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1 O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E OS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: O CASO DO PORTO DE JACONÉ (MARICÁ/RJ) Eduardo Tavares Martins da Fonseca e Silva Mestrando pelo PPGEO-FFP/UERJ [email protected] INTRODUÇÃO: O Brasil vive atualmente um período caracterizado pelo “novo desenvolvimentismo”, conforme avaliam diversos autores. No “novo desenvolvimentismo”, o setor privado tem um papel muito mais relevante na economia que em outros períodos desenvolvimentistas da história brasileira. E o Estado atua muito mais como um sócio, ao lado dos grandes agentes econômicos, do que como um regulador. No entanto, assim como em outros momentos “desenvolvimentistas” da história brasileira há uma ênfase dada às grandes obras de infraestrutura e aos grandes projetos de desenvolvimento econômico. Porém, diante da maior desregulação do atual período, o setor privado tem um poder maior de operar como agente na produção do espaço, com destaque para os grandes projetos de desenvolvimento. Nesse contexto, os conflitos socioambientais se multiplicam pelo território nacional atrelados a esses grandes empreendimentos e a forma como são implantados. Em nossa pesquisa de mestrado acompanhamos e estudamos o caso do projeto porto de Jaconé no município de Maricá/RJ. O projeto está inserido num contexto regional de implementação de grandes projetos de desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro, voltados em grande parte para o setor petrolífero da economia e das “grandes descobertas” de petróleo e gás dos campos de Libra entre outros do Pré-Sal. O projeto é de uma empresa privada em articulação com as esferas estadual e municipal e tem como principais justificativas a proximidade com o Comperj (Complexo Petroquímico do

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O NOVO DESENVOLVIMENTISMO E OS CONFLITOS

SOCIOAMBIENTAIS: O CASO DO PORTO DE JACONÉ (MARICÁ/RJ)

Eduardo Tavares Martins da Fonseca e Silva Mestrando pelo PPGEO-FFP/UERJ

[email protected]

INTRODUÇÃO:

O Brasil vive atualmente um período caracterizado pelo “novo

desenvolvimentismo”, conforme avaliam diversos autores. No “novo

desenvolvimentismo”, o setor privado tem um papel muito mais relevante na economia

que em outros períodos desenvolvimentistas da história brasileira. E o Estado atua

muito mais como um sócio, ao lado dos grandes agentes econômicos, do que como um

regulador.

No entanto, assim como em outros momentos “desenvolvimentistas” da história

brasileira há uma ênfase dada às grandes obras de infraestrutura e aos grandes projetos

de desenvolvimento econômico. Porém, diante da maior desregulação do atual período,

o setor privado tem um poder maior de operar como agente na produção do espaço,

com destaque para os grandes projetos de desenvolvimento. Nesse contexto, os conflitos

socioambientais se multiplicam pelo território nacional atrelados a esses grandes

empreendimentos e a forma como são implantados.

Em nossa pesquisa de mestrado acompanhamos e estudamos o caso do projeto

porto de Jaconé no município de Maricá/RJ. O projeto está inserido num contexto

regional de implementação de grandes projetos de desenvolvimento no estado do Rio de

Janeiro, voltados em grande parte para o setor petrolífero da economia e das “grandes

descobertas” de petróleo e gás dos campos de Libra entre outros do Pré-Sal. O projeto é

de uma empresa privada em articulação com as esferas estadual e municipal e tem como

principais justificativas a proximidade com o Comperj (Complexo Petroquímico do

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Estado do Rio de Janeiro) e Arco Metropolitano – que fazem parte dos grandes projetos

no estado – e servir de base de apoio à atividade de exploração do Pré-Sal (EIA, 2014).

Neste trabalho abordaremos os conflitos decorrentes do projeto do porto de

Jaconé (Maricá/RJ) no contexto do novo desenvolvimentismo brasileiro e dos grandes

projetos de desenvolvimento do espaço fluminense.

O NOVO DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO

Para alguns autores o Brasil adota atualmente um novo modelo de

desenvolvimento que inaugura uma nova fase do capitalismo nacional. Recuperando

supostos ideais “desenvolvimentistas”, este modelo vem sendo classificado por muitos

pelo título de novo desenvolvimentismo ou neodesenvolvimentismo. Essa nova fase teria

se iniciado com os governos de Lula (2003-2010) e teve continuidade com a eleição de

sua sucessora Dilma Rousseff (2011-2014). A principal diferença entre esse novo

período e a década precedente, marcada pelo neoliberalismo, seria o novo papel

conferido ao Estado na reorganização do capitalismo brasileiro. Sua atuação para

reorientar a economia se dá principalmente através do BNDES e dos fundos de pensão

das empresas estatais (ZIBECHI, 2012).

O novo desenvolvimentismo, como aponta GONÇALVEZ (2012) surge como

uma crítica ao Consenso de Washington (de orientação neoliberal) e à chamada

“ortodoxia convencional” do pensamento econômico. O autor, no entanto, destaca que,

na prática, o novo desenvolvimentismo converge em muitos pontos com o Consenso de

Washington e a ortodoxia convencional, ao mesmo tempo em que contraria os

princípios básicos do nacional-desenvolvimentismo. O novo desenvolvimentismo, por

exemplo, coloca ênfase nas exportações, enquanto que no nacional-desenvolvimentismo

o “motor do crescimento” é a “absorção interna”. Escreve o autor:

No confronto com o nacional‑desenvolvimentismo, o destaque é, sem dúvida, a questão do motor do crescimento econômico: no nacional‑desenvolvimentismo o motor é a absorção interna (consumo, investimento e gasto público), enquanto no novo

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desenvolvimento o motor do crescimento é a exportação (export‑led growth). Nesse sentido, o novo desenvolvimentismo aproxima‑se bastante do modelo de crescimento orientado para fora, que foi defendido pelo Banco Mundial nos anos 1980. (Idem, pp. 657-658)

Ele aponta que esse modelo, em países como o Brasil, “que têm como fonte

dominante de vantagem comparativa a dotação de recursos naturais.”, corre-se o risco,

entre outros, de direcionar a “fronteira de produção na direção do setor primário” para

uma “reprimarização das exportações.” (Idem, p. 659).

O cientista político Armando BOITO (2012), por sua vez, não considera o novo

desenvolvimentismo como um “novo modelo de desenvolvimento” que viria a suplantar

totalmente o neoliberalismo. Para ele: “o modelo capitalista vigente no Brasil ainda é o

modelo neoliberal, embora esse modelo tenha passado por um período de reforma.

Essa reforma aparece na política econômica neodesenvolvimentista e nas políticas

sociais da década de 2000”. Para o autor, a burguesia interna brasileira, embora tenha

se beneficiado de muitas medidas do neoliberalismo, se viu ameaçada diante de uma

desregulação generalizada e encontrou nas políticas neodesenvolvimentistas uma maior

proteção do Estado diante da competição com o capitalismo global. O novo

desenvolvimentismo constituiria então um “desenvolvimentismo possível dentro do

modelo capitalista neoliberal”. Esse modelo “retoma a velha aspiração

desenvolvimentista, mas o faz em condições históricas novas e com ambição menor”

(Idem).

No entanto, ainda que em condições novas e com menores ambições, o novo

desenvolvimentismo, como já nos referimos, dá um grande destaque para as grandes

obras de infraestrutura e desenvolvimento econômico, assim como foi em outros

períodos desenvolvimentistas do Brasil. Um dos principais programas do atual governo,

por exemplo, é o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que teve sua primeira

versão lançada em 2007 e a segunda em 2010 (PAC 2).

Na primeira versão do programa, destaca ZIBECHI, os “principais investimentos

se planificaram na área de infraestrutura” (2012, p. 175). Dentre eles: “transmissão de

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energia elétrica e projetos de habitação [...] biocombustíveis, [...] construção de

rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias” (Idem). Na segunda fase do

programa, por sua vez, “dois terços dos investimentos estão direcionados à geração de

energia.” (Idem, p. 176). Desses dois terços a maior parte está voltada para

investimentos em petróleo e gás natural que como coloca o autor “são basicamente os

investimentos da Petrobras” (Idem). Além disso, o programa prevê a construção de 54

usinas hidrelétricas.

Esses projetos, em sua grande maioria, não se realizam sem a geração de

impactos sociais e ambientais que afetam minorias étnicas, grupos sociais e populações

mais despossuídas de poder econômico e político, produzindo a chamada injustiça

ambiental (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).

OS GRANDES PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO DO ESPAÇO

FLUMINENSE

No estado do Rio de Janeiro há uma série de grandes projetos de

desenvolvimento e infraestrutura em curso. O GT-AGRÁRIA/AGB-RIO (2012a) elenca

os principais a partir da análise do Plano Estratégico do governo do estado do Rio de

Janeiro (2007-2010). São eles: o Arco Metropolitano, o Comperj, o Complexo

Industrial Portuário do Açu, o Porto de Sepetiba, as hidrelétricas de Simplício e Anta e

o Complexo Logístico e Industrial Farol-Barra do Furado. Acrescenta-se também o

projeto da Barragem do Guapiaçu, no município de Cachoeiras de Macacu, que se trata

de uma “compensação ambiental” do Comperj para levar água para região

metropolitana e prevê a desapropriação de centenas de agricultores causando redução

drástica da produção agrícola do município de Cachoeiras de Macacu, que tem a

agricultura como principal atividade econômica.

O GT-AGRÁRIA/AGB-RIO (Idem) destaca que a proposta de desenvolvimento

presente no Plano Estratégico do estado tem como foco “a articulação do poder público

com grandes investidores nacionais e internacionais, com o apoio de bancos públicos

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federais, forjando um ‘projeto estratégico’ [...], pautado em interesses muitas das vezes

externos à realidade fluminense.” (p. 2)

A implantação do Porto do Açu (Complexo Industrial Portuário do Açu) no

município de São João da Barra, por exemplo, consiste num mega empreendimento que

pertencia ao Grupo EBX de Eike Batista e previa:

construção de um terminal portuário privativo de uso misto com capacidade para receber navios de grande porte (220 mil toneladas) e estrutura offshore para atracação de produtos como minério de ferro, granéis sólidos e líquidos, cargas em geral e produtos siderúrgicos. [...] condomínio industrial com plantas de pelotização, indústrias cimenteiras, um pólo metal-mecênico, unidades petroquímicas, montadora de automóveis, pátio de armazenagem inclusive para gás natural, cluster para processamento de rochas ornamentais e uma usina termoelétrica. [...] construção de um mineroduto de 525 km de extensão, com capacidade de transportar 26,6 milhões de toneladas/ano, que levará minério produzido pela MMX/Anglo Ferrous Mineração em Conceição do Mato Dentro/MG ao porto, cortando 32 municípios, e permitindo sua exportação. O projeto está incluído no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal, e o total de investimentos pode chegar a R$ 40 bilhões, com capital público e privado, nacional e estrangeiro. (GT-AGRÁRIA/AGB-RIO, 2012b, p. 26-27)

A instalação de parte do que estava previsto no empreendimento – já que devido

à crise que atingiu o Grupo X, grande parte do projeto não se concretizou – se deu

através da expulsão violenta de centenas de famílias de agricultores que eram

proprietários e viviam no 5º distrito de São João da Barra. O caso configura-se em um

explícito caso de produção de injustiça ambiental através de um processo de

acumulação por espoliação (HARVEY, 2004) da atual dinâmica do capitalismo global.

O responsável pelas desapropriações foi o governo estadual através da Codin

(Companhia de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro). O governo decretou em

2008 a desapropriação de uma área de 7.200 hectares para fins de “interesse público”. A

área em questão, no 5º distrito de S. João da Barra, seria para dar lugar a um

condomínio industrial privado, previsto no projeto do Porto do Açu (GT-

AGRÁRIA/AGB-RIO, 2012b, p. 46). Os agricultores foram expulsos violentamente,

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sendo surpreendidos com placas que anunciavam futuras instalações industriais em suas

terras, em alguns casos recebendo propostas de indenizações em uma folha de papel

escrita à mão, sofrendo ameaças e sendo impedidos de entrarem em sua propriedade.

Outro grande projeto em curso no estado é o Comperj (Complexo Petroquímico

do Estado do Rio de Janeiro) que está sendo construído em Itaboraí (Região

metropolitana) e tem como área de influência um total de vinte e três municípios.

Dentre eles o município de Maricá, considerado por alguns estudos como área de

influência indireta. (Imagem 1).

No entanto, entendemos que o município de Maricá poderia ser considerado

como área de influência direta do empreendimento, tendo em vista que, existe um

projeto de despejo de efluentes da refinaria no litoral do município através de um

emissário subterrâneo-submarino (Imagem 2); e o projeto de um gasoduto (gasoduto

Rota 3 – Maricá-Comperj), que levaria o gás explorado do Pré-Sal na bacia de Santos

para ao Comperj, passando pelo município de Maricá.

Imagem 1. Fonte: FIRJAN1

1 Estudos de Desenvolvimento para o Estado do Rio de Janeiro – Comperj potencial de desenvolvimento

produtivo, 2008. Disponível em www.firjan.org.br. Acesso em 21/06/2014.

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Imagem 2. Traçado do projeto do emissário de efluentes do Comperj. Fonte: O Globo2

Além disso, como já colocamos, o projeto do porto de Jaconé em Maricá

(Imagem 3), surge impulsionado principalmente pela proximidade com o Comperj, o

que também podemos considerar como uma influência direta no município.

A seguir analisaremos os principais pontos que envolvem o projeto do Porto e

os conflitos em torno dele.

Imagem 3. Vídeo Institucional de Maricá3

2 O Traçado proposto pela Petrobras. O Globo. Disponível em

http://oglobo.globo.com/infograficos/mapa-comperj/ Acesso em 21/06/2014. 3 Disponível em: http://www.marica.rj.gov.br/desenvolvimento/?de=videos. Acesso em 21/06/2014.

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O PROJETO DO PORTO DE JACONÉ E OS CONFLITOS DECORRENTES

Em janeiro de 2012, foi publicado no jornal O Globo a seguinte matéria:

“Maricá terá megaporto de R$ 5 bilhões até 2015”4. O texto inicia afirmando que:

A Região dos Lagos deverá ganhar um dos maiores portos do país: o Terminais Ponta Negra (TPN), na Praia de Jaconé, em Maricá. A DTA Engenharia, responsável pelo projeto — chamado de Porto do Pré-Sal e avaliado em R$ 5,4 bilhões —, espera que a iniciativa se torne a âncora do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj, em Itaboraí). O porto terá capacidade para receber 850 mil barris de petróleo por dia, o equivalente a 40% da atual produção do país.

Três dias depois também foi divulgado na página da Secretaria de

Desenvolvimento Econômico Energia Indústria e Serviços do Estado a notícia: “Rio

terá porto do pré-sal avaliado em R$ 5,4 bilhões”5.

As duas matérias são bem parecidas e afirmam que o governo do estado apóia o

projeto e levará o Arco Metropolitano (um dos grandes projetos do estado) e a Estrada

de Ferro Leopoldina até o empreendimento. A matéria de O Globo chega a mencionar a

“preocupação dos ambientalistas” quanto ao projeto. A matéria da Secretaria do Estado,

por sua vez, coloca que “a área possui poucos entraves ambientais, por não se tratar de

uma área com mata nativa”. Em ambas, no entanto, o secretário Julio Bueno atenta

para o fato de o projeto ser uma grande oportunidade de reduzir (ou retirar) atividades

relacionadas ao petróleo de Angra dos Reis – município voltado para um turismo de alto

padrão. Declara ele: “O porto [em Maricá] pode ser o início da redução de uso do

Tebig (o terminal mais usado pela Petrobras no estado, em Angra dos Reis), ou seja, é

a chance de retirar a atividade de petróleo de um paraíso”6. E que “É a chance de

retirar a atividade de petróleo de um paraíso como o de Ilha Grande” 7.

4 Disponível em: oglobo.globo.com/economia/marica-tera-megaporto-de-5-bilhoes-ate-2015-3666220. Acesso em: 11/07/13 5 Disponível em: www.rj.gov.br/web/sedeis/exibeconteudo?article-id=746306 Acesso em: 11/07/13. 6 “Maricá terá megaporto de R$ 5 bilhões até 2015”op. Cit. 7 “Rio terá porto do pré-sal avaliado em R$ 5,4 bilhões” op. Cit.

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Essas matérias foram veiculadas cerca de um mês após uma mudança ilegal

realizada pelos vereadores de Maricá no Plano Diretor e Lei de Uso de Solo do

município. A mudança foi feita na última sessão da câmara do ano e publicada no

Jornal Oficial do município em uma edição especial em 21 de dezembro de 2011. A

alteração transformou o bairro residencial de Jaconé em distrito industrial. Segue o

trecho da publicação:

Art. 17-A. A Zona de Indústria e Comércio 3 – ZIC3 tem por objeto o uso industrial de grande porte voltado para a construção naval, óleo e gás, e similares, e atividades de apoio logístico, compreendendo terminais marítimos, instalações portuárias e retroportuárias, instalações ferroviárias e similares. (Jornal Oficial de Maricá. Ano IV, Edição Especial nº 71, 21 de dezembro de 2011, p. 2) (grifo nosso)

A alteração no Plano diretor foi contestada no Ministério Público por

representante do movimento “SOS Jaconé. Porto Não!” – movimento local contrário ao

empreendimento – e na Justiça do estado pelo diretório do PMDB municipal (partido

do ex-prefeito). A alteração foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado em

25/02/2013 8.

A prefeitura apressou-se então em realizar uma consulta e uma audiência pública

para aprovar uma nova mudança no Plano Diretor. A primeira ocorreu no dia

09/05/2013 e a segunda na semana seguinte em 14/05/2013. Os eventos foram marcados

pela presença maciça de funcionários comissionados da prefeitura. O próprio prefeito

chegou a declarar em uma delas que ali estavam presentes “quinhentos funcionários

comissionados”9.

Após outras contestações junto ao Ministério Público Estadual, por representante

do movimento “SOS Jaconé”, sobre a forma como estava sendo conduzido o processo

para abrir caminho para o empreendimento, ocorreu no município, em 03/10/2013, a

primeira audiência pública com presença do Ministério Público. 8 “Justiça anula mudança do plano diretor de Maricá”. Em: http://oglobo.globo.com/economia/justica-anula-mudanca-do-plano-diretor-de-marica-7668258. Acessado em: 05/07/13 9 “Quaquá se contradiz em entrevista ao Itaipuaçu Site”. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=m0iCE9c05Fs&feature=youtu.be . Acessado em 23/07/13

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Em 09/10/2013 os vereadores aprovaram então a modificação no Plano Diretor e

Lei de Uso do Solo, criando as “Áreas de Especial Interesse Urbanístico e

Econômico”10 no município, para permitir a construção do terminal portuário em Jaconé

e a vinda de outras indústrias para o município visando atender principalmente futuras

demandas do Comperj.

A área onde pretende-se instalar o empreendimento portuário é, desde 2010,

parte do projeto de criação do “Geoparque Costões e Lagunas do Estado do Rio de

Janeiro” (MANSUR, K. et al., 2012) devido sua importância geológica. A proposta do

Geoparque Costões e Lagunas, engloba 16 municípios do Estado do R. de Janeiro,

começando em Maricá e se estendendo até São Francisco do Itabapoana no Norte do

estado. O projeto prevê a criação de “geossítios” pontuais nos diversos municípios. Na

proposta, Maricá teria 2 geossítios “Costão de Ponta Negra” e “Beachrock de Darwin”

que correspondem ao local onde pretende-se a instalação do megaporto.

Além de inviabilizar o projeto do Geoparque, o projeto do porto (caso se efetive)

causará, além dos impactos ambientais, uma mudança drástica no perfil de uso do litoral

do município que é principalmente utilizado para o lazer, o turismo e a pesca artesanal e

industrial, já que o porto prevê a atracação de grandes navios petroleiros além de

construção de estaleiro para reparos navais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto do “novo desenvolvimentismo” brasileiro temos uma ênfase nas

grandes obras de infraestrutura e desenvolvimento com o Estado atuando ao lado do

grande capital privado entre outras coisas como financiador desses projetos. No estado

do Rio de Janeiro identifica-se uma série de grandes projetos que vem gerando diversos

impactos ambientais e sociais onde se instalam e nas áreas e municípios próximos.

10 “Vereadores aprovam criação de áreas industrial, portuária e logística em Maricá”. Disponível em: maricainfo.com/2013/10/10/vereadores-aprovam-criacao-de-areas-industrial-portuaria-e-logistica-em-marica.html. Acessado em: 11/10/2013.

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Esses projetos trazem pouco ou nenhum benefício para as populações locais, se

inserindo em cadeias globais de produção, e deixando ao local muitas vezes apenas seus

impactos negativos. O conjunto dos grandes projetos no espaço fluminense vem

desencadeando o surgimento de outros “mega empreendimentos”, como é o caso do

Porto de Jaconé em Maricá, impulsionado principalmente pela proximidade do

município com o Comperj e o Arco Metropolitano . A maior liberdade de atuação do

setor privado permite que este defina estratégias locacionais (ACSELRAD, et al, 2009)

se articulando com esferas locais, estaduais e definindo usos e a produção do espaço. Os

conflitos socioambientais emergem com força nesse contexto e as populações locais

buscam meios de se articular e fazer frente a esse modelo de desenvolvimento, muitas

vezes, no entanto, sem êxito, devido à luta desigual com as forças hegemônicas.

BIBLIOGRAFIA

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Janeiro: Garamond, 2009.

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(Entrevista). Jornal Brasil de Fato. 09/04/2012.

EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ambiental. Terminais

Ponta Negra (TPN). Disponível em www.inea.rj.gov.br.

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Serviço Social e Sociedade. São Paulo, n. 112, p. 637-671, out./dez. 2012.

GRUPO de TRABALHO de ASSUNTOS AGRÁRIOS da ASSOCIAÇÃO dos

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Textos do GT, 2012a.

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n. 38. São Paulo, jan-jun/2012b.

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ZIBECHI, R. Brasil potência: entre a integração regional e um novo imperialismo. Rio

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