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O NEGRO NO PÓS-ABOLIÇÃO (1879 - Operação de ... · situação do afro descendente dentro do contexto econômico, educacional, social, bem como as desigualdades advindas desde

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O NEGRO NO PÓS-ABOLIÇÃO (1879 – 1930)

Autor: João Batista da Fonseca Junior1

Orientador: Ricardo Tadeu Caires Silva2

Resumo: Este artigo visa compreender as condições de vida dos negros no período pós-abolição da escravatura no Brasil, em 1888. Procura destacar as visões de li-berdade e projetos de vida dos negros no período pós-abolição com vistas a des-construir as abordagens que viram nos mesmos apenas indivíduos excluídos e mar-ginalizados, que assistiram passivamente às transformações históricas emergiam das mudanças na estrutura produtiva mundial. Dessa forma, pretende-se demonstrar que a população afrodescendente procurou se organizar para conquistar a cidadania e o acesso a condições dignas de moradia e trabalho; além, é claro, de preservar sua cultura ancestral. Palavras-chave: negro, pós-abolição, historiografia, História do Brasil.

1. Introdução

Este texto é fruto do trabalho desenvolvido por meio do PDE – Programa de

Desenvolvimento Educacional, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná

(SEED), em parceria com a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universi-

dade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí. O PDE constitui-se como uma

política educacional de formação continuada dos professores da Rede Pública Esta-

dual, através de um conjunto de atividades organicamente articuladas, “definidas a

partir das necessidades da Educação Básica, e que busca no Ensino Superior, a

contribuição solidária e compatível com o nível de qualidade desejado para a educa-

ção pública no Estado do Paraná” (SEED, 2007).

O tema escolhido para o desenvolvimento do nosso projeto foi o negro no perí-

odo pós-abolição da escravatura. Como se sabe, a abolição da escravidão não e-

1 Professor de História do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino do Paraná na cidade de Para-

navaí- Pr. 2 Doutor em História pela UFPR. Professor do curso de História da Unespar - Campus de Paranavaí.

quacionou os problemas sociais do nosso país, porque não houve uma política vol-

tada a inclusão dos recém libertos no mercado de trabalho ou mesmo a criação de

melhores condições de vida dentro da sociedade. Conforme destacou a historiadora

Marina de Mello e Souza,

a maioria dos negros e mestiços foi mantida nos segmentos mais desfavorecidos da população, não só pela precariedade das oportu-nidades oferecidas para a sua educação e aprimoramento profissio-nal, como também pela preferência por pessoas de pele mais clara para ocupar os melhores cargos no mercado de trabalho. Essa dis-criminação, baseada não só em fatores econômicos mas também de aparência física, persiste ainda hoje, mesmo com as mudanças de pensamento, sensibilidade e comportamento ocorrida a partir dos anos 1960 (SOUZA, 2005, p.142-143).

Assim, é de fundamental importância para o povo brasileiro ter o entendimento

da forma nociva que foi submetido toda população negra, a qual, em sua grande

maioria, ficou sem oportunidades ou com o mínimo de condições de ter uma vida

digna de todo e qualquer cidadão brasileiro. Nesse sentido, o problema central a ser

abordado neste artigo gira em torno da questão do exercício da cidadania e seus

significados para a sociedade brasileira.

O período escolhido para o estudo compreende os anos de 1879 e 1930. Tal

recorte justifica-se pelo fato de o ano de 1879 simbolizar o início da luta abolicionista

no Brasil, neste que foi o nosso primeiro movimento social.3 Da mesma forma, 1930

marca o final da chamada Primeira República e o início da denominada Revolução

de 1930.4

Tomando por base estas balizas temporais, investigamos como a população

negra liberta da escravidão se inseriu na nova ordem social inaugurada com a pro-

clamação da República. Ou seja, procuramos saber quais foram as políticas sociais

implementadas pelo governo para melhorar a inserção social dos novos cidadãos

brasileiros. Também procuramos identificar se as marcas oriundas da escravidão

foram conservadas ou não e quais os mecanismos que a população negra lançou

mão para sobreviver.

Compreender historicamente como os negros se inseriram no novo regime

que se implantava é fundamental pode nos ajudar a identificar, nos dias atuais, a

3 Ver NABUCO, Joaquim, O abolicionismo. 3ª edição. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

4 Ver FAUSTO, Boris: A Revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1972.

situação do afro descendente dentro do contexto econômico, educacional, social,

bem como as desigualdades advindas desde a abolição, as falhas nas políticas go-

vernamentais, racismo e abandono. Pretendemos, dessa forma, propor a discussão

e o entendimento histórico dos motivos que causaram esta injustiça social.

Por fim, gostaríamos de salientar que a opção pela temática decorreu da sua

relevância social. Com o advento das leis n.º 10.639, de 09 de janeiro de 2003 e n.º

11.645/08, o ensino de História e Cultura afro-brasileira tornou-se obrigatório na gra-

de curricular dos níveis fundamental e médio das instituições públicas e particulares.

Sendo assim, para dar subsídio a estas ações é fundamental que os professores

estejam capacitados e atualizados quanto ao conhecimento da história e cultura da

população afro descendente, sobretudo em se tratando de um período em que a his-

toriografia ainda é pouco frutífera e os materiais didáticos ainda são escassos e su-

perficiais.

Fundamentação Teórica

Os referencias teóricos que nortearam nossa pesquisa estão ancorados nos

pressupostos do materialismo histórico dialético (marxismo).5 Conforme salienta Eric

Hobsbawm, a grande contribuição de Karl Marx para as ciências sociais em geral “é

a sua teoria da “base e superestrutura”, ou seja, o seu modelo de sociedade com-

posta de diferentes “níveis” de interação”.6 Nesse sentido, procuraremos abordar a

temática a partir de conceitos fundamentais do marxismo, tais como, formação social

ideologia e luta de classes.

Marx parte da premissa de que os homens é que fazem sua própria história

(agentes históricos) e que a produção da vida material determina a sua organização

social e impulsiona o seu desenvolvimento histórico. Ou seja, estes é que constroem

sua própria história de vida, pois são suas ações que determinam o que a sociedade

é. Contudo, Marx alerta que os homens não fazem a história como querem, mas sim

dialeticamente:

5 Nesse sentido, para além da obra do próprio Karl Marx, dialogaremos com outros autores marxistas

como E. P. Thompson, Eugene D. Genovese e Eric Hobsbawm. 6 Hobsbawm, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 161.

Os seres humanos fazem a sua vida (social), a sua história e a histó-ria geral. Mas não fazem a história em condições por eles escolhidas, determinadas pela sua vontade. Isto porque, para o marxismo, na a-tividade real de qualquer ser humano há uma parcela de passividade, mais ou menos grande, e que diminui com o progresso do poder e da consciência humana, mas nunca desaparece de todo. (LEFEBVRE: 1979, p.55).

Para além das leituras da obra de Karl Marx e Friedrich Engels, também lan-

çaremos mão da contribuição de outros marxistas, sobretudo os da Escola Marxista

Inglesa, em especial o fato de que, para estes, o mundo da cultura passa a ser exa-

minado como parte integrante do ‘modo de produção’, e não como mero reflexo da

infra estrutura econômica de uma sociedade.7 Para E. P. Thompson, por exemplo,

“classe” é uma categoria histórica, ou seja, deriva de processos sociais através do

tempo; é processo e relação. Na definição thompsoniana de classe a dimensão do

conflito, bem como a da dominação que lhe explica, são elementos que não se pode

expurgar para se chegar à consciência:

Para dizê-lo com todas as letras: as classes não existem como enti-dades separadas que olham ao seu redor, acham um inimigo de classe e partem para a batalha. Ao contrário, para mim, as pessoas se vêem numa sociedade estruturada de certo modo (por meio de re-lações de produção fundamentalmente), suportam a exploração (ou buscam manter poder sobre os que as exploram), identificam os nós dos interesses antagônicos, se batem em torno desses mesmos nós e no curso de tal processo de luta descobrem a si mesmas como uma classe, vindo pois a fazer a descoberta de sua consciência de classe. Classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real. (THOMPSON: 2001, p.274).

A aproximação teórica e política da obra do historiador E. P. Thompson com

os estudos sobre a escravidão no Brasil tem sido cada vez mais fecunda. Em co-

mum, estes estudos têm como premissa a necessidade de destacar que, malgrado

as injustiças derivadas do sistema escravista, os milhares de escravos africanos que

aqui desembarcaram forçosamente e seus descendentes contribuíram significativa-

mente para a prosperidade econômica e cultural do Brasil.

7 Dentre os autores quem fazem parte desta “escola” podemos citar Eric Hobsbawm, Christopher Hill

e E. P. Thompson e Raymond Williams.

A historiografia e o negro no pós abolição

A historiografia brasileira já produziu inúmeros estudos sobre a escravidão e o

processo de abolição.8 Contudo, ainda são poucos os trabalhos que dão conta de

explicar as condições de vida do negro no período pós-abolição. Ou seja, pouco ou

quase nada sabemos sobre os destinos dos milhares de homens e mulheres que se

libertaram após o treze de maio de 1888. Por outras palavras, em que atividades

produtivas se inseriram? Que oportunidades de educação lhes foi ofertada? Quais

foram as suas condições de moradia, de lazer, de sociabilidade, etc.? De que forma

encararam a nova vida? “Terminada a festa o que aconteceu com o negro?”9

O tema da integração do negro na nova ordem que se instaurou após a aboli-

ção e a queda da monarquia já mereceu importantes trabalhos sociológicos e histo-

riográficos, muitos dos quais fundados em determinadas correntes do marxismo. Um

destes estudos é o clássico A integração do negro na sociedade de classes, escrito

pelo sociólogo Florestan Fernandes, um dos líderes da “Escola Paulista de Sociolo-

gia”.10 Na obra, o autor defende que, da forma como foi feita, a abolição condenou

os negros a posições marginais no mercado competitivo de trabalho, pois as oportu-

nidades oferecidas para estes e mulatos após a abolição estavam longe de oferecer

dignidade e oportunidades de ascensão social.11 Assim, a escravidão teria atuado no

sentido de perpetuar o racismo na sociedade brasileira. Por isso, as oportunidades

de trabalho eram escassas e a vadiagem, a criminalidade e “incorporação à escória

do operariado” traduziam-se como principais expectativas para os negros. A crimina-

lidade passou a apresentar-se como um caminho “natural” para negros libertados,

pois além dos caminhos de auto-afirmação parecerem bloqueados para os ex-

cativos: “só o vício e o crime ofereciam saídas realmente brilhantes ou sedutoras de

carreiras rápidas, compensadoras e satisfatórias”.12 Assim como Fernandes, os tra-

8 Sobre os estudos acerca da escravidão no Brasil ver. QUEIRÓZ, Suely R. R de. Escravidão Negra

em Debate. In: FREITAS, Marcos C. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 2001, p.103-117; SCHWARTZ, Stuart B. A historiografia recente da escravidão brasileira. In: SCH-WARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2001, p.21-57. 9 SANTOS, Joel Rufino dos. A questão do negro na sala de aula. São Paulo: Ática, 1990, p.34.

10 FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978.

11 FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978.

vol. 1, pp.48-51. 12

FERNANDES, Florestan. A Integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978. vol. 1, p.99.

balhos de Fernando Henrique Cardoso e Otavio Ianni também denunciam o racismo

como uma herança da escravidão. Segundo os autores, os negros eram alvo da dis-

criminação racial e levavam desvantagem na estrutura socioeconômica em relação

aos brancos, o que limitava suas chances de mobilidade social.13

Embora os trabalhos acima citados tenham tido o inegável mérito de denunci-

ar as péssimas condições de vida e a falta de políticas públicas para a população

afrodescendentes, tais enfoques acabaram por construir uma visão por demasiado

negativa dos negros, de modo a pouco enfatizar as experiências positivas de resis-

tência ao sistema que lhes oprimia. Tal visão acabou por transpor-se para os manu-

ais escolares e ainda hoje permanecem fortes, malgrado o advento de outras produ-

ções contestando parcialmente estas conclusões, conforme constatou Álvaro do

Nascimento,

A maior parte dos autores dos livros didáticos ainda não conseguiu perceber que há uma produção historiográfica recente contestando parte das conclusões de Octavio Ianni e Florestan Fernandes. Pro-dução esta que lança um novo olhar sobre o processo que levou a abolição, revela a participação dos negros como indivíduos constru-tores de suas próprias histórias (refutando a ideia de anomia dos ne-gros) e que, independentemente da escravidão, entende a perpetua-ção do racismo como fator determinante para a pouca mobilidade so-cial de homens e mulheres negras no Brasil até os dias de hoje (NASCIMENTO, 2005: 19).

Nas últimas décadas, contudo, muitos historiadores têm se dedicado a estu-

dar as condições de vida das classes populares bem como da população negra, e-

gressa do cativeiro. Dentre estes estudos podemos citar os trabalhos de Hebe Mat-

tos e Ana Maria Rios, Sidney Chalhoub, José Murilo de Carvalho, Walter Fraga Fi-

lho, Petrônio Domingues dentre outros.14 Estes trabalhos procuram demonstrar que

os negros egressos do cativeiro possuíam seus projetos de vida, suas visões de

mundo sendo, portanto, agentes da história. Todavia, estas produções ainda estão

muitos circunscritas ao rol de especialistas e, portanto, pouco são vistas nos cursos

de graduação em História, de modo que os futuros profissionais não saem prepara-

13

Ver CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Otavio. Cor e mobilidade social em Florianópolis: as-pectos das relações entre negros e brancos numa comunidade do Brasil Meridional. São Paulo: Edi-tora Nacional, 1960, p. 235. 14

RIOS, Ana Lugão e MATTOS, Hebe. Memórias do Cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós- abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liber-dade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870/1910). Campinas: Editora da Unicamp, 2006; Domingues, Petrônio. A nova abolição. São Paulo: Selo Negro,2008.

dos para abordar de forma mais eficaz o período histórico em questão. Por isso, a

leitura destas novas produções e sua aplicação na Educação Básica se torna urgen-

te e necessária.

O desenvolvimento de uma nova historiografia social da escravidão no Brasil

tem promovido uma releitura acerca da escravidão e do papel do negro na socieda-

de brasileira. Segundo Ana Rios e Hebe Mattos (2005: p.177), este novo olhar impli-

cou uma abordagem das sociedades pós-emancipação mais centradas nas experi-

ências dos libertos, no estudo de suas aspirações e de suas atitudes em face ao

processo emancipacionista e dos novos contextos sociais por eles produzidos.

De acordo com os historiadores Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho,

passada a festa, os ex-escravos procuraram distanciar-se do passa-do de escravidão rechaçando papéis inerentes à antiga condição. Em diversos engenhos do Nordeste eles se negaram a receber a ração diária e a trabalhar sem remuneração. Inegavelmente, os dias que se seguiram à abolição foram momentos de tensão, pois estavam em disputa as possibilidades e limites da condição de liberdade. (ALBU-QUERQUE e FRAGA FILHO: 2007, p.196).

Partindo da leitura destas obras, buscamos realizar as atividades pedagógicas

trazendo à tona as visões de liberdade e projetos de vida dos negros no período pós

abolição com vistas a desconstruir as abordagens que viram nos mesmos apenas

indivíduos excluídos e marginalizados, que assistiram passivamente às transforma-

ções históricas emergiam das mudanças na estrutura produtiva mundial. Com isso,

evidenciamos aos alunos que a população afro-descendente procurou se organizar

para conquistar a cidadania e o acesso a condições dignas de moradia e trabalho;

além, é claro, de preservar sua cultura ancestral:

Para os ex escravos e para as demais camadas da população negra, a abolição não representou apenas o fim do cativeiro. Para eles a abolição deveria ter como consequência também o acesso à terra, à educação e aos mesmos direitos de cidadania que gozava a popula-ção branca. (ALBUQUERQUE e FRAGA FILHO: 2007, p.198).

Um dos importantes instrumentos de luta contra a discriminação racial e a

falta de oportunidades foram as Associações dos Homens de Cor.15 Formadas prin-

15

Sobre as associações dos homens de cor ver, dentre outros, o trabalho de PIRES, Antônio Liberac Cardoso Simões. As associações dos homens de cor e a imprensa negra paulista. Belo Horizonte: Ed. Daliana, 2006.

cipalmente nos grandes centros urbanos, estas entidades defendiam os interesses

da população e ofereciam espaço para a prática de atividades culturais, como a ca-

poeira e a religião.

Outro mecanismo bastante importante na defesa dos interesses da gente

negra no período republicano foi a chamada “a imprensa negra”.16 Por meio de jor-

nais como O Voz da Raça, órgão de comunicação da Frente Negra Brasileira, e o O

Getulino, os militantes procuraram lutar contra o racismo, a repressão às práticas

culturais das comunidades negras, como a capoeira e o samba, defender melhores

condições de trabalho,etc. Segundo Petrônio Domingues,

A imprensa negra foi pioneira na tarefa de propor alternativas concre-tas para a superação do racismo na sociedade brasileira. Havia certo consenso de que a educação era o instrumento mais eficaz para se realizar esse processo. Educar a população descendente de escra-

vos era uma questão de princípio.17

Os exemplos são vários e demonstram que, apesar da falta de uma políti-

ca de estado voltada para eles, os negros souberam se organizar na busca de me-

lhores condições de vida e trabalho bem como pela aquisição da plena cidadania.

A Implementação da proposta de intervenção na Escola

As ações pedagógicas previstas no projeto formam desenvolvidas no Colégio

Estadual Leonel Franca – EFM Ensino Médio, junto aos alunos das turmas do 3° ano

de História. Nesse sentido, desenvolvemos uma Unidade Temática abordando a His-

tória do negro no período pós abolição, tal como preconiza as Leis 10. 639/03 e

11.645/08 e também a Deliberação CEE-PR nº 04/06. Recorremos à História temáti-

ca justamente pelo fato de as Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Médio

enfatizarem que “a organização do trabalho pedagógico por meio de temas históri-

cos possibilita ao professor ampliar a percepção dos estudantes sobre um determi-

16

Sobre a imprensa negra consultar DOMINGUES, Petrônio. A nova abolição. São Paulo: Selo Ne-

gro, 2008. 17

DOMINGUES, Petrônio. Consciência de cor. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, n° 11, agosto de 2006.

nado contexto histórico, sua ação e relações de distinção entre passado e presente”

(Diretrizes Curriculares de História do estado do Paraná, 2008: p.76).

Adotamos como ponto de partida o Livro Didático Público de História [vários

autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006], especialmente o capítulo referente às “Rela-

ções de trabalho” da Unidade Temática I: Trabalho Escravo e trabalho livre. Busca-

mos abordar a temática escolhida a partir da análise de diferentes fontes documen-

tais – documentos manuscritos, impressos, imagéticos e audiovisuais -, nas quais as

experiências escravas sejam evidenciadas de forma a destacá-los como sujeitos

ativos do processo histórico. Neste sentido, “a intenção do trabalho com documentos

em sala de aula é de desenvolver a autonomia intelectual adequada, que permite ao

aluno realizar análises críticas da sociedade por meio de uma consciência histórica”

(Bittencourt, 2004).

A carga horária (32 aulas) foi trabalhada em 16 encontros de 02 (duas) horas

cada, nos quais forma problematizados os seguintes conteúdos: as lutas pela aboli-

ção; a proclamação da República e o negro; a nova ordem e a cidadania; as visões

de liberdade dos negros; as estratégias de resistência e mecanismos de organiza-

ção da população de cor.

Além das experiências trocadas com os alunos em sala de aula durante

as atividades previamente planejadas, também realizamos encontros com outros

professores por meio do Grupo de Trabalho em Rede (GTR). No GTR orientei um

grupo de professores da rede atuantes na área de história - ensino fundamental e

médio -, que haviam se inscrito para realização de um curso on line sob o tema. Fo-

ram inscritos 15 participantes, que era o total permitido, sendo que 8 deles foram

concluintes com médias finais variando de 9,5 a 10. Com relação aos demais, 4 ins-

critos não acessaram nenhuma vez a página do curso e 3 fizeram parcialmente as

atividades, impossibilitando a obtenção da nota mínima para a promoção. Portanto,

considero que houve um aproveitamento satisfatório e bastante proveitoso, já que a

maioria foi concluinte com sucesso. As considerações dos cursistas nos fóruns e

diários foram pertinentes e demonstraram que entenderam os objetivos do projeto,

com participações coerentes e de acordo com assunto proposto, ficando claro a im-

portância da implementação da proposta junto a comunidade escolar. No entanto,

ocorreram algumas reclamações por falta de material didático e de pesquisa nas

escolas, principalmente quando se busca proeminências para um trabalho de inves-

tigação mais aprofundado ou material para preparo de uma aula mais detalhada so-

bre o assunto. Com relação ao livro didático, o entendimento da maioria e que se

trata de material de apoio útil e positivo, porém bastante limitado na abordagem dos

contextos. Deste modo, os participantes entenderam que a utilidade do material pro-

duzido no presente projeto tem significante importância no incremento dos conteú-

dos relativo aos afrodescendentes.

A metodologia do trabalho desenvolvido no projeto foi alvo de elogio por

parte dos cursistas, sendo que muitos se dispuseram a trabalhar com o mesmo no

período letivo, de acordo com o planejamento em que o assunto esta inserido. Inclu-

sive uma das atividades do GTR era a aplicação de conteúdos do presente projeto,

que conforme os participantes foi bem sucedida, com destaque para as discussões

polêmicas que o trabalho acende, favorecendo uma posição critica com relação ao

tema, em especial as adotadas por medidas legais. Assim, acreditamos ter ocorrido

uma aceitação positiva por parte dos participantes.

Como foi mencionado anteriormente, a implementação da proposta de inter-

venção na Escola foi realizada com os alunos do 3° ano do Ensino Médio. O material

didático utilizado foi elaborado com base nas leituras e reflexões dos autores da

chamada nova história social da escravidão. Em comum, estes estudos têm como

premissa a necessidade de destacar que, malgrado as injustiças derivadas do sis-

tema escravista, os milhares de escravos africanos que aqui desembarcaram forço-

samente e seus descendentes contribuíram significativamente para a prosperidade

econômica e cultural do Brasil (REIS e SILVA: 1989).

Os textos e quadros foram trabalhados com os educandos através de au-

las expositivas e discussões em grupo, apontando exemplos e observando os co-

nhecimentos obtidos anteriormente pelos mesmos. Assim, foram elaboradas ativida-

des com base nos textos e fontes selecionadas, as quais foram respondidas pelos

educandos no decorrer das aulas. De modo geral, foi recolhido apenas parte das

atividades respondidas pelos alunos, sendo que os textos e atividades oriundos de

discussão e tarefas ficaram em poder dos mesmos, já que o objetivo principal destes

conteúdos era provocar reflexão e ponderações sobre o assunto. Também traba-

lhamos com o cinema, através da assistência do filme “Besouro” como forma de dar

subsídios ao entendimento do conteúdo trabalhado e provocar a analise e discussão

sobre as questões sociais atuais.

O trabalho foi iniciado explorando os conhecimentos dos alunos sobre a

história dos afrodescendentes e das informações que os mesmos possuem sobre os

conteúdos já estudados a partir da abolição da escravatura. Em seguida foi feita

uma explanação sobre o trabalho realizado pelo professor no PDE e sua perspectiva

de aplicação junto aos alunos. Foi sugerido aos participantes que no decorrer da

aplicação do projeto fossem realizadas investigações da presença da cultura negra

nas suas comunidades e das condições socioeconômicas desta população. Tam-

bém foram estimuladas pesquisas sobre o tema com vistas à busca de elementos

que pudessem proporcionar o entendimento das mudanças nas relações estabeleci-

das no pós-abolição e assim enriquecer os estudos, inclusive com uma reflexão so-

bre o cotidiano de seu grupo e os reflexos de eventuais medidas governamentais

com relação aos afrodescendentes.

Durante a aplicação do projeto percebemos o interesse dos alunos sobre

discussões polêmicas, em especial sobre o estabelecimento de cotas para negros

nas universidades e sobre os índices sócioeconômicos do IBGE. Em relação às co-

tas, por exemplo, observamos que as opiniões se mostraram bastante diversificadas

e provocam um debate acalorado entre os alunos, principalmente porque parte des-

tes consideraram tal medida justa e necessária; enquanto outros se posicionaram

totalmente contrários. Já em reação às estatísticas do IBGE, foi observado por todos

o quão a comunidade afrodescendente necessita de uma melhor e maior inserção

no meio social, educacional, econômico e político. Os alunos puderam constatar e

problematizar os dados que mostram que a maioria dos homicídios, analfabetismo e

baixa renda se encontram agregadas de forma contundente aos afrodescendentes;

e, ao revistar criticamente a nossa história, compreenderam que tais estatísticas têm

muito a ver com o passado histórico de exploração e exclusão a que os escraviza-

dos e seus descendentes foram submetidos.

De um modo geral, acreditamos que a aceitação do tema e conteúdos

propostos foi excelente, sobretudo porque a maior parte das discussões possuía re-

lação direta com o cotidiano dos educandos, já que muitos são afro descendentes. A

presença e participação dos alunos nas atividades foi satisfatória. Alguns alunos a-

presentaram novos elementos nas discussões, o que ocorreu graças à busca de re-

cursos extras em eventuais pesquisas e observações realizadas pelos mesmos. To-

do o conteúdo da Intervenção Pedagógica foi aplicado com a discussão dos conteú-

dos e realização das atividades, inclusive quando da apresentação do filme “Besou-

ro”, que enriqueceu o trabalho, já que a figura do herói que resiste a determinada

condição injusta é cativante, além da presença da “capoeira” ser uma realidade na

comunidade local. Os próprios alunos discutiram a necessidade da valorização de

nossa história pelo aspecto do cotidiano na sua vida e questionaram que a figura

dos heróis que são “importados” estão mais presente no seu dia a dia em detrimento

aos elementos de nossa cultura.

Durante a aplicação do projeto procuramos situar as relações entre pas-

sado e presente, discutindo as mudanças e permanências nas relações sociais, vi-

sando compreender e valorizar elementos da cultura afrodescendente, destacando o

quanto os negros contribuíram para a formação da sociedade brasileira. Assim, bus-

camos ampliar o conceito de cidadania, discutindo questões como respeito à diver-

sidade, as questões de preconceito e inclusão, uma vez que a sociedade brasileira

ainda tem muito que aprender se quiser de fato superar o racismo e à discriminação,

que seja ela racial, econômica, de gênero, etc.

Os alunos entenderam a sua participação como agentes ativos do pro-

cesso de transformação da sociedade e da importância do grupo em que está inse-

rido, em particular, quando se observa no filme trabalhado (Besouro), que uma pe-

quena comunidade acaba por desencadear uma discussão que visa prioritariamente

buscar alternativas para os problemas que afligem não só os seus integrantes, mas

toda a sociedade.

As considerações dos alunos foram pertinentes e demonstraram que en-

tenderam os objetivos do projeto, com participações lógicas com o assunto proposto,

ficando claro a importância da implementação da proposta junto a comunidade esco-

lar, haja vista, que oportunizaram aos participantes uma reflexão mais profunda so-

bre fatos do cotidiano como forma de melhorar a sua própria vida e respeito à condi-

ção do próximo, lutando por uma sociedade mais justa e igualitária.

Foi muito interessante esta minha experiência, pois observei que o traba-

lho desenvolvido junto os alunos foi envolvente, sobretudo porque foi enriquecido

pelas contribuições dos mesmos através dos conhecimentos prévios que possuem

do cotidiano de suas comunidades, o que propiciou uma ampla discussão do tema

proposto.

5- Considerações Finais

A temática da história do negro na sociedade brasileira necessita ser aborda-

da, sobretudo no período que sucedeu a abolição do cativeiro em nosso país. Embo-

ra saibamos que existam importantes pesquisas em curso, bem como já se multipli-

cam os trabalhos sobre o assunto, muito há que se fazer para que as novas contri-

buições rompam os muros da Universidade e adentrem as escolas brasileiras. No

presente trabalho, procuramos investigar as abordagens presentes em nossa histo-

riografia sobre as condições de vida e trabalho dos negros no pós abolição. Verifi-

camos que as principais pesquisas em curso têm como proposta resgatar a visão

dos negros sobre as mudanças ocorridas com a abolição e proclamação da Repúbli-

ca. A partir destes trabalhos, procuramos estruturar os materiais e as atividades pe-

dagógicas para o trabalho em sala de aula.

Após a realização das referidas atividades junto aos alunos do Colégio Esta-

dual Leonel Franca esperamos que estes tenham condições de refletir criticamente

sobre as condições de vida dos negros no período pós abolição, bem como intervi-

rem como sujeitos ativos na construção de práticas sociais que valorizem o multicul-

turalismo e o respeito à diversidade cultural existente em nosso pais.

6. Agradecimentos

A participação nas diversas atividades do Programa de Desenvolvimento

Educacional (PDE) 2010 oportunizou novos vínculos de trabalho, parcerias e pro-

porcionou o retorno ao convívio acadêmico. Assim, registro meus agradecimentos e

apoio da minha família, que colaborou para que eu pudesse concluir todo o trabalho

do PDE com êxito.

Agradeço de forma especial ao Prof. Dr. Ricardo Tadeu Caíres Silva, por

ter acolhido minha intenção de pesquisa, com sua competência, dedicação, interes-

se e com significativa e fundamental orientação para que minhas atividades no PDE

pudessem apresentar a qualidade teórica e cientifica estabelecida pelo Programa e

pelo incentivo nesse período de convivência.

Agradeço aos amigos parceiros nos estudos, pelos incentivos dados e pe-

las horas agradáveis que passamos juntos. Meus agradecimentos a todos os alunos

do Colégio Estadual Leonel Franca, de Paranavaí, envolvidos no desenvolvimento

das atividades do projeto.

Por fim, meus agradecimentos a todos os professores da Unespar - Cam-

pus de Paranavaí, que nos proporcionaram cursos de qualidade, com notáveis co-

nhecimentos e dedicação; e toda a equipe do Programa, em particular a Coordena-

dora do PDE da Fafipa, a Prof.ª Nilva de Oliveira Brito dos Santos, e a Prof.ª Maria

Ilda Tanaka, Coordenadora do PDE no NRE de Paranavaí, pela atenção, compro-

misso e gentileza com que nos atenderam nos contatos ocorridos no decorrer do

Programa.

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FILMOGRAFIA:

BESOURO. Drama: 95 minutos. Ano de lançamento: (Brasil, 2009) Direção: João

Daniel Tikhomiroff.

MEMÓRIAS DO CATIVEIRO. Documentário. 42 min. Ano de Lançamento: (Brasil,

2005). Direção: Hebe Mattos e Martha Abreu.