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O NASCIMENTO DE CÉLULAS COMPLEXAS Duve de, C. The birth of complex cells. Sientific American, Abril, 1996, p.50-57. Tradução: Barbosa, L.V. Revisão: Silva, T.R.M. Há cerca de 3,7 bilhões de anos, surgiram os primeiros organismos vivos na Terra. Eram organismos pequenos, unicelulares, não muito diferentes de algumas bactérias dos dias atuais. Células desse tipo são classificadas como procariontes porque não possuem núcleo (Karyon em grego), um compartimento que guarda a sua maquinaria genética. Os procariotos são seres extremamente bem sucedidos. Graças a sua notável habilidade em desenvolver-se e adaptar-se, geraram uma grande variedade de espécies, invadindo cada hábitat terrestre. A camada viva do nosso planeta ainda seria composta exclusivamente de procariotos não fosse um acontecimento extraordinário que deu surgimento a um tipo de célula muito diferente chamada de eucariótica, por possuir um núcleo verdadeiro (prefixo eu é derivado da palavra grega que significa “bom“). Esse evento trouxe conseqüências verdadeiramente decisivas. Hoje, todos os organismos multicelulares consistem de células eucarióticas, as quais são infinitamente mais complexas que as procarióticas. Sem a emergência das células eucarióticas toda a variada vida vegetal e animal não existiria e não haveria nenhum humano para desfrutar dessa diversidade e penetrar seus segredos. As células eucarióticas são muito maiores que as procarióticas (normalmente, cerca de 10.000 vezes maiores em volume) e o seu repositório de informação genética é muito mais organizado: a maior parte do DNA está contida em cromossomos mais estruturados, agrupados em um invólucro central bem definido - o núcleo. Enquanto que nos procariotos todo o material genético consiste de um único cromossomo circular, composto de DNA, que fica em contato direto com o interior da célula. Nas células eucarióticas, além do núcleo, existem outros compartimentos delimitados por membranas que desempenham inúmeras funções. Elementos esqueléticos no interior do citoplasma dão suporte estrutural interno às células eucarióticas. Com a ajuda de minúsculos motores moleculares, esses elementos também permitem misturar seus conteúdos e promovem movimentos internos e de deslocamento celular. A maior parte das células eucarióticas se distingue, ainda, dos procariotos por possuir em seu citoplasma alguns milhares de estruturas especializadas do tamanho (aproximado) de uma célula procariótica. As mais importantes dessas estruturas (ou organelas) são os peroxissomos (que exercem várias funções metabólicas), mitocôndrias (fábricas de força da célula) e, nas algas e células vegetais, os plastídios (sítios da fotossíntese). De fato, com suas muitas organelas e intrincadas estruturas internas, mesmo eucariotos unicelulares como as amebas e leveduras mostram-se organismos imensamente complexos. As células eucarióticas provavelmente se desenvolveram a partir de ancestrais procarióticos. Apesar de não existir nenhum organismo intermediário ou fóssil que forneça pistas diretas dessa transição, o parentesco entre células eucarióticas e procarióticas foi revelado por pesquisadores que, utilizando ferramentas da biologia moderna, descobriram muitas características comuns entre elas. A grande similaridade genética entre elas permitiu até mesmo estabelecer a época aproximada em que o ramo eucariótico da árvore evolutiva da vida começou a divergir do tronco procariótico. Essa divergência começou num passado remoto, provavelmente há mais de três bilhões de anos. Eventos subseqüentes no desenvolvimento dos eucariotos, que podem 1

O nascimento das células complexas - Scientific American

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O NASCIMENTO DO COMPLEXO CELULAR

O NASCIMENTO DE CLULAS COMPLEXAS

Duve de, C. The birth of complex cells. Sientific American, Abril, 1996, p.50-57.

Traduo: Barbosa, L.V.

Reviso: Silva, T.R.M.

H cerca de 3,7 bilhes de anos, surgiram os primeiros organismos vivos na Terra. Eram organismos pequenos, unicelulares, no muito diferentes de algumas bactrias dos dias atuais. Clulas desse tipo so classificadas como procariontes porque no possuem ncleo (Karyon em grego), um compartimento que guarda a sua maquinaria gentica. Os procariotos so seres extremamente bem sucedidos. Graas a sua notvel habilidade em desenvolver-se e adaptar-se, geraram uma grande variedade de espcies, invadindo cada hbitat terrestre.

A camada viva do nosso planeta ainda seria composta exclusivamente de procariotos no fosse um acontecimento extraordinrio que deu surgimento a um tipo de clula muito diferente chamada de eucaritica, por possuir um ncleo verdadeiro (prefixo eu derivado da palavra grega que significa bom). Esse evento trouxe conseqncias verdadeiramente decisivas. Hoje, todos os organismos multicelulares consistem de clulas eucariticas, as quais so infinitamente mais complexas que as procariticas. Sem a emergncia das clulas eucariticas toda a variada vida vegetal e animal no existiria e no haveria nenhum humano para desfrutar dessa diversidade e penetrar seus segredos.

As clulas eucariticas so muito maiores que as procariticas (normalmente, cerca de 10.000 vezes maiores em volume) e o seu repositrio de informao gentica muito mais organizado: a maior parte do DNA est contida em cromossomos mais estruturados, agrupados em um invlucro central bem definido - o ncleo. Enquanto que nos procariotos todo o material gentico consiste de um nico cromossomo circular, composto de DNA, que fica em contato direto com o interior da clula. Nas clulas eucariticas, alm do ncleo, existem outros compartimentos delimitados por membranas que desempenham inmeras funes. Elementos esquelticos no interior do citoplasma do suporte estrutural interno s clulas eucariticas. Com a ajuda de minsculos motores moleculares, esses elementos tambm permitem misturar seus contedos e promovem movimentos internos e de deslocamento celular.A maior parte das clulas eucariticas se distingue, ainda, dos procariotos por possuir em seu citoplasma alguns milhares de estruturas especializadas do tamanho (aproximado) de uma clula procaritica. As mais importantes dessas estruturas (ou organelas) so os peroxissomos (que exercem vrias funes metablicas), mitocndrias (fbricas de fora da clula) e, nas algas e clulas vegetais, os plastdios (stios da fotossntese). De fato, com suas muitas organelas e intrincadas estruturas internas, mesmo eucariotos unicelulares como as amebas e leveduras mostram-se organismos imensamente complexos.

As clulas eucariticas provavelmente se desenvolveram a partir de ancestrais procariticos. Apesar de no existir nenhum organismo intermedirio ou fssil que fornea pistas diretas dessa transio, o parentesco entre clulas eucariticas e procariticas foi revelado por pesquisadores que, utilizando ferramentas da biologia moderna, descobriram muitas caractersticas comuns entre elas.A grande similaridade gentica entre elas permitiu at mesmo estabelecer a poca aproximada em que o ramo eucaritico da rvore evolutiva da vida comeou a divergir do tronco procaritico. Essa divergncia comeou num passado remoto, provavelmente h mais de trs bilhes de anos. Eventos subseqentes no desenvolvimento dos eucariotos, que podem ter levado um bilho de anos ou mais, ainda estariam envoltos em mistrio no fosse por uma pista iluminadora que veio da anlise das numerosas organelas presentes no citoplasma.

Uma refeio predestinada

Os bilogos h muito suspeitam que as mitocndrias e os plastdios descendem de bactrias que foram adotadas como endossimbiontes (palavra de razes no grego, que significa vivendo dentro junto) por alguma clula hospedeira ancestral.

A evidncia mais convincente a presena, no interior dessas organelas, de vestgios de um sistema gentico ainda em funcionamento. Esse sistema inclui genes baseados em DNA, meios para replicar esse DNA e todas as ferramentas moleculares para construir protenas a partir de cpias da informao gentica contida na molcula de DNA. Certas propriedades caracterizam claramente esse aparato gentico como do tipo procaritico e o distingue do tipo gentico eucaritico. A adoo endossimbintica resulta freqentemente de algum tipo de encontro (predao agressiva, invaso pacfica, associao mutuamente benfica ou fuso) entre dois procariotos tpicos. A explicao mais plausvel para essa teoria baseada no processo alimentar dos organismos: os endossimbiontes teriam sido originalmente tomados por uma clula hospedeira de tamanho fora do comum, a qual j tinha adquirido muitas propriedades hoje associadas s clulas eucariticas.

Muitas clulas eucariticas atuais clulas brancas sanguneas, por exemplo aprisionam os procariotos. Geralmente, os microorganismos so mortos e fragmentados. Mas, eventualmente escapam da destruio, lesionando ou destruindo seus captores. Em raras ocasies, tanto o captor (fagcito) quanto a vtima (clula aprisionada) sobrevivem num estado de mtua tolerncia, que pode, mais tarde, tornar-se mtua assistncia e, eventualmente, dependncia. Mitocndrias e plastdios podem ter sido, portanto, hspedes permanentes de uma clula hospedeira. Se essa hiptese for verdadeira, revela muita coisa acerca dos primrdios evolutivos da hospedeira. A adoo de endossimbiontes deve ter ocorrido depois de algum ancestral procaritico dos eucariotos ter evoludo para um fagcito primitivo (do grego, clula comedora), uma clula capaz de engolfar corpos volumosos como as bactrias. E se essa clula ancestral era de alguma forma semelhante aos modernos fagcitos, deve ter sido muito maior que a sua presa e circundada por uma membrana flexvel, capaz de envolver elementos extracelulares de grande tamanho. O fagcito primitivo deve ter possudo tambm uma rede interna de compartimentos conectada membrana exterior e especializada em processar materiais ingeridos. Deve ter possudo, tambm, um esqueleto interno ou algo que o provesse com suporte estrutural. Continha, provavelmente, a maquinaria molecular para flexionar a membrana externa e movimentar seus contedos.

O desenvolvimento de tais estruturas celulares representa a essncia da transio procarioto-eucarioto. O problema principal, ento, delinear um modelo plausvel para a formao gradual dessas caractersticas, de modo que possam ser explicadas pela presso da seleo natural. Cada pequena mudana na clula deve ter aumentado sua chance de sobrevivncia e reproduo (vantagem seletiva) de modo que a nova caracterstica tornar-se-ia cada vez mais disseminada na populao.

Gnese de uma clula comedora

Que foras poderiam conduzir um procarioto primitivo a evoluir na direo de uma clula eucaritica moderna?

Uma suposio a de que o organismo tenha perdido a capacidade de manufaturar uma parede celular- a casca rgida que circunda a maioria dos procariotos e lhes d suporte estrutural e proteo contra danos. Esse organismo ancestral se apresentaria como uma massa amorfa, flexvel e chata, capaz de mudar de forma em contato ntimo com seu alimento. Uma clula assim prosperaria e cresceria mais rpido do que seus parentes possuidores de parede celular. O crescimento, contudo, no precisa ser efetuado por meio da diviso celular como faz a maioria das clulas. Um comportamento alternativo seria a expanso e o dobramento da membrana circundante aumentando assim a superfcie disponvel ingesto de nutrientes e excreo fatores limitantes ao crescimento de qualquer clula. A capacidade de criar uma superfcie que se desdobra permitiria ao organismo expandir-se para muito alm do tamanho dos procariotos comuns. Assim, uma propriedade eucaritica grande tamanho pode ser explicada de maneira bastante simples.

A seleo natural tende a favorecer a expanso mais do que a diviso porque dobras profundas aumentariam a capacidade da clula em obter alimento pela criao de reas parcialmente confinadas pequenas invaginaes ao longo da borda celular enrugada no interior das quais altas concentraes de enzimas digestivas quebrariam o alimento de maneira mais eficiente. Aqui, um desenvolvimento crucial pode ter ocorrido: dada a propenso das membranas biolgicas se auto-selarem, no necessrio nenhuma grande invaginao para ver como as dobras poderiam se destacar para formar sacos intracelulares. Uma vez que esse processo comeasse, com um efeito lateral mais ou menos aleatrio da expanso da membrana, qualquer mudana gentica que promovesse seu desenvolvimento seria altamente favorecida pela seleo natural. As invaginaes teriam se transformado em vesculas confinadas internamente, nas quais o aumento seria, agora, retido junto com as enzimas que o digerem.

Clulas capazes de apanhar e processar alimentos dessa maneira aumentaria enormemente sua capacidade de explorar o meio ambiente e o impulso resultante para a sobrevivncia e potencial reprodutivo seriam gigantescos. Tais clulas teriam adquirido as caractersticas fundamentais da fagocitose: engolfamento de objetos extracelulares por meio dos dobramentos da membrana celular (fagocitose), seguido pela quebra dos materiais capturados no interior das vesculas digestivas intracelulares (lisossomos). Tudo o que aconteceu depois pode ser visto como acabamento evolutivo, importante e til, mas no essencial. As vesculas intracelulares primitivas gradualmente deram surgimento a muitas subsees especializadas, formando o que conhecido como sistema de endomembranas, caracterstico de todas as clulas eucariticas modernas. Um forte apoio a esse modelo vem da observao de que muitos sistemas presentes na membrana celular dos procariotos so encontrados em vrias partes do sistema de endomembranas dos eucariotos.

De maneira interessante, a gnese do ncleo marca registrada das clulas eucariticas pode ser explicada, pelo menos esquematicamente, como resultante da internalizao de parte da membrana exterior da clula. Nos procariotos, o cromossomo circular est ligado membrana celular. A invaginao desse segmento particular da membrana celular criaria uma bolsa intracelular que carregaria o cromossomo na sua superfcie. Essa estrutura pode ter sido a semente do ncleo eucaritico, o qual circundado por uma dupla membrana formada de partes achatadas do sistema intracelular das membranas que se fundem em um envelope esfrico.

O cenrio proposto explica como um pequeno eucarioto pode ter evoludo em uma clula gigante que manifesta algumas das principais propriedades das clulas eucariticas, incluindo um DNA cercado pela membrana nuclear, uma vasta rede de membranas internas e a capacidade de apanhar alimento e digeri-lo internamente. Esse progresso pode ter acontecido por meio de um grande nmero de etapas quase imperceptveis, cada uma das quais estimulou a autonomia das clulas e proporcionou uma vantagem no processo de seleo natural. Havia, porm, uma condio. Tendo perdido a proteo de uma parede externa rgida, a clula precisava de suportes internos para seu crescente volume.

As clulas eucariticas modernas so reforadas por estruturas fibrosas e tubulares, freqentemente associadas a pequenos sistemas motores que permitem s clulas locomoverem-se e impulsionar o trfego interno o citoesqueleto. Nenhuma semelhana das protenas que formaram esses sistemas encontrada nos procariotos. Assim sendo, o desenvolvimento do citoesqueleto deve ter requerido um grande nmero de inovaes autnticas. Nada se sabe sobre esses eventos evolutivos primordiais. Acredita-se, no entanto, que tenham sido simultneos ao aumento da clula e expanso da membrana.

No final dessa longa estrada, est o fagcito primitivo: uma clula eficientemente organizada para alimentar-se de bactria, um poderoso caador, livre para percorrer o mundo e perseguir sua presa ativamente. Uma clula pronta para tornar-se hospedeira de endossimbiontes.

Seria de se esperar que tais clulas, que ainda careciam de mitocndrias e algumas outras organelas caractersticas dos eucariotos modernos, invadissem muitos nichos e os preenchessem com uma descendncia adaptada ao meio por diversas formas. Assim, todos os eucariotos podem muito bem ter evoludo de fagcitos primitivos que incorporaram os precursores das mitocndrias.Por que as mitocndrias foram to importantes no processo evolutivo?O holocausto pelo oxignio

A funo primordial nas clulas hoje a combusto de matria nutriente com o oxignio para montar a molcula rica em energia adenosina trifosfato (ATP). A vida depende crucialmente desse processo, que o principal fornecedor de energia para a vasta maioria dos organismos dependentes de oxignio (aerbicos). E, no entanto, quando as primeiras clulas apareceram na Terra no havia oxignio na clula. O oxignio molecular livre um produto da vida que comeou a ser gerado quando certos microorganismos fotossintetizantes, chamados de cianobactrias, surgiram. Essas clulas exploram a energia da luz solar para extrair o hidrognio presente nas molculas de gua, deixando como subproduto o oxignio molecular. O oxignio surgiu pela primeira vez na atmosfera cerca de 2 bilhes de anos atrs aumentando gradualmente at atingir um nvel esttico h 1,5 bilhes de anos.

Antes do surgimento do oxignio atmosfrico, todas as formas de vida devem ter sido adaptadas a um meio ambiente anaerbico. Presumivelmente, como os anaerbicos de hoje, eram extremamente sensveis ao oxignio. Dentro das clulas, o oxignio gera rapidamente vrios grupos qumicos bsicos. Esses venenos celulares incluem o on superxido, o radical hidroxi e perxido de hidrognio. medida que a concentrao de oxignio aumentava, h dois bilhes de anos, muitos dos pequenos organismos caram vtimas do holocausto do oxignio. Entre os sobreviventes estavam aquelas clulas que encontraram refgio em algum local livre de oxignio ou que desenvolveram outra proteo contra a toxicidade desse elemento.

Esses fatos apontam para uma hiptese atraente. Talvez o predecessor fagoctico dos eucariotos fosse anaerbico e tenha sido resgatado da crise do oxignio por ancestrais aerbicos das mitocndrias; clulas que no apenas destruam o perigoso oxignio (convertendo-o em gua incua) como tambm transformavam-no em um aliado tremendamente til. Essa teoria poderia ser uma bela explicao para o efeito salvador da ao das mitocndrias e gozou de grande prestgio.

H, porm, um problema com essa idia. muito provvel que a adaptao ao oxignio tenha ocorrido gradualmente, comeando com sistemas primitivos de desintoxicao de oxignio. Deve ter sido necessrio um tempo muito longo para alcanar a sofisticao atual das mitocndrias modernas. Como os fagcitos anaerbicos sobreviveram ao longo de todo o tempo que foi necessrio evoluo dos ancestrais das mitocndrias?

Uma soluo para esse quebra-cabea sugerida pelo fato de que as clulas eucariticas contm outras organelas que utilizam o oxignio, to disseminadas pelo mundo animal e vegetal quanto s mitocndrias, mas muito mais primitivas em estrutura e composio. So os peroxissomos. Peroxissomos, como as mitocndrias, realizam algumas reaes metablicas oxidantes. Diferentemente das mitocndrias, porm, no utilizam a energia liberada por essas reaes para sintetizar ATP, desperdiando-a sob a forma de calor. No processo, convertem oxignio em perxido de hidrognio, mas depois destroem esse perigoso composto com o auxlio de uma enzima chamada catalase. Os peroxissomos tambm contm uma enzima que remove o on superxido.Assim, parece razovel afirmar que todas as trs organelas comearam como endossimbiontes, com os peroxissomos tendo sido adotados antes das mitocndrias e cloroplastos, e, portanto, as primeiras estruturas orgnicas com capacidade de salvar os fagcitos anaerbicos da toxicidade do oxignio.

Estes desintoxicadores primitivos podem ter protegido suas clulas hospedeiras ao longo do tempo necessrio para que os ancestrais das mitocndrias alcanassem a alta eficincia que possuam quando foram adotados. At o momento, os pesquisadores no obtiveram nenhuma evidncia slida para apoiar essa hiptese ou para descart-la. Diferentemente das mitocndrias e plastdios, os peroxissomos no contm remanescentes de um sistema gentico. Apesar disso, essa observao permanece compatvel com a teoria de que os peroxissomos desenvolveram-se a partir de um endossimbionte. As mitocndrias e os plastdios perderam a maior parte de seus genes originais para o ncleo e os peroxissomos, mais antigos, poderiam quela altura, ter perdido todo o seu DNA.

Qualquer que tenha sido a maneira como foram adquiridos, bem provvel que os peroxissomos tenham possibilitado aos primeiros eucariotos enfrentar a crise do oxignio. A sua presena em clulas eucariticas estaria, assim, explicada. O enorme ganho em recuperao de energia possibilitado pela juno da formao de ATP utilizao do oxignio explicaria a adoo subseqente das mitocndrias, organelas que possuem a vantagem adicional de manter o oxignio em seu meio circundante num nvel muito mais baixo do que os peroxissomos poderiam manter.

Por que, ento, os peroxissomos no desapareceram com o advento das mitocndrias? Na poca em que as clulas eucariticas adquiriram as mitocndrias, algumas atividades peroxissmicas (por exemplo, o metabolismo de certos cidos graxos) devem ter se tornado to vitais que essas primitivas organelas no podiam ser eliminadas por seleo natural. Por isso, os peroxissomos e as mitocndrias so ambos encontrados na maior parte das clulas eucariticas modernas.

As outras organelas importantes de origem endossimbintica so os plastdios, cujos representantes principais so os cloroplastos, as organelas fotossintetizantes das algas unicelulares e das plantas multicelulares. Os plastdios derivam das cianobactrias, os procariotos responsveis pela crise do oxignio. Sua adoo como endossimbiontes seguiu-se provavelmente quela das mitocndrias. As vantagens seletivas que favoreciam a adoo de endossimbiontes fotossintetizantes so bvias. Clulas que antes necessitavam de um suprimento constante de alimento prosperavam, dali em diante, com nada mais que ar, gua, uns poucos minerais dissolvidos e luz. De fato, existe evidncia de que as clulas eucariticas adquiriram os plastdios em pelo menos trs pocas distintas, dando surgimento s algas verdes, vermelhas e marrons. Espcimes do primeiro desses grupos formaram, mais tarde, as plantas multicelulares.

A adoo teve, indubitavelmente, um papel fundamental no nascimento dos eucariotos. Contudo, este no foi o evento principal. Mais significativo (e exigindo um nmero maior de inovaes evolutivas) foi o longo e misterioso processo que tornou possvel essa aquisio: a lenta converso, ao longo de um bilho de anos ou mais, de um ancestral procaritico em um grande micrbio fagoctico, com a maior parte dos atributos das clulas eucariticas modernas. A cincia est comeando a levantar o vu que obscurece essa momentosa transformao, sem a qual a maior parte do mundo vivo, incluindo os seres humanos, no existiria.

Questes sobre Evoluo e Origem das clulas complexas

1) Descreva as semelhanas e diferenas entre organismos procariontes e eucariontes e as relaes evolutivas entre eles.

2) Descreva as hipteses para o surgimento de organelas nas clulas eucariticas.

3) Qual a importncia que a existncia simbitica passou a ter numa atmosfera com concentraes crescentes de O2? Que evidncias suportam a teoria simbitica?

4) Quais so os principais argumentos que justificam o surgimento das clulas atuais a partir da evoluo de um ancestral comum?

5) Que caractersticas estruturais o fagcito primitivo deve ter desenvolvido para tornar-se capaz de englobar uma bactria?

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