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O músico professor

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Saberes e competências no âmbito das escolas de música alternativas: a atividade docente do músico-professor na formação profissional do músico.

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LI NK

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O MÚSICO-PROFESSOR

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O músico-professorSeis estudos-canção para violão / songbook

Popolina / songbook

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Luciana Requião

O MÚSICO-PROFESSORSABERES E COMPETÊNCIAS NO ÂMBITO

DAS ESCOLAS DE MÚSICA ALTERNATIVAS:A ATIVIDADE DOCENTE DO MÚSICO-PROFESSOR

NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO MÚSICO

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Copyright © 2002 Luciana Requião

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizadaou reproduzida, por qualquer meio ou forma,

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ISBN85-88319-25-X

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Caixa postal 3301422440 970 Rio RJ

Fone 21 2265 0748www.booklink.com.br

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Dissertação submetida ao Programa dePós-Graduação em Música do Centro deLetras e Artes da UNIRIO, como requisitoparcial para obtenção do grau de Mestresob a orientação da Profª Drª ReginaMárcia Simão Santos.

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Resumo

Esta dissertação visa compreender os saberes e competênciasdesenvolvidos na atividade docente do músico-professor, no âmbito dasescolas de música alternativas, considerando a formação profissionaldo músico. Através das perspectivas da escola de música alternativa, doestudante de música, do músico-professor, e da análise de publicaçõescom fins de ensino musical escritas pelo músico-professor, identificamosque os saberes desenvolvidos por este profissional em sua atividadedocente vêm atender a uma demanda por profissionalizaçãoprioritariamente no âmbito da música popular. Relacionados ao mundodo trabalho, esses saberes são frutos da experiência do músico-professorem sua atividade artístico-musical, caracterizando-se por umaparticularidade quanto ao como se ensina, o que se ensina e quem ensina.Essa experiência prática do músico-professor, identificada como umacompetência produtiva comprovada, legitima sua atividade docente ejustifica a escolha dos estudantes em seu percurso de formação. As escolasde música alternativas foram identificadas como uma instância deformação profissional que vem suprir uma lacuna deixada por Instituiçõesde Ensino Superior, face à atual noção de competência profissional eaos perfis profissionais requisitados pelo mundo do trabalho. Naformação profissional do músico, a tensão detectada entre saberestécnico-profissionais requeridos no mercado de trabalho e saberes querespondam à dimensão social e política constitui um foco para pesquisassubseqüentes, sobre instâncias e redes de formação, onde se inscreve oprojeto político-pedagógico de cada IES.

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Abstract

This work aims the understanding of the knowledge and abilitiesdeveloped in the teaching activity of the “musician-professor”, in thescope of the “alternative music schools”, considering the professionalbackground of the musician. Through the perspectives of the “alternativemusic schools”, of the music student, of the “musician-professor”, andthe analysis of some publications dedicated to musical education writtenby the “musician-professor”, we identify that the knowledge developedby this professional in his teaching activity come to take care of a demandfor professionalization mainly in the scope of popular music. Related tothe world of the work, this knowledge is a result of the “musician-professor’s” experience in his artistic-musical activity, beingdistinguished by the way of teaching, what it is taught and who teachesit. This practical experience of the “musician-professor”, identified as aproved productive ability, legitimizes its teaching activity and justifiesthe students choice in their course of their formation. The alternativemusic schools have been identified as an instance of professionalbackground that comes to supply a gap left by Institutions of UpperEducation, before the current notion of professional ability and theprofessional profiles requested by the world of the work. In the musician’sprofessional background, the tension detected by the technician-professional knowledge required in the work market and by theknowledge which answer the social dimension and politics constitutes aissue for subsequent researches on formation instances where thepolitical-pedagogical project of each Institutions of Upper Education isincluded.

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Agradecimentos

– À Regina Márcia pela generosidade com que dividiu comigo seussaberes;

– A CAPES por financiar este trabalho;

– Ao Sérgio Benevenuto e ao Vitor Neto pelas entrevistas;

– Aos músicos-professores da Rio Música: Márcia Cabral, TomásImprota, Euro S. R., Vera de Andrade, Deco Fiori, Rômulo Thompson,Sidney Linhares, Michael Arce e Ricardo Camargos;

– Aos alunos da Rio Música: André Mega, Aquilas Couto, Gabriel Liottoe Liza K.;

– Ao Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro;

– Ao Adriano Giffoni pela disponibilidade e atenção;

– Ao Mário Sève pela entrevista;

– Aos professores do PPGM da UNIRIO, ao professor Samuel Araújoda UFRJ e ao professor Kazadi Wa Mukuna;

– Ao professor José Nunes e à professora Elizabeth Travassos pelassugestões na banca de qualificação;

– Ao professor Ricardo Tacuchian pela orientação na Iniciação Científica;

– Ao José Rodrigues pelas orientações e incentivo;

– Ao Ari (Aristides Domingos Filho) da UNIRIO pela paciência nosproblemas burocráticos;

– À Liliane Secco e à Cristina Bhering pelo help no momento decisivoda elaboração do “abstract”;

– Aos gatos Reinaldo e Popó pela companhia ao lado do computador;

– À Mônica pelo companheirismo em todo este percurso.

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Sumário

CAPÍTULO 1Marco referencial ............................................................................... 21

1.1 Saberes e Competências: a construção de perfisprofissionais ..................................................................................... 211.2 Um debate sobre a formação profissional do músico .............. 30

CAPÍTULO 2A escola de música alternativa e o músico-professor:um estudo de caso ............................................................................. 37

2.1 Rio Música: uma escola de música alternativa ........................ 372.2 O grupo de professores da Rio Música .................................... 402.3 Músico-professor: caracterização de um docente ................... 45

CAPÍTULO 3Saberes e competências representados em enunciadosde propagandas, na fala de estudantes e na fala domúsico-professor ......................................................................... 55

3.1 Um estudo a partir de três perspectivas ................................... 553.1.1 As propagandas de escolas de música alternativas ............... 563.1.2 A fala de estudantes de música ............................................. 623.1.3 O músico-professor Adriano Giffoni: um informantequalificado ........................................................................................ 673.2 Saberes e competências na formação profissional domúsico ............................................................................................. 70

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CAPÍTULO 4Análise de publicações com fins de ensino musical ................. 83

4.1 As publicações analisadas ....................................................... 864.1.1 Dicionário de acordes cifrados .............................................. 874.1.2 Escola moderna do cavaquinho ............................................ 904.1.3 A arte da improvisação ......................................................... 924.1.4 Música brasileira para contrabaixo ..................................... 934.1.5 Vocabulário do choro ............................................................ 964.1.6 Harmonia prática da bossa-nova ........................................ 974.2 Análise geral das publicações ................................................. 98

Considerações finais .................................................................. 105

Referências bibliográficas ..................................................... 111

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Para que uma educação seja válida, toda ação educativa deveránecessariamente ser precedida de uma reflexão sobre o homem, e umaanálise profunda do meio, da vida concreta daquele que se quer educar,melhor dizendo, daquele que se quer ajudar a se educar. Sem essareflexão sobre o homem arriscamos a adotar métodos educativos e deagir de tal modo que o homem ficaria reduzido à condição de objeto.Sem a análise do meio cultural e concreto corremos o risco de umaeducação pré-fabricada e castradora. Para ser válida, a educaçãodeverá levar em conta que o fator primordial do homem, sua vocaçãoontológica, é aquela de ser sujeito, nas condições em que vive, em umlugar preciso, em um momento e num certo contexto.

Paulo Freire

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Introdução

Esta dissertação parte de um marco situacional detectado namonografia que desenvolvi ao final do curso de Licenciatura emEducação Artística com habilitação em Música da UNIRIO, entre osmeses de janeiro e junho de 1999, onde procurei compreender de queforma se dava a atividade docente do músico. Nesta monografia,intitulada “Músico-Professor: um estudo de caso”, coletamos dados quenos permitiram caracterizar aquele que denominamos como “músico-professor”, e que se tornou um dos atores principais da presentedissertação.

O que me motivou para a realização daquele estudo, foi um fatoque vinha observando há muito tempo: o de que ser professor é umacondição intrínseca à atividade profissional do músico, e que estaatividade é, freqüentemente, a mais presente em seu cotidianoprofissional e a que lhe garante uma remuneração mais regular.

Antes de ingressar no curso de Licenciatura, eu, há dez anos, jádesenvolvia uma atividade docente, em cursos de música, paralela àuma atividade artístico-musical, e o contato com questões do âmbito daeducação, e da educação musical, me fizeram refletir sobre minhaatividade docente. Assim, a questão principal de minha monografia degraduação foi a de compreender como o músico desenvolve suaatividade docente e que tipo de reflexão ele faz sobre esta prática: comoe porque iniciou esta atividade, como relaciona sua atividade artísticacom sua atividade docente, se considera importante para sua formaçãocomo músico o exercício da atividade docente, se considera importantepara o estudante de música ter aulas com um músico atuante, comoresolve eventuais problemas de aprendizagem, se desenvolve algumametodologia ou tenta aplicar alguma metodologia existente, se o músicose preocupa com questões relacionadas à didática, como foi suaformação profissional, se acha que a atividade docente requer umaformação na área da educação, se faz distinção entre o professor de

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música e o educador musical, se segue a orientação de algum currículo,e se utiliza ou produz algum tipo de material didático.

O que pude observar, entre outros aspectos, é que o músicoconsidera a atividade docente uma atividade secundária no escopo desuas atividades profissionais, embora a atividade docente seja umaconstante em seu cotidiano profissional e esta seja também a atividadeque em geral lhe proporciona uma remuneração mais regular.

Pude ainda observar que o músico-professor vem, nos últimos20 anos, produzindo um crescente número de publicações com fins deensino-aprendizagem musical. Essas publicações se caracterizam, deuma forma geral, por estarem voltadas para gêneros da música popular,mais especificamente da música popular brasileira. Observamos queneste mesmo período também houve um aumento do número de escolasde música não oficiais, denominadas freqüentemente como alternativasou livres, no centro e zonal sul da cidade do Rio de Janeiro, o quesignifica uma ampliação das possibilidades de atuação docente para omúsico.

A monografia de graduação partiu de entrevistas realizadas com100% do grupo de professores de uma escola de música alternativa, enos permitiu caracterizar, então, aquele que denominamos como“músico-professor”. Concluí, através de sua fala, que ele está atendendoa uma demanda que busca por saberes ainda não legitimados porinstituições oficiais para o ensino da música, daí a necessidade daelaboração de um material didático que aborde esses saberes e tambémde escolas que dêem conta desta demanda.

Partindo deste quadro, novas questões surgiram e meimpulsionam para uma nova pesquisa. Assim, na presente dissertaçãointeressa-nos compreender:

1. Qual é o conjunto de saberes desenvolvidos pelo músico-professor em sua atividade docente no âmbito das escolas de músicaalternativas, como esses saberes são construídos nesta atividade e comoo músico-professor justifica essa seleção;

2. Qual é a demanda atendida pelo músico-professor noâmbito das escolas de música alternativas (motivação e objetivos);

3. Qual é a noção de competência profissional em que omúsico-professor se apoia e que procura formar;

4. Quais são as competências que legitimam a atividadedocente do músico-professor segundo seu ponto de vista e também da

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perspectiva do seu aluno.O objetivo da atual pesquisa é responder a essas questões como

forma de compreender os saberes e as competências que norteiam aatuação docente do músico-professor. O foco deste trabalho foidelimitado na atividade docente exercida pelo músico-professor noâmbito das escolas de música alternativas. Este recorte justifica-se pelanecessidade de compreender como se dá a formação profissional domúsico neste âmbito, e de verificar em que este fato vem contribuirpara o atual debate em torno da reforma curricular dos cursos superioresem música.

Por escolas de música alternativas entendemos escolas nas quaisos professores que compõem seu quadro não precisam ser concursadose a legitimação de sua competência docente está ligada diretamente àsua atuação como músico. Silva (1996) retrata outros aspectos,utilizando o termo escolas alternativas de música para designar escolasque

estabelecem critérios específicos para seu próprio funcionamento, sema obrigatoriedade ou existência de um currículo fixo com disciplinasou repertórios pré-estabelecidos e sem o reconhecimento institucionalconferido pela concessão de diploma (Silva, 1996, p. 354).

As escolas de música alternativas não têm que atender aregimentos externos e instrumentos oficiais, como a Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional (LDB)1 , e os documentos dela decorrentes2 .Não há controle por parte de nenhuma agência estatal ou religiosa. Já asinstituições oficiais de ensino estão submetidas às determinações doMinistério da Educação e Cultura (MEC), e têm o reconhecimento legaldos diplomas e certificados por elas conferidos, uma vez atendidas àsdeterminações deste órgão.

Entendemos por músico aquele que tem formação profissionalvoltada para a atividade musical, podendo atuar como instrumentista,cantor, arranjador, compositor, regente, entre outros. Esta formação podeter sido realizada tanto de forma autodidata, como em instituições oficiaisou alternativas. Consideramos o músico atuante como aquele que atua

1 Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.2 Documentos que podem proceder da União, do Estado ou do Município, conformeTítulo IV da LDB.

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regularmente em atividades práticas musicais, com ou sem remuneração.Por professor entendemos aquele que desenvolve regularmente

uma atividade docente. Portanto, o músico-professor seria o músico que,atuante ou não, desenvolve regularmente uma atividade docente de ensinomusical.

O termo músico-professor, como aqui nos referimos, designa omúsico que atua como professor em escolas de música alternativas(muitas vezes também em aulas particulares), e que se caracteriza, entreoutros aspectos, por desenvolver um trabalho docente que prioriza orepertório voltado para a música popular3 , trabalhando em geral comgêneros da música brasileira. O músico-professor coloca a atividadedocente em segundo plano no escopo de suas atividades profissionais,apesar desta ser, freqüentemente, a atividade mais constante e com umaremuneração mais regular em seu cotidiano profissional.

A demanda que parece ser atendida pelo músico-professor noâmbito das escolas de música alternativas procede tanto de estudantesde música diletantes, ou seja, aqueles que não almejam aprofissionalização na área musical, como de estudantes com pretensõesprofissionais ou que já exercem a atividade musical profissionalmente.Na presente dissertação, o estudante de música que interessa é aqueleque se insere no segundo caso, e que procura por um percurso deformação que inclui tais escolas. Isso se deve ao fato de nos interessarinvestigar os motivos que levam um estudante com este perfil a procurarpelo ensino musical em escolas de música alternativas, ao invés de, ouparalelamente, procurar pelo ensino oferecido por instituições oficiais.

Assim como Luckesi (1994), acreditamos que “com aidentificação dos conteúdos de uma prática escolar, identifica-se tambéma direção pedagógica que predomina nessa prática” (p.134). Portanto,na presente pesquisa procuramos analisar os conteúdos, que aqui nosreferimos como saberes, e as competências representados na práticadocente do músico-professor através de sua fala, da fala de seu aluno,em propagandas de escolas de música alternativas, e através da análisede publicações com fins de ensino musical escritas pelo músico-professor.

Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, onde toda e

3 Neste trabalho, como não cabe uma ampla discussão a respeito do termo música popular,nos limitamos a reproduzir a definição de Tinhorão (1986): “a música popular [...] constituiuma criação contemporânea do aparecimento de cidades com um certo grau dediversificação social” (p. 7).

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qualquer evidência e manifestação singular é objeto de atenção,constando de debate bibliográfico e pesquisa de campo. Realizamosentrevistas semi-estruturadas e estruturadas com informantesqualificados: o músico-professor Adriano Giffoni, autor de uma daspublicações analisadas; o presidente do Sindicato dos Músicos do Riode Janeiro, Vitor Neto; o fundador da escola de música alternativa RioMúsica, Sérgio Benevenuto; e um grupo de alunos que estuda nestaescola.

O Capítulo I – Marco Referencial – trata de nosso marcoconceitual e situacional. Apresenta conceitos que fundamentam estetrabalho (saberes e competências), e estabelece um debate bibliográfico,aproximado dos depoimentos recolhidos através de entrevistas. Estesdados situam a problemática em torno da formação profissional domúsico.

O Capítulo II – A Escola de Música Alternativa e o Músico-Professor: um estudo de caso – analisa dados colhidos em entrevistassemi-estruturadas com Sérgio Benevenuto, fundador da escola de músicaalternativa Rio Música, palco deste estudo de caso, e em entrevistassemi-estruturadas com a totalidade dos professores desta escola. Nestecapítulo é caracterizado aquele que denominamos como músico-professor.

O Capítulo III – Saberes e competências representados empropagandas, na fala de estudantes e na fala do músico-professor –apresenta a perspectiva da escola, do estudante de música e do músico-professor, a respeito dos saberes e competências priorizados pelo ensinomusical, tendo como foco o âmbito das escolas de música alternativas.A perspectiva da escola teve como fonte a análise e interpretação depropagandas de escolas de música alternativas, colhidas em três revistasespecializadas em música. A perspectiva do estudante de música e aperspectiva do músico-professor foram obtidas através de informantesqualificados – um grupo de estudantes da Rio Música e o músico-professor Adriano Giffoni – que se tornaram informantes por estareminseridos no âmbito de nosso estudo: apresentam características que ostornam, respectivamente, porta voz do estudante de música e do músico-professor, da forma como os entendemos neste trabalho.

O Capítulo IV – Análise de publicações com fins de ensino eaprendizagem musical – trata das publicações com fins de ensino eaprendizagem musical escritas pelo músico-professor. Foramselecionadas seis publicações e consideradas como unidades de análise

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os seguintes itens: público alvo, objetivos, justificativa, pré-requisitos,seleção do conteúdo, organização do conteúdo, recursos e seleção derepertório. A interpretação dos dados foi realizada tendo como referênciao conceito de conteúdo proposto pelos Diseños Curriculares Base (DCB)segundo Coll, Pozo, Sarabia e Valls (2000). Este projeto, desenvolvidopelas Administrações Educacionais da Espanha, vem influenciandovários países da América Latina, incluindo o Brasil, nas suas reformasde ensino.

Considerando os depoimentos de músicos-professores, estudantesde música, e os demais dados coletados, e recorrendo a autores que vêmapontando para a necessidade de reestruturação de cursos superiores(Schön, 2000; Demo, 1993 e 1995; Tardiff, 2000; Perrenoud, 2000;Lopes, 1999; Sacristán, 1999; Santomé, 2001) e especificamente areestruturação dos cursos de música de nível superior (Ferreira, 2000;Kleber, 2000; Sekeff, 1997; Santos et alli, 1998), pretendemos contribuirpara um necessário diálogo entre o ensino musical oficial e o alternativo,enquanto instâncias de formação profissional.

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CAPÍTULO I

Marco referencial

1.1 Saberes e competências: a construção de perfis profissionais

Neste trabalho, compreendemos o termo saber como um sinônimode conteúdo. Os saberes ou conteúdos são entendidos comoconhecimentos que podem estar relacionados a fatos, dados, conceitos,procedimentos, atitudes, valores, normas, etc. Esta representação dosconteúdos foi descrita por Coll, Pozo, Sarabia e Valls (2000), efundamenta a proposta desenvolvida na Reforma Educacional daEspanha. Esta proposta vem influenciando países latinoamericanos comoo Brasil, que vêm utilizando seu conceito de conteúdo em documentoscomo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), elaborado peloMinistério da Educação em 1998.

Segundo Coll et alli (2000), nas propostas curriculares contidasno documento espanhol Disenõs Curriculares Base (DCB)4 , os conteúdossão entendidos como “uma seleção de formas ou saberes culturais [...]cuja assimilação é considerada essencial para que se produza umdesenvolvimento e uma socialização adequados dos alunos e alunasdentro da sociedade a qual pertencem” (Coll, p.13). Este mesmodocumento defende a ampliação e diferenciação dos conteúdos escolaresem factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais, e considera queconteúdos relativos a fatos e conceitos têm “uma presença

4 Embora os autores não situem a época em que foi desenvolvido o DCB, MaravillasDíaz Goméz (2000) se refere à implementação da Lei Orgánica General del SistemaEducativo em 1990, data a partir da qual o Estado Espanhol se encontra imerso em umaimportante Reforma de seu sistema de ensino (p.77).

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desproporcional nas propostas curriculares e nas atividades habituaisde ensino e aprendizagem em sala de aula” (Coll, p.14), recomendandoque conteúdos procedimentais e atitudinais sejam reconhecidos emcurrículos escolares:

nas propostas curriculares da Reforma considera-se que os fatos econceitos são somente um tipo de conteúdos e que juntamente com elesdevem ser levados em consideração outros tipos de conteúdos [...], ouseja, os procedimentos e as atitudes, valores e normas. Os saberes e asformas culturais cuja assimilação pelos alunos e alunas procura favorecera educação escolar podem pertencer a uma ou outra dessas categorias,devido ao qual não há motivo algum para reservar a denominação deconteúdos, como tem sido feito, tradicionalmente, à categoria de fatos econceitos (Coll, 2000, p.14-15).

Coll e Valls (2000) definem os conteúdos procedimentais comoestratégias, métodos, habilidades, enfim, como um saber-fazer, e citama definição do DCB que diz: “um procedimento é um conjunto de açõesordenadas, orientadas para a consecução de uma meta” (p.77). Os autoresdestacam que

não se trata, então, nem de conteúdos recém-inventados, nem de algocompletamente diferente do que se tem ensinado e aprendido em todasas épocas, mas é possível afirmar com certeza que, apesar disso, osprocedimentos não mereceram na escolarização o reconhecimento, comoo que agora é solicitado (Coll e Valls, 2000, p.76).

Em relação aos conteúdos atitudinais, Sarabia (2000) indica queo conceito de atitude é utilizado pela psicologia social, sendo as atitudesdefinidas por ele como “tendências ou disposições adquiridas erelativamente duradouras a avaliar de um modo determinado um objeto,pessoa, acontecimento ou situação e a atuar de acordo com essaavaliação” (p.122). Os autores apontam para a importância de seconsiderar, em projetos curriculares, o ensino de conteúdos atitudinais eprocedimentais da mesma forma como são considerados conteúdosfactuais e conceituais. Entende-se que “os alunos possam aprender osprocedimentos e os valores, as atitudes e as normas por si mesmos, sema necessidade de uma ajuda pedagógica sistemática e planejada” (p.15),embora esses procedimentos e atitudes sejam freqüentemente cobradosdos alunos pelos professores.

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Nesta dissertação, consideramos que o conteúdo pode estarrelacionado a fatos, conceitos, procedimentos ou atitudes, e a partir destacompreensão procuramos identificar esses conteúdos, aos quais nosreferimos aqui como saberes, presentes na atividade docente do músico-professor, no âmbito das escolas de música alternativas.

Figura 1 – Tipos de saberes

Trazendo essa representação de conteúdo proposta pelo DCB parao ensino musical, podemos verificar a articulação entre esses tipos desaberes. Em diversos métodos e manuais destinados ao ensino musical,conteúdos factuais são predominantes, apesar do objetivo final ser, namaioria das vezes, um procedimento, ou seja, um saber-fazer. No casoda aprendizagem da leitura e escrita musical, por exemplo, o objetivofinal seria realizar a leitura de uma partitura de modo fluente, a partir dacompreensão dos códigos estabelecidos. Neste caso, deveria haver umarelação constante entre dados (nomeclatura de notas, sinais de expressão,convenções gráficas, etc.), conceitos (a função do compasso, tonalidade,etc.) e procedimentos (a leitura e a escrita propriamente dita). Porém, oque se encontra na tentativa de estabelecer conceitos, são fragmentos deinformações sobre um suposto objeto generalizável, descontextualizadoe sem dimensão musical.

Tomemos como exemplo o compasso. Em métodos e manuaisencontramos as seguintes definições: “divisão de um trecho musical emséries regulares de tempos” (Med, 1980, p.80), “Os tempos são agrupadosem porções iguais, de dois em dois, de três em três ou de quatro emquatro, constituindo unidades métricas às quais se dá o nome decompasso” (Priolli, 1986, p.20), e “compasso é uma seqüência depulsações ordenadas de diversas durações, que se inicia com um apoiopreponderante” (Scliar, 1986, p.34). Observamos que essas definiçõesestão desprovidas de qualquer sentido musical. Se assim fosse, o termomúsica poderia ser definido simplesmente como uma “sucessão detempos regulares ou ordenados”. Na verdade, é um saber factual, daordem dos dados, desprovido da dimensão conceitual.

Factuais Conceituais Procedimentais

Saberes

Atitudinais

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Segundo Coll (2000) “o que caracteriza a aprendizagem de fatosou dados é que eles devem ser lembrados ou devem ser reconhecidos demodo literal” (p. 20). O autor considera que são os conceitos que dãosignificado aos fatos e aos dados. Pozo (2000) comenta: “Para que osdados e os fatos adquiram significado, os alunos devem dispor deconceitos que lhes permitam interpretá-los” (p.21). Já a aprendizagemde conteúdos factuais isolada pode acarretar uma aprendizagemmemorística, por repetição, que acaba em esquecimento.

A aprendizagem de conteúdos procedimentais também necessitade saberes conceituais, podendo correr o risco de se tornar uma merareprodução mecânica. Coll e Valls (2000) indicam que “um dos principaisproblemas do ensino dos procedimentos é conseguir a aplicaçãoespontânea daqueles que são os adequados para resolver uma tarefa novasem depender das ordens ou sugestões do professor” (p.113). Numaaula de instrumento como o violão, em que o professor digita a partiturado aluno para lhe facilitar a leitura e a execução de uma peça, mas que oprocesso de digitação não é discutido com o aluno, este aluno, ao sedeparar com uma nova peça, poderá carecer de conhecimentosnecessários para digitá-la com autonomia, sem o auxílio do professor.“Colocar a ênfase mais sobre os processos que sobre o produto, maissobre a maneira como as coisas vão sendo feitas pelos alunos que sobreo que é realizado. É nisso que reside a maior significação do ensino dosprocedimentos” (Coll e Valls, 2000, p.112).

No caso do ensino musical, a escolha do repertório tambéminfluencia diretamente na aprendizagem. Na aprendizagem de uminstrumento, por exemplo, dependendo do repertório adotado peloprofessor, podemos ter situações de aprendizagem diversas e até mesmoantagônicas. O que é considerado “certo” em determinado contextomusical pode ser considerado “errado” ou inadequado em outro: seja apostura de um violonista ao tocar seu instrumento, a embocadura de umflautista, a emissão sonora de um cantor, a articulação de um fraseado.

A seleção do repertório para a aprendizagem de determinadoconteúdo musical traz também implicações em torno da motivação e aaplicabilidade do conhecimento. Os conteúdos de um curso de harmoniapodem ser vivenciados através de um coro renascentista a quatro vozes,ou através da condução de acordes do choro, que são duas abordagensdistintas. Em cada uma delas, o sentido da aprendizagem pode variar deacordo com a vivência musical do aluno e da forma como ele pretendeaplicar este conhecimento.

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Na formação de um músico, consideramos que a seleção,abrangência e dosagem desses tipos de saberes (factuais, conceituais,procedimentais e atitudinais) no percurso de sua formação, dará a eleuma competência ou um conjunto de competências determinado, querepresenta certo perfil profissional.

Figura 2 – Rede de competências na construção de perfis profissionais

Consideramos o termo competência como referente a “habilidadesoperantes em um contexto” (Manfredi, 2000). Assim, podemos tervariados perfis que terão sua formação direcionada a um ou outroconjunto de competências necessárias à atuação profissional emdeterminado contexto.

Na área da música é o contexto que irá determinar os saberesnecessários à aquisição “da” competência necessária ao músico. Estacompetência está intrinsecamente ligada à linguagem musicaldesenvolvida, ou seja, ao repertório. Para um músico que atue em umaorquestra sinfônica, é fundamental que tenha uma leitura musical fluente.Entretanto, para o chorão, o conhecimento e boa percepção dos clichêsharmônicos idiomáticos do choro é pré-requisito, e uma leitura fluentenão seria condição para uma execução competente.

Ramos (2001) realizou um estudo que trata da ressignificação doconceito de qualificação e do conceito de competência, no contexto darelação entre educação e trabalho. A autora comenta que o termoqualificação vem sendo questionado e substituído pelo de competência,face às modificações sofridas no modo de se encarar o trabalho e aformação profissional daquele que vai atuar no “mundo do trabalho”.Segundo Ramos, as

dimensões da qualificação são agora fortemente questionadas: o sistemade classificação, carreira e salários baseados em diplomas, portanto em

Competência A Competência C Competência E

Competência D Competência F

Perfil profissional X Perfil profissional Y Perfil profissional Z

Competência B

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profissões bem definidas, seria inadequado à instabilidade das ofertas deemprego e a uma gestão flexível no interior das organizações. Isto porquea qualificação repousa sobre os repertórios relativamente estáveis: ospostos de trabalho, cuja classificação é determinada de uma maneiraestática; o diploma e a profissão, cuja possessão é a combinação dedireitos precisos e duráveis e não podem ser questionados (Ramos, 2001,pp.61-62).

Com a competência, tomam lugar o saber-fazer proveniente daexperiência, os registros provenientes da história individual ou coletivados trabalhadores, ao lado de saberes mais teóricos tradicionalmentevalorizados na lógica da qualificação. [...] Por essa ótica, a emergênciada noção de competência é fortemente associada a novas concepções dotrabalho baseadas na flexibilidade e na reconversão permanente, em quese inscrevem atributos como autonomia, responsabilidade, capacidadede comunicação e polivalência (Ramos, 2001, p.66).

O debate em torno da formação profissional vem sendoinfluenciado por estes princípios. Meghnagi (2000) destaca que

o enfoque tradicional da formação profissional até o momento direciona-se para a construção de perfis específicos; parece essencial raciocinarsobre conteúdos de conhecimento e habilidades necessárias a umaqualificação mais ampla; uma competência [...] não se fundamenta sobrígidas definições de saberes ou de habilidades que lhe são conectados,mas se configura de uma extrema flexibilidade na sua construção, êxitode um potencial e ampla variedade de percursos profissionais (Meghnagi,2000).

Na prática vigente, a estrutura dos cursos superiores em músicano Brasil está institucionalizada em Bacharelado em Canto, Bachareladoem Instrumento, Bacharelado em Composição, Bacharelado em Regênciae Licenciatura em Educação Artística com habilitação em música, e aindanão se difere muito do que foi instituído pelo decreto nº 19.852 de 11 deabril de 1931 em seu Artigo 252: “o Curso Superior [visa formar]instrumentistas e cantores (professores), compositores e regentes(maestros) e virtuoses” (Fávero, 2000, p. 149).

Hentschke e Oliveira (2000) comentam:

A maioria dos cursos de graduação em Música oferecidos pelasuniversidades brasileiras estão voltados para a formação de profissionais

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no campo da música erudita, com exceção de alguns poucos cursos quepossuem ênfase no campo da música popular. Isto deve-se,principalmente, à exigência imposta aos cursos de graduação – obedecerao currículo mínimo, estipulado pelo Ministério da Educação em 1969.No entanto, sabe-se que existe uma defasagem significativa entre o quefoi previsto no currículo mínimo em 1969 (e ainda em vigor), e o mercadode trabalho nos dias de hoje. Os egressos dos cursos de Bacharelado emMúsica, dependendo da ênfase escolhida, são profissionais capacitadospara atuar como músico solista, de orquestra, como regentes de coro eorquestra, como compositores (Hentschke e Oliveira, 2000, p.56).

A atual reestruturação dos cursos superiores em música se tornaindispensável face à realidade social e à demanda profissional do mundocontemporâneo. Já na década de 30 o Ministro Francisco Campos5

indicava a necessidade de

ampliação e adaptação do sistema universitário de acordo com ocrescimento econômico e cultural do País. [...] Ela [a universidade] sedistingue [...] pela flexibilidade das suas linhas e pela capacidade deadaptação resultante da amplitude e da liberdade dos seus planosadministrativos e didáticos (Fávero, 2000, p. 23).

Mais do que uma submissão ao mercado de trabalho, reafirmamosa missão da universidade de acordo com Sguissardi e Morin:

a competência deveria referir-se à capacidade e habilidade de contribuirpara se ultrapassar as demandas imediatas do mercado de trabalho, parase desenvolver a capacidade de pensar criticamente e de produzirconhecimento, libertos dos controles burocráticos do poder (Sguissardi,1997, p.59).

a universidade conserva, memoriza, integra e ritualiza uma herançacultural de saberes, idéias e valores, que acaba por ter um efeitoregenerador, porque a Universidade se incumbe de reexaminá-la, atualizá-

5 Diário Oficial de 15 de abril de 1931, pp. 5830-5839. Transcrita de Ministério daEducação e Saúde Pública. Organização universitária brasileira, Rio de Janeiro, Imprensa

Nacional, 1931.

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la e transmiti-la. A Universidade gera saberes, idéias e valores que

posteriormente, farão parte dessa mesma herança (Morin, 1999, p.9).

A gama de possibilidades de atuações profissionais para o músicofoi detectada na pesquisa “Vocações Musicais e Trajetórias Sociais deEstudantes de Música: o caso do Instituto Villa-Lobos da UNIRIO”(Travassos, 1999a). Considerando os campos de atuação profissional dealunos do Instituto Villa-Lobos (IVL)6 , as funções mais exercidas poreles são nesta ordem: professor, regente de coro, instrumentista, cantor,preparador vocal, operador técnico de áudio, produtor, editor de partituras(transcrição e digitalização eletrônica) e compositor de trilhas musicais.As instituições nas quais atuam com maior freqüência são: escolas demúsica, teatro, estúdio de ensaio, estúdio de gravação, bares e casasnoturnas, clubes, igrejas e televisão. As aulas particulares são igualmenterecorrentes. O repertório envolvido nesses ambientes de trabalho abrangeos seguintes gêneros7 : erudito, popular, choro, samba de raiz, clássico,rock, sacro, mpb, blues, evangélico, barroco, ópera, balet, concerto,música de mídia, pagode, fusion, funk, jazz, godspel, modernos russos,música instrumental, bossa nova, soul music, pop latino, músicas próprias,folclore e renascentista.

Já a Tabela de Cachês Mínimos para Músicos Autônomos doSindicato dos Músicos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro(SindMusi), prevê as seguintes situações profissionais: atuação emgravações de discos comerciais, jingles ou vinhetas, filmes e tapesespeciais (teatro, historieta, etc.), como instrumentista, corista, ritmista,arranjador, regente e copista; atuação em apresentações ao vivo (shows),acompanhando artistas nacionais e artistas estrangeiros; atuação emapresentações ao vivo (concerto sinfônico, câmara, balé, ópera, operetae congêneres), como spalla, concertino, 1ª parte, solista, instrumentista,corista e 2ª parte; atuação em programas de televisão; atuação em bailes;e atuação em casamentos.

Segundo recente pesquisa de opinião realizada a pedido do

6 Dos cursos de Bacharelado em Instrumento, Bacharelado em Canto, Bacharelado emComposição, Bacharelado em Regência e da Licenciatura em Educação Artística comHabilitação em Música. Segundo dados obtidos em questionário aplicado a 157 alunosdentre os 398 inscritos no primeiro semestre de 1999.7 Conforme preenchimento ao item do questionário tipo de repertório.

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Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro com seus filiados8 ,73% são profissionais autônomos, 12,7% são empregados e 14,3% têmemprego mas também trabalham como profissional autônomo. Essaautonomia característica da profissão do músico é o que requer doprofissional estar capacitado a enfrentar uma grande diversidade desituações profissionais.

Desta forma, o sucesso da formação do músico que almeja atuarprofissionalmente parece depender de um percurso flexível, que o permitaadquirir competências necessárias para alcançar o perfil ou os perfisprofissionais desejados. É por isso que o músico Adriano Giffoni diz:“ser competente é estar apto a trabalhar no maior número de situaçõesprofissionais possíveis”9 .

Podemos supor que a diversidade de situações profissionais domúsico pode levá-lo a uma superficialidade em torno de seusconhecimentos. Porém, autores apontam para um novo modeloprofissional, onde a adaptabilidade e a capacidade de atuar em diversasáreas são necessárias. Não defendemos uma idéia de flexibilização nosentido de superficialidade, mas acreditamos que uma instância deformação profissional superior não pode dar as costas à realidade queseus formandos estão tendo de enfrentar no mundo do trabalho, e quesoluções alternativas devem ser buscadas.

Perrenoud (2000) defende a idéia de se possibilitar aos alunosum percurso de formação individualizado nas instituições acadêmicas.O autor lança a proposta de uma pedagogia diferenciada, onde possaexistir o que chama por grupos de necessidades, com “o oferecimentode certas opções no programa, para melhor dar conta da diversidade dosinteresses e necessidades dos alunos” (Perrenoud, 2000, p.43). Perrenoudconsidera que, de uma forma ou de outra, a individualização já ocorre, eque nem sempre o currículo prescrito é o currículo real:

o que é uma experiência formadora? Estar sentado em uma sala, nomeio de um público, escutando um orador que mostra transparências, éuma experiência formadora? Certamente não para todo mundo. Percebe-se aí a imensa simplificação que o currículo formal apresenta: é umaficção, mas permite tratar como idênticos aprendizes forçados a seguir omesmo programa (Perrenoud, 2000, p.88).

8 Relatório de pesquisa de opinião com músicos filiados ao SindMusi, realizado emagosto de 2000 pelo Laboratório de Pesquisa Mercadológica e de Opinião Pública daUERJ.

9 Em entrevista concedida à autora em novembro de 2000.

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1.2 Um debate sobre a formação profissional do músico

Considerando a importância em contribuir para um diálogo entreo ensino musical oficial e o alternativo, enquanto instâncias de formaçãoprofissional, recorremos a autores que vêm apontando para a necessidadede reestruturação do currículo dos cursos superiores de música, no quese refere à seleção de saberes (conteúdos), à questão da organizaçãoescolar e à construção de perfis profissionais.

Ferreira (2000) apresenta em sua dissertação de mestradoreflexões a respeito do perfil profissional que se está formando atravésdos cursos de graduação em música, em função dos conteúdoscontemplados (onde se inclui a seleção de repertório). A partir de umestudo com alunos da Escola de Música da UFMG, observa “a distânciaabismal que existe entre esses conteúdos e a realidade cotidiana dosalunos” (p.39) e que os alunos “aparentemente conseguem ser formadospor um modelo e se profissionalizar em outro” (p. 39). Kleber (2000)reitera afirmando que “o músico se depara com a problemática de comoarticular sua prática profissional com a vida cotidiana, se valendo doque vivenciou na Universidade” (p.6).

Estes impasses estão presentes também no depoimento de VitorNeto, presidente do Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio deJaneiro10 :

acho legal você cursar uma universidade [...] também é um mercado detrabalho que poderia ser ocupado. Agora, que a universidade tinha deser muito mais aberta sem dúvida nenhuma... na parte de computação,de harmonia. Acho que tem que preparar o cara pra ser músico. Você terum curso de saxofone, que foi o que eu fiz, e estudar música erudita...Vai tocar aonde?! Ser solista de orquestra? Quantos concertos parasaxofone existem?! Por que você não é formado como músico de naipe?Aí tem muito mais trabalho no mercado do que você ser um solista!

Ainda a respeito da formação do músico, Vitor Neto comenta:

por exemplo, você estuda contrabaixo. Acho que o caminho é procurarum contrabaixista que esteja tocando e que dê aula. Porque esse cara é o

10 Entrevista concedida à autora em outubro de 2000.

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que vai te jogar no mercado. Esse é um dos caminhos interessantes,estudar com quem sabe fazer. Se você pegar um contrabaixista que só éformado pela universidade e colocar num estúdio ele não vai saber comoé que é tocar num estúdio. Você pode até fazer a universidade mas temque ter uma pessoa da prática. Esse cara devia estar dentro da universidadetambém, aí seria muito melhor.

O músico Adriano Giffoni complementa este pensamento:

eu acho importante que a universidade tenha essa abertura, de incluiroutras coisas no seu ambiente. Eu conheço casos de vários músicos quese formam na universidade e chegam perdidos no mercado de trabalho,sem informação. Então eu acho importante essa visão da formação domúsico11 .

Estas constatações feitas por profissionais da música se relacionamcom questões debatidas por Schön (2000) e Tardif (2000). O primeiroafirma que “o que os aspirantes a profissionais mais precisam aprender,as escolas profissionais parecem menos capazes de ensinar” (p.19),enquanto que o segundo comenta que “há uma relação de distância entreos saberes profissionais e os conhecimentos universitários” (p.11).

Neto observa ainda que o músico na atualidade precisa de umaformação versátil: “hoje você não pode mais ser o saxofonista. Vocêtem que fazer um curso de como operar mesa de som [...] tem queproduzir... dar aulas. Acho que hoje você não pode mais ser só o músicoinstrumentista, tem que fazer muita coisa”. Sekeff (1997) reforça estecomentário:

um instrumentista, um pianista por exemplo, deve ser agora capaz deexercer também o papel de acompanhador, camerista, revisor, co-repetidor, professor, comentarista, crítico musical, pesquisador,restaurador, animador cultural, músico de orquestra, copista, em funçãoda especificidade e... de uma educação mais ampla (Sekeff, 1997, p.201).

Neto ainda indica a necessidade da abordagem a respeito docotidiano profissional do músico, como, por exemplo, questões a respeitoda regularização da profissão. Afirma que isso falta dentro dauniversidade: “não é só tocar... você tem que cuidar de sua vidaprofissional, saber os seus direitos”.

11Entrevista concedida à autora em novembro de 2000.

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A esta busca por saberes e competências necessárias à formaçãoprofissional do músico que pretende atuar no mundo do trabalho, sesoma a expectativa de que a estruturação dos currículos dos cursos degraduação permita ao aluno a possibilidade de construir um percurso deformação individualizado. Perrenoud (2000) indica novas formas de sepensar a estrutura de cursos superiores:

o ideal seria fazer um balanço de competências ao longo de toda aformação, estabelecer e depois revisar, sobre essa base, um projetopersonalizado de formação, concebido ‘sob medida’. Cursosdiferenciados dariam conta dos impasses, dos atalhos, dos retrocessos,dos fracassos, em suma, da complexidade e da singularidade dosprocessos de aprendizagem e formação. As restrições financeiras e opeso das instituições, em geral, impedem tal flexibilidade. Pensa-se maisa individualização como possibilidade de trilhar de modo individualizadounidades de formação instituídas e que preexistem aos estudantes. Oestudante pode ‘pular’ as unidades de formação que não lhe sãonecessárias, escolher dentre várias ou percorrê-las na ordem que melhorlhe convier (Perrenoud, 2000, pp.91-92).

Na área da música, esta visão, apesar de ainda não ser umarealidade nas instituições acadêmicas, está sendo considerada empropostas curriculares. Como exemplo podemos citar a proposta de umgrupo de professores da UNIRIO, como contribuição para a discussãosobre as novas diretrizes curriculares dos cursos superiores em música.Destacamos os seguintes pontos indicados pelo artigo:

Pouca ou nenhuma integração, flexibilização, permeabilidade há entreos cursos de graduação; [...] Nenhuma possibilidade há de autonomiado aluno para administrar o curso de suas atividades acadêmicas; [...]Hoje, há limitações nas grades curriculares que enquadram o aluno numpadrão muito pouco flexível, resultando em cursos com visões restritivasdo conhecimento, dificultando-se extrapolar a aptidão específica de seucampo de atuação profissional [...]; [A necessidade] de um modelocurricular que considere a flexibilização curricular e a autonomia doaluno; [...] Caberá ao aluno escolher investir mais ou menos em dadoconteúdo, em função das competências requeridas em um ou outro“perfil” profissional. E caberá à equipe de orientação acadêmica favorecero debate contínuo sobre os desafios que as práticas cotidianas vãocolocando aos profissionais da música” (Santos et alli, 1998, pp.123-126).

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Ferreira (2000) comenta que na Escola de Música da UFMG estáhavendo uma reforma curricular:

em linhas gerais, dentre outras coisas, o novo currículo diminuisignificativamente a carga horária de todos os cursos, decreta o fim dealgumas disciplinas seriadas, reduz o número de disciplinas obrigatóriase aumenta a oferta das optativas, propõe a discussão sobre as formas deavaliação, abre a possibilidade do aluno cursar disciplinas em outrasunidades acadêmicas, cria a figura do professor orientador que vai discutircom ele a melhor opção de curso e implanta Laboratórios de Criaçãocomo disciplina comum e obrigatória para todos os cursos (Ferreira,2000, p.43).

Se por um lado acenamos para a flexibilização curricular, poroutro lado permanece a tensão em torno da legitimidade dos saberes, daseleção cultural, do debate sobre os critérios que as instituições utilizampara contemplar determinados repertórios e excluir outros. Esse debatetem sido travado por autores como Sacristán (1999) e Lopes (1999).

Considerando os conteúdos como uma “seleção de formas ousaberes culturais” (Coll, Pozo, Sarabia e Valls, 2000, p.13), perguntamoscomo se dá esse processo de seleção nas instituições oficiais. Lopesafirma que “o processo de seleção cultural da escola parte essencialmentedos segmentos de cultura valorizados socialmente como saber ouconhecimento” (p.93). Para Sacristán, “o significado dos ‘conteúdos’da escolarização ultrapassa a acepção mais restrita, referente à seleçãode matérias ou de disciplinas” (p.148). Ele afirma:

a escola que conhecemos, com sua estrutura, seus funcionamentos, suaspráticas internas e o papel designado para seus agentes não são frutomaduro, nutrido por uma filosofia concreta da educação, e sim umproduto histórico criado pela sedimentação e amálgamas de idéiasdiversas, interesses variados e práticas multiformes (Sacristán, 1999,p.148).

Segundo Moreira e Silva (2000),

o conhecimento corporificado no currículo é tanto o resultado de relaçõesde poder quanto seu constituidor. Por um lado, o currículo, enquantodefinição oficial daquilo que conta como conhecimento válido eimportante, expressa os interesses dos grupos e classes colocados em

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vantagem em relações de poder. Desta forma, o currículo é expressão dasrelações sociais de poder (Moreira e Silva, 2000, p.29).

Santomé (2001) também reconhece que

quando se analisam de maneira atenta os conteúdos que são desenvolvidosde forma explícita na maioria das instituições escolares e aquilo que éenfatizado nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção aarrasadora presença das culturas que podemos chamar hegemônicas. Asculturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizadosque não dispõem de estruturas importantes de poder costumam sersilenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suapossibilidade de reação (Santomé, 2001, p.161).

É o que Santomé (2001) chama por culturas negadas12 . Ferreira(2000) destaca que a seleção dos conteúdos a serem contemplados emcurrículos “não é de natureza neutra, nem se justifica apenas como umaopção de escolha de conhecimentos: na verdade estaria comprometidacom uma determinada visão de mundo, de sociedade, de ensino, e nocaso em estudo, de música e de músicos” (Ferreira, 2000, p.37). Lembraainda que “o ensino musical [...] ainda se utiliza, na maioria das escolasem nível de graduação, de procedimentos de reconhecimento ereprodução, tendo como base a música ‘erudita’, de tradição européia,privilegiando-se a produção do séc. XVIII ao séc. XIX” (Ferreira, 2000,p.41). Desta forma, a música popular brasileira estaria sendo negada ouentão “estereotipada e deformada, para anular sua possibilidade dereação”, como afirmou Santomé13 .

Assim como Ferreira, Kleber (2000) afirma que em cursos demúsica universitários ainda se perpetua um repertório distante darealidade do aluno: “Como pano de fundo desta questão está amanutenção de valores culturais hegemônicos, neste caso, valores dacultura ocidental européia” (p.4) .

12 É importante frisar que no caso do Brasil as culturas “negadas” não são necessariamenteculturas minoritárias.13 A UNIRIO a partir de 2000 instituiu o Bacharelado em Música Brasileira. Segundonosso ponto de vista isso não resolve a questão da inserção da música popular nos cursosde música universitários. Ao contrário disso, o Bacharelado em Música Brasileira acaboupor separar este repertório dos cursos de canto, instrumentos, composição e regência,confinando-o em um curso próprio e exclusivo.

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Entendemos que o que se ensina está intimamente vinculado acomo se ensina. Desta forma, a seleção do repertório implica a abordagemde conteúdos tanto factuais e conceituais quanto procedimentais eatitudinais.

O marco situacional de nossa pesquisa nos coloca diante desaberes representados e desenvolvidos por instituições oficiais, ao ladode um mercado de trabalho que exige do profissional versatilidade ecompetências que estão ausentes das propostas de ensino dessasinstituições. Torna-se necessário, então, a compreensão sobre o papelda universidade na vida profissional do músico.

Segundo a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabeleceas diretrizes e bases da educação nacional, em seu Artigo 43 II, a educaçãosuperior tem por finalidade: “formar diplomados nas diferentes áreas deconhecimento aptos para a inserção em setores profissionais e para aparticipação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar nasua formação contínua”. O Decreto nº 2.208 de 17 de abril de 1997,estabelece que a educação profissional se compreende em três níveis: obásico, o técnico e o tecnológico. Em seu Artigo 10º indica que o “Oscursos de nível superior, correspondentes à educação profissional denível tecnológico, deverão ser estruturados aos diversos setores daeconomia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma deTecnólogo”.

Nesta pesquisa, nosso interesse é o de colocar em questão oscursos superiores de música enquanto instâncias de formaçãoprofissional, sem com isso esquecer que eles estão associados à pesquisae à extensão. Esta parece ser a maior problemática das Instituições deEnsino Superior (IES). Morin (1999) indica a

dupla função paradoxal da Universidade: adaptar-se à modernidade eintegrá-la, responder às necessidades fundamentais de formação,proporcionar ensino para as nossas profissões técnicas e outras,proporcionar um ensino metaprofissional e metatécnico (Morin, 1999,p.10).

Tendo como pano de fundo pesquisas que criticam a forma comoas IES vêm desenvolvendo seus cursos de música, pretendemos comesta dissertação fornecer conhecimentos que poderão contribuir para odebate em torno da reformulação dos cursos superiores em música, quevisam não só a formação profissional como também “a formação deuma atitude de investigação” (Morin, 1999, p.10).

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CAPÍTULO II

A escola de música alternativae o músico-professor: um estudo de caso

Neste capítulo, retomamos o resultado de um trabalho de pesquisainiciado em 1999, sob a forma de monografia, intitulado: “Músico-Professor: um estudo de caso”. O estudo foi realizado no universo daescola Rio Música – Iniciação e Profissionalização Musical LTDA. Paraa realização da presente dissertação, voltamos à escola para colher novosdados e atualizar o que já havia sido observado.

A escola Rio Música é uma escola de música alternativa situadano bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. A escolha desta escolacomo objeto de pesquisa se deveu à minha familiaridade com o ambienteonde em determinada época fui aluna, posteriormente professora ecoordenadora. Este fato contribuiu para a pesquisa, pois me proporcionouuma visão êmica a partir de três perspectivas diferentes – como aluna,professora e coordenadora – aliada ainda a uma visão ética, em funçãode minha situação como pesquisadora14 .

2.1 Rio Música: uma escola de música alternativa

A Rio Música foi fundada em 1995 por Sérgio Benevenuto,músico capixaba que foi um dos primeiros brasileiros a se formar pelaBerklee College of Music, escola americana de música voltada para a

14 A visão êmica seria uma visão de dentro para fora, a visão de quem é insider, assimcomo a visão ética seria aquela realizada de fora para dentro, a visão de quem é outsider(termos utilizados por etnomusicólogos para designar aquele que se encontra inseridoem determinado grupo ou contexto social – insider – e aquele que está fora de determinadogrupo ou contexto social - outsider).

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música popular, neste caso especificamente o jazz. Segundo Benevenuto,foi este um dos principais motivos que o tornou, ao voltar ao Brasil, umprofessor particular muito procurado. Na época em que começou aestudar música ainda não havia cursos que contemplassem conteúdoscomo harmonia funcional e improvisação, base do que tinha estudadoem Berklee.

A partir do relato de Benevenuto sobre sua trajetória comoestudante de música, percebemos como, na época, era difícil para omúsico que desejasse trabalhar com a música popular o acesso ainformações que lhe facilitassem o estudo15 .

Se eu quisesse aprender um pouco de jazz eu teria de ter a sorte deencontrar alguém, raríssimo, que tivesse o conhecimento, e geralmenteaqui no Brasil como também não tinha ensino em torno disso, erampessoas muito intuitivas. As vezes aqueles criadores natos que criamuma barbaridade mas não sabem colocar essa questão pro aluno.

Segundo Benevenuto, na época só haviam as escolas oficiais.Em sua trajetória como estudantes passou por diversas instituições masnão encontrou o que buscava:

entrei na EMES, Escola de Música do Espírito Santo, procurei professoresde violão mas só encontrava professores de violão clássico, que eu gostavatambém mas eu tava sempre no lugar errado, não conseguia obter o tipode informação que eu buscava. Nessa peregrinação eu vim pro Rio, aíentrei na Escola Nacional de Música, passei pelo ConservatórioBrasileiro, fui buscar a Academia Lorenzo Fernandes, o antigo Villa-Lobos que hoje é a UNIRIO. [...] mesmo no campo da música erudita,se eu fizesse o curso todo na música erudita eu não chegava a compreendero início do séc. XIX. Ou então eu estudava a ponto de fazer música atéo séc. XVIII... meio caricata porque eu não vivia no séc. XVIII e nãorespirava aquele ar... Tinham de vez em quando professores que eramcontemporâneos, aí vinham e falavam assim: pode tudo. Pega um balde,põe a cabeça e faz búúúú... Quer dizer, eu pulava de cara dois séculos.

Benevenuto explica que, naquela época, como não havia cursosvoltados para a música popular, as únicas fontes para os estudantesinteressados eram os discos, o rádio e as revistas. Foi por este motivo

15 Entrevista concedida à autora em agosto de 2001.

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que, ao saber da existência de uma escola que priorizava o ensino damúsica popular em Boston, EUA, não exitou em buscar por essa novafonte de saberes. Em 1978 ingressou na Berklee onde se formou emcomposição.

Quando você chega lá a primeira impressão é que: existe! Existemprogramas idealizados e desenhados para que o aluno desenvolva esselado da intuição na música, a experimentação dentro da música, não é sóser um reprodutor dos grandes compositores que é legal também. Masassim, criar, te estimular a isso... e tinha roteiros pra isso. Aí, a primeiraimpressão que você tem é: cheguei no paraíso! Tudo infraestruturado,aquela diferença do primeiro mundo para o terceiro mundo.

Ao regressar de Berklee, Benevenuto começou a ser procuradopara dar aulas, uma vez que poucas pessoas tinham condições financeirasde cursar uma instituição em outro país: “Eu dava aula na minha casa, eaí começou a encher de gente e eu aluguei uma sala, aí encheu mais degente, tinha turmas de quinze alunos. E fui formando um grupo até quefalei: vamos montar uma escola”.

A Rio Música foi elaborada a partir da vivência de Benevenutocomo estudante de música, ou melhor, a partir das necessidades quesentia quando estudante:

A idéia de gerar essa didática e a escola foi porquê eu próprio me sentiaindo para a escola e não sendo preparado pro que eu via na minha frenteacontecendo. Eu estava sendo preparado para outra coisa, outro século,para um outro tempo... mas nada associado a minha realidade. Então afilosofia básica da Rio Música foi essa. Primeiro, para eu me chamarmúsico profissional minha profissão é a música, eu viver dela dignamente,pagar minhas contas, fazendo música, e que tenha público, que as pessoasgostem, uma coisa orgânica, natural. E eu percebi que as escolastrabalhavam meio de costas para isso. Então uma das primeiras idéiasfoi aquela de tentar trazer mais músicos em ação e adaptá-los comoprofessores do que trazer aquele professor um pouco viciado no quechamam de “teoria”. Teoria pra mim nunca foi tão teórico assim, é umacoisa de linguagem interna. Se você ficar no ramo teórico só você nãotem efetividade, e quem trabalha no mercado é quem tá fazendo algumacoisa. Qualquer coisa, ou criando, ou tocando... A Rio Música nasceucom essa filosofia: não vamos trabalhar de costas com a realidade. Comoé que é a vida, como a indústria participa disso, como é que é o mercadoalternativo disso.

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Através do depoimento de Benevenuto, percebemos a existênciade uma demanda por saberes não presentes em instituições oficiais parao ensino da música, demanda esta que vem sendo absorvida por escolasde música alternativas como a Rio Música. Além da questão do repertório,os estudantes estão buscando por saberes profissionais, que resultemefetivamente em saberes procedimentais. Segundo Benevenuto, a RioMúsica foi criada com este intuito: “reduzir a distância entre o ensinoconvencional e a realidade profissional do mercado de música”.

O fato do depoimento de Benevenuto apontar para a necessidadede um ensino profissionalizante não o distancia do ensino superior, umavez que este ensino é também voltado à profissionalização. Como vimos,autores apontam para uma universidade que está formando profissionaiscom perfis que já não mais se adequam ao mundo do trabalho. Este fatopode estar afastando músicos do ambiente universitário, uma vez queeles procuram por outras instâncias de formação, e isso acaba por afetara função da universidade de fomentar a pesquisa e de preparar um corpodocente que dê conta de novos perfis profissionais.

2.2 O grupo de professores da Rio Música

Realizamos entrevistas com a totalidade dos professores da RioMúsica utilizando um questionário que nos serviu como roteiro, somandoum total de nove professores entrevistados16 . A partir dessas entrevistaspudemos caracterizar aquele que denominamos como músico-professor,no âmbito das escolas de música alternativas e também das aulasparticulares (uma vez que todos os entrevistados também atuam em aulasparticulares).

O roteiro que utilizamos foi estruturado de modo que procurasseidentificar, entre outros itens, a trajetória do músico-professor comoestudante e como profissional da música: quais são seus objetivosprofissionais e quais são os motivos que os levaram a dar aulas. Procu-ramos ainda investigar como ele relaciona a sua atividade musical comsua atividade docente, e que critérios utiliza para desenvolver seu trabalhocomo professor.

16 Entrevistamos 100% dos professores que estavam atuando naquele momento, sendo oquadro total de professores compostos por 12 pessoas.

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17 Neste trabalho, o termo escolas se refere à escola de ensino regular.

Os professores que compunham naquele momento o corpodocente da escola, atuavam na área de canto, guitarra, violão, piano,bateria, gaita, teoria, harmonia e improvisação.

Inicialmente nos deteremos, ainda que de forma breve, natrajetória de formação dos músicos-professores entrevistados. Emboraconsideremos este grupo bastante homogêneo, a ponto de permitir umacaracterização geral, sua formação musical se deu em diversos contextos.Esta breve exposição poderá nos ajudar a compreender seu pensamento,pois acreditamos que o professor “usa como recurso pedagógico a suaprópria memória do que é ser professor, que guarda de quando era aluno,ou os modelos que no seu percurso biográfico mais o marcaram e quejustamente estão mais próximos da sua identidade” (Vieira, 1999, p. 23).

Quadro 1 – Relação de músicos-professores entrevistados

Márcia Cabral teve aulas de música em sua escola desde omaternal17 . Porém, o estudo específico do canto se iniciou aos 20 anosde idade. Além do canto, em sua trajetória como estudante de músicapassou pelos cursos de percepção, harmonia e violão. Tem tambémformação na área da dança e vem atuando em musicais: “Eu semprepensei na arte como um todo, o corpo como um instrumento completo.Dominando a dança, dominando a palavra e o canto... eu acho que tudo

Músico-ProfessorAtuação profissional

principal Curso ministrado

Márcia CabralTomás Improta

Euro S. R.Vera de Andrade

Sidney Linhares

Rômulo Thompson

Deco FioriMichael Arce

Ricardo Camargos

CantoraPianistaBaterista

Violonista

Guitarrista

Guitarrista

CantorGaitistaPianista

CantoPiano/Harmonia

BateriaViolão

Guitarra/Teoria/HarmoniaGuitarra/

ImprovisaçãoCantoGaitaPiano

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é um complemento para minha formação como artista”. Sua atuação comoprofessora tem como principal referência sua própria formação: “Eu estudei14 anos, pratiquei 14 anos essa técnica. A partir disso, dessa observação,eu trouxe tudo o que meu professor me ensinou e também fui colocandoas minhas questões.”

Tomás Improta é filho de músicos: “Eu nasci no meio clássico,com 3 anos eu já tocava, com 6 anos já tinha umas musiquinhas...”.Segundo Tomás, sua formação se deu através de aulas particulares“informais”: “Meu pai era crítico de música, então o pessoal puxava osaco do meu pai e eu tinha aula de graça”. Quando criança teve tambémaula de música na escola, mas, segundo ele, “as aulas nas escolasgeralmente se limitam a decorar hinos”. Sua formação foi voltada parao piano clássico mas seu interesse era a música popular: “Não gostavamuito de estudar o clássico. Eu era apaixonado pela música popular queeu ouvia no rádio. Mas de música popular eu não tinha aula nenhuma.Não tinha quem ensinasse. [...] Depois é que fui aprender isso, depoisdos trinta anos”. Além do estudo musical, chegou a cursar até o segundoperíodo de Engenharia. No final dos anos 80 fundou o Cenário – Centrode Arte Rio.

Eu pensei em fazer a melhor escola do Brasil, e acho que certamenteseria se tivesse continuado. Teve os melhores professores de cada matéria:arranjo era a Célia Vaz, bateria o Pascoal Meireles, sintetizador era oRick Pantoja que era a única pessoa que entendia de sintetizador naqueletempo, piano clássico era a Sônia Goulart, deu aula de sax o MauroSenise, Dirceu Leite dava aula de flauta, eram os grandes professores.

Apesar de dizer que “não gostava de estudar o clássico”, consideraque teve aula com bons professores e que foi a partir dessa experiênciaque direcionou a orientação pedagógica de sua escola: “Dois anos antesde inaugurar o Cenário eu já estava preparando o Cenário... preparandoos livros, preparando todos os currículos. A gente se reunia semanalmentecom os professores”. Quando perguntado sobre os critérios que utilizavapara a elaboração dos currículos de sua escola, Tomás responde:

Além dessa coisa toda de eu ter aprendido com bons professores... eutive professor de composição: o Marlos Nobre. Estudei com FranciscoMignone, então eu tive uma formação muito louca. Foi meio auto-didatamas foi pontuada por grandes professores.Euro S. R. considera sua formação eclética. É formado em

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Arquitetura e paralelo à música desenvolve um trabalho com literatura eartes plásticas. Sua trajetória como estudante de música se iniciou atravésdo estudo do piano: “Na infância eu tinha estudado piano mas não gostei.Talvez por causa da professora que era aquela alemã super rígida... quaseme tirou a vontade de música”. Na escola Euro teve aulas de música:“Tinha e detestava. [...] Era canto orfeônico, a professora chatíssima,tinha que ter nota pra passar. Era super desestimulante”. Mais tarde, jáadulto, foi estudar bateria no Conservatório Brasileiro de Música, ondetambém cursou três anos de vibrafone. Quando começou a dar aulasteve em seu professor sua principal referência: “Corri atrás do meuprofessor [...]. Ele falou pra eu pegar [os alunos] que ele ia me orientare dar o material que ele tinha. Então comecei a dar aula em cima dométodo dele”.

Vera de Andrade iniciou seu estudo musical informalmente:

Eu tava assistindo a minha tia dar aula pro meu primo, tentando ensinarumas posições [...]. Aí pedi pra ver se eu conseguia tocar também. Pegueiumas musiquinhas e fui indo... pedindo pra um e pra outro me ensinaruma posição, uma musiquinha. [...] Estudar foi bem mais tarde.

Seu estudo inicial do instrumento foi “de ouvido”: “Meu pai mebotou num professor, mas eu não aprendi por música não. Eu não queriamesmo, já tinha acostumado a pegar tudo visualmente, vendo as pessoastocando [...] e com isso eu desenvolvi muito a memória”. Depois quecursou o segundo grau, pensou em seguir a carreira musicalprofissionalmente:

Fui ter aulas de teoria. [...] Aí pintou um curso de preparação pra faculdadee tinha lá o curso de clarinete, não tinha de violão. Eu tinha um clarinetee resolvi aprender outro instrumento. [...] Tinha aula de instrumento,tinha teclado básico, tinha teoria e tinha aula de apreciação musical.

Neste período, o estudo do violão ficou um pouco de lado, sendoo instrumento utilizado para compor. Através de aulas particulares deharmonia funcional “juntei o violão com a partitura”. Quando criançaVera teve aulas de música na escola: “Eu tive até no jardim da infânciaaquela aulinha que você aprende aquelas musiquinhas. Depois do jardimda infância a aula de música era a professora ensinar os hinos”. Em suatrajetória procurou pelo ensino musical através de aulas particulares e

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escolas de música alternativas. Muito tempo depois, por volta dos trintaanos de idade, ingressou no curso de Licenciatura em Educação Artísticada UNIRIO, transferindo-se posteriormente para o Bacharelado emviolão.

Sidney Linhares teve aula de música na escola, que segundoele “era horrível. Ela dava teoria... clave de sol”. Considera que seusestudos musicais se iniciaram na Rio Música, onde veio posteriormentea atuar como professor. Nesta escola estudou guitarra, teoria e harmoniafuncional. Em seguida foi ter aulas particulares de improvisação epercepção. Seu interesse em estudar música foi estimulado pelo irmãomais velho, que tocava baixo elétrico.

Rômulo Thompson também teve aula de música na escola:“Tinha mas muito ruim. Era tipo cantar musiquinha e tocar instrumentosde percussão”. Em seu ambiente familiar teve bastante contato commúsica:

meu pai escreve letras... e na época ele participava de festivais... e minhamãe cantava e musicava as letras dele. Então eles ganhavam váriosfestivais e eu com três anos já circulava pelo palco de um lado pro outro.Meu avô era amigo de vários músicos... sempre fui em saraus de chorinho.

Sua formação musical iniciou quando tinha 12 anos.

Estudei um ano de violão clássico assim meio bagunçadamente. Depoisde um ano comprei uma guitarra [...] aí fiquei estudando sozinho. [...]Comecei a ter aula com um cara que tinha chegado de Berklee, depoistive aula com Ary Piassarollo.

Sua formação seguiu através de aulas particulares e, em 1995,ingressou no curso de Licenciatura em Educação Artística da UNIRIO:“Eu não queria fazer Licenciatura na realidade, por isso até que eu saí”.

Deco Fiori iniciou sua trajetória como estudante de música aos10 anos de idade, quando teve aulas particulares de piano. Após doisanos resolveu deixar as aulas para se dedicar ao vôlei. Em sua escolateve aulas de música quando cursava o antigo ginásio, onde aprendeu atocar flauta doce. Posteriormente, aos 17 anos, passou a ter aulasparticulares de violão, “aí fui tirando música, fui compondo...”. Ingressou

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na UFF para fazer cinema, e paralelo a isso foi “fazer aula com um primomeu de violão erudito e comecei a gostar [...]. Aí saí da UFF e fui praUNIRIO fazer TEPEM”18 . Em seguida ingressou no curso de Licenciaturaem Educação Artística da UNIRIO onde se formou.

Michael Arce não teve aulas de música na escola. Seu primeirocontato com o estudo da música foi aos quinze anos, quando começou atocar violão. Mais tarde estudou guitarra e gaita com professoresparticulares. Paralelamente cursou Engenharia e posteriormenteOdontologia. Não chegou a concluir nenhum dos dois cursos e seguiu acarreira musical atuando como instrumentista e compositor.

Ricardo Camargos também não teve aulas de música na escola.Iniciou sua trajetória como estudante de música com “aquele clássicocomeço com aulas de piano em casa”, e também cantando em corais.Por volta dos 12 anos começou a tirar música “de ouvido” apesar de que“o músico clássico toca com a partitura na frente [...]. Sem a partitura ocara não consegue tocar nada”. Influenciado por um amigo formou umconjunto de rock: “Fui na cara de pau, mesmo sem ser pianista popular.[...] Eu tinha mais ou menos uma noção de cifra, via naquelas revistinhas”.Posteriormente foi estudar numa escola de música alternativa da qual setornou professor. “Passou um tempo e o Tomás [seu professor] perguntouse eu não queria dar aula. Tinha um método que ele me ensinou e aí eleme deu umas apostilas e eu fui”. É formado em Arquitetura.

2.3 Músico-professor: caracterização de um docente

Os músicos-professores entrevistados, apesar de não terem tidouma educação musical estimulante na escola quando criança, procurarampelo ensino musical em outras instâncias e terminaram por seguir acarreira musical, tornando-se também professores de música. O modelodocente que parecem seguir distancia-se do modelo que vivenciaram nainfância, e aproxima-se do modelo que tiveram num segundo momentode sua formação, através do percurso de formação pelo qual optaram.

Segundo os depoimentos, nossa suposição inicial de que a

18 TEPEM é um curso de extensão da UNIRIO, de teoria e percepção musical.

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atividade docente é intrínseca à atividade profissional do músico foireiterada. É através da atividade docente que o músico dá os primeirospassos em sua vida profissional, e sua principal motivação é o aspectofinanceiro:

Foi o início de uma tentativa de profissionalização (Michael Arce); Aprimeira grana que eu ganhei foi dando aula. [...] Foi bom, eu já pensavaem trabalhar com música, ser músico, me profissionalizar e achei queseria um incentivo [...] (Sidney Linhares); Acho que por uma necessidadede ganhar uma grana. E é uma prática comum das pessoas que vivem ecomeçam a fazer música, estudar música e querer viver de música. Umdos primeiros trabalhos profissionais é dar aula (Vera de Andrade); Fuitambém pra ganhar dinheiro porque é também um campo de trabalho(Ricardo Camargos).

O músico-professor tem, num primeiro momento, suaprofissionalização legitimada através da sua atividade docente, uma vezque essa atividade é regular e remunerada. Por outro lado, tem suaatividade docente legitimada pelo conjunto de saberes que adquiriu emsua trajetória como estudante de música, e também por sua atividadeartística, apesar dessa atividade ser no início irregular e não remunerada:“Alguém te procura também pra dar aula porque te vê tocando...” (Verade Andrade); “Normalmente quem me procura, o cara já sabe como eutoco, já me conhece, já quer seguir essa linha que eu sigo” (SidneyLinhares).

O músico-professor não se reconhece como “professor” e simcomo “músico”. Observa-se que na Tabela de Cachês Mínimos elaboradapelo SindMusi não há remuneração mínima para professor de música,fato que consideramos curioso uma vez que o músico tem,freqüentemente, uma intensa atividade docente.

Segundo a fala do músico-professor, a atividade pedagógica éimportante para seu próprio desenvolvimento como músico:

Fora do Brasil todos os grandes caras dão aulas, têm métodos [...] etodos dizem que é importante, que ajuda na formação, você está semprese reciclando, está sempre revendo coisas básicas que são importantes(Rômulo Thompson); Acho que enriquece, você sempre aprende algumacoisa (Ricardo Camargos); Eu aprendi muito. Ajuda a reforçar aquiloque você já sabe [...] (Sidney Linhares).

Entretanto, se consideram mais instrutores ou orientadores do

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que professores:

Muitas vezes eu trabalho mais orientando... estuda isso, estuda aquilo[...] me considero mais um orientador até porque eu prefiro isso (RômuloThompson); Eu acho que sou até mais conselheiro do que professor. Eutento fazer com que o aluno descubra qual é o ponto fraco dele, e qual éo ponto forte pra ele seguir (Sidney Linhares).

Mesmo não sendo a função docente seu objetivo profissionalprincipal, e estando diretamente ligada a questões econômicas, todos osentrevistados concordam que dar aulas é uma atividade prazerosa:

eu adoro dar aula. Eu gosto de participar desse processo da descobertado aluno, de encaminhar o aluno, de ver o amadurecimento do aluno.Sempre gostei de dar aula. Claro que também fica muito prático porquevira um ganha pão também. Mas eu não poderia ser secretária e cantora.Eu gosto de fazer uma pessoa descobrir que ela tem uma voz, de orientá-la, encaminhá-la pra estudar uma teoria ou então encaminhá-la pra estudarum instrumento se ela tiver jeito pra isso. Gosto de ver a voz sedesenvolvendo, eu gosto de acompanhar todo o processo, o crescimentomusical do aluno, do aprendizado, dele se desenvolvendo, desabrochandoaquela voz que não era nada e de repente tem uma voz (Márcia Cabral).

O músico-professor tem uma proposta de plano de curso bastantecentrada em um determinado tipo de competência que consideraimportante, e assume a postura de especialista. Sua credencial de“especialista” parte da atividade artístico-musical que desenvolveparalelamente à atividade docente. O ensino proferido por ele teria comoideal um ensino profissionalizante. Apesar disso, freqüentemente desviade sua proposta inicial, direcionando a aula para propostas trazidas peloaluno que procura a escola com objetivos bastantes variados: “tem muitagente que tem aula e não quer ser profissional” (Ricardo Camargos). Osmúsicos-professores afirmam, quando perguntados se continuariam adar aulas mesmo que não precisassem desta atividade para sobreviver:“Sim, mas não teria 30 alunos, teria 5” (Márcia Cabral); “Sim, mas emoutras condições” (Euro S. R.); “Eu teria muito poucos alunos” (RômuloThompson); “Continuaria, talvez selecionasse mais [...]” (Michael Arce).

Essa seleção parece estar relacionada com sua expectativa emrelação ao aluno: “Muitas vezes o cara não tá muito a fim de aprender[...] nem pega no instrumento, não nem aí pra música. Eu até mandava

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esses caras irem embora” (Sidney Linhares).A seleção e a organização de conteúdos inerentes ao curso de

cada músico-professor entrevistado, aparece de forma clara e objetivaem sua fala: “Eu tenho um cronograma. Pra começar eu pensei qual erao meu público alvo. [...] Então a metodologia tinha que girar em funçãodisso. [...] Então eu bolei toda uma série, um cronograma de 2 anos”(Michael Arce);

Eu divido a aula em 6 matérias: técnica, solfejo rítmico, harmonia,composição, repertório popular e repertório no pentagrama. No geraluma aula são 3 dessas 6, e a aula seguinte as outras 3. É a aula A e a aulaB. Aula A é técnica, composição e harmonia. Aula B é solfejo e repertório.Numa semana o cara tem a aula A e na outra a aula B (Tomás Improta).

Através deste relato sobre a trajetória do músico-professor comoestudante de música, o desenvolvimento de sua metodologia está, namaioria das vezes, calcada em sua trajetória como aluno: “Eu semprefui muito organizado comigo mesmo. O meu estudo foi sempre muitoorganizado e eu acho que a minha coisa didática refletiu isso” (RômuloThompson).

O músico-professor demonstra ainda em sua fala uma capacidadede reconhecer as “deixas” dos alunos no decorrer da aula:

Às vezes você programa uma aula e faz de uma outra maneira e é ótimo.Mas eu já tinha preparado a aula, tinha elementos pra trabalhar (Vera deAndrade); É super importante você poder tomar novas diretrizes no meioda aula, coisas que às vezes o aluno diz e muda o rumo da aula... é bomter jogo de cintura (Deco Fiori); Eu fiz um programa aula a aula. Entãoeu tive um trabalhão... é claro que isso não é uma coisa rígida. Eu tenhoum roteiro, uma direção da onde o curso quer chegar. Então eu já sei oque vou dar pro cara e eu marco mesmo. Tenho uma ficha pra cadaaluno em que eu marco o nível que ele tá, a aula que ele tá fazendo. Essaaula não é no sentido de na primeira aula vou dar isso, na segunda isso.Essa é a matéria. O cara pode fazer a primeira e segunda aula numa aulasó. O outro levar três aulas fazendo a primeira aula. Isso é um roteiromais vai rolando conforme o aluno, isso eu explico pra ele. São trintaníveis de 8 aulas cada (Euro S. R.).

Para o músico-professor, é importante para o aluno que deseja setornar um profissional ter aulas com um músico atuante: “Muito bom.Mesmo que seja só pra ouvir história, só pra aprender uma passagem do

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dedo ou aquela maneira que ele faz pra atingir aquele som. Mesmo queseja uma aula só de timbre” (Michael Arce);

É bom ele passar por isso. Eu tive aula com o Ary Piassarollo que nãotinha didática nenhuma e só de eu tocar com ele aquilo ali me inspirava,cheio de idéias na cabeça, cheio de músicas na cabeça, e pronto... issofunciona. [...] Eu acho que eu consigo motivar porque eu sou motivadopra música e isso gera uma troca (Rômulo Thompson).

Em sua própria formação o músico-professor buscou professorescom este perfil, e é este modelo de competência que parecem quererseguir:

depois de estudar com o Almir fui estudar com a Celinha Vaz, fui buscaras pessoas, buscar as fontes. Fui estudar no Cenário com gente famosa,que na época era um pouco a venda... o forte do Cenário era ter músicosprofissionais com uma certa notoriedade no meio musical dando aula,com um método todo montadinho, apostilas, aquela coisa toda. Fuiestudar lá não só pra ter aula mas também pra ficar perto do artista quevocê gosta. Estar ali junto, ver como a pessoa faz, ter um contato maisestreito com aquela pessoa (Vera de Andrade).

O músico-professor diferencia o perfil do professor de músicaque atua em escolas alternativas dos que atuam em escolas regulares,especificamente os que trabalham com o público infantil, tornando claraa questão de que para o músico aspirante a profissional o que vale é oconhecimento musical do professor, e não a capacidade de desenvolverhabilidades com o aluno:

acho que são pessoas especiais, que têm uma tarefa muito grande, umadedicação muito grande... não é o músico não. É um professor que tenhauma didática muito boa, que seja uma pessoa muito bem humorada queatraia a atenção das crianças. O ideal é alguém que tenha estudado Piaget,que tenha uma coisa didática pra lidar com criança muito desenvolvida,a formação muito sólida (Rômulo Thompson); Eu dou aula pra quem émúsico ou quer ser músico. O professor da escola dá uma aula obrigatória.O cara que vem pra uma escola de música acha música um grande barato,você só tem que confirmar isso. Na escola de repente você tem que dizerque música é legal, você tem que trazer esse universo pra eles (DecoFiori).

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Percebemos aí uma contradição, pois, paralelamente aosdepoimentos onde o conhecimento musical parece sobrepor a capacidadedocente, encontramos depoimentos como:

Acho que se ele não tem didática o aluno não aprende. Tanto que existeminstrumentistas e cantores maravilhosos mas que não sabem dar aula.Não sabem simplificar, acho a didática muito importante (Márcia Cabral);A didática nem todo mundo tem (Ricardo Camargos); Acho que tem acoisa da didática. Tudo o que você aprende sistematizado é melhor (EuroS. R.); Você passar uma informação tem que saber como (Vera deAndrade).

O músico-professor encara o ensino universitário da música comoum ensino complementar à sua formação profissional, priorizando umaformação em escolas de música alternativas ou aulas particulares, queatenda à sua necessidade imediata e urgente: “Eu acho que pra mim, proque eu pretendo ser, acho que não ia acrescentar muito. Ia tomar muitotempo, eu ia deixar de estudar” (Sidney Linhares);

Eu acho que as pessoas ficam muito trancadas dentro da universidade,acho que na universidade a música é muito paralela, as vezes ela não éreal. Acho que o professor tem que saber como é o palco e trazer essaexperiência dele pra dentro de sala (Márcia Cabral); Acho importantevocê desenvolver a musicalidade de alguma forma organizada, mas nãonecessariamente dentro de uma sala de aula, dentro da universidade. Eusempre preferi mais a aula particular do que a escola. Eu sempre soubeo que quis e ia encaminhando as minhas aulas. Então eu acho legal poresse lado que você encaminha na aula particular. Na escola você temque seguir um programa (Rômulo Thompson).

O músico-professor demonstrou ainda uma preocupação emrelação ao desenvolvimento de materiais com fins de ensino-aprendizagem musical que os auxiliem em sua atividade docente. Muitosdeles têm como fruto desta atividade a elaboração desse tipo de material,na forma de apostilas, livros, CDs, vídeo aulas entre outros: “Pracirculação interna no Cenário eu lancei 4 livros. E agora eu lancei essegrande de harmonia” (Tomás Improta);

esse material nasceu da prática. Me lembro que quando entrei pra daraula no Cenário pediram pro corpo docente preparar um material,apostilas e tudo. Mas todo mundo ficou muito perdido de ter que preparar

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aula por aula porque as pessoas não sabiam o que iriam encontrar. Apartir dos alunos que a gente foi encontrando, da proposta de dar aulaem grupo... daí foi nascendo da prática. Foi um pouco de tentativas,você vê o que funciona (Vera de Andrade) .

A produção desses materiais aponta ainda para outra direção. Namaioria dos casos o músico-professor trabalha em suas aulas com umrepertório voltado para a música brasileira, e isso se reflete em suaspublicações. Utilizam-se de um repertório brasileiro para desenvolveralguma habilidade musical ou até mesmo procuram sistematizar algumacaracterística ou gênero desta música.

Podemos dizer que o músico-professor:

√ Considera a atividade artística musical como primeiroobjetivo profissional;

√ Tem na função docente a fonte de renda mais estável esegura no escopo de sua atividade profissional;

√ Atua em escolas de música alternativas e em aulasparticulares;

√ Distinge e se reconhece como um instrutor ou orientador,e não como professor;

√ Tem sua atividade docente legitimada pelo conjunto desaberes musicais que adquiriu através de sua trajetória como estudantede música e como músico;

√ Considera a atividade docente importante para seu própriodesenvolvimento como músico;

√ Considera a atividade docente prazerosa;√ Tem sua atividade docente baseada em um modelo de

competência profissional. Apesar disso, abre mão freqüentemente desuas propostas em função do perfil do aluno que o procura, e isso sedeve a fatores financeiros;

√ Restringiria o tempo dedicado à atividade docente, se nãofosse pelo fator financeiro;

√ Tem a sua trajetória como estudante de música como umareferência para o desenvolvimento de sua atividade docente;

√ Preocupa-se em desenvolver o que considera umametodologia própria para o ensino de determinado conteúdo musical;

√ Tem uma noção de didática ligada à ordenação eorganização de idéias ou conteúdos, e à capacidade de facilitar aaprendizagem;

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√ Considera importante o estudante aspirante a músicoprofissional ter aulas com um músico profissional atuante, uma vez quesó este pode passar ao aluno informações de que realmente ele necessita;

√ Teve em sua formação aulas com músicos atuantes;

√ Define o professor de música que atua nas escolasregulares, especificamente os que trabalham com o público infantil, comoaquele que não precisa necessariamente saber música ou ser um músicoprofissional atuante mas que precisa ter “didática” e uma sensibilidadeconsiderada especial;

√ Considera o ensino universitário da música comocomplementar à sua formação profissional;

√ Desenvolve materiais com fins de ensino-aprendizagemmusical na forma de apostilas e livros baseados em sua atividade musical,na maioria das vezes voltados para a música brasileira;

√ Prioriza a música popular brasileira no desenvolvimentode sua atividade docente.

Assim, o músico encontrou uma alternativa para sua atividadeprofissional artístico-musical na atividade docente, em escolas de músicaalternativas e/ou em aulas particulares. Frente às dificuldades impostaspela profissão que exige do músico versatilidade, a atividade docenterepresenta a possibilidade de uma maior estabilidade financeira. ARevista Backstage na reportagem “Com Licença, vou à luta!” (nº37,1997) comenta:

vida de músico nunca foi fácil. Além da pequena quantidade de shows egravações, em relação ao grande número de artistas, a profissão não évalorizada. O que fazer? Desistir? Não. Aqui vamos mostrar algunsexemplos de músicos que buscam novos meios de ganhar a vida. Deaulas e workshops a abertura de estúdios e escolas de música, dependendoda quantidade de capital disponível para investimento, as alternativassão muitas. É só tomar coragem, e começar a correr atrás (p.58).

Desta forma, acreditamos que ser professor é uma condição quese tornou intrínseca à atividade profissional do músico. Não só pela maiorestabilidade oferecida por esta atividade como pela crescente demandapor um ensino musical oferecido fora do ambiente oficial, ou seja, emescolas de música alternativas e aulas particulares. Segundo o depoimento

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de Sérgio Benevenuto, fundador da Rio Música, e de Tomás Improta,fundador do CENARIO, as escolas de música alternativas surgiram coma finalidade de suprir uma suposta carência na formação do músicoprofissional, com um ensino voltado para o mercado de trabalho e amúsica popular, e ainda trazendo o músico para a sala de aula, preferindo“transformar grandes músicos em grandes professores do que transformargrandes professores em grandes músicos”19 .

19 Texto extraído do book da Rio Música.

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CAPÍTULO 3

Saberes e competências representadosem enunciados de propagandas, na

fala de estudantes e na fala domúsico-professor

3.1 Um estudo a partir de três perspectivas

Neste capítulo, cruzamos dados obtidos através da análise depropagandas de escolas de música alternativas com a fala de estudantesde música e do músico-professor.

As propagandas foram coletadas em três revistas especializadasde circulação nacional, publicadas entre os anos de 1997 e 2001. Elassão: Revista Guitar Player (Trama Editorial Ltda, São Paulo), RevistaBackstage (H. Sheldon Serviços de Marketing Ltda, Rio de Janeiro), eRevista Áudio, Música & Tecnologia (Editora Música & TecnologiaLtda, Rio de Janeiro).

Para confrontarmos esses dados com a perspectiva do estudantede música, voltamos ao campo de nossa monografia de graduação, aRio Música, onde realizamos um debate entre estudantes de música quetêm como característica comum a busca pela profissionalização na áreada música, ou o fato de já exercerem esta atividade profissionalmente.Os estudantes foram convidados a participar do debate a partir de umalista que foi solicitada aos professores da escola, contendo o nome dosalunos com tal característica. Esses alunos representam cerca de 50%do quadro de alunos desta escola. Para o debate, compareceram quatroestudantes, 10% dos alunos com o perfil mencionado. Eles estão numafaixa etária entre os 19 e 30 anos de idade e estudam música há pelo

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menos dois anos. O debate foi realizado a partir de questões lançadaspelo mediador (esta pesquisadora) e de outras questões que surgiram apartir da fala dos estudantes.

Para obtermos a perspectiva do músico-professor, optamos porselecionar um único informante qualificado: o músico-professor AdrianoGiffoni. O informante foi selecionado segundo a caracterização domúsico-professor exposta pelo Capítulo 2 desta dissertação, e pelo fatodeste informante ser também o autor de uma das publicações analisadaspor esta pesquisa (Capítulo 4). Foram realizadas com o músico-professorAdriano Giffoni duas entrevistas, a primeira de forma semi-estruturadae a segunda de forma estruturada.

3.1.1 As propagandas de escolas de música alternativas

A partir da coleta e análise das propagandas de escolas de músicaalternativas em revistas especializadas, pudemos detectar estratégiasdiscursivas postas em jogo, visando atrair um público consumidor, ouseja, quais os saberes e competências evidenciados e que tipo de ensinoé privilegiado.

Incluímos ainda propagandas de aulas particulares, uma vez queo músico-professor também atua em aulas particulares, e, como veremos,se utiliza das mesmas estratégias na propaganda dessas aulas.

Entendemos por aula particular aquela em que não há mediaçãoinstitucional entre professor e aluno. Aquela em que professor e alunoentram num acordo a respeito do local, do conteúdo, da carga horária,do preço e da regularidade das aulas.

A coleta dessas propagandas (nas revistas Backstage, GuitarPlayer e Áudio, Música & Tecnologia) foi realizada em ediçõespublicadas no período entre os anos de 1997 e 2001.

Foram encontrados enunciados como:

Quem é escolhido pelos melhores é porque sabe bem o que está fazendo...;Aulas com músicos famosos; Aulas particulares [com] o pianista dasestrelas; métodos desenvolvidos pelos maiores profissionais da música;workshops gratuitos com músicos de renome; venha estudar com quemfez a história da guitarra brasileira.

Tais enunciados nos indicam que a legitimação desses cursosestá na atividade profissional do professor como músico: a competênciado músico é legitimada pela sua atuação profissional ao lado de artistasreconhecidos socialmente. As propagandas indicam freqüentemente o

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nome desses artistas: “tocou com Marisa Monte, Djavan, Gal Costa, BBKing”.

Os enunciados das propagandas deixam explícito o tipo derepertório com o qual os cursos trabalham, delimitando assim o recorteque faz dentro da amplitude de gêneros musicais: “No mês de abril,começa o curso Guitarra Brasileira de Heraldo do Monte”; “GuitarraJazz, Violão Solo (MPB)”; “A guitarra no Rock’n’roll, Gaita de Blues,A Percussão no Soul, funk e ritmos latinos”; “Técnica Vocal para metalem geral”. Isso nos remete ao músico-professor especialista, que sepropõe a ensinar música através de determinado estilo, técnica ou gêneromusical definido. Ao estudante de música é oferecida uma ampla ofertade cursos, sem a exigência de pré-requisitos. Desde que tenha condiçõesfinanceiras, o aluno pode trilhar seu caminho como bem entender,adquirindo as competências que considera necessárias à construção deseu perfil profissional.

A eficiência dos cursos é sugerida pelas propagandas através deenunciados que indicam como o ensino é realizado: “cursos 100%práticos”; “aulas com CD Trainer, audio-livros e métodos importados”;“métodos desenvolvidos pelos maiores profissionais da música”.

A possibilidade de individualização do percurso de formação setorna possível uma vez que os cursos oferecem “aulas totalmenteindividuais”, indicam que “não precisa conhecimento prévio”, oferecendoainda “curso rápido e avançado de guitarra, direcionado à necessidadedo aluno” e ainda garantem: “curso que fará de você um verdadeiroprofissional”.

Os cursos oferecidos pelas escolas de música alternativas aindadisponibilizam ao aluno acesso a inovações tecnológicas: “Equipamentosmodernos”, “Guitarra Midi, Programação de teclados e módulos,Sequencers”, e associam cursos de música com cursos de áudio: “Cursosde Música e Introdução à Tecnologia Musical”, “Você vai descobrirtodos os segredos: Gravação, Mixagem, Masterização”.

Identificamos três aspectos primordiais nos discursos sobre aoferta de ensino de música, aspectos sobre os quais o emissor constróiuma imagem para seu público receptor: o que se ensina, quem ensina, ecomo se ensina. As operações de enunciação20 em torno desses aspectos

20 Operações de enunciação são “operações que apontam, que localizam objetos, seres,num ato de referenciação interna no movimento narrativo. [...] Certas referências vêmcomo repertório de textos já dados na cultura, já construídos por processo históricocultural” (Santos, 1997, pp.63-64). As operações de enunciação podem ser operações deatualização, extração, indicação, totalização e identificação.

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Figura 3 – Propagandas de escolas de música alternativas

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Figura 4 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)

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Figura 5 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)

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Figura 6 – Propagandas de escolas de música alternativas (continuação)

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indicam que os cursos são “idiomáticos”, voltados para a música popular;que são ministrados pelo músico-professor “especialista”, que tem sualegitimação como professor dada através de sua competência artístico-musical; que sua forma de ensino “prático” se dá através de métodosque vêm acompanhados de CDs ou fitas K7, e que têm o atributo ou deser importado ou de ser desenvolvido “pelos maiores profissionais damúsica”; e que utiliza outros recursos de ensino que garantem acesso àinovação tecnológica e asseguram um saber prático.

3.1.2 A fala de estudantes de música

A perspectiva do estudante de música em relação aos saberes eàs competências buscadas no âmbito das escolas de música alternativas,foi baseada em dados colhidos em 2001 entre estudantes da escola RioMúsica, campo ao qual voltamos para atualizar informações colhidasem pesquisa iniciada em 1999.

Convidamos alunos da escola Rio Música para um debate, comdia e hora determinados, a partir de uma lista que foi solicitada aosprofessores da Escola contendo o nome dos alunos que têm comocaracterística comum a busca pela profissionalização na área da música,ou que já exercem esta atividade profissionalmente. Esses estudantesrepresentam cerca de 50% do quadro de alunos da escola. Para estedebate, compareceram quatro estudantes: Gustavo, André, Marcos eLúcia 21 , 10% dos alunos da Rio Música com o perfil mencionado. Dentreos estudantes que participaram do debate, apenas um, André, nãofreqüentou a universidade, quer seja em cursos técnicos ou de graduação.Gustavo faz o curso de Teoria e Percepção Musical (TEPEM) da UNIRIOcom a intenção de se preparar para o teste de habilidade específica dovestibular para o Bacharelado em MPB da mesma instituição. Marcoscursa Licenciatura e Lúcia é formada em Licenciatura, ambos pelaUNIRIO.

Gustavo, André, Marcos e Lúcia estão numa faixa etária entre os19 e 30 anos de idade e estudam música há pelo menos 2 anos, comoconsta do quadro a seguir:

21 Nomes fictícios.

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6 3

Quadro 2 – Identidade de um grupo de estudantes de música da Rio Música

Quando perguntados se atuam profissionalmente em outras áreasprofissionais que não a música, Lúcia respondeu que sim, que é professorade música do município. Gustavo respondeu que não, embora sejaprofessor numa escola de música alternativa. Isso converge para adiferenciação que os músicos-professores fizeram entre o professor demúsica e o educador musical, que atua em escolas regulares22 . Para eles,o educador musical tem que ter uma formação específica na área daeducação e tratar a música de forma mais abrangente, enquanto que oprofessor de música é o próprio músico-professor, especialista emdeterminado estilo ou saber musical. Talvez por compartilhar destarepresentação, Lúcia respondeu que atua também em outra área, a áreada Educação Musical, e Gustavo respondeu que não, uma vez que serprofessor é condição intrínseca à atividade profissional do músico. Aindaem seu depoimento, Gustavo diz: “Eu divido em três as funções maisfortes do músico: ser professor, tocar na noite e gravações”.

O debate foi realizado a partir de questões lançadas pelo mediadore a partir de questões que surgiram a partir da fala dos estudantes.Detectamos três questões principais apontadas pelos estudantes: umparalelo entre o ensino musical oferecido pela universidade e pelasescolas de música alternativas; a atuação do músico como professor; ecompetências necessárias ao professor de música e ao músicoprofissional.

Gustavo, André, Marcos e Lúcia apontam para três diferençasbásicas entre o ensino oferecido pela universidade e o ensino oferecidopelas escolas de música alternativas. A primeira diferença refere-se ao

22 Em depoimentos apresentados no item 2.3 desta pesquisa.

Identificação IdadeCurso atual

na RioMúsica

Outroscursos na

RioMúsica

Tempo deestudomusical

Se atua oupretende atuar

profissionalmente

Se atuaprofissionalmente

em outra área

Tempo deestudo na

RioMúsica

Gustavo

André

Marcos

Lúcia

23

19

25

30

Canto

Flauta

Baixo

Harmonia

5 anos

2 anos

10 anos

13 anos

2 anos

5 meses

2 anos

3 anos

Atua

Pretende

Atua

Atua

Guitarra

-Técnicas deGravação

Composiçãode música

pop

Não

Não

Não

Sim

Professora demúsica

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6 4

fato do currículo dos cursos de música das universidades não contemplarcertos instrumentos, que em geral são empregados com mais freqüênciano âmbito da música popular:

Eu fui buscar pelo ensino da guitarra [em escolas alternativas] conscientede que eu não ia encontrar isso na universidade (Gustavo); Eu vim estudaraqui na Rio Música por causa do Ezio [professor de baixo elétrico], eporque no ensino oficial não tem baixo elétrico (Marcos).

A segunda diferença refere-se ao tipo de repertório e ao conteúdoabordado nos dois contextos:

Eu acho que estudar numa escola como a Rio Música é legal porque aescola oferece bons professores, igual à universidade, mas a universidadetem mais aquela coisa da música erudita que não é o que eu quero (André);Quando eu entrei [para a universidade] eu tava buscando tocar mais,conhecer gente, compor [...] Aí depois quando começou era muita teoria.Nada que eu tava imaginando aconteceu. [...] Eu fiquei animada emestudar harmonia, pensei que poderia me ajudar com o violão. [...] Masa harmonia eu achei um pouco fria porque era uma harmonia a quatrovozes, não era a harmonia que eu queria. Fiquei sabendo todas as regrasmas não conseguia utilizar. [...] Quando eu procurei o curso daqui eu jásabia que ele dava dicas de composição pop. Me interessou analisar oque as pessoas já fazem por aí, as fórmulas da música pop [...]. E tambémporque na UNIRIO a análise que era feita era em cima de músicasclássicas (Lúcia).

A terceira diferença refere-se à possibilidade de um percurso deformação com maior ou menor autonomia, como expressam os alunos:

Aqui respeita-se mais a individualidade do aluno. Lá [na universidade]tem um programa formal que você tem que obedecer (Gustavo); Comoformação o curso livre é interessante justamente por isso, coloca vocêestudando aquilo que você quer objetivamente (Marcos); Quando medizem que tem um curso legal eu vou ver como é que é, vouexperimentando. Porque se eu não gostar eu saio. Vou procurando várioscaminhos (Lúcia).

Os estudantes relacionam o ensino oferecido pela universidade eo ensino oferecido fora do âmbito oficial como complementares um aooutro:

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6 5

Eu estou entrando numa faculdade só pra complementar. Acho que o delá complementa o daqui [da escola alternativa] porque eu já estou tocando,já estou trabalhando, dando aulas (Marcos); o ensino médio não apresentaum ensino musical. Uma pessoa que quer freqüentar uma faculdade demúsica vai ter que buscar pelo conhecimento numa escola de música[alternativa] ou em aulas particulares (Gustavo); Eu tentei entrar trêsvezes para a universidade, primeiro pr canto e depois pra violão. Mas eunão estava preparada e não passei no teste de habilidade específica. Depoiseu entrei no curso de Licenciatura pra tentar me transferir depois proBacharelado em Violão (Lúcia).

A busca pelo saber musical fora das instituições oficiais se deveao tipo de conteúdo aí oferecido, intrinsecamente ligado ao repertório,que é determinante para a oferta e seleção dos instrumentos musicais.Deve-se também à possibilidade de uma maior autonomia dos alunosem seu percurso de formação, e em especial no preparo do iniciante demodo sistematizado, longe dos cursos universitários que exigem umasérie de pré-requisitos. Daí o curso universitário ser encarado como umcomplemento, ou como uma especialização: “Na verdade, [referindo-seà UNIRIO] todos os cursos são de especialização [com] exceção daLicenciatura. A Licenciatura forma a base pro cara, essas especializaçõesnão [...] o cara não vai se formar como cantor, ele vai se especializar”(Marcos).

A segunda questão deflagrada no debate se refere a atuação domúsico como professor. Os estudantes consideram importante que oprofessor de música seja ou tenha sido um músico atuante. A experiênciado músico é vista como um saber a ser adquirido:

Eu tenho aula com o Rômulo Thompson e ele tem uma experiência de játer tocado que eu quero vivenciar. Ele trás coisas dos bastidores que nãose pode ensinar diretamente (Gustavo); Acho que o professor de músicatem que ter aquela experiência de já ter tocado pra poder passar segurançapara o aluno. Agora, acho que não é preciso hoje em dia ele estar atuando(André); Acho importante o professor de música ser atuante. Lá na escolaque eu trabalho tem umas professoras que não tocam mais e elas ensinammúsicas antigas, desatualizadas pra um garoto adolescente. Ensinamhinos, são cabeças antigas. [...] quando eu falo que toco numa banda,que gravei um CD, mostrei o CD pra eles. Eles gostam (Lúcia); Fazdiferença você estudar com um músico e com um acadêmico. Com umvocê vai aprender música e com o outro vai aprender como se toca. Oacadêmico te dá uma informação básica, e tocar você vai aprender com

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o músico. Acho os dois importantes, mas se você quer tocar vai perdertempo se estudar com um catedrático o tempo todo (Marcos).

Gustavo, André e Lúcia concordam com o depoimento de Marcos.Assim, podemos dizer que os estudantes consideram que os saberesrepresentados pelo músico-professor são prioritariamente procedimentaise atitudinais, contrastando com os saberes articulados pela universidade,onde, segundo eles, se priorizam os fatos e os conceitos. Por isso, Marcosestabelece uma diferença entre “estudar música” e “aprender como setoca”. Esta aparente dicotomia teoria versus prática, presente no discursodo estudante de música, talvez se deva ao fato do estudante não conseguirrelacionar os fatos e os conceitos articulados pelos cursos superiores emmúsica com a sua prática musical.

Para Gustavo, André, Marcos e Lúcia, o percurso de formaçãodo músico e sua atuação profissional são fatores importantes para queele se torne um bom professor de música: “Onde ele estudou, onde elese formou, a convivência que ele teve” (André). Gustavo ainda diz que“o professor tem que ver o que o aluno quer e tentar facilitar a vida delenaquilo que ele quer”.

Quanto à terceira questão deflagrada no debate, os estudantesrelacionam a competência necessária ao músico profissionalprincipalmente a saberes procedimentais e atitudinais:

Tem que ter leitura, técnica, noção de harmonia e uma boa percepção.Não digo nem o solfejo propriamente dito, mas saber tirar uma músicade ouvido, saber acompanhar só de ouvir a melodia. Ter essa intuição(Gustavo); Tocar uma música que você nunca ouviu antes. Saber sesituar harmonicamente. Tem que ter a competência de ouvir, ter ouvidomusical (Lúcia); Eu acho que pra mim é a humildade. Acho que o músicotem que saber conquistar as pessoas, não só pela música dele mas pelapessoa dele. Acho que o músico tem que saber se virar, até quando ascoisas dão erradas... saber na hora se virar. Tem que saber improvisar,tem que ser esperto. Pra mim, ser competente seria quando alguém botaruma partitura na minha frente e eu olhar aquilo e sentir, poder transformaraquilo... não sentir dificuldade, estar bem seguro (André); Músicocompetente é aquele que resolva o que o cliente está pedindo... ocontratante. Aquele que se adapta da melhor maneira possível ao trabalho.Tem que ter sonoridade, técnica, a própria responsabilidade.. e acompatibilidade, até social, com os outros músicos (Marcos).

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3.1.3 O músico-professor Adriano Giffoni:um informante qualificado

Realizamos duas entrevistas com um informante qualificado: omúsico-professor Adriano Giffoni. A primeira, semi-estruturada, foirealizada a partir do mesmo roteiro utilizado nas entrevistas com osprofessores da Rio Música; a segunda, estruturada, foi feita com baseem perguntas mais objetivas e direcionadas às questões que nosinteressavam.

Adriano Giffoni é um músico instrumentista, compositor earranjador. Tem 42 anos e é natural de Quixabá, no Ceará. Seu percursode formação se deu através de instituições oficiais, como o Conservatórioda Universidade do Amazonas, de escolas de música alternativas e deprofessores particulares.

Sua atuação artístico-musical é principalmente comocontrabaixista (contrabaixo elétrico e acústico) em shows e gravações,atuando em grupos instrumentais ou acompanhando cantores, e em geraltrabalhando com um repertório voltado para a música brasileira.Paralelamente, desenvolve um trabalho próprio, tendo lançado quatroCDs. Sua atividade docente se iniciou em escolas de música alternativase atualmente é realizada através de aulas particulares e workshops.“Música brasileira para contra-baixo” foi o seu primeiro livro com finsde ensino musical.

Giffoni se identifica como músico profissional: “Trabalho comobaixista, produtor, arranjador, professor, tudo isso está inserido dentrodela [da música]”. Assim como foi apontado pelos outros músicos-professores entrevistados23 , a capacidade de organização e a objetividadesão entendidas como qualidades fundamentais ao professor: “aorganização [...], procuro ser bem objetivo. E eu sempre procurei issoem meus professores também”. Seu relato nos permite observar que seutrabalho como docente é o resultado de uma reflexão sobre seu própriopercurso de formação. Assim, procura repetir situações em que obteveêxito e procura evitar o que não considera “positivo”, agindo como ummediador entre saberes e estudantes, procurando organizar esses saberesde forma a facilitar seu acesso aos alunos: “uma coisa que eu acho quetem sido um ponto positivo que é você encurtar um pouco o caminho

23Ver item 2.3 desta pesquisa.

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das pessoas que estão entrando no meio profissional”. A forma deorganizar o seu próprio estudo serve ainda como uma espécie de modelopara seus alunos: “A didática está no professor organizar o estudo doaluno. Eu tenho um esquema de estudo que me organiza, a forma comoeu vou estudar em quatro horas de estudo, por exemplo. Eu passo aorganização do meu estudo para o aluno”.

Seu público alvo não é restrito apenas a contrabaixistas aspirantesa profissionais, apesar de todo o seu trabalho docente estar voltado àcapacitação profissional: “dar as bases, o que a pessoa precisa saberpara poder tocar, para trabalhar”. Sua atividade docente está voltadatambém para profissionais que necessitam de aperfeiçoamento ouatualização:

tem muito profissional que já toca e que não tem uma boa leitura e queaté agora não conseguiu achar uma metodologia boa de aprender a ler.Têm outros que querem estudar improvisação mas não têm informaçãode harmonia e vai esbarrar numa barreira que eu tenho de mostrar a eleo que que é pra ele vencer as etapas.

A atividade docente de Giffoni está calcada principalmente emsaberes procedimentais e atitudinais voltados para o mundo do trabalho:

eu comecei a criar uma metodologia voltada para as coisas que as escolasnão ensinavam, que as escolas tradicionais de música não ensinavam...como a interpretação, os estilos musicais, o comportamento musical decada música de acordo com o trabalho que você vai fazer...comportamento assim até na maneira de tocar. Se você for tocar comum trio, quarteto ou quinteto vai ter que tocar de um jeito diferente,então, a maneira do contrabaixo tocar mais ou menos nota, a sonoridade,estudar a sonoridade da amplificação. Botei meus alunos pra estudarcom headphone pra entender o que é o som do contrabaixo antes depensar em equalizar, botar efeito.

Desta forma, a realidade do mundo do trabalho é trazida para asala de aula:

Então eu tentei fazer um estudo voltado pra realidade do profissionalque tem que trabalhar. Aí eu dava, por exemplo, partituras de shows,usava as coisas que eu fazia no dia a dia, quando acabava de gravaralguma coisa levava pro aluno pra mostrar na aula seguinte.

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Giffoni considera que o ensino oferecido pelo músico-professorno âmbito das escolas de música alternativas e aulas particulares estásuprindo uma lacuna: “tem gente que chega com muito conhecimentoteórico sobre os modos mas não sabe na hora de improvisar como usar.Então eu senti falta disso nas oportunidades que eu tive de estar nasuniversidades”. Esse relato vem corroborar com nosso pensamento deque a problemática que vem sendo apontada entre teoria e prática nãoestá na “quantidade”, mas sim na forma como conteúdos factuais econceituais vêm sendo ensinados, não necessariamente dissociados daprática, mas associados a uma prática que não aquela reconhecida edesejada por estudantes.

Sua noção de competência profissional passa pela idéia deflexibilidade: “Acho que o músico tem que estar sempre atualizado,trabalhar um pouquinho em cada área conforme eu te falei. Às vezes euestou fazendo pouco show e se eu não tivesse a versatilidade de trabalharem outras áreas seria mais difícil ainda”.

Referindo-se ao seu livro, Giffoni indica a necessidade da teoriavir sempre acompanhada da prática:

Acho que tudo que tem que ser explicado tem que ser praticado. Se nãofor praticado de uma maneira legal pode dar uma certa confusão. Entãoeu botei as músicas [se referindo ao livro], botei as levadas gravadas eescritas, e botei as músicas de modo que o baixista pode tirar [a linha dobaixo] do lado esquerdo da caixa e tocar junto.

Sobre a elaboração de seu livro comenta:

Eu sempre juntei muito material viajando com os artistas, ia nos centrosculturais pegava material, comprava disquinhos... e a junção dessematerial que deu no meu livro “Música brasileira para contrabaixo”. Eujá usava uma apostila e fui amadurecendo esse livro aos poucos fazendoteste com os alunos, dava um exercício que dava certo pra um, o outro jánão gostava, quando eu sentei pra fazer o livro eu fiz rápido, mas entretestes e pesquisa eu levei uns 4 anos, até conceber a forma de fazer.

Eu achei uma fórmula ideal: uma página explicativa [sobre cada ritmoou levada], uma página com 10 exemplos pra cada um, uma músicagravada com banda, porque aí o músico pode participar junto e tirar obaixo no canal esquerdo e tocar junto com a base que tem o Gilson

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Peranzzeta, Afonso Cláudio na flauta. No primeiro livro eu coloqueifotos de baixistas representativos de cada ritmo, tem outro livro quedeve sair lá pra abril, que vai englobar outros ritmos, e também estoucolocando alguns ritmos do primeiro mas com coisas novas.

3.2 Saberes e competências na formação profissional do músico

Através do depoimento de Gustavo, André, Marcos e Lúcia,percebemos a aproximação com os pontos identificados na análise daspropagandas. As propagandas e os estudantes apontam para um perfilde professor de música que é (ou já foi) um músico atuante, que selegitima pela capacidade de performance como músico.

Benevenuto, criador da Rio Música, assim como o músico-professor Tomás Improta (que foi dono de uma outra escola de músicaalternativa, o CENARIO), compôs o quadro de professores de sua escolacom músicos atuantes, convidados. A busca pelo saber dessesprofissionais foi também o que Vera de Andrade, professora da RioMúsica, relatou em seu depoimento a respeito de sua formaçãoprofissional: “Fui buscar as pessoas, buscar as fontes. [...] Fui estudar lánão só pra ter aula mas também pra ficar perto do artista que você gosta.Estar ali junto, ver como a pessoa faz, ter um contato mais estreito comaquela pessoa”.

O músico-professor considera importante o estudante aspirantea músico profissional ter aulas com um músico profissional atuante, umavez que, segundo ele, só este pode passar ao aluno informações de querealmente ele necessita. Gustavo, estudante entrevistado, concorda comessa visão quando diz: “Ele [o músico-professor] trás coisas dosbastidores que não se pode ensinar diretamente”. Vitor Neto tambémcomentou a esse respeito enfocando o ensino do contrabaixo: “Esse éum dos caminhos interessantes, estudar com quem sabe fazer”.

A partir desses depoimentos, acreditamos que o saber-fazerprocurado pelos estudantes não se relaciona simplesmente a conteúdosprocedimentais. Não se trata, então, de colocar em oposição o ensinooferecido pela instituição oficial e o ensino oferecido no âmbito dasescolas de música alternativas, o primeiro com um ensino mais teórico(conteúdos factuais e conceituais) e o segundo voltado para a prática(conteúdos procedimentais e atitudinais). Os cursos oferecidos por

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instituições oficiais também visam conteúdos procedimentais. Se nãofosse assim, essas instituições não formariam instrumentistas e cantores.

O ponto primordial apontado nesses depoimentos é a necessidadede conteúdos do “mundo do trabalho” estarem presentes nos currículosdos cursos de música de instituições oficiais, isto é, que os cursos demúsica dessas instituições proporcionem aos estudantes uma formaçãomais ampla, formação que contemple perfis profissionais que estão sendorequisitados pelo “mundo do trabalho”. Por isso, o ensino oferecido pelasinstituições oficiais é comumente visto como complementar, conformemencionou Gustavo, em depoimento transcrito anteriormente: “Eu estouentrando numa faculdade só pra complementar. Acho que o de lá[universidade] complementa o daqui [Rio Música] porque eu já estoutocando, já estou trabalhando, dando aulas”. Como vimos, os conteúdosprovenientes do mundo do trabalho são valorizados pelo músico-professor Adriano Giffoni, na sua prática docente e na sua publicaçãocom fins de ensino musical.

Sobre o “mundo do trabalho”, Travassos (1999) pesquisandosobre a trajetória de estudantes de música do Instituto Villa-Lobos(UNIRIO), reconhece que, embora os cursos do IVL sejam divididosem Composição, Regência, Instrumentos e Canto e Licenciatura,

é relativamente pequeno o número de alunos do IVL direcionados paracarreiras de concertista, músico de orquestra ou conjunto de câmara,compositor e regente. A maior parte deles já deu passos importantes noprocesso de constituição da identidade de músico profissional, tocandoou cantando em bares, teatros e estúdios, gravando jingles, compondo eexecutando trilhas sonoras (Travassos, 1999, p.123).

O motivo que leva esses alunos a procurarem o ensino acadêmicomesmo depois de adquirirem uma identidade profissional edesenvolverem estudos essenciais para a atividade profissional, vemreiterar a função complementar do ensino acadêmico, ou de ampliaçãode competências:

estão em jogo o desejo de uma formação melhor ou mais completa, aexpectativa de novas oportunidades de trabalho geradas pela ampliaçãoda rede de contatos, o valor simbólico do diploma de terceiro grau e aansiedade gerada pela instabilidade dos ganhos como profissionalautônomo de música (Travassos, 1999, p.124).

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O ensino oferecido em escolas de música alternativas vem atenderàs necessidades expostas pelo músico-professor Tomás Improta, quelembrou a inexistência de cursos que ensinassem música popular na épocaem que iniciava seus estudos musicais. O mesmo identificou Benevenutoem seu depoimento sobre seu percurso de formação. Ele diz ter tido anecessidade de buscar esse tipo de conhecimento fora do país, uma vezque os saberes e as competências que buscava ainda não haviam sidosistematizados em escolas brasileiras, oficiais ou alternativas. Diz aindaque o ensino oferecido pelas escolas oficiais, que era a única opção doestudante na época, “dava as costas” para a realidade do mundo dotrabalho do músico, e que este foi um dos motivos que o levou a abriruma escola de música alternativa: “a Rio Música nasceu com essafilosofia: não vamos trabalhar de costas com a realidade. Como é que éa vida, como a indústria participa disso, como é que é o mercadoalternativo disso”.

Esses saberes foram apontados pelos estudantes como referentesà seleção do repertório e dos instrumentos musicais ensinados, e tambéma saberes oriundos da prática, do cotidiano profissional. Lúcia observouque, através do ensino que obteve na universidade, ficou sabendo “todasas regras mas não conseguia utilizar”. Adriano Giffoni tambémidentificou este fato quando disse que muitos dos estudantes que oprocuram possuem conhecimentos teóricos mas não sabem como utilizá-los em sua atividade prática. Assim, percebemos que a aplicabilidadeimediata de conhecimentos associada à realidade cotidiana do estudanteé outro fator fundamental na escolha de um percurso de formação.Benevenuto relatou em seu depoimento: “eu próprio me sentia indo paraa escola e não sendo preparado pro que eu via na minha frenteacontecendo. Eu estava sendo preparado para outra coisa, outro século,para um outro tempo, mas nada associado à minha realidade”.

Willians Pereira, coordenador pedagógico do CIGAM – CentroIan Guest de Aperfeiçoamento Musical, uma escola de música alternativasituada no centro da cidade do Rio de Janeiro, também observou anecessidade dos alunos em fazer uso imediato de conhecimentosaprendidos24 : “a gente trabalha com música popular e com umdeterminado tipo de interesse específico e imediato”25 .

24 Em Simpósio realizado na UNIRIO em 30/03/1998 pelo Departamento de EducaçãoMusical do Instituto Villa-Lobos, evento que foi coordenado pela professora ReginaMárcia Simão Santos.25 Transcrição do referido Simpósio. Texto de circulação interna, IVL, CLA, UNIRIO.

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Masetto (1998) comenta a respeito do professor universitário:

Colocar a aprendizagem na prática como objetivo central da formaçãodos alunos significa iniciar pela alteração da pergunta que fazemosregularmente quando vamos preparar nossas aulas – o que devo ensinaraos meus alunos? – por outra mais coerente – o que meus alunosprecisam aprender para se tornarem cidadãos profissionaiscompetentes numa sociedade contemporânea? (Masetto, 1998, p.12).

Com base nos dados colhidos até aqui, nesta pesquisa, a seleçãodo repertório, o ensino de instrumentos oriundos de práticas da músicapopular, o contato com tecnologia atualizada, o contato com saberesprofissionais através de cursos ministrados por músicos atuantes e apossibilidade do estudante traçar seu próprio percurso de formação, sãoas tônicas pelas quais se anunciam as escolas de música alternativas.Esses itens, fundamentais à formação do músico conforme apontadospor músicos-professores, estudantes de música, donos de escolasalternativas, entre outros, são identificados como ausentes em instituiçõesoficiais de ensino de música.

Segundo os depoimentos obtidos, um fazer ou saber-fazer parececaracterizar um saber profissional. A experiência profissional do músicoé vista como um saber e como uma competência a ser aprendida, daí anecessidade de se ter aulas com um músico atuante. Schön (2000) defendea idéia de um ensino prático reflexivo, onde “estudantes aprendemprincipalmente através do fazer, apoiados pela instrução” (p.viii). O autoraponta para a necessidade de se “encontrar as raízes da distância existenteentre faculdade e local de trabalho, entre pesquisa e prática, em umaconcepção errônea de competência profissional e sua relação com apesquisa acadêmica e científica” (p.21). Segundo Schön, existem zonasindeterminadas da prática, que vêm a ser certas situações de incerteza esingularidade com que os profissionais se deparam, da qual somenteuma atitude reflexiva poderia dar conta. O autor ilustra essa situação daseguinte forma: “Uma médica reconhece um conjunto de sintomas quenão consegue associar a nenhuma doença conhecida. Um engenheiromecânico encontra uma estrutura para a qual ele não pode, com asferramentas à sua disposição, fazer uma determinada análise” (p.17).São situações onde não basta saber técnicas aprendidas e aplicá-las, masonde o profissional tem que ter uma espécie de “jogo de cintura” e umagrande capacidade de reflexão (ou reflexão-em-ação, como diz Schön)para poder gerar um conhecimento que o autor chama de conhecimento-

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em-ação. A essa capacidade se daria o nome de artistry26 . Isso nosremete ao depoimento de André quando diz que o músico “tem que saberse virar até quando as coisas dão erradas”. O estudante reconhece comoum saber dos profissionais a capacidade de resolver situaçõesproblemáticas enquanto elas ocorrem. Gómez (1995) aponta para amesma direção:

assume-se definitivamente que nas situações decorrentes da prática nãoexiste um conhecimento profissional para cada caso-problema, que teriauma única solução correta. O profissional competente atua refletindo naação, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo einventando através do diálogo que estabelece com a realidade (Gómez,1995, p.110).

Demo (1995) aponta para a diferença entre fazer e saber fazer. Ofazer seria seguir regras, reproduzir leis, tratar casos estereotipados,decorar fórmulas, etc. Para saber fazer é necessário compreender, acapacidade que Schön chama de reflexão-na-ação. Segundo a definiçãode Coll e Valls (2000), conteúdos procedimentais estariam relacionadosao que Demo entende por saber fazer, por isso se torna importantecontextualizar o conhecimento na situação prática onde ele pode serusado. Demo se utiliza do seguinte exemplo:

o motorista amador sabe apenas que, apertando o acelerador, o carroanda. Esta pergunta não está resolvida ao dizermos: anda porqueapertamos o acelerador. Isto significa apenas como anda. Tanto é assimque, se, de repente, surgir algo errado na engrenagem do aceleradorpodemos apertar o acelerador, e mesmo assim o carro não vai andar. Oamador não terá outra solução senão levá-lo para a oficina. O profissionalpoderá consertar o problema por si mesmo [...]. Isto implica capacidadede argumentar, que começa pela capacidade de compreender, por trásdos sintomas, as causas do defeito (Demo, 1995, p.23).

Schön (2000) argumenta que se faz necessário um estudo paraque se perceba o relacionamento entre prática competente e conhecimentoprofissional, e uma investigação sobre “as manifestações do talentoartístico profissional” e das “várias maneiras através das quais as pessoaso adquirem” (p.23).

26Traduzido como “talento artístico”.

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Essa idéia se assemelha ao que Gomes (2001) reconhece comocompetência profissional:

a competência profissional não será decorrência direta dos resultadosobtidos na escola, nem do nível do ensino, nem da qualidade e quantidadedos conhecimentos adquiridos, mas sim da capacidade de saber obterresultados com esses conhecimentos. Só haverá competência após aocorrência da ação de transformação de conhecimentos (Gomes, 2001).

Schön (2000) argumenta que o ensino prático reflexivo é “umensino prático voltado para ajudar os estudantes a adquirirem os tiposde talento artístico essenciais para a competência em zonasindeterminadas da prática” (p.25). Diz ainda que

as escolas profissionais devem repensar tanto a epistemologia da práticaquanto os pressupostos pedagógicos sobre os quais seus currículos estãobaseados e devem adaptar suas instituições para acomodar o ensinoprático reflexivo como um elemento-chave da educação profissional.(Schön, 2000, p.25)

Esse “talento artístico”, ou seja, essa competência profissional,parece ser o que estudantes reconhecem e valorizam no músico-professor.Demo (1993) diz que os estudantes de música procuram no profissionalatuante um espelho para seu desenvolvimento profissional, procuram“não qualquer professor ou qualquer aula, mas determinada competênciaprodutiva comprovada, para poder contar com conhecimento atualizadoe atualizante” (p.136). Schön complementa afirmando que “podemosdizer que os estudantes são capazes de reconhecer, desde o início, ossinais externos de uma execução competente [...], eles regulam sua buscapelos sinais externos de competência que já sabem reconhecer” (p.75).

A crítica que Schön faz ao ensino praticado nas escolasprofissionais aponta para a ausência desse tipo de conhecimentoprofissional, um saber que, para Gustavo, “não se pode ensinardiretamente”, e que Schön identifica como presente em situações deaprendizagem como workshops, onde “os estudantes aprendem por meiodo fazer ou da performance” (p.25), ou seja, onde é focalizado o saberprocedimental tal qual é entendido por Coll e Valls (2000).

Segundo Schön, a aula prática

busca representar as características essenciais da prática a ser aprendida,

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ao mesmo tempo em que capacita os estudantes para que façamexperiências sem grandes riscos, variem o ritmo e foco do trabalho erepitam as ações quando lhes parecer útil. [...] Para que tenha crédito eseja legítima, uma aula prática deve passar a ser um mundo com suaprópria cultura, incluindo sua linguagem, suas normas e seus rituais(Schön, 2000, p.133).

O autor utiliza o termo design referindo-se a uma forma de serealizar uma determinada prática, e que deve ser aprendido “no fazer”.Assim,

não importa o quanto os estudantes possam aprender sobre o processode projeto a partir de leituras ou palestras, pois há sempre um componenteda competência para o design, na verdade, seu aspecto central, que elesnão podem aprender dessa forma. Uma prática com caráter de design épassível de ser aprendida, mas não de ser ensinada, por métodos de salade aula. E quando os estudantes são ajudados a aprender a projetar, asintervenções mais úteis a eles são mais como uma instrução do que umensino, como em uma aula prática reflexiva (Schön, 2000, p.123).

Schön acredita que, através da exposição e da imersão, aaprendizagem se dá, mesmo que de maneira inconsciente. Assim, ocontato e a observação de profissionais “em ação” se torna indispensávelao aprendiz:

Se concebermos o saber profissional em termos de “pensar como um”,os estudantes aprenderão também as formas de investigação pelas quaisos profissionais competentes raciocinam para encontrar, em instânciasproblemáticas, as conexões entre conhecimento geral e casos particulares(Schön, 2000, p.41).

Apesar de muitos músicos-professores aqui entrevistadosvalorizarem mais o domínio do conteúdo em detrimento da didática,considerando-se muitas vezes mais como orientadores do que comoprofessores, isso não quer dizer que o músico-professor não se utilize deestratégias de ensino. Por exemplo, Benevenuto serve-se de metáforas:

Acho que o professor intuitivamente tem que ter um dom de comunicaçãofácil, a comunicação professor/aluno... e eu acho fundamental isso:conhecer o assunto e perceber onde você pode chegar. Muitas vezes eufui fazendo intuitivamente e depois fui percebendo que a metáfora é

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muito boa para o ensino de música, porque música passa pelo ouvido.Porque é difícil você falar assim: aquela notinha lá no compasso 38...complica longamente. Não é que nem nas artes plásticas que você vê eaponta para o que vê. Naturalmente você vai vendo que as pessoas podemcompreender muita coisa através da metáfora27 .

Schön (2000) relata o master class de um conceituado pianistaonde a metáfora é utilizada para motivar e instigar o aluno a novas formasde interpretação de uma música.

Franz [pseudônimo que Schön dá ao pianista] não faz referência explícitaà estrutura musical da peça como um todo, como faria um teórico musical.Contudo, por suas escolhas dos momentos nos quais concentra atenção,suas formas de ligar meios técnicos com qualidades de som, estilo oucaráter, ele revela o esqueleto da estrutura através de uma análise-em-ação que se concentra exclusivamente nas questões da execução (Schön,2000,p.155-156).

Para Davidson e Scripp (1992)

as metáforas dependem da experiência pessoal do músico com palavra eimagem. Elas crescem de uma pesquisa para dentro do significadomusical, da pesquisa do significado musical na performance não sempreemanando de preocupações técnicas, habilidades motoras ou termosteóricos padrões (Davidson e Scripp, 1992, p.407)28 .

A modelagem é também outra ferramenta de trabalho detectadacomo inerente à atuação docente do músico. O músico-professoridentificou como válido para o aluno que deseja se tornar um profissionalter aulas com esse músico “Mesmo que seja [...] só pra aprender umapassagem de dedo”. Segundo Davidson e Scripp29 , na modelagem

o foco é dirigido à performance do professor [...]. Através do processode imitar o modelo, percepção durante a ação, os alunos trabalham na

27Depoimento de Sérgio Benevenuto, fundador da Rio Música (escola de músicaalternativa que foi o universo de nosso estudo exploratório) à autora em agosto 2001.28 “Metaphors depend on the musician´s personal experience with words and images.Metapjors grow from an inquiry into musical meaning in performance not alwaysemanating from technical concerns, motor skills, or standard theoretical terms” (traduçãoda autora desta dissertação).

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direção de transformar a compreensão musical a partir de seu próprioponto de vista. Embora a informação seja experimentada principalmenteatravés da imitação total, a troca de informação explícita e tácita entre omúsico mestre e o aprendiz está no âmago desse processo. ‘O aprendiz,inconscientemente, capta as regras da arte incluindo aquelas que nãosão explicitamente conhecidas pelo próprio mestre’ (Davidson e Scripp,1992, p.404)29 .

Uma aprendizagem a partir da metáfora e de um processo demodelagem relacionam-se ao processo de design descrito por Schön(2000), e vai ao encontro a três máximas colocadas pelo autor: “as coisasmais importantes não podem ser ensinadas mas devem ser descobertas eapropriadas pela própria pessoa” (p.78); “o professor não ensina mas servecomo provocador e parteiro da autodescoberta de outros” (p.78); e “muitodo que eles sabem dizer é compreensível por um estudante apenas amedida que o instrutor começa a produzir o design. Nesse processo váriostipos de aprendizagem estão entrelaçados” (p.85-86).

Os estudantes apontaram ainda para questões referentes a atitudes.Eles relacionaram um músico competente àquele que tem“responsabilidade e a compatibilidade, até social, com os outrosmúsicos”, conforme afirmou Marcos. Adriano Giffoni tambémdemonstrou preocupação com esta questão. Assim como Sarabia (2000),Masetto (1998) destaca a importância do ensino de atitudes:

por aprendizagem de atitudes e valores queremos dizer a necessidade deos cursos superiores se preocuparem com o fato de que seus educandosvalorizem o conhecimento, a atualização contínua desse conhecimento,a pesquisa, o estudo dos mais diversos aspectos que cercam um problema,a cooperação, a solidariedade, a criticidade, a criatividade e o trabalhoem equipe (Masetto, 1998, p.16).

Conforme vimos, o músico-professor não teve uma formaçãovoltada à área da educação. Sua capacitação como professor parte de

29 “the focus is directed to the teacher’s performance (production-in-action). Through theprocess of imitating the model (perception-in-action), students work toward transformingmusical understanding from their own point of view. Although information is experiencedprincipally through wholesale imitation, the explicit and tacit exchange of informationbetween the master musician and the apprentice is at the heart of this process. ‘Theapprentice unconsciously picks up rules of the art, including those wich are not explicitly

known to the master himself’ (Polanyi, 1962, p.53)”. (Tradução da autora)

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seu conhecimento a respeito do conteúdo ensinado e de sua experiênciacomo aluno, através de seu percurso de formação. Segundo sua própriafala, o músico-professor procura situações para que o aluno alcanceresultados de uma forma sistematizada, e acredita que com isso irá lhefacilitar e encurtar o caminho. Sua legitimação perante o aluno parte,além de sua performance como músico, do que Demo (1995) chama de“discurso competente”: um discurso “devidamente argumentado,logicamente consistente, fundado em conhecimento de causa, tipicamentere-construtivo” (p.25).

Em recente encontro da série “Roda de Filosofia – temas demúsica, cultura e educação”, realizada em junho de 2001 promovidapelos Seminários de Música Pro Arte e coordenado por José AlbertoSalgado, estudantes de música debateram a respeito do processo depreparação ou aperfeiçoamento para a vida profissional.

Segundo os estudantes, nem sempre a melhor opção a seguirna trajetória de seus estudos é a universidade, o que muitas vezes éimposto pelos pais dos alunos que vê na instituição oficial o melhorcaminho a ser trilhado: “o que eu queria é continuar tocando bateriaaqui na Pro Arte, continuar encaminhando meus estudos da maneiraque eu quiser, mas essa oportunidade não me dão, tem que fazer umafaculdade”30 .

Para esses alunos, a universidade não apresenta, conforme vimos,os saberes e competências imediatos que os estudantes almejam alcançar:

eu fui na UNIRIO e vi que lá eles têm aula com um professor de percussão,tem uma bateria e tal, mas eu vi que lá eu vou tocar pouca bateria [...] afaculdade ocupa muito o seu tempo, minhas tardes todas, e isso já vaiimpedir muitos ensaios.31

A crítica que se faz à universidade não está apenas nos saberes ecompetências por ela articulados, mas também pela sua própriaorganização que não proporciona ao aluno uma autonomia na construçãode seu perfil profissional. Os músicos-professores da Rio Músicarelataram: “eu acho que pra mim, pro que eu pretendo ser, acho que não

30 Depoimento de um estudante transcrito de uma fita gravada neste evento pelapesquisadora.31 Idem.

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ia acrescentar muito [estudar numa universidade]. Ia tomar muito tempo,eu ia deixar de estudar”.

A possibilidade do estudante realizar um percurso de formaçãoindividualizado conforme indicou Perrenoud (2000), vai ao encontro aopensamento de estudantes e do músico-professor, além de estar de acordocom o conceito que se tem, atualmente, de competência, conforme vimos.Segundo o autor, a competência seria a “capacidade de encontrar, dereunir, de reconstruir, de reler, de reaprender [...] é isso que constituiuma competência, além dos conhecimentos que ela mobiliza, atualiza,extrapola ou produz” (p.69). Mais do que ter acesso ao conhecimento, oaluno precisa desenvolver competências procedimentais, um saber fazer.Segundo ele,

trabalhar a competência equivale a formar para competências mais doque para apenas conhecimentos. Ora, o saber-mobilizar que está na raizde toda competência não é uma representação, ou seja, um saber nosentido estrito. É uma aquisição incorporada, aquilo que Piaget chamade esquema, Bourdieu de habitus, Vergnaud de conhecimento-em-ato(Perrenoud, 2000, p.69).

E isso é o que Schön (2000) chama de reflexão-na-ação, umacaracterística inerente ao conhecimento profissional, capacidade que podeser desenvolvida através de um ensino prático reflexivo.

A proposta de Perrenoud (2000) para um plano de formação indicaque ele deve ser elaborado de modo a

favorecer a individualização dos percursos, criando dispositivos deacompanhamento personalizado dos estudantes: conselho, tutoria, gruposde análise e de apoio. Também se pode agir sobre a própria definição deconteúdo e do papel das diversas unidades de formação, por exemplo,criando unidades de integração, lugares e momentos cuja função sejacorrelacionar os outros elementos da formação (Perrenoud, 2000, p.92).

O autor cita o caso da Bélgica, onde existem cursos “híbridos” ecursos “meta”:

os cursos “híbridos” organizam encontros entre especialistas de áreasnormalmente estanques [...]. Os cursos “meta” baseiam-se na própriaexperiência de formação e no modo como os estudantes vivenciam-na,integram-na, dão-lhe sentido. Tais unidades permitem a cada estudante

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compreender melhor o que acontece, delimitar o que lhe interessa e aquilode que tem necessidade, decidir sua orientação ou precisar seu projetode formação (Perrenoud, 2000, p.93).

A possibilidade da universidade abrir este espaço ainda se vêapontada na fala Adriano Giffoni: “Acho que eles [os profissionais dasuniversidades] agora teriam de abrir mais, levar mais para a universidademúsicos atuantes, formar um núcleo de músicos atuantes, mas aí a genteesbarra naquela coisa de não ter diploma”.

No próximo capítulo, analisamos seis publicações escritas pelomúsico-professor, onde o que se ensina, quem ensina, e como se ensinasão também evidenciados.

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CAPÍTULO 4

Análise de publicaçõescom fins de ensino musical

A falta de um material para o estudo da música voltado para orepertório da música popular é apontada por músicos e estudantes demúsica. Em entrevista à Revista Backstage (2001), o violoncelista LuiCoimbra declarou que, por não existir na época em que começou seusestudos musicais uma escola popular de violoncelo, foi obrigado aprocurar métodos destinados a outros instrumentos: “Eu comecei a pegara linguagem do saxofone, teclado e guitarra e transpor para o violoncelo.O violoncelo também é capaz de fazer coisas de percussão superlegais.Comecei a descobrir novas linguagens rítmicas”32 .

A Irmãos Vitale Editora, fundada em 1923, é uma das maistradicionais editoras do país em matéria de música. Editou inúmeraspartituras e álbuns para diversos instrumentos além de métodos. Umdos autores que mais publicou métodos nesta editora foi MárioMascarenhas, autor também de uma série de coletâneas de músicas parapiano e violão, entre outros. Segundo o maestro Cláudio Hodnik33 , daIrmãos Vitale Editora, “Duas mãozinhas no teclado (método para criançasdesde os 4 anos)”, de autoria de Mascarenhas, foi o primeiro métodoeditado pela Irmãos Vitale. A editora, além da publicação de métodos epartituras, vem ainda publicando álbuns compilando a obra de algumautor ou dedicado a algum gênero musical. Segundo a última edição docatálogo da editora (1998/1999), alguns dos últimos álbuns lançadoscontendo cifras, melodia e letra (quando é o caso) são: “O melhor de Victor

32 Revista Backstage nº66 – maio/2001, p.113.33 Em contato telefônico com a pesquisadora em dezembro de 2001.

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Biglione”; “O melhor do choro brasileiro” em dois volumes; “O melhor deBeto Guedes”; “O melhor de Garganta Profunda”; “O melhor dePixinguinha”; e “Música Brasileira para conjuntos de flauta”.

Porém, até o início da década de 80, não era tão comum comohoje a existência de publicações voltadas para o repertório da músicapopular contendo partitura com melodia cifrada e letra. Esse quadromudou quando, a partir da década de oitenta, foi lançado pela LumiarEditora o songbook “Caetano Veloso”, em dois volumes. Este foi oprimeiro de uma série de songbooks e livros com fins de ensino musicalvoltados para a música popular brasileira, na maioria das vezes publicadospor iniciativa do músico-professor.

A Lumiar Editora, fundada em 198634 , é totalmente dedicada àmúsica brasileira. Segundo o catálogo da editora (s.d.), a Lumiar lançouseis biografias, 23 livros didáticos e 31 songbooks, contemplandocomposições de 15 autores diferentes (Ary Barroso, Caetano Veloso,Carlos Lyra, Cazuza, Chico Buarque, Djavan, Dorival Caymmi, EduLobo, Gilberto Gil, João Donato, Marcos Valle, Noel Rosa, Rita Lee,Tom Jobim e Vinicius de Moraes) além de uma série de cinco songbooksdedicados à bossa nova, somando um total de 36 songbooks.

A grande novidade apresentada pela Lumiar em seus songbooksé o fato dos autores das músicas participarem do processo de escrita dapartitura da música. Segundo o músico Tom Jobim35 ,

O trabalho dos editores sempre foi muito descuidado. Lembro-medaquelas edições que saíam com o nome de “Venicius de Morais” -Vinicius com ‘Ve’ e Moraes com ‘i’. Se a capa era assim, imaginem ládentro. As edições estão todas erradas na melodia, nos acordes, no ritmoe na letra. Para falar a verdade, considero o trabalho de Almir Chediakuma coisa patriótica, pois tem a ver com a memória do Brasil. Estoucom dois netos que já tocam piano e violão. Estes cancioneiros são comoum tesouro.

A partir da década de 80 tivemos um crescimento do número deálbuns e songbooks voltados para a música brasileira. Na época, a

34 Segundo informação obtida através de contato telefônico com a editora em dezembrode 2001.37 Depoimento divulgado pela home page da Lumiar Editora (www.lumiar.com.br)consultada em 26 de dezembro de 2001.

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publicação de songbooks com canções populares já era um fato corriqueiroem outros países.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, um Songbook de ColePorter ou George Gershwin contém partituras que perpetuam, nota pornota, palavra por palavra, o que cada um deles criou. Aqui, a prática correnteé a de não se respeitar a música popular do mesmo modo que se respeita aerudita. Hierarquiza-se a obra (ou a maneira de tratá-la) em razão de quema escreveu, respeitando-se por exemplo, um Villa-Lobos, mas nem sempre(ou raramente) Tom e Vinícius38 .

Com isto, professores e alunos de música interessados em músicapopular brasileira, puderam utilizar-se de um material antes indisponível, erealizar suas aulas a partir de um repertório em sintonia com sua formaçãoe interesse musical. Essas publicações passaram a ser consultada servindoaos professores para ilustrar situações harmônicas ou praticar a leitura nopentagrama, entre outros. Chediak relata:

A idéia dos Songbooks nasceu exatamente na casa de Caetano Veloso. Euestava dando aula de violão a seu filho Moreno, quando comecei a pensarno quanto seria importante para professores, músicos, arranjadores eestudantes se tivéssemos as obras de nossos compositores catalogadas emum álbum do modo como foi criada por eles, o que raramente acontece emedições musicais, principalmente no que se refere às harmonias,fundamentais na medida em que grande parte de nossos compositores é deexcelentes harmonizadores, músicos que sabem exatamente os acordescom que melhor vestem suas melodias (s.d., p.8).

Num segundo momento, começaram a proliferar publicaçõesvoltadas para o ensino do canto, de instrumentos e também de harmonia,arranjo, entre outros, escritas por músicos-professores e priorizando umrepertório voltado para a música popular brasileira. O crescimento donúmero desse tipo de publicação pode ser percebido através do seguintegráfico das edições publicadas pela Lumiar Editora:

36 João Máximo in Songbook Caetano Veloso vol. I, Rio de Janeiro, Lumiar Editora, sd.,contracapa.

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4.1 As publicações analisadas

As publicações que aqui apresentamos, foram selecionadas a partirda consulta ao catálogo das editoras Lumiar, do Rio de Janeiro, e IrmãosVitale, de São Paulo. São publicações escritas pelo músico-professor,selecionadas de forma que abrangessem um período que vai de 1984 –ano em que foi publicado o livro “Dicionário de Acordes Cifrados”, o

Figura 7 – Crescimento do número de publicações editadas pela Lumiar Editora.

Título Autor Editora

Dicionário de Acordes Cifrados:harmonia aplicada à música popular

Escola Moderna do Cavaquinho

A arte da improvisação: para todosos instrumentos

Música Brasileira para Contrabaixo

Vocabulário do Choro: estudos ecomposições

Harmonia prática da Bossa-Nova:método para violão

Quadro 3 – Relação das publicações analisadas

AlmirChediak

Henrique Cazes

Nelson Faria

Adriano Giffoni

Mário Sève

Carlos Lyra

IrmãosVitale

IrmãosVitale

IrmãosVitale

LumiarEditora

LumiarEditora

LumiarEditora

Ano

1984

1988

1991

1997

1999

1999

30

25

20

15

10

5

0 2000

1999

1998

1997

1996

1994

1993

1992

1991

1989

1988

1986

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primeiro escrito por Almir Chediak – e 1999, ano em que elaboramos oprojeto desta pesquisa. (Ver Quadro 3)

Dados observados:

1) Público alvo – Nesta unidade observamos se o livro é direcionado a umpúblico específico ou não, e de que forma evidencia-se isto.

2) Objetivos – Destacamos quais são os objetivos explicitados pelo livro.

3) Justificativa – Verificamos se o autor evidencia os motivos ou asnecessidades que o levaram a escrever o livro.

4) Pré-requisitos – Observamos se o autor refere-se a algum tipo de pré-requisito necessário à utilização do livro.

5) Seleção do conteúdo – Destacamos quais são os saberes articuladospelo livro.

6) Organização do conteúdo – Observamos de que forma estes saberessão organizados.

7) Recursos – Observamos os recursos de que o autor lança mão, como aproposta de exercícios teóricos, práticos, indicações bibliográficas e autilização de materiais de apoio como CDs e fitas K7.

8) Seleção de repertório – Verificamos a seleção do repertório em funçãodos gêneros musicais apresentados pelo livro, e se o autor utiliza-se de umrepertório representativo dentro de determinado estilo ou de composiçõespróprias.

4.1.1 Dicionário de acordes cifrados

O livro traz uma série de pareceres de músicos, onde evidencia-se,entre outros aspectos, o público alvo que pretende atingir. Na contracapaencontramos os seguintes depoimentos: “[...] para estudantes de música naárea da harmonização popular”, “destina-se tanto a iniciantes quanto aprofissionais”. A introdução escrita pelo músico e professor Ian Guestreitera: para “estudiosos e músicos já formados”.

Quanto aos objetivos, no prefácio do livro o autor comenta que,além de ser um dicionário de acordes, o livro pretende “racionalizar euniformizar o sistema de cifragem, levando em consideração as diferentescorrentes nacionais e internacionais em uso”.

Não é o autor quem propriamente justifica a necessidade daelaboração do livro. Nas dezenas de pareceres contidos tanto em sua

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contracapa quanto em seu interior, podemos destacar alguns depoimentosque apontam para essa justificativa:

é absolutamente necessário ao ensino do jovem músico brasileiro, porquesomos carentes desse tipo de trabalho; Um livro pioneiro. Há muito esperadopor instrumentistas, arranjadores e compositores; O êxito dessa propostavai facilitar a difusão das cifras nas escolas de formação musical, atendendoa um público e mercado de trabalho cada vez maiores; esta obra vemiluminar o universo catatônico dos manuais técnicos de harmonia; surgiuo primeiro método com princípios de harmonia teórica e prática dirigidaao violão ... como conseqüência natural o reconhecimento e uso obrigatórionas escolas de ensino tradicional de música; um presente dado à músicabrasileira, ainda carente de sua própria cultura; espero que todas asuniversidades e escolas de música deste país adotem este livro, pois é oprimeiro trabalho completo que podemos ter para atender à cifra; O conteúdo[...] mostra ao leitor [...] o que até hoje não foi mostrado em matéria decifragem.

Apesar de haver a indicação de que o livro é destinado tanto parainiciantes quanto para profissionais, o autor, no prefácio, indica que “parauma boa assimilação dos textos, é desejável o conhecimento dosfundamentos da teoria da música”. Em relação ao repertório, não háindicação quanto ao gênero ou estilo das canções apresentadas, sendocomentado pelo autor que foram escolhidas músicas de modo que “asmesmas fossem do conhecimento de todos” (p.272).

Na publicação predominam conteúdos factuais e procedimentais, eo autor preocupa-se também em definir e conceituar termos. Ele diz:

cadência é o resultado de combinações funcionais de acordes com sentidoconclusivo ou suspensivo, sendo que cada uma dessas combinações resultaem maior ou menor conclusividade, isto é, de forças diferentes, sendo queessa força depende da sua definição tonal. Necessita-se de cadência paradefinir a tonalidade e deve-se ter no mínimo dois acordes para uma definiçãotonal, já que dois acordes de diferentes funções podem concentrar todasou quase todas as notas de uma tonalidade (p.268).

Sua preocupação é descrever um sistema de cifragem e demonstrara formação de acordes no braço do violão com sua respectiva escrita nopentagrama. A utilização desses acordes é demonstrada através deprogressões harmônicas cifradas e ilustradas através da análise harmônicaem canções oriundas do repertório da música popular brasileira. O autor

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ainda utiliza este repertório para fornecer ao aluno material para que exerciteos conhecimentos aprendidos.

Vale dizer que este livro foi um dos primeiros a trazer o repertórioda música popular, neste caso em grande parte a bossa-nova, com as cifrase a letra disponíveis, sendo as cifras dispostas em compasso. O livro foiutilizado por músicos e estudantes de música, muitas vezes, como umaespécie de songbook37 . Podemos supor que foi a partir desta constataçãoque o autor, Almir Chediak, fundou a Lumiar Editora para fazer o que osamericanos, por exemplo, vinham fazendo há tempos: editar songbooks demúsica popular.

O livro foi organizado em partes teóricas e partes destinadas àprática tanto da execução de acordes (desenho de acordes e progressõesharmônicas) quanto à análise harmônica. A primeira trata exclusivamentede uma parte teórica introdutória e a segunda parte é o dicionário de acordescifrados propriamente dito (desenho dos acordes no braço do violão com arespectiva grafia no pentagrama). A terceira parte apresenta uma série deprogressões harmônicas “clichês” e também conceituações teóricas arespeito de tonalidade, harmonia e modulação. A quarta e última partetrata do “relacionamento melodia / harmonia”, apresentando procedimentosem relação a como realizar a análise harmônica, trazendo exemplos emprogressões harmônicas, e ainda um repertório como exemplificação deanálises e também para ser analisado pelo leitor como forma de exercitaros conhecimentos aprendidos. As músicas foram grafadas com as cifrasseparadas em compassos, com a letra da música abaixo.

Quanto aos recursos usados, a parte teórica contida no livro éexclusivamente expositiva, não trazendo nenhum tipo de exercício. Asegunda parte do livro, onde o autor elaborou um dicionário de acordes,também não apresenta nenhuma sugestão de exercícios. O autor ofereceapenas uma dica de como transpor estes acordes, uma vez que o dicionáriolimita-se a explorar diversas possibilidades de digitação de tipos de acordespartindo da fundamental Dó. Na terceira parte, onde são apresentadasprogressões harmônicas, não há nenhuma indicação procedimental quantoà realização de exercícios, a não ser pela seguinte observação feita peloautor: “Todos os exercícios no decorrer deste trabalho deverão, também,

37 Até então, a fonte de repertório cifrado para o músico popular eram principalmente asrevistinhas “Violão & Guitarra”, também conhecidas como “VIGU”. Essas revistas atéos dias de hoje são vendidas em bancas de jornal, mas a cifragem nem sempre é confiável,conforme advertiu Tom Jobim e Chediak, e não vem disposta em compassos.

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ser tocados em forma de tríade (sem a sétima), exceto dominantes (V7) e osm7(b5)” (p.128). Destaca ainda, em seu prefácio, que “os acordesrelacionados ao sistema tonal são apresentados em pequenas progressões,obedecendo a uma ordem didática”. Assim, o autor apresenta progressõesharmônicas que vão ficando cada vez mais complexas, começando comprogressões diatônicas em tonalidades maiores, em seguida em tonalidadesmenores, e posteriormente utilizando acordes de empréstimo modal. Nessasprogressões ele utiliza tríades e tétrades. Na parte 4, onde encontramosmúsicas a serem analisadas pelo leitor, o autor destaca: “deve-se observarque as músicas, no decorrer deste trabalho, aparecem obedecendo umaordem didática” (p.272), ou seja, do simples ao complexo, seguindo omesmo critério da terceira parte do livro.

O estilo das músicas não foi identificado pelo autor, sendo todascomposições que fazem parte do repertório da música popular brasileira,compostas por autores conhecidos tais como Moraes Moreira, Martinhoda Vila, Luiz Gonzaga, Caetano Veloso, Vinícius de Moraes, ChicoBuarque, entre outros, e que, segundo o autor, “são de conhecimento detodos”.

4.1.2 Escola moderna do cavaquinho

Quanto ao público alvo, o livro não traz uma indicação direta, senãopelos pareceres de músicos que constam no início do livro: “cavaquinistasamadores e profissionais”, “para quem deseja obter uma boa técnica [...]ser um bom cavaquinista”, “um método para os que buscam a oportunidadede usufruir das qualidades do cavaquinho como instrumento solista...”.

O autor não explicita seus objetivos. Porém, estes já ficam clarospor conta do prefácio onde músicos afirmam:

conhecer o cavaquinho em todos os seus recursos harmônicos, melódicose rítmicos; usufruir das qualidades do cavaquinho como instrumento solista;pôr fim a uma antiga deficiência no ensino do cavaquinho; viabilizar oestudo do cavaquinho.

Assim como o Dicionário de acordes cifrados, este livro apresentajustificativas através dos pareceres de músicos que o acompanham. Entreeles destacamos:

Pela primeira vez no mundo os músicos terão oportunidade de conhecer

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todos os recursos do cavaquinho; existia uma carência muito grande no quediz respeito ao aprendizado deste instrumento; para que, seguindo caminhosbrasileiros, as nossas artes evidenciem, através dos tempos, a contagianteforça de expressão que a índole do nosso povo oferece em suas manifestaçõesmusicais.

Não há indicação de pré-requisito. Por seu conteúdo, podemos suporque seja um livro dedicado ao iniciante no cavaquinho, muito emboraapresente exemplos notados em partitura tradicional sem qualquerexplicação adicional sobre leitura e escrita musical.

Nesta publicação, conteúdos factuais e procedimentais predominam.O autor apresenta um resumo histórico a respeito do cavaquinho e descreveas partes que compõem o instrumento. Se refere ainda a procedimentos decomo melhor estudar, e demonstra células rítmicas para serem executadaspela mão direita através da grafia musical convencional. Faz tambémcomentários a respeito da postura corporal com a qual se deve tocar oinstrumento. A demonstração da formação de acordes no braço docavaquinho é realizada, muitas vezes, através de ilustrações. Ao final dolivro, um repertório é sugerido para a prática dos conhecimentos adquiridos,ou seja, o autor apresenta uma série de músicas cifradas para servirem de“exercício para o uso dos acordes e ritmos ensinados neste método” (p.54).

Há um desnível entre saberes conceituais e procedimentais, ou seja,o leitor ao iniciar um estudo musical através deste livro já deve dispor deconhecimentos sobre os fundamentos da leitura e escrita musical, mas podeter pouco conhecimento a respeito de como “tocar” o instrumento.

O livro foi organizado em quatro partes. A primeira, onde apresentacaracterísticas gerais do instrumento, e as demais, onde apresenta um mistode técnica, leitura, teoria e desenho de acordes no braço do cavaquinho. Osconteúdos estão organizados seguindo uma ordem que vai do simples aocomplexo. Por exemplo, a parte destinada à leitura no instrumento se iniciacom exercícios chamados de preparatórios, com a utilização somente decordas soltas e figuras como semínimas, mínimas e mínimas pontuadas.Aos poucos o autor vai introduzindo outras notas e figuras rítmicas maiselaboradas, além de apresentar exercícios em tonalidades diferentes ecompassos simples binários, ternários e quaternários. Na última parte aindasão apresentadas partituras contendo cifras e letras dispostas em compassos,de músicas do repertório da música popular brasileira.

O livro apresenta uma série de exercícios técnicos escritos nopentagrama com observações e dicas do autor sobre procedimentos de

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utilização. Na primeira parte, apresenta exercícios de leitura melódica que“visam a desenvolver a prática da leitura com o instrumento, bem como aassociação entre a altura da nota e sua localização no braço do cavaquinho”(p.16). É importante lembrar que, embora o autor não indique nenhum tipode pré-requisito, o leitor não poderia realizar este exercício, bem como osexercícios técnicos mencionados anteriormente, sem o conhecimento prévioda grafia tradicional no pentagrama, ou sem a ajuda de um professor. Sãosugeridos também exercícios relacionados aos conteúdos teóricos. Aindasobre a questão da leitura, o autor indica uma listagem de músicas comosugestão de solos a serem tocados ao cavaquinho.

Para o exercício da leitura melódica, são utilizadas músicas do autor,além de compositores como J. S. Bach, Radamés Gnattali e M. Ravel. Sãoapresentadas como sugestão de leitura polcas, valsas, choros, estudos,maxixes e baiões de autores como Anacleto de Medeiros, Garoto, HermetoPascoal, Jacob do bandolim, K-Ximbinho, Pixinguinha, Waldir Azevedo,entre outros. O repertório cifrado apresentado ao final do livro apresentamúsicas tradicionais do repertório da música popular brasileira como“Guardei minha viola”, de Paulinho da Viola, “Trem das onze”, de AdoniranBarbosa, “Acontece”, de Cartola, e “Kid Cavaquinho”, de João Bosco eAldir Blanc, entre outras. O estilo de cada uma dessas composições nãoestá indicado, ficando subentendido que o leitor já deva ter algumaintimidade com este repertório.

4.1.3 A arte da improvisação

O autor introduz o livro dizendo: “Este livro é destinado a qualquerinstrumentista”. Ainda na introdução, esclarece que seu objetivo é “dar aoestudante uma intimidade gradativa com o inter-relacionamento entreescalas e acordes e desenvolver a arte da improvisação”. O autor do prefáciodo livro, o músico e professor Toninho Horta, prevê que com ele será dado“um passo à frente em termos de material didático sobre o tema” e aindaacrescenta: “este trabalho é bastante atrativo por conter o lado prático e olado teórico da improvisação unificados numa só proposta”.

Segundo o autor,

Os pré-requisitos básicos para que se tire maior proveito deste livro são:reconhecimento dos intervalos, formação das escalas e dos acordes, leiturade cifras e domínio no instrumento, da escala maior e das três formas daescala menor (natural, harmônica e melódica) em todas as tonalidades (p.18).

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Predominam nesta publicação conteúdos procedimentais. A fitaK-7 que acompanha o livro segue junto aos exemplos do início ao fim,para que o leitor possa praticar o improviso.

O livro foi organizado em seis partes distintas, cada uma tratandode um aspecto específico da improvisação. A primeira delas é mais geral,apresentando conceituações teóricas, técnicas e fraseados correspondentesa centros tonais. As partes dois e cinco trabalham determinadas progressõesharmônicas “clichês”, e as partes três e quatro a utilização de escalasespecíficas. Na sexta e última parte são apresentados solos escritos sobreprogressões harmônicas cifradas, sendo indicado o estilo musical. Segundoo autor, “as partes neste livro estão organizadas de forma a dar ao estudanteuma intimidade gradativa com o inter-relacionamento entre escalas e acordese desenvolver a arte da improvisação no estilo “passo a passo” (p.17). Assim,o livro segue a ordem dos exemplos gravados na fita que o acompanha,começando com progressões harmônicas em centros tonais maiores emenores, com a utilização de acordes diatônicos, em seguida trabalha coma improvisação sobre acordes dominantes secundários, alterados esubstitutos, etc.

Uma fita K7 acompanha o livro com a gravação de bases harmônicasque servem para se exercitar o improviso. Há, inclusive, um sumário dafita, com indicação da exemplificação que faz de estilos musicais eprogressões harmônicas. As frases propostas pelo autor foram gravadas deduas maneiras: uma lenta “para que possam ser assimiladas com maisfacilidade as nuances de interpretação” (p.18) e outra num andamento maisrápido. O autor sugere que o leitor “experimente fazer um estudo gradativopara o domínio na mudança de escalas, tocando inicialmente apenasmínimas, depois semínimas [...]” (p.18) e ainda oferece outras dicas deestudo na introdução e no decorrer de todo o seu livro. São propostosexclusivamente exercícios práticos aplicados ao instrumento.

No repertório contido no livro não há canções propriamente ditas,mas progressões harmônicas “clichês” com a sugestão do estilo musical doacompanhamento. Os estilos utilizados são: bossa-nova, bolero, salsa lenta,swing, disco funk, samba-canção, baião, funk, salsa, samba, frevo, blues ejazz.

4.1.4 Música brasileira para contrabaixo

Não há uma indicação direta do público alvo. Apenas o título jádeixa a sugestão de que o livro se direciona para o contrabaixista que se

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interessa pelo repertório da música popular brasileira. Segundo o autor,este é “um trabalho de objetivos práticos” onde “são apresentados oitoestilos musicais brasileiros com suas acentuações características, diferençasde compasso e interpretação para o contrabaixo” (p.8).

Não encontramos nenhuma espécie de justificativa. Porém, peloautor tratar-se de nosso informante qualificado, temos o seguintedepoimento:

eu comecei a criar uma metodologia voltada para as coisas que as escolasnão ensinavam, que as escolas tradicionais de música não ensinavam...como a interpretação, os estilos musicais, o comportamento musical decada música de acordo com o trabalho que você vai fazer... comportamentoassim até na maneira de tocar. Se você for tocar com um trio, quarteto ouquinteto vai ter que tocar de um jeito diferente, então, a maneira docontrabaixo tocar mais ou menos nota, a sonoridade, estudar a sonoridadeda amplificação. [...] Pra cada acorde eu estudava células de ritmosbrasileiros, fazendo também isso nas escalas... para eles [os alunos] tomaremconhecimento do baião, do maracatu... e isso tudo foi funcionando e melevando a fazer uma apostila. Eu sempre juntei muito material viajandocom os artistas, ia nos centros culturais pegava material, compravadisquinhos... e a junção desse material que deu no meu livro Músicabrasileira para contrabaixo40 .

Giffoni não se refere a nenhum tipo de pré-requisito. Porém, devidoao conteúdo e à forma como ele é apresentado (partituras e cifras), ficaclaro que o aluno deve ter um mínimo de domínio técnico sobre oinstrumento e também alguma noção de leitura de cifras e partitura.

Esta publicação nos parece a mais completa das seis analisadas, noque se refere à abrangência dos conteúdos. O objetivo principal é a aquisiçãode conteúdos procedimentais, e para isso o autor dá um suporte que passapor conteúdos factuais e atitudinais. Ele se preocupa em situar o conteúdoaprendido com situações reais de utilização não sendo raras referênciascomo: “esta condição técnica é muito importante para o bom desempenhoem shows e gravações profissionais” (p.11). A apresentação de dados efatos vem muitas vezes associada a afirmações como “para tocar bem amúsica brasileira, é essencial conhecer e praticar as síncopes nas escalas”(p.11). Ao apresentar um gênero, são feitas referências às suas características.

40 Entrevista concedida à autora em dezembro de 2000.

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O autor dá dicas ao leitor, como: “a sonoridade do baixo deve ser aguda paranão se confundir com a percussão [no samba]. Já no estilo bossa-nova, aequalização pode ser mais grave e as notas devem ser executadas ligadas,com um toque leve da mão direita” (p.13).

O livro não se divide numa ordem que vai do simples ao complexo.O seu índice não separa em partes o conteúdo, mas indica os estilos musicaisapresentados pelo autor. Exceto pelos itens “Síncopes Brasileiras”, “Slapna Música Brasileira “ e “Baixo de Cinco Cordas na Música Brasileira”,todos os outros itens se referem a estilos musicais brasileiros específicos.Para cada estilo o autor obedeceu um único critério, que estabeleceu aseguinte ordem: apresentação da célula rítmica básica do estilo em estudo;referências discográficas a esse estilo; apresentação de linhas de baixo emprogressões, utilizando-se da célula rítmica básica; apresentação da partiturade uma música no estilo estudado, contendo a melodia e a linha de baixoescritas no pentagrama e a harmonia cifrada. Ao final do estudo de cadaestilo, é apresentado ao leitor um baixista que se destacou naquele estilo,ou que foi representativo dentro de determinada técnica (como é o casodos dois últimos itens), constando sua foto e um pequeno comentário . Elediz:

Luizão Maia – baixista e compositor, participou de muitas gravações entre1970 e 1990 e fez shows com diversos artistas da MPB [...]. Destacou-seno cenário das gravações devido à sua forma percussiva de tocar sambacom muito swing e musicalidade, além de produzir, no baixo, um sommuito ‘claro’ e definido. (p.12)

O autor propõe apenas exercícios práticos no instrumento. Um CDacompanha o livro, servindo como ilustração aos exemplos e exercíciospropostos pelo autor. Todas as músicas foram gravadas por uma bandacomposta de piano, sax / flauta, baixo, bateria e percussão. Os instrumentosforam divididos em canais, de forma que o aluno possa excluir o baixo dagravação, e assim poder tocar junto com a banda. O autor sugere ainda queo leitor, além de tocar a linha de baixo escrita na partitura, crie sua próprialinha.

A seleção do repertório abrange composições do autor sobre osseguintes estilos da música popular brasileira: samba, samba partido alto,samba-funk, sambaião, sambão, samba-canção, afoxé, baião, ciranda, xote,maracatu, frevo e quadrilha. Algumas dessas composições estão presentesem CDs do autor ou foram gravadas por outros artistas.

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4.1.5 Vocabulário do choro

Sobre o público alvo, o prefácio escrito pelo músico Paulo Mouraressalta: “para os que são apaixonados pelo choro [...] assim como para osiniciantes, os recém enamorados desta tradição popular brasileira”, porém,não há indicação feita pelo autor. Espera-se proporcionar ao músico uma“intimidade com a linguagem do choro, seja nas sua interpretação, nacomposição ou nas diversas maneiras de se usar a interpretação” (p.7), e“contribuir para a criação e sistematização de um estudo técnico sobre ochoro, valorizando sua importância na formação de uma escola (de fato)para música brasileira”. (p.6)

O autor justifica o valor desta publicação ao indicar que “pouco seconhece sobre esta matéria devido à ausência de publicações, já quepredomina o método do aprendizado informal através das rodas de choro”e que “não se conhecem estudos musicais baseados na sua obra [dePixinguinha], nem de autores por ele influenciados, muito emboraPixinguinha seja encarado como uma das grandes ‘escolas’ da músicabrasileira” (p.6).

Não há indicação de pré-requisitos, embora o livro seja escrito emnotação tradicional na pauta e cifras. Pela complexidade dos estudos ficaclaro que são necessários conhecimentos técnicos prévios.

Nesta publicação, os conteúdos são predominantemente factuais(fatos e dados) e procedimentais, e dividem-se em duas partes básicas. Naprimeira, são apresentados aspectos característicos do gênero estudado; nasegunda, é apresentado um repertório de músicas que serve como ilustraçãoe referência para a parte anterior. Os “estudos melódicos” contidos naprimeira parte são, segundo o autor, “o fundamento deste projeto” e estãodistribuídos “dentro de uma ordem crescente de dificuldade técnica” (p.21).O autor refere-se ainda à necessidade de se tocar em todas as tonalidades,justificando a forma como elaborou esses estudos. No repertório apresentadona segunda parte do livro, cada música é representada por uma partiturapara piano (contendo ainda as cifras, e a melodia para flauta), uma partiturapara flauta (com melodia e cifras) e uma partitura transposta para sax soprano(também com as cifras).

Quanto aos recursos, o livro apresenta, inicialmente, uma série deexemplos a respeito do conteúdo abordado, sem contudo indicar de queforma o leitor pode exercitá-los. Para a realização dos “estudos melódicos”o autor sugere que o leitor os toque fazendo uso de um metrônomo e que,se possível, os exercitem com um acompanhamento harmônico (por isso

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os exercícios vêm com a indicação da harmonia cifrada). O autor aindasugere que as frases sejam decoradas e que o leitor experimente “modificarpara os modos menores algumas escalas e aplicar arpejos aumentados oudiminutos sobre certos arpejos dados” (p.22).

A seleção do repertório inclui composições do autor abordando osseguintes estilos musicais: choro, valsa, samba, frevo e baião.

4.1.6 Harmonia prática da bossa-nova

A introdução escrita pelo autor recomenda que o livro pode serusado tanto pelo “leitor que já conhece alguma coisa de violão e cifras”quanto pelo iniciante. O autor indica que “este livro é apenas um ponto departida”, e que se dedica “particularmente ao estilo bossa-nova deharmonizar” (p.9).

O autor comenta:

Espera-se mesmo que o leitor possua algum rudimento musical talcomo ter idéia das notas musicais, diferenciar melodia (seqüênciade notas) de harmonia (seqüência de acordes), etc. E naturalmente,que tenha um mínimo de senso rítmico (p.9).

Para o iniciante, recomenda “como complemento deste trabalho, aaquisição de um manual de teoria musical, assim como um método que ooriente no estudo da técnica do violão” (p.9). A esse respeito o autor indicauma bibliografia.

Conteúdos procedimentais são o foco do trabalho, mas eles vêmassociados a conteúdos factuais que acabam por predominar a abrangênciadesta publicação. Das cinco partes que compreendem o livro, apenas aúltima não é teórica, com exceção de um item apresentado pela primeiraparte do livro. As quatro primeiras partes apresentam elementos de teoriamusical e harmonia, cruzados com informações a respeito de sua aplicaçãoao violão (disposição dos acordes no braço do violão) e quanto ao estilomusical focalizado no livro (segundo o autor, “ritmos” específicos aplicadosà mão direita do violonista39 ). A quinta e última parte constitui-se de umrepertório que serve como ilustração e referência ao que foi apresentadonas partes anteriores. As partituras contêm a melodia da música cifrada,

39 Entrevista concedida à autora em dezembro de 2000.

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com o desenho do acorde no braço do violão representado sobre a cifra eainda com a letra da música abaixo da melodia.

O livro não se preocupa em conceituar termos por ele utilizados,limitando-se a defini-los de forma reduzida. A respeito de “escala”, o autorescreveu: “Escala é uma seqüência de notas, formada por graus sucessivos,representados por algarismos romanos” (p.15). Apresenta ainda a noçãodo que é “certo” e “errado” na orelha do livro, quando demonstra atravésde fotografias “a posição errada ou certa das mãos”.

O autor propõe uma série de exercícios teóricos nas suas trêsprimeiras partes (a quarta parte, apesar de ser também teórica, éexclusivamente expositiva). Um CD acompanha o livro onde apresenta agravação de 9 trilhas com ilustrações de “ritmos” apresentados pelo autorna parte 1, e as 17 músicas cujas partituras estão disponíveis na parte 5 dolivro. O autor sugere que estas gravações sirvam como ilustração e tambémpara que o leitor as acompanhe ao violão, orientando-se pela partitura.

O repertório consta de composições do autor, algumas, inclusive,que fazem parte do repertório tradicional da bossa-nova (como, por exemplo,“Minha Namorada”, composta em parceria com Vinícius de Moraes). Estãopresentes os seguintes estilos: baião-toada, samba-canção, samba, bossa-nova, marcha-rancho e toada.

4.2 Análise geral das publicações

Segundo os dados observados, podemos resumir as característicasdas seis publicações analisadas da seguinte forma:

São indicadas para iniciantes ouprofissionais, embora não fique claro a quetipo de “iniciante” o autor se refere, umavez que os autores fazem uso da grafiamusical tradicional, por exemplo, semnenhuma explicação prévia. Quando nãotrazem uma indicação explícita, a delimitaçãodo público alvo pode ser observada atravésdo próprio título da publicação.

Público Alvo

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As publicações têm por objetivosistematizar algum conhecimento, como umsistema de cifragens, a improvisação ou ofraseado do choro; atingir “objetivospráticos”, como tocar dentro dedeterminado estilo; e viabilizar o estudo dealgum instrumento ou gênero musical,freqüentemente voltado para a músicapopular brasileira.

Suprir lacunas, como uma “carência noaprendizado do instrumento” e/ou nautilização de um repertório ou conteúdo quepermita ao estudante seguir “caminhosbrasileiros”. Os autores fazem referência àunião do “lado prático” ao teórico numa sóproposta, embora exista uma separaçãoentre o que é teoria e o que é prática, noslimites da própria publicação.

Quando há indicação, o autor sugere que oestudante já tenha conhecimentos teóricose de leitura e escrita musical. Observamosque os autores partem do princípio que oestudante conhece o repertório utilizado,uma vez que nem sempre está indicado ogênero das músicas.

A maioria das publicações é dividida empartes teóricas e partes práticas, e seguemuma ordem que vai do simples ao complexo.Os conhecimentos articulados estãointrinsecamente ligados a um determinadorepertório.

Objetivos

Justificativa

Pré-requisitos

Seleção e Organizaçãodos conteúdos

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A parte teórica, em geral, traz exercícios defixação. Na parte prática há um repertóriocifrado, separado em compassos, ou asugestão de um repertório a ser praticadopelo estudante. São utilizadas fitas K7 ouCDs como apoio à prática musical.

As publicações trabalham com umrepertório oriundo da música popular, maisespecificamente da música popularbrasileira.

Quadro 4 – Análise geral das publicações

As publicações com fins de ensino-aprendizagem musical editadasnos últimos 20 anos pelo músico-professor vêm atender a uma demandapor saberes que, segundo a fala de estudantes, do músico-professor, demúsicos e dos próprios autores, não haviam ainda sido sistematizados emum material didático.

A carência deste tipo de material refere-se ao instrumento, em Escolamoderna do cavaquinho, onde foi apontada uma “carência muito grandeno que diz respeito ao aprendizado deste instrumento”; ao repertório, emgeral, a música popular brasileira; ou à sistematização de algum tipo deconhecimento, como é o caso de Dicionário de acordes cifrados, quepretende unificar o sistema de cifragens.

Todas as publicações possuem temáticas que abordam conteúdosespecíficos. O público alvo certamente é, em quase todos os casos, oestudante que tem alguma intimidade com os gêneros estudados e conheceo repertório tradicional de cada um deles, uma vez que em muitas dessaspublicações os gêneros das canções utilizadas não vêm identificados peloautor. Assim, as publicações são destinadas especificamente ao que podemoschamar de grupo sonoro, ou a quem deseje se familiarizar com a música dedeterminado grupo sonoro40 .

Recursos

Seleção do Repertório

40 John Blacking (1995) utiliza o termo sound groups para definir um grupo social quecompartilha uma linguagem musical comum, compartilhando a mesma idéia do que sejamúsica e suas formas de manifestação.

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A necessidade e o valor de se publicarem livros com fins de ensino-aprendizagem musical é justificada com afirmações como:

o êxito dessa proposta vai facilitar a difusão das cifras nas escolas deformação musical, atendendo a um público e mercado de trabalho cadavez maiores; pela primeira vez no mundo os músicos terão oportunidadede conhecer todos os recursos do cavaquinho; contribuir para a criação esistematização de um estudo técnico sobre o choro, valorizando suaimportância na formação de uma escola (de fato) para música brasileira; edeve ser reforçada pelas escolas de música, indicando esta obra comoveículo fundamental nas disciplinas que se relacionam com a harmonia.

São saberes que foram (ou ainda são) negados e silenciados porinstituições oficiais, e que careciam de uma sistematização, conformeindicou Santomé (2001)41.

O objetivo central dessas publicações é saber fazer alguma coisa.Portanto, os conteúdos procedimentais são valorizados e estimuladosatravés, principalmente, da possibilidade de se praticar com o apoio de umCD ou fita K7, que freqüentemente acompanham livros deste tipo.Conteúdos factuais (fatos e dados) são encontrados como complemento oucomo forma de introduzir ou fornecer bases aos conteúdos procedimentais.Assim, estas publicações, na grande maioria, preocupam-se principalmenteem levar o aluno a “manejar, usar, construir, aplicar, coletar, observar,experimentar, elaborar, simular, planejar, compor, avaliar, representar, etc”(Coll, Pozo, Sarabia e Valls, 2000, p.91).

As publicações analisadas carecem, contudo, de conteúdosconceituais. Apesar de encontrarmos definições em todas as partes teóricasapresentadas pelas publicações, elas não chegam a se constituir emconceitos. Tomemos como exemplo a demonstração do que é tonalidadeem Harmonia prática da bossa-nova. O autor diz: “Tonalidade é um trechode música em que predomina um tom” (p.14) e tom é definido como “aaltura, ou seja, abaixamento ou elevação do som” (p. 14). Conceituaçõesteóricas poderiam e deveriam auxiliar o estudante na aprendizagem de fatos,dados, conforme recomendou Pozo (2000): “Para que os dados e os fatosadquiram significado, os alunos devem dispor de conceitos que lhespermitam interpretá-los” (p.21). Para o autor, o importante não é privilegiarum ou outro tipo de conteúdo, mas sim a integração entre eles: “Nem a

41 Ver Capítulo I, item 1.2, pp.22-23 desta dissertação.

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aprendizagem de fatos nem a compreensão de conceitos podem ser isoladasdo restante dos conteúdos do currículo” (p.22).

Acreditamos que, pela carência de conteúdos conceituais, aspublicações analisadas são aproveitadas parcialmente pelos estudantes,quando eles não possuem conhecimentos prévios a respeito do assuntoabordado ou quando não possuem o auxílio de um professor ou de outroestudante. Assim, muitas delas podem se tornar, por exemplo, apenas umafonte de consulta ao repertório apresentado.

Por outro lado, quando o estudante não possui familiaridade com ogênero musical em questão, nem com seu instrumento, acreditamos que,se auxiliado por um professor, por outro estudante, por um músico maisexperiente ou até mesmo pelo autor da publicação, esta carência deconteúdos conceituais fica de certa forma sanada. Isso, porque acreditamosque, através deste contato e da vivência musical, os conceitos se formarão.

Conteúdos atitudinais estão representados nas publicações. Asatitudes assumem grande importância dentro de proposta e dos objetivosdessas publicações, inicialmente pelos processos de influência que osmúsicos têm em relação aos seus discípulos. Como vimos na análise daspropagandas de escolas de música alternativa e aulas particulares, o grandeatrativo é oferecer ao aluno um modelo de competência, competência queé comprovada pela atuação artística do músico-professor. É o que Demo(1993) aponta, quando diz que os alunos procuram “não qualquer professorou qualquer aula, mas determinada competência produtiva comprovada”(p.136), e Schön (2000) comenta quando argumenta que os estudantes“regulam sua busca pelos sinais externos de competência que já sabemreconhecer” (p.75).

Sobre a importância das atitudes Sarabia (2000) colocacaracterísticas de poder que o comunicador pode ter sobre seu público.Além do poder coercitivo e do poder de recompensa, o autor se remete aopoder referente:

o poder referente baseia-se na identificação com a fonte de poder. Segundoo grau em que o aluno ou aluna se veja atraído pelo professor, o primeirotentará moldar o seu comportamento ou atitudes ao do segundo e, dessaforma, o comportamento ou as atitudes do emissor, enquanto pessoasignificativa, estarão influenciando o receptor (Sarabia, 2000, p.156).

O autor ainda nos fala sobre o poder de especialista e o poderlegítimo, que se relacionam diretamente ao pensamento de Demo e Schöndescrito acima:

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o poder de especialista ou perícia baseia-se na percepção de que o comunicadorpossui uma série de conhecimentos especiais dos quais o receptor carece.[...] O professor confere ao aluno um sentimento de credibilidade, segurançae confiança ao comunicar-lhe que a sua conduta (física, verbal, simbólica) écorreta ou está bem orientada (Sarabia, 2000, p.156).

O poder legítimo se baseia na aceitação pelo receptor das normas internase dos valores que o orientam ou pressionam para agir corretamente. Nocontexto escolar, isso pode significar a aceitação voluntária do aluno daautoridade do professor em função de certas características: a sua idade, asua posição na hierarquia escolar, a sua condição reconhecida deespecialista, etc (Sarabia, 2000, p.156).

São ainda as atitudes que impulsionam o aluno à construção de seupercurso de formação. O aluno autônomo, que toma decisões sobre o quedeve ou não aprender, tem nas aulas particulares, escolas de músicaalternativas e também nas publicações e workshops desenvolvidos pelomúsico-professor a possibilidade de construir seu perfil profissional deacordo com as competências que considera importantes, indo buscar ossaberes onde eles se encontram disponíveis e acessíveis, sem intermediáriosou punições.

De acordo com a análise das propagandas de escolas de músicaalternativas e aulas particulares, a importância conferida a quem ensina, aoque se ensina e a como se ensina, é também visível nas publicaçõesanalisadas.

Quem ensina é identificado como um músico experiente e suacompetência é demonstrada através da realização de trabalhos ao lado deartistas famosos. Almir Chediak, autor de Dicionário de Acordes Cifrados,é identificado como “violonista, compositor, arranjador, estudioso demúsica, é professor desses grandes nomes da música”42; Henrique Cazes,autor de Escola moderna do cavaquinho, como um músico experiente:“autodidata”, “instrumentista, vocalista e arranjador”, tendo atuado ao ladode nomes como Radamés Gnattali e Nara Leão; Nelson Faria, autor de “Aarte da improvisação”, apresenta na contracapa do livro um extensocurrículo, onde figura ao lado de Mauro Senise, Nico Assumpção, AntônioAdolfo, Toninho Horta, Cássia Eller e outros; Adriano Giffoni, autor de

42 Parecer de João Máximo contido no livro.

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Música brasileira para contrabaixo, apresenta também uma extensa listade artistas com os quais atuou, como Gal Costa, Vinícius de Moraes, ElbaRamalho, entre outros; Mário Sève, autor de Vocabulário do choro, éidentificado como: “flautista e saxofonista, compositor e arranjador”,“integrante e fundador dos quintetos Nó em Pingo d’Água e AquarelaCarioca”, “gravou quatro discos”, “com o Aquarela Carioca foi indicadotrês vezes para o prêmio Sharp”, “integrou os trabalhos de Geraldo Azevedo,Ney Matogrosso e Alceu Valença”; e Carlos Lyra, autor de Harmoniaprática da bossa-nova, que apresenta composições suas que se tornaramrepresentativas da bossa-nova, ao lado de parceiros como Vinícius deMoraes e Ronaldo Bôscoli.

As referências feitas aos autores no interior do livro tambémressaltam sua experiência didática: “é professor da Escola Brasileira deMúsica”, “foi professor da Escola Pró-Arte”. Elas também apontam parasua trajetória como estudante como um indicador de sua competência:“estudou durante um ano com músicos como Joe Pass”, “[estudou] baixoelétrico com Zeca Assumpção e arranjo com Ian Guest”.

O que se ensina é representado inicialmente através do título, etambém de indicações na capa da publicação: “todos os acordes incluindoos dissonantes”, “solo e acompanhamento”, “músicas cifradas”, “harmoniaaplicada à música popular”.

O como se ensina é identificado também na capa das publicações:“inclui CD com 9 trilhas contendo demonstrações de ritmos e 17 músicaspara ouvir e acompanhar com o violão”, “acompanha CD com 90 trilhasgravadas”, “demonstrações e exercícios com ritmos brasileiros”,“acompanha uma fita cassete”.

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Considerações finais

Esta dissertação parte de um marco situacional onde a atividadedocente é percebida como intrínseca à atividade profissional do músico.Este marco nos levou a procurar compreender de que forma se dá estaatividade através de um estudo de caso realizado em uma escola de músicaalternativa: a Rio Música. Entrevistamos a totalidade dos professores destaescola, o que nos permitiu caracterizar aquele que denominamos comomúsico-professor.

O músico-professor foi caracterizado como aquele que teve umaformação profissional voltada para o desenvolvimento de atividadesartísticas na área da música, e que coloca a atividade docente em segundoplano no escopo de suas atividades profissionais, apesar desta ser,freqüentemente, a atividade mais constante e com uma remuneração maisregular em seu cotidiano profissional. Sua atuação como docente se dáprioritariamente no âmbito de escolas de música que são freqüentementedenominadas como alternativas ou livres e em aulas particulares, ondedesenvolve um trabalho, em especial, através da música popular brasileira.O músico-professor vem atendendo a uma demanda por saberesprofissionais, que reconhece sua competência docente através de seudesempenho artístico. Como fruto desta atividade, o músico-professor vempublicando livros com fins de ensino musical onde a música popularbrasileira tem papel de destaque. São livros que procuram sistematizarconhecimentos específicos de algum gênero musical brasileiro ou promovero ensino de algum instrumento musical através de um repertório brasileiro.

Entendendo que as escolas de música alternativas, através daatividade docente do músico-professor, estão sendo uma instância deformação profissional, neste trabalho procuramos compreender quais ossaberes e as competências que norteiam esta atividade; quais os fatores quelevam estudantes a procurar por uma formação profissional em escolas demúsica alternativas, uma vez que existem outras instâncias de formaçãoprofissional como as Instituições de Ensino Superior (IES); e quais são ascompetências que legitimam a atividade docente do músico-professor.

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Realizamos este trabalho através de um estudo que se valeu de trêsperspectivas – a das escolas de música alternativas, a do estudante demúsica e a do músico-professor – e da análise de publicações com fins deensino musical escritas pelo músico-professor, selecionadas através docatálogo das editoras Lumiar (Rio de Janeiro) e Irmãos Vitale (São Paulo), eeditadas entre 1984 e 1999. Esta análise foi realizada sob a ótica dos conteúdos(sua seleção, organização e abrangência), entendido neste trabalho comoum sinônimo de saberes, a partir da proposta apresentada por Coll, Pozo,Sarabia e Valls (2000) onde se incluem conteúdos factuais, conceituais,procedimentais e atitudinais.

A perspectiva das escolas de música alternativas foi percebida atravésda análise do enunciado de propagandas publicadas em três revistasespecializadas de circulação nacional: a revista Guitar Player (TramaEditorial Ltda, São Paulo), a revista Backstage (H. Sheldon Serviços deMarketing Ltda, Rio de Janeiro), e a revista Áudio, Música & Tecnologia(Editora Música & Tecnologia Ltda, Rio de Janeiro), em edições publicadasentre os anos de 1997 e 2001. A perspectiva do estudante de música foipercebida através de um debate, promovido na escola Rio Música, entreestudantes de música que têm em comum a busca pela profissionalizaçãona área da música ou que já exercem esta atividade profissionalmente,tendo como mediadora esta pesquisadora. E a perspectiva do músico-professor foi percebida através de entrevistas com um informantequalificado: o músico-professor Adriano Giffoni, que também é um dosautores de uma das publicações analisadas por esta pesquisa.

Para a realização deste trabalho fomos amparados por Sguirssadi(1997), Meghnagi (2000), Manfredi (2000), Ramos (2001), Tardif (2000),Schön (2000), Demo (1993 e 1995) e Perrenoud (2000), autores que fazemreferências a uma atual maneira de se pensar a formação profissional,especificando o conceito de competência profissional, ensino prático-reflexivo, design, competência produtiva comprovada e percurso deformação individualizado.

Considerando os depoimentos de músicos-professores, estudantesde música, e os demais dados coletados, percebemos três pontosfundamentais que aparecem como norteadores da atividade docente domúsico-professor no âmbito das escolas de música alternativas: o que seensina, quem ensina e como se ensina.

Os saberes desenvolvidos pelo músico-professor em sua atividadedocente no âmbito das escolas de música alternativas, vêm atender a umademanda por saberes profissionais. São saberes relacionados ao mundo do

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trabalho, fruto da experiência do músico-professor em sua atividade artístico-musical. Sua noção de competência está ligada à noção de versatilidade. Omúsico-professor Adriano Giffoni assim definiu sua atuação como músicoprofissional: “Trabalho como baixista, produtor, arranjador, professor, tudoisso está inserido dentro dela [da música]”, e disse que “ser competente éestar apto a trabalhar no maior número de situações profissionais possíveis”.

Saberes procedimentais e atitudinais são valorizados em suaatividade docente, sendo esses saberes referência para os estudantes aobuscarem por um percurso de formação profissional. Um dos estudantesentrevistados relatou: “ele [o músico-professor com quem estuda] tem umaexperiência de já ter tocado que eu quero vivenciar”. Essa experiência práticado músico-professor foi identificada como uma competência produtivacomprovada, que vem legitimar sua atividade docente, e é o que regula abusca dos estudantes em seu percurso de formação.

É através da competência produtiva comprovada de músicos-professores em sua atividade artístico-musical, que as propagandas deescolas de música alternativas defendem a qualidade de seus cursos, assimcomo este é o meio pelo qual os músicos-professores se identificam emsuas publicações para o ensino musical.

Segundo o ponto de vista do músico-professor, o que legitima suaatuação docente é justamente o conjunto de saberes por ele representadose legitimados através de sua atuação artístico-musical. Em seu discurso,traz uma noção de didática ligada à capacidade de organização e, segundoele, esta capacidade de organização é o que o torna um professor competente,que procura “encurtar um pouco o caminho das pessoas que estão entrandono meio profissional”. Contraditoriamente, distingue o educador musical(que seria o professor que atua em escolas regulares) do professor de música(que é o seu caso), reconhecendo que no primeiro é a capacidade didáticaque assegura a qualidade de seu desempenho docente, enquanto que, nosegundo, é a experiência prática artístico-musical.

Identificamos a metáfora e a modelagem, tal qual nos colocamDavidson e Scripp (1992), como ferramentas que orientam a atividadedocente do músico-professor, o que veio corroborar com o conceito dedesign proposto por Schön (2000). O autor utiliza este termo como umaforma de se realizar determinada prática, e que os estudantes devem aprenderatravés do “fazer”, e no contato com o “fazer” de seus instrutores (ouprofessores).

Encontramos em Schön também a idéia de um ensino prático-reflexivo, onde os estudantes desenvolvem a capacidade de reflexão-em-

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ação. O autor considera a existência de zonas indeterminadas da prática,onde profissionais se deparam em seu cotidiano com situações não previstas,e onde esta capacidade de refletir em ação se torna indispensável. Essemesmo aspecto vimos apontado por Demo (1995), quando faz a distinçãoentre o fazer e o saber fazer. No segundo caso, torna-se necessária acapacidade de compreensão, que vem a ser a capacidade que Schön (2000)denomina por reflexão-na-ação.

Na análise das publicações, percebemos que conteúdosprocedimentais, ou seja, o saber-fazer, são priorizados. Porém, os autoresse preocupam em fornecer ao estudante conteúdos factuais, quefreqüentemente aparecem nas primeiras partes das publicações ondeelementos da teoria e harmonia musical são expostos. Em muitos casosobserva-mos uma carência de conteúdos conceituais, o que dificulta acompreensão desta parte teórica sem o auxílio de um outro suporte (outrolivro, um professor, um exemplo musical, etc.). As publicações priorizamum saber referido como “prático” e com “aplicabilidade imediata”, ondese trabalha, por exemplo, técnica junto com determinada “levada” ou comuma fraseologia característica de algum gênero musical, promovendo otocar junto através de recursos como CDs ou fitas K7. Saberes atitudinaisassumem grande importância dentro da proposta e dos objetivos dessaspublicações, pelos processos de influência que os músicos têm em relaçãoa seus discípulos, onde o grande atrativo é oferecer ao aluno um modelo decompetência, competência produtiva que é comprovada pela atuaçãoartística do músico-professor.

As escolas de música alternativas, através da atividade docente domúsico-professor, foram apontadas como uma instância de formaçãoprofissional que vem suprir uma lacuna deixada pelas IES, conforme osdepoimentos apresentados por esta pesquisa cruzados com as pesquisas deFerreira (2000) e Kleber (2000). Entendemos que essa lacuna se refere ànão articulação dos saberes contemplados no currículo de seus cursos como mundo do trabalho, conforme também indicou Tardif e Schön, O quenão quer dizer que as escolas de música alternativas dêem conta disso. Ainsatisfação constatada reside, principalmente, no fato dos saberes presentesnos currículos das IES estarem desarticulados com o cotidiano profissionaldo músico, incluindo aí a seleção do repertório que, segundo os autoresmencionados, atualmente privilegia a música erudita.

Tendo em mãos documentos que regulamentam e / ou estabelecembases e diretrizes para o ensino, como a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de1996, entendemos que as IES têm como uma de suas funções preparar o

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profissional para o mundo do trabalho, sem que com isso se submeta àsregras do mercado de trabalho. As IES devem proporcionar aos estudantesnão só a dimensão técnica, onde são desenvolvidos saberes que os habilitemà atuação profissional, como também a dimensão social e política, onde osestudantes desenvolvem sua capacidade de compreensão, argumentação ecrítica, tornando-se agentes transformadores capazes de produzirconhecimento. Entendemos que uma formação calcada num modelo estáticoe previsível não atende às exigências profissionais atuais.

Encontramos em Perrenoud, suporte para os indícios apontados porTravassos (1999), Sekeff (1997) e no depoimento de Vitor Neto, presidentedo Sindicato dos Músicos Profissionais do Rio de Janeiro, quando indicama variedade de perfis profissionais encontrados na área musical, e anecessidade de versatilidade exigida ao profissional pelo mundo do trabalho.O autor defende a possibilidade das escolas formadoras propiciarem aosestudantes percursos individualizados de formação. Conforme apontamosno decorrer do trabalho, apesar desta ainda não ser uma realidade nos cursossuperiores em música, algumas propostas já surgiram no sentido de propiciaraos estudantes uma maior autonomia na construção de seu perfil profissionalatravés de um percurso de formação individualizado.

Assim, o conjunto de saberes desenvolvidos pelo músico-professorem sua atividade docente, no âmbito das escolas de música alternativas,privilegia conteúdos procedimentais, tendo como objetivo um saber-fazer.Este saber-fazer está relacionado a “especialidade” do músico-professor,fruto de sua atividade artístico-musical. Sua atividade docente é dirigida àformação profissional, mesmo que esta não seja o objetivo de seu aluno, eé este direcionamento que justifica a seleção dos saberes articulados nestaatividade. A noção de competência profissional em que o músico-professorse apóia, e que procura formar, está relacionada à noção de versatilidade.

As escolas de música alternativas, através da atividade docente domúsico-professor, oferece aos estudantes cursos direcionados a algumconhecimento específico, delimitado em determinado contexto ourepertório. Em sua propaganda enuncia: curso de guitarra brasileira.

A demanda atendida pelo músico-professor, no âmbito das escolasde música alternativas, consta de estudantes diletantes, que não almejam aprofissionalização na área musical, e de estudantes que almejam aprofissionalização ou que já exercem a atividade musical profissionalmente.Os estudantes que buscam pelos saberes articulados pelas escolas de músicaalternativas em seu percurso de formação profissional, entendem que nestainstância irão encontrar um ensino objetivo, direcionado às suas

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necessidades imediatas. O ensino oferecido pelas IES foi apontado comocomplementar, uma vez que não garante um saber-fazer relacionado aoseu cotidiano profissional ou ao perfil profissional almejado. Podemosobservar que entre esses dois âmbitos de formação profissional (as IES e asescolas de música alternativas) alguns pontos convergem e outros divergem.As IES também possuem em seus quadros professores com “competênciaprodutiva comprovada”, e contemplam em seus currículos conteúdosprocedimentais, conforme comentado no decorrer deste trabalho. Porém,entre outros aspectos divergentes, destacamos que as escolas de músicaalternativas definem abertamente o repertório, a linguagem musical comque trabalham, inclusive se utilizam disso em sua propaganda, ao contráriodas IES que não assumem de forma explícita estar calcado seu ensino emum repertório clássico-romântico.

O músico-professor é tido como um professor capacitado, já quesua competência produtiva é comprovada através de sua atuação artística.Segundo a perspectiva do aluno, o saber-fazer comprovado do músico-professor é o que legitima sua atividade docente. Para o músico-professor,sua experiência profissional e capacidade em organizar e orientar o estudode seu aluno é o que lhe garante uma atividade docente bem sucedida.

Esta pesquisa, através dos dados coletados e das questões debatidas,pretende contribuir para um diálogo entre o ensino musical oficial e oalternativo, considerando a questão da formação profissional do músico.Como prosseguimento deste trabalho, sugerimos que sejam estudados oscampos de atuação profissional do músico, com seus respectivos saberes ecompetências, e, de acordo com Schön (2000), recomendamos um estudopara que se perceba o relacionamento entre prática competente econhecimento profissional. Recomendamos ainda um estudo sobre autilização das publicações com fins de ensino musical escritas pelo músico-professor, por professores e estudantes de música.

Termino me reportando à epígrafe desta dissertação, com palavrasde Paulo Freire: “para que uma educação seja válida, toda ação educativadeverá necessariamente ser precedida de uma reflexão sobre o homem, euma análise profunda do meio, da vida concreta daquele que se quer educar”(1976, p.37).

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