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O MEDIUM “COISA” E AMEDIATIZAÇÃO HUMANA

autorSIMÃO MONTEIRO

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APHOMOIOO INSTITUTE

www.aphomoioo.org

TÍTULO: O MEDIUM “COISA” E A MEDIATIZAÇÃO HUMANA

AUTOR: SIMÃO MONTEIRO

CAPA: APHOMOIOO INSTITUTE

PUBLICAÇÃO: APHOMOIOO INSTITUTE

ISBN 000-000-000-000-0

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ÍNDICE

1. Introdução …………………………………………………… 04

2. O conhecimento individual humano e a realidade 07

3. As representações e as metodologias formativas da realidade 10

4. A realidade coisificada: o medium e a mediatização …… 13

5. Conclusão …………………………………… 17

6. Referências Bibliográficas …………………………………… 19

7. Glossário …………………………………… 21

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1. Introdução

Nós – os homens – vivemos em um mundo constantemente (re)criado através de

metodologias de transformação (formatação activa – mediatização) que, alteram os elementos da

φυσις (physis)1 transformando-os em “coisas” artificiais. Esta práxis humana, instaura uma

existência social profundamente vinculada a φυσις (physis) que artificializa. Sendo certo que,

assim vivem os homens – produzindo e acumulando experiências – enfim, transformadas em

conhecimentos que, coligidos, necessitam de ser armazenados, divulgados e transmitidos de um à

outro indivíduo.

Consequentemente, gerando uma institucionalização própria à historicidade produtiva destas

“coisas” – consideradas essenciais à sobrevivência e manutenção da existência humana – dando

forma para uma necessidade de formatação (mediatização) destes conhecimentos e de toda

informação acerca das “coisas” e de sua contextualização através das relações sociais, com a

finalidade cultural de armazenar, ao mesmo tempo que divulga e propaga, esse conhecimento

considerado indispensável à manutenção da vida.

Deste modo, os homens são participantes activos na φυσις (physis), sendo esta a forma da

sua participação que, curiosamente, permanece como uma solução condicionada e artificializada,

estabelecida segundo um modelo de transformação metodológica (mediatização) que, convertendo

os elementos naturais em “coisas”, mantém uma vinculação dos homens às regras estabelecidas

pela φυσις (physis) que lhe são parcialmente conhecidas, mas fundamentalmente uma parte

indissociável da sua existência. Entretanto historicamente, como tudo acontece em conformidade1 Palavra que em grego significa “natureza”, utilizada em nosso ensaio com o mesmo significado mas com a

conotação de “coisa”.

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com as condições técnicas conhecidas (medium), por conhecer ou desenvolver, alicerçamos à

manutenção histórica desta tensão originária natural / artificial noções super-estruturais de

propriedade, o que faz com que um sentido de apropriação da φυσις (physis) instaure-se,

ocultando a verdadeira historicidade originária do homo-sapiens-sapiens tanto ao homo-faber

quanto ao homo-economicus.

Infelizmente, esse ocultamento historicista, impede o estabelecimento de uma dinâmica

formal de mútua compensação (natural / artificial) que busque pelo equilíbrio indispensável à

perpetuação da relação tensional originária. Contrariamente, e como consequência histórica, a partir

da relação tensional original, estabeleceu-se uma condição que permitiu, e ainda permite, aos

homens “parasitar” a natureza em prol das suas necessidades “ideologistas” (mediatização), o que

poderá determinar o aniquilamento das condições históricas naturais originárias indispensáveis da

φυσις (physis) à perpetuação e manutenção existencial da espécie humana.

Assim, o que pretendemos com este ensaio é, de um ponto de vista hermenêutico,

argumentar acerca do sentimento de dominação humana da φυσις (physis) e sobre as causas

estruturais para esta base-estruturação, como também, de um ponto de vista histórico-linguístico,

argumentar acerca da noção de medium enquanto “coisa” (meio técnico comunicacional) que

alicerça as relações sociais e fundamenta toda formatação activa enquanto mediatização,

condicionando um reducionismo à todo conhecimento e informação que impede o “salto” do

humano contemporâneo para o devir do humano, enquanto sentido humanidade2. Deste modo, a

acção (formatação activa – mediatização) de armazenar, propagar e divulgar o conhecimento com

auxílio de um meio técnico (medium), será tomada tanto como ponto de partida, quanto de chegada2 Existência humana desvinculada da condição superestrutural “propriedade”.

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para compreensão da historicidade inerente a toda formatação activa reducionista (mediatização),

considerada imprescindível e vital para perpetuação de uma necessidade super-estrutural.

Para tanto, conduziremos nossa investigação primeiramente pelo conhecimento individual

da realidade, procurando identificar e categorizar as noções de conhecimento, indivíduo e realidade

a partir de um ponto de vista representacional; seguindo com as representações e as metodologias

formativas da realidade com a finalidade de definir a natureza social da mundanidade através dos

modelos representacionais estabelecidos; continuando através da realidade coisificada: o medium e

a mediatização procurando distinguir as metodologias representativas das metodologias projectivas

com a finalidade de definir a natureza de nossas acções de coisificação enquanto acontecimentos de

significação; para concluir buscando por uma argumentação que conduza o leitor por um inesperado

caminho relativamente às condições da sua própria existência enquanto indivíduo humano.

Para finalizar esta introdução, declaramos que, inicialmente, a decisão pela construção deste

ensaio foi inspirada pela visão benjaminiana da physis e da humanidade enquanto espécie – ainda

mantidas neste ensaio – do que evoluiu para uma autonomia argumentativa inspirada pelas idéias e

princípios de Walter Benjamin. Assim, partindo do ideal da técnica como capacitação para

dominação da natureza, influenciamo-nos pela visão da técnica não como dominação da natureza,

mas a técnica como dominação de uma relação, desta maneira conduzindo-nos até a mediatização

enquanto representação que formata a realidade através de uma relação.

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2. O conhecimento individual humano e a realidade

Portanto, para situar melhor este nosso ensaio, vamos considerar que todo conhecimento é

uma fracção representável da realidade. Assim, porque entendemos o conhecimento como algo que

“eclode” a partir de um “fazer” infinitivo e impessoal dos homens estabelecido como acção de

conhecer (acontecimento de significação). Defendemos que está φυσις (physis) de nossa

organização enquanto seres vivos é o que fundamenta as nossas relações mundanas (mediatização),

estruturando e organizando (medium) as nossas relações sociais.

Uma “manobra” do conhecer que constitui a natureza (physis) de nossa existência cognitiva,

“algo” que impõe uma forma à realidade (mediatização) através de um “fazer” sobredeterminado

das “coisas”. Portanto, uma realidade que se expressa representativamente como “algo”

correspondente a essência de um ser conceitualmente estabelecido como substância, não expressa

na forma de sua aparência, mas na substancialidade da sua existência, “preenchendo” a consciência

dos homens, através de uma imagem estruturante3, e cumprindo a sua função em conformidade com

a noção actual de “idéia”. O que nos permite concluir que, todo conhecimento da φυσις (physis) é

uma assimilação individual acontecida através de experiências de satisfação4, que são transformadas

em imagens na mente5 dos homens, sendo isto o que estabelece toda ergogenia6 pensante humana

actual.

3 Defendemos a hipótese de que imagens estruturam os discursos e todas as formações fonéticas.4 Experiência sensível que qualifica a energia psíquica necessária para realização de uma determinada actividade.5 Para Voltaire uma idéia é uma imagem na mente. Conforme Carlos Vidal em Invisualidade da pintura: história de

uma obsessão (de Caravaggio a Bruce Nauman), fonte http://repositorio.ul.pt/handle/10451/2409, capítulo 9, página488.

6 A origem daquilo com que alguém esta ocupado.

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Assim, podemos estabelecer que, para conhecer é preciso experienciar e experimentar

individualmente a φυσις (physis), a fim de estabelecer uma “idéia” mundanidade (uma ergogenia

enquanto condição humana do trabalho7). Sendo este o saber historicista que estabelece a realidade

conhecida segundo uma organização linguística, metodológica e técnica. Diante do que, podemos

considerar metodológica toda e qualquer experiência de satisfação tornada numa representação que,

fenomenologicamente, estrutura um conhecimento segundo uma forma símbolo (mediatização).

Portanto, o metodológico perpassa o fenomenológico para transformar uma experiência de

satisfação numa representação que constitui uma expressão formal da realidade. Um

comportamento mundano que estrutura um conhecimento segundo uma forma infinitiva individual

(acção de conhecer), estabelecendo, através de uma experiência de satisfação, um conhecimento

enquanto uma “idéia” realidade (imagem).

Temos então, a natureza de nossa organização enquanto seres vivos (acoplamento estrutural

linguístico8) que fundamenta as nossas relações com o mundo (physis) em bases linguísticas,

estruturando e organizando (medium) as nossas relações sociais e estabelecendo uma forma

individual humana de conhecer que se instala como um elo entre a φυσις (physis) e o linguístico

através de uma imagem, o que, em termos lacanianos, como uma representação, existe entre a

condição animal tópica (imaginário) e a condição humana (esvaziamento do imaginário), entendido

o humano como um tópico de transformação estrutural da linguagem por excelência. Entretanto,

7 Actividade proposta por Hannah Arendt, que corresponde ao artificialismo da existência humana. A condiçãohumana do trabalho produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural.Hannah Arendt em A condição humana, editora Relógio D'água, página 19.

8 Organização autónoma de nossa deriva filogenética e ontogenética com conservação das adaptações. Ver nosanexos o glossário correspondente.

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não cabendo, aos homens a parte dinâmica das transformações, mas tão somente a condição tópica

de toda a dinâmica de transformação linguística, o que faz dos homens o limite activo de todos os

interactivos tópicos lacanianos (real, simbólico, imaginário)9, cabendo aos estruturantes linguísticos

as condições históricas das transformações formativas da linguagem. Assim, todo “fazer” humano

(“coisa” – medium) é uma acção dos homens (conhecimento – mediatização) enquanto condição

tópica, cabendo a parte dinâmica das transformações às metodologias linguísticas.

9 Ver no glossário o verbete correspondente.

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3. As representações e as metodologias formativas da realidade

Como já vimos, é a capacidade humana para representar o que esvazia o imaginário,

tornando-o no real (imaginário esvaziado). Mas as representações do mundo não existem no real, o

que existe no real é somente um “atrator” – angústia (acção) – para o “elo” – ego (imagem).

Portanto, no real não há realidade, somente um vazio determinado pelos marcadores representativos

ego (imagem) e angústia (acção). Assim, não são reais as representações mas antes, representações,

ou seja, expressões imagéticas provocadas pela capacidade humana para expressar experiências de

satisfação, que esvaziam o imaginário através do real estabelecendo a mundanidade, como uma

realidade tópica no simbólico. Portanto, as representações são projecções do simbólico expressas na

realidade mundana na forma de “coisas”, sendo este o processo de artificialização do mundo

próprio a toda fenomenologia linguística.

As representações existem na mundanidade, entendida a mundanidade também como uma

representação. Porém, a mundanidade é uma representação de natureza tópica, ou seja, uma

existência material que enquanto realidade é uma imagem em conformidade com a materialidade de

uma “idéia”. Assim, temos o esvaziamento do imaginário que estabelece o real e “empurra” toda

representação para a orla do real instaurando o simbólico, o “lugar” da realidade. Portanto, o âmago

do real é a tópica dos marcadores representativos ego (enquanto “elo”) e angústia (enquanto

“atrator”), ou seja, toda imagem submetida a um processo de representação tem dois pólos

imagéticos, um representável expresso na realidade enquanto representação e outro não

representável expresso no real enquanto “elo” através do ego, tendo a angústia como “atrator” de

toda acção presente nas estruturas linguísticas.

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Assim, sabemos que toda imagem para tornar-se representação submete-se a um processo

imagético bipolar estabelecido na forma de um recalcamento, o que implica que toda a

mundanidade é constituída desta maneira e tem esta forma enquanto limite activo de todos os

interactivos tópicos representacionais lacanianos (homens).

Ora, quando construímos “coisas” – estamos a desenvolver uma representação – lidamos

com realidades instituídas segundo este par imagético bipolar, condicionando as nossas acções

segundo acontecimentos de significação tópicos, inerentes ao real lacaniano. Portanto, enquanto

acção estrutural linguística, a “coisa” resultante da construção pretendida (produto), topicamente

apresenta-se enquanto simbólico realizado (representação – “coisa”), tendo um “elo” (ego) assim

como um “atrator” (angústia) no âmago do real, que estabelece esta “coisa” construída como

produto de uma condição desejante activa do humano, permitindo-nos concluir que a construção de

uma “coisa” sempre decorre de um acto do desejo estabelecido interactivamente enquanto “idéia”,

sendo esta também a φυσις (physis) da mundanidade.

Assim, ao lidar com o simbólico realizado, ou seja, com o simbólico (orla do real) enquanto

tópica das projecções activas tensionais da dimensão real / imaginário, estamos a lidar com um

tópico sem dimensão, incomensurável portanto, posto que é o topos por excelência de toda

realidade, o “lugar” para o “tudo”, o topos de todo haver. O que nos permite afirmar que, enquanto

existência linguística, o real não é o oposto do imaginário, mas o seu complementar linguístico,

entendida toda acção de transformação formativa como o que se opõe ao imaginário enquanto

existência ergogênica.

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Então, a realidade é sempre o (des)conhecido – imaginário / real – “empurrado” para a orla

do seu esvaziamento (simbólico), tornado então no conhecido-linguístico (representação)

dignificado através de uma forma conhecimento enquanto realidade.

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4. A realidade coisificada: o medium e a mediatização

O que defendemos é que em nossos dias as “coisas” já não são representações, outrossim

acções metodológicas formativas, ou seja, projecções. Uma representação caracteriza-se pela

materialização de uma imagem enquanto recorte do imaginário que assim estabelece o seu

esvaziamento (real) definindo-se enquanto representação no simbólico. Sendo que hoje, ao

representarmos, o que temos é uma culturalização, ou seja, a projecção de uma “idéia” que, dada a

sua natureza metodológica, transforma uma projecção discursiva (formatação) numa verdade

cognitiva que se expressa enquanto representação, ou seja, a projecção de uma formatação

metodológica numa representação, uma coisificação, que através da “coisa” (medium) estabelece-se

enquanto mediatização (acção metodológica formativa) – uma formatação activa.

Não estamos com isto a problematizar a construção das “coisas” humanas desde os

primórdios dos primeiros artefactos hominídeos até aos nossos dias industrializados, o que

procuramos perceber é o processo no qual estamos envolvidos com o fim de aprender acerca das

suas consequências. Mas curiosamente, ao falarmos de “coisas”, estas questões ficam menos

evidentes do ponto de vista daquele que faz uma “coisa”, ou seja, do ponto de vista do artífice, do

operário ou do cidadão, porque todo processo de “fazer” (representação) é também um processo de

“reproduzir” (projecção), restando-nos a questão do ponto de vista daquele que utiliza a “coisa”,

porque aquele que utiliza (utente), coisifica o objecto (“coisa”) utilizado já que procura “usar” a

“coisa” através de um conhecimento da “coisa” que lhe empreste sentido, procurando perpassar a

materialidade do objecto “coisa” em busca de uma “idéia” (utilização).

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Sendo esta a nossa interrogação, ou seja, utilizar o objecto “coisa” procurando “usar” a

“coisa” através de um conhecimento que lhe empreste sentido (medium), procurando perpassar a

materialidade do objecto em busca de uma forma discursiva acerca do objecto que o torne

cognoscível (mediatização).

Realmente o que aqui se contrapõe é a realidade (medium) ao simbólico (mediatização), ou

seja, a realidade enquanto uma acção de cognição concretizada numa “coisa”, contraposta ao

simbólico enquanto inferência discursiva intelectiva, o primeiro que busca através dos sentidos por

uma forma expressiva contraposto ao segundo que empresta forma aos sentidos expressando-os

objectivamente. De um lado o saber cognitivo expressado através de uma “coisa” (medium), e do

outro, uma argumentação insofismável expressada enquanto sentimento de exaltação

(mediatização), uma coisificação (intelecção), ou seja, a transformação argumentativa do conhecido

própria à mundanidade imposta pela nossa condição intelectiva, isto é, o silêncio imposto pelo

“belo”10 que supera a inquietude própria de qualquer conhecer.

Agora, para continuarmos a avançar em nossa argumentação, precisamos retomar a noção de

imagem, o ειδωλον11 (eidolon) em nossos dias, pois já compreendemos uma idéia enquanto imagem

expressiva da realidade. Assim, como já tratamos das afinidades entre a palavra imagem (ειδωλον -

eidolon) e o termo idéia. Agora, vamos pensar a nossa argumentação a partir da palavra ícone

(εικων - eikon).

10 Experiência de natureza subjectiva e individual.11 Substantivo grego que significa imagem, réplica. Dicionário Bíblico Strong.

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Ícone (εικων - eikon) é uma palavra grega derivada da palavra εικω12 (eiko) que significa

“ser como”, mas esta imagem que “é como” é uma imagem débil (cópia) de uma imagem matriz.

Portanto, se através de ειδωλον (eidolon) “vemos para conhecer”, através de εικων (eikon) “vemos

para manter permanente uma inexistência” (forma morta), uma debilidade13. A cópia de uma

imagem matriz finita (modelo) na tentativa de tornar infinita a sua existência material enquanto

matriz, uma memória (imaterial) que toma materialidade numa idéia (forma), tornando uma

existência imaterial numa materialidade, uma realidade já não existente em busca de sua

perenização enquanto imagem (mediatização).

Em nossa investigação, a palavre ícone (εικων eikon), o “ver para tornar permanente o

inexistente” (forma morta), é sempre um acontecimento passado e entendemos que o tempo, apesar

de cognoscível, é também uma representação. Sendo assim, passado, presente e futuro são

realidades simbólicas e enquanto tal, apesar da sua cognoscibilidade, somente podem existir como

realidades linguísticas e portanto como representações discursivas (mediatização), um objecto de

existência contextual e como tal um consubstanciador mundano. Chegamos enfim ao momento em

que podemos, partindo de toda argumentação teórica até aqui desenvolvida, lidar com uma

representação na mundanidade com a finalidade de estabelecer a sua projecção discursiva tomada

como verdade cognitiva (mediatização) em um mundo que expressa os discursos através das

sensibilidades transformando o cognoscível em sentimento discursivo, ou seja, impondo um

silêncio ao tempo que supera a inquietude própria de toda existência temporal.

12 Substantivo grego que significa imagem, figura, semelhança. Dicionário Bíblico Strong.13 Em decorrência da sua matriz etimológica. Dicionário Bíblico Strong.

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Seguindo ainda nesta mesma linha de argumentação, a imagem matriz finita (modelo) que se

quer representar enquanto ícone (εικων eikon), existiu temporalmente contextualizada e ao tomar a

forma de uma imagem (cópia), tornou-se num discurso silencioso sobre um tempo

descontextualizado, ou seja, numa “narração pouco ou nada semelhante à coisa que quer

descrever”14. Dada esta natureza contextual de toda existência mundana, torna-se impossível

representar a temporalidade contextualizada da mundanidade através de uma imagem. Sendo este o

carácter débil do ícone (εικων eikon) enquanto imagem (cópia) que “mantém a permanência de

uma inexistência” (forma morta), uma objectivação autopoiética do protótipo neonatal15, ou seja, o

deslocamento de um sígno sem representação para a objectividade do mundo que materializa,

através de uma representação sonora expressa enquanto enunciado (“mantém a permanência de

uma inexistência”), aquilo que ficou estabelecido como uma projecção mundana (ícone). Sendo esta

a projecção que “faz” materializar a “coisa” mediatizada como uma existência virtualizada

digitalizável para um mundo dentro da mundanidade, com a sua existência imagética através de

ícones (“a manutenção permanente de uma inexistência”), como uma projecção de uma projecção

numa representação (ícone) e portanto uma coisificação (intelecção).

14 Algumas destas conclusões e a forma imposta foram inspiradas pela leitura do ensaio O terror das fábulas constantena coletânea de ensaios Os quarenta e nove degraus de Roberto Calasso, editora Cotovia.

15 Ver no glossário o verbete correspondente.

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5. Conclusão

Permitindo-nos concluir que é polimórfica a φυσις (physis) de nossa existência estrutural

linguística – nosso acoplamento – e que isto se dá devido a autopoiese dos estruturantes

linguísticos, sendo esta a condição falante do humano que caracteriza o pluralismo de nossa

existência, já que a mundanidade é habitada por homens e não pelo homem, sendo a falação a

condição humana que se exerce directamente entre os homens sem a mediação das “coisas”, assim

viabilizada enquanto discurso que, como já foi dito, são de natureza autopoiética e por isso

polimórficos.

Entretanto, as imagens (ειδωλον - eidolon), enquanto criações que expressam uma

visualidade descontextualizada da realidade, assim como os ícones (εικων - eikon), sempre foram

temidos pelos “pensadores” desde as origens da filosofia até aos nossos dias. O facto, é que o poder

indomável das palavras nos discursos narrativos propicia, na mente, a construção de imagens, sendo

isto o que sempre foi tomado pelos “pensadores” com muito temor e precaução, ou seja, o que mais

temiam era a natureza polimórfica da linguagem dada pela sua existência autopoiética, um poder

indomável e temível, porque a linguagem que faz de mim um indivíduo é também aquela que faz de

você um indivíduo, fazendo de nós muitos indivíduos num pluralismo ditado pela autopoiese de

nosso acoplamento estrutural (estrutura da fala) que permite, através das estruturas linguísticas que

lhes é própria, a liberdade dos discursos ou uma polimorfia que expressa os nossos sentimentos

através de objectos discursivos, isto é, através da transformação dos discursos em “coisas”

mundanas (mediatização).

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Sendo esta a forma mediática (formatada activamente) dos homens relacionarem-se com a

realidade através de uma “coisa” (medium – meio técnico), estabelecendo-se uma ergogenia

cognitiva da realidade que, enquanto formatação da realidade numa representação, objectivamente

falando, é uma objectivação autopoiética do protótipo neonatal numa projecção, uma culturalização

estabelecida pela nossa condição humana da acção. Uma “manobra” do conhecer que constitui a

physis de nossa existência cognitiva enquanto substancialidade que “preenche” a consciência dos

homens.

Uma descontextualização imagética que ganha a formatação de um discurso, estabelecendo

uma forma conhecimento (“coisa”), que atravessa uma (outra) “coisa” (meio comunicacional),

estabelecendo a relação de uma “coisa” através de outra “coisa” que é técnica e “domina” a relação

destas “coisas” que, enquanto representação (conhecimento), porque a imagem descontextualizada

é coisificada (conhecimento) pelo estabelecimento da relação “coisa” que atravessa “coisa”

permitindo o armazenamento, a divulgação e a transmissão deste conhecimento (imagem) como

uma nova realidade contextualizada, esta (re)contextualização através de uma (re)formatação activa

reducionista (mediatização), instaura-se como forma super-estrutural à consubstanciação de uma

imagem num discurso (conhecimento) enquanto acção de mediatização.

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6. Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah - A condição humana, trad. Roberto Raposo. Lisboa: Relógio D’Água, 2001.

Depósito Legal nº 166158/01.

CALASSO, Roberto - Os quarenta e nove degraus, trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa:

edições Cotovia, 1998. ISBN 972-8028-65-2.

COLLI, Giorgio - O nascimento da filosofia, trad. Artur Morão. 2ª ed. Lisboa: edições 70, 2010.

ISBN 978-972-44-0973-2.

FREUD, Sigmund - Vol. XI – Artigo: O sentido antitético das palavras primitivas, [1910]

Vol. I – Artigo: Projecto para uma psicologia científica, [1895]

Vol. V – A interpretação dos sonhos

Vol. XIII – Artigo: Totem e tabu, [1913]

Todas as obras de Freud em http://www.freudonline.com.br/

KANG, Jaeho – Walter Benjamin and the media – The spectacle of Modernity. Cambrige, UK:

Polity Press, 2014. ISBN-13: 978-0-7456-4520-9.

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KRISTEVA, Julia - História da Linguagem, trad. Maria Margarida Barahona. Lisboa : Edições 70,

1980. ISBN 978-972441-41-71.

LACAN, Jacques - Seminário II, Seminário XI, Seminário XXII Fonte:

http://www.bibliopsi.org/freudLacan.php

MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco - A árvore do conhecimento, trad. Jonas Pereira

dos Santos. Campinas: editorial Psy II, 1995. ISBN 85.85.480-21-1.

MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco - De máquinas y seres vivos: autopoiesis la

organización de lo vivo, trad. Maria Luisa Santander. 6ª ed. Buenos Aires: editorial Universitária e

Grupo editorial Lumen, 2003. ISBN 987-00-0386-9.

SCHOPENHAUER, Arthur - O mundo como vontade e representação, trad. Wolfgang Leo Maar.

Edição Acrópolis, 2006. E-BooksBrasil.com

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7. Glossário

Acoplamento estrutural linguístico

O acoplamento estrutural é uma forma de interacção entre um sistema e o meio

caracterizada pelo facto de que a interacção entre esses elementos gera fenômenos que são

particularmente recorrentes ou repetitivos e que são relevantes para a manutenção da organização

do sistema. Assim, o acoplamento estrutural é “condição de existência” dos sistemas. Essa

recorrência evidencia um padrão estável de interacção, que somente se torna possível porque as

estruturas do sistema e do meio se encontram acopladas de um modo específico, e que esse ajuste é

necessário para que o sistema vivo mantenha a sua diferenciação.

Também podemos falar de um acoplamento estrutural entre sistemas imersos no mesmo

meio. Nesse caso, o acoplamento estrutural existe quando a organização desses sistemas

desencadeia uma série de fenômenos que são necessários para a manutenção da autopoiese de

ambos. Esse é o tipo de acoplamento existente entre as diversas células que compõem os nossos

organismos. Cada uma delas tem uma estrutura individual e uma organização peculiar, e a

autopoiese de cada uma delas (e também a do organismo) é baseada no facto de que essas várias

células têm comportamentos que somados permitem que cada uma delas continue mantendo a sua

diferenciação.

O modelo biológico de Maturana e Varela pode ser aplicado na explicação de diversos

fenômenos importantes. O conhecimento, por exemplo, pode ser definido como comportamento

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adequado ou ação congruente com o mundo. Do ponto de vista do fechamento operacional, nós,

seres vivos, criamos um mundo; do ponto de vista do acoplamento estrutural, experimentamos

interações com o ambiente e corrigimos nossa imagem do mundo a partir delas.

A linguagem, por sua vez, surge a partir do acoplamento estrutural entre seres humanos. Ela

depende de uma convivência íntima e colaborativa, que gera uma rede de conversações (conjunto

de comportamentos coordenados mutuamente disparados entre os falantes). Nesta perspectiva, a

linguagem não envolve transmissão de informação, mas apenas coordenação comportamental num

domínio fechado de acoplamento estrutural. As trocas comunicativas constituem verdadeiras

coreografias refinadas de coordenação comportamental. Os nossos conceitos são todos derivados

destas interações comportamentais.

Fonte: A árvore do conhecimento, Humberto Maturana e Francisco Varela, Editorial Psy,

1995, Tradução Jonas Pereira dos Santos.

Autopoiese

Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo cunhado

na década de 1970 pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana para

designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo

é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares

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(processos) em que as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas

que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são

condições sistêmicas para a vida. Portanto, um sistema vivo, como sistema autônomo, está

constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio,

onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não

como um agente externo.

De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas por Steven Rose na

neurobiologia, por Niklas Luhmann na sociologia, por Gilles Deleuze e Antonio Negri na filosofia e

por Patrick Schumacher na arquitetura.

Fonte: De máquinas e seres vivos. Autopoiésis: La organization de lo vivo, Humberto

Maturana e Francisco Varela, Editorial Universitária e Grupo Editorial Lumen, Sexta Edición, 2004,

Tradução Maria Luísa Santander.

Consciência

Termo empregado em psicologia e filosofia para designar, por um lado, o pensamento em si

e a intuição que a mente tem de seus atos e seus estados, e, por outro, o conhecimento que o sujeito

tem de seu estado e de sua relação com o mundo e consigo mesmo. Por extensão, a consciência é

também a propriedade que tem o espírito humano de emitir juízos espontâneos.

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Sob certo aspecto, o termo consciência não faz parte do vocabulário da psicanálise, embora

a teoria freudiana do inconsciente esteja relacionada com a história da filosofia da consciência, da

qual é a herdeira crítica. Mas de um ponto de vista clínico, a questão da consciência encontra-se em

todas as escolas de psicoterapia que se valem da fenomenologia ou da mobilização da vontade

consciente dos pacientes no tratamento.

Fontes: Diccionario de Psicoanálises, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sob a direção

de Daniel Lagache, Paidós Editora, 2004, Tradução de Fernando Gimeno Cervantes. Dicionário de

Psicanálise, Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, Editora Zahar, 1998, Tradução Vera Ribeiro e

Lucy Magalhães.

Inconsciente

Na linguagem corrente, o termo inconsciente é utilizado como adjetivo, para designar o

conjunto dos processos mentais que não são conscientemente pensados. Pode também ser

empregado como substantivo, com uma conotação pejorativa, inconsciente para falar de um

indivíduo irresponsável ou louco, incapaz de prestar contas de seus atos.

Conceitualmente empregado em língua inglesa pela primeira vez em 1751 (com a

significação de inconsciência), pelo jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), o termo

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inconsciente foi depois vulgarizado na Alemanha, no período romântico, e definido como um

reservatório de imagens mentais e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa à consciência.

Introduzido na língua francesa por volta de 1860 (com a significação de vida inconsciente)

pelo escritor suíço Henri Amiel (1821-1881), foi incluído no Dictionnaire de l’Académie Française

em 1878.

Em psicanálise, o inconsciente é um lugar desconhecido pela consciência: uma “outra cena”.

Na primeira tópica elaborada por Sigmund Freud, trata-se de uma instância ou um sistema (Ics)

constituído por conteúdos recalcados que escapam às outras instâncias, o pré-consciente e o

consciente (Pcs-Cs). Na segunda tópica, deixa de ser uma instância, passando a servir para

qualificar o isso (id) e, em grande parte, o eu (ego) e o supereu (superego).

Fontes: Diccionario de Psicoanálises, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sob a direção

de Daniel Lagache, Paidós Editora, 2004, Tradução de Fernando Gimeno Cervantes. Dicionário de

Psicanálise, Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, Editora Zahar, 1998, Tradução Vera Ribeiro e

Lucy Magalhães.

Protótipo Neonatal

Para Freud julgar é um processo que só se torna possível graças a inibição (atração) pelo ego

de algo (acção) que é evocado por uma dissemelhança entre o investimento de um desejo numa

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lembrança (imagem) e um investimento perceptivo (sensível) que seja semelhante a esta lembrança.

Daí se deduz que a coincidência entre dois investimentos se converta num sinal biológico que põe

fim à uma actividade pensamento e permite iniciar uma acção. Quando os dois investimentos não

coincidem, surge o ímpeto para uma actividade pensamento que voltará a ser interrompida pela

coincidência de ambos investimentos.

Esta mesma explicação pode ser mais bem entendida quando pensamos no neonato e na sua

necessidade (desejo) de comer. A lembrança (imagem) na qual investe o neonato é a imagem do

peito da mãe. Se lhe é dado o peito da mãe há coincidência entre o “investimento de um desejo

numa lembrança” e o “investimento perceptivo desta lembrança” fazendo com que os dois

investimentos (necessidade/percepção) coincidam interrompendo uma actividade pensamento

(choro) do neonato.

Em nosso ensaio o protótipo neonatal é tratado como uma “imagem alucinada” (a imagem

própria do neonato que se funde com a imagem da mãe – primeira representação) que ao ser

representada estabelece um par representacional (sígno/significante) composto por uma imagem

sem representação (sígno) – “ego” – e uma representação que significa todo “haver” que provoca

uma cisão na vida anímica estabelecendo o homem como limite das interações tópicas real,

simbólico e imaginário (fenómeno linguístico). Verdadeiramente, a noção de “primeira

representação” não é “a imagem própria do neonato” mas um sem fim de imagens (conhecimento)

onde “a imagem própria” é somente uma numa infinidade (culturalização).

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Fontes: Diccionario de Psicoanálises, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sob a direção

de Daniel Lagache, Paidós Editora, 2004, Tradução de Fernando Gimeno Cervantes. Dicionário de

Psicanálise, Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, Editora Zahar, 1998, Tradução Vera Ribeiro e

Lucy Magalhães.

Real – Simbólico – Imaginário

Na psicanálise lacaniana o processo central pelo qual o sujeito é constituído e transformado

define-se através de três categorias conceituais: real, simbólico e imaginário, sendo o registo

simbólico o lugar fundamental para a linguagem porque envolve os aspectos conscientes e

inconscientes.

Isto significa dizer que a maneira como o inconsciente se manifesta é através da linguagem,

sendo assim por meio da linguagem que o sistema de representações baseado em significantes

(simbólico) determina a forma como o sujeito vai se referir a si mesmo.

Já o registo imaginário é o lugar psíquico correspondente ao ego (eu) do indivíduo. Assim, o

indivíduo busca no Outro (pessoas, amor, imagem, objectos) uma sensação de completude, de

unidade (alucinação). No entanto, o Outro não existe para desenvolver a imagem (alucinação) com

que o ego (eu) quer ser sustentado.

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E o real é um registo psíquico que não deve ser confundido com a noção de realidade porque

o real é impossível porque representa aquilo que não pode ser simbolizado e que por isso

permanece impenetrável ao sujeito. Assim, Lacan (1955/56) aborda que o real é o que se escapa à

simbolização, pois na relação do sujeito com o símbolo há a possibilidade de uma Urverdrängung

(recalcamento) primitiva (recalcamento originário), ou seja, quando alguma coisa é simbolizada

(representada) algo desta representação vai se manifestar no real.

Assim, a noção de real é entendida como uma ideia sobre algo que articula uma coisa

(sígno) com outra (significante), sendo ambas distintas uma da outra. Portanto o real escapa à

materialização assim como também o desejo. Se o que aprendemos na cadeia significante trata-se

de uma identificação que compõe um sujeito, não podemos falar que ali se manifestou um desejo,

pois, ora manifestado (ou realizado na simbolização/representação) deixa de ser desejo, cedendo

lugar a outras reformulações do objecto “’a” (desejo). Assim, não há esgotamento da cadeia de

significantes, já que o desejo é um elemento do real e estará sempre para além da capacidade de

representação do sistema simbólico.

Cabe aqui enfatizar que para Lacan os três registos psíquicos estão juntos de tal forma que

não há formação de um sem a formação de todos, sendo que cada um destes registos tem a mesma

importância que os demais. Cada um se organiza de modo diferenciado do outro ao mesmo tempo,

sendo esse o processo que permite que essa organização aconteça de uma maneira intercambiável,

onde cada registo pode sempre ser o outro.

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Fontes: Diccionario de Psicoanálises, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sob a direção

de Daniel Lagache, Paidós Editora, 2004, Tradução de Fernando Gimeno Cervantes. Dicionário de

Psicanálise, Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, Editora Zahar, 1998, Tradução Vera Ribeiro e

Lucy Magalhães.

Recalque Originário

Em 1915 Freud escreve em Recalcamento: “Temos motivos suficientes para supor que

existe um recalcamento originário, uma primeira fase de recalcamento, que consiste em negar

entrada no consciente ao representante psíquico (ideacional) da pulsão. Com isso, estabelece-se

uma fixação; a partir de então, o representante em questão continua inalterado e a pulsão permanece

ligada a ele. Isso se deve às propriedades dos processos inconscientes ...”.

O recalcamento originário (Urverdrängung) marca uma cisão da vida anímica ao expulsar da

consciência as primeiras representações intoleráveis associadas à pulsão, delimitando assim as áreas

consciente/inconsciente e possibilitando os recalcamentos posteriores. A premissa de Freud é a de

que toda representação para poder ser recalcada precisa de ser atraída por representações

originariamente recalcadas.

Em nosso ensaio o recalcamento originário marca essa cisão na vida anímica decorrente da

primeira representação (alucinação neonatal) que delimita os tópicos real, simbólico, imaginário e

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possibilita a estruturação da linguagem assim como a formação dos demais níveis de recalcamento

(primário e secundário) não abordados em nossa argumentação. O que chamamos “primeira

representação” é a idéia de que toda representação se estabelece enquanto um par representacional

(sígno/significante) mas a primeira representação é um par assimétrico porque um dos pólos é uma

imagem sígnica sem representação – ego – que esvazia o imaginário delimitanto os três tópicos e

operando como elo imagético para toda representação no real (imaginário esvaziado).

Fontes: Diccionario de Psicoanálises, Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis sob a direção

de Daniel Lagache, Paidós Editora, 2004, Tradução de Fernando Gimeno Cervantes. Dicionário de

Psicanálise, Elisabeth Roudinesco e Michel Plon, Editora Zahar, 1998, Tradução Vera Ribeiro e

Lucy Magalhães. Volume XIV das obras completas de Freud em

www.freudonline.com.br/livros/volume-14/vol-xiv-4-repressao-1915/.

Objectivação Autopoiética do Protótipo Neonatal

Este conceito foi desenvolvido pelo próprio autor deste ensaio e agrega as idéias de três

pensadores diferentes de três áreas do conhecimento diferentes. O primeiro Arthur Schopenhauer

(filósofo) com a noção de objectivação adequada da vontade, o eidos (forma / idéia) platônico, ou

seja, toda experiência de satisfação (trans)formada numa imagem na mente. Os segundos são

Humberto Maturana e Francisco Varela (biólogos) com a noção de autopoise, a capacidade dos

seres vivos de produzirem a si próprios, a idéia de que um sistema vivo, como sistema autônomo,

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está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio,

onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não

como um agente externo. Aqui neste conceito o sistema vivo é a linguagem que também se

estabelece na mente enquanto imagem. O terceiro pensador é Sigmund Freud (médico) com a noção

de protótipo neonatal, uma imagem alucinada – imagem própria do neonato que se funde com a

imagem da mãe (primeira representação) – que ao ser representada estabelece um par

representacional (sígno/significante) composto por uma imagem sem representação (sígno) – “ego”

– e uma representação que significa todo “haver” (primeira representação).

Assim, agregando estas três noções numa única, temos: a experiência de satisfação do

protótipo neonatal (imagem alucinada) que ao ser representada sofre uma autopoiese (bi-partição

representacional) estabelecendo-se assim como uma representação. A formação dessa primeira

representação (modelo ideacional) é uma objectivação autopoiética do protótipo neonatal.

Neste nosso ensaio uma objectivação autopoiética do protótipo neonatal é a noção de que

toda existência passível de representação é uma formação autopoietizada como a fomação da

primeira representação.

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FIM

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