, a assimilação de populações latinas cristãs da Península Ibérica pelos conquistadores muçulmanos de cultura árabe vindos do Norte da África e a posterior assimilação das populações muçulmanas pelos reinos cristãos nas guerras de Reconquista contra aqueles. 7 A eliminação física intencional de um povo recebe o nome de genocídio; a eliminação étnica, etnocídio. Jurisprudência tem entendido como genocídio agressões a pessoas quando o objetivo é o de atingir o grupo étnico.
O LIVRO DO MESTIÇO
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sincretismo entre as culturas dos índios, dos
colonizadores portugueses e de pretos africanos que
colaborou para criar um sentimento de identidade
própria nos brasileiros.
Embora mestiçagem quase sempre seja
acompanhada de sincretismo, são conceitos
independentes. Mestiçagem exige miscigenação e
etnificação, mas não exige sincretismo.
Etnificação é o processo de formação de uma
nova etnia, ou seja, um grupo com um sentimento de
identidade própria. O sincretismo colabora com a
etnificação pois fortalece esse sentimento de
singularidade, mas a mestiçagem não exige
sincretismo para ocorrer; duas etnias podem ter
basicamente a mesma cultura, distinguindo-se,
porém, por outras características, destacadamente
históricas.8 Também pode ocorrer de duas ou mais
populações possuírem marcantes diferenças
culturais, inclusive linguísticas, mas identificarem-se
como uma mesma etnia.9
Nação e Estado
As Nações são instituições referentes a grupos
humanos que têm um sentimento de unidade e de
8 P. ex., austríacos e alemães, argentinos e uruguaios. 9 P. ex., judeus e ciganos.
O LIVRO DO MESTIÇO
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destino histórico comum. Com este fim, as Nações
instituem seus Estados, que são as suas respectivas
ordens jurídicas.
O Estado existe para servir à Nação. Toda a
ação do Estado contra a Nação é ilegítima.
A Nação brasileira é a nacionalização da
comunidade da etnia brasileira, que se originou do
mestiço brasileiro e dos povos que deram origem a
este no continente americano, no que veio a se tornar
o território brasileiro.
Enquanto o Estado trata do imediato, do
presente, do mutável, do cidadão, a Nação está
relacionada ao permanente, ao tradicional, ao
conjunto das gerações passadas, presente e futuras de
nacionais.
O LIVRO DO MESTIÇO
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O Mestiço Brasileiro
MESTIÇO BRASILEIRO é pessoa que como
tal se identifica, de cor parda ou não, e que é
descendente de mestiço ou de qualquer miscigenação
entre índio, branco, preto, amarelo ou outra
identidade não-mestiça, que se identifica como
distinto destas e etnicamente de qualquer outra e que
é assim reconhecido pela comunidade da etnia
mestiça brasileira (nacional, nativa, unitária,
indivisível, originada e constituída durante o
processo de formação da Nação brasileira e
exclusivamente identificada com esta).
-------------------
“MESTIÇO BRASILEIRO é pessoa...”
A expressão ‘mestiço brasileiro’ do conceito
especifica a que etnia mestiça este está fazendo
referência. Há e houve mestiços em diversos países e
épocas. Esta definição não está, porém, fazendo
referência a um mestiço do Egito antigo, nem a um
mestiço português ou canadense, nem a uma pessoa
que em outra cultura seria considerada mestiça, mas
não na cultura brasileira.
O LIVRO DO MESTIÇO
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Esta definição refere-se ao mestiço brasileiro,
que é uma etnia própria, distinta das etnias mestiças
existentes em outros países.
“...que como tal se identifica...”
A identidade mestiça é étnica, não é uma raça;
não é um fenômeno simplesmente biológico.
Etnia é uma palavra cuja idéia aproxima-se à
de uma família, onde a relação vai além do
simplesmente genealógico. Apenas se identificando
como mestiço brasileiro (expressamente ou
tacitamente) este faz parte da etnia mestiça.
Mestiço brasileiro é um conceito étnico, não é
simplesmente sinônimo de brasileiro miscigenado.
Possivelmente todas as pessoas do Brasil que se
consideram e são consideradas índias são
miscigenadas; elas, porém, diferentemente dos
mestiços, identificam-se etnicamente com um dos
seus ancestrais (reais ou supostos).
“...de cor parda ou não...”
A palavra ‘pardo’ historicamente está
associada a mestiço. Nem todo mestiço, porém, possui
uma cor de tonalidade parda; mestiço pode ter
qualquer cor humana. A identidade mestiça não está
O LIVRO DO MESTIÇO
25
associada à aparência, mas a origem. A variabilidade
de aparência do mestiço é um elemento a mais nesta
distinção. Padrão de aparência é próprio de raças; a
etnia mestiça não é uma raça - e nem tem o ideal de
tornar-se uma. Pretender ser, ou tornar-se, uma raça -
o que autores denominavam ‘estabilização’ - seria
considerar a etnia mestiça algo imperfeito e inferior a
tal ideal.
“...e que é descendente de mestiço ou de
qualquer miscigenação entre índio, branco, preto,
amarelo ou outra identidade não-mestiça...”
Um mestiço só gera mestiço, um não-mestiço,
porém, pode ou não gerar um mestiço. Adotam-se
nesta definição termos usados nos censos oficiais
brasileiros, mas inclui-se um espaço para identidades
não-mestiças que poderiam não ser identificáveis
como estas.
Como foi dito, mestiço não é uma raça; mestiço
é exatamente aquele que não possui raça. A expressão
“raça mestiça” é um paradoxo, como “triângulo
quadrado”, ou “preto branco”. Por isso há uma
contradição em se identificar como mestiço e como
branco, ou como índio, ou preto, ao mesmo tempo.
O LIVRO DO MESTIÇO
26
“...que se identifica como distinto destas...”
Significa que a identidade mestiça brasileira
surge com o rompimento com as identidades não-
mestiças das quais descende. Ou seja, um mestiço
brasileiro não se identifica como índio, branco, preto,
amarelo ou outra identidade que indique uma pureza
de origem.
Não se pode ser misturado e puro. Misturando
as cores azul e amarela resulta na cor verde – verde
não é azul nem amarelo, verde é verde.
Isto significa que não é admitido na identidade
do Mestiço Brasileiro o que se declara “negro e
mestiço”, “índio e mestiço”.
“...e etnicamente de qualquer outra...”
O mestiço brasileiro não é da etnia do índio
tupiniquim, nem do branco português, nem do preto
iorubá, nem do amarelo japonês. As ancestralidades
obviamente são preservadas e ocorre a mistura de
origens (miscigenação). Mesmo que fosse desejado (o
que não é o caso), a ancestralidade não pode ser
mudada, pode no máximo ser rejeitada.
A etnia mestiça brasileira se originou do
rompimento com as etnias que lhe deram origem. Foi
quando o miscigenado passou a se ver com distinto
O LIVRO DO MESTIÇO
27
dos portugueses, dos tupinambás, etc., que o mestiço
surgiu enquanto etnia. Sem este rompimento, o
miscigenado permaneceria dentro de um destes
povos sem ter um sentimento de pertencimento étnico
próprio. Seria como se os brasileiros, mesmo
miscigenados, tivessem permanecido vendo-se como
portugueses, ou tupiniquins, ou iorubás, etc.
Isto significa que não é pertence à Mestiço
Brasileiro o que se declara miscigenado mas
etnicamente como português, guarani, ou outra etnia
que não a mestiça brasileira. Isto inclui não se
identificar também com etnias mestiças estrangeiras.
“...e que é assim reconhecido pela comunidade
da etnia mestiça brasileira...”
Não basta alguém se declarar como
pertencente a uma etnia para pertencer a esta, é
necessário que esta o reconheça como pertencente a
ela. Não é suficiente um brasileiro se dizer, p. ex.,
japonês para que seja ou se torne um japonês. É
necessário que a comunidade dos japoneses o
reconheçam como tal e só esta pode fazê-lo. Não cabe
aos brasileiros dizer quem é ou não japonês, mas aos
japoneses, da mesma forma que cabe aos brasileiros
dizer quem é brasileiro e não aos estrangeiros. Assim,
cabe à comunidade do povo Mestiço Brasileiro dizer
O LIVRO DO MESTIÇO
28
quem é ou não mestiço brasileiro e não aos índios, aos
brancos, aos negros, aos amarelos ou a qualquer
pessoa ou comunidade de etnia que não a do mestiço
brasileiro.
“...(nacional, nativa, unitária, indivisível,
originada e constituída durante o processo de
formação da Nação brasileira e exclusivamente
identificada com esta).”
A etnia do povo Mestiço Brasileiro possui
características fundamentais que a distinguem e
marcam sua unidade e identidade.
A mestiçagem unifica a Nação, a Nação
unifica a mestiçagem
A miscigenação promove a união da Nação, ou
seja, ela cria parentesco entre pessoas de etnias,
nações e origens diversas, dificultando conflitos
raciais, entre outros. É a mestiçagem, porém, que
unifica pessoas de origens, etnias e nacionalidades
diversas numa única e mesma etnia e nacionalidade.
Vindo ao encontro da mestiçagem, a nacionalidade
unifica mestiços de diversas origens numa única
comunidade étnica.
O LIVRO DO MESTIÇO
29
Mamelucos ou cabocos, os primeiros
mestiços
Os primeiros mestiços brasileiros nasceram
das uniões entre indios e portugueses, em regra
mulheres índias e homens brancos.
Para referir-se aos filhos destas uniões, os
portugueses empregavam a palavra mameluco,
enquanto uma palavra, de origem possivelmente tupi,
O LIVRO DO MESTIÇO
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utilizada por índios com o mesmo significado, era
caboco ou caboclo.
Estas uniões eram muito freqüentes e algumas
destas tornaram -se célebres, como o casamento do
fidalgo português Diogo Álvares Correia, que recebeu
o nome tupi Caramuru, com a índia tupinambá
Paraguaçu, que recebeu o nome português Catarina; e
a do colonizador português João Ramalho, que se
casou com a índia tupiniquim Bartira.
A família mestiça
Destas uniões formaram-se famílias onde
mestiços foram gerados, os quais depois formaram
outras famílias unindo-se a pessoas índias, brancas,
pretas ou a outros mestiços.
Nativos: índios e mestiços
Nativo significa nascer, pertencer, ser
habitante original de determinado local.10 Neste
sentido, não havia qualquer diferença entre ser nativo
e ser índio à época da chegada dos primeiros
europeus à América, no final do século XV. Os índios,
10 A palavra deriva do latim nativus, de natus, particípio passado de nasci, nascido. Segundo o Merriam-Webster, o emprego mais antigo da palavra é do séc. XIV e possui relação etimológica com a palavra nação.
O LIVRO DO MESTIÇO
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ou seja, os nativos que habitavam o continente
americano antes da chegada dos brancos europeus,
miscigenaram-se com estes e com outros não-índios,
formando um novo tipo de nativo, os mestiços. No
Brasil, os primeiros mestiços de que se tem registro
foram gerados por volta de 1510. A maior parte da
população brasileira atual é formada por nativos
mestiços,11 e os povos atualmente considerados
oficialmente como índios são, salvo alguma raríssima
exceção, populações miscigenadas que adotaram uma
identidade étnica índia. A palavra indígena significa
nativo. No Brasil é empregada como sinônimo de
índio, enquanto em Portugal e em outros países de
língua portuguesa, a palavra 'indígena' é empregado
para referir-se a qualquer nativo. 'Indígena' tem
origem e significado distinto da palavra 'índio'.
Indígena é de origem latina, significando 'endógeno',
ou seja, 'aquele que se originou dentro'. A palavra
'índio', diferentemente, tem sua origem mais remota
no sânscrito, um idioma da Índia. Foi empregada por
Cristóvão Colombo para referir-se aos nativos das
terras que encontrara e que, por equívoco, imaginou
tratar-se de indianos.
11 Em Retrato Molecular do Brasil, de SÉRGIO PENA e outros, há um estudo genético sobre a miscigenação em brasileiros autoclassificados como brancos, onde é afirmado que “a esmagadora maioria das linhagens paternas da população branca do país veio da Europa” e que desta população “60% das linhagens maternas são ameríndias ou africanas”.
O LIVRO DO MESTIÇO
32
Mestiçagem e aparência física
Embora a maioria dos mestiços brasileiros
demonstrem sua miscigenação pela aparência física
(marca),12 nem todos os mestiços aparentam
fenotipicamente ser mestiços. A identidade mestiça
não é definida pela aparência, mas pela origem
(genealogia) e identificação. Assim, um mestiço pode
ter a aparência de um índio, de um branco, de um
preto, de um amarelo ou outra aparência que não a de
um pardo. Padrões de aparência são próprios dos
ideais de raça; o mestiço não é uma raça, mas uma
mistura, assim não possui um padrão de aparência.
Mestiço também não é “indiomestiço”,
“brancomestiço”, “negromestiço”, “amarelomestiço”,
mas mestiço descendente de índio, mestiço
descendente de branco, mestiço descendente de preto, 12 ‘Marca’ refere-se a qualquer característica de aparência e não somente à cor da pele. O termo foi empregado por Oracy Nogueira num trabalho intitulado “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem — sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil” (1954). Segundo ele, “Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem”. Citado por Antonio S. A. Guimarães em ‘A marca da cor’ (Rev. bras. Ci. Soc. vol.14 n.41 São Paulo Oct. 1999).
O LIVRO DO MESTIÇO
33
mestiço descendente de amarelo: a identidade mestiça
implica em identificar-se como mestiço e distinto das
etnias que lhe deram origem.
O LIVRO DO MESTIÇO
34
O NAÇÃO MESTIÇA
O Nação Mestiça, ou Movimento Pardo-
Mestiço Brasileiro, é a associação brasileira de
mestiços que tem entre seus objetivos defender a etnia
Mestiça Brasileira e seu Povo, a identidade mestiça da
Nação brasileira, a valorização do processo de
mestiçagem entre os diversos grupos étnicos que
deram origem à nacionalidade brasileira, a promoção
e defesa da identidade mestiça e o reconhecimento
dos mestiços como herdeiros culturais e territoriais
dos povos dos quais descendam.
Fundado em 2001, na cidade de Manaus, no
Estado do Amazonas, defende a valorização do
processo espontâneo de mestiçagem entre os índios,
brancos portugueses colonizadores, pretos africanos
trazidos ao Brasil no período escravista, amarelos e
demais imigrantes. Defende o reconhecimento dos
mestiços como herdeiros dos legados dos povos dos
quais descendam. A atual presidente da organização
O LIVRO DO MESTIÇO
35
é Helda Castro. O movimento possui representação
em diversos Estados brasileiros.
O Brasil é um país com mais de 50% de sua
população constituída por mestiços, em sua maioria
de cor parda.
Além de articular ações de promoção da
integração etnorracial brasileira, o Nação
Mestiça defende irrestritamente oportunidades iguais
para todos os brasileiros, não importando sua
identidade ou origem. Condenando o atrelamento a
partidos políticos, o Nação Mestiça respeita a
pluralidade dentro do movimento mestiço.
Tem atuado também a favor da erradicação da
marginalização das minorias étnicas e raciais, visando
à redução das desigualdades sociais e regionais.
Em seus estatutos o Nação Mestiça defende a
democracia pluralista e a liberdade de expressão,
opondo-se a ideologias e regimes políticos
antidemocráticos, como também a governos racistas
ou segregacionistas.
Defende o estado de direito, a liberdade
irrestrita de expressão e o pluralismo ideológico e
político, entendendo que estes são mais eficazes no
combate ao racismo.
Tendo como referência o pensador Gilberto
Freyre, o Nação Mestiça afirma a identidade étnico-
O LIVRO DO MESTIÇO
36
nacional do povo brasileiro definida após um
processo de mestiçagem entre várias raízes.
Tem atuado junto a fóruns e organizações de
defesa dos direitos humanos. Participou, após sofrer
forte oposição de lideranças dos movimentos negro e
índio, da 1ª Conferência Nacional de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Brasília, 2005) com a
única delegada mestiça do evento e atuou na
instituição do Dia do Mestiço (27 de junho) nos Estado
do Amazonas, Roraima e Paraíba, e nos municípios de
Manaus (AM), Boa Vista (RR), Autazes (AM) e
Careiro da Várzea (AM), sendo feriado nos dois
últimos.
Atuação contra a mestiçofobia e a
Desmestiçagem
O Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro tem
sido crítico de políticas raciais e étnicas mestiçofóbicas
e de Desmestiçagem, como as empreendidas
pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nos governos
dos presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff,
através da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e
da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR), de natureza contrária à
etnia mestiça e danosas à nacionalidade brasileira.
Neste sentido, manifestou-se, entre outras, na 1ª
O LIVRO DO MESTIÇO
37
Conferência Estadual de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial do Amazonas contra este não-
reconhecimento da identidade mestiça pelo governo
federal brasileiro.
I Congresso Mestiço Brasileiro
Após realizar anualmente os I, II, III e IV
Seminário Sobre a Identidade Mestiça, em Manaus
(AM), o Nação Mestiça realizou na mesma cidade o I
Congresso Mestiço Brasileiro, em 2011.
Datas comemorativas
O Nação Mestiça comemora anualmente o Dia
do Caboclo (24 de Junho) e o Dia do Mestiço (27 de
Junho), na cidade de Manaus e, a partir de 2012, em
Autazes, datas instituídas por demanda do
movimento. Com este fim, realiza os eventos do Mês
do Mestiço, entre eles o Seminário Sobre a Identidade
Mestiça e o Festival do Mestiço, em Manaus, e a Festa
do Mestiço, em Autazes, Careiro da Várzea e
Iranduba em comemoração aos respectivos feriados
municipais.
O LIVRO DO MESTIÇO
38
A bandeira do Nação Mestiça
A bandeira do Nação Mestiça possui as cores verde, amarela e azul nas mesmas tonalidades destas na bandeira do Brasil.
A proporção da bandeira é a mesma da bandeira do Brasil: 7:10.
Medidas (proporções): Bandeira Largura 100 Altura 70 Círculo Cor: verde Diâmetro externo: 46 Espessura do círculo: 4 Diâmetro interno: 38
O LIVRO DO MESTIÇO
39
Letra M Cor: azul Estilo: Trebuchet MS em negrito Largura (base do M): 26 Altura: 22
O LIVRO DO MESTIÇO
40
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Qual a diferença entre pardo e preto?
E negro?
Pardo deriva de ‘pardus‘, leopardo em
latim. Significa mestiço, independentemente da cor e
da aparência. Neste sentido, os primeiros pardos
brasileiros nasceram por volta de 1510, filhos de
índias com brancos portugueses.
Preto refere-se aos nativos da África
subsaariana de cor preta e aos seus descendentes
nascidos na América que não se miscigenaram, os
crioulos. Oficialmente, em 1549 chegaram os
primeiros pretos ao Brasil.
Negro é uma palavra de origem portuguesa ou
espanhola criada para referir-se aos escravos pretos e,
no Brasil, também aos índios escravizados, os ‘negros
O LIVRO DO MESTIÇO
41
da terra’, razão de ser um termo considerado ofensivo
por muitas pessoas no Brasil, nos EUA e em outros
países. Dela deriva a palavra ‘negreiro’ para
identificar a pessoa que fazia tráfico de negros, o
navio que servia a esse tráfico ou o comandante desse
navio negreiro.
Pardo tem sido empregado, de forma mais
restrita, para indicar tonalidades de cor de pele entre
branco e preto.
O registro mais antigo da palavra ‘pardo’ na
história do Brasil se encontra na carta de Pero Vaz de
Caminha, durante a chegada dos portugueses ao
Brasil, em 1500. Ele relatou ao rei de Portugal, D.
Manuel, que os índios eram “pardos, um tanto
avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem
feitos”.
De uma maneira sucinta, a maior parte dos
brasileiros que se classificam como pardos usa o
mesmo critério daqueles que se classificavam como
mestiços nos censos antigos: são pessoas de
ascendência mestiça, frutos de quinhentos anos de
miscigenação entre índios, brancos e pretos.
O LIVRO DO MESTIÇO
42
Desde quando pardo consta nos censos
nacionais do Brasil?
O termo pardo é usado oficialmente no Brasil
para classificação de cor/raça pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). No censo de 2010,
43,1% dos brasileiros se autodeclararam pardos.
Ano Variáveis cor/raça Observações
1872 branca, preta, parda e cabocla
1890 branca, preta, mestiça e cabocla
1900 -
1920 -
1940 branca, preta, parda e amarela
parda [caboclo, mulato, moreno]
1950 branca, preta, parda e amarela
parda [índio, pardo, caboclo, mulato, cafuzo, mestiço]
1960 branca, preta, parda, amarela e indígena
1970
1980 branca, preta, parda e amarela
parda [mulato, mestiço, índio, caboclo, mameluco, cafuzo]
1991 branca, preta, parda, amarela e indígena
amarela [orientais]
2000 branca, preta, parda, amarela e indígena
parda [mulato, mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo]
2010 branca, preta, parda, amarela e indígena
Baseado em “Brasil mostra a tua cara” : imagens da população brasileira nos censos demográficos de 1872 a 2000/ Jane Souto de Oliveira. – Rio de Janeiro : Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2003. A Escola Nacional de Ciências Estatísticas é instituição pertencente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O LIVRO DO MESTIÇO
43
O Brasil adota a autodeclaração para classificar
a sua população nas opções de cor/raça branca, preta,
parda, amarela e indígena. O termo ‘pardo’ é adotado
nos censos oficiais nacionais brasileiros deste o
primeiro, em 1872. Foi substituído por ‘mestiço’ no
censo de 1890, retornando no censo de 1940 e
permanecendo até os dias atuais.
Diferentemente do que a mídia petista tem
divulgado, o IBGE não classifica pardos como negros.
Esta inclusão consta no Estatuto da Igualdade Racial,
uma lei criada por projeto do PT. O IBGE assim afirma
sobre as opções de “cor ou raça” da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios: “Característica declarada
pelas pessoas com base nas seguintes opções: branca,
preta, amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa,
coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza,
mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra
cor ou raça) ou indígena (pessoa indígena ou índia)”,
Anuário Estatístico do Brasil, v. 74, 2014.
Pardo é negro?
Não. Pardo não é sinônimo de negro nem de
afrodescendente. Pardo significa qualquer mestiço, ou
seja, quem não tem raça; negro é um termo usado para
quem é da raça preta.
O LIVRO DO MESTIÇO
44
Caboclos descendentes somente de índios e
brancos são um exemplo de pardos que não são
afrodescendentes. Também parcela dos mestiços
descendentes de amarelos (japoneses, chineses,
coreanos e outros povos do sudeste asiático) não são
afrodescendentes.
Quem é anterior no Brasil,
os pardos ou os negros?
Como observado acima, antes de haver pretos
no Brasil já havia pardos, os mestiços caboclos, o
maior grupo populacional da Amazônia. Com a
chegada dos pretos africanos, surgiram novos tipos de
mestiços.
O IBGE classifica pardos como negros?
Até a presente ano (2018), o IBGE não classifica
pardos como negros.
A palavra negro nunca constou nos censos
nacionais que pesquisaram sobre cor e raça e nunca
foi adotada pelo IBGE,13 que resistiu a pretensões de
movimentos negros e do petismo. 13 “Durante o período imperial, o único órgão com atividades exclusivamente estatísticas era a Diretoria Geral de Estatística, criada em 1871. Com o advento da República, o governo sentiu necessidade de ampliar essas atividades,
O LIVRO DO MESTIÇO
45
A classificação dos pardos como negros consta
no Estatuto da Igualdade Racial para sua aplicação,
mas não obriga o órgão a abandonar a distinção entre
pardos e pretos em suas pesquisas. O projeto do
Estatuto da Igualdade Racial foi de autoria do senador
Paulo Paim, do PT, ativista do movimento negro.
Segundo o IBGE, as opções de “cor ou raça” da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios têm o
seguinte significado:
principalmente depois da implantação do registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos. “Com o passar do tempo, o órgão responsável pelas estatísticas no Brasil mudou de nome e de funções algumas vezes até 1934, quando foi extinto o Departamento Nacional de Estatística, cujas atribuições passaram aos ministérios competentes. “A carência de um órgão capacitado a articular e coordenar as pesquisas estatísticas, unificando a ação dos serviços especializados em funcionamento no País, favoreceu a criação, em 1934, do Instituto Nacional de Estatística - INE, que iniciou suas atividades em 29 de maio de 1936. No ano seguinte, foi instituído o Conselho Brasileiro de Geografia, incorporado ao INE, que passou a se chamar, então, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística”, de https://www.ibge.gov.br/institucional/o-ibge.html (em 13/08/2018).
O LIVRO DO MESTIÇO
46
“Característica declarada pelas pessoas com
base nas seguintes opções: branca, preta,
amarela (pessoa de origem japonesa, chinesa,
coreana etc.), parda (mulata, cabocla, cafuza,
mameluca ou mestiça de preto com pessoa de
outra cor ou raça) ou indígena (pessoa
indígena ou índia)”, Anuário Estatístico do
Brasil, v. 76, 2016.
Preto é cor e negro é raça?
Não. Preto é cor e raça, a palavra negro, porém,
também significa escravo, sua definição original, e era
neste sentido empregada tanto para os ancestrais
índios quanto para os ancestrais pretos do Povo
Mestiço.
Os escravos índios do Brasil eram
denominados ‘negros da terra’. O uso da expressão
era tão frequente que foi proibida pelo governo
português, em 1755:
“Entre os lastimosos princípios, e perniciosos
abusos, de que tem resultado nos Índios o
abatimento ponderado, é sem dúvida um deles
a injusta, e escandalosa introdução de lhes
chamarem Negros; querendo talvez com a
O LIVRO DO MESTIÇO
47
infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes,
que a natureza os tinha destinado para
escravos dos Brancos, como regularmente se
imagina a respeito dos Pretos da Costa da
África. E porque, além de ser prejudicialíssimo
à civilidade dos mesmos Índios este
abominável abuso, seria indecoroso às Reais
Leis de Sua Majestade chamar Negros a uns
homens, que o mesmo Senhor foi servido
nobilitar, e declarar por isentos de toda, e
qualquer infâmia, habilitando-os para todo o
emprego honorífico: Não consentirão os
Diretores daqui por diante, que pessoa alguma
chame Negros aos Índios, nem que eles
mesmos usem entre si deste nome como até
agora praticavam; para que compreendendo
eles, que lhes não compete a vileza do mesmo
nome, possam conceber aquelas nobres idéias,
que naturalmente infundem nos homens a
estimação, e a honra”, Diretório dos Índios, 10.
Um estudo do sociólogo Simon Schwartzman,
ex-presidente do IBGE, intitulado “Fora de foco:
diversidade e identidades étnicas no Brasil”,14
baseado em dados coletados na Pesquisa Mensal de
14 Schwartzman, Simon . Novos Estudos CEBRAP, 55, Novembro 1999, pp. 83-96.
O LIVRO DO MESTIÇO
48
Emprego de julho de 1998, apresenta um quadro
intitulado “Cor ou raça que melhor identifica a
pessoa”.
O quadro informa que apenas 30,92% das
pessoas entrevistadas que se identificaram como
‘pretas’ segundo a classificação do IBGE
identificaram-se como ‘negras’ quando questionadas
sobre a denominação com a qual preferiam ser
identificadas. 44,41% dos que se definiram como
pretos na classificação do IBGE manifestaram preferir
ser identificados por este termo também na resposta
aberta, enquanto 13% preferiram se identificar como
‘morenas’. As categorias adotadas pelo IBGE são
‘branca’, ‘preta’, ‘amarela’, ‘parda’ e ‘indígena’.
As pesquisas foram realizadas nas cidades de
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador,
Recife e Porto Alegre, cobrindo uma população de
cerca de 90 mil pessoas. Mesmo não tendo havido
pesquisas em cidades do Centro-Oeste e Norte,
regiões com menores percentuais de populações
“pretas” e maiores de “pardos” com marcante
ancestralidade indígena, outro quadro da pesquisa
apresentado, intitulado “Cor ou raça por origem”,
registra que os “pardos” no conjunto das cidades
pesquisadas identificaram mais com uma origem
“indígena” (8,89%) do que com uma origem “negra”
O LIVRO DO MESTIÇO
49
(7,35%). Os “pardos” foram também os que
percentualmente mais declararam sua origem como
“brasileira” (93,90%).
Quase sete por cento dos “pretos”
identificaram-se como de origem indígena, 22,05%
como de origem “negra” e 88,62% como de origem
“brasileira”. Apenas 2,59% dos “pardos” se
identificaram como de origem “africana”, comparado
a “9,64%” dos “pretos” que registraram esta origem.
Os pretos foram os primeiros
escravos do Brasil?
Não. No Brasil, os índios foram escravizados
antes dos pretos africanos e a abolição da escravidão
índia também foi anterior. Ocorreu primeiro no
Estado do Grão-Pará e Maranhão, por meio de lei de
6 de junho de 1755, no reinado de D. José I. A medida
fazia parte da política do Marquês de Pombal de
integrar os índios, promover casamentos com
portugueses e retirá-los da dominação dos jesuítas.
Pelo Alvará de 8 de maio de 1758, a abolição passou a
valer para todo o Brasil.
O LIVRO DO MESTIÇO
50
O PT é contra o Povo Mestiço?
Sim. Após o ex-presidente Lula assumir o
governo federal, em 2003, seguindo as diretrizes do
Plano de Governo do Partido dos Trabalhadores (PT)
e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), implantou
uma classificação assimilacionista em que os pardos
passaram a ser considerados como negros nas
políticas e análises estatísticas governamentais.
Um dos principais idealizadores desse
“enegrecimento” oficial dos pardos foi o antropólogo
branco Florestan Fernandes, senador do PT, que,
embora reconhecesse que pardos e pretos são
distintos, planejava a eliminação política e ideológica
dos mestiços:
”(…) Dentro da população negra e mestiça não
há homogeneidade. Criar esta homogeneidade
é um problema preliminarmente político:
trata-se de levar o mulato a se identifica não
com o branco, não com a rejeição à luta contra
o preconceito, mas levá-lo a aceitar a sua
condição de negro e fazer com que sejam
negros todos os que possuam caracteres de
origem.”15
15 Entrevista ao jornal Em Tempo, São Paulo, de 31-07 a 13-08-1980.
O LIVRO DO MESTIÇO
51
O objetivo de fazer com que pardos e pretos
fossem classificados como negros era angariar
militância para a causa marxista:
“(…) Raça é uma formação social que não pode
ser negligenciada na estratégia de luta de
classes e de transformação dentro da ordem ou
contra a ordem, que há um potencial
revolucionário no negro que deve ser
despertado e mobilizado”.16
Para administrar sua política racial, o governo
Lula instituiu a Secretaria Especial de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).
Nos EUA, mulatos são
considerados negros?
Frequentemente se ouve ou se lê pessoas
afirmando que nos EUA os mulatos são considerados
negros. Não.
Nos EUA, os mulatos (Mulattos) constaram no
censo ao lado dos pretos (Blacks), mas por ação de
organizações racistas como a Ku Klux Klan, o
governo daquele país os “unificou” no censo de 1930
16 Em Florestan Fernando, Significado do protesto negro, 1989.
O LIVRO DO MESTIÇO
52
na categoria negro (Negro). Em 1970, porém, a
categoria Black voltou ao censo e no de 2010 foi
permitido que os recenseados pudessem assinalar
mais de uma origem, permitindo que mulatos
pudessem se identificar marcando as opções branco e
preto.
Abaixo, um resumo da evolução das
categorias ‘raciais’ dos censos oficiais dos EUA, de
1790 a 2010.17
A opção ‘Mulatto’ constou nos censos dos EUA de 1850 a 1920. No censo de 1930, grupos anti-mestiços substituíram as opções “Mulatto” e “Black” por “Negro”. Na imagem, detalhe do formulário do censo de 1890. Clique na imagem para uma cópia completa.
1790: Homens Livres Brancos; Mulheres Livres Brancas; Todas as Outras Pessoas Livres; Escravos
17 United States. Measuring America: The Decennial Censuses From 1790 to 2000. 2010. Archived Web Site. https://www.loc.gov/item/lcwa00096133/.
O LIVRO DO MESTIÇO
53
1800: Homens Livres Brancos; Mulheres Livres Brancas; Todas as Outras Pessoas Livres, exceto Índios Not Taxed[sem cidadania]; Escravos
1810: Homens Livres Brancos; Mulheres Livres Brancas; Todas as Outras Pessoas Livres, exceto Índios Not Taxed; Escravos
1820: Homens Livres Brancos; Mulheres Livres Brancas; Pessoas de Cor Livres, Todas as Outras Pessoas Livres, exceto Índios Not Taxed; Escravos
1830: Pessoas Brancas Livres; Pessoas de Cor Livres; Escravos
1840: Pessoas Brancas Livres; Pessoas de Cor Livres; Escravos
1850: Preto [Black]; Mulato [Mulatto]
1860: Preto; Mulato; (Índio)
1870: Branco; Preto; Mulato; Chinês; Índio
1880: Branco; Preto; Mulato; Chinês; Índio
1890: Branco; Preto; Mulato; Quadroon; Octoroon; Chinês; Japonês; Índio
1900: Branco; Preto; Chinês; Japonês; Índio
1910: Branco; Preto; Mulato; Chinês; Japonês; Índio; Outro
1920: Branco; Preto; Mulato; Índio; Chinês; Japonês; Filipino; Hindu; Coreano; Outro
1930: Branco; Negro [Negro]; Mexicano; Índio; Chinês; Japonês; Filipino; Hindu; Coreano; Outras raças (soletrar por inteiro)
1940: Branco; Negro; Índio; Chinês; Japonês; Filipino; Hindu; Coreano; Outras raças (soletrar por inteiro)
1950: Branco; Negro; Índio; Japonês; Chinês; Filipino; (Outras raças – soletrar)
O LIVRO DO MESTIÇO
54
1960: Branco; Negro; Índio Americano; Japonês; Chinês; Filipino; Havaiano; Parcialmente Havaiano; Esquimó Aleuta, etc.
1970: Branco; Negro ou Preto; Índio Americano; Japonês; Chinês; Filipino; Havaiano; Coreano; Outra (registrar a raça)
1980: Branco; Negro ou Preto; Japonês; Chinês; Filipino; Coreano; Vietnamita; Índio Americano; Indiano Asiático; Havaiano; Guamaniano; Samoano; Esquimó; Aleuta; Outra (especificar)
1990: Branco; Preto ou Negro; Índio Americano; Esquimó; Aleuta; Chinês; Filipino; Havaiano; Coreano; Vietnamita; Japonês; Indiano Asiático; Samoano; Guamaniano; Outro API (Ilhéu Asiático ou do Pacífico); Outra raça
2000: Branco; Preto, Africano-Americano ou Negro; Índio Americano ou Nativo do Alaska; Indiano Asiático; Chinês; Filipino; Japonês; Coreano; Vietnamita; Nativo Havaiano; Guamaniano ou Chamorro; Samoano; Outro Asiático (Registrar a Raça); Outro Ilhéu do Pacífico (Registrar a Raça); Alguma outra raça (Registrar a Raça)
2010: Branco; Preto, Africano-Americano ou Negro; Índio Americano ou Nativo do Alaska; Indiano Asiático; Chinês; Filipino; Japonês; Coreano; Vietnamita; Nativo Havaiano; Guamaniano ou Chamorro; Samoano; Outro Asiático (Registrar a Raça); Outro Ilhéu do Pacífico (Registrar a Raça); Alguma outra raça (Registrar a Raça)
A maioria da população brasileira
é mestiça ou é negra?
No último censo do IBGE, apenas 7,6% dos
brasileiros se autodeclararam pretos, porém, para os
que seguem a política petista de somar pretos e
O LIVRO DO MESTIÇO
55
pardos (inclusive as caboclas e outras que não
descendem de pretos) e rotular como negro, a
população negra do Brasil seria de 50,7%.
Por que o PT é contra mestiçagem?
O PT é um partido multiculturalista; ele tem
por objetivo dividir racialmente e etnicamente o povo
e o território do Brasil dentro das categorias ‘negro’,
‘branco’ e ‘índio’. A inclusão da categoria ‘pardo’
dentre da ‘negro’ visa eliminar etnicamente o Povo
Mestiço e evitar a mestiçagem.
O LIVRO DO MESTIÇO
56
Pardo é o mesmo que moreno?
Não. Moreno é uma palavra frequentemente
empregada no Brasil para referir-se a pessoas de cor
de pele escura, tanto pardas quanto pretas. Para
o Dicionário Priberam, moreno é “que ou quem possui
pele de cor acastanhada ou de tonalidade mais
escura” e “que ou quem possui cabelo castanho-
escuro ou preto”, ou seja, pode ser aplicada a
determinados brancos. O Dicionário Aurélio conceitua
a palavra como “que ou aquele que possui cor
trigueira”, ou seja, cor de trigo.
Quanto à etimologia, a hipótese mais aceita
afirma que derivaria da palavra mouro, que se refere
aos povos originados da Mauritânia, região do Norte
da África, que invadiram e dominaram Portugal e
Espanha por séculos durante a Idade Média. Os
mouros eram formados por brancos, pretos e
mestiços. O termo serviria para marcar o contraste
com os iberos, celtas, visigodos e outros povos
nativos. Outra hipótese diz que a palavra moreno
derivaria da palavra ‘amora’, uma planta cujo fruto é
de cor preta.
O LIVRO DO MESTIÇO
57
Por que o Nação Mestiça
é contra cotas raciais?
Porque as cotas raciais têm sido usadas no
Brasil com a finalidade de eliminar o Povo Mestiço a
fim de dividir o povo e a Nação brasileira.
As cotas raciais foram implantadas no Brasil
de forma antidemocrática, sem passar por uma
consulta à população, através de manobras
parlamentares, que evitaram votação em Plenário na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal, e
ardilosas. O senador Paulo Paim (PT-RS), p. ex.,
falando na tribuna do Senado, no dia 10 de julho de
2012, acerca do PLC 180/2008 (PL da Lei de Cotas),
que à época tramitava, assegurou que haveria cotas
para negros e para pardos. O senador petista, porém,
escreveu em seu parecer sobre o projeto, que negro
seria a soma de pretos e pardos, trocando às vésperas
da votação a palavra negro por preto de modo que
todas as vagas para pardos pudessem ser
interpretadas como sendo de negros.18
18 "Portanto, essa estratégia da facilitar o acesso à educação superior e técnica no País, democratizando-a, é extremamente meritória e justa. Contudo, observemos que, no sistema de classificação da população por cor ou etnia, atualmente utilizado pelo IBGE, constam cinco categorias: branca, preta, amarela, parda e indígena. Ainda que, por vezes, alvo de críticas, essas categorias têm exercido um papel legitimador das representações sobre os diferentes grupos étnicos e raciais que convivem no País. Ademais, o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que define como
O LIVRO DO MESTIÇO
58
O próprio termo “cotas raciais” também é
incorreto, pois os diversos casos de pardos excluídos
pelas bancas julgadoras compostas por negristas
provam que a aparência e a ideologia, não a origem
racial somente, têm sido adotadas.
Isto foi denunciado no dia 5 de março de 2010,
pelo Nação Mestiça, quando a Sra. Helda de Sá,
representando o Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro
e a Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da
Amazônia (ACRA), pronunciou-se na Audiência
Pública sobre a Constitucionalidade de Políticas de
Ação Afirmativa de Acesso ao Ensino Superior
convocada pelo ministro Ricardo Lewandowski do
Supremo Tribunal Federal (STF). Abaixo, cópia do
pronunciamento. A palestra, limitada por regra da
audiência a quinze minutos, teve o título de “Políticas
Públicas de Eliminação da Identidade Mestiça e
Sistemas Classificatórios de Cor, Raça e Etnia”, está
reproduzida abaixo.
população negra "o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística". Em face do exposto, entendemos que a expressão "negros e pardos" utilizada no projeto é redundante, pois o termo isolado "negros" já engloba pessoas "pretas e pardas", de acordo com o Estatuto. Assim, é necessário alterar a redação do projeto para corrigir esse equívoco. Lembramos, contudo, que essa é uma alteração meramente redacional, que não modifica o conteúdo normativo da proposição", PARECER DO SENADOR PAIM, em 28 de junho 2012.
O LIVRO DO MESTIÇO
59
“As observações apresentadas resultam do
trato Nação Mestiça, desde 2001, com idéias e
práticas de políticas públicas étnicas e raciais
no Brasil e em outros países. Esta atuação nos
faz ter a convicção de que o Sistema de Cotas
para Negros da UnB não é, a rigor, medida de
ação afirmativa. Ele não visa combater
discriminação racial, de cor, ou de origem,
nem corrigir efeitos de discriminações
passadas, nem assegurar os direitos humanos
e as liberdades fundamentais de grupos
étnicos e raciais, como exige a Convenção
Internacional Sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação Racial para
distinguir uma medida especial de uma
medida de discriminação racial.
“O Sistema de Cotas para Negros da
Universidade de Brasília, inversamente do que
defendia Darcy Ribeiro, o idealizador,
fundador e primeiro reitor da UnB, tem por
base uma elaborada ideologia de
supremacismo racial que visa à eliminação
política e ideológica da identidade mestiça
brasileira e a absorção dos mulatos, dos
caboclos, dos cafuzos e de outros pardos pela
identidade negra, a fim de produzir uma
O LIVRO DO MESTIÇO
60
população composta exclusivamente por
negros, brancos e indígenas.
“Exige a UnB que “Para concorrer às vagas
reservadas por meio do sistema de cotas para
negros, o candidato deverá ser de cor preta ou
parda, declarar-se negro e optar pelo sistema
de cotas”.
“Assim, as cotas da UnB não se destinam a
proteger pretos e pardos em si; pretos e pardos
que se autodeclarem mestiços, mulatos,
caboclos são excluídos do sistema de cotas da
UnB; também são excluídos aqueles
afrodescendentes que se autodeclaram negros,
mas são de cor branca.
“Para que estas cotas fossem medidas de ação
afirmativa seria necessário que se identificar
como negro fosse causa de discriminação
racial, mas ao excluir os autodeclarados negros
de cor branca das cotas a própria UnB
tacitamente reconhece que somente
identificar-se como negro não expõe uma
pessoa a discriminações raciais no Brasil, como
ocorre em outros países. Do contrário, a UnB
estaria também os discriminando.
O LIVRO DO MESTIÇO
61
“Elas também não visam a corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no
passado, pois neste caso o segmento
beneficiado seria em função da ancestralidade
e não da cor e muito menos da autodeclaração.
“Por que, então, a UnB, em vez de estabelecer
um sistema de ação afirmativa para todos os
pretos e pardos, decidiu excluir os pretos e
pardos que não se identificam como negros? A
história do racismo e, especificamente, da
mestiçofobia, elucida as motivações que
conduziram ao atual projeto racial para o povo
brasileiro implementado pelo governo federal.
“A UnB não foi a primeira universidade
brasileira a veicular idéias e a defender
políticas públicas de base racial no Brasil. No
séc. XIX e até metade do séc. XX, em diversas
universidades do país e do estrangeiro, idéias
racistas faziam parte do conteúdo lecionado.
Refletindo o poder da autoridade científica
que as universidades possuem, muitos,
inclusive governantes e legisladores,
acreditavam que havia raças superiores em
inteligência, em resistência física, em aptidões
morais. Ensinavam, também, que seria um
prejuízo para uma nação formada por pessoas
O LIVRO DO MESTIÇO
62
de suposta raça superior gerar filhos mestiços
com pessoas de raça inferior. Alguns racistas
defendiam que o mestiço seria um ser
intermediário entre a raça superior e a inferior;
outros que seria inferior à raça inferior. Esta
última corrente racista afirmava que o mestiço,
diferentemente das raças superiores e
inferiores, e por não ser uma raça, seria um ser
anormal, não adaptado a qualquer ambiente,
propenso a doenças físicas e psicológicas,
destituído das melhores qualidades das raças
que lhe deram origem e tanto pior quanto mais
se diferenciasse delas. No Brasil, com grande e
crescente população mestiça, isto foi visto pelo
racismo acadêmico como um problema que
comprometeria as possibilidades de progresso
do país. Nina Rodrigues defendia políticas
criminais diferenciadas racialmente. Sylvio
Romero e Oliveira Viana defendiam o
desaparecimento gradual dos mestiços pelo
branqueamento.
“O racismo teve também grandes opositores.
Intelectuais como Darcy Ribeiro e Gilberto
Freyre defenderam que a miscigenação não era
um problema para o Brasil, mas uma
vantagem que, entre outras, formava a
O LIVRO DO MESTIÇO
63
identidade nacional e protegia a Nação de
conflitos raciais e étnicos.
“Em outros países, os ideólogos do racismo
forneceram o material para os discursos
políticos que na Alemanha levaram os nazistas
ao poder e mestiços a campos de concentração
e a cirurgias de esterilização. Na Austrália,
mestiços foram separados de suas mães
aborígenes. Na África do Sul, foram
segregados pelo apartheid.
“Nos EUA, a partir do final do séc. XIX, junto
com leis proibindo casamentos inter-raciais,
organizações racistas como a Ku Klux Klan
conseguiram paulatinamente impor, inclusive
legalmente, uma inovação, a Regra da Única
Gota (One Drop Rule), pela qual uma gota de
sangue africano faria com que uma pessoa
fosse classificada como Negro (palavra que
também existe no vocabulário inglês). No
censo dos EUA até 1920 não havia a categoria
Negro. Desde 1850, havia as categorias Black
(ou seja, preto) e Mulatto. No censo de 1930,
porém, pela regra da única gota, pretos e
mulatos tiveram apenas a opção Negro. Estas
normas visavam delimitar espaços de poder
racial, daí a necessidade de eliminar
O LIVRO DO MESTIÇO
64
politicamente e também ideologicamente o
mestiço e a mestiçagem. Apenas em 1970, após
o assassinato de Martin Luther King, o termo
Black voltou ao censo; no censo de 2000, os
mestiços conseguiram voltar a ser contados (e
outra vez no censo dos EUA deste ano).
“No Brasil, seu primeiro censo oficial, de 1872,
tinha para a variável “cor/raça” as opções
‘branca’, ‘preta’, ‘parda’ e ‘cabocla’; no censo
de 1890, a opção ‘parda’ foi substituída por
‘mestiça’, retornando o termo ‘parda’ em todos
os censos seguintes que tiveram o quesito
“cor/raça”, passando a incluir também os
mestiços caboclos. Assim, o censo brasileiro
sempre trouxe um espaço para a expressão da
identidade mestiça. As opções ‘preta’ e
‘branca’ sempre constaram nos quesitos
“cor/raça” dos censos, os quais nunca
trouxeram a opção ‘negra’.
“Somar pretos e pardos e incluí-los numa
categoria ‘negra’ tornou-se, porém, uma
reivindicação de movimentos negros,
inclusive junto ao IBGE.
“Com o fim da II Guerra Mundial, a idéia de
raça foi perdendo credibilidade acadêmica. No
O LIVRO DO MESTIÇO
65
Brasil, porém, os mestiços passaram também a
ser vistos como um problema ideológico e
político.
“O sociólogo Florestan Fernandes, da
Universidade de São Paulo (USP), afirmava
que “dentro da população negra e mestiça não
há homogeneidade. Criar esta homogeneidade
é um problema preliminarmente político”.
Caberia levar o mulato “a aceitar a sua
condição de negro”. E questionava, “(…)
Como fazer para reeducar o mulato, como
levá-lo a sair de um comportamento egoístico
e individualista?”Antes haveria uma raça
superior e uma inferior e os mestiços deveriam
ser miscigenados até não se diferenciarem de
uma delas, a branca; agora haveria uma raça
opressora e uma oprimida e os mestiços
deveriam ser reeducados para identificarem-
se com uma delas, a negra.
“O antropólogo Kabengele Munanga, da USP,
sobre o mesmo tema, assim se expressou: “Se
no plano biológico, a ambigüidade dos
‘mulatos’ é uma fatalidade da qual não podem
escapar, no plano social e políticoideológico,
eles não podem permanecer ‘um’ e ‘outro’,
‘branco’ e ‘negro’”, e acrescentou, “Construir a
O LIVRO DO MESTIÇO
66
identidade ‘mestiça’ ou ‘mulata’ que incluiria
‘um’ e ‘outro’, ou excluiria ‘um’ e ‘outro’, é
considerado por mestiços conscientes e
politicamente mobilizados como uma
aberração política e ideológica, pois supõe
uma atitude de indiferença e de neutralidade
perante o processo de construção de uma
sociedade democrática”, (na Introdução do
livro “Mulato negro-não-negro e/ou branco-
não-branco”, de Eneida de Almeida dos Reis).
“Este modo de ver o mestiço, porém, não é
apenas marginalizador e moralmente
ofensivo; ele também leva a um preconceito de
caráter biológico: seria normal o branco ter
identidade branca, o negro identidade negra, o
índio identidade indígena, mas não o mestiço
ter identidade mestiça; ele seria um ser
incompleto, necessitado da identidade negra.
Chegam a atribuir ao mestiço um risco de
problemas psicológicos em função de uma
suposta ambivalência.
“A própria mestiçagem, que em regra ocorreu
e ocorre no Brasil de forma harmoniosa,
também passou a ser apresentada de forma
equivocada e negativa. Afirma um etnólogo
cubano com livro recentemente publicado no
O LIVRO DO MESTIÇO
67
Brasil: “o mestiço surge nas sociedades
violentadas e complexadas. Ou seja, é a
inseminação violenta das fêmeas do grupo
dominado pelo macho do grupo dominante e
a eliminação física dos machos do grupo
dominado-conquistado”. Ou seja, estão
ensinando o mestiço a ter vergonha de suas
origens, a negar o sangue de seu pai ou de sua
mãe.
“Estas depreciações se reproduzem em
agressões morais fora do meio acadêmico.
“Também se refletiram no recente decreto do
Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH 3), assinado pelo presidente Luís
Inácio Lula da Silva, que determina a inclusão
dos mulatos e dos pardos na categoria negra.
“Nisto não há inovação: pelo Alvará Régio de
4 de abril de 1755, o rei de Portugal, D. José I,
proibiu o emprego do termo caboclo para os
filhos mestiços de portugueses e indígenas e
nós desaparecemos por décadas dos
documentos oficiais.
“Estes discursos visando à incorporação dos
pardos pelos negros ativeram-se aos mulatos e
silenciaram em regra sobre os milhões de
O LIVRO DO MESTIÇO
68
caboclos do país, cuja população é
possivelmente mais numerosa do que a preta
também nacionalmente. Na região Norte, há
cerca de 14 pardos (em sua maioria caboclos)
para cada preto e aqui no Centro-Oeste a
proporção é de cerca de 11 para 1. Mesmo no
Sudeste, onde a proporção entre pardos e
pretos é de 4 para 1, parte destes pardos são
mamelucos. Mestiços de brancos e indígenas já
habitavam o Brasil décadas antes da chegada
de africanos.
“Nossa Constituição assegura a valorização da
diversidade étnica e regional e a proteção de
todos os grupos participantes do processo
civilizatório nacional. O mestiço brasileiro,
organizando-se em associações para a defesa
de sua identidade, tem esta reconhecida
oficialmente por leis como as que instituíram o
Dia do Mestiço nos Estados do Amazonas, de
Roraima e da Paraíba, e também o Dia do
Caboclo.
“Contradizendo sua política interna, o Brasil
tornou-se signatário dos documentos finais da
Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlatas, e de sua Conferência de Revisão,
O LIVRO DO MESTIÇO
69
promovidas pela ONU em 2001 e 2009,
“Reconhecemos, em muitos países, a
existência de uma população mestiça, de
origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa
contribuição para a promoção da tolerância e
respeito nestas sociedades, e condenamos a
discriminação de que são vítimas,
especialmente porque a natureza sutil desta
discriminação pode fazer com que seja negada
a sua existência”.
“As próprias comissões de seleção, porém, têm
demonstrado que pardo não é negro. Diversos
casos têm sido noticiados envolvendo duas
pessoas com parentesco sangüíneo, inclusive
de gêmeos idênticos, em que uma é aceita
como negra e outra não. E também de exclusão
de cotista quando já cursando a faculdade.
Desconhecemos um único caso em todo o
Brasil no qual isto tenha ocorrido com dois
parentes de cor preta; todos os casos de que
temos conhecimento ocorreram com pessoas
pardas.
“Informa a UnB que a sua comissão
responsável pela decisão é formada por
representantes de movimentos sociais ligados
à questão, especialistas no tema. De
O LIVRO DO MESTIÇO
70
movimentos negros, pois pardos não
compõem tais comissões.
“Cotas para estudantes provenientes das
escolas públicas e carentes valoriza o ensino
público, a meritocracia, a solidariedade,
estimula o investimento e não o conflito racial.
É necessário instituir o ensino fundamental em
período integral (inclusive existe uma PEC, a
94/03, no Senado - seria muito interessante ser
implementada) e aumentar o número de vagas
nas universidades.
“Cotas raciais não custam um centavo ao
governo. Ações afirmativas não visam criar
diferenças, pelo contrário, visam superar
discriminações motivadas por diferenças.
Visam levar à cidadania, não a relativizar.”
O que é negrismo?
Negrismo, ou pretismo, é o conjunto de
ideologias que defendem a unificação dos pretos e
mestiços em uma categoria identificada politicamente
exclusivamente à raça preta, com eliminação ou
marginalização política, identitária racial e étnica dos
mestiços.
O LIVRO DO MESTIÇO
71
Está associada à história do tráfico de escravos
pretos da África para as Américas e das populações
descendentes e/ou às ideologias que defendem a
supremacia em diversos aspectos (biológico, místico,
moral, etc.) da raça preta.
No Haiti
Durante o processo de independência do Haiti
ocorreu um intenso conflito racial. Os colonizadores
franceses e os brancos haitianos foram massacrados
por populares da maioria preta, que entraram em
conflito também com mulatos.
A Constituição do Império do Haiti, de 1805, a
primeira do país, do autoproclamado imperador Jean-
Jacques Dessalines, hostil a mulatos, estabelecia que
todos os haitianos seriam considerados pretos (Noirs)
e proibia que homens brancos tivessem propriedade
no país:
Art. 12. Nenhuma pessoa branca, seja qual for
a sua nação, pisará neste território com o título
de proprietário ou dono, e a partir de agora
não poderá adquirir nenhuma propriedade.
Art. 13. O artigo precedente não poderá
produzir qualquer efeito contra as mulheres
brancas haitianas naturalizadas pelo Governo,
O LIVRO DO MESTIÇO
72
nem contra as crianças nascidas ou nascidas
delas. Eles estão incluídos nas disposições
deste artigo, alemães e poloneses
naturalizados pelo governo.
Art. 14. Toda acepção de cor entre os filhos de
uma só e mesma família, cujo chefe de estado
é o pai, deve necessariamente cessar, os
haitianos agora serão conhecidos apenas sob o
nome genérico de pretos.
Após seu misterioso assassinato, o país se
dividiu, com o norte sendo governado por um
imperador preto, Henri Chistophe, e o sul sendo
governado por um presidente mulato, Alexandre
Pétion.
No século seguinte, o negrismo (négrisme) foi
adotado como ideologia política pelo pelo presidente
François Duvalier, apelidado ‘Papa Doc’, que
governou ditatorialmente o país de 1957 a 1971, o qual
alegadamente visava promover as massas negras
contra a “elite dos mulatos”.
Segundo Matthew J. Smith, o pretismo
(noirisme) é uma ideologia que defende “o controle
total do aparelho do Estado por representantes pretos
das classes populares.”19 19 Smith, Matthew J. Red and Black in Haiti: Radicalism, Conflict, and Political Change, 1934-1957. 1 edition. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2009.
O LIVRO DO MESTIÇO
73
No Brasil
No Brasil, o negrismo foi uma invenção de
intelectuais e políticos brancos de esquerda, diversos
deles descendentes de imigrantes ou eles mesmos
imigrantes, visando à formação ideológica e
atrelamento de uma militância política negra. Teve
como principal centro a Universidade de São Paulo
(USP). Destaca-se Florestan Fernandes, sociólogo
marxista e membro fundador do Partido dos
Trabalhadores (PT), pelo qual foi eleito deputado
federal, participando da elaboração da Constituição
brasileira de 1988, em vigor.
Oito anos antes, Florestan Fernandes, que era
branco, filho de uma imigrante portuguesa, afirmou
em entrevista,
“Se o preconceito no Brasil fosse mais definido
e assumisse a forma que assume
nos EUA e África do Sul, o termo negro seria
aceito por toda a população negra e mestiça. O
ideal de um movimento político é esta
unificação, embora o mulato no Brasil não
esteja subjetivamente preparado para isto.”20
20 Entrevista ao jornal Em Tempo, São Paulo, de 31-07 a 13-08-1980.
O LIVRO DO MESTIÇO
74
E entende como um objetivo político alienar o
mulato e fazê-lo identificar-se como negro os que
tenham características que indicam sua origem preta,
“Dentro da população negra e mestiça não há
homogeneidade. Criar esta homogeneidade é
um problema preliminarmente político: trata-
se de levar o mulato a se identifica não com o
branco, não com a rejeição à luta contra o
preconceito, mas levá-lo a aceitar a sua
condição de negro e fazer com que sejam
negros todos os que possuam caracteres de
origem.”21
A unificação entre negros e mulatos para
Florestan Fernandes objetiva colocar sua mobilização
a serviço do projeto marxista. Perguntado se seria
mais difícil chegar a uma sociedade sem cor do que
uma sociedade sem classes, responde que,
“Você não pode eliminar a raça como você não
pode eliminar a classe. Elas estão aí. E para que
as duas possam interagir, a raça tem de ser
absorvida pelo conflito de classe. Porque, se o
negro e o mulato quiserem defender a sua
posição em termos estritamente raciais, eles se
segregam e não terão a mesma importância
21 Idem.
O LIVRO DO MESTIÇO
75
que eles teriam. Pois, veja bem, o negro e o
mulato são fermentos revolucionários
tremendos na sociedade brasileira, na medida
em que eles não se segreguem, e levem o
protesto racial para dentro da luta de
classes.”22
Acrescenta adiante,
“Os negros e mulatos são um fantástico
fermento revolucionário.”
Outra motivação para o negrismo ter sido
implantado no Brasil por descendentes de imigrantes,
em sua maioria brancos europeus, encontra-se na
mentalidade anti-integracionista existente entre
muitos deles e herdada por diversos descendentes
que, embora minoritários, tiveram e têm importante
participação política no país. Demarcando o espaço
do negro visam demarcar o espaço dos brancos, seu
isolamento racial diante da mestiçagem e evitar a
acusação de racismo.
Uma terceira motivação encontra-se numa
característica comum entre brancos e pretos na
América: não são nativos. Reduzindo os nativos aos
22 Fernandes, Florestan, 1920 — Significado do protesto negro. São Paulo : Cortez : Autores Associados, 1989. — (Coleção polêmicas do nosso tempo; v. 33). p.85.
O LIVRO DO MESTIÇO
76
índios e estes a espaços demarcados e administrados
pelos brancos indigenistas buscam apagar o nativo
mestiço e evitar um nativismo que ameace um
supremacismo e protagonismo de originários de
outros continentes. Neste sentido, negrismo e
indigenismo têm sido apoiados pelos mesmos grupos.
Neste sentido, para as Nações Unidas, os
governos do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, de 1995 a 2002, apresenta os pardos
brasileiros como sendo todos mulatos, silenciando os
mestiços caboclos e cafuzos, descendentes de índios,
ao mesmo tempo em que os mulatos começaram a ser
classificados como negros em outros documentos
oficiais. Fernando Henrique Cardoso é sociólogo,
também ex-professor da USP, e foi eleito pelo Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB).
Nos governos seguintes, de 2003 a 2017, de
Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT, o negrismo foi
aprofundado, com a aprovação do Estatuto da
Igualdade Racial, que classifica os pardos e pretos
como população negra, e de diversas outras leis
incentivando mulatos a se identificarem como negros
em troca de cotas no ensino médio e superior e em
empregos na administração pública.
Entre os promotores do negrismo destacam-se
também o sociólogo argentino Carlos Hasenbalg e os
O LIVRO DO MESTIÇO
77
antropólogos Kabengele Munanga, congolês
naturalizado brasileiro, e José Jorge de Carvalho.
Para tentar justificar a apropriação da
identidade parda, os negristas usam argumentos
falaciosos, um deles o de que os dados sociais e
econômicos de pardos e pretos seriam similares, de
modo que se justificaria tratar pretos e pardos como
um mesmo grupo.
A realidade, porém, não confirma isso. Os
dados percentuais de ‘cor’ e ‘raça’ de candidaturas de
pretos nas eleições de 2016 assemelharam-se mais aos
de brancos do que aos de pardos, segundo dados
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do IBGE.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua de 2016, do IBGE,
“entre 2012 e 2016, a participação percentual
dos brancos na população do país caiu de
46,6% para 44,2%, enquanto a participação dos
pardos aumentou de 45,3% para 46,7% e a dos
pretos de 7,4% para 8,2%.”23
Em 2016, segundo o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE),24 8,64% dos candidatos se declararam
23 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-pnad-c-moradores.html (em 29/07/2018). 24 http://inter04.tse.jus.br/ords/dwtse/f?p=176:13:11072509018388:: (em 29/07/2018).
O LIVRO DO MESTIÇO
78
como pretos, 0,44% acima do percentual de pretos na
população, e 51,46% como brancos, 7,26% também
acima do percentual de brancos do país. Porém,
somente 39,12% dos candidatos declararam-se
pardos, 7,58% abaixo do seu percentual na população.
Outro exemplo são os dados sobre homicídio
do período de 2002 a 2010. Eles revelam que houve
um aumento de 35,5% no número de homicídios da
população parda e diminuição de 0,7% no número de
homicídios da população preta. Na população jovem
o aumento dos homicídios foi de 29% na população
parda e houve uma diminuição de 8,1% nos
homicídios de pretos no mesmo período.
Os dados estão no Mapa da Violência 2012: A
Cor dos Homicídios no Brasil,25 publicado pelo
governo Dilma Rousseff através da Secretaria Especial
de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR).
Esta é a única passagem do livro em que dados
sobre pardos são fornecidos; no restante da
publicação, é adotada a ideologia racial negrista do
governo petista: a publicação soma pretos e pardos e
os classifica como negros, não fornecendo mais
informações específicas sobre o aumento dos
25 Waiselfisz, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012.
O LIVRO DO MESTIÇO
79
homicídios entre os pardos e a redução dos
homicídios na população preta.
Como o aumento dos homicídios de mestiços
pardos supera a redução dos homicídios de pretos,
somando as duas populações numa categoria ‘negro’,
o governo promove a ideia de que estaria havendo
um aumento do número de homicídio de negros,
enquanto os dados publicados informam que está
havendo um aumento dos homicídios de mestiços.
No Norte, região do país com o maior
percentual de pardos, descendentes
predominantemente da miscigenação entre índios e
brancos, foi onde houve, nas palavras da
publicação, “maior crescimento no número de homicídios
negros: 125,5% (…)”.26
Nos EUA
Como no Brasil, nos EUA o negrismo também
foi idealizado e implantado pelos brancos. Os
mulatos (Mulattos) constaram no censo ao lado dos
pretos (Blacks), mas por ação de organizações racistas
26 Também houve redução de 25,5% por cento no número de homicídios na população de cor branca e de 33% entre jovens deste segmento. Na população amarela, embora tenha havido uma redução de 39,8% no geral, houve um aumento de 37,2% entre os jovens. Também houve aumento do número de homicídio da população indígena tanto no geral, 48%, quanto em jovens, 56,3%.
O LIVRO DO MESTIÇO
80
como a Ku Klux Klan, foram somados na categoria
negro (Negro).
Os censos do país iniciaram em 1790, mas só
contavam brancos livres, demais pessoas livres e
escravos, sem distinguir a classificação racial destes.
Os índios sem cidadania passam a ser contados a
partir de 1800.
No censo de 1820, aparece a categoria ‘pessoas
de cor livres’ que, em 1850, quando já se aproximava
a Guerra da Secessão motivada, dentre outros, pela
questão abolicionista, é substituída por Black (preto) e
Mulatto. Em 1930, seguindo diversas leis que proibiam
casamentos inter-raciais, estas duas categorias são
substituídas por Negro.
Em 1970, após as lutas pelos direitos civis
lideradas pelo pastor Martin Luther King, a opção é
mudada para Negro or Black (negro ou preto) e em
2000 para Black, African-American or Negro. No censo
seguinte é permitido assinalar mais de uma opção de
modo que os mulatos e outros mestiços puderam
registrar suas diversas origens.
Embora o termo Negro tenha sido
majoritariamente abandonado, o termo Black tem sido
usado como sinônimo aglutinando os mulatos, os
quais, porém, com o florescimento dos movimentos
multirraciais no país e aumento da população
O LIVRO DO MESTIÇO
81
afrodescendente de origem latino-americana, têm
crescentemente afirmado sua distinção em relação aos
pretos.
Na Libéria
A Libéria é um país que se originou do
projeto dos EUA de enviar pretos e mulatos libertos
para a África. Em 1822 chegaram os primeiros colonos
e houve a fundação da atual capital do país, Monrovia
(nome em homenagem ao ex-presidente dos
EUA, James Monroe). Joseph Jenkins Robert, nascido
no Estado da Virgínia e governador da comunidade
dos libertos norte-americanos, proclamou a
independência do país em 1847. Até 1884, o país foi
governado apenas por presidentes nascidos nos
EUA.
Os americano-liberianos (os descendentes dos
libertos) tornaram-se a minoria governante da
Libéria, diante da maioria da população formada
por etnias locais. Até 1951, apenas americano-
liberianos podiam votar para governantes.
Somente em 1980, após um golpe de Estado
que tirou do poder o presidente Willian Tolbert, a
Libéria foi governada por um presidente não
americano-liberiano, Samuel Doe. A Constituição de
O LIVRO DO MESTIÇO
82
1847 foi suspensa e substituída pela de 1984, que
estabelece em seu artigo 27, b,
“A fim de preservar, fomentar e manter a
cultura, valores e caráter positivos liberianos,
apenas pessoas que são negras ou
descendentes de negros devem se qualificar
por nascimento ou por naturalização a ser
cidadãs da Libéria.”
O grupo étnico de Samuel Doe, Khran, entrou
em conflito com outras etnias e o país entrou em
guerra civil. Doe foi capturado, torturado e morto em
1990. Mesmo com esta constituição, a Libéria é
membro da Organização das Nações Unidas (ONU).
Em 08 de abril de 2010, a presidente da Libéria,
Ellen Johnson-Sirleaf, que foi ministra das Finanças
do presidente Willian Tolbert, em visita à
Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em
Salvador, anunciou o passe livre para
afrodescendentes brasileiros adquirirem dupla
cidadania na Libéria. Sua palestra na UNEB tinha o
sugestivo título "Brasil, Libéria, a Diáspora Africana e
o Reconhecimento da Diáspora como Extensão do
Continente pela União Africana." Defendeu ampliar o
conceito de povo africano e da união afrodescendente
para o fortalecimento do legado cultural da África:
O LIVRO DO MESTIÇO
83
“Estamos convocando todos os descendentes
africanos a contribuir e ajudar na reconstrução
da Libéria e da família África. Agradeço os
esforços daqueles que aqui desenvolvem
políticas de proteção e capacitação dos
afrodescendentes, saudando-os como bons
cidadãos brasileiros.”
A presidente também afirmou que sua missão
era unir as forças internas (nações africanas) e
externas (afrodescendentes em todo o mundo),
“abrindo a porta do país para todos os irmãos
espalhados pelo mundo.”27
Na Jamaica
O negrismo na Jamaica teve como principal
representante Marcus Garvey. Nascido no país em
1887, quando este ainda não era independente, viajou
como jornalista pelo Caribe e América do Sul onde
conheceu as condições de vida precárias dos
descendentes de africanos locais.
Em 1912 viajou para Londres e entrou em
contato com intelectuais e ativistas pretos que
27 Informações de http://testeportal.uneb.br/2010/04/09/uneb-portas-abertas-para-liberia/ (em 09/04/2010).
O LIVRO DO MESTIÇO
84
defendiam bandeiras anti-colonialistas e ideais de
unidade africana.
Voltando à Jamaica em 1914, fundou a
Universal Negro Improvement Association (UNIA),
com o objetivo de promover o progresso e a
fraternidade entre descendentes de pretos africanos,
gerando desconfiança entre pessoas influentes do
país.
Dois anos depois viajou para os EUA a fim de
conhecer a população preta norte-americana. Lá
estabeleceu uma filial da UNIA e um jornal, o Negro
World. Garvey pregava orgulho racial, estimulava a
livre iniciativa e realizava marchas públicas,
ostentando chamativas roupas militares.
Entrou em conflito com líderes dos
movimentos pretos locais, destacadamente com
W.E.B. Du Bois, colocando à mostra uma divisão entre
pretos e mulatos negristas. Du Bois, que era mulato,
denunciou Garvey por se encontrar com membros da
Ku Klux Klan, em Atlanta, no Estado da Georgia.
Neste encontro, Garvey afirmou para a KKK que seus
objetivos eram compatíveis, pois também era contra
miscigenação racial.
Realizara uma turnê em 1922. Garvey
afirmava que as organizações racistas brancas eram os
únicos representantes honestos do sentimento
O LIVRO DO MESTIÇO
85
americano, comparou os objetivos da UNIA aos
daquelas:
“A Ku KIux Klan é o governo invisível dos
Estados Unidos da América. A Ku Klux Klan
expressa em grande parte o sentimento de
todo americano branco real. (…) A atitude da
Universal Negro Improvement Association é,
de certa forma, semelhante à da Ku Klux Klan.
Enquanto a Ku Klux Klan deseja tornar a
América absolutamente um país do homem
branco, a Universal Negro Improvement
Association espera tornar a África
absolutamente um país do homem preto.”
Garvey não deixou dúvidas sobre o
posicionamento contrário à miscigenação de sua
associação:
“Então você percebe que a Universal Negro
Improvement Association está realizando
exatamente o que a Ku Klux Klan está
realizando – a pureza da raça branca no Sul – e
vai realizar a pureza da raça preta não só no
Sul, mas em todo o mundo.”28
28 Garvey, Marcus. Selected Writings and Speeches of Marcus Garvey. Edited by Bob Blaisdell. Mincola: Dover Publications, 2004, p. viii.
O LIVRO DO MESTIÇO
86
O conflito e problemas judiciais levaram
Garvey a ficar preso por dois anos e depois ser
expulso para a Jamaica. Garvey morreu em Londres,
em 1940.
O censo da Jamaica (2011) registra pretos
(Black) e mestiços (Mixed) como categorias distintas.
Na África do Sul
O país é comandado pelo Congresso Nacional
Africano (CNA), partido da maioria preta que
governa a África do Sul desde o fim do regime de
apartheid.
Durante o regime do Apartheid, o governo
branco promovia a segregação racial com o apoio de
muitos líderes indígenas, tendo o combate à
miscigenação uma de suas motivações explícitas.
Com o fim do regime em 1994, os Coloureds, a
população mestiça de idioma africâner, também
descendente dos Khoisan, os povos nativos que
habitavam a África do Sul antes da chegada, por volta
do séc. V, de pretos bantos vindos do Norte por volta
do séc. V, foi submetida a políticas assimilacionistas.
Na Província do Cabo, a maior do país, o CNA
tem tido seus piores resultados eleitorais, em parte
devido à impopularidade do partido junto
aos Coloureds.
O LIVRO DO MESTIÇO
87
Reduzir a população mestiça na província e
enviá-la para regiões de maioria negra é uma
preocupação que chegou a ser expressa por um porta-
voz do governo numa entrevista na televisão, em
2010.
O governo adota a demografia nacional para a
distribuição racial das vagas de emprego nas
províncias, resultando sempre num número maior de
vagas para os pretos, inclusive na Província do Cabo,
forçando a emigração da população mestiça e
estimulando a imigração da população preta para
esta.
O que são bantustões?
Os bantustões são territórios do Estado criados
para a ocupação exclusiva de uma etnia ou grupo
racial dentro de um país ou colônia visando a evitar
mestiçagem.
O LIVRO DO MESTIÇO
88
Placas do governo do Brasil (esq.) e da África do Sul (dir.) avisam sobre o limite de bantustões índio e preto, respectivamente. Bantustões são áreas pertencentes à União exclusivas para um
grupo racial ou étnico. O modelo brasileiro é inspirado no apartheid sul-africano.
Na África do Sul, bantustão era oficialmente
denominando ‘tuislande’ (território nativo); no Brasil é
denominado ‘terra indígena’ (art. 231, §3º da
Constituição Federal).
Os bantustões, na África do Sul, faziam parte
do sistema de apartheid, idealizado pelo ministro de
Assuntos Nativos, Hendrik Verwoerd, que veio a se
tornar primeiro-ministro do país.
Bantustões para nativos pretos e mestiços
foram criados e implantados na África do Sul e na
África do Sudoeste (atual Namíbia, à época um
território sob governo sul-africano). O bantustão
mestiço era denominado Basterland ou Rehoboth e
era habitado pelos Basters, um povo originado da
mestiçagem entre indígenas africanos e holandeses.
O LIVRO DO MESTIÇO
89
O termo bantustão é a versão portuguesa da
palavra africâner Bantoestan, formada a partir
de Bantu (que significa ‘povo’ em línguas bantas) e de
‘stan‘ uma terminação de origem persa que designa o
território de determinado povo, como Afeganistão. A
palavra começou a ser empregada já no final dos anos
de 1940.
Nos anos 70, o governo sul-africano deu a
“independência” a algumas daquelas terras.
O bantustão era território supostamente
autônomo, mas na verdade controlava a população
preta e mestiça, que só podia deixá-lo se fosse
trabalhar nas áreas brancas e para isso recebiam uma
espécie de passaporte.
O LIVRO DO MESTIÇO
90
Os nativos pretos e mestiços, privados da
cidadania sul-africana, eram usados como mão-de-
obra controlada pelos brancos.
No Brasil, com a Constituição de 1988, por ação
política de antropólogos, religiosos e políticos
indigenistas, em sua maioria brancos e de esquerda,
os territórios então existentes para proteção de índios
passaram a ter caráter permanente com limpeza
étnica de nativos mestiços e outros não índios.
O LIVRO DO MESTIÇO
91
Placa no bantustão de Raposa e Serra do Sol. Brancos indigenistas realizaram a limpeza étnica de milhares de nativos mestiços e outros não-índios que habitavam o local.
Os índios são tutelados pelo Estado brasileiro.
Estes grupos brancos indigenistas são contrários à sua
emancipação e negam aos mestiços – que também são
nativos, pois descendem dos índios originais -, seus
direitos originários à terra.
Apartheid e a política de “desenvolvimento
separado”
Entre 1913 a 1950, a África do Sul teve
repartido o seu território: dois terços da população
O LIVRO DO MESTIÇO
92
preta ficaram com 13% das terras e a minoria branca
com 92,5%.
Esta política foi endossada pelo Native Land
Act (1913), ato constitucional e territorial com o
objetivo definido de implementação de medidas de
favorecimento político, econômico e social à minoria
branca do país: os africânderes – grupo de
descendentes dos primeiros colonos holandeses,
também denominados bôeres.
Com a vitória do Partido Nacional (PN) e com
a chegada de Daniel François Malan ao poder (1948),
uma série de leis foi criada para proibir casamentos
mistos e relações sexuais entre brancos e pretos e
restringir direitos de ir e vir dos pretos e mestiços,
obrigados a portar passes especiais para circular nas
cidades.
As principais leis foram:
Ato de Proibição de Casamentos
Mistos (Prohibition of Mixed Marriages Act, Act No 55),
de 1949.
Proibia os casamentos entre pessoas brancas e
pessoas de outras raças. Entre 1946 e a data
da promulgação desta lei, apenas 75 casamentos
mistos foram registrados, em comparação com cerca
de 28.000 casamentos brancos.
O LIVRO DO MESTIÇO
93
Ato de Emenda sobre
Imoralidade (Immorality Amendment Act, Act No 21)
de 1950.
Proibia o adultério, tentativa de adultério ou
relacionados com atos imorais (sexo extra-marital)
entre pessoas brancas e pretas.
Ato de Representação Separadas dos
Eleitores (Separate Representation of Voters Act, Act No
46), de 1951.
Juntamente com outra alteração na lei em 1956,
este ato levou à exclusão dos mestiços (Coloureds) da
lista dos eleitores comuns.
Classificação racial obrigatória da população
Ato de Registro da
População (Population Registration Act, Act No 30) de
1950.
Levou à criação de um cadastro nacional em
que a raça de cada pessoa foi registrada. Uma Junta de
Classificação Racial (Race Classification Board) tomava
a decisão final sobre a que raça uma pessoa pertencia
em casos controvertidos.
Divisão do país em territórios étnicos, raciais
e “desintrusão”
O LIVRO DO MESTIÇO
94
Ato das Áreas dos Grupos (Group Areas Act,
Act No 41), de 1950.
Obrigava a separação física entre as raças,
criando diferentes áreas residenciais para diferentes
raças. Levou a remoções forçadas de pessoas
que viviam em áreas “erradas”; por exemplo, a
“desintrusão” dos mestiços (Coloureds) que viviam
no Distrito Seis da Cidade do Cabo.
Ato de Prevenção da Ocupação
Ilegal (Prevention of Illegal Squatting Act, Act No 52), de
1951.
Dava ao Ministro dos Assuntos Nativos o
poder para remover africanos das terra públicas
ou privadas e criar áreas de reassentamento para
alocar as pessoas expulsas.
Reserva de Benefícios Sociais
Separados (Reservation of Separate Amenities Act, Act
No 49), de 1953.
Obrigava a segregação em todos os
equipamentos, edifícios e transportes públicos, com o
objectivo de eliminar o contato entre brancos e outras
raças. Avisos de “apenas para europeus” e “apenas
para não-europeus” seriam instaledos. O ato declarou
que as instalações para raças diferentes não precisam
ser iguais.
O LIVRO DO MESTIÇO
95
Ato de Promoção do Auto-Governo
Banto (Promotion of Bantu Self-Government Act, Act No
46), de 1959.
Classificava os pretos em oito grupos étnicos.
Cada grupo possuia um Comissário-Geral com a
incumbência de desenvolver um território étnico
próprio, ao qual seria permitido governar-se
independentemente da intervenção branca.
Educação racial e etnicamente diferenciada
Ato dos Trabalhadores da Construção
Banto, (Bantu Building Workers Act, Act No 27), de
1951.
Permitia que as pessoas africanas
fossem treinadas como artesãs no setor da construção,
algo que anteriormente era reservado apenas a
brancos, mas eles teriam que trabalhar dentro de uma
área designada para os africanos. Criminalizava um
africano que realizasse qualquer trabalho qualificado
em áreas urbanas, exceto naqueles setores designados
para ocupação africana.
Ato de Educação Banto (Bantu Education Act,
Act No 47), de 1953.
Estabelecia um Departamento de Educação
Preta que iria elaborar um currículo que se adequasse
à “natureza e às necessidades do povo preto”. O autor
O LIVRO DO MESTIÇO
96
da legislação, o Dr. Hendrik Verwoerd (então
ministro de Assuntos Nativos, mais tarde primeiro-
ministro da África do Sul), afirmou que seu objetivo
era evitar que os africanos recebessem uma educação
que os levasse a aspirar posições que não lhes seriam
autorizadas possuir na sociedade. Em vez disso os
africanos deveriam receber uma educação destinada a
proporcionar-lhes competências para servir ao seu
próprio povo em suas terras natais ou para trabalhar
em empregos subordinados aos brancos.
Ato de Extensão da Educação
Universitária (Extension of University Education Act,
Act 45), de 1959
Encerrava a presença de estudantes pretos em
universidades brancas (principalmente nas
universidades da Cidade do Cabo e Witwatersrand).
Cria instituições de ensino superior para brancos,
mestiços, pretos e asiáticos.
O governo tornou obrigatória a definição de
raça nos registros de nascimento, proibiu a atuação de
partidos de oposição ao governo e criou áreas
especiais habitadas por brancos, onde a entrada de
pretos e mestiços só era permitida para trabalhar.
O LIVRO DO MESTIÇO
97
Bantustões da África do Sul
A criação dos bantustões sul-africanos ocorreu
em em 1951.
Era a versão mais abrangente do apartheid,
colocada em prática por Malan e seguida por
Johannes Gerhardus Stridjon que o sucedeu em 1954
e que, por sua vez, foi sucedido por Hendrik Frensch
Verwoerd.
Presidente sul-africano Nicolaas Diederichs, em 1975, com os líderes dos bantustões: Mangosuthu Buthelezi, de KwaZulu; Patrick Mphephu, de Venda; Lennox Sebe, de Ciskei; Kaiser Matanzima, de Transkei; Lucas Mangope, de BophuthaTswana; Cedric Phatudi, de Lebowa; Wessels Mota, de QwaQwa; e um delegado de Gazankulu.
Verwoerd reformulou as leis de segregação
com a roupagem do “desenvolvimento separado”,
doutrina que vigorou até 1966.
O LIVRO DO MESTIÇO
98
Ele proibiu o uso dos mesmos locais públicos
por brancos e não-brancos, criando um sistema de
ensino especial para pretos e mestiços. Em 1956,
ocorreu a aprovação de lei reguladora da segregação
profissional.
Apoio indígena aos bantustões
O verwoerdismo, a ideologia indigenista do
apartheid sul-africano, promovia a autonomia dos
bantustões. Para simbolizar a independência,
adotavam bandeiras e hinos.
Nelson Mandela recebeu a oposição de grupos indígenas que apoiavam o apartheid. Acima, seis homens alegremente posam para uma foto histórica que registra a primeira cúpula de líderes de bantustões, em 1973. Na primeira fila estão o líder de KwaZulu, Gatsha Buthelezi; Lennox Sebe, de Ciskei; e o professor
O LIVRO DO MESTIÇO
99
Hudson Ntsanwisi, de Gazankulu. Atrás deles estão o Ministro do Interior de Lebowa, Collins Ramusi; o líder Kaiser Matanzima, de Transkei; e o chefe Lucas Mangope, de BophuthaTswana. Após a conferência, o líder Matanzima descreveu a cúpula como “um sonho tornado realidade, (…) o renascimento de uma nação.”
Embora criado com o objetivo de servir à
supremacia branca, o sistema de apartheid recebeu
apoio de diversos líderes indígenas, interessados em
obter ou manter seu poder local, por outros interesses
e privilégios particulares e/ou por concordarem com
a ideologia anti-mestiça do verwoerdismo.
Pelo Bantu Homelands Citizens Act, de 1970,
todos os pretos sul-africanos eram obrigados a tornar-
se um cidadão de um bantustão, independentemente
dele viver ou ter vivido no território ou não.
A implantação dos bantustões no Brasil
Brancos indigenistas e de outros grupos de
esquerda, globalistas e neoliberais, trouxeram o
modelo dos bantustões sul-africanos para o Brasil e
conseguiram institucionalizá-lo na Constituição
Federal de 1988, para combater a mestiçagem que se
dá no país desde os tempos coloniais.
O LIVRO DO MESTIÇO
100
A então presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao lado de índios. Os bantustões foram idealizados e implantados no Brasil por políticos e ideólogos brancos indigenistas contrários a mestiçagem (Foto: Planalto.gov).
O antropólogo indigenista e deputado federal
constituinte, Darcy Ribeiro, p. ex., afirmou que o
apartheid sul-africano tinha “conteúdos de tolerância
que aqui se ignoram”:
“Quem afasta o alterno e o põe a distância
maior possível, admite que conserve, lá longe,
sua identidade, continuando a ser um mesmo.
Em conseqüência, induz à profunda
solidariedade interna do grupo discriminado,
o que o capacita a lutar claramente por seus
direitos sem admitir paternalismos”, O Povo
Brasileiro, 1995.
O LIVRO DO MESTIÇO
101
A afirmação repete um dos argumentos de
Hendrik Verwoerd, o ‘arquiteto do apartheid’, em
uma carta em que explica e defende o sistema por ele
inventado:
“Não há política de opressão aqui, mas de criar
uma situação que nunca existiu para os bantos,
isto é, que, levando em consideração as suas
línguas, tradições, história e diferentes
comunidades nacionais, eles podem passar
por um desenvolvimento deles próprios. Essa
oportunidade surge para eles logo que tal
divisão é posta entre eles e os europeus dos
quais não necessitam ser os imitadores nem
capangas destes”, Africa and the West: From
colonialism to independence, 1875 to the present,
de William H. Worger, Nancy L. Clark,
Edward A. Alpers. New York (US): Oxford
University Press, 2010, p. 101-106, tradução
nossa.
Além da Constituição Federal de 1988, outras
legislações foram criadas no sentido de legalizar a
segregação racial e étnica por meio de bantustões e
outros instrumentos.
O LIVRO DO MESTIÇO
102
Por que os indigenistas são
contra mestiços?
Os indigenistas possuem diferentes interesses,
posições políticas e ideológica, mas entre as
motivações para serem contra mestiços há 1. racismo:
os índios são uma raça e racistas consideram ser de
uma raça algo superior a ser miscigenado; 2. racismo:
o indigenismo é uma ideologia criada por brancos; ao
preservarem a raça dos índios, indigenistas buscam
preservar a própria raça contra a miscigenação;29 3.
poder: os indigenistas criam territórios raciais com o
objetivo de tutelar os índios e manter domínio político
sobre estes e sobre o território em que vivem; os
mestiços não estão submetidos a esta tutela; 4.
econômicos: “cuidar” de índio tem sido uma fonte de
renda há séculos, desde o período colonial;
indigenistas recebem remuneração para “cuidar” de
índios, não para “cuidar” de mestiços; 5. políticos:
29 “Preocupados com a crescente presença de não-índios em suas comunidades – num processo de miscigenação que já dura décadas -, os tuxauas da etnia Makuxi, majoritária entre os indígenas de Roraima, decidiram controlar os casamentos entre brancos e índios. A união civil envolvendo índios passará pela análise de um comitê de tuxauas, que dará, ou não, o sinal verde. O tuxaua Jacir José de Souza Makuxi, um dos principais líderes do Conselho Indigenista de Roraima (CIR), afirma que a medida visa a evitar que “maus elementos” passem a integrar a comunidade indígena, sem se submeter às regras definidas para todos pelos tuxauas”, jornal O Globo, 04 de maio de 2008, pág. 4.
O LIVRO DO MESTIÇO
103
dividindo o território e o povo brasileiro, os
indigenistas servem ao globalismo e ao comunismo;
os mestiços são a unificação de raças e povos,
fortalecendo a unidade nacional, o que vai contra os
interesses dos globalistas e comunistas.
Qual é o território do Povo Mestiço?
Todo o território nacional brasileiro, pois o
Povo Mestiço é nativo e descendente de todos os
povos índios que habitavam o que hoje é o território
do Brasil. Ele tem compartilhado este território com os
demais brasileiros. Os mestiços não são “homens
brancos”. As fronteiras do Estado nacional brasileiro
foram estabelecidas em territórios habitados pelos
ancestrais nativos dos mestiços e por estes.
Os mestiços, assim, não vieram de um
continente distante nem sua identidade formou-se em
território alheio. Eles nasceram, viveram e vivem nas
terras onde seus ancestrais nativos também viveram,
com exceção atualmente daquelas das quais sofreram
limpezas étnicas por ação de governos racistas
indigenistas.
Em regra, as primeiras famílias mistas foram
formadas dentro de comunidades índias. A política
segregacionista que promove a expulsão de mestiços,
por ocasião da criação dos denominados "territórios
O LIVRO DO MESTIÇO
104
indígenas", é relativamente recente, comandada em
sua maioria por indigenistas e governantes brancos, e
é motivada em regra por uma visão que hostiliza e não
reconhece o caráter nativo dos mestiços. Os legados
dos ancestrais nativos para o conjunto da sociedade
brasileira é para os mestiços mais do que uma
herança, é algo que lhes pertence por direito
originário.
O que é direito originário?
É o direito que se tem em função da origem. As
pessoas e povos atuais que descendem de outros
povos têm direitos originários sobre as terras, a
cultura e outros legados destes povos. Este direito é
anterior ao próprio reconhecimento pela lei, ou seja, a
lei apenas reconhece o direito, a lei não cria o direito.
A Constituição Brasileira de 1988, no caput do seu
artigo 231, reconhece aos índios “direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Aos
brasileiros descendentes de imigrantes estrangeiros
(em sua maioria brancos) que tenham
“reconhecimento de nacionalidade originária pela lei
estrangeira”, a Constituição, em seu artigo 12,
parágrafo quarto, permite que possam acumular a
O LIVRO DO MESTIÇO
105
nacionalidade brasileira e uma ou mais
nacionalidades estrangeiras.
De onde vem o direito originário
do Povo Mestiço?
O direito dos mestiços à terra vem de sua
origem nativa. Os mestiços brasileiros descendem dos
nativos que habitavam o que hoje é o Brasil antes da
chegada dos brancos portugueses. Todas as terras do
Brasil foram terras que pertenciam aos nossos
ancestrais nativos, os quais se miscigenaram com
brancos portugueses e deram origem a nós, os
mestiços, depois havendo também miscigenação com
pretos africanos, originando também mestiços. Estes
filhos mestiços eram tão nativos quanto os seus pais
índios e herdaram deles os mesmos direitos
originários sobre a terra, sua cultura, etc.
Quem diz ser “homem branco” perde o
direito originário sobre a terra?
O direito originário dos mestiços sobre a terra
do Brasil não vem dos seus ancestrais brancos, mas de
seus ancestrais nativos. Assim, nós mestiços não
somos invasores. Nossa etnia nasceu no Brasil. Nós
O LIVRO DO MESTIÇO
106
não somos índios, mas somos também nativos porque
descendemos dos índios originais. Somos nativos
nascidos da mestiçagem. Sendo nativos, temos direito
originário sobre a terra. Não basta ser mestiço, é
preciso identificar-se como mestiço para ter direito
originário. Há mestiços que se identificam como
brancos. Quando eles afirmam ser brancos estão
afirmando que não são nativos e assim estão negando
sua ancestralidade nativa e por conseqüência estão
negando seu direito de origem sobre a terra.
Com isto criam uma imagem falsa da realidade
que serve para lançar a opinião pública contra os
mestiços e atuar juridicamente contra nossos direitos,
entre eles os direitos de origem dos mestiços sobre a
terra.
Título de propriedade prevalece
sobre direito originário?
Não. Há pessoas que acreditam que por
possuírem títulos de terra com oitenta, cem ou mais
de cem anos estes lhes garantirão que não serão
desalojados por processos visando à “demarcação de
terras indígenas”. Nenhum título de terra no Brasil é
mais antigo do que os direitos originários de índios
verdadeiros. Não há títulos de terra com mais de 500
O LIVRO DO MESTIÇO
107
anos no Brasil. Somente os direitos originários dos
mestiços são tão antigos quanto os dos índios, pois os
dois têm a mesma origem. Em diversos casos,
populações mestiças habitam há mais tempo a área
onde os indigenistas desejam criar um território
exclusivo para índios do que o povo índio (verdadeiro
ou suposto) para o qual desejam entregar a área.
Ocorre, inclusive, dos índios serem provenientes de
outros países que migraram para o Brasil e para áreas
onde mestiços já habitavam.
Há outros povos mestiços no mundo?
Sim. A Constituição do Canadá e o Estatuto do
Departamento Autônomo de Santa Cruz, na Bolívia,
são, inclusive, exemplos de reconhecimento legal da
identidade mestiça. No Brasil, o povo mestiço
organizou a sua associação, o Nação Mestiça, e vem
conquistando o reconhecimento de nossa etnia e
enfrentando o racismo antimestiço e antibrasileiro
que está sendo implantado no país por grupos
racistas. Este é um país mestiço e cabe a nós mestiços
enfrentarmos os racistas que desejam tomar nosso
Brasil, nos expulsar de nossas terras, fazer de nós
estrangeiros em nosso própria Pátria, eliminar o povo
mestiço e destruir a Nação brasileira que nossos
O LIVRO DO MESTIÇO
108
ancestrais índios, brancos e pretos fundaram pela
mestiçagem.
Por que o indigenismo é contra
mestiçagem?
O indigenismo na sua versão latino-americana
apresenta-se como uma generosa crítica ao
colonialismo branco europeu na América e como uma
busca de recuperação dos povos índios do continente
atingidos por aquele. O posicionamento desta
ideologia em relação à mestiçagem, porém, é
revelador.
Movimento indigenista não é movimento
índio – ou movimento indígena, como costuma ser
denominado pelos indigenistas -, mas movimento de
não-índios, destacadamente de brancos, que tem por
objeto os índios. O indigenismo é um conjunto de
discursos ideológicos de não índios relativos aos
índios. ‘Movimento indigenista’ e ‘indigenismo’ têm
diversas definições, mas no Brasil e em outros países
latino-americanos acrescenta-se o elemento de serem
alegadamente simpáticos e favoráveis aos índios.
Segundo o antropólogo Mércio Gomes, ex-
presidente da Fundação Nacional do Índio e
indigenista, são
O LIVRO DO MESTIÇO
109
“visões ideológicas que norteiam a questão
indígena brasileira, que criam modos de
pensar e agir sobre os povos indígenas, do
ponto de vista daquelas pessoas e agentes que
não são indígenas.”
No declarado intento de sanar dívidas reais ou
supostas dos brancos para com os índios, o
indigenismo afirma que a mestiçagem foi um dos
males causados pelo homem branco, pois teria sido a
‘culpada’ pelo desaparecimento de diversos povos
pré-colombianos.
Para tentar reduzir os ‘danos’ causados pela
colonização branca, o indigenismo não propõe o
desaparecimento do ‘homem branco’ do continente
pela emigração ou sua nativização, como
voluntariamente sucedeu com os colonizadores
portugueses pela mestiçagem (também estimulada
por índios através do cunhadismo); nem defende o
óbvio, que os atuais brancos brasileiros, descendentes
de imigrantes, convivam com os não-brancos com os
mesmos direitos e deveres de nacionais.
Em vez disso, o indigenismo defende o
desaparecimento étnico, cultural e nacional dos
mestiços como forma de pagar a alegada dívida dos
brancos para com os índios e a promoção da
segregação territorial entre índios e não índios.
O LIVRO DO MESTIÇO
110
O fato da etnia mestiça ser formada por
descendentes dos índios dominados e escravizados
por colonizadores europeus é simplesmente
desprezado.
Como conseqüência, o suposto ressarcimento
não só não é pago àqueles teriam direito a ele, como
“é feito” em prejuízo dos mesmos.
Indigenismo brasileiro e apartheid sul-
africano: isolamento racial para preservação branca
O indigenismo brasileiro tem influência do
indigenismo sul-africano, o verwoerdismo, a
ideologia do sistema de apartheid implantado na
África do Sul.
O antropólogo indigenista Darcy Ribeiro, em
seu livro O povo brasileiro, chega a elogiar o apartheid:
“É preciso reconhecer (…) que o apartheid tem
conteúdos de tolerância que aqui se ignoram.
Quem afasta o alterno e o põe à distância maior
possível, admite que ele conserve lá longe, sua
identidade, continuando a ser ele mesmo. Em
consequência, induz à profunda solidariedade
interna do grupo discriminado, o que o
capacita a lutar claramente por seus direitos
sem admitir paternalismos. Nas conjunturas
O LIVRO DO MESTIÇO
111
assimilacionistas, ao contrário, se dilui a
negritude numa vasta escala de gradações, que
quebra a solidariedade, reduz a
combatividade, insinuando a ideia de que a
ordem social é uma ordem natural, senão
sagrada.”
Para o verwoerdismo latino-americano, paga a
conta do branco e eliminado o mestiço, todo ‘mundo’
será índio, exceto quem for branco: como se
voltássemos a 1492.
Na Bolívia, a criação de um Estado pluri-
nacional indígena e com a eliminação oficial dos
mestiços é um reflexo disso. No Brasil, essa ideia de
recomeço é exibida neste trecho de uma entrevista
do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro;
o professor titular do programa de pós-graduação em
antropologia social no Museu Nacional da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, identificando-se com os brancos que
chegaram ao Brasil há 500 anos, afirma que:
“Na geofilosofia, o que me interessa não passa
pela brasilização, não brasilização,
nacionalização, não nacionalização da filosofia
ou do que quer que seja. Porque isso é patético,
é uma coisa triste, e termina em uma camisa
verde, um integralismo, uma teoria da
O LIVRO DO MESTIÇO
112
mestiçagem, uma merda dessas qualquer. O
que me interessa é pensar o que há, vamos
chamar assim, de interessante, de novo, de
possível no continente americano, nesse
pedaço do planeta. E o que há de novo é o que
há de antigo. O que há de novo tem 500 anos,
são os índios. Quer dizer, tem 500 anos que nós
‘descobrimos’, e 500 que nós ignoramos.”30
Ou seja, como se o português Pedro Álvares
Cabral tivesse chegado hoje a este ‘pedaço do
planeta’, onde havia índios – e, a partir de então,
brancos -, mas não mestiços; um território sem
mestiçagem, sem uma nação mestiça, sem Brasil, sem
cunhadismo, com nada que propicie mistura.
Da mesma forma que o tutelamento de índios
sob o pretexto de protegê-los e a aversão a mestiços
não são fatos recentes, o indigenismo latino-
americano não surgiu semana passada.
Lévi-Strauss: a supremacia da diversidade
sobre a mestiçagem
30 Barcellos, Larissa, and Cleber Lambert. “Entrevista Com Eduardo Viveiros De Castro.” Primeiros Estudos 0, no. 2 (2012): 251. doi:10.11606/ISSN.2237-2423.V0I2P251-267.
O LIVRO DO MESTIÇO
113
De nacionalidade francesa, o antropólogo
Claude Lévi-Strauss veio para o Brasil em 1934 para
lecionar na Universidade de São Paulo (USP).
Nesta época, realizou estudos entre índios
brasileiros de diversas etnias. Destes estudos, resultou
o livro Tristes Trópicos, publicado em 1955.
Para Lévi-Strauss, a importância de preservar
a diversidade não se devia ao seu conteúdo em si, mas
à necessidade de evitar a estagnação da humanidade
que ocorreria, segundo ele, caso esta se tornasse
homogênea:
“É a diversidade que deve ser salva, não o
conteúdo histórico que cada época lhe deu e
que nenhuma poderia perpetuar para além de
si mesma”.
Para Lévi-Strauss não é a preservação da
cultura portuguesa, inglesa, guarani ou macuxi que
seria necessária à humanidade, mas as próprias
diferenças culturais: onde houvesse homogeneidade
deveria ser promovido diversidade.
Uma conclusão inevitável das ideias de Lévi-
Strauss é que uma sociedade com diversidade é
superior a uma sociedade mestiça: a diversidade é por
essência um bem e a mestiçagem, que tende a
homogeneização, por essência um mal.
O LIVRO DO MESTIÇO
114
Uma comunidade portuguesa vizinha a uma
comunidade de etnia índia, p. ex., interagindo com
ela, mas não se homogeneizando, seria algo benéfico
à humanidade, enquanto a miscigenação entre elas,
mesmo espontânea, gerando uma única comunidade
étnica e cultural mestiça seria decadente:
“Há cerca de sessenta anos, o pintor Cuido
Boggiani, que viajava no sul brasileiro,
resolveu visitar uma pequena capital indígena
situada em meio a pântanos, do lado esquerdo
do Rio Paraguai. Precisou viajar, por muito
tempo, em piroga através de pradarias
inundadas pelas chuvas, mas quando chegou
a Nalike, centro da civilização kadiwéu, um
estranho espetáculo o aguardava. Encontrou
uma das últimas tribos descendentes da
grande nação guerreira Guaicuru, que os
missionários do século XVII haviam descrito.
Em vastas casas coletivas sem paredes, viu
moças de cabelos pretos cortados curtos, belas
como ídolos da Ásia, cujos pescoços, punhos e
tornozelos eram cobertos de jóias de metal
recortado. Viviam nuas e passando os dias a se
cobrir mutuamente o corpo inteiro e o rosto
com uma rede de arabescos pintados, de uma
finura e de uma elegância inesquecíveis, que
O LIVRO DO MESTIÇO
115
lembravam aos antigos jesuítas os mais raros
tapetes da Pérsia. (…) Pouca coisa subsiste ao
antigo esplendor, e os poucos objetos de estilo
autêntico que se verá nessas vitrines são os
últimos de uma cultura já mona. (…) Nalike
não passa de uma aldeia de mestiços, na qual
unicamente algumas velhas mulheres
conservam as antigas tradições.”31
Gobineau: a mestiçagem levaria à decadência
da humanidade.
Mais de sessenta anos antes de Lévi-Strauss, o
filósofo Arthur de Gobineau também viera ao Brasil e,
como ele, também associava a homogeneidade à
decadência da humanidade.
Para Gobineau, a mestiçagem levaria à
decadência porque faria a raça branca, em especial a
ariana, desaparecer.
Em Raça e história, escrito para a UNESCO,
que a publicou em 1952 numa série dedicada ao tema
do racismo, Lévi-Strauss destaca que Gobineau via as
raças não em termos de superioridade em relação a
características comuns a todas, mas como desiguais
por qualidades específicas:
31 Lévi-Strauss e Lévi-Strauss, 1937, p. 7, citado em Lévi-Strauss, antropologia e arte: minúsculo, incomensurável, de Dorothea Voegeli Passetti, p. 64.
O LIVRO DO MESTIÇO
116
“Não devemos esquecer que Gobineau, a
quem a história fez o pai das teorias racistas,
não concebia, no entanto, a ‘desigualdade das
raças humanas’ de uma maneira quantitativa
mas sim qualitativa. Para ele, as grandes raças
primitivas que formavam a humanidade nos
seus primórdios – branca, amarela, negra – não
eram só desiguais em valor absoluto, mas
também diversas nas suas aptidões
particulares.”
Lévy-Strauss segue um caminho próprio para
opor-se à homogeneização. Ele nega a existência de
raças, mas não de mestiços, e diferentemente de
Gobineau, que via a mestiçagem como inevitável,
Lévy-Strauss defende uma ação internacional a fim de
evitar a homogeneização de forma ampla:
“A necessidade de preservar a diversidade das
culturas num mundo ameaçado pela
monotonia e pela uniformidade não escapou
certamente às instituições internacionais. (…)
E necessário, pois, encorajar as potencialidades
secretas, despertar todas as vocações para a
vida em comum que a história tem de reserva
(…). A tolerância não é uma posição
contemplativa dispensando indulgências ao
que foi e ao que é. É uma atitude dinâmica, que
O LIVRO DO MESTIÇO
117
consiste em prever, em compreender e em
promover o que quer ser”.
Para esta ideologia, a mestiçagem é um
problema.
“O maior ‘perigo’ do ‘projeto mestiço’ seria
acabar produzindo um mundo dominado pelo
Mesmo. De muitas formas, as sociedades
contemporâneas já aprenderam a lidar com o
‘elogio do diferente’ ou o ‘elogio do Outro’,
aquilo que Jean Baudrillard identifica como
uma ‘orgia de compreensão política e
psicológica do outro’ (Baudrillard, 1990: 130).
A mestiçagem implica sempre alguma forma
de homogeneização que poderia desencadear,
por sua vez, um processo de extinção das
diferenças. Desde Raça e história, texto clássico
de Lévi-Strauss, vários importantes
organismos de relações internacionais já
transformaram em política oficial a teoria de
que as diferenças culturais (e seu ‘afastamento
diferencial’) são imprescindíveis para que a
humanidade continue a dar seus ‘saltos’
evolutivos. Lévi-Strauss afirma que ‘uma
humanidade confundida num gênero de vida
único é inconcebível, pois seria uma
humanidade petrificada’ (Lévi-Strauss, 1976:
O LIVRO DO MESTIÇO
118
365). Toda sociedade, interna e externamente,
deveria buscar um ‘optimum de
diversidade’.”32
O indigenismo, assim, não defende
explicitamente a preservação de raça branca ou de
raça indígena, ou algo similar; pelo contrário, para o
indigenismo latino-americano é “politicamente
correto” negar a existência de raças e defender a
preservação da cultura alemã, guarani, iorubá, etc., de
preferência em territórios isolados.
A promoção da diversidade no apartheid sul-
africano
O indigenismo sul-africano também não se vê
(o Apartheid acabou, mas a ideologia permanece), ou
não se assume, como uma ideologia de opressão,
mas apresenta-se como a defesa da diversidade
cultural e étnica, e mesmo libertadora dos nativos
contra opressão pelos europeus. No dizer do arquiteto
do apartheid, o ex-ministro de Assuntos Nativos da
África do Sul, Hendrik Verwoerd, sobre sua ideologia,
“Não há política de opressão aqui, mas de criar
uma situação que nunca existiu para os bantos,
isto é, que, levando em consideração as suas 32 Hermano Viana em O mistério do samba, pág. 150.
O LIVRO DO MESTIÇO
119
línguas, tradições, história e diferentes
comunidades nacionais, eles possam passar
por um desenvolvimento deles próprios. Essa
oportunidade surge para eles logo que tal
divisão é posta entre eles e os europeus dos
quais não necessitam ser os imitadores nem
capangas destes.”
O objetivo é evitar a mestiçagem
O indigenismo latino-americano não é tão
explícito na defesa da preservação do branco como o
sul-africano, mas este objetivo velado está-se
revelando, como no projeto de lei do ex-deputado
federal petista Angelo Vanhoni que visa à criação de
‘territórios brancos’ sob o argumento de que visariam
preservar culturas imigrantes… do quê?
Quais as diferenças entre
embranquecimento, enegrecimento
e mestiçagem?
Embranquecimento é uma teoria e projeto
político que defende que através de sucessivas
miscigenações entre brancos e pessoas de outras raças
estas sejam diluídas a tal ponto que a população
O LIVRO DO MESTIÇO
120
resultante possa ser considerada racialmente branca.
O mestiço, para este projeto, é somente um
intermediário que deve desaparecerá pela própria
miscigenação que lhe deu origem. Foi uma tese
explicitamente aceita e influente nos meios
acadêmicos e políticos especialmente na segunda
metade do séc. XIX e primeira metade do séc. XX e
uma das causas das políticas imigrantistas que
governos imperiais e republicanos patrocinaram a
vinda de brancos europeus para o Brasil após a
Independência.33
O enegrecimento concentra-se mais no
enegrecimento oficial, na classificação de mestiços
como sendo negros, sendo um fenômeno do séc. XX
(tratado mais detalhadamente no tópico sobre
negrismo).
33 Sete meses após a proclamação da República, o presidente Deodoro da Fonseca, p. ex., assinou o Decreto nº528, de 28/06/1890, que facilitava a imigração europeia (branca) e explicitamente dificultava a imigração de asiáticos (amarelos) e de africanos (pretos): “É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos a ação criminal de seu país, excetuados os indígenas da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos de acordo com as condições que forem então estipuladas”. Em 1908, chegaram os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. No art. 2º do Decreto nº7967, de 18/09/1945, o presidente Getúlio Vargas, duas semanas após o fim a II Guerra Mundial, mantém o mesmo objetivo: “Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na condição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia, assim como a defesa do trabalhador nacional.”
O LIVRO DO MESTIÇO
121
A mestiçagem é o processo espontâneo ou
estimulado de unificação étnica e racial na identidade
mestiça.
Embora o projeto de embranquecimento não
tenha se realizado conforme os objetivos dos seus
idealizadores, as imigrações europeias deixaram
profunda marca na cultura, na economia e no poder
político brasileiros. Grande parte dos cargos políticos
são ocupados por descendentes de imigrantes, em sua
maioria descendentes de imigrantes brancos.34
O que são territórios brancos?
A expressão faz referência a territórios que o
Partido dos Trabalhadores, através do Projeto de Lei
(PL) 3056/08 do então deputado federal Angelo
Vanhoni (PT-PR), pretende criar para descendentes
de imigrantes territórios que terão entre seus
princípios,
“a preservação dos direitos culturais, o
exercício de práticas comunitárias, a memória
cultural e a identidade racial e étnica”.
34 O médico Jorge Yanai (DEM-MT), segundo suplente do ex-senador Jonas Pinheiros, foi empossado em 6 de maior de 2010 na vaga do senador Gilberto Goellner (DEM-MT), que tirou licença de quatro meses para tratamento de saúde. Jorge Yanai foi o primeiro brasileiro de origem japonesa a assumir uma cadeira no Senado Federal.
O LIVRO DO MESTIÇO
122
Embora o projeto não especifique a raça dos
imigrantes, na prática se aplica principalmente a
brancos, a maioria dos imigrantes que vieram para o
Brasil.
O então deputado federal Mendes Ribeiro
Filho (PMDB-RS), que foi também ministro do
governo Dilma Rousseff, apresentou um substitutivo
ao projeto, propondo que
"Quaisquer empreendimentos potencialmente
impactantes ao Patrimônio Cultural que se
pretender instalar dentro da Unidade de
Preservação deverão ser precedidos de
relatório de impacto sóciocultural".
Ou seja, caso aprovado o projeto, a abertura de
uma casa de forró, de outras manifestações da cultura
nordestina, ou de qualquer outra manifestação da
cultura mestiça brasileira, poderia vir a ser de
proibida nos territórios brancos.
Há leis no Brasil que
privilegiam brancos?
A contar da promulgação da Constituição de
1988, as cotas raciais não foram as primeiras medidas
tomadas introduzindo diferenças de direito entre
O LIVRO DO MESTIÇO
123
cidadãos brasileiros segundo critérios de identidade
racial ou étnica.
A primeira legislação introduzindo sistema de
reserva de vagas por critério de cor/raça em
universidades do país foi a lei nº 3.708, assinada em
2001 pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Anthony
Garotinho, que reservava “para as populações negra e
parda” a cota de 40% das vagas nos cursos de
graduação da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF) – dois anos depois a lei foi
alterada e os pardos excluídos das cotas. A primeira
universidade federal a adotar sistema assemelhado
foi a Universidade de Brasília (UnB), não através de
uma lei, mas de uma decisão de seu Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), em 2003. Quanto
aos projetos de lei, o do Estatuto da Igualdade Racial
é de 2000 e o PL das Cotas Raciais provém do PL
73/1999, da deputada Nice Lobão (PFL-MA, atual
DEM), que não fazia inicialmente qualquer referência
a raça ou etnia, e ao qual foi apensado o PL
3.627/2004, do Poder Executivo, redigido na
administração do então ministro da Educação Tarso
Genro, e que propunha reserva de vagas
para “autodeclarados negros e indígenas”.
O LIVRO DO MESTIÇO
124
Poucos anos antes, porém, uma alteração na
Constituição Federal já havia sido feita.
Até 1994, adquirir outra nacionalidade por
naturalização voluntária resultava em perda da
nacionalidade brasileira. Naquele ano, porém, pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 3 (ECR-3), o
Estado brasileiro concedeu o direito de adquirir outra
nacionalidade, não para todos os brasileiros, mas
exclusivamente para aqueles que tivessem
reconhecimento de nacionalidade originária por lei
estrangeira. Fora desta possibilidade, só em casos de
imposição por norma de outro Estado.
Esta alteração, na prática, aplicava-se
principalmente a descendentes de imigrantes brancos
da Europa e do Oriente Médio. Nacionalidade
originária jus sanguinis deriva da ancestralidade, do
sangue, podendo a pureza de origem ser fator para
concedê-la ou não, conforme a legislação estrangeira.
A ECR-3, ao instituir a possibilidade de
múltipla cidadania, marcou o início do caminho de
incentivo à fragmentação étnica e racial do povo
brasileiro.
Significativo que na mesma emenda suprimiu-
se o direito de filhos de brasileiro nascidos no
estrangeiro de serem registrados como nacionais em
repartição competente, o que levou muitos deles
O LIVRO DO MESTIÇO
125
(milhares segundo alguns) a tornarem-se apátridas e
exigiu nova Emenda Constitucional, a nº 54, de 2007,
para ser corrigida. Este fato indica ter havida pouco
ou restrito debate antes da sua aprovação.
Ao admitir que haja status diferenciado na
cidadania por um critério como o reconhecimento de
uma nacionalidade originária, o Estado cria um
espaço para que sejam estabelecidos outros e diversos
critérios, dentre eles o racial, na concessão de direitos
entre nacionais. A idéia de cidadania foi (e ainda é)
promissora por conceder a pessoas de povos, etnias,
cores, raças, religiões diferentes, o
mesmo status diante do Estado nacional. Uma
cidadania comum serve para evitar conflitos tribais,
religiosos, étnicos, etc. Quando se abre uma exceção,
abre-se um reduto para disputas. É a cidadania
rigorosamente idêntica que iguala o valor de cada
nacional diante da sociedade e do Estado.
O comunismo é racista?
O racismo está ligado ao marxismo desde sua
origem. Sua ideologia filosófica, o materialismo
dialético, é evolucionista e defende que as idéias, e os
valores (inclusive o valor do ser humano) são
produtos da matéria.
O LIVRO DO MESTIÇO
126
No início do movimento comunista, quando
racismo era algo socialmente aceito, incentivado e
escandalizava quase ninguém, este não se dava ao
trabalho de esconder este aspecto e mantinha
colaboração com movimentos eugenistas e racistas,
inclusive o nazista, que só foi encerrada no início da II
Guerra Mundial. Os próprios Karl Marx35 e Engels
deixaram registro de seus próprios sentimentos sobre
o tema.
Um exemplo disto foi o evento ocorrido na
África do Sul, a Revolta Vermelha.
No início do séc. XX, a indústria de mineração
sul-africana distribuía racialmente seus cargos de
modo que os brancos ocupavam as funções mais
qualificadas e de direção, cabendo aos pretos e aos
Coloureds, como são denominados os mestiços sul-
africanos, as posições com remuneração menor.
No início da década de 1920 a economia
mundial estava ainda enfraquecida pela I Guerra
Mundial. Na África do Sul houve uma desvalorização
do preço do ouro. Os empresários do setor decidiram,
então, reduzir o número de trabalhadores, tanto
35 [1] Carta de Marx a Engels, em 30 de julho de 1862. Marx está-se referindo a Ferdinand Lasalle, um dos líderes socialistas da Alemanha. O mesmo texto também é citado por Francis Wheen, Karl Marx, trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro: Record, 2001, p.58. [2] Carta de Marx a Amalie Daniels, em Colônia. Enviada de Londres e datada de 6 de setembro de 1855. Fonte: MECW Volume 39, p. 548. Primeira publicação: Marx and Engels, Works, 1934.
O LIVRO DO MESTIÇO
127
brancos quanto pretos e mestiços. Outra medida para
reduzir os custos de produção foi aumentar o
percentual destes últimos, permitindo a eles
ocuparem cargos reservados até então aos brancos.
Isto ia contra a corrente. Desde 1918, os
trabalhadores brancos haviam conseguido estabelecer
um acordo com os empresários que vedava aos pretos
e mestiços preencherem uma vaga que fosse ocupada
por um trabalhador branco.
Diante da crise, porém, os empresários
decidiram abandonar o acordo. Demitiram 2.000
trabalhadores brancos semiqualificados e
contrataram por um preço menor trabalhadores
pretos e mestiços.
A atitude atiçou hostilidades. Pouco a pouco
manifestações de protesto foram ocorrendo,
inicialmente pontuais até, em 1922, explodir em
rebelião.
Atendendo ao líder do Partido Comunista da
África do Sul, William H. Andrews, o popular
“Companheiro Bill”, os trabalhadores brancos
comunistas iniciaram uma greve geral.
O Partido Comunista da África do Sul era
filiado ao Comintern de Lênin. Era um reduto
exclusivo para trabalhadores brancos que
alcunhavam a si mesmos como ‘vermelhos’. A famosa
O LIVRO DO MESTIÇO
128
convocação de Karl Marx era declamada com um
acréscimo esclarecedor:
“Trabalhadores do mundo uni-vos e lutai por
uma África do Sul branca!”
Nada de excepcional, considerando que o pai
do comunismo também não destoava desta
mentalidade.
Acendida a Revolta Vermelha, uniram-se ao
movimento os trabalhadores das minas de ouro de
East Rand, na atual cidade de Joanesburgo, batizando
a revolta, que ficou também conhecida como Rebelião
de Rand.
Manifestação comunista contra trabalhadores mestiços e pretos, durante a Revolta Vermelha, liderada pelo Partido Comunista da África do Sul.
O LIVRO DO MESTIÇO
129
"Trabalhadores do mundo uni-vos e lutai por uma África do Sul branca", afirma o banner (em destaque).
Outros trabalhadores foram-se unindo ao
movimento. Além da agenda racista, alguns também
defendiam o rompimento completo com a Inglaterra
e a implantação de uma república.
O Partido Nacional, que viria no futuro a
implantar o regime do apartheid, recusou participar
da rebelião.
Grupos armados organizaram barricadas e
ocorreram ataques contra pretos e mestiços. Os
rebeldes tentaram tomar a cidade de Joanesburgo e
com este fim buscaram a abundante munição
existente para uso nas minas.
Os comandos vermelhos encorajaram os
rebeldes a conseguir armas com os mineiros brancos
sob o pretexto de defenderem mulheres e crianças de
ataques por pretos.
Agindo com extrema violência, os comandos
vermelhos detonavam explosões pela cidade. Para
sufocar a rebelião, o governo enviou a artilharia e a
força aérea.
A revolta foi declarada encerrada em 18 de
março, com cerca de 200 mortos e 1.000 feridos.
Quatro líderes foram condenados à morte. Consta que
O LIVRO DO MESTIÇO
130
antes da execução, os condenados teriam cantado o
hino da revolta, “A bandeira vermelha”.
Como consequência do episódio, leis de
aumento das oportunidades para trabalhadores
brancos foram estabelecidas: a Mines and Works
Amendment Act, de 1926, firmou o princípio da
barreira de cor para determinados cargos na indústria
mineira.
Este fato histórico pode surpreender alguns,
mas não deveria; isto se deve à pouca divulgação do
mesmo e indica como a seleção do que é ou não
ensinado nas escolas passa por um crivo ideológico e
político.
A idéia de que o comunismo seja anti-racista
não tem base histórica nem na própria ideologia nem
no materialismo dialético, a corrente filosófica
marxista.
A Revolta Vermelha também é importante
para desfazer um preconceito arraigado no Brasil por
anos de doutrinação marxista: a de que o comunismo
seja radicalmente anti-racista. Este preconceito tem
permitido o racismo ser implantado no país, com
terríveis sofrimentos para milhares de famílias
brasileiras, em sua maioria pessoas carentes.
Este preconceito anestesia e faz a maioria das
pessoas sentirem-se seguras de que, simplesmente
O LIVRO DO MESTIÇO
131
por ser apoiada por uma facção comunista, a mais
segregacionista das políticas raciais não tem qualquer
motivação ou objetivo racista.
A Revolta Vermelha, destaque-se, não foi uma
manifestação isolada de racismo comunista. O
nazismo não é neto do comunismo por acaso.
A instalação pelo PT de políticas de distinção
racial de direitos entre brasileiros, a exemplo da
promoção do indigenismo e das limpezas étnicas que
o acompanham, e sua ação contra mestiçagem, não é
um desvio casual, mas algo plenamente compatível
com o comunismo, uma ideologia que não tem caráter
e cujo discurso muda conforme a conveniência.
O LIVRO DO MESTIÇO
132