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367 R E S U M O A relocalização no verão de 2001 de um dos mais importantes navios antigos jamais descobertos em Portugal, desaparecido após a sua semidestruição por dragagens em 1970, tornou-se, desde logo, uma das primeiras prioridades do CNANS, a qual tem vindo a ser anualmente enquadrada no programa de actividades do CNANS e no âmbito do protocolo de colaboração assinado com a Câmara Municipal de Portimão. A região de proa do navio, que repousava na horizontal no fundo do rio, estendendo-se por uma área de 7 m de compri- mento, foi alvo de duas missões de escavação e registo (2001 e 2002), tendo sido desmontada, peça a peça, numa terceira fase (2003). As campanhas de 2004 e 2005, por sua vez, incidiram sobre a escavação, registo e desmontagem do segundo conjunto arquitectural do casco do navio Arade 1, detectado no final da missão de 2002. Na continuidade da estrutura desmon- tada em 2003, mas dela separada por ruptura e enterrando-se profundamente no lodo, este conjunto corresponde à região central do navio. A B S T R A C T The localisation of one of the most important ancient ships discovered in Portugal during the summer of 2001, vanished after its partial destruction by the dredging Works of 1970, has become one of the priorities of the CNANS, which has been annually framed in the activity program of this centre and in the collaboration protocol signed between IPA and Câmara Municipal de Portimão. The upper portion of the hull, which rested on the bottom of the river Arade over an 7 m long area, was fully observed and recorded during two field seasons (2001 and 2002) and dismantled, piece by piece, in a third phase (2003). The 2004 and 2005 seasons had as goal the excavation, full recording and disman- tling of the lower hull, briefly observed at the end of the 2002 survey. Disassembled from the architectural complex dismantled in 2003 but in its continuity, this second portion of the hull is buried in the sediment and corresponds to amidships. O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 VANESSA LOUREIRO * JOÃO GACHET ALVES ** REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 367-379

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das ... · diu essencialmente sobre a parte exposta do navio, foi efectuado o registo do casco e do cavername, ... (Castro, 2002a)

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R E S U M O Arelocalizaçãonoverãode2001deumdosmais importantesnaviosantigos jamais

descobertosemPortugal,desaparecidoapósasuasemidestruiçãopordragagensem1970,

tornou-se, desde logo, uma das primeiras prioridades do CNANS, a qual tem vindo a ser

anualmenteenquadradanoprogramadeactividadesdoCNANSenoâmbitodoprotocolo

decolaboraçãoassinadocomaCâmaraMunicipaldePortimão.Aregiãodeproadonavio,

querepousavanahorizontalnofundodorio,estendendo-seporumaáreade7mdecompri-

mento,foialvodeduasmissõesdeescavaçãoeregisto(2001e2002),tendosidodesmontada,

peçaapeça,numaterceirafase(2003).Ascampanhasde2004e2005,porsuavez,incidiram

sobreaescavação,registoedesmontagemdosegundoconjuntoarquitecturaldocascodo

navioArade1,detectadonofinaldamissãode2002.Nacontinuidadedaestruturadesmon-

tadaem2003,masdelaseparadaporrupturaeenterrando-seprofundamentenolodo,este

conjuntocorrespondeàregiãocentraldonavio.

A B S T R A C T The localisation of one of the most important ancient ships discovered in

Portugalduringthesummerof2001,vanishedafteritspartialdestructionbythedredging

Worksof1970,hasbecomeoneoftheprioritiesoftheCNANS,whichhasbeenannually

framed in the activity program of this centre and in the collaboration protocol signed

betweenIPAandCâmaraMunicipaldePortimão.Theupperportionofthehull,whichrested

on thebottomof the riverAradeoveran7m longarea,was fullyobservedandrecorded

duringtwofieldseasons(2001and2002)anddismantled,piecebypiece,inathirdphase

(2003).The2004and2005seasonshadasgoaltheexcavation,fullrecordinganddisman-

tlingofthelowerhull,brieflyobservedattheendofthe2002survey.Disassembledfromthe

architecturalcomplexdismantledin2003butinitscontinuity,thissecondportionofthe

hullisburiedinthesedimentandcorrespondstoamidships.

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 VANESSALOUREIRO*

JOãOGAChETALVES**

REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 10. número 1. 2007, p. 367-379

Vanessa Loureiro | João Gachet Alves O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005

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Nodecursodasdragagensde1970,quevisavamodesassoreamentodocanalprincipaledabaciaderotaçãodafozdorioArade,foraminterceptadas,enterradasnolodo,diversasestruturasnáuticasemmadeira(Alves,1999,p.31;Castro,2005,p.55-58).

Umdestesdestroços,denominadoporArade1, foivisitado,poucodepoisdoachado,porumaequipademergulhadoresamadoresdoCentroPortuguêsdeActividadesSubaquáticas(CPAS)eoutradaFederaçãoPortuguesadeActividadesSubaquáticas(FPAS).Deve-seaorelatórioelabo-rado,naocasião,porJoséFarrajotaeMariaMargaridaFarrajotaoconhecimentodealgumasdascaracterísticasessenciaisdestaembarcaçãoesuasprincipaisdimensões(Farrajota,1970).Ospri-meiros esboços, assim como uma descrição mais cuidada, resultaram de uma segunda missãoderegisto,tambémpromovidapeloCPAS,naqualparticiparamalémdeJoséFarrajotaeMariaMargarida Farrajota, Rui de Moura, Fernando Pina e Jorge de Albuquerque (Farrajota, 1970).Noentanto,algunsanosdepoisdasuadescoberta,jámuitodesconjuntado,onavioArade1voltouadesaparecernolodo,semtersidoalvodequalquerintervençãoarqueológica.

ConscientedoenormepotencialarqueológicodorioArade,em2001,oCentroNacionaldeArqueologiaNáuticaeSubaquática(CNANS)empreendeuumamissãodeprospecçãoeinvestiga-çãonoleitodesterio,aqualtinhacomoumdosseusobjectivosestratégicosarelocalizaçãodosnaviosdescobertosnasequênciadasdragagensde1970(Alves,MachadoeCastro,2002,p.3-4).A1deAgostode2001,foramlocalizadososdestroçosdeumnaviodecascoliso,oqualseassociou

Fig. 1 LocalizaçãodosítioArade1.

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 Vanessa Loureiro | João Gachet Alves

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de imediatoaonavioArade1dadécadade70. Com efeito, as duas embarcações pare-ciamostentarcaracterísticasidênticas.

DeacordocomaMemória descritiva das observações subaquáticas feitas em Portimão e cronologia dos acontecimentos que levaram às mesmas,onaviovisitadoem1970pelaequipado CPAS apresentava tabuado liso e cons-trução robusta, encontrando-se quebradoem duas partes: uma encastrada no taludeem bom estado de conservação, como setivesse sido seccionada; a outra, completa-mente desconjuntada, jazia na horizontal,empartes,àfrentedaprimeira,aindaligadaaestaporalgumastábuas.Ascavernas,porseu turno, na parte visível dos topos supe-riores,possuíamumasecçãorectangulardemaisoumenos13cmpor16cm,enquantoas tábuas de forro exterior, com aproxima-damente5cmdeespessura,seencontravamfixas a estas por cavilhas cilíndricas demadeiracom3cmdediâmetro.Asimagensrecolhidasnaépocamostravamaindaaexis-tência de forro interior, relativamente bempreservado.

Noentanto,nemem2001nemnascampanhasarqueológicasqueseseguiram,foramdetec-tadosquaisquervestígiosdesobrequilha,cujapresençahaviasidoatestadaem1970porJorgedeAlbuquerque, nem de escoas e respectivos tabiques, cuidadosamente fotografados pelo mesmoautor.Domesmomodo,dasupostacargadobarco,camadasdegravetosdevideiracobertasporesteiradevime,nãofoiencontradoorasto.AcampanhadeJunho/Julhode2004viriaacontribuirdeformadecisivaparaaidentificaçãodonaviodescobertoem2001comoonavioregistadoem1970.

Fig. 2 EsboçoelaboradoporJ.Albuquerqueem1970.

Fig. 3 Aescoadebombordo.Foto:J.Albuquerque. Fig. 4 Pormenordeumadascavernas.Foto:J.Albuquerque.

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1. As intervenções arqueológicas de 2001 a 2003

Osdestroços,detectadosem2001,encontravam-seseccionadosemdoisconjuntosarquitec-turais.Aextremidadedeproadonavio,queseencontravapraticamenteadescoberto,repousavaa-6mdeprofundidadeeocupava umaáreadeaproximadamente21m2.Umasegundaparteestru-tural,aparentementebastantedesconjuntada,enterrava-seprofundamentenolodoemdirecçãoaW,comoconfirmadoporsondagensrealizadascomlançadejactodeágua(Alves,MachadoeCas-tro,2001,p.5).

Aescavaçãoeregistodestenavio(iniciadoaindaem2001,pelaequipadoCNANS)continuounoverãode2002,sobadirecçãodoProfessorDoutorLuísFilipeCastro,docentenaTexasA&MUniversityeinvestigadordoInstituteofNauticalArchaeology.Duranteestaintervenção,queinci-diuessencialmentesobreaparteexpostadonavio,foiefectuadooregistodocascoedocavername,resultandonumaplantadepormenordaembarcação(Castro,2002a).

Nesteano,constatou-sequeaestruturademadeirahaviasofridoumadegradaçãoacentuadaepreocupante,provocadaporacçãodetaredo navalis,doanode2001paraoanode2002.Assim,visandoaprotecçãopatrimonialdestevestígio,amissãode2003foi totalmenteconsagradaaodesmantelamento da estrutura registada em 2002 (Rieth, Rodrigues e Alves, 2004, p. 4), sob adirecçãodoProfessorDoutorEricRieth,investigadordoCNRSedoMuséedelaMarine,docentenaUniversitédeParis1econsultorcientíficodoCNANS.

DesmontadapeçaapeçaaextremidadedeproadonavioArade1foitransferidaparaasins-talaçõesdoCNANS,encontrando-seactualmenteaocuidadodolaboratóriodeconservaçãoeres-tauro.Compreendendoaimportânciadestevestígioparaoestudodaarquitecturanavalseiscen-tista,aescavaçãoeregistodosegundoconjuntoarquitecturaltornou-senumadasprioridadesdoCNANS.

1. As intervenções arqueológicas de 2001 a 2003

Osdestroços,detectadosem2001,encontravam-seseccionadosemdoisconjuntosarquitec-turais.Aextremidadedeproadonavio,queseencontravapraticamenteadescoberto,repousavaa-6mdeprofundidadeeocupava umaáreadeaproximadamente21m2.Umasegundaparteestru-tural,aparentementebastantedesconjuntada,enterrava-seprofundamentenolodoemdirecçãoaW,comoconfirmadoporsondagensrealizadascomlançadejactodeágua(Alves,MachadoeCas-tro,2001,p.5).

Aescavaçãoeregistodestenavio(iniciadoaindaem2001,pelaequipadoCNANS)continuounoverãode2002,sobadirecçãodoProfessorDoutorLuísFilipeCastro,docentenaTexasA&MUniversityeinvestigadordoInstituteofNauticalArchaeology.Duranteestaintervenção,queinci-diuessencialmentesobreaparteexpostadonavio,foiefectuadooregistodocascoedocavername,resultandonumaplantadepormenordaembarcação(Castro,2002a).

Nesteano,constatou-sequeaestruturademadeirahaviasofridoumadegradaçãoacentuadaepreocupante,provocadaporacçãodetaredo navalis,doanode2001paraoanode2002.Assim,visandoaprotecçãopatrimonialdestevestígio,amissãode2003foi totalmenteconsagradaaodesmantelamento da estrutura registada em 2002 (Rieth, Rodrigues e Alves, 2004, p. 4), sob adirecçãodoProfessorDoutorEricRieth,investigadordoCNRSedoMuséedelaMarine,docentenaUniversitédeParis1econsultorcientíficodoCNANS.

DesmontadapeçaapeçaaextremidadedeproadonavioArade1foitransferidaparaasins-talaçõesdoCNANS,encontrando-seactualmenteaocuidadodolaboratóriodeconservaçãoeres-tauro.Compreendendoaimportânciadestevestígioparaoestudodaarquitecturanavalseiscen-tista,aescavaçãoeregistodosegundoconjuntoarquitecturaltornou-senumadasprioridadesdoCNANS.

Fig. 5 PlantadonavioArade1elaboradaduranteaintervençãode2002(Castro,2002a).

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 Vanessa Loureiro | João Gachet Alves

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2. As intervenções de 2004 e 2005

Coordenadas pelos signatários deste artigo, as intervenções arqueológicas de 2004 e 2005incidiramsobrearegiãocentralepartedaextremidadedepopadonavioArade1,tendosidodetec-tadoumnúcleocoesoextremamentebemconservado,profundamenteenterradonolodo,comaproximadamente4mdecomprimentopor3,80mdelargura.Pelaáreaenvolventedestenúcleo,sobretudoaestibordoeaSW,espalhavam-sepeçasdemadeiradeslocadasdoseucontextoorigi-nal,masemexcelenteestadodeconservação.

Ocascoapresentava-seseccionadoquernaextremidadedeproa(NE)quernaextremidadedepopa(SW).Épossívelquetalsejaconsequênciadeduaspassagensconsecutivasdadragaem1970,como,aliás,opareceatestarasprópriastábuasdecasco,cujamadeiraapresentafibrasrasgadas.Adeterioraçãodasextremidadesdebombordoeestibordo,porsuavez,pareceserapenasresultadodopassardosanosedascondiçõesdejazida.

Osvestígiosjaziamentreos-6meos-12mdeprofundidade,sobreotaludeformadopelasdragagensdadécadade70.Apresentavam,assim,umaorientaçãoNE/SWnosentidoproa/popa,com inclinação de aproximadamente 40º, e SE/NW no sentido estibordo/bombordo. Toda aregião a estibordo da quilha assentava sobre o talude NE/SW, enquanto a bombordo o cascoencontrava apoio no talude SE/NW. É exactamente no posicionamento dos destroços que seencontrajustificaçãoparaoexcelenteestadodeconservaçãodosmesmosabombordodaquilha.Comefeito,grandepartedotabuadodeestibordonãoestariaassentenotalude,tendoacabadoporsesoltardocontexto,oqueexplicaadispersãodetábuasnaáreaaestibordo.

NazonaSW,oamontoadodepeçasdemadeiraapresentaumcarizalgodiferente.Comefeito,paraalémdediversastábuas,cujatipologiaé,porora,difícildereconhecer,surgemescoas,caver-nas,tabiques,braços…Enfim,todootipodepeçassusceptíveisdeintegraremacomposiçãodeum

Fig. 6 PlantadonavioArade1elaboradaduranteaintervençãode2005.

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navio.É,contudo,derealçaraformadascavernasdetectadasnestaárea:trata-sedecavernasfecha-das, ainda não picas, que se localizariam entre a caverna mestra e a popa da embarcação. Estaregiãodoarqueossítiofoisumariamenteregistadaem2005,masnãoescavada,estandoprevistaaconclusãodostrabalhosnoVerãode2007.

OconjuntodosvestígiosarquitecturaisdonavioArade1écompletadopelapresençadeumaenormeâncora,cujatipologiasedesconhece.Comefeito,emboraahasteapresentejá2mdecom-primento, esta peça encontra-se ainda solidamente enterrada. Trata-se, sem dúvida, da âncoraidentificadaem1970porJorgeAlbuquerque(LoureiroeAlves,2005,p.16).Bastanteconcrecio-nada,possuiarganéu,comcercade50cmdediâmetro,umpequenofragmentodocepodemadeiraehastecom20cmdesecçãoeencontra-seinseridanolodosegundoaorientaçãodotaludeedosprópriosdestroçosdaembarcação.

2.1. Conjuntos estruturais funcionais do navio: descrição

2.1.1. Cavername longitudinal

Relativamenteàquilhaeàsobrequilha,poucosepodeparajáadiantar.Aquilha,emexce-lenteestadodeconservação,comaproximadamente4mdecomprimento,éumapeçaúnica,emcujaextremidadedeproaseobservamvestígiosdeumaescarvalisavertical1.Possuisecçãorectan-gular,comcercade17cmdealturae15cmdelargura.EstasdimensõesnãoapresentamvariaçõessignificativasentreascavernasC8eA1-183,emboraapartirdeC8asecçãotendaaaumentargra-dualmenteatéàzonadeligaçãoàrodadeproa2.Apresençadealefrizpareceserconstanteaolongodetodaapeça.

Fig. 7 Identificaçãodaquilhaesobrequilhanaplantageraldonavio.

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A sobrequilha, por sua vez, encontrava-se deslocada da posição original, tombada lateral-mente.Com4,40mdecomprimento,apresenta,nazonadacarlinga,secçãoquadradacom35cmdelargurapor33cmdealtura.Odenteadoencontra-sepreservadopraticamenteaolongodetodaaextensãodapeça,desaparecendonosúltimos80cm,àmedidaqueasdimensõesdaprópriasec-çãosereduzem.Épossívelqueestareduçãosejaresultadodadegradaçãodasobrequilhaenãoconsequênciadoprocessoconstrutivo.Nafacesuperiordasobrequilha,sãovisíveisaindaduasgrandesconcreçõesdeferro,certamentecavilhasférreasqueefectuavamaligaçãoàquilha.Ofrag-mentodequilharecuperadoem2003apresentavatambémnafaceinferiortrêsgrandesconcre-ções,tendosido,aliás,norelatóriodaintervençãode2002,lançadaahipótesedecavilhamentodasobrequilhaàquilha(Castro,2003).

2.2.2. Cavername transversal

OconjuntoarquitecturaldonavioArade1aindacoesopreservavadezcavernas,novebraçosdo ladodeestibordo,dezbraçosdo ladodebombordoeseissegundos-braçostambémabom-bordo.Ocavernametransversalapresentavaumritmo“en plein, en vide”,umamalhaserradaquenãopermiteaexistênciadeespaçamentoentreosparescaverna/braço,numaclaracontinuaçãodasobservaçõesregistadasparaaextremidadedeproa(Loureiro,2004,p.60).

Noqueserefereàscavernas,estasapresentamtalheeafeiçoamentocuidado,secçãorectan-gulareexcepcionalrobustez.Todaspossuemembornaldesecçãorectangulareligaçãoàquilhacompostaporumaouduascavilhas,inseridasverticalmenteapartirdafacesuperiordacaverna.Apresentam dimensões idênticas, sendo excepção apenas as peças A1-143, ligeiramente maisestreita,eA1-179,bastantemaisgrossa,praticamenteodobro,queasrestantes.Estahomogenei-

A sobrequilha, por sua vez, encontrava-se deslocada da posição original, tombada lateral-mente.Com4,40mdecomprimento,apresenta,nazonadacarlinga,secçãoquadradacom35cmdelargurapor33cmdealtura.Odenteadoencontra-sepreservadopraticamenteaolongodetodaaextensãodapeça,desaparecendonosúltimos80cm,àmedidaqueasdimensõesdaprópriasec-çãosereduzem.Épossívelqueestareduçãosejaresultadodadegradaçãodasobrequilhaenãoconsequênciadoprocessoconstrutivo.Nafacesuperiordasobrequilha,sãovisíveisaindaduasgrandesconcreçõesdeferro,certamentecavilhasférreasqueefectuavamaligaçãoàquilha.Ofrag-mentodequilharecuperadoem2003apresentavatambémnafaceinferiortrêsgrandesconcre-ções,tendosido,aliás,norelatóriodaintervençãode2002,lançadaahipótesedecavilhamentodasobrequilhaàquilha(Castro,2003).

2.2.2. Cavername transversal

OconjuntoarquitecturaldonavioArade1aindacoesopreservavadezcavernas,novebraçosdo ladodeestibordo,dezbraçosdo ladodebombordoeseissegundos-braçostambémabom-bordo.Ocavernametransversalapresentavaumritmo“en plein, en vide”,umamalhaserradaquenãopermiteaexistênciadeespaçamentoentreosparescaverna/braço,numaclaracontinuaçãodasobservaçõesregistadasparaaextremidadedeproa(Loureiro,2004,p.60).

Noqueserefereàscavernas,estasapresentamtalheeafeiçoamentocuidado,secçãorectan-gulareexcepcionalrobustez.Todaspossuemembornaldesecçãorectangulareligaçãoàquilhacompostaporumaouduascavilhas,inseridasverticalmenteapartirdafacesuperiordacaverna.Apresentam dimensões idênticas, sendo excepção apenas as peças A1-143, ligeiramente maisestreita,eA1-179,bastantemaisgrossa,praticamenteodobro,queasrestantes.Estahomogenei-

Fig. 8 Identificaçãodascavernas,braçosesegundos-braçosnaplantageraldonavioArade1.

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dadedimensionalregistava-sejánascavernasC6aC17,que,àsemelhançadaspeçasagorareferi-das,seencontramtambémcavilhadasàquilha3.

Algumascavernasapresentamaindanaextremidadedebombordo(A1-145)ouemambasasextremidades(A1-161,A1-149eA1-140)tabuinhasdeenchimentoquepermitiamonivelamentodocavername,possivelmenteparamelhorassentamentodasescoas.

ÉtambémdereferirqueascavernasapresentamumaformaemprocessodeaberturaatéA1-59eemprocessodefechoapartirdeA1-149.Ascavernasentreestasduaspeçasapresentamumplãoplano,sendoexplicitamentevisívelopontoapartirdoqualashastescomeçamaarre-dondarparaacompanharacurvaturadosbraços.Factointeressanteéestascavernasapresenta-remumaformaidênticaàilustradanoLiuro da Fabrica das Naosparaacavernamestra(Oliveira,1580,p.107-108).

Opoçodabombaencontra-seescavadoentreascavernasA1-59eA1-143,atingindoaextre-midadedobraçoA1-60eapresentandoumaformacircularperfeitamenteafeiçoada.

Osbraços,porsuavez,apresentamsecçãoidênticaàdascavernas,atingindo,doladodebom-bordo,comprimentossuperioresa2m.Comefeito,apenasobraçoA1-180temumaspectomaisdelicadoelargurainferioràmédia,rompendo,aliás,comamalhadocavername,ouseja,apenasnestepontoexisteespaçamentoentreosdoispares.Àsemelhançadascavernas,osbraçosmostramtalhecuidadoepossuempraticamentetodos,naextremidadevoltadaparaaquilha,tabuinhasdeenchimento.

Noqueserefereàsligaçõescaverna/braço,estasefectuar-se-iamatravésdecavilhasdemadeiranumamédiade4/5cavilhasporpar.EsteritmoéinterrompidonascavernasA1-143eA1-161,cujocavilhamentoémaisabundante.UmaparticularidadedonavioArade1resideexactamentenosis-tema de pregadura do cavername. Com efeito, para além das ligações entre o par caverna/braço,observa-sealigaçãoentreosprópriospares,comexcepção,comoreferido,dosparesA1-179/A1-180eA1-181/A1-182.Aorientaçãoperfeitamentehorizontaldascavilhasétambémbastanteelucidativa,umavezquenosremeteparaaligaçãodocavernametransversalantesdacolocaçãodocasco.

Porsuavez,ossegundos-braços,emboraderobustezidênticaàdasrestantespeçasdecaver-name,apresentamumtalhemenoscuidado.Domesmomodo,nãoparecetersidopreocupaçãodoscarpinteirosamanutençãodeumamalhaplenanestaregiãodonavio.Ossegundos-braçosencontram-seexclusivamentecavilhadosaotabuadoexterior.

2.2.3. Forro

Tabuado exteriorAstábuasdecascodonavioArade1encontram-sedispostas“à franc bord”semqualquerliga-

çãoentreelas.Ouseja,trata-sedeumnavioqueapresentaumcascoliso,vulgarizadoemtodaafachadaatlânticaemediterrânicadesdeaAntiguidadeClássica.Astábuasencontram-sedirectaeunicamentefixasaocavernametransversaldonavio,numalógicadeduascavilhasporcaverna,braçoousegundo-braço,processoconstrutivoqueremonta,paraomesmoespaçoterritorial,àAltaIdadeMédia.

Contam-sedezfiadasdetábuasabombordodaquilha,numtotaldedezanovepeças,eseisaestibordo,numtotaldesetepeças.Aoníveldarelaçãoentreasduasmetadesdocascoédedestacaraaparentehomogeneidadedimensionaldastábuas,ouseja,emboraaspeçasapresentemtodasdimensõesdistintas,atábuaSt1BbapresentaumalarguraidênticaaSt1Eb,St2BbaSt2Ebeassimsucessivamente.

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 Vanessa Loureiro | João Gachet Alves

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Porsuavez,aligaçãoentreastábuasdeumamesmafiadaefectua-seatravésdeumaescarvalisahorizontalquepermiteumencaixedaspeçastopoatopo.Emboraastábuasdecascoseencon-tremfixasaocavernametransversalexclusivamenteporcavilhasdemadeira(numalógicadeduascavilhasporpeçadecavername4),nazonadaescarvapodemosobservar,semexcepção,apresençadedoispregosdeferro,numclaroreforçodaligaçãoentreastábuas,talcomosucedenaextremi-dadedeproadonavioArade1(Loureiro,2004,p.77).

Astábuasapresentamcomprimentosdiversos,podendoatingiros3,20m(St4Eb).Aslargu-rasoscilamentre25cmeos31,5cm,emboraadimensãomais comumse situeemtornodos28cm/29cm.Asespessurasoscilamentreos4,5cmeos5,5cm.

Étambémdereferiraexistênciadedoisconjuntosdetábuasmaisfinos,peçasdeligaçãoentreastábuasSt8BbeSt9Bb(St8/9Bb)eentreastábuasSt5BbeSt6Bb(St5/6Bb),situaçãojádetectadanoconjuntoestruturaldeproa,masparaoladodeestibordo(Loureiro,2004,p.77).Naregiãoesti-bordoexterioraosdestroços,foramaindaencontradasduaspossíveisprecintas—estastábuasapre-sentamumaespessuraquecorrespondeaodobrodadasvulgarestábuasdecasco.

Astábuasderesbordoapresentamcaracterísticasidênticasàsdasrestantestábuas,emboraaespessurasejaligeiramenteinferior.Domesmomodo,nãoexistequalquerescarvadeligaçãoentreastábuas,encontrando-seaspeçasapenasencostadastopoatopo.Estasnãoapresentamsistemadeligaçãoàquilha—aextremidadedecontactocomaquilhaemchanfroencaixadirectamentenoalefriz.Estaconstataçãovaiaoencontrodahipótesedequeospregosdeferrofixandoastábuasderesbordoàquilhaapenasexistemnaextremidadedeproadonavio(Loureiro,2004,p.79).

Tabuado interiorNesta região do navio Arade 1, os vestígios de tabuado interior são muito escassos, resu-

mindo-seàpresençadaescoadebombordoedatábuaimediatamenteaseguir,aindain situ.Quanto

Fig. 9 IdentificaçãodotabuadoexteriornaplantageraldonavioArade1.

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àspeçasamontoadasnaáreaSW,muitascorresponderãocertamenteatábuasdeforrointerior,masaindanãoseprocedeuàsuacompletaidentificação.

Aescoaapresenta3,50mdecomprimentoeespessuraidênticaàdatábuaseguinte(6cm),fechando,atravésdainserçãodetabiquesnaextremidadebombordodascavernas,oespaçoentreosbraços,demodoaevitarainfiltraçãodedetritos.Estapeçaencontrava-seligadaapenasaalgunsbraçosatravésdeumacavilhainseridanodentedaescoa.Muitosdosdentesforamfracturadosduranteoprocessodedesmontagemdonavio,porserimpossívelacolocaçãodeumaserraentreaescoaeobraço.In situencontravam-seaindanovetabiques.Estesnãoestavampregadosanenhumapeça,mostrando,pelaorientaçãooblíquaepeloentalamentoperfeitoentreosbraços,teremsidoinseridosamartelo.

Quantoà tábuade forro interiorpropriamentedita,nadaháa registar, exceptoopadrãoperfeitamente aleatório do cavilhamento às cavernas e braços, numa contradição ao verificadoduranteadesmontagem,em2002,dotabuadodaextremidadedeproadonavio(Castro,2003).

3. Análise e problemáticas

ArobustaconstruçãodonavioArade1évisíveltantoaoníveldocavernametransversalcomodocavernamelongitudinal.Todasaspeçasessenciaisdaembarcaçãoapresentamdimensõesesec-çõespoderosas,existindoumcuidadoespecialnoseutalheeafeiçoamento.Estaideiaderobustezétambémtransmitidapelamalhaplenadocavernameepeloprópriosistemadepregadura,base-ado,essencialmasnãoexclusivamente,emcavilhasdemadeira.Otabuadoliso,porsuavez,ondesão visíveis vestígios de uma argamassa branca certamente destinada à calafetagem das juntas,envolvetodoesteconjuntoestrutural,nãoparecendo,contudo,deterumpapelessencialnopro-cessoconstrutivo.

Fig. 10IdentificaçãodotabuadointeriornaplantageraldonavioArade1.

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Parajá,todososindíciosparecemapontaronavioArade1comoumaembarcaçãoconstruídacombasenoprincípio“esqueleto-primeiro”econcebidaatendendoàpredeterminaçãoformaldocavername—queristodizerqueaformadocascoparecetersidodefinida,recorrendoaprocessoseinstrumentosespecíficos,apartirdodesenhoindividualdaspeçasdocavername.Porém,antesdeseefectuaremquaisquerconclusõesdefinitivas,énecessárioatendereanalisarcuidadosamentealgunspontos:

⋅ embora o cavilhamento caverna/braço apresente orientação perfeitamente horizontal, énecessáriocompreendercomoseefectuaaligaçãoentreosdiversosparese,sobretudo,enten-derasuasignificaçãonopróprioâmbitodaarquitecturadonavio;

⋅ apesardeotabuadodecascoseencontrarexclusivamentefixoaocavername,éimportanteobservaremquesentidoseefectuaocavilhamento (exterior/interiorou interior/exterior),qualarelaçãoentreoposicionamentodascavilhasdemadeiraedospregosdeferroedequemodo,ouqualasequênciaemqueforaminseridosossegundos-braços;

⋅ ascavernasmaiscentraisapresentamumamorfologiamuitopróximadaretratadapeloPadreFernandoOliveiraparaacavernamestra,comofundoplanoehastesaencurvarcombasenomodelodacircunferência5.Será,contudo,interessanteanalisarseoarcoformadoporcadacavernadonavioArade1erespectivosbraçossebaseianumacircunferênciademesmocentroeseessecentroécomumatodasascavernas;

⋅ verificar se existe alguma relação geométrica entre a morfologia das peças do cavernametransversaleumaqualquerrelaçãodimensionalentreesteconjuntofuncionaleocavernamelongitudinal;

UmaoutraproblemáticaqueselevantaemtornodonavioArade1respeitaàrelaçãoentreascaracterísticasprimáriasdonavio,comosseusparticularismos,comumapossívelorigemregional.Porora,aexistênciadeumatradiçãodeconstruçãocomumaosestaleirosnavaisfluviaisemarítimosdaregiãodoArade,entendidanavertentedebaciafluvial,estuárioelitoralenvolvente,éapenasumalinhadeinvestigação,namedidaemqueasfonteshistóricassãoescassaseausentesdeinformaçãoeosvestígiosarqueológicosseresumemadoissítioscoerentes—umdosquais,GEO5,dedataçãoposterioraoséculoXVII(Fonseca,2005,p.15).Contudo,estalinhadeorientaçãonãodeveráserdeimediatocolocadadelado,sobretudoapósaidentificaçãodeumconjuntodeduasdezenasdeamos-trasdemadeirasprovenientesdaestruturadonavioArade1.Todososfragmentosforamidentifica-doscomopertencentesaogéneroQuercus, reconhecendo-seanívelespecíficomadeiradecarvalhocerquinho(Q. fagineaLam.)—73%dasamostras—edesobreiro(Q. suberL.)—11%asamostras(Quei-roz et al., 2005, p. 2). O carvalho cerquinho é, como se sabe, uma espécie de distribuição ibérica,enquantoosobreiroseencontrapresenteemtodaaregiãomediterrânica,peloqueumaprovávelori-gemregional,pelomenos,paraaproveniênciadasmadeirasnãoéumahipótesesemfundamento.

4. Considerações finais

Atéaomomento,alvodecincointervençõesarqueológicas(numtotalde245diasdetrabalhodecampo,perfazendo1237imersões,correspondendoa1700horasdemergulho),onavioArade1éumadasprioridadesdoCNANSnoâmbitodeumadassuaslinhasdeinvestigação,a“ArqueologiadeNavios”.DatadodeentreasegundametadedoséculoXVeaprimeirametadedoséculoXVII,estearqueossítioapresentaduplaimportância.

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Quadro 1. Datações de radiocarbono relacionadas com o navio Arade 1

Ano de datação Ref. do laboratório Natureza da amostra Tipo de amostra Idade (BP) Data calibrada (cal AD)

1σ 2σ

1972 GrN-7978 Desconhecida Madeira 325±25*

1992 ICEN-520 Desconhecida Madeira 420±50** 1433-1481 1410-1520

1563-1630

2003 Beta-179040 Cavilha Madeira 420±50*** 1430-1490 1420-1530

1560-1630

2003 Beta-179041 Braço Madeira 320±40*** 1500-1640 1460-1660

2003 Beta-179042 Caverna Madeira 350±40*** 1470-1530 1450-1650

1550-1630

* Nãoseconhecemascurvasdecalibração(Alves,1993,p.151-163).**StuiverePearson,1986,p.805-838.***Stuiveretal.,1998,p.1041-1083.

Porumlado,dopontodevistaarquitectural,destaca-sepeloseuexcelenteestadodeconser-vação.Entreosvestígiosnáuticosescavadosnacostacontinentalportuguesa,éoúnicoqueapre-sentapreservado,praticamentena íntegra, todoocavernamedesdearodadeproaatéàregiãomestra do navio, chegando a ultrapassá-la numa extensão, por ora, desconhecida. Do mesmomodo,aspeçasdemadeiraencontradasnasimediaçõesdaestruturacoesa,foradecontextomasperfeitamenteintactas,permitem-nosencararestenaviocomoumverdadeiropuzzlequeserápos-sível reconstruir a uma escala inusitada. Com efeito, a descoberta, a SW da estrutura, de umacavernadepopajábastantefechadapermitir-nos-álevantarhipótesesquantoàmorfologiadestaextremidadedoArade1,earecuperação,naregiãoenvolventedeestibordo,deduasprecintasé,porsuavez,significativanoquerespeitaàstécnicasdeconcepçãoeconstruçãodonavio.

Quanto à integração deste arqueossítio numa qualquer tradição de construção naval, osdadossãoaindabastanteescassoseapenasapósaconclusãodetodosostrabalhosdearqueografiaeanálisedasobservaçõesefectuadassepoderãocomeçaratecerhipóteses.Contudo,parececertoqueonavioArade1viráaindaasuscitardiversasquestões…

Noqueserefereàassociaçãodestenavioaredesdenavegaçãooucomércio,tambémnãosepodeparajáadiantarmuito.Aliás,esteétalvezumpontoquesemanteráparasempreinconclu-sivo,umavezqueosartefactoseosvestígiosvegetaisrecuperados,bastanteescassos,nadaadian-tam.Comefeito,oespóliorecuperadoentreascavernasenasimediaçõesdonavioArade1resume--seadoispratoseumatacinhadeestanho,aumaanforeta,aumcaldeirãoeafragmentosdiversosdecerâmicacomum,entreosquaisfoipossívelidentificarumpratoesmaltado,algumastaçasetacinhas(Castro,2003a;LoureiroeAlves,2005,p.46-68).Trata-se,nasuamaioria,depeçascarac-terísticasdosséculosXVIeXVII,porém,nãosepodeafirmarseeramcargaouobjectosdousoquotidianodatripulação.Domesmomodo,osgravetosdevideira6eosvestígiosdevime(LoureiroeAlves,2005,p.16) eanoz (Castro,2003a) encontradosentreocavernamenãosãoexplícitosquantoàsuafunção.

AúltimacampanhaarqueológicanosítioArade1,previstapara2007,incidiránaescavaçãodaáreaaSWdaestruturacoesa,queseencontrarepletadepeçasisoladas.Asobservaçõesefectua-dasnãopermitemprever,parajá,quesevenhaaencontrarumterceiroconjuntoarquitecturalemconexão.

O navio seiscentista Arade 1: resultados preliminares das intervenções arqueológicas de 2004 e 2005 Vanessa Loureiro | João Gachet Alves

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NOTAS

* Arqueóloga,BolseiraFundaçãoparaaCiênciaeTecnologia,

ColaboradoraCNANS/IPA.** Arqueólogo,CNANS/IPA.1 Ofragmentodequilharecuperadoem2003éconstituídopor

doistroçosunidosporumaescarvalisavertical,quesedesenvolvia

entreascavernasC8eC10.Afixaçãodaescarvaeraasseguradapor

duascavilhasemmadeiraqueatravessavamtransversalmentea

quilhaereforçadapordoispregosemferroinseridosnas

extremidadesdebombordoeestibordodaescarva.Estemétodode

fixaçãomistorevelaumsistemadecoesãolongitudinalrobusto

(Loureiro,2004,p.44-45).2 AoníveldacavernaC4,asecçãoapresenta22cmdealturapor

14cmdelargura(Loureiro,2004,p.45).Arodadeproavaimanter

umasecçãoidêntica(com25cmdealturapor17cmdelargura),

apresentandotambémalefrizaolongodetodaasuaextensão,

numaclaracontinuaçãodaquilha(Loureiro,2004,p.48).3 AscavernasC2aC5apresentamdimensõesquenãoobedecema

qualquerpadrão,assimcomoumaestruturamaisamplaerobusta

etalhemenoscuidado.Estascavernasdistinguem-seaindadas

restantespornãoapresentaremqualquersistemadefixaçãoà

quilha(Loureiro,2004,p.68-70).4 Naspeçasdelargurareduzida,observa-seapresençadeumaúnica

cavilha.5 ComorecomendanoLiuro da Fabrica das Naos,«Chamão couado

onde a cauerna começa a fazer a uolta para cima. A qual uolta ha de fazer

em redondo (…). Do couado para cima chamão braço. Este tambem ha

de uoltar em redondo, pellas mesmas rezões; & o seu couado ha de começar

a fazer sua uolta, de maneyra a que a uolta de ambos seja hữa mesma,

feyta com hum rol, & sobre hum mesmo centro»(Oliveira,1580,p.106).6 EstesforamidentificadospeloCentrodeInvestigaçãoem

PaleoecologiahumanaeArqueociênciascomoVitis viniferaL.

(Queirozetal.,2005,p.4-5)edatadospor14C,peloInstituto

TecnológicoeNuclear,de210±40BP,oquecorresponde,para

doissigma,aosintervalosprováveisde1530-1537calADe1635-

-1696calAD(SoaresePrudêncio,2005).

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