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2856 O MÉTODO APAC E A SITUAÇÃO PRISIONAL BRASILEIRA: REALIDADE E UTOPIA THE APAC METHOD AND THE BRAZILIAN PRISONAL SITUATIN: REALITY AND UTOPIA Marcio Eduardo Da Silva Pedrosa Morais Carolina Senra Nogueira da Silva RESUMO Objetiva-se, por intermédio do presente trabalho, discorrer sobre a realidade prisional brasileira, especificamente sobre o Método APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, método esse surgido no Brasil, tendo como base a dignidade e o respeito efetivo ao recuperando. O Método APAC possui índices muito superiores se comparados aos do sistema prisional comum, o qual é nos dizeres de Nélson Hungria, “a faculdade do crime”. A prisão (historicamente, num primeiro momento, local onde os condenados ficavam esperando o dia de sua execução, e num segundo momento, não mais esse lugar para se aguardar o derradeiro dia, mas sim para se refletir sobre o crime, penitenciando-se e também tendo por base um critério retributivo) é uma instituição, fracassada, deplorável e ineficaz, haja vista o exemplo brasileiro. A mesma é cada dia mais criticada e discutida, chegando-se ao ponto de alguns penalistas proporem o seu fim, devido à sua ineficácia. Nesta realidade surge uma nova esperança para o nosso famigerado sistema prisional: o Método APAC, objeto deste trabalho, o qual discorrer-se-á nas linhas seguintes. PALAVRAS-CHAVES: JUSTICE. PUNIÇÃO. SISTEMA PENITENCIÁRIO. BRASIL. ABSTRACT The aim of this paper is to discuss about the prison reality in Brazil, in particular about APAC Method, this method appeared in Brazil with the purpose of the prisoners’ dignity and respect. The indicators of the APAC Method are superior to those compared with the common prison, which according to Nelson Hungria, “the crime college.” The prison (historically, in a first moment, the place where the convict people waited the day of their execution, and in a second moment, a place, not to wait the final day but with the objective of making the prisoners think about what they have done, regretting and having a rewarding criterion) is a failed, lamentable and ineffective institution, which Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

O MÉTODO APAC E A SITUAÇÃO PRISIONAL … · RESUMO Objetiva-se, por ... pessoas da equipe dirigente ou outros internados dão ao indivíduo nomes obscenos, ... Goffman enquadra

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O MÉTODO APAC E A SITUAÇÃO PRISIONAL BRASILEIRA: REALIDADE E UTOPIA

THE APAC METHOD AND THE BRAZILIAN PRISONAL SITUATIN: REALITY AND UTOPIA

Marcio Eduardo Da Silva Pedrosa Morais Carolina Senra Nogueira da Silva

RESUMO

Objetiva-se, por intermédio do presente trabalho, discorrer sobre a realidade prisional brasileira, especificamente sobre o Método APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, método esse surgido no Brasil, tendo como base a dignidade e o respeito efetivo ao recuperando. O Método APAC possui índices muito superiores se comparados aos do sistema prisional comum, o qual é nos dizeres de Nélson Hungria, “a faculdade do crime”. A prisão (historicamente, num primeiro momento, local onde os condenados ficavam esperando o dia de sua execução, e num segundo momento, não mais esse lugar para se aguardar o derradeiro dia, mas sim para se refletir sobre o crime, penitenciando-se e também tendo por base um critério retributivo) é uma instituição, fracassada, deplorável e ineficaz, haja vista o exemplo brasileiro. A mesma é cada dia mais criticada e discutida, chegando-se ao ponto de alguns penalistas proporem o seu fim, devido à sua ineficácia. Nesta realidade surge uma nova esperança para o nosso famigerado sistema prisional: o Método APAC, objeto deste trabalho, o qual discorrer-se-á nas linhas seguintes.

PALAVRAS-CHAVES: JUSTICE. PUNIÇÃO. SISTEMA PENITENCIÁRIO. BRASIL.

ABSTRACT

The aim of this paper is to discuss about the prison reality in Brazil, in particular about APAC Method, this method appeared in Brazil with the purpose of the prisoners’ dignity and respect. The indicators of the APAC Method are superior to those compared with the common prison, which according to Nelson Hungria, “the crime college.” The prison (historically, in a first moment, the place where the convict people waited the day of their execution, and in a second moment, a place, not to wait the final day but with the objective of making the prisoners think about what they have done, regretting and having a rewarding criterion) is a failed, lamentable and ineffective institution, which

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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can be seen in Brazil. This institution is each day more and more criticized and discussed, reaching a point that some penalists proposed its end, because of its ineffectiveness. In this reality there is still hope in our notorious prisonal system: the APAC Method, the aim of this paper, which will deal with it in the following line.

KEYWORDS: JUSTICE. PUNISHMENT. PENITENTIARY SYSTEM. BRAZIL.

1 INTRODUÇÃO

Desde eras remotas o homem tem convivido com a dualidade da lei da Física que reflete em suas relações sociais: a uma ação sempre corresponderá uma reação. Assim também se dá na esfera jurídica, presumidamente, ao se cometer um ilícito penal o homem sofrerá uma sanção, seja através de sua vida, seja através do cerceamento de sua liberdade. Günther Jakobs e Manuel Cancio Meliá afirmam que “todo Direito se encontra vinculado à autorização para empregar coação, e a coação mais intensa é a do Direito Penal”: (JAKOBS, MELIÁ, 2003, p.26, tradução nossa).[1]

Em matéria penal sempre haverá o debate entre os defensores do Direito Penal como instrumento do valor justiça, outros defendendo o Direito Penal como instrumento a favor do valor utilidade. Nestes moldes afirma Enrique Bacigalupo:

O enfrentamento radical destes pontos de vista deu lugar a partir do último quarto do século passado, à chamada "luta de escolas", que não é em verdade outra coisa que uma disputa em torno dos princípios legitimadores do Direito Penal. Enquanto a chamada Escola Clássica manteve o critério legitimador da justiça através das teorias absolutas da pena, a Escola Positiva propunha como único critério o da utilidade, expressando-o por intermédio das teorias relativas modernas da pena. (BACIGALUPO, 1996, p.11 e 12, tradução nossa).[2]

A pena é instituto jurídico dos mais importantes, a qual tem o condão de limitar a liberdade do ser humano: um dos seus direitos naturais por excelência. Deste modo, para sua real efetividade, retribuição e prevenção, é necessário um estudo crítico e aprofundado, sob pena de não o ocorrendo, termos total desequilíbrio social. A criminalidade assola a sociedade, o homem vive atemorizado. Assim, um sistema prisional que realmente ressocialize o delinqüente e retribua o mal por ele feito é necessário, com vista à própria garantia do Estado Democrático de Direito.

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A prisão como utilização de pena somente surge no século dezoito, antes disso temos a prisão como local para o condenado esperar seu derradeiro dia, quando então seria morto. Os primeiros sistemas penitenciários surgem nos Estados Unidos e podem, via de regra, ser divididos em três espécies: o sistema penitenciário pensilvânico (ou da Filadélfia), o sistema penitenciário auburniano e o sistema penitenciário progressivo. Apesar de esses primeiros sistemas penitenciários terem surgido nos Estados Unidos, não podemos, de acordo com Cezar Roberto Bitencourt, afirmar que a prisão tenha surgido nesse país:

Os primeiros sistemas penitenciários surgiram nos Estados Unidos, embora não se possa afirmar, como faz Norval Morris, “que a prisão constitui um invento norte-americano”. Esses sistemas penitenciários tiveram, além dos antecedentes inspirados em concepções mais ou menos religiosas, já referidas, um antecedente importantíssimo nos estabelecimentos de Amsterdam, nos Bridwells ingleses, e em outras experiências similares realizadas na Alemanha e na Suíça. (BITENCOURT, 2008, p.125).

Nos tempos coloniais norte-americanos, o crime era visto como pecado e o simples confinamento era previsto para miseráveis, órfãos, loucos. Esses eram indiscriminadamente recolhidos às “jaulas”. Cesare Beccaria é um dos responsáveis pelo movimento que mudou essa visão sobre a prisão, defendendo critérios justos para o confinamento, e não seu uso abusivo, pois do contrário, a sociedade poderia ser desestruturada, pois não se previa níveis de desregramento para sua aplicação, o que acabaria gerando mais crimes e também reincidência, um dos mais graves problemas ao se tratar de punição.

Importante também para a reforma penitenciária é o pensamento de John Howard, apresentado em sua obra “The State of the Prisons in England and Wales”, datada de 1777, na qual Howard propõe uma reformulação das prisões, embasada nos princípios da humanidade, eqüidade e utilidade. A obra de Howard é fruto da pesquisa feita pelo mesmo em suas visitas pela maioria dos cárceres britânicos e por inúmeros cárceres na Europa, visitas essas ocorridas entre os anos de 1773 e 1790.

O caráter humanizador da obra de Howard prevê condições de higiene e hábitos alimentícios que respeitem a saúde do preso, ele também advoga o isolamento celular como modo de reflexão acerca da conduta do criminoso e de suas conseqüências. Deste modo, o mesmo poderá refletir e se arrependerá do seu ato, o qual infringiu a lei.

Temos propostas magníficas de reformulação, essas apresentadas já no passado. Porém, a reincidência demonstra que as mesmas não estão cumprindo o objetivo para o qual surgiram, qual o problema, qual a falha? Em relação a essa reincidência, sabe-se que a mesma é uma constante em todas as prisões, não só no Brasil, mas mundialmente, conforme afirma Piotr Kropotkin:

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Quando um homem passa por uma prisão uma vez, volta. É inevitável, as estatísticas o demonstram. Os informativos anuais da administração de justiça penal da França mostram que a metade daqueles comparecem ante os jurados e duas quintas partes dos que comparecem anualmente ante os órgãos menores por faltas recebem sua educação nos cárceres. Quase a metade dos julgados por assassinato e três quartos dos julgados por roubo são reincidentes. Em relação aos cárceres-modelo, mais de um terço dos presos que saem destas instituições supostamente corretivas voltam a ser encarcerados em um prazo de doze meses depois de sua liberdade. (KROPOTKIN, 1877, site, tradução nossa).[3]

Este estudo de Kropotkin, apesar de ser do século dezenove, não traz dados diferentes do nosso século atual, ao contrário, o nosso século, especialmente no Brasil, há, além do problema da reincidência, este em grande escala, o problema da superlotação, da saúde entre os recuperando, dentre outros não menos graves, como o desrespeito com que são tratados aqueles que ali estão cumprindo uma pena, ou esperando seu julgamento.

Erving Goffman em seu trabalho “Manicômios, prisões e conventos” (1961), nos mostra o desrespeito com que são tratados os presos nas cadeias, seja pelos próprios colegas, seja pelos membros da equipe dirigente e mantenedora:

[...] pessoas da equipe dirigente ou outros internados dão ao indivíduo nomes obscenos, podem xingá-lo, indicar suas qualidades negativas, “gozá-lo”, ou falar a seu respeito com outros internados como se não estivesse presente. (GOFFMAN, 2005, p.30-31).

Goffman enquadra a prisão entre as chamadas instituições totais, ou seja, “um local de residência onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” (GOFFMAN, 2005, p.11). Nas chamadas instituições totais o indivíduo tem a perda de parte de sua identidade, agindo de acordo com as regras da instituição. Deste modo, ao retornar ao convívio fora das grades o mesmo não consegue mais viver como pessoa livre, pois a cultura da instituição está a lhe “marcar” profundamente.

Nessa relação há diversos problemas como a dificuldade de se retornar ao convívio social de maneira harmônica, a reincidência, por intermédio da qual aquele autor do crime estará a praticar, muitas vezes, o ato criminoso por dificuldade de se despir da carga de desumanidade e de deformação sofrida na instituição total. Ainda em relação à questão da reincidência, o penalista argentino Eugenio Raul Zaffaroni nos traz a seguinte afirmação:

É certo que estes dados põem em crise muito mais que o conceito de reincidência e indicam a urgência de compatibilizar o discurso jurídico-penal com dados elementares

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das ciências sociais, mas particularmente neste âmbito da reincidência resultam demolidores de várias teses jurídicas, cujo conteúdo, desde a perspectiva das ciências sociais resulta tragicamente ingênuo. (ZAFFARONI, 1992, tradução nossa).[4]

A reincidência é a mais manifesta comprovação da ineficiência da prisão em recuperar o criminoso, sendo, atualmente e principalmente no caso brasileiro, uma instituição falida, que demonstra o descaso do Poder Público com a recuperação do ser humano. Uma segunda falha desse Poder: após não conseguir garantir uma vida digna, na qual o homem possa se desenvolver como pessoa, trabalhar em prol do desenvolvimento comunitário, ele também falha ao não conseguir ressocializá-lo, ou criticamente, tentar ressocializar aquele que nunca foi socializado. E nesse aspecto, ressocialização, o Estado, principalmente o brasileiro, é notadamente falho. Não consegue cumpri-lo de maneira eficaz, dando-se azo à proliferação de movimentos de presos dentro dos presídios, como exemplos, para não apresentar muitos outros, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital, os quais têm em seus quadros um número considerável de detentos, estendendo sua atuação para fora dos muros dos presídios. Essas organizações criminosas ocupam um vazio institucional deixado pelo Estado, devido à ausência de políticas adequadas. Nesse sentido, o Padre Valdir João, coordenador da Pastoral Carcerária da CNBB no Estado de São Paulo nos traz:

Os grupos e facções do crime surgiram pela lacuna do Estado. Num primeiro momento, para se protegerem contra a violência e a tortura com que o Estado agia. Depois, para criar uma ordem entre os presos, pois havia extorsão, exploração e violência sexual de preso para com preso, então o crime se estruturou para impedir essa desordem toda. (VALDIR JOÃO, 2007, p.210).

Ou seja, fica claro o descaso do Governo com a situação carcerária, o que gera a legitimidade do líder criminoso em relação, não só, aos colegas, mas também aos parentes dos mesmos, os quais são beneficiados por seus favores. Haja vista serem seus familiares, via de regras, pessoas de baixo poder aquisitivo, não tendo muitas vezes, sequer, um vale-transporte para ir visitá-lo no presídio, o que é fornecido por esse líder criminoso, dentre muitos outros favores e produtos prestados ao preso e aos seus familiares. Deste modo, o Estado cada vez se distancia mais do homem, deixando essa brecha para o crime organizado. Ou seja, apresentando novamente as palavras do Padre Valdir João: “o Estado abandonou o presídio”. (VALDIR JOÃO, 2007, p.210).

Assim, diversos problemas macros surgem: o Poder Judiciário que devia fiscalizar os presídios não o faz; o Poder Legislativo não cria leis para o sistema carcerário; os servidores que deveriam trabalhar para a ressocialização do preso não o fazem, pior, muitas vezes ele é até inibido, devido à sua origem demográfica e social, aquele servidor vive no mesmo bairro dos familiares de muitos presos, ou seja, a origem social, geográfica, do preso e do servidor encarregado do trabalho no presídio é a mesma.

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Jeremy Bentham nos faz um questionamento interessante no “Panopticum”, acerca do verdadeiro objetivo da prisão, nos seguintes termos:

O que deve ser uma prisão? A permanência em um lugar onde se priva de liberdade indivíduos que abusaram da mesma, para prevenir novos crimes de sua parte e para dissuadir os outros mediante o terror do exemplo. É, ademais, uma casa de correção onde há que se propor a reforma dos hábitos dos indivíduos detidos, com o fim de que o seu retorno à liberdade não seja uma desgraça, nem para a sociedade, nem para eles mesmos. (BENTHAM, 1791, pp.2-3, tradução nossa).[5]

E continua expondo que as prisões são lugares infectos, escolas do crime, amontoados de todas as mazelas humanas e misérias, onde só se pode visitar com terror. (BENTHAM, 1791, p.3). É de se salientar que Bentham está escrevendo ainda no século dezoito, ou seja, o problema da desumanidade das prisões não é apenas atual, mas também de outrora.

Assim, resta ao Direito no século vinte e um o encargo de alterar o “status quo”, para que a prisão seja um local no qual o recuperando reflita sobre seus atos, transforme-se num homem novo, homem melhor e volte ao convívio social renovado. Deste modo, a beneficiária dos frutos colhidos pela recuperação será toda a sociedade no qual este indivíduo está inserido, que terá um meliante a menos e um homem a mais.

2 A REALIDADE CARCERÁRIA NO BRASIL: CRÍTICA E DESILUSÃO

Loïc Wacquant inicia sua obra “As prisões da miséria” com uma frase impactante que nos apresenta a verdadeira faceta de nosso sistema penitenciário, nos seguintes termos:

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um “mais Estado” policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. (WACQUANT, 2001, p.4).

Uma afirmação pertinente à questão da pena, principalmente em relação ao caso brasileiro, que demonstra a fragilidade de nosso ordenamento político, seja em relação

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ao legislativo, ao administrativo ou ao judiciário, em tratar da questão do crime e do criminoso, fazendo com que os indicadores do crime aumentem a cada ano, e de maneira assustadora. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, havia no ano de 2007 um total de 422.590 presos no Brasil (INFOPEN, 2007, site), valor bem superior em relação ao ano anterior de 2006, quando havia 401.236 presos no sistema penitenciário (INFOPEN, 2006, site), o que demonstra um aumento de aproximadamente cinco por cento nos índices.

Isso demonstra claramente, conforme afirmação de Wacquant, que há uma alternativa do Estado em se dedicar ao tratamento penal e não ao tratamento social da miséria, o que faz com que o Estado regrida em relação à escalada da criminalidade (WACQUANT, 2001, p.4). E somado a isso, há o desrespeito aos direitos humanos no Brasil, ou seja, além de se punir uma classe social desprestigiada, há uma segunda punição, quando estes já dentro de um sistema excludente, são vítimas de maus-tratos por parte do Estado. Um texto interessante da Anistia Internacional, intitulado “Las Cárceles del Terror”, traz uma passagem impressionante, e que ao mesmo tempo faz com que sintamos vergonha de nossa realidade:

Em 10 de dezembro de 1998, dia do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 400 reclusos da cadeia municipal de Osasco, em São Paulo, foram arrastados para fora de suas celas pela polícia e obrigados a correr entre duas filas de policiais que, à medida em que passavam, lhes aplicavam golpes e chutes, observados pelo juiz que autorizou a “operação. (AMNISTÍA INTERNACIONAL, site, tradução nossa).[6]

A passagem lembra os tempos de barbárie vividos no holocausto nazista, ou o período militar no Brasil, onde espancamentos eram comuns, e a tortura era empregada como “meio eficaz” de se investigar crimes e descobrir autores, como se o corpo humano fosse imune a todo o tipo de humilhação e não resistisse à dor, ou seja, uma confissão sob tortura era natural e capaz de se demonstrar o verdadeiro criminoso. Coisas que deveriam ter sido apagadas de nossa memória e que teriam que ficar apenas gravadas em páginas de livros de História, o que de fato não acontece. No Brasil há um paradoxo interessante, este se referindo à situação de que:

[...] a insegurança criminal no Brasil tem a particularidade de não ser atenuada, mas nitidamente agravada pela intervenção das forças da ordem. O uso rotineiro da violência letal pela polícia militar e o recurso habitual à tortura por parte da polícia civil (através do uso da “pimentinha” e do “pau-de-arara” para fazer os suspeitos “confessarem”), as execuções sumárias e os “desaparecimentos” inexplicados geram um clima de terror entre as classes populares, que são seu alvo, e banalizam a brutalidade no seio do Estado. (WACQUANT, 2001, p.5).

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É uma situação visível, inclusive para pesquisadores estrangeiros, como é o caso de Wacquant. Ou seja, a violência perpetrada pela polícia brasileira não é conhecida apenas aqui, é algo que extrapola nossas fronteiras, sendo alvo de críticas de toda a comunidade internacional. Wacquant continua discorrendo e nos mostra dados assustadores: “durante o ano de 1992, a polícia militar de São Paulo matou 1.470 civis – contra 24 mortos pela polícia de Nova York e 25 pela de Los Angeles -, o que representa um quarto das vítimas de morte violenta da metrópole naquele ano.” (WACQUANT, 2001, p.5).

Deste modo, é comum a privatização da segurança pública, a classe abastada se defende como pode, contratando seguranças particulares, com cercas eletrificadas. Mas os locais mais suscetíveis à violência sempre estão desprotegidos, como exemplo os subúrbios e as favelas. A situação brasileira é de iminente guerra civil!

A Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos, divulgou no ano de 1998 um estudo intitulado “O Brasil atrás das grades”, estudo este fruto de uma pesquisa levada a cabo de setembro de 1997 a abril de 1998, quando então foram visitados cerca de quarenta presídios, delegacias, cadeias, sendo entrevistados presos, juízes, advogados, promotores, membros da Pastoral Carcerária. Já no prefácio da obra há a seguinte afirmativa:

Os problemas nas prisões do Brasil representam uma conseqüência lógica de duas décadas de elevadas taxas de criminalidade, aumento da pressão pública em favor do ‘endurecimento" contra o crime e a contínua negligência dos políticos. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998, prefácio).

Todavia, há que se afirmar que não é objetivo principal do presente trabalho discorrer sobre a realidade prisional no Brasil, sob pena de se o atrevermos, elaborarmos um tratado sobre o tema, mas temos que deixar algumas pinceladas sobre a realidade prisional brasileira, preocupante e decepcionante, estando o Brasil entre os piores índices em relação aos direitos humanos em relatórios anuais apresentados pela Human Rights Watch.

Entre os problemas mais graves apontados pela organização no Brasil, destacam-se a superlotação, execução sumária de presos, condições horríveis de detenção. Com o fim do regime militar ditatorial, esperava-se que o país saísse da fase de desrespeito aos direitos humanos, principalmente em relação aos presos e condenados, mas o que tem sido percebido é uma violência institucionalizada no Brasil, sem-terra, negros, pobres, todos são vítimas de um sistema prisional excludente e elitista. Ainda no prefácio do relatório, há alguns dados comparativos que demonstram a escalada do crime no Brasil:

No estado do Rio de Janeiro, onde a onda de crimes no Brasil é mais visível, o número de homicídios triplicou durante os anos de recessão e estagnação econômica, subindo de 2.826 homicídios em 1980 para 8.408 homicídios em 1994. De forma paralela, o índice

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de homicídios no estado de São Paulo subiu de 14,62 por 100.000 habitantes em 1981 para 44,89 por 100.000 habitantes em 1995. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998, prefácio).

Interessante notar que o relatório comenta abusos cometidos em cadeias, delegacias em diversos Estados do Brasil, em Minas Gerais há relatos de violência cometidos na Penitenciária Nelson Hungria e no Departamento de Investigações. Um preso do Departamento de Investigações relata:

Quando teve uma tentativa de fuga aqui em outubro a Polícia Civil entrou. A cela número sete estava cavando um túnel. Tinha uns trinta de nós em uma cela. A polícia levou a gente para o pátio completamente nus. Havia uns quinze policiais com uma mangueira. Eles armaram um corredor polonês e a gente teve que correr através dele. Eles batiam na gente com paus tipo bastões de beisebol. Todos os policiais participaram. A gente teve que passar por isto, um por um. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998).

Um jovem preso da penitenciária Nelson Hungria na cidade de Contagem também relata:

Eu estava no pátio com os outros presos quando aconteceu. Eles me levaram para minha cela e fizeram eu tirar minhas roupas. Havia três deles, Juscelino, que é o chefe da segurança, Milton e um outro rapaz, e eles começaram a bater em mim e a me chutar. Eles também me deram um "telefone". Meus ouvidos ainda estão doendo daquilo. Então eles me levaram para o prédio da administração para falar com o diretor. Foi então que a minha irmã me viu, porque ela estava lá tentando me visitar e saber onde eu estava. Eles não me deixaram ver minha irmã. (HUMAN RIGHTS WATCH, 1998).

Esses são apenas alguns relatos sobre a realidade prisional no país: violência física, violência moral, péssimas condições de higiene, contágio de doenças, superlotação, falta de ocupação, ausência de terapia laboral, dentre outros, são os principais problemas apontados pelo relatório, e que são também apenas o retrato de uma situação que piora a cada dia. Salientamos ainda que, não irá se discutir aqui o Massacre do Carandiru e outros não menos impactantes que ocorreram nos últimos anos em nosso país, pois do contrário, todo um tratado surgiria!

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3 O SISTEMA DA PENSILVÂNIA OU DA FILADÉLFIA

O Sistema da Pensilvânia, ou da Filadélfia, também chamado de celular ou de isolamento solitário, em inglês (solitary confinement), foi adotado pela primeira vez no ano de 1776 em Walnut Street Jail, prisão essa construída pelos quacres, inspirados pelas idéias de Beccaria e de Howard. No ano de 1787 foi fundada a Philadelphia Society for Alleviating the Miseries of Public Prisons. É de se ressaltar o caráter filantrópico de sua instituição, estando insculpido no ato constitutivo da sociedade:

Quando nós consideramos que – afirma-se no prefácio – que os deveres de caridade que se fundam nos preceitos e nos exemplos do Fundador da Cristandade não podem ser apagados pelos pecados e pelos delitos dos nossos irmãos criminosos (...) tudo isso nos induz a estender a nossa compaixão àquela parte da humanidade que é escrava dessas misérias. Mas com humanidade o seu injusto sofrimento deve ser prevenido (...) (MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.187).

Este sistema previa o isolamento do recuperando durante todo o dia, não havia trabalho, ficando o mesmo em total ociosidade, permanecendo confinado em cela individual, sendo também proibido o uso de bebidas alcoólicas. Visitas eram proibidas, a não ser a do capelão, dos membros da Pennsylvania Prison Society, entidade que administrava o presídio, ou do diretor do estabelecimento. Assim, o recuperando ficava em oração durante grande parte do dia, com leitura constante da Bíblia Sagrada, com o objetivo de que o recuperando refletisse sobre o seu crime, para isso, o silêncio era fundamental. Nesses moldes, César Barros Leal nos traz:

O regime, que alguns qualificavam como “morte em vida”, foi usado pela primeira vez na Walnut Street Jail, erguida em 1776, e depois na Eastern Penitentiary, edificada em 1829, sendo adotado em outras prisões dos Estados Unidos e especialmente na Europa. (BARROS LEAL, 2001, p.13).

O mesmo César Barros Leal continua, afirmando que tal sistema existia em alguns países até início do século vinte e um, (BARROS LEAL, 2001, p.13). Ou seja, um sistema tão severo e improdutivo, no qual não havia trabalho, sendo efetivado em alguns países, ferindo assim, a dignidade da pessoa humana, que mesmo estando privada de seus direitos políticos, tem o direito de poder exercer atividade laboral, não somente para sua auto-estima, como também para seu desenvolvimento humano, gerando efeitos benéficos a toda o país, que terá mais um cidadão consciente e

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“recuperado”, e não mais um formando da “faculdade do crime”, na expressão de Nelson Hungria. Já Cezar Robert Bitencourt citando Marco del Pont, afirma que:

Entre as pessoas que mais influenciaram podem-se citar Benjamin Franklin e William Bradford. Benjamin Franklin difundiu as idéias de Howard, especialmente no que se refere ao isolamento do preso, que será uma das características fundamentais do sistema celular pensilvânico. (BITENCOURT, 2008, p.125).

O isolamento em celas individuais foi previsto apenas para os presos de maior periculosidade, os outros foram mantidos em celas comuns, onde então oravam e trabalhavam durante o dia, com o intuito de se “salvar tantas criaturas infelizes”. (MELOSSI e PAVARINI, 2006, p.168).

A experiência em Walnut Street com o passar do tempo, foi fracassando, a causa principal, de acordo com BITENCOURT, foi o aumento excessivo da população penal que lá se encontrava recolhida. (BITENCOURT, 2008, p.126).

Com a pressão ocasionada por esse fracasso, foram construídos mais dois estabelecimentos prisionais, nos quais os prisioneiros seriam encarcerados separadamente: a Western Penitentiary, situada em Pittsburg, terminada em 1818, e a Eastern Penitentiary, esta terminada em 1829. Na Western Penitentiary (prisão ocidental), o isolamento era absoluto, não era admitido o trabalho, já na Eastern Penitentiary, o trabalho era permitido, o que não aliviava a questão do isolamento, visto serem os trabalhos insossos.

MELOSSI e PAVARINI, citados por BITENCOURT, afirmam que o sistema pensilvânico, pelo fato do isolamento e silêncio absolutos, satisfaz as exigências de instituições que requeiram a presença de pessoas sob uma vigilância única, o que se aplica também a fábricas, hospitais, escolas. Tal sistema não tem o desiderato de recuperar o preso, mas sim de mantê-los como eficiente meio de dominação. (BITENCOURT, 2008, p.127). Há, notadamente, um caráter místico e religioso nesse sistema, tendo caráter punitivo e retributivo, não se preocupando com a recuperação do homem.

4 O SISTEMA AUBURNIANO

O sistema auburniano, ou “silent system”, tem como características o trabalho em comum durante o dia, esse no mais absoluto silêncio e o recolhimento isolado no

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período da noite. Os detentos não podem conversar entre si, apenas com os carcereiros e com a direção do estabelecimento. Michel Foucault vê nesse sistema uma relação de poder, no qual poucos podem controlar muitos, não percebendo nenhum caráter pedagógico no mesmo. (FOUCAULT, 1995).

BITENCOURT registra, historicamente, o ambiente americano antes da construção da prisão de Auburn nos seguintes termos:

Em 1796 o governador Jhon Jay, de Nova Iorque, enviou uma comissão à Pensilvânia para estudar o sistema celular. Nesse mesmo ano ocorreram mudanças importantes nas sanções penais, substituindo-se a pena de morte e os castigos corporais pela pena de prisão, conseqüência direta das informações colhidas pela comissão anteriormente referida. Em 1797 foi inaugurada a prisão de Newgate. Como referido estabelecimento era muito pequeno, foi impossível desenvolver o sistema de confinamento solitário. E, diante dos resultados insatisfatórios, em 1809 foi proposta a construção de outra prisão no interior do Estado para absorver o número crescente de delinqüentes. (BITENCOURT, 2008, p.127).

Newgate, a primeira prisão nova-iorquina, não é lembrada nos dias atuais, não tendo gerado frutos para o sistema correcional do futuro, além de não ter durado por muito tempo, tendo sido fechada trinta e um anos depois de construída. Essa foi construída como esperança para o crime, e em pouco tempo demonstrou suas mazelas, já estando fadada ao fracasso.

Como Newgate não conseguiu absorver todos os delinqüentes, estes em número crescente nos Estados Unidos de então, foi autorizada, no ano de 1816, a construção da prisão de Auburn, a qual havia sido solicitada ainda no ano de 1809. Parte do edifício era destinada ao isolamento, Bitencourt nos conta que: “De acordo com uma ordem em 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três categorias [...]”. (BITENCOURT, 2008, p.127). A primeira das categorias era a dos delinqüentes contumazes, os quais ficariam em celas individuais continuamente; a segunda era a dos menos contumazes, os quais ficariam isolados por três dias e teriam autorização para o trabalho; e a terceira era a daqueles presos que tinham um comportamento razoável, os quais poderiam ser integrados à sociedade de maneira mais fácil, esses últimos ficavam isolados apenas no período noturno, podendo trabalhar em conjunto durante o dia. Mas, diante de um sistema tão severo e brutal, percebe-se o fracasso do mesmo, Bitencourt nos traz:

Essa experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande fracasso: de oitenta prisioneiros em isolamento total contínuo, com duas exceções, os demais resultaram mortos, enlouqueceram ou alcançaram o perdão. (BITENCOURT, 2008, p.128).

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Após a investigação do problema por uma comissão, o sistema de confinamento foi abolido no ano de 1824. Mas foram mantidos o trabalho em comum durante o dia, sob o mais absoluto silêncio e o recolhimento solitário à noite.

O sistema auburniano surge como tentativa de se corrigir as mazelas e erros peculiares ao sistema da Pensilvânia, o qual como exposto, não tinha o objetivo primário de recuperar o preso, mas somente manter a ordem sob vigilância única. O homem não era o fim, o sujeito do sistema, mas sim seu objeto. Auburn ganhou notoriedade internacional, sendo denominada pela influente Boston Prison Discipline Society como “provavelmente a melhor prisão no mundo… um modelo valioso para ser copiado”. O sistema auburniano foi estudado por autores do quilate de Alexis de Tocqueville e Gustave de Beaumont, os quais iriam levar o modelo para a França.

É de se salientar que o trabalho no sistema auburniano, posteriormente, em decorrência dos movimentos sindicais contrários aos trabalhos nas cadeias, entra em estágio de falência. O trabalho em presídios não é bem visto pelo fato de o mesmo prejudicar os empresários asseclas do trabalho livre, pois o trabalho do preso é mais barato do que o trabalho na iniciativa livre, o que faz com que o mesmo perca espaço de comércio para o trabalho gerado pelos encarcerados. Esse é inclusive um dos fatores da própria crise do sistema auburniano, somada à característica eminentemente militar do sistema, o que fazia com que castigos desumanos e desnecessários fossem corriqueiramente praticados, não gerando nenhum resultado benéfico, apenas sendo fator demonstrador do ódio humano, e o desejo de estabelecer uma relação de poder egoísta, trazendo novamente a filosofia de Foucault. (FOUCAULT, 1995).

Pode-se afirmar, de acordo com Bitencourt, traçando um paralelo entre os sistemas celular e auburniano, que o sistema pensilvânico (ou celular) tem inspiração mística e religiosa, enquanto que o sistema auburniano visa atender interesses econômicos. Todavia, ambos têm em comum o aspecto de se instituir um conceito punitivo e retributivo de pena, não se preocupando com a reinserção social do apenado. (BITENCOURT, 2008, p.129). E vai além ao explicar esse caráter punitivo dos dois sistemas:

As concepções variam de propósitos de acordo com o desenvolvimento histórico-social. Para os homens do século XIX, o castigo dentro de certas condições era considerado como um meio apropriado para a correção do delinqüente. Não negavam a necessidade do castigo e consideravam que este podia conseguir a reforma e o arrependimento do delinqüente. Essa concepção nasce a partir do momento em que a pena privativa de liberdade converteu-se em sanção penal propriamente dita. (BITENCOURT, 2008, p.129).

A finalidade ressocializadora se dava através do isolamento, a prática cristã, orações, trabalho. Há de se salientar que a Europa preferiu adotar o sistema pensilvânico, pois não precisava, à época, de trabalho prisional, havendo bastantes forças produtivas, estando interessada em um sistema que primasse pelo caráter punitivo. De outro lado, os Estados Unidos aderiram ao sistema auburniano. Há de se salientar que o sistema

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auburniano, o qual é uma das bases do sistema progressivo, traz mais vantagens ao Estado em comparação com o sistema pensilvânico.

5 O SISTEMA PROGRESSIVO

Antes de apresentar a definição de sistema progressivo, deve-se salientar que na verdade não há somente um sistema progressivo, mas sim sistemas progressivos, ou seja, sendo todos espécies do gênero sistema progressivo. O sistema progressivo é decorrência do período de humanização do Direito Penal ocorrido no século dezoito, abandonando-se a pena de morte e sendo consolidada a pena privativa de liberdade, por intermédio da qual o recuperando poderá progredir de regime. Busca-se novamente os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt:

A essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento demonstrado do tratamento reformador. (BITENCOURT, 2008, p.130).

É de curial importância salientar que, por intermédio do sistema progressivo, o recuperando poderá retornar ao convívio social antes mesmo do término da sua pena, o que traz ao mesmo um sentimento de valorização, ao contrário do que ocorre em sistemas desumanos, nos quais o recuperando perde a esperança de um dia poder voltar ao convívio em sociedade, não sobrando a ele nada mais que viver o momento atual de sua expiação, com essa valorização humana, o recuperando sentirá tentado a ter boa conduta carcerária e assim poder esperar o grande dia, o dia de sua volta ao convívio social fora dos muros, quando então toda sua família estará por ele esperando, e ele se imagina saindo da penitenciária levando de volta para casa sua sacola com os pertences e olhando para trás e despedindo dos companheiros de cadeia. São espécies do sistema progressivo: o sistema progressivo inglês ou “mark system”, o sistema progressivo irlandês e o sistema de Montesinos, ambos importantes para a solidificação do modelo progressivo. Dentre um sistema progressivo atual destacamos o Método APAC, à frente estudado.

5.1 O SISTEMA PROGRESSIVO INGLÊS – “MARK SYSTEM”

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O sistema progressivo inglês, ou também chamado de “mark system”, foi instituído no ano de 1840 pelo capitão Alexander Maconochie na Ilha Norfolk na Austrália, colônia inglesa à época de sua criação. A Austrália foi durante muito tempo local de encaminhamento dos condenados ingleses, antes disso, o destino de muitos era os Estados Unidos da América. Porém, com a Independência Norte-Americana no século dezoito, o destino passou a ser a Austrália.

O primeiro desembarque de apenados se deu no ano de 1788, quando então foram fundadas duas colônias, uma no local posteriormente conhecido como Sidney e outra na Ilha de Norfolk, conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de doutoramento pela Universidade Autônoma de Barcela: “El modelo de libertad condicional español”. (VILCHES, 2004, p. 27). É de se ressaltar que outras colônias penais são instituídas posteriormente em outras localidades da Austrália, mas é na Ilha de Norfolk onde Maconochie institui seu sistema progressivo. De acordo com Vilches

Maconochie ocupa seu primeiro posto na administração penitenciária em Van Diemen´s Land, colônia fundada no ano de 1803, à qual Maconochie chega no ano de 1837. A partir de sua observação sobre o funcionamento desta colônia penitenciária, Maconochie começa a refletir sobre a organização, disciplina, cuidado dos presos, elaborando um sistema penitenciário que divulga em diversos escritos. Em 1839, o governo britânico oferece a Maconochie a oportunidade de colocar em prática o seu sistema em Norfolk. Em 6 de março de 1840, Maconochie chega a Norfolk como governador da referida colônia penitenciária. Inicialmente, se encarrega de aplicar seu sistema unicamente aos novos deportados não reincidentes, mas finalmente Maconochie aplica suas idéias em toda a colônia penitenciária. (VILCHES, 2004, pp.32-33, tradução nossa).[7]

O sistema de Maconochie dividia-se em três períodos: o primeiro o isolamento celular diurno e noturno, durante o qual o apenado iria refletir sobre o seu crime, chamado período de provas. Durante esse período o apenado podia ser submetido a trabalho obrigatório e receber comida escassa; após essa primeira fase, o apenado era recolhido às public workhouses, onde havia o trabalho comum em silêncio absoluto e o recolhimento durante o período noturno de modo isolado. Essa fase era dividida em “marcas”, daí o nome mark system, o condenado ia recebendo marcas, após receber a terceira marca, ele então era encaminhado à terceira fase do sistema, a liberdade condicional, quando então o condenado era agraciado com uma liberdade condicional, respeitando as condições, ele após certo tempo, recebia a liberdade definitiva.

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5.2 O SISTEMA PROGRESSIVO IRLANDÊS

O sistema progressivo inglês de Maconochie alcançou relativo sucesso. Porém, mais do que isso, é necessário preparar o recluso para a vida após a liberdade. Esse foi o grande mérito de Walter Crofton, o diretor das prisões na Irlanda, de acordo com Bitencourt “tido por alguns como o verdadeiro criador do sistema progressivo.”. (BITENCOURT, 2008, p.132). Crofton aperfeiçoou o sistema de Maconochie, criando o estabelecimento das “prisões intermediárias”, as quais são um período intermediário entre as prisões e a liberdade condicional, como meio de prova de aptidão do recluso para retornar à vida livre. O sistema de Crofton se divide em quatro fases: na primeira fase havia a reclusão celular diurna e noturna, ficando os reclusos incomunicáveis, recebendo alimentação reduzida; na segunda fase com a reclusão celular noturna e trabalho diurno em comum, assim como no sistema auburniano, havendo a obrigação do silêncio absoluto. Nesta fase há a divisão dos reclusos em classes e a progressão através de marcas. Após superar essa fase, o recluso evoluía para uma fase mais liberal, de acordo com Bitencourt:

A passagem de uma classe para outra, aqui como no sistema inglês, significava uma evolução do isolamento celular absoluto para um estágio mais liberal, propiciando a aquisição gradual de privilégios e recompensas materiais, maior confiança e liberdade. (BITENCOURT, 2008, p.133).

A terceira fase consistia no período intermediário, a novidade de Crofton, sendo o intermédio entre a prisão comum fechada e a liberdade condicional. A pena aqui era cumprida em prisões especiais, exercendo o recluso trabalho ao ar livre, fora do estabelecimento, preferencialmente trabalho agrícola. O trabalho era cumprido “em prisões sem muro nem ferrolhos, mais parecidas com um asilo de beneficência do que com uma prisão”. (NEUMAN apud BITENCOURT, 2008, p.133). Os reclusos dormiam em barracas desmontáveis, como verdadeiros trabalhadores itinerantes.

Após cumprida essa fase, o condenado entrava na fase da liberdade condicional, aqui nos mesmos moldes do sistema inglês, tendo inicialmente algumas restrições, sendo as mesmas diminuídas progressivamente, até que o condenado receba a liberdade plena. É de se ressaltar, de acordo com Bitencourt, que o sistema obteve grande sucesso, sendo adotado em diversos países. (BITENCOURT, 2008, p.133). Porém, o sistema progressivo começou a ser questionado no século vinte:

Apesar da difusão e do predomínio que o sistema progressivo alcançou, nas últimas décadas (especialmente a partir do Congresso de Berlim em 1933), sua efetividade tem sido questionada e sofreu modificações substanciais. Por exemplo, na ordenança alemã de 22 de julho de 1940, prescindiu-se desse regime de execução penal. Também na

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Suécia foi abandonado, especialmente a partir da Lei de Execução Penal, de 21 de dezembro de 1945, embora sem suprimir o conceito de progressividade no tratamento dos reclusos. Também na Dinamarca, a partir de 1947, o regime progressivo foi simplificado e recebeu maior flexibilidade. (BITENCOURT, 2008, p.133).

O sistema irlandês alcançou sucesso considerável, tal sucesso foi ocasionado pela inteligência de Walter Crofton e pelas freqüentes melhorias introduzidas por ele na prática do sistema inglês. (RIBOT apud BITENCOURT, 2008, p.133), tendo sido marcante em sua época, mas com algumas falhas, incompletudes, como por exemplo, a omissão em relação à educação dos condenados. Não há como mudar um homem sem prepará-lo educacionalmente e culturalmente, aqui um dos trunfos do Método APAC, o qual será estudado no próximo capítulo.

5.3 O SISTEMA DE MONTESINOS

A experiência do coronel Manoel Montesinos y Molina data de 1835 a 1850 como diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia na Espanha. Seu sistema impõe como última fase a liberação dos detentos que tenham dado mostras de trabalho e boa conduta, sendo seu trabalho precursor de vários dos princípios penitenciários contemporâneos. O sistema de Montesinos tem como postulados básicos os seguintes: em primeiro lugar, o objetivo principal da pena deve ser a reforma, ressocialização do condenado, sendo este o sustentáculo de seu sistema. Montesinos também admite como objetivo da pena a prevenção geral negativa. Em segundo lugar, o trabalho deve ser ponto chave no processo de ressocialização do preso, não um trabalho qualquer, mas um trabalho que o mesmo possa exercer ao deixar o presídio; por último, o respeito à dignidade do preso e o tratamento igualitário ao mesmo. O preso voltará à convivência social, afirma Montesinos, por isso não deve ser incutido no mesmo, raiva e ódio, gerando no mesmo sentimento de vingança, o qual será manifestado quando o mesmo sair, prejudicando mais a ordem social. Conforme afirma Beatriz Tébar Vilches em sua tese de doutoramento pela Universidade Autônoma de Barcela: El modelo de libertad condicional español:

Com o tratamento digno e igualitário aos condenados Montesinos pretende três finalidades. Por uma parte ser conseqüente com o fim reformador da pena e facilita-lo. Por outra, legitimar-se ante os condenados, pois esses vêem que são tratados como pessoas e que não existem favoritismos, o qual gera sua confiança ante o sistema. Finalmente esta confiança ajuda a manter a disciplina no centro penitenciário. (VILCHES, 2004, p. 27).

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Montesinos não teve nenhuma experiência penitenciária antes de trabalhar como diretor do presídio de Sán Agustín de Valencia, como ele mesmo escreve em suas memórias:

Sem modelo algum na Espanha para imitar, e também sem antecedentes onde me instruir de um ramo da administração desconhecido entre nós, qualquer um compreenderá os obstáculos que vão rodear meu empenho de aprender a teoria pela prática, e de inventar (por assim dizer) um sistema, que sem ser o mais acertado, foi ao menos conveniente para que o governo o aceitasse como tolerável. (MONTESINOS, 1846, p. 250, tradução nossa).[8]

Montesinos estuda o livro “Descripción de los más célebres establecimientos de Europa y Estados Unidos” de autoria de Marcial Antonio López, por intermédio da mesma, Montesinos toma conhecimento da realidade carcerária da Europa e dos Estados Unidos, seus acertos e fracassos. A obra serve como referencial para que o mesmo formule o seu sistema penitenciário.

O sistema de Montesinos se divide em três fases: a fase dos ferros, a fase do trabalho e a fase da liberdade intermediária. Durante a primeira fase, o preso deve carregar grilhões de ferro, esses de acordo com o tempo de condenação. Com o seu desenvolvimento, o peso dos ferros vão sendo diminuídos, tudo em decorrência do trabalho. O trabalho desempenhado pelos condenados será de acordo com suas aptidões e talentos, os mesmos desempenharão ofícios pertinentes à sua vida profissional, ou dentro daquilo que mais lhes atraem. É importante que o sistema de Montesinos fez com que os índices de reincidência fossem diminuídos em todos os países onde o mesmo foi adotado.

Bitencourt afirma que “entre suas qualidades mais marcantes encontram-se a poderosa força de vontade e sua capacidade para influir eficazmente no espírito dos reclusos.” (BITENCOURT, 2008, p.133). Montesinos conseguiu o respeito dos encarcerados não pelo castigo, o que é comum nos dias atuais, mas sim pelo seu valor moral, sendo um líder autêntico entre os mesmos.

As relações entre os reclusos se davam pelo respeito e confiança mútuos, criando sentimentos de cordialidade entre os recuperandos, os quais então percebiam que todos estavam com um mesmo objetivo, a ressocialização.

6 O MÉTODO APAC

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O método apaqueano, tradicionalmente conhecido por Método APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – genuinamente brasileiro, nasceu na cidade paulista de São José dos Campos, no ano de 1972, tendo como fundador o advogado Mário Ottoboni. É “um método de valorização humana, portanto de evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se, logrando, dessa forma, o propósito de proteger a sociedade e promover a justiça”. (OTTOBONI, 2004, p. 23). Quando surgiu, o objetivo se restringia ao trabalho com os recuperandos da cadeia pública de São José dos Campos, não tendo a pretensão de ser difundido mundialmente, como hoje o é verdade, conforme afirma o próprio Ottoboni.

Naquela oportunidade, pensamos em desenvolver um trabalho com a população prisional da única cadeia existente na mencionada cidade, com o objetivo único de amenizar as aflições de uma população sempre sobressaltada com as constantes rebeliões e atos de inconformismo dos presos que viviam amontoados no estabelecimento situado na região central da cidade. (OTTOBONI, 2004 p.23).

O Método APAC com o passar do tempo, ganhando dimensão e legitimidade devido a seus empolgantes índices, começou a se expandir para outros Estados da federação e até para o exterior, sempre tendo a experiência do próprio recuperando como exemplo principal do trabalho, o qual busca através do respeito ao mesmo seu retorno paulatino, sua volta ao convívio social. Inicialmente a sigla APAC tinha outro significado: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”, demonstrando o caráter religioso do método, o qual tem como bases a fé cristã e o conhecimento pelo homem do amor de Deus.

É de se ressaltar que o Método APAC tem uma característica bastante semelhante aos postulados defendidos por Alessandro Baratta, que, dentre outros, defende a abolição da prisão, sugerindo novas formas de autogestão social em relação à delinqüência. Conforme leciona Bitencourt:

A abolição da prisão supõe o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade no campo de controle da delinqüência. Tais formas autogestionárias de controle da delinqüência exigiriam a colaboração das entidades locais e das associações obreiras, a fim de evitar o isolamento social que sofre o infrator quando é recolhido a uma instituição penitenciária. Essa transformação implicaria a abolição da instituição penitenciária fechada e a utilização da prisão aberta. (BITENCOURT, 2008, p.119).

Bitencourt não acredita que essa possibilidade seja alcançada num futuro próximo, mas sim num futuro distante, arrolando empecilhos à sua rápida efetivação, dentre os quais o mesmo cita: em primeiro lugar, a prisão não pode ser suprimida, deve haver a sua reforma, mas como meio de controle social é imprescindível à sociedade; em segundo lugar, os obreiros e as associações comuns não estariam dispostos a assumir o controle da delinqüência; por último, afirma que a pena privativa de liberdade não pode ter sua

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execução aberta, haja vista existirem presos com índole mais perigosa que outros. Deste modo, não há como dar tratamento igual a todos os tipos de atos criminosos.

Em relação ao segundo argumento de Bitencourt, é de se concordar com o mesmo. Realmente e, infelizmente, a APAC não é bem recebida por algumas camadas da sociedade. Em localidades onde a APAC está instalada, muitas pessoas afirmam que a mesma serve para defender criminosos, e os voluntários são vistos pela comunidade de maneira negativa, a qual não entende a filosofia do método.

A APAC defende a participação da sociedade no cuidado com seus recuperandos, gerando assim a possibilidade efetiva de ressocialização dos mesmos, os quais perceberão o zelo e interesse social pelo seu retorno ao convívio social. E considera a apatia e o distanciamento da população em relações às questões prisionais como elemento perturbador de tal ressocialização, principalmente, nos dias atuais em que a população se encontra aterrorizada com os altíssimos índices de violência, mormente no Brasil, muitas vezes defendendo a efetivação da pena de morte e o uso da tortura como condicionantes da paz social, da diminuição da criminalidade. Obviamente que de maneira ingênua e até mesmo como modo de retirar de si a parcela, mesmo que seja mínima, de responsabilidade com os problemas sociais.

Dentre os nomes do método apaqueano está o do advogado Franz de Castro Holzwarth, morto metralhado pela polícia em 1981, quando era refém de presos rebelados. Existindo, inclusive, proposta de canonização do mesmo, tornando-se patrono dos presos e condenados da justiça, conforme entrevista com a participação de Mário Ottoboni, Mário Celso Candelária Bernardes Ottoboni, e Padre Dimas de Paula Inácio e da Irmã Célia Cardorin da Congregação Irmãzinhas da Imaculada Conceição, realizada na capital paulista no dia 5 de maio de 2008, conforme noticiado na Gazeta Apaqueana de junho de 2008.

Estruturalmente, o Método APAC se baseia no sistema progressivo, com o intuito de devolver o recuperando realmente recuperado à sociedade. Tendo como elementos principais a participação da comunidade, aqui a semelhança mais uma vez com a teoria de Baratta, a comunidade deve despertar para o fato de que o Estado não conseguiu tomar conta da função essencial da pena. Dentro do método, os voluntários (pessoas da comunidade, familiares dos recuperandos, médicos, psicólogos, advogados, pedreiros) têm função primordial, auxiliando na manutenção estrutural do estabelecimento prisional.

O método prima também pelo lado espiritual. Nesses moldes, há diversos retiros espirituais, com a participação dos recuperandos e de suas famílias, as famílias participam ativamente do processo de recuperação, inexistindo aquela angústia de outros estabelecimentos prisionais, nos quais há distância efetiva entre os presos e seus familiares, fazendo aumentar os índices de fuga e reincidência, gerando nos presos o sentimento de vingança. Um segundo item importante é o fato de o próprio recuperando ajudar ao outro, os mais saudáveis ajudam os doentes, assim como os mais novos os mais velhos. Nos dizeres de Ottoboni:

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É fundamental ensinar o recuperando a viver em comunidade, a acudir o irmão que está doente, a ajudar os mais idosos e, quando for o caso, a prestar atendimento no corredor do presídio, na copa, na cantina, na farmácia, na secretaria etc. (OTTOBONI, 2004, P.67).

Ao se entrar num estabelecimento com o método implantado, já de início será notada a administração desse pelos próprios recuperandos, com um recuperando responsável pela portaria. Não há polícia, mas sim a vigilância pelos próprios recuperandos. A cozinha é de responsabilidade dos mesmos, assim como o auxílio em assuntos burocráticos e administrativos.

Para efetivar esse quesito, foram criados diversos alguns órgãos internos, dentre os quais a Representação de Cela que tem o objetivo de manter a harmonia entre os recuperandos, manter a higiene das celas, treinando líderes, havendo o rompimento dos tradicionais “códigos de honra”.

Há também o Conselho de Sinceridade e Solidariedade, órgão opinativo, cujo representante é escolhido pela diretoria da APAC por prazo indeterminado. O Conselho tem como funções principais opinar sobre a disciplina, segurança, distribuição de tarefas, realização de reformas, promoção de festas, celebrações, etc. Outro item fundamental do método é o trabalho. Mas, nos dizeres de Ottoboni, ele não é o único elemento recuperador do ser humano.

Existem muitas pessoas que pensam, de forma equivocada, que tão-somente o trabalho recupera o ser humano. Mas isso não é verdade. Se o fosse, muitos países do primeiro mundo, sobretudo aqueles que instituíram as prisões privadas, teriam encontrado a solução para o problema. (OTTOBONI, 2004, p.69).

O trabalho deve começar no regime fechado, sendo recomendados os trabalhos laborterápicos (artesanais) para esse regime. Deste modo, existe uma oficina laborterápica dentro do estabelecimento. No regime semi-aberto haverá o trabalho através de oficinas, aqui já inicializando a fase da especialização. É de se ressaltar que é frutífero o trabalho dentre do Método que diversas entidades industriais possuem convênio dentro dos estabelecimentos, inclusive ministrando cursos profissionalizantes. Já no regime aberto, os recuperandos, já preparados para o mercado de trabalho, exercem diversas tarefas em estabelecimentos dentro da própria sociedade.

A assistência jurídica é outro trunfo do método. Nele todos os recuperandos cumprem seu prazo de maneira correta, chegando o dia do término de sua condenação, estão livres, inexistindo a possibilidade de já tendo cumprido suas penas, continuarem presos, como é comum no sistema comum. No método, o departamento jurídico acompanha de perto, um por um, o cumprimento da pena. Sabemos que quase a totalidade da população carcerária não possui condições financeiras para contratar um advogado, isso faz com que a situação acima narrada continue ocorrendo.

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Além da assistência jurídica, é prestado aos recuperandos assistência médica, odontológica e psicológica dentro do próprio estabelecimento, todos esses serviços são prestados voluntariamente pelos voluntários, os quais passam por um curso dentro da própria APAC.

O ponto alto da metodologia é a Jornada de Libertação com Cristo, a qual se compõe de três dias de reflexão entre os recuperandos, familiares, voluntários. Durante a jornada são apresentados testemunhos, palestras, músicas, mensagens, tais atos têm por objetivo apresentar e repensar o verdadeiro sentido da vida, sendo de extrema importância para a recuperação daqueles que transgrediram as regras da sociedade. Ottoboni explica o procedimento da Jornada:

A Jornada se divide em duas etapas: a primeira preocupa-se em revelar Jesus Cristo aos jornadeiros. Sua bondade, autoridade, misericórdia, humildade, senso de justiça e igualdade. Para Deus todos são iguais e titulares dos mesmos direitos. A parábola do filho pródigo é o fio condutor da Jornada, culminando com o retorno ao seio da família, num encontro emocionante do jornadeiro com seus parentes. (OTTOBONI, 2004, p.69).

Deste modo, percebe-se a preocupação do método com a dignidade do recuperando, o que reflete nos altos índices de recuperação, muito superiores aos do sistema comum, atingindo os motivantes índices de noventa e dois por cento na APAC da cidade mineira de Itaúna, uma das APAC’s modelo em todo o mundo, ensejando assim a implantação do método em várias outras comarcas do Brasil e até mesmo em outros países. O que anima toda a sociedade a trabalhar e acreditar que há solução, basta matar o criminoso e fazer nascer o homem que existe dentro de cada um!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com as passagens anteriores, explorando os sistemas penitenciários, dos clássicos ao método brasileiro APAC, viu-se, de maneira sucinta, a realidade carcerária ao longo da história. Com uma reflexão, a qual não necessariamente tem que ser profunda, dá-se para concluir pela falência da prisão, a qual não ressocializa e, nos dias atuais, não previne os crimes, visto ser de praxe frases como: “prisão é para pobre!” e “não tenho medo de cometer crime, pois sei que não serei preso!”. Infelizmente, temos que aceitar que o senso comum in casu não é inverídico em muitos casos.

Seguindo a inteligência de John Howard, as prisões não devem servem para destruir as vidas das pessoas, mas como local de reeducação e preparo para o retorno à sociedade, e

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em caso de ainda não haver sentença condenatória, como um local para se esperar até o julgamento definitivo. Mas, o que se tem visto através da história das prisões é o contrário, a prisão tem servido como um local sujo, desumano, diabólico, onde o recluso será submetido a todos os tipos de desrespeitos, seja aos direitos humanos, seja em sua dignidade. E depois, de maneira hipócrita e sensacionalista, espera-se que ele saia da mesma como um “homem novo”, mas um homem pior, amargurado e que quer se vingar do sistema que o colocou naquele local, de onde todas as suas lembranças são negativas.

Uma reforma há de ser feita, principalmente no Brasil, onde todos os tipos de barbaridades são cometidos contra a população carcerária. Sendo inclusive comum, mulheres serem encarceradas juntos com os homens, tudo com a conivência e a omissão, em alguns casos, dos altos escalões do poder, incluindo polícia, Ministério Público e Poder Judiciário, o que foi, há pouco tempo, manchete de jornal em âmbito nacional.

Conforme o ensinamento apaqueano, matar o criminoso e ressucitar o homem, deve-se trabalhar em prol de um sistema penitenciário humano e ressocializador, de onde os encarcerados possam sair e produzir frutos benéficos a toda sociedade, trabalhando em prol da melhoria e desenvolvimento social. Enquanto os encarcerados forem preparados para serem “animais humanos”, verdadeiras feras, e que um dia irão sair das jaulas e voltar para as ruas, a criminalidade continuará a crescer ainda mais.

Dos diversos tipos de sistemas penitenciários tira-se uma lição: do sistema pensilvânico, conclui-se que o homem não nasceu para viver em solidão e muito menos permanecer sem trabalho, improdutivo. O trabalho dignifica o homem, conforme nos ensina o dito popular. Ademais, pode-se ressaltar que a relação entre desemprego, desocupação, ócio, e crime é nítida. Ensina-nos outro dito popular que: “mente vazia é oficina do diabo”! Assim, o sistema pensilvânico peca por manter o preso em total isolamento e por não dar a ele a oportunidade de exercer um trabalho, do qual o mesmo poderá tirar o sustento para sua subsistência.

Do sistema auburniano conclui-se que há muito mais forças por detrás da tentativa de ressocializar, trazer o preso de volta para a sociedade, do que podemos imaginar. O sistema foi, aos poucos, sendo combatido pelo fato de fazer com que os produtos produzidos pelos encarcerados ganhassem o mercado com preços menores, devido à mão-de-obra mais barata, o que desagradou os empresários. Assim, as molas do capitalismo são movidas, o ser humano perde espaço às regras do sistema capitalista, capitalismo perverso e excludente.

O sistema progressivo, em tese, é uma solução bastante razoável para a tentativa de ressocialização do condenado, usando as palavras de Ferri, afirmamos também que “é menos pior que os outros”, apesar de também esse sistema hoje encontrar em crise. Em relação à APAC, podemos nos orgulhar. Além de ser modelo brasileiro, é um modelo que tem apresentado bons resultados, apesar das também inúmeras críticas que lhe são endereçadas. Hoje, com o modelo apaqueano tem se preocupado com a vida do recuperando não só intra-muros, mas também extra-muros, após a sua saída. É valorizada a atividade laboral, os talentos podem ser trabalhados, para aqueles que tiveram a oportunidade de conhecer muitos trabalhos artesanais feitos por vários recuperandos, é impressionante e motivante.

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Todavia, fica provado que se não houver vontade efetiva por parte do poder público, tudo não passa de utopia. Continuar-se a tratar o encarcerado como uma fera, fera que deve ser afastada do convívio social, pois são criminosos, desrespeitaram a lei, lei dos homens ou a lei divina, muitas das vezes ambas, outras, somente a lei dos homens.

E a sociedade tem que ter em mente que tratar desumanamente um condenado é maléfico à mesma. Pois quando este condenado ganhar a liberdade, voltará a cometer outros crimes, ficando desestabilizada a paz social, aumentando os já altíssimos índices da criminalidade, mormente no Brasil. Nenhum ser humano quer ser anulado, mas sim tratado com o devido respeito. E há condenados que podem trabalhar em prol da sociedade, basta dar uma chance ao homem que há dentro de cada um. Esta é verdadeira missão do sistema penitenciário!

REFERÊNCIAS

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BENTHAM, Jeremy. El Panopticum. Madrid: Thomson, 2000.

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[1] Todo Derecho se halla vinculado a la autorización para emplear coacción, y la coacción más intensa es la del Derecho penal.

[2] El enfrentamiento radical de estos puntos de vista, dio lugar a partir del último cuarto del siglo pasado, a la llamada "lucha de escuelas", que no es en verdad otra cosa que una disputa en torno a los principios legitimantes del derecho penal. Mientras la llamada Escuela Clásica mantuvo el critério legitimante de la justicia a través de las "teorías" absolutas de la pena, la Escuela Positiva proponía como único criterio el de la utilidad expresándolo por medio de las "teorías" relativas modernas de la pena.

[3] Cuando un hombre ha estado en la cárcel una vez, vuelve. Es inevitable, las estadísticas lo demuestran. Los informes anuales de la administración de justicia penal de Francia muestran que la mitad de los que comparecen ante los jurados y dos quintas partes de los que anualmente comparecen ante los órganos menores por faltas reciben su educación en las cárceles. Casi la mitad de los juzgados por asesinato, y tres cuartas partes de los juzgados por robo con allanamiento son reincidentes. En cuanto a las cárceles modelo, más de un tercio de los presos que salen de estas instituciones supuestamente correctivas vuelven a ser encarcelados en un plazo de doce meses después de su liberación.

[4] Es cierto que estos datos ponen en crisis mucho más que el concepto de reincidencia e indican la urgencia de compatibilizar el discurso jurídico-penal con datos elementales de las ciencias sociales, pero particularmente en este ámbito de la reincidencia resultan demoledores de varias tesis jurídicas, cuyo contenido, desde la perspectiva de las ciencias sociales, resulta trágicamente ingenuo.

[5] ¿Qué debe ser una prisión? La permanencia en um sitio donde se priva de la libertad a individuos que han abusado de ella, para prevenir nuevos crímenes de su parte y para disuadir a otros mediante el terror del ejemplo. Es, además, una casa de corrección en donde hay que proponerse reformar lãs costumbres de los individuos detenidos, a fin de que su regreso a la libertad no sea una desgracia, ni para la sociedad ni para ellos mismos.

[6] El 10 de diciembre de 1998, día del 50 aniversario de la Declaración Universal de Derechos Humanos, 400 reclusos de la cárcel municipal de Osasco, en São Paulo, fueron arrastrados fuera de sus celdas por la policía y obligados a correr entre dos filas de policías que, a medida que pasaban, les propinaban golpes y patadas, observados por el juez que autorizó la “operación”.

[7] Maconochie ocupa su primer puesto en la administración penitenciaria em Van Diemen´s Land, colonia fundada en el año de 1803, a la que Maconochie llega en 1837. A partir de su observación del funcionamiento de esta colonia penitenciaria, Maconochie empieza a reflexionar sobre la organización, disciplina y cuidado de los presos, elaborando un sistema penitenciaria que divulga en diversos escritos. En 1839 el gobierno británico ofrece a Maconochie la oportunidad de poner en práctica su sistema en Norfolk. El 6 de marzo de 1840 Maconochie llega a Norfolk como gobernador de dicha colonia penitenciaria. En principio se le encarga que aplique su sistema

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únicamente a los nuevos deportados no reincidentes, pero finalmente Maconochie aplica sus ideas en toda la colonia penitenciaria.

[8] Sin modelo alguno en España que imitar, y sin antecedentes tampoco, donde instruirme de un ramo de administración, desconocido entre nosotros, cualquiera comprenderá los obstáculos que iban á rodear mi enpeño de aprender la teoria por la práctica, y de inventar (por decírlo así) un sistema, que sino el más acertado, fuera al menos bastante conveniente, para que lo aceptase el gobierno como tolerable.