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4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
O MUSEU HERING EM DIÁLOGO COM O PATRIMÔNIO INDUSTRIAL DA CIA. HERING
PAES, GUSTAVO NASCIMENTO
Museu Hering
Rua Hermann Hering, nº 1.740, Bom Retiro, Blumenau, SC – CEP 89010-900 [email protected]
RESUMO
O estado de Santa Catarina e seu contexto de industrialização são vestígios dos valores históricos, social, tecnológico e cientifico da região. O Vale do Itajaí, um dos marcos do desenvolvimento industrial teve diferentes empreendedores e, nesse contexto abordaremos a cidade de Blumenau especificamente pelo contexto da Cia. Hering, que em 2010, abriu para a comunidade civil o Museu Hering. Tendo como estratégia a primeira exposição de longa duração, “Tempo ao Tempo”, que objetiva revelar a participação da família Hering no desenvolvimento da indústria têxtil. Assim, o artigo aborda a temática da musealização do patrimônio industrial a partir do contexto histórico da região em diálogo com a proposta museográfica e expositiva do Museu e os enfrentamentos que estão em pauta no que diz respeito principalmente ao acervo sobre guarda.
Palavras-chave: Patrimônio Industrial; Museu Hering; Cia. Hering; Acervo
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Introdução
Os bens produzidos pela civilização industrial atualmente constituem uma fonte de recursos
para o desenvolvimento e a redefinição das identidades urbanas e territoriais tanto nos países
de antiga industrialização quanto nos países em desenvolvimento.
Como comenta Kühl (2006, p.1), o interesse pela preservação do patrimônio industrial é
relativamente recente e deve ser entendido no contexto da ampliação daquilo que é
considerado bem cultural. As discussões e debates sobre o assunto iniciou-se na Inglaterra
em meados dos anos 1950, época que foi cunhada a expressão “arqueologia industrial”. Vale
ressaltar que significativos esforços foram feitos para se definir o que é patrimônio industrial,
estabelecer parâmetros cronológicos e elaborar estudos com o objetivo de determinar o que e
porque preservar.
O patrimônio industrial interessa a várias áreas do conhecimento, em especial as humanas,
estando ligada a antropologia, museologia, sociologia, história social, do trabalho, econômica,
das ciências, da técnica, da arte, das cidades, etc. Podemos entendê-la como o esforço
multidisciplinar – de inventários, de registro, de pesquisas históricas – documentais e
iconográficas, etc. (Kühl, 2006, p.1).
Vale destacar o texto da Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial na Assembleia
Geral do The International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH),
de caráter trienal, que se realizou em Nizhny Tagil, Rússia, em 17 de Julho de 2003, o qual foi
posteriormente apresentado ao "International Council of Monuments and Sites” (ICOMOS)
para ratificação e eventual aprovação definitiva pela “Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura” (UNESCO).
O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infraestruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação [...]. Proteção legal: o patrimônio industrial deve ser considerado como parte integrante do patrimônio cultural e a sua proteção legal deve levar em consideração a sua natureza específica, que deve ser capaz de proteger as fábricas e as suas máquinas, os seus elementos subterrâneos e as suas estruturas no solo, os complexos e os conjuntos de edifícios, assim como as paisagens industriais e áreas de resíduos industriais e ruínas [...].
4º COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
Em Santa Catarina, as pré-condições à industrialização eram muito distintas das do eixo Rio
de Janeiro – São Paulo, na qual as lavouras e a comercialização do café originaram
excedentes que se transferiram para o setor industrial, financiando a primeira fase do
desenvolvimento.
Em Santa Catarina, os excedentes comerciais eram insuficientes para viabilizar a implantação
de empreendimentos de médio e grande porte. Daí, o fato de os primeiros empreendimentos
terem sido em sua maioria pequena, resultado das poucas economias dos imigrantes
recém-chegados e, principalmente, do conhecimento que traziam, (Locatelli, Goss, Proençaet
al., 2000, p.22).
Para isto temos como objeto de estudo a cidade de Blumenau, que apesar de ser um
empreendimento particular de colonização, em 1850, é fruto da política de colonização
europeia do Governo Imperial, que necessitava de mão-de-obra livre e assalariada para
substituir o trabalho escravo (fim do tráfego negreiro em 1850), clarear a população brasileira
e ocupar estrategicamente o Sul do país que ainda se encontrava em disputa com a Espanha,
com o aval da “Lei das Terras de 18501”, que segundo Bielschowsky (2009), transformou o
solo em mercadoria, ou seja, a Colônia particular do alemão Dr. Hermann Bruno Otto
Blumenau, nascendo diretamente das relações capitalistas que estavam sendo introduzidas
no país.
O valor do Patrimônio Industrial de Blumenau é o seu conjunto, desde a influência germânica
e a “criação” da cultura teuto-brasileira para a formação de uma cidade industrial, passando
pelos diversos períodos de desenvolvimento e crises, o patrimônio edificado e social até o seu
significado atual. (Bielschowsky, 2009, p.45).
Blumenau preserva ainda, em boa parte, o acervo material e social constituído por mais de um
século de desenvolvimento, devido a uma estreita e simbiótica relação entre o ambiente de
produção e o ambiente urbano, que reflete também no desenvolvimento das relações sociais.
Conforme Bielschowsky (2009), são bens patrimoniais dessa relação que constituem o
Patrimônio Industrial de Blumenau: a influência da cultura trazida pelos imigrantes alemães,
os locais escolhidos para a implantação de seus estabelecimentos industriais, as formas de
apropriação destes espaços, a relação entre produção e natureza estabelecidas no início, o
desenvolvimento e a evolução desses conjuntos arquitetônicos e urbanísticos, as formas de
adaptação dos edifícios e suas ampliações ao sitio físico e as novas tecnologias dos
1 Lei de Terras, como ficou conhecida a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, foi à primeira iniciativa no sentido
de organizar a propriedade privada no Brasil. Até então, não havia nenhum documento específico que
regulamentasse a posse de terras e com as modificações sociais e econômicas pelas quais passava o país.
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maquinários, que marca as diferentes fases da industrialização local e estão representados
nas paisagens culturais resultantes destes processos.
Nesse artigo, teceremos as questões tendo como contexto a empresa têxtil Cia. Hering, que
no ano de 1880 marcou um divisor de águas entre a indústria artesanal e a fabril. Parte dessa
trajetória histórica e social pode ser vista no Museu Hering, pertencente à Fundação Hermann
Hering. Esse museu propõe uma estrutura institucional museológica concebida para a
preservação, pesquisa e comunicação pública daquilo que se designou como patrimônio
cultural da Indústria Têxtil da Companhia Hering, segundo o projeto museológico.
Museu Hering e sua concepção
A proposta do projeto expositivo, que fez parte do “Projeto Museológico do Museu Hering”,
coordenado pela museóloga Marilia Xavier Cury (2010), verificou que “trata-se da primeira
iniciativa da Cia. Hering para a implantação e inauguração de uma instituição museológica
comprometida com a preservação e comunicação do patrimônio industrial vinculado à
empresa”.
O Museu Hering teve como estratégia de implantação a veiculação da primeira exposição de
longa duração, intitulada, “Tempo ao Tempo”, uma redução de uma das frases citadas por
Hermann Hering, muitas vezes relatadas por seu filho Paul: “Dê tempo ao tempo”.
Essa exposição esta localizada na casa enxaimel (fins do século XIX), tombada pelo Decreto
do Estado de Santa Catarina nº 5.913 de 21 de novembro de 2002 (conjunto arquitetônico que
integra o complexo fabril, formado por cinco edificações). Atribui-se a essa construção o
primeiro refeitório e a biblioteca da empresa, após a sua instalação no bairro do Bom Retiro.
A concepção da exposição/museu teve como objetivo, revelar a participação da Cia. Hering
no desenvolvimento da indústria têxtil, cultivando o compromisso com a valorização do
patrimônio cultural. De acordo com o que propõe o Projeto Museológico, os conceitos centrais
do Museu Hering se estruturam a partir da dualidade. Base para a filosofia da nova instituição
museológica, o Museu Hering estará (está) comprometido com a identificação que o brasileiro
tem com a Cia. Hering, com as construções das memórias individuais e coletivas, assim como
as questões identitárias e a diversidade cultural.
O objetivo geral do Museu, que se alimenta na sua base filosófica, é cultivar uma cidadania ligada à participação, à ética, aos direitos individuais e coletivos, à justiça social. Quanto aos objetivos específicos, vislumbramos: - construir a ideia de patrimônio industrial, - conhecer e analisar a história da indústria têxtil no Brasil e no Vale do Itajaí,
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- refletir sobre empreendedorismo, - refletir sobre moda, hábitos e costumes. Consideramos que esta primeira exposição de longa duração deva dar uma visão o mais global possível da problemática do Museu, em se tratando de uma linguagem singular com potencialidades e limites. Ainda, o que particularizará o processo será a expectativa do público, considerando a população de Blumenau e região, os funcionários da Cia. Hering e a família Hering. (CURY, Marília Xavier. Museu Hering – Dois Peixinhos – Tempo ao Tempo. Projeto Expositivo. Junho de 2010.)
Cury (2011) propõem como enunciado central a trajetória da Cia. Hering, as pessoas e o
trabalho e em consonância com o espaço que atua, nesse caso, específico com os brasileiros.
Sua justificativa é dada a partir do cenário blumenauense em que as indústrias, imigrantes e
grandes empreendedores que souberam interpretar as informações do ambiente e do seu
tempo e criar uma situação industrial respeitável e única.
A Cia. Hering é um exemplo disto, além de ser protagonista do processo de industrialização
têxtil no Brasil é importante perceber que o êxito não foi uma situação dada, mas resultado de
circunstâncias construídas com empenho, experiência, inteligência e flexibilidade, para
enfrentar as adversidades do meio ambiente, econômicas e de recursos. Olhando para trás,
podemos reconhecer momentos ou fases em cenários que foram se modificando e revelando
personagens, lugares, sucessos, perdas e ganhos, aquisições e crescimento.
Para abordar essa história, que em agosto de 2010, completava 130 anos, temos a
materialização do projeto museografico e expográfico, contado por meio de um museu e uma
exposição, fato possível devido à visão dos sucessivos responsáveis pela empresa que se
esforçam para preservar os bens móveis e imóveis da empresa, patrimônio industrial em
processo de musealização, de interesse de Blumenau, Santa Catarina e do Brasil.
O design da exposição privilegia dois momentos: (1) a trajetória, os atores e o patrimônio cultural da empresa e (2) a moda, hábitos, costume e criatividade. Dessa forma, criamos duas linguagens distintas: (1) uma mais formal e (2) outra informal, descontraída e muito colorida. (CURY, 2011, p.97.)
Essas duas linguagens estão espacialmente separadas entre os pisos térreo e inferior, pela
qual motivam o visitante de maneiras distintas. No piso térreo o visitante é convidado a uma
participação contemplativa e introspectiva, memoriosa para alguns. No piso abaixo o visitante
é convidado para o lúdico, para o exercício da criatividade, a evocação de lembranças e o
sentimento de saudades, o riso e a diversão, em interação com outros visitantes e familiares.
Mas, sobretudo, o design enfrenta o desafio da dualidade entre formas que, aparentemente
antagônicas, se unem no propósito de expressar a complexidade a um processo, de maneira
inteligível e respeitosa com o público.
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Blumenau e sua industrialização
No Vale do Itajaí, região catarinense de imigrantes vindos da Alemanha, a partir do final do
século XIX, voltados ao trabalho fabril, deixou de se dedicar somente à formação de uma
colônia agrícola para contribuir na urbanização e industrialização da cidade. Adaptando-se às
condições locais, os migrantes europeus dão lugar a uma nova cultura, teuto-brasileira, na
qual mantêm ou transformam os traços linguísticos, comportamentais ou sociais de forma
diferente do seu país originário.
O fator determinante para a escolha do local, para a implantação da Colônia, foi o último ponto
navegável do Rio Itajaí-Açú, onde pudesse instalar um porto para conectar sua Colônia com o
litoral e o mundo. Para tanto utilizou, segundo Bielschowsky (2009), o máximo aproveitamento
do transporte fluvial num primeiro momento, para conectar com outro tipo de
transporte/locomoção num segundo momento, que seria a implantação da malha ferroviária.
O núcleo central começou a se desenvolver a partir da praça do antigo porto fluvial, na foz do
Ribeirão Garcia, onde se instalou a casa de administração e cadeia.
Apesar da ocupação inicial da Colônia ter sido adaptada para a utilização agrícola, as
constantes chegadas de novos imigrantes com conhecimentos práticos e técnicos
contribuíram para o estabelecimento e o rápido desenvolvimento de um centro comercial
regional, com destacada importância aos estabelecimentos comerciais no primeiro momento
e estabelecimentos bancários e, de crédito posteriormente, acelerando assim o processo de
urbanização e introdução do colono às relações capitalistas. (Bielschowsky, 2009, p.24)
Com a chegada dos novos imigrantes mais “urbanos”, novas influências germânicas foram
introduzidas, como o modo de viver urbano derivado das relações capitalistas, o que
posteriormente contribuiu para a constituição de uma nova cultura local, teuto-brasileira, que
vai organizar os espaços, definir a vida social e marcar a paisagem local com a sua cultura.
Como explana Bielschowsky (2009), a chegada desses novos imigrantes vindos de regiões
que já haviam iniciado o processo de produção industrial na Alemanha foi decisiva para a
implantação das primeiras unidades industriais têxteis em Blumenau. Assim como no restante
do país, a industrialização inicia com a produção de bens de consumo não duráveis, como
alimentos e têxteis /vestuário, com necessidade de pouco investimento financeiro e tecnologia
bastante rudimentar.
A família Hering, fundadores da primeira unidade de produção têxtil em Blumenau, é o melhor exemplo disso. A tradição foi constituída na região de Chemnitz, no Eleitorado da Saxônia, região que definiu o início da industrialização têxtil na Alemanha em 1830, meio século antes de se reproduzir no Brasil, neste caso, em Blumenau. (BIELSCHOWSKY, 2009, p.26)
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Essa tradição da família Hering vem de longa data, pois desde os registros mais antigos
encontrados pela família, que datam de 1686, todos os antepassados da Alemanha, sem
distinção, foram tecelões ou mestres de tecelagem e malharia. Hermann Hering, fundador da
primeira indústria têxtil de Blumenau, nasceu em Hartha, região de Cheminitz, Saxônia,
Alemanha, e era o filho mais velho de uma família com tradição têxtil que possuía uma
tecelagem própria.
Em 1852, iniciou os estudos e em 1860 tornou-se mestre de tecelagem. Por volta de 1870,
seu irmão Bruno se juntou a ele na Gebruder Hering, em meio à crise econômica instaurada
após a unificação do Estado Alemão, devido à bancarrota vienense, que prejudicou os
comerciantes com a falência de diversas firmas.
A propaganda sobre o Novo Continente, divulgada pelos agentes de emigração assegurava
que os imigrantes seriam proprietários de terras próprias, porém não mencionava as
dificuldades que eles teriam como a adaptação ao clima, relevo e a mistura de raças.
Hermann chegou ao Brasil em 1878, sozinho e somente dois anos depois chegou o resto de
sua família e o seu irmão sócio Bruno, dando assim início às atividades têxteis.
A primeira unidade têxtil, fundada em 1880, a pequena fábrica de camisetas
“Trikotwaaren-Lager von Gebruder Hering” foi instalada na principal rua comercial, a
Wurststrasse (atual Rua XV de Novembro), com recursos técnicos rudimentares, mas com
uma longa tradição familiar de tecelões. A edificação era muito simples, “casinha baixa com
telhado pontudo”, localizada no terreno em que foi construída a grande “Lojas Hering” e, que
hoje funciona como um shopping. Enquanto Hermann coordenava a parte produtiva, seu
irmão Bruno carregava seu cavalo com algumas dúzias de camisetas e vendia os produtos em
toda a colônia, de casa em casa, indo até Itajaí, distante 50 km.
Pelo que consta nas fontes pesquisadas, no começo todo o trabalho da fábrica era manual e
feito pela própria família. Porém, com a compra do segundo e terceiro tear, foi necessária a
contratação de operários e viu-se a necessidade de maior espaço físico para se trabalhar e
acomodar as máquinas, além da necessidade de uma força motriz mais adequada para
movimentar os teares (Fonte: Site Cia. Hering).
Em 1887, os irmãos Hering mudaram a fábrica para o Vale do Ribeirão do Bom Retiro,
localizado nas proximidades da zona central da cidade, onde dispunha de força motriz
hidráulica do Ribeirão do Bom Retiro e um terreno para suas futuras ampliações, fazendo com
que o empreendimento experimental de 1880 assumisse, conforme Bielschowsky (2009),
juridicamente o porte de empresa, registrado com a denominação de Comercial Gebruder
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Hering. Com a possibilidade da utilização da força hidráulica e um enorme terreno para
expandir a fábrica, a pequena oficina familiar e comercial tomava ares de empreendimento
industrial.
Em seguida, como comenta Bielschowsky (2009), foram fundadas duas tecelagens, em
pontos completamente opostos, porém com a mesma lógica de implantação: aproveitamento
da força hidráulica (energia), dos caminhos existentes (transporte) e proximidade dos núcleos
agrícolas existentes (mão-de-obra). Para tanto, podemos perceber que a família Hering, teve
como foco o contexto de empresa familiar, que passaria a ter seu capital aberto no inicio dos
anos 1960.
A empresa familiar é aquela que se interfaceia com a família, tanto pela interação recíproca quanto pela relação comum desde a institucionalização do negócio. O fator hereditário é a características mais importante e preponderante na estrutura de poder (sucessão), sempre interligada a figura do fundador e sobrenome da família. Pode-se afirmar que a evolução industrial foi decorrência da expansão comercial e acumulação europeia. O passo seguinte foi o surgimento das grandes organizações produtivas (FILHO, 1986, p.13).
Em cartas trocadas por dona Minna Hering, esposa de Bruno Hering, podemos perceber a
importância das mulheres no contexto social da empresa, em que além de auxiliares nas
atividades do lar, atuavam também no contexto têxtil. Em 1908, teríamos.
Blumenau se destaca em exposição nacional - Os prêmios conquistados por Santa Catarina na Exposição Nacional deste ano, enchem de orgulho seus industriais e agricultores que só perderam, em número de medalhas, para o estado de São Paulo. A participação de Blumenau foi significativa e tiveram destaque os tecidos de meia produzidos por Gebrûder Hering; as rendas, bordados e aplicações de filó de Ricardo Frohnel; os queijos e manteigas de Frederico Spechet; os azeites e condimentos de Gustav Salinger; as farinhas e féculas de Samuel Katz e os guarda- chuvas de Max Creuz. (Acib 90 anos de memória, 1989, sem página.)
Nesse contexto, não podemos anular a experiência pratica da força de trabalho feminina na
indústria têxtil blumenauense. Por sua habilidade em lidar com este tipo de manufatura, as
mulheres eram responsáveis pela maior parte da produção.
A titulo de contextualização a Empresa Industrial Garcia, germinou sob os cuidados de uma
mulher – Bertha Mathilde – era casada com Gustav Roeder, ex- sócio da Tecelagem Roeder,
Karsten & Hadlich, o qual fundou em 1885 uma pequena tecelagem e tinturaria na região
Garcia (PETRY, p.89). Bertha Mathilde tornou-se a “alma comercial” da tecelagem, que
chegou a operar 10 teares sob sua orientação. Em 1896, com a morte da empresária, a
fábrica entrou em declínio, até que em 1900, Gustav Roeder optou por vendê-la a três
comerciantes (Petry, 200, p.90). Décadas mais tarde, outras mulheres protagonizaram papéis
igualmente significativos no setor têxtil.
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Para alguns estados o período entre guerras era de franca expansão da indústria, em
Blumenau e Joinville, nos principais centros econômicos, não faltou os reveses políticos. A
partir de 1938, Getúlio Vargas, iniciou a campanha nacionalista que perseguiu descentes de
alemães e italianos em todo o sul do país por suspeita de envolvimento com o nazi-fascismo.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 1942, Vargas nomeou Nereu
Ramos como interventor em Santa Catarina, dando início a uma verdadeira caça às bruxas
contra os imigrantes de origem alemã e italiana. Blumenau chegou a sofrer intervenção militar
e a população foi obrigada a aprender a falar o português.
O desenvolvimento industrial de Santa Catariana, entre 1880 e 1945, foi profundamente
marcado pela habilidade de diversos empreendedores em aproveitar os espaços e as
oportunidades do mercado. Entre as décadas de 20 e 40 surgiram empresas como: Duas
Rodas, Teka, Cremer, Artex, Fundação Tupy, Schneider, Laboratório Catarinense, Condor,
Sadia, Perdigão e Tigre.
Em 1955, a Cia. Hering completava 75 anos, apresentando uma configuração espacial
dividida em três grandes setores ao longo da Rua Hermann Hering:
1. O núcleo da fiação, como marco de chegada ao complexo industrial e que faz a
demarcação do espaço industrial;
2. O núcleo da vila operária, que se desenvolveu ao longo da mesma rua;
3. O núcleo inicial fabril bem ao fundo, onde terminava a rua (neste núcleo há uma pequena
divisão entre a parte fabril e a moradia dos empresários e técnicos).
A Rua Hermann Hering é de grande importância histórica, pois todo o complexo industrial se
desenvolveu ao longo dela, que nesta época ainda era uma rua sem saída, ou seja, conectava
somente a empresa e as residências jardins (principalmente dos familiares Hering) ao Centro
da cidade. Ainda segundo Bielschowsky (s.d), os operários que moravam ali se transferiram
para o bairro da Velha, através da futura Rua Bruno Hering, que foi urbanizada definitivamente
somente na década de 1960 para a passagem de veículos e tornou-se de grande importância
para toda a cidade.
Foi com esta composição que a Cia. Hering chegou à década de 1960, período de
aquecimento da economia nacional impulsionado pela instalação do regime ditatorial de 1964,
que refletiu na modernização do parque industrial.
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A empresa contratou o arquiteto Hans Broos, que já tinha experiência em arquitetura industrial
desde quando trabalhou na Alemanha, que tratou de elaborar um plano piloto para a empresa,
num planejamento regional, com a instalação de unidades satélites nas cidades próximas do
Vale do Itajaí,
Hans Broos projetou uma nova malharia que fica ao lado do setor da fiação, uma nova
unidade para a costura, que fica ao lado da antiga costura e onde, atualmente, funciona o
setor administrativo, um centro de expedição e diversas outras edificações necessárias para a
modernização do parque fabril, tanto para atender às novas necessidades produtivas, como
novos maquinários, por exemplo. Bielschowsky (s.d), salienta que a Cia. Hering, preservou
diversas edificações de importância histórica, como algumas residências da família Hering, o
refeitório dos funcionários, o edifício da antiga costura e o antigo edifício da fiação, que é o
cartão postal de entrada do complexo industrial.
O projeto elaborado para o complexo fabril da Hering Matriz (1968-1975) foi considerado “um entre os projetos industriais mais interessantes iniciados nos anos de 1960” por Hugo Segawa (1997, p. 161) e “o mais interessante parque industrial criado no país nos últimos 30 anos” pela revista Projeto na edição comemorativa de número 300 (março 2005). (BIELSCHOWSKY, Bernardo, s.d)
Esse espaço do complexo da matriz da Cia. Hering, desde a forma de apropriação do espaço
natural e a constituição do um arquivo histórico a céu aberto, com edificações preservadas e
as novas, onde se pode ter uma leitura das diversas fases da industrialização local, constitui
um rico acervo do patrimônio industrial e a preservação de seu conjunto é fundamental.
Assim, o Museu Hering, aberto ao público em 2010, possui uma grande responsabilidade no
que diz respeito a esse patrimônio, seja para os colaboradores que trabalham diretamente
nesse território, seja pela população blumenauense que por gerações atuaram nessa
empresa ou principalmente enquanto um bem cultural e social para Santa Catarina e porque
não do Brasil. Os desafios já foram lançados para o Museu Hering, um museu novo e que tem
por responsabilidade mais de 136 anos de história.
O acervo sobre a guarda do Museu Hering
O processo que tange o acervo do Museu Hering, ainda necessita de estudos mais
aprofundados para compreensão até mesmo de uma Política de Aquisição de Acervo. O
tratamento dos dados, dentro dos eixos museológicos é recente, de 2014, e que se constroem
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através de uma documentação híbrida, uma vez que a forma tratada dizia respeito à
metodologia arquivística.
Sabe-se que a constituição do acervo é originária da carta do senhor Ingo Hering, de 25 de
junho de 1980, ano do centenário da empresa, intitulada “Constituição do Acervo do Futuro
Museu da Cia. Hering”, em que faz menção ao acervo que deveria ser reunido “numa espécie
de MUSEU HERING”. “Todo documento, fotografia ou objetos considerado de valor para
memória da empresa receberá, se necessário, o devido trabalho de restauro e fará parte do
acervo em constituição”.
Nessa mesma carta Ingo Hering agradece antecipadamente “quaisquer contribuições e ajuda
no sentido de que possamos reunir o máximo de elementos históricos para que o museu
possa funcionar, na matriz, a partir do 1º setembro”.
Ou seja, o acervo do futuro Museu Hering, iniciaria a partir de primeiro de setembro de 1980,
porém no que diz respeito ao campo documental da formação desse acervo, não foi
encontrado até o presente momento, de exaustiva busca, documentos que compreendem o
período de 1980 – 1990. Assim, temos como ponto de partida, segundo Paes (2014), o ano de
1991, entretanto são documentos imprecisos em seu conteúdo, uma vez que possuem
rasuras, não quantifica o acervo e tampouco fornecem informações sobre a forma de
aquisição.
O documento mais significativo em conteúdo é o “Relatório das atividades Abril/ 2000 a
novembro/ 2001 Previsão para 2002” tendo como coordenadoras: Prof.ª Sueli M. V. Petry e a
Prof.ª Cristina Ferreira (Paes, 2014, p. 244). Nesses documentos temos as primeiras
aparições quantitativas de acervo e seu acondicionamento.
Assim, entre 2000 e 2002, foi trabalhada uma estimativa do número de documentos
constantes nas caixas, que chegou ao resultado aproximado de 12.960 documentos.
Atualmente, o Setor de Museologia do Museu Hering realiza a contagem de seu acervo,
sendo que foi criada uma lista enumerada para controle e identificação geral do acervo
museológico, assim o arrolamento tem como referencial os documentos emitidos via
arquivologia (Padilha, 2014, p.41). Assim temos.
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Quantificação do acervo por tipologia
A tabela acima apresenta os primeiros números do acervo conforme sua tipologia, contudo
existem outros acervos que são de conhecimento da gestão do Museu Hering e que ainda
precisam de um trabalho mais incisivo e participativo. Atualmente estamos esboçando um
projeto de mapeado de acervos em potencial, por exemplo, o conjunto de plantas
arquitetônicas referentes a diferentes projetos da Cia. Hering e dentre elas do arquiteto Hans
Broos. Além do grande desafio do acervo em meio digital, que recentemente começou um
processamento técnico.
Vale destacar além do acervo imóvel sobre a guarda do Acervo Histórico Cia. Hering/ Museu
Hering, temos também o patrimônio móvel, a Cia. Hering possui cinco imóveis tombados pelo
Decreto do Estado de Santa Catarina nº 5.913 de 21 de novembro de 2002. Um desses
imóveis sedia a exposição de longa duração do Museu Hering, e outro imóvel Centro de
TIPOLOGIAS TOTAL FÍSICO
TEXTUAL 1809
ARQUITETÔNICO 5
MATERIAL GRÁFICO 1443
PERIÓDICOS 711
OBJETOS
TRIDIMENSIONAIS316
TÊXTEIS 26
INDUMENTÁRIA E
PROCESSOS77
CARTOGRÁFICO 5
MAQUINÁRIO 16
AMOSTRAS 1
EQUIPAMENTOS
LABORATORIAIS0
PINTURAS/DESENHOS 50
ICONOGRÁFICO 742
FOTOGRÁFICO 11136
MATÉRIA-PRIMA 0
EM MEIO ELETRÔNICO 3377
MEMÓRIA ORAL 16
BIBLIOGRÁFICO 269
TOTAL 19999
Tabela 1 – Evolução do Acervo - Quantificação. Fonte: PAES, G, N; KNOP, D. P. 07/2016 (Documento Interno)
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Memória Ingo Hering de uso compartilhado pela Cia. Hering e Fundação Hermann Hering que
é responsável pela guarda do acervo, este denominado Prédio da Costura.
O Prédio da Costura tem sua data compreendida entre 1990 e 1920 era utilizado para as
funções de corte, costura e estamparia, seus quatro andares eram utilizados para atender
essas funções, sendo que no sótão as peças eram cortadas. (Carvalho, 2010, p. 21) O prédio
foi construído em alvenaria autoportante, com três pavimentos mais sótão e cinco mansardas
em cada uma das suas duas águas. (Carvalho, 2010, p.23) e divididas em fases, demonstram
a evolução da costuraria até sua configuração atual, quando entre 1970 e 1975 foi construído
novo edifício para abrigar a administração da empresa. Essa nova construção apresenta estilo
arquitetônico totalmente diverso daquele até então desenvolvido no complexo, e demonstra
através de sua arquitetura, a preocupação da empresa em adequar-se aos novos tempos.
(Carvalho, 2010, p. 29) O edifício manteve a função de costuraria até a década de 1980,
quando foi desativado.
O Prédio da Costura, concluiu o processo de restauro no final de 2014, viabilizada pela Lei
Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e pela Fundação Hermann Hering, proponente
do projeto. O projeto envolveu profissionais de várias disciplinas, como: museologia,
conservação, arquitetura, restauro e engenharia, e teve por finalidade dar continuidade aos
trabalhos desenvolvidos pelo Museu Hering, sendo seu foco principal a Salvaguarda e
Pesquisa do seu acervo.
Considerações finais
O Patrimônio Industrial de Blumenau é o seu conjunto, desde a influência germânica e a
influencia da cultura teuto-brasileira para a formação de uma cidade industrial, passando
pelos diversos períodos de desenvolvimento e crises, até seu significado atual.
O Museu Hering, embora recente no cenário museológico, já apresenta desde o diagnóstico
museológica a terminologia patrimônio industrial em seu bojo, porém os trabalhos a nível
museológico iniciam de forma singela seus primeiros direcionamentos e apontamentos para
esse contexto. Contexto esse, de grande complexidade uma vez que diz respeito à evolução
urbana de grande influencia para a cidade de Blumenau, que intrinsecamente está ligada aos
espaços de produção da Cia. Hering.
Para analisar as ações de transferência para o bairro Bom Retiro, pelo qual os fundadores
souberam utilizar dos recursos naturais ofertados para o seu empreendimento é um dos
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pontos que chamam a atenção. E pensar esse espaço/bairro como modos de produção e
moradia como influência é digno de fazer pauta das discussões do Museu Hering, pois ainda
preserva e mantém a paisagem urbana e o patrimônio histórico móvel, mais especificamente
o fabril e o residencial.
Podemos concluir que a iniciativa do museu conjuntamente com a Cia. Hering e a Fundação
Hermann Hering procurou preservar seus edifícios mais simbólicos e significativos. Alguns
pontos durante a sua trajetória podem ser verificados, tais como a grande perda na dinâmica
urbana local, com a retirada da vila operária e de seus colaboradores desse espaço,
ocasionando a perda das relações sociais constituídas entre moradores locais, funcionários e
empresários.
Para tanto um museu que foi pensado e concebido por uma equipe interdisciplinar e tendo
como eixo os princípios museológicos ainda é incipiente no que diz respeito ao seu patrimônio
industrial, uma vez que, ainda são desenvolvidos estudos mais precisos para compreensão
do acervo já existente sobre a guarda dessa instituição. Ou seja, a estratégia metodológica
para esse trabalho parte do principio de compreender o que temos para a partir disso
construirmos ações estratégicas de atuação, já que o quadro institucional é bastante restrito
para uma atuação mais ampla e eficaz. A primeira grande discussão em torno dessa temática
o ocorre agora, com o evento II Seminário Interdisciplinar em Museologia, cuja tema é
“Patrimônio Industrial em Questão”, com profissionais atuante na área.
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