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O novo tombo da Geração a Rasca P

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O novotomboda Geraçãoa Rasca P

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Emprego Depois da recessão de 2008, os jovensnascidos nos anos 80 e 90 voltam a enfrentarnova crise. Retratos de quem se tinha reerguidoe voltou a ser puxado para a precariedade

O novotomboda Geraçãoa Rasca

Em dez anos estes jovensenfrentaram duas crises

Texto BERNARDO MENDONÇAFotos ANA BAIÃO

oi com uma mensageme uma fotografia cho-cante do seu frigorífi-co vazio onde apenas

I^^~^^

restava manteiga, umaembalagem de mostar-da e dois iogurtes paraalimentar-se a si e aosseus dois filhos que

Cláudia, de 26 anos, pediu ajuda háduas semanas à Associação Nacio-nal de Condutores de AnimaçãoTurística e Animadores Turísticos(ANCAT), que, por sua vez, alertouo Banco Alimentar e a associaçãoAjuda de Mãe.

Contratada a recibos verdes pelaCâmara de Loures como guia de arteurbana no Bairro Quinta do Mocho,em Sacavém, "a maior galeria de arteurbana a céu aberto da Europa", Cláu-dia está há três anos a dar a conheceraos turistas as obras de Vhils, Bordalo11, Odeith, Slap, Tâmara Alves, entretantos outros. Para complementar odinheiro da autarquia, fazia visitasprivadas: €10 por pessoa, ou €18 comalmoço incluído no restaurante africa-no da Tia Filó, "uma cozinheira de mãocheia que faz a melhor muamba, caluluou cachupa da zona". Logo no início de

fevereiro, começou a ter as primeirasvisitas guiadas canceladas. E quandoo número alarmante de mortos provo-cados pelo novo coronavírus em Itáliacomeçou a contaminar as notícias e

foram anunciados os primeiros casosde infeção em Portugal, no início de

março, os tours acabaram de vez.Se antes o dinheiro já era pouco, ago-

ra acabou, com a paragem súbita daatividade. A juntar às despesas fixas,Cláudia acumula dívidas. E passoude uma jovem em dificuldades a umasituação de miséria. "Estou a tentarviver e a saldar dívidas de telecomuni-

cações, de um quarto que tive alugado,

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à segurança social. Não desejo isto aninguém. E nem sei se a Câmara me vaicontinuar a pagar."

Cláudia começou a procurar empre-go em 2011, no mesmo ano em quemilhares de jovens saíram à rua, noscélebres protestos da "Geração à Ras-

ca", ocorridos a 12 de março, a maiormanifestação não vinculada a partidospolíticos desde a Revolução dos Cra-vos, que foi um grito de revolta contraa precariedade, os salários baixos e afalta de oportunidades de uma geraçãoque estava então a entrar no mercadode trabalho. Cláudia sofreu isso tudo.

Na altura, começou a servir às mesasem hotéis. Recebia 5 euros à hora.Se trabalhasse durante a madrugada,pagavam-lhe 7. "E como o dinheiro erapouco, para ganhar mais acumulavaturnos e não ia à cama." Aguentou o

"ritmo louco" durante cinco anos, atélhe ter sido diagnosticada uma anemia

grave. Depois de se restabelecer, de-cidiu mudar de vida e foi aí que o seubairro lhe passou a garantir o sustento,aproveitando o boom de turismo quenos últimos anos permitiu a retoma e

impulsionou a economia nacional. O

lugar antes associado a crimes, dro-gas e violência, onde até os taxistas se

recusavam a entrar, transformara-senuma referência internacional de arteurbana.

Mas os turistas partiram com a mes-ma velocidade com que o vírus chegou.E Cláudia não teve outra alternativasenão pedir ajuda. Foi para realidadescomo esta que o Banco Alimentar (BA)criou a rede de emergência. E se emfevereiro eram alimentadas 380 milpessoas, os números agora dispararam."Cerca de 10.600 novas famílias já pre-encheram o formulário a pedir ajuda.Se pensarmos que cada uma dessasfamílias é constituída por três, quatroou cinco pessoas, talvez existam mais50 mil pessoas a pedir ajuda. Váriasdelas da "Geração à Rasca". E isto é só o

começo", alerta Isabel Jonet, presidenteda Federação de Bancos Alimentares.

"Esta crise está a afetar mais os quenão tinham relações laborais estáveis,

que não tinham contratos formais comempresas, os recibos verdes e os quepertencem à economia informal. Nãohá lay-off 'para estes", diz.

O duplo azar de geração

A geração que estava a entrar no mer-cado de trabalho na enorme recessão

que teve início em 2008 enfrenta ago-ra, novamente, uma crise económicae desta vez ainda maior. Os que, nosúltimos anos, tinham finalmente con-seguido reerguer-se, muitos a reboquedo turismo, voltaram, sem aviso, a ser

puxados para a precariedade e a mi-séria. João Cerejeira, economista e

professor na Universidade do Minho,alerta para o azar desta geração. "Osestudos indicam que há uma queda de10% no valor do salário para quem se

gradua e entra no mercado de trabalhonuma época de crise, em relação aos

que se diplomam noutras alturas. Eleva em média uma década a recupe-rar essa diferença, o chamado catchingup. O que quer dizer que quando esta

geração estava a chegar a um ponto de

recuperação surgiu esta crise."O futuro já está comprometido. "Esta

geração vai ter reformas mais baixas.Por terem tido salários mais baixos e

FOI COM UMA

MENSAGEM E UMA

FOTOGRAFIA CHOCANTE

DO SEU FRIGORÍFICO

VAZIO QUE CLÁUDIA

DEU O ALERTA

E PEDIU AJUDA

passado por vários períodos de desem-

prego e de intermitência, o que crioucarências contributivas."

O sociólogo e investigador do Institutode Ciências Sociais (ICS) da Universi-dade de Lisboa, Vítor Sérgio Ferreira,chama a atenção para as expectativasgoradas destes jovens, que aspiravama uma maior estabilidade no trabalho,"que é dos valores que todas as geraçõesmais prezam". E nota que o estatuto deadulto está a mudar e passou ater carac-terísticas atribuídas aos jovens, como aincerteza e a insegurança profissional."Esta pandemia veio acentuar a preca-riedade que define esta geração."

O especialista aponta que uma das

condições desta geração é a reversi-bilidade. "Quando as pessoas saem decasa dos pais, a norma social é não vol-tarem. Mas isso está a acontecer comfrequência nesta geração porque as

condições de autonomização estão di-minutas." E agora ficaram ainda mais.

Aos 35 anos, Joana Paredes nãoimaginava voltar de novo a viver emcasa da mãe e ao quarto de infância,em Alcácer do Sal, onde ainda restambonecas dos tempos de menina. Mas acrise trocou-lhe as voltas... mais umavez. Em 2009 licenciou-se em Biologiacom especialização em antropologiabiológica, mas esbarrou com "um cho-

que de realidade pela enorme falta de

oportunidades" na área. Ainda chegoua trabalhar em escavações arqueológi-cas, em Évora, "não recebia mal, eramcerca de €1200 mensais", mas ficavademasiados meses sem trabalho e ti-nha que esticar esse dinheiro para pa-gar as despesas e o quarto que alugava.

Por não conseguir subsistir, em 2011,no auge da crise económica no país, mu-dou de atividade e iniciou-se no mundodos call centers. Passou a receber €600na área de apoio ao cliente. "Mal dava

para pagar a comida e o quarto que es-

tava a alugar. Vivia a contar cêntimos."

Depois passou por uma empresa de vou-chers para atividades turísticas, que lherendia €700 por mês, mas cansada dos

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baixos rendimentos emigrou em 2017,para Berlim, tornando-se assistente debordo. O salário oscilava entre os €800e os €1200. Mas o apelo para regressarao seu país fê-la aceitar um contratocom uma low cost, com base em Lisboa.

No final do ano passado a companhiadispensou-a "temporariamente", malo contrato terminou. A ideia era queficasse uns meses a viver do subsídio de

desemprego e voltariam a chamá-la emfevereiro, quando começasse a havermais voos. Mas por burocracias entrepaíses, não recebeu o subsídio e achega-da da covid-19 deu-lhe um bilhete só deida para Alcácer do Sal, onde foi morarcom a mãe, que a ajuda com a reforma."Voltei atrás na minha independênciae o dinheiro de reserva está a acabar."

Joana passa os dias ao computadora candidatar-se a serviços de apoio aocliente. "Até agora apenas recebi umaresposta, negativa. Sinto-me frustrada."O maior desejo? "Ter uma casa só paramim onde pudesse ter um cão. Semprealuguei quartos."

O facto de muitos destes jovens te-rem terminado o curso numa altura de

crise, como Joana Paredes em 2009,fez com que ingressassem no mercadode trabalho em empregos abaixo das

suas qualificações, lembra o economis-ta João Cerejeira. E o problema é quemuitos dos que se conseguiram final-

ESTA GERAÇÃO VAI

TER REFORMAS MAIS

BAIXAS, POR TEREM

TIDO SALÁRIOS MAIS

BAIXOS E PASSADO

POR DESEMPREGO

E INTERMITÊNCIA

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RETRATOS Da esquerda paraa direita: A assistente de bordoJoana Paredes retratada no

quarto de infância onde voltoua morar, em Alcácer do Sal;em baixo, a artista de artesperformativas Joana Castro na suasala, no Porto; na foto do meio,a guia turística de arte urbana,Cláudia Barros, junto com os doisfilhos, Alexandre e Luna; em baixo,o casal João Silva e Joana Oliveira,condutores de tuk-tuk

mente aproximar da área para que seformaram já chegaram tarde demais."É difícil começar uma carreira aos 30,35 anos", diz.

Um mestrado e um tuk-tuk

Foi numa empresa que geria as

situações de bagagens danificadasnas viagens que Joana Oliveira, de29 anos, e João Silva, de 30 anos, se

apaixonaram. "Na época ganhávamospouco, cerca de €700", conta Joa-na. E, depois de algumas mudançasprofissionais, decidiram apostar noturismo e na condução de tuk-tuks,em Sintra. Em 2016, com a ajuda dos

pais compraram um veículo próprio,por €5500. E quando as suas finançaspareciam finalmente prosperar — nosmeses de verão ganham juntos €2500— esta crise atirou-os para fora daestrada e do mercado.

De momento têm o tuk-tuk arrumadonumagaragem,aguardamarespostaaopedido de subsídio à Segurança Social

por terem tido uma quebra total de ati-

vidade, e estão em busca de emprego."Que futuro? Vejo-me a trabalhar numsupermercado", desabafa Joana, quetem um mestrado em Turismo e Gestãode Eventos.

A par dos que trabalhavam na áreado turismo, os artistas são dos que maisestão a sofrer com esta crise. A lO de

março, apenas dois dias antes da estreiado espetáculo MINA, de Carlota Lagi-do, no Teatro São Luiz, a coreógrafae artista de artes performativas JoanaCastro, e o restante elenco, foram infor-mados do cancelamento desta criaçãono contexto das restrições impostaspelo combate a esta pandemia. E, talcomo todos os profissionais da área, viutodo o trabalho que tinha programadopara a frente cair, como um baralho decartas: workshops, formações, estreiase reposições de outros espetáculos. E

passou a viver do pouco dinheiro quetinha guardado e que lhe permite viveraté junho. E depois?

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"Todas as apresentações que tinhaprevistas até lá estão canceladas, masem vias de reagendamento para 2021.O problema mais urgente é saber do

que vou viver até acontecerem. O novodecreto de lei obriga ao pagamento de,no mínimo, 50% das atividades cancela-das ou adiadas, o que muitas entidadesnem sequer estão a cumprir. Mas comosobrevivemos com 50% dos rendimen-tos em 2020, e 50% dos rendimentosem 2021? Comemos metade agora e

outra metade no próximo ano? Paga-mos metade das contas agora e metadedas contas no próximo ano?", questiona.

A jovem, de 32 anos, recorda como é avida precária da maioria dos artistas no

país. "Como vou recebendo em fatiasos valores dos trabalhos, estou cons-tantemente a fazer contas de cabeça,de quanto recebi nos meses anteriorese até quando precisarei desse mesmodinheiro para viver nos meses seguintes.Se quero tirar um tempo para descan-

sar, para férias ou simplesmente parame organizar, tenho de ter dinheiro de

parte para o fazer, porque não tenhosubsídio de desemprego ou de férias."

Consciente da dificuldade que mui-tos outros profissionais das artes estãoa passar, sem meios para garantir aalimentação e habitação, e já que "os

apoios do Estado não vão ser suficien-

tes, nem vão chegar a todos", Joana e

outros colegas partilharam nas redessociais uma folha de Excel de ajudadireta, sem intermediários. Cada pes-soa que puder ajudar alguém deverácolocar o nome, o contacto e o valor

que quer doar. "Acabo de disponibilizar15 euros para as compras de alguéme aguardo que me telefonem." Joanaplaneara estrear hoje, dia 25 de Abril,a sua nova performance "Darktraces",numa praça do Porto, integrada no Fes-tival Dias da Dança. "Seria por isso umarevolução na rua, que é onde esta deveacontecer. Se não me é possível fazercom um grupo de pessoas, farei sozinhana varanda de casa."

[email protected]

COMO VAI SER O 25 DE ABRIL

GRÂNDOLAÀ JANELAÀs 15h, o 46 9 aniversário da Revoluçãodos Cravos é assinalado não com ostradicionais desfiles de rua, mas à

janela de casa e a cantar 'Grândola,Vila Morena' — a canção de ZecaAfonso, usada como uma das senhasdo 25 de Abril —

, seguida do HinoNacional.

FESTIVAIS ONLINEAbril no Bairro é o evento online quevai juntar cantores e bandas comoBlind Zero, Joana Alegre, Jorge Palma,Pedro Moutinho, Rui David, The

Happy Mess, Vicente Palma e ZecaMedeiros. Sob o mote "8 artistas, 8

canções", cada convidado vai

interpretar uma canção original,preparada especialmente para estadata. As sessões podem ser vistasentreas2lh3oeas22hls, nas páginasde Facebook de cada cantor. OFestival Liv(r)e, por sua vez, realiza-sea 24, 25 e 26 de abril, às 21 h3O (e u maemissão especial no sábado, às

17h30), junta 12 artistas, de vários

pontos do país, e pode ser visto na

página de Facebook de A Música

Portuguesa a Gostar Dela Própria.Pode ver uma lista mais completa deconcertos no site BLITZ.

CORRIDA PELA LIBERDADEA tradicional corrida que todos os

anos liga o quartel da Pontinha aosRestauradores, no coração de Lisboa,é substituída pela "Corrida PelaLiberdade". A Xistarca aceitou a

inscrição de todos os que queiramcorrer 5 km "navaranda, nagaragem,terraço ou jardim de casa". Osvencedores podem escolher a quemdoar as tradicionais t-shirts de

participação.

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