O Ocaso Do Imperio - Oliveira Viana - PARA INTERNET

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Texto clássico de Oliveira Vianna.

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  • Co l e o A f r n i o P e i x o t o

    A c a d e m i a B r a s i l e i r ad e L e t r a s

  • O OCASO DO IMPRIO

  • A c a d e m i a B r a s i l e i r a d e L e t r a s

    Oliveira Vianna

  • C o l e o A f r n i o P e i x o t o

    O Ocaso do Imprio

    R i o d e J a n e i r o 2 0 0 6

  • C O L E O A F R N I O P E I X O T OAlberto Venancio Filho (Coordenador)

    Antonio Carlos SecchinJos Murilo de Carvalho

    A C A D E M I A B R A S I L E I R A D E L E T R A SDiretoria de 2006

    Presidente: Marcos Vinicios VilaaSecretrio-Geral: Ccero Sandroni

    Primeira-Secretria: Ana Maria MachadoSegundo-Secretrio: Jos Murilo de CarvalhoDiretor Tesoureiro: Antonio Carlos Secchin

    P U B L I C A E S D A A B LProduo editorial e Reviso

    Nair DamettoAssistente editorial

    Monique MendesProjeto grfico

    Victor BurtonEditorao eletrnica

    Estdio CastellaniCapa e Abertura

    Trono do Senado do Imprio, no antigo Palcio do Conde dos ArcosAcervo do Museu Histrico Nacional

    Catalogao na fonte:Biblioteca da Academia Brasileira de Letras

    981.04 Vianna, Oliveira, 1883-1951V671o O ocaso do Imprio / Oliveira Vianna ; [introduo de Jos

    Murilo de Carvalho]. 3. ed. Rio de Janeiro : ABL, 2006.xxvi, 189 p. ; retr. ; 21 cm. (Coleo Afrnio Peixoto ; v. 75.Histria)

    ISBN 85-7440-089-0

    1. Brasil, Imprio Histria. I. Carvalho, Jos Murilo de,1934- (introd.). II. Academia Brasileira de Letras. III. Ttulo.IV. Srie.

  • Sumrio

    Introduo Jos Murilo de Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ixPrefcio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . xxiii

    PRIMEIRA PARTEEvoluo do ideal monrquico-parlamentar . . . . . . . . . . . . . . . 1

    SEGUNDA PARTEO movimento abolicionista e a Monarquia . . . . . . . . . . . . . . 53

    TERCEIRA PARTEGnese e evoluo do ideal republicano . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    QUARTA PARTEO papel do elemento militar na queda do Imprio . . . . . . . 111

    QUINTA PARTEA queda do Imprio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157

    ndice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

  • IntroduoJos Murilo de Carvalho

    Oliveira Vianna escreveu O Ocaso do Imprio em 1925, a pedidode Max Fleiuss, secretrio perptuo do Instituto Histrico eGeogrfico Brasileiro. A data no era casual. Naquele ano celebrava-seo centenrio de nascimento de Dom Pedro II. Ou se tentava celebrar,porque em torno da idia se travou na capital da Repblica uma gran-de batalha poltica e ideolgica. A polmica comeara na realidade jem 1920 durante os preparativos para as festas do centenrio da Inde-pendncia. Uma lei desse ano, assinada por Epitcio Pessoa, revogarao banimento da famlia imperial e autorizara o traslado para o Brasildos restos mortais do Imperador e da Imperatriz. Houve protestos en-tre republicanos. Mas no eram s monarquistas e simpatizantes queapoiavam a medida. Tambm republicanos desencantados volta-vam-se para o antigo regime e o avaliavam positivamente em relaoao novo. Em 1921, os restos mortais dos imperadores chegaram aoBrasil. As festas da Independncia celebraram-se com pompa, mas nosem manifestaes voltadas para a necessidade de republicanizar umregime j tido, mesmo por republicanos, como corrompido.1

    1 Ver MOTTA, Marly Silva da. A Nao Faz Cem Anos. A Questo Nacional no Cente-nrio da Independncia. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, captulo I.

    Jos Murilo de CarvalhoIntroduo

  • Nesse ambiente de controvrsia, Vicente Licnio Cardoso convidou,em 1924, jovens intelectuais pertencentes primeira gerao republicanaa darem sua opinio sobre o regime e publicou o resultado no livro Margem da Histria da Repblica.2 Procurou ouvir pessoas no marcadas pelaslutas e guerras da propaganda, da proclamao e dos primeiros anos daconsolidao. Entre os consultados estavam alguns com reputao j for-mada nos meios intelectuais da capital: Gilberto Amado, Pontes de Mi-randa, Antnio Carneiro Leo, Tristo de Atade, Ronald de Carvalho eOliveira Vianna, que escreveu um captulo intitulado O idealismo daConstituio. Apesar da diversidade das perspectivas, houve um pontode concordncia entre os convidados: o desapontamento com o regimeimplantado em 1889 e a necessidade de busca de novos caminhos. Oprprio organizador, republicano sincero, partilhava a descrena: Foiprofunda, escreveu na concluso do volume, a nossa desiluso, por cer-to. [...] Vemos a cada momento, em torno a ns, a negao no s detudo o que sonhamos, tambm de tudo o que pensamos. No mesmoano de 1924, o manifesto dos lderes da segunda revolta tenentista, ocor-rida em So Paulo, forneceu outro forte indicador de insatisfao com aRepblica e de surpreendente, vindo de quem veio, reavaliao positivado Imprio. Definindo o propsito da revolta, dizia o manifesto: OExrcito quer a ptria como a deixou o Imprio, com os mesmos princ-pios de integridade moral, conscincia patritica, probidade administrati-va, e alto descortino poltico.3 Em 1925, os revoltosos ainda percorriamo pas na coluna Miguel Costa-Prestes.

    2 Ver CARDOSO, Vicente Licnio, org. Margem da Histria da Repblica. Rio deJaneiro: Edio do Anurio do Brasil, 1924.Para uma excelente apreciao desse livro, com informao sobre a poca e os autores,veja-se a introduo de Alberto Venancio Filho segunda edio, publicada em doisvolumes pela Editora Universidade de Braslia, em 1981.

    3 Reproduzido em BONAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto. Textos Polticosda Histria do Brasil. Braslia: Senado Federal, 2002, vol. III, p. 893.

    X Jos Murilo de Carvalho

  • O centenrio acirrou a animosidade. Projeto apresentado na C-mara pelo deputado Wanderley Pinho, neto do Baro de Cotegipe,pedia que fosse decretado feriado nacional o dia 2 de dezembro, ani-versrio de nascimento do Imperador. Outro neto, agora de QuintinoBocaiva, o deputado Ranulpho Bocaiva Cunha, reagiu e denuncioua iniciativa como tentativa de promover uma reao monrquica.4 Adisputa estendeu-se a toda a imprensa e a importantes instituies cul-turais. O Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, como era de es-perar, no s apoiou as comemoraes como delas participou ativa-mente, organizando um nmero especial de sua revista sob o ttulo ge-ral de Contribuies para a biografia do Imperador. Nele, OliveiraVianna colaborou com dois artigos: D. Pedro II e os seus ministros(pp. 874-880) e D. Pedro II e a propaganda republicana (pp.894-903). Carlos de Laet, monarquista impenitente, fez confernciaintitulada D. Pedro, o Magnnino na Academia Brasileira de Letras,em sesso presidida por Afonso Celso, na presena de 21 acadmicose de um neto do Imperador, Dom Pedro de Alcntara de Orleans eBragana.5

    A favor das celebraes estavam simpatizantes da monarquia, re-publicanos desapontados com a Velha Senhora, figura usada pelos ca-ricaturistas para representar o regime vigente, e opositores do governode Artur Bernardes, pontuado por freqentes decretaes de estadosde stio. Era incmoda a posio dos republicanos ortodoxos. Acha-

    Introduo XI

    4 A disputa em torno do centenrio foi analisada por SILVA, Eduardo em ARepblica comemora o Imprio. Um aspecto poltico-ideolgico da crise dos anos20, Revista do Rio de Janeiro, v. 1, n.o 2 (jan./abr. 1986), pp. 59-69. Ver tambm a an-lise da reabilitao da imagem do Imperador feita por SCWARCZ, Llia Moritz emAs Barbas do Imperador. D. Pedro II, um Monarca nos Trpicos. So Paulo: Cia. das Letras, pp.495-515.

    5 Agradeo a Alberto Venancio Filho essa informao.

  • vam inadmissvel que a Repblica celebrasse o chefe de Estado do re-gime que derrubara em 1889. Faz-lo seria admitir que a proclamaofora um erro. Oposio celebrao, no entanto, poderia ser interpre-tada como sinal de fraqueza e insegurana de um regime que comple-tava 36 anos de vida. O desconforto era agravado pela ttica usada pormuitos republicanos insatisfeitos de se aproveitarem da celebraopara comparar os dois regimes, conferindo ntida vantagem para o an-tigo. Uma sada tipicamente brasileira foi oferecida pelo republicanoAssis Chateaubriand concluiu um elogio a Pedro II dizendo ter sido ovelho imperador a mais luminosa e a mais pura encarnao de repu-blicano que ainda tivemos.6 Celebrar o Imperador seria, nesse caso, oequivalente a celebrar a Repblica na autenticidade de seu esprito. OCongresso Nacional acabou no votando a tempo o projeto de Wan-derley Pinho, mas o Presidente Artur Bernardes decretou o feriadopor conta prpria e a data foi celebrada com grandes festas.7

    Foi nesse contexto que Max Fleius convidou Oliveira Vianna, s-cio do IHGB h apenas um ano, a escrever sobre os anos finais doImprio, de 1887 a 1889. O tema no era estranho ao convidado. EmPopulaes Meridionais do Brasil, livro publicado em 1920, j analisara opapel do Imperador e da elite por ele formada na manuteno da uni-dade do pas e da estabilidade poltica do regime. Em menor profun-didade, discutira o Imprio e a Repblica em Evoluo do Povo Brasileiro,de 1923. No artigo que preparou para a coletnea organizada por Vi-cente Licnio Cardoso, criticara a tendncia ao idealismo utpico denossas elites, imperiais e republicanas.

    XII Jos Murilo de Carvalho

    6 Citado por SILVA, Eduardo. A Repblica comemora o Imprio, p. 63.7 Produto da irritao dos republicanos com a exaltao de Pedro II por ocasiodo centenrio o livro de Carlos Sussekind de Mendona, publicado em 1929, semindicao de local e editora, intitulado Quem Foi Pedro II. Golpeando de frente o Saudosis-mo. Trata-se de um ataque virulento ao Imperador.

  • Nesses textos se podia notar uma viso positiva do Imprio, sobre-tudo do Segundo Reinado. Em Populaes Meridionais, Dom Pedro II foielogiado pelo uso que tinha feito do Poder Moderador para domesti-car a caudilhagem rural e exercer um papel centralizador e civilizador.8

    A postura crtica diante da Repblica s apareceu no artigo da colet-nea, uma vez que Populaes Meridionais se detm em 1889 e Evoluo doPovo Brasileiro fora escrito originalmente para servir de introduo aocenso de 1920. Como tal, era um texto quase oficial, preso a conve-nincias polticas. Oliveira Vianna lamentou esse fato e confessou queteve que evitar a discusso de temas polticos e o tom crtico: Confes-so com a maior franqueza que este fato [o carter oficial do trabalho]me constrangeu um tanto na apreciao dos acontecimentos polticosdo perodo republicano, especialmente nas suas ltimas dcadas.9 Ovis favorvel ao regime monrquico no o impediu de reivindicaruma postura de imparcialidade na anlise das causas da queda doImprio e da proclamao da Repblica. Era uma caracterstica queatribua a toda a sua obra, tributria do cientificismo do sculo XIX.Tinha pelo menos a seu favor o fato de no ter participado dos even-tos, como Carlos de Laet, nem descender de algum dos participantes,como os deputados Wanderley Pinho e Ranulpho Bocaiva Cunha.

    O partidarismo, republicano ou monrquico, marcara toda a pro-duo anterior sobre a queda do Imprio. O mais respeitado historia-dor da poca, Capistrano de Abreu, no escrevera sobre o assunto.Outro historiador, o republicano Joo Ribeiro, tratou-o em sua Hist-ria do Brasil, de 1900. O livro era de natureza didtica, destinado ao

    Introduo XIII

    8 Uma anlise crtica de Populaes Meridionais foi feita por mim na edio includana coleo Intrpretes do Brasil, coordenada por Silviano Santiago. Ver Intrpretes doBrasil. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. I, 2000, pp. 897-917.

    9 VIANNA, F.J. Oliveira. Evoluo do Povo Brasileiro. So Paulo: Monteiro LobatoEditores, 1923, p. 37.

  • curso superior, escrito de acordo com os programas do Colgio de Pe-dro II. Dedicando-o ao historiador monarquista Oliveira Lima, JooRibeiro no quis polmica. No prefcio da primeira edio, disse terevitado ir alm da proclamao porque seria prematuro julgar osacontecimentos posteriores em livro destinado ao esquecimento daspaixes do presente e glorificao de nossa histria.10 Destinouapenas duas pginas e meia queda do Imprio. Oliveira Lima, ogrande historiador do perodo joanino, s publicou sua obra sobre oImprio em 1927.11 Todas as obras dedicadas ao tema eram de natu-reza partidria, escritas no calor da hora, ou das horas seguintes. Esta-vam nesse caso, para citar os mais conhecidos, os livros de EduardoPrado e do Visconde de Ouro Preto, pelo lado monarquista, e deCristiano Ottoni e Anfriso Fialho, pelo lado republicano.12

    Oliveira Vianna enfrentou o desafio de escrever a primeira anliseno-partidria da queda do Imprio. Socorreu-se de boa parte do que j ti-nha sido publicado. s verses antagnicas de Ouro Preto e CristianoOttoni, agregou anlises mais gerais do perodo, sobretudo as de JoaquimNabuco, que seu guia mais constante. Tobias Monteiro, Tavares de Lyra

    XIV Jos Murilo de Carvalho

    10 RIBEIRO, Joo. Histria do Brasil. Curso Superior. Segundo os Programmas doCollegio Pedro II. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 13. ed., 1935, p. 20.

    11 LIMA, Oliveira. O Imprio Brazileiro, 1822-1889. So Paulo: Melhoramentos[1927].

    12 PRADO, Eduardo. Fastos da Dictadura Militar no Brazil (Lisboa: 1890) e A IllusoAmericana (So Paulo: 1893); OTTONI, Christiano Benedito. O Advento da Repblica noBrasil (Rio de Janeiro:Typographia Perseverana, 1890); FIALHO, Anfriso. Histriada Fundao da Repblica no Brazil (Rio de Janeiro: Laemmert, 1891); OURO PRETO,Visconde de. Advento da Dictadura Militar no Brazil (Paris: Pichon, 1891); e OUROPRETO, Visconde de, et alii. A Dcada Republicana (Rio de Janeiro: Cia. Typographicado Brasil, 1899). Um exemplo de opinio apaixonada o de Anfriso Fialho, que con-siderou ato de dignidade militar o frio assassinato de Apulcro de Castro por oficiaisdo 1. Regimento de Cavalaria em 1883.

  • e Amrico Brasiliense, Max Fleiuss e Afonso Celso, entre outros menos im-portantes, lhe serviram como fontes de informao. Vrios dos artigos pu-blicados no nmero especial da revista do IHGB foram tambm consulta-dos.13 Naturalmente, citou bastante a si prprio, como era de seu feitio.14

    Copiou-se tambm na embocadura analtica. O Ocaso do Imprio segue o mes-mo enfoque sociolgico das obras anteriores. A necessidade do uso desseenfoque nos estudos histricos fora afirmada por ele no discurso de posseno IHGB em 1924. Trs anos depois, ao ser criticado por Batista Pereirapor incorrer em incorrees factuais, responderia definindo-se como al-gum que no queria ser uma autoridade em detalhes, mas que, ao con-trrio tinha, a paixo dos quadros gerais.15 Coerente com essa postura, re-belou-se contra a circunscrio da anlise ao curto perodo de dois anos,como queria o IHGB. Sua viso sociolgica exigia abarcar perodo mais di-latado que lhe permitisse buscar causas sociais para explicar o evento doocaso do Imprio.

    13 De Nabuco, usou O Abolicionismo (Londres: Abraham Kingdom & Newnham,1883), Balmaceda (Rio de Janeiro: Leuzinger, 1895), Minha Formao (Rio de Janeiro:Garnier, 1900) e Um Estadista do Imprio (Paris/Rio de Janeiro: Garnier, 1897/1899);de A. Tavares de Lyra, A presidncia e os presidentes do Conselho de Ministros noSegundo Reinado (Revista do IHGB, 148, 1923, pp. 567-609), de Tobias Monteiro,Pesquisas e Depoimentos (Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1913), de Amrico Brasiliense,Os programas dos partidos e o 2. Imprio (So Paulo: Jorge Seckler, 1878), de Max Fleiuss,Histria administrativa do Brasil (2. ed., 1925), de Affonso Celso, Oito annos de parlamento(Rio de Janeiro, 1901). O volume especial da Revista do IHGB sobre a biografia deDom Pedro II o de nmero 152.

    14 Populaes Meridionais do Brasil (So Paulo: Monteiro Lobato e Cia., 1920), Oidealismo da Constituio (In CARDOSO, Vicente Licnio. Margem da Histria da Rep-blica, 1924), e Pequenos Estudos de Psicologia Social (So Paulo: Monteiro Lobato e Cia.,1921).

    15 Ver O valor pragmtico do estudo do passado. Revista do Brasil, n.o 18

    (1924), p. 289-306, e Do ponto de vista de Sirius. Jornal do Commercio,06/11/1927.

    Introduo XV

  • O que distingue O Ocaso do Imprio de Populaes Meridionais a con-centrao da anlise nas dimenses poltica e ideolgica. O ltimo co-locava grande nfase nas estruturas sociais, no latifndio, nas caracte-rsticas da aristocracia rural, nas formas de sociabilidade e solidarieda-de. Embora a segunda parte do livro acentuasse a importncia doEstado central no controle das oligarquias rurais, a pontuao histri-ca era colocada na abolio da escravido antes que na queda do Imp-rio, no social antes que no poltico. O mesmo se verificava em PequenosEstudos de Psicologia Social e em Evoluo do Povo Brasileiro. Em ambos, aabolio era vista como causa de um grande desmoronamento, deum desarranjo completo da aristocracia rural.16 Em O Ocaso permane-ce a abordagem sociolgica, mas o que predomina a anlise do siste-ma, dos atores e das idias polticas. O Poder Moderador, por exem-plo, no visto mais como fator de controle das oligarquias, mascomo elemento perturbador na engrenagem poltica. A histria eco-nmica e social do perodo prometida para outro livro que se cha-maria Introduo Histria da Repblica e que nunca foi escrito.17

    Fiel proposta, Oliveira Vianna busca a explicao da queda doantigo regime em alteraes nas idias sobre legitimidade poltica, nosefeitos da abolio sobre a posio poltica dos ex-proprietrios, naexpanso do ideal republicano e nas caractersticas psicolgicas e

    XVI Jos Murilo de Carvalho

    16 Discuti este ponto em A utopia de Oliveira Vianna. In BASTOS, Elide Ru-gai e MORAES, Joo Quartim de, orgs. O Pensamento de Oliveira Vianna. Campinas:Editora da Unicamp, 1993, pp. 13-42.

    17 possvel que a derrocada da Primeira Repblica tenha sido responsvel peloadiamento ou mesmo abandono da idia de fazer uma histria do perodo. At 1930,Oliveira Vianna estava inseguro sobre os rumos que o pas deveria seguir. S aps suaentrada para o Ministrio do Trabalho, em 1932, que vislumbrou um novo rumo nocorporativismo sindical e na legislao social. O achado pode ter reduzido o interesseno projeto de escrever a histria da Repblica. Essa interpretao foi por mim desen-volvida no texto referido na nota anterior.

  • organizacionais dos militares que condicionaram os conflitos com aelite poltica.

    No primeiro caso, vai buscar as origens da queda na crise de 1868,quando Pedro II, fazendo uso das atribuies do Poder Moderador,substituiu o gabinete progressista de Zacarias de Ges e Vasconcelospelo do conservador Visconde de Itabora. A fragilidade institucionaldo sistema, diz Oliveira Vianna, inspirando-se em Joaquim Nabuco,derivava da coexistncia de um parlamentarismo sem opinio pblicaorganizada. Na ausncia de eleies confiveis, o chefe de Estado, oPoder Moderador, ficava impossibilitado de consultar a opinio p-blica para a formao de governos. Estava preso a um dilema: se nointerviesse na formao dos gabinetes, um partido se eternizaria nopoder, gerando revoltas como a de 1842; se intervinha, causava irrita-o e revolta nos destronados e a sensao de dependncia nos entro-nados. Escolhendo intervir, Pedro II atraa a rejeio geral ao PoderModerador, que foi agravada aps a crise de 1868. Os ltimos anosda monarquia foram assim marcados por um desencanto dos setorespoliticamente ativos com as instituies monrquico-representativas epela descrena na viabilidade de um terceiro reinado.

    Quanto abolio, Oliveira Vianna argumenta que, feita sem inde-nizao, gerou enorme irritao entre os proprietrios contra o Chefede Estado e contra a prpria instituio monrquica. Cita Ferreira Vi-ana, monarquista, que, a propsito da libertao dos escravos, chamouPedro II de prncipe conspirador. Passando ao ideal republicano,afirma que foi tambm impulsionado pela crise de 1868. Muitos libe-rais radicais teriam aderido ao partido republicano e assinado o mani-festo de 1870. Apresenta dados sobre a difuso do movimento, o n-mero de jornais e clubes republicanos que pesquisas posteriores noalteraram muito. O movimento seria frgil nacionalmente, concen-trando-se na Corte e nas provncias de So Paulo, Minas Gerais e Rio

    Introduo XVII

  • Grande do Sul. Sua concluso que a descrena na Monarquia teriasido mais forte do que a crena na Repblica.

    O captulo mais original e mais rico do livro, no entanto, o dedica-do anlise do papel dos militares e de sua relao com os polticos.Merece destaque a caracterizao da psicologia dos militares e de seu es-prito corporativo. Igualmente importante a denncia da prtica dospolticos imperiais, continuada na Repblica, de cortejar os militares efazer deles instrumentos de poltica partidria. Cada partido tinha seutotem militar, Caxias e Deodoro para os conservadores, Osrio e Pelo-tas para os liberais. Ampliando essa poltica, os civis tinham criado oque chama de entidade monstruosa, a figura do cidado-fardado.Esse ser compsito podia ao mesmo tempo portar armas e fazer polti-ca. Ora, argumenta Oliveira Vianna, em importante contribuio ana-ltica, polticos e militares possuem psicologias incompatveis. Os pri-meiros se protegem contra os insultos e injrias prprias da luta polticacom o escudo de uma moral conformista. Os militares, ao contrrio,pautam-se por exacerbado pundonor, por extrema sensibilidade a ofen-sas. A conseqncia era que os militares ofendiam como cidados eeram ofendidos como militares. Mais ainda, o esprito de corpo, desen-volvido aps a guerra do Paraguai, fazia com que a ofensa a um delesfosse tida como ofensa classe como um todo. Gerava-se uma fontepermanente de conflitos e de desgaste do poder civil.

    Merecem ainda ser ressaltadas algumas caracterizaes psicolgicas,muito ao gosto da poca. Alm da abordagem sociolgica, extradada escola de Le Play, Oliveira Vianna lia tambm muito Gustave LeBon com seu vis psicologizante. excelente o contraste que faz entreas personalidades de Cotegipe e Ouro Preto e das conseqncias dadecorrentes para a crise militar. sagacidade, maleabilidade e aopoder de seduo de Cotegipe, demonstrados nas negociaes com oexplosivo Deodoro, ope a altivez, a intransigncia, a rigidez de car-

    XVIII Jos Murilo de Carvalho

  • ter e de opinio de Ouro Preto. O temperamento do ltimo presiden-te do Conselho de Ministros s teria feito agravar o conflito com osmilitares e precipitar o golpe de 15 de novembro. Sobre Dom Pedro,faz tambm avaliaes psicolgicas que ajudam a explicar o desfechomelanclico do Reinado: um justo, um sbio, mas no um estadista.Despertava admirao, mas no amizade e paixo. Era um solitrio ese viu sozinho quando o sistema ruiu a seu redor.

    A explicao do ocaso do Imprio feita por Oliveira Vianna tor-nou-se clssica e foi retomada por muitos estudiosos depois dele. Aanlise dos militares, particularmente, inspirou estudos recentes em-basados na sociologia das organizaes.18 Pode-se dizer que estudosposteriores acrescentaram apenas duas causas polticas e ideolgicas,para ficarmos dentro da delimitao do livro. Uma delas o papel daIgreja. Em O Ocaso do Imprio no h meno Questo Religiosa e asua contribuio para o desgaste do regime. Alis, o papel da Igreja tambm praticamente ignorado em Populaes Meridionais. As formas desolidariedade a discutidas se limitam s que foram criadas pelo lati-fndio. Nada dito sobre a solidariedade religiosa, como a que sedava nas irmandades, muito mais igualitrias do que a dos cls famili-ares. No encontro explicao para tal atitude de Oliveira Vianna,mais estranha ainda se levarmos em conta que ele seguia os mtodosde Le Play, autor envolvido em movimento catlico.

    Outra ausncia, ainda dentro do campo poltico e ideolgico, ado papel de So Paulo na proclamao. Poder-se-ia argumentar queele foi pequeno a 15 de novembro, data dominada pelos militares.Mas Oliveira Vianna buscou expressamente explicaes de mais longa

    Introduo XIX

    18 Ver COELHO, Edmundo Campos. Em Busca de Identidade: o Exrcito e a Poltica naSociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1976; e CARVALHO, JosMurilo de. Foras Armadas e Poltica no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

  • durao. Poder-se-ia ainda dizer que o peso da provncia se devia a seucrescimento econmico e que, portanto, ficaria sua anlise reservadapara a futura histria da Repblica. Mas esta explicao tambm no satisfatria. Em Populaes Meridionais, paulistas, mineiros e fluminensesso tratados conjuntamente e a eles se atribuem caractersticas comunsque os distinguem de nortistas e sulistas. Nas crticas que OliveiraVianna faz ao federalismo republicano no h distino entre a oli-garquia paulista e as outras, nem atribuio de papel especial indus-trializao de So Paulo. possvel que aqui tenham pesado a filiaodo autor ao mundo rural fluminense e sua viso do Brasil a partir dacapital da Repblica. Pode ter infludo tambm a averso de Olivei-ra Vianna ao capitalismo industrial, marca de So Paulo. Ele s en-frentou a modernidade capitalista quando encontrou a armadura docorporativismo sindical para a enfrentar. S o corporativismo lhe pa-recia capaz de oferecer formas de sociabilidade capazes de constituirde uma sociedade moderna em que predominasse o interesse coletivo.

    Cabe registrar, por fim, que h em O Ocaso do Imprio uma ntidaprojeo do ambiente poltico da dcada de 1920. O estado de des-crena e de desencanto com o funcionamento da carta de 1824, a in-diferena em relao ao regime monrquico, eram semelhantes, segun-do Oliveira Vianna, aos que predominavam no momento em que es-creveu seu livro em relao constituio de 1891 e Repblica. Adiferena era um agravante: no se vislumbrava nos anos 20 alternativaque congregasse um nmero significativo de opinies. Em suas pala-vras: Tendo perdido a f no regime vigente, mas no tendo elaboradoainda uma nova f, estamos atravessando uma dessas pocas sem fisi-onomia, de que falava Timandro, parda, informe, indecisa de ato-nia, em cuja atmosfera parada, de calmaria, giram, circulam, suspen-sos, germes de futuras crenas, embries de futuros ideais, mas queno so nem crenas, nem ideais ainda. (p. 88)

    XX Jos Murilo de Carvalho

  • A sensao de desencanto sem perspectiva de sada era certamentea que dominava o prprio Oliveira Vianna. No h em O Ocaso saudo-sismo do Imprio, exceto talvez na admirao pela figura do Impera-dor. No h exaltao do antigo regime. No h tambm avaliao ne-gativa do antigo regime. Foi cumprida a promessa de uma anlise nopartidria. A impresso que se tem ao terminar a leitura do livro queo autor mantinha a avaliao positiva do papel civilizador do regimefeita em Populaes Meridionais, mas acrescentava agora, na anlise polti-ca, o diagnstico de sua inviabilidade diante do crescimento das de-mandas de participao de grupos emergentes. A nova utopia republi-cano-federativa impunha-se diante do colapso da utopia monrqui-co-parlamentar apenas para comear novo ciclo de descompasso entreo direito pblico e o direito costumeiro, tema de sua predileo.

    O desapontamento que invadiu o pas, a meio caminho de 2005,provocado pelo desmoronamento das grandes esperanas de mudanageradas pelas eleies de 2002, e as incertezas quanto ao futuro da Re-pblica conferem ao octogenrio texto de Oliveira Vianna inesperadaatualidade.

    Introduo XXI

  • Prefcio

    Deu-me o nosso Instituto Histrico, de que sou parte mnima, aincumbncia de, na comemorao que ele fez do centenrio deD. Pedro II, historiar os ltimos dias do seu grande reinado, cujas fa-ses anteriores, a do incio, a de expanso, a do esplendor, a da glria,ele havia distribudo sabiamente a dez das suas maiores competncias.

    Dando-me o encargo de dizer do Imprio na sua fase pr-agnica,quando j mergulhado nas sombras do seu ocaso melanclico, a velhainstituio cientfica teve mais uma vez o sentimento muito exato dosvalores humanos: era justamente mais obscura das suas expressesintelectuais que devia caber a misso de historiar a vida e os aconteci-mentos do longo reinado bragantino nesta ltima fase, que era a doseu crepsculo...

    No plano das onze monografias projetadas, a mim cabia, com efei-to, o estudo dos acontecimentos operados entre 1887 e 1889. Cabia amim, portanto, surpreender a questo militar e a efervescncia milita-rista no seu ponto climatrico; a mim, ainda, apanhar a campanhaabolicionista no momento mesmo do seu triunfo; a mim, finalmente,observar a velha estrutura do Imprio no instante mesmo da sua side-rao e queda.

    Prefcio

  • Cedo, porm, reconheci a impossibilidade de me manter dentrodos extremos prefixados pelo Instituto. No pequeno campo histrico,que me fora destinado, vinha confluir uma srie de acontecimentos,cada qual mais importante, mas cuja significao senti que era impos-svel apreender, se me conservasse rigorosamente adstrito aos estreitoslimites impostos minha investigao. Dentro daquele curto perodode 1887-1889, o que via era como que um eplogo, exprimia apenasas ltimas ondulaes tumulturias e encruzilhadas de um complexomovimento social, cujas primeiras revelaes tinham que ser buscadasem pocas incomparavelmente mais distantes.

    Realmente, nenhuma das grandes foras, que determinaram a que-da do Imprio, se havia gerado dentro do perodo de 1887-1889; to-das tinham as suas manifestaes iniciais fora daquele limitado espaohistrico: o abolicionismo, o republicanismo, o federalismo, o milita-rismo. Este partia de 1870 pelo menos. O pensamento abolicionistarecuava ainda mais aos primeiros dias do Imprio. O esprito repu-blicano e federativo, esse vinha ainda de mais longe mergulhava emcheio as suas razes no perodo colonial. Tive, pois, que desobedecerao plano estabelecido pelo Instituto e remontar as fases anteriores, napesquisa das causas primeiras daquele extraordinrio acontecimento.

    Esta pesquisa das causas primeiras poderia me levar, de infernciaem inferncia, muito longe porque a lgica do historiador comoaquele hipoptamo de uma fantasia de Machado de Assis: tem a fomedo infinito e tende a procurar a origem dos sculos. Era preciso evitareste inconveniente, fatal antes de tudo aos leitores. Resolvi ento pro-curar um ponto do nosso espao histrico, tal que me permitisse, sempenetrar as origens remotas, determinar e isolar as causas mais aparen-tes do grande acontecimento.

    Este ponto encontrei-o e o pequeno perodo que vai da quedado gabinete Zacarias em 1868 ao manifesto republicano de 1870.

    XXIV Olive ira Vianna

  • Neste perodo est o ponto de partida de todo aquele movimento po-ltico que haveria de epilogar-se a 15 de novembro, com a destruiodo gabinete Ouro Preto e a queda do 2.o Imprio. Fixei-me nele e foidentro desse horizonte mais dilatado que tentei descrever, nas suas li-nhas gerais, a marcha evolutiva das grandes foras polticas que derru-ram, em 1889, a velha estrutura imperial.

    Digo das foras polticas porque somente delas trato neste vo-lume. Das outras, as econmicas e as sociais principalmente, no aqui a melhor oportunidade para estud-las. Eu me reservo esta anli-se para quando, ultimando a srie dos meus ensaios, iniciados com asPopulaes Meridionais, sobre a origem e a formao da nossa nacionali-dade, tiver que estudar, na Introduo Histria da Repblica, a sociedadebrasileira sob o novo regime e fazer a crtica das nossas realidadescontemporneas.

    H duas espcies de histria disse um dos nossos grandes espri-tos: a histria dos fatos e a histria das idias. Por isso mesmo h duasespcies de historiadores: os que historiam fatos e os que historiamidias. Neste livro, eu procuro, de preferncia, historiar idias. Da aescassez dos dados biogrficos e dos dados cronolgicos neste ensaio,em que tento descrever a evoluo da mentalidade das nossas elites nomomento justo em que passam da grande iluso monrquica para agrande iluso republicana. O meu objetivo neste volume , por isso,definir, de uma maneira precisa, o papel exercido na queda da monar-quia pela idia liberal, pela abolicionista, pela idia federativa, pelaidia republicana e pelas fermentaes morais que determinaram aschamadas questes militares.

    Estas constituram para mim um ponto extremamente delicado deanlise; mas, dada a autenticidade dos fatos estudados, no creio quese possa acusar de excessiva a severidade com que julguei o papel doelemento militar nas nossas agitaes polticas. Neste ponto, como

    Prefc io XXV

  • em todos os outros, que so debatidos neste volume, penso ter feitoobra de absoluta imparcialidade julgadora.

    possvel que, nestas pginas, muito grandes homens apareamsem aquelas amplificaes que a perspectiva histrica cria, muitos he-ris se mostrem despidos do nimbo luminoso com que a tradio oshavia coroado. Mas, que importa isto? O essencial que o juzo sejajusto e assente em fundamentos de verdade. O papel do historiador justamente este, realizar essa obra de reintegrao dos valores, de-pondo dos altares santificadores os falsos dolos e pondo neles os ben-feitores dos povos, os criadores reais de sua histria em suma, os ver-dadeiros heris, espoliados por aqueles intrusos na legitimidade doseu direito glria.

    Terespolis, 1925.Oliveira Vianna

    XXVI Olive ira Vianna

  • Primeira ParteEvoluo do idealmonrquico-parlamentar

  • SUMRIOI. Lutas entre as duas soberanias: a do Prncipe e a do

    Povo. Constituio do regime parlamentar. II. O papeldo Prncipe. Funo do poder moderador. III. O regimeparlamentar no Brasil. O ponto crtico da sua evoluo: ogolpe imperial de 1868 e a queda do Gabinete Zacarias.Efeitos desse golpe. IV. Soluo da crise ministerial sus-citada: ascenso do partido conservador. O carter anti-parlamentar desta soluo. Reao liberal conseqente. V. O trao caracterstico dessa reao; hostilidade contrao poder pessoal. Fontes de opinio: dificuldade doImperador em sond-las. A opinio dos partidos e a suafalibilidade. VI. O recurso das eleies: sua falibilidadecomo fonte de opinio. VII e VIII. A burla eleitoral. Razes que a justificam. IX. A poltica rotativa doImperador, sua razo de ser. X. Irritao dos polticoscontra essa poltica rotativa. Razes dessa irritao. XI eXII. O movimento descentralizador e federativo. XIII.Reao no Parlamento e na Imprensa. XIV. D. Pedro eos seus ministros. Novas causas de irritao. XV. Con-seqncias dessa irritao contra o poder pessoal: indife-rena ou hostilidade contra a Monarquia e o Trono. XVI. A desiluso das instituies monrquicas. Estadogeral dos espritos antes de 15 de novembro de 1889.

  • IO movimento reacionrio, que se seguiu queda de Napoleo e ao

    Congresso de Viena, havia criado para o Velho Mundo um estado deconflito permanente entre os representantes das dinastias, que as espa-das da Santa Aliana haviam reposto nos seus tronos, e as massas po-pulares, de cujas aspiraes se faziam eco as assemblias parlamenta-res. Dinastias e Parlamentos lutaram, desde 1814, por mais de meiosculo, pelo domnio exclusivo dos aparelhos do governo poltico dassociedades. Os chefes de dinastias, Reis, Imperadores, Prncipes apoiados nos exrcitos da Santa Aliana, recusavam-se a abdicar dassuas velhas prerrogativas: julgando-se ainda donos, por direito divino,do governo dos povos, repeliam o princpio da soberania popularcomo humilhante e incompatvel com sua dignidade de Reis, cujodireito vinha, no das massas, mas de Deus.

    Os seus adeptos constituam o partido dos Absolutistas, comoento se dizia. Estes teoristas do Absolutismo repugnavam o regimedas Constituies escritas, em que o Prncipe aparecia com poderes li-mitados. Para eles o Prncipe no devia conhecer outro limite ao seuarbtrio, seno o que ele a si mesmo estabelecesse. Os seus adversrios,nutridos da ideologia da Revoluo, pensavam de outra maneira, demaneira inteiramente oposta. Negavam aos Prncipes, repostos pelaRestaurao, este direito exclusivo ao governo, e contra eles afirma-vam o direito do Povo, de quem esses prprios Prncipes no deviamser seno mandatrios. Os Parlamentos eleitos pelo Povo, estes sim que eram o centro da soberania nacional: eles, em nome do Povo, que elaboravam Constituies, a que os Prncipes deviam obedecer.

    Os partidrios deste sistema chamavam-se Constitucionalistas, ea sua filosofia poltica tomava o nome de Constitucionalismo, emtorno do qual tanta retrica, escrita ou falada, se despendeu.

  • O Constitucionalismo reao contra o autocracismo do antigoregime tinha, como se v, por pressuposto fundamental a soberaniado Povo, ou melhor, a Democracia Representativa. Portanto, implica-va um regime de sufrgio, ou apenas generalizado, ou mesmo univer-sal. Pelo sufrgio, o Povo escolhia o Parlamento, e este, como rgoda vontade do Povo, fazia sentir ao Prncipe esta vontade. O Prncipe,est claro, no tinha outra coisa a fazer seno obedecer.

    O Constitucionalismo aparecia assim associado Democracia. Oprncipe no tinha apenas os seus movimentos regulados pelos precei-tos de uma Constituio; estava tambm obrigado a ouvir, atender aexecutar a vontade do Povo. Este que era o verdadeiro governo oDemos Soberano.

    Entretanto, pr um Prncipe diante de uma Constituio e de umParlamento no parecia a estes espritos liberais bastante para assegu-rar a efetividade da supremacia da opinio do Povo sobre a opinio doPrncipe. Este, de posse dos aparelhos executivos do Poder, podia,com efeito, no dar ao Governo a orientao desejada pelo Povo, ex-pressa no voto das maiorias parlamentares e, neste caso, o princpio dasoberania do Povo ou do Parlamento, estaria burlado. Era preciso en-to, para garantia do princpio democrtico, engenhar um expedientecapaz de separar da pessoa do Prncipe o Poder Executivo e este foio Governo de Gabinete.

    No Governo de Gabinete, o Poder Executivo reside, no no Prnci-pe, mas no rgo coletivo, o Ministrio, a cujos membros incumbemas diversas funes da administrao e do governo. Segundo as boaspraxes deste sistema, o Ministrio deve ser formado de elementos pro-curados entre os prprios membros do Parlamento, e no deve seruma reunio heterognea de titulares, mas um conjunto harmnico eunificado, representando um pensamento comum, um programa degoverno. H para isto, em cada Gabinete ou Ministrio, um agente

    4 Olive ira Vianna

  • unificador, que o Presidente do Conselho.1 Este que represen-ta o pensamento do Gabinete perante o Parlamento. Entre estes doiscentros de fora est o Prncipe, tambm outro centro de fora, arma-do de um grande poder, de um outro poder o Poder Moderador. Oconjunto destes trs poderes cooperantes que constitui o sistemaparlamentar de governo.

    IIH dous pontos delicadssimos neste sistema de governo. Um o

    das relaes entre o Gabinete e o Parlamento; outro, o da atitude doPrncipe perante o Gabinete e o Parlamento.

    No tocante ao primeiro ponto, o Gabinete deve ter o apoio e aconfiana do parlamento, isto , da opinio numericamente prepon-derante nele. uma condio sine qua non para que ele possa obter osmeios de governo e fazer passar as medidas necessrias execuo doseu programa. Desde que o Parlamento lhe retira a confiana, isto ,desde que o Gabinete deixa de ter maioria no Parlamento, d-se oconflito: e chega ento a vez do Prncipe intervir.

    precisamente este ponto o mais melindroso. Logicamente, a con-duta do Prncipe no poderia ser outra seno organizar um novo Ga-binete de acordo com o novo pensamento dominante no Parlamento.Nem sempre, porm, o Parlamento reflete a imagem fiel da opinioatual do Povo. Circunstncias imprevistas, fatos novos, operados den-tro do interregno eleitoral, podem produzir uma modificao na opi-nio pblica, sem que esta modificao se ache revelada no Parlamen-to, ou mesmo este, pelo jogo ntimo dos interesses partidrios, pode

    O Ocaso do Imprio 5

    1 V. LYRA, Tavares de. A Presidncia e os Presidentes do Conselho dos Ministros.

  • afetar uma opinio, sem que esta opinio seja, entretanto, um reflexoda opinio do Povo.

    O tato do Prncipe est justamente em distinguir estas duas hipte-ses e dar ao conflito uma soluo convinhvel. Se ele julga que a opi-nio do Parlamento expresso da opinio do Povo, concede demis-so ao Gabinete e forma um outro Gabinete com elementos da opi-nio preponderante no Parlamento. Em regra, esta soluo do confli-to equivale uma modificao na situao dos grupos partidrios pe-rante o Poder e formao de um novo Gabinete pode correspon-der a queda do partido a que pertence o Gabinete demissionrio, isto, a ascenso do partido oposto, ou de um outro partido.

    O Prncipe, entretanto, pode no demitir o Gabinete, pode conser-v-lo, se presume que a opinio parlamentar no exatamente o refle-xo da opinio popular. Neste caso, concede ao Gabinete a dissoluodo Parlamento e, por meio de uma nova eleio, sonda ou consulta aopinio do pas. O novo Parlamento dar, pela opinio de sua maio-ria, o sentido real da opinio do Povo e ser ento de acordo comesta opinio que o Prncipe organizar o novo Gabinete.

    No se podia, pois, engenhar nada mais perfeito como sistema deDemocracia representativa. O regime parlamentar um mecanismojusto, exato, maleabilssimo, sorte de aparelho de preciso, maravilho-samente apto a marcar, como observa Nabuco, no s as horas, masmesmo os minutos da Opinio.

    O papel do Prncipe neste sistema constitucional o de uma forareguladora, ou antes, de um agente de conciliao e reajustamento dasduas peas do sistema: o Parlamento e o Gabinete o Poder Executivoe o Poder Legislativo. Reajustar o Parlamento ao Povo e reajustar o Ga-binete a este Parlamento, assim previamente reajustado ao Povo eis afuno suprema do Prncipe no regime parlamentar. nisto que consis-te o reinar da frmula britnica: o rei reina, mas no governa.

    6 Olive ira Vianna

  • Esta funo de reinar no , portanto, uma funo passiva e mera-mente decorativa; , ao contrrio, uma funo ativa, delicada, que exi-ge muito tato, muita penetrao, muita sagacidade, um senso muitovivo do valor dos homens e um agudo instinto da psicologia das mul-tides; mas, principalmente, uma certa filosofia latitudinria em pol-tica, um certo indiferentismo s opinies dos partidos e tambmuma aceitao muito completa do princpio da soberania do Povo.

    Esta ltima condio essencial porque, se o Prncipe no aceitaintegralmente esta soberania, se faz sentir tambm a sua vontade no go-verno, isto , se, alm de reinar, quer tambm governar, no existe maisregime parlamentar e estamos desde ento no sistema absolutista,embora temperado.

    Esta subordinao completa do Prncipe vontade do Povo os in-gleses, na sua insularidade geogrfica e histrica, s a conseguiram es-tabelecer depois de lutas muitas vezes seculares. Na Europa continen-tal, os Prncipes se mostraram por muito tempo intratveis sobre esteponto e, embora aparentando condescender com o princpio demo-crtico, nunca se limitaram a reinar apenas, nunca se resignaram aabandonar inteiramente as suas velhas prerrogativas ao governo doPovo.

    Da conflitos vivssimos e prolongados, que tiveram, na Frana e naEspanha, principalmente, as suas manifestaes mais sangrentas.

    S depois de 1860 pode-se dizer que o princpio democrtico oprincpio do governo da Opinio entrou inteiramente nos costumespolticos e parlamentares da Europa em geral. Da em diante comexceo apenas da Rssia e da Alemanha os golpes de estado doPrncipe passaram a escassear e, quando vinham, j causavam fundasurpresa, espanto, indignao, um mal-estar tamanho, que o prprioPrncipe se sentia, depois dele, como que moralmente deslocado econstrangido.

    O Ocaso do Imprio 7

  • que por esse tempo j se havia formado entre os povos europeuso que se podia chamar uma conscincia parlamentar, a cujos dita-mes Prncipes, Gabinetes, Parlamentos, todos procuravam obedecer,de bom grado ou a contragosto, pouco importa, mas sempre com apossvel exatido.

    IIIEstas consideraes so necessrias para a exata compreenso do

    golpe de 1868, que deu por terra com o Gabinete Zacarias.Este fato a queda dos liberais chefiados por Zacarias decisivo

    para o prestgio das instituies em nosso pas. Pode-se dizer que ogrande processo de desintegrao do sistema monrquico data da eisto pela maneira singular por que se operou a modificao da situa-o parlamentar, em perfeito contraste com as idias dominantes nonosso ambiente poltico por aquele tempo, reflexo, por sua vez, dasidias dominantes no ambiente poltico do mundo.

    Na verdade, o golpe de 68, com o ser talvez o mais fecundo em con-seqncias polticas, foi tambm o mais singular dos nossos golpes pol-ticos. O partido liberal estava no poder desde 62 e, num pas de liber-dade poltica apenas on paper, sabe-se bem o que podia significar isto. omesmo que dizer que o partido liberal detinha todas as situaes nosmunicpios, nas provncias, no centro: e a Cmara liberal de 68, to to-cantemente unnime, era apenas uma alta expresso da tocante unani-midade liberal que existia por todo o pas, graas aos recursos torcion-rios da lei de 13 de dezembro lei que os liberais, quando apeados dopoder, combatiam vigorosamente e, quando instalados no poder, apli-cavam vigorosamente, ao modo dos conservadores.

    O Gabinete decado tinha como presidente Zacarias e este fatoteve uma importncia enorme nos acontecimentos. Zacarias era o que

    8 Olive ira Vianna

  • se chamava ento, com certa nfase, um homem de partido. Hoje,quando j no existem partidos, ele seria apenas o que costumamoschamar, no sentido vulgar da expresso, um poltico, diferindo dosdemais polticos nisto: que estes fazem poltica em pequeno estilo, eafirmando, e Zacarias fazia poltica em grande estilo, e negando.

    No fundo, por mais que fosse a sua cultura, por mais longo e fre-qente o seu trato com os grandes problemas nacionais, Zacarias nun-ca conseguiu libertar-se inteiramente da sua primitiva mentalidade dehomem de cl e via sempre tudo, mesmo as idias mais srias e altas,atravs do ngulo estreito do esprito de partido. Di-lo Nabuco bela-mente:

    Sua existncia poltica pode ser comparada do religioso, aquem so vedadas as amizades pessoais e que se deve dedicar todo sua Ordem, obedecer s sua Regra. O partido era a sua famlia es-piritual: a ele sacrificara o corao, a simpatia, as inclinaes pr-prias; ele podia dizer da poltica o que se disse da vida espiritual,que o mais repulsivo dos vcios a sentimentalidade. No havianele trao de sentimentalismo; nenhuma afeio, nenhuma fraque-za, nenhuma condescendncia ntima projetava a sua sombra sobreos atos, as palavras, o pensamento mesmo do poltico. A sua posi-o lembrava um navio de guerra, com os portals fechados, o con-vs limpo, os fogos acesos, a equipagem a postos, solitrio, inabor-dvel, pronto para a ao.

    V-se que faltava a Zacarias a mentalidade do homem de Estado.Foi talvez um grande chefe de partido, mas certo que nunca foi, nempodia ser, um estadista. O verdadeiro estadista, como observa um bio-grfico de Hamilton, pratica a poltica da colmia, ao passo que ospolticos praticam outra poltica a poltica da abelha. No primei-

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  • ro, tudo se subordina ao interesse coletivo. Nos segundos, tudo se su-bordina ao interesse individual. Zacarias, claro, no se inclui entre osprimeiros, mas no seria justo inclu-lo entre os segundos, fazendo-oum desses tipos polticos que, como de Aaron Burr disse Oliver, pro-curam, antes de tudo, na colmia o mel e isto porque Zacarias, ape-sar do seu partidarismo, era pessoalmente desinteressado e, em mat-ria de honestidade, absolutamente intangvel. Zacarias poderia figurarentre os que praticam a poltica da colmia, desde que o conceito dacolmia seja o do partido e no o da ptria. Na relativa estreiteza, nodiremos do seu esprito, que era alto e amplo, mas do seu corao, eleno via, ou melhor, no sentia nada alm disso que formava o grmiodo seu partido: os horizontes da ptria eram muito extensos para o al-cance da sua afetividade.

    No perodo crtico da guerra do Paraguai, a sua atitude para comCaxias perfeitamente demonstrativa da sua incapacidade moral ouafetiva para sentir outro interesse que no o interesse do seu partido.Ela d a medida exata da mentalidade de Zacarias como homem deEstado, como d a medida exata da sua incapacidade para praticar apoltica da colmia, quando a colmia a ptria e no o partido. Feij,Bernardo ou Paranhos teriam procedido diversamente; mas estes jpertencem a um outro tipo de homens, ao grupo de gigantes polticosdo molde hamiltoniano ou bismarkiano.

    Este esprito excessivamente partidrio de Zacarias iria revelar-semais uma vez e j agora de modo fatal para o seu partido no inci-dente de 68, de que resultou a demisso do Gabinete de 3 de agosto,por ele presidido.

    sabido como se passou o fato. Na lista trplice de senadores peloRio Grande do Norte, ao lado de dois ilustres desconhecidos, vieraSales Torres Homem, grande orador e grande escritor, senhor de umdos mais luminosos e cultos talentos da sua poca. Dizia-se dele que

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  • trazia na cabea a chave de todos os problemas nacionais no que hevidentemente uma boa dose de iluso, porque Torres Homem per-tencia classe dessas belas inteligncias, feitas para o idealismo e aimaginao, mais artsticas do que positivas, mais literrias do que ci-entficas, para quem uma bela frase vale bem uma bela ao e uma pa-lavra eloqente sempre a rainha do mundo regina rerum oratio, boamaneira romana.

    O Imperador que no tinha dio aos homens de talento, comoDomiciano aos homens de bem preferiu escolher Sales Torres Ho-mem. Era justo que o fizesse, tanto mais quando os dois outros con-correntes eram entidades, seno inteiramente annimas, pelo menosrazoavelmente annimas. Zacarias, entretanto, discordou porque ti-nha um certo ressentimento de Torres Homem. Objetou que no jul-gava acertada a escolha; sugeriu a de Amaral Bezerra, figura obscura,mas chefe provincial do partido de Zacarias. Nunca disse porque nojulgava acertada a escolha do Imperador; naturalmente porque sentiaque os motivos no eram dos mais elevados, nem recomendaria muitoaos olhos da posteridade a sua proverbial austeridade de Cato, censorimplacvel das faltas e erros alheios.

    O Imperador, mais uma vez, no atendeu a Zacarias. Sentindo-sedesautorizado, Zacarias apresentou a sua demisso, a demisso coleti-va do Gabinete.

    Neste caso que se evidencia o esprito partidrio de Zacarias.V-se como este grande homem grande por tantas qualidades supe-riores de inteligncia e carter era, sob este aspecto, uma individuali-dade de segunda ordem, revelando uma mentalidade de chefe de cl dealdeia grande. Um dos atributos mais discriminatrios do Poder Mo-derador era justamente a escolha dos senadores nas listas trplices. Opoder dos partidos ia at a eleio e era o bastante; mas a escolha deum dos eleitos era coisa do pleno arbtrio da Coroa. O que Zacarias

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  • pretendia era, nada menos, que a Coroa se fizesse partcipe do exclusi-vismo dos grupos partidrios, com seus odiozinhos, as picuinhas, assuas prevenes, os seus ressentimentos e, talvez mesmo, as suas guer-razinhas ao merecimento e altivez.

    Disse-se que o Imperador, por fim, acabou cedendo tambm nesteponto ambio insacivel dos polticos e passou a escolher os sena-dores nas listas trplices segundo a indicao dos presidentes do Con-selho; mas, se assim foi, ele cedeu com esta transigncia lamentvel oque havia de mais liberal na bela faculdade que lhe fora outorgada pelaConstituio.2 Num pas como o nosso, onde o esprito de partidaris-mo to vivaz e absorvente que homens da respeitabilidade e do pres-tgio nacional de Zacarias no coravam de descer a mesquinha mano-bras de politicagem contra os adversrios, s a Coroa, fora dos parti-dos e das vicissitudes eleitorais, pela imparcialidade da sua viso alta elarga, no uso da bela prerrogativa constitucional, seria capaz de impe-dir que o mrito, o talento, a cultura fossem sacrificados habitual in-tolerncia e ao desdm dos nossos mandes politicantes, trouxessemeles os gales ridculos de broncos coronis de aldeia ou ostentassem ochapu de bico e o fardo vistoso de ministros da Coroa.

    IVDemissionrio o Gabinete liberal de 3 de agosto, o Imperador ia

    usar a mais delicada faculdade do Prncipe no regime parlamentar: ada formao do novo Gabinete. Normalmente, como vimos, nestacontingncia, ao Prncipe se abrem dois caminhos: ou ele constitui umGabinete de acordo com a opinio dominante na Cmara, ou dissolvea Cmara, manda proceder s eleies e, de acordo com a nova opinio

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    2 MONTEIRO, Tobias. Pesquizas e Depoimentos, p. 15.

  • do pas, revelada por essas eleies, constitui o novo Gabinete. Era oque faria o soberano na livre Inglaterra e foi o que fez pelo menos,aparentemente D. Pedro. Deu demisso ao liberal Zacarias e cha-mou para organizar o novo Gabinete o conservador Itabora. Depois,concedeu a dissoluo da Cmara e mandou fazer eleies com o fitodemocrtico de sondar a opinio. Realizada a sondagem, verificou-seento que a opinio do pas estava toda ao lado dos conservadores tanto que a nova Cmara era unanimemente conservadora, como a an-terior era unanimemente liberal.

    Em boa doutrina, nada havia que atacar na soluo dada delicadaquesto poltica suscitada pela demisso de Zacarias. O Gabinete Ita-bora passara a governar com uma maioria esmagadora. Os princpiosdo regime representativo parlamentar estavam assim perfeitamenteressalvados.

    Estas, porm, as aparncias; as realidades no eram propriamenteassim. Zacarias demitira-se de uma maneira singularssima porqueextraparlamentar. No fora uma moo de desconfiana que o levara apedir demisso; a sua situao parlamentar era, no prprio dia da de-misso, slida, magnfica, indesmontvel: pode-se dizer que no tinhaa maioria, mas a unanimidade mesma da Cmara!

    Nesta, nenhuma agitao. Nenhum debate srio. Nenhum pontode doutrina em jogo. Nenhum caso poltico ou administrativo. Nada:em toda ela a fisionomia calma, unida, espelhante de um lago em re-pouso.

    Zacarias demitira-se por um motivo frvolo, personalssimo, in-compatvel com a elevao de um homem de Estado, criando com aimpertinncia do seu capricho e a irritao do seu ressentimento umacrise poltica desnecessria, ou, pelo menos, sem justificao no mo-mento. Logicamente, dada a situao unanimemente liberal da Cma-ra, demitido Zacarias, caberia a um outro prcer liberal organizar o

    O Ocaso do Imprio 13

  • novo Gabinete. Entretanto, o Imperador chamou Itabora e o novoGabinete, que apareceu diante desta Cmara unanimemente liberal,era unanimemente conservador!

    No se podia conceber nada mais flagrantemente contrrio aosprincpios do regime parlamentar. O Imperador desta vez desdenhava,desprezava, repudiava, da maneira mais franca e acintosa, a opinio doParlamento.

    Enorme a surpresa, o espanto, a indignao da Cmara. Jos Bonif-cio, grande e admirvel orador, teatral e magnfico, esteve num dos seusgrandes dias. E a Cmara aprovou a seguinte moo de desconfiana:

    A Cmara dos Deputados v com profundo pesar e geral sur-presa o estranho aparecimento do atual Gabinete, gerado fora doseu seio e simbolizando uma nova poltica, sem que uma questoparlamentar tivesse provocado a queda dos seus antecessores. Ami-ga sincera do Sistema Parlamentar e da Monarquia Constitucional,a Cmara lamenta este fato singular, no tem e no pode ter con-fiana no Ministrio.

    Fossem quais fossem os motivos que levaram o Imperador a estaatitude, o certo que este seu ato determinou uma mudana geral nosistema de crenas e idias dominantes no mundo poltico de ento.Da por diante comeamos a assistir a um duplo fenmeno: a descren-a progressiva nas virtudes do sistema monrquico-parlamentar e umacrescente aspirao por um novo regime, uma nova ordem das cousas.Cristiano Ottoni exprimiu este duplo fenmeno, vendo, no primeiro,o descrdito que a poltica lanara sobre as instituies e, no segun-do, a evoluo natural da idia democrtica.

    14 Olive ira Vianna

  • VO trao caracterstico desse grande movimento da opinio, que se

    seguiu ao golpe do Imperador contra os liberais em 68, era o de umairritao viva, ardente, explosiva contra o Poder pessoal, considera-do pelos liberais como uma deturpao do Poder Moderador, que aConstituio confiava Coroa. E a verdade que esta irritao era ine-vitvel. Porque s os que ignorassem os nossos costumes polticos e amentalidade dos nossos partidos poderiam supor possvel que o Po-der Moderador, supremo regulador do sistema parlamentar, pudessefuncionar aqui com a mesma perfeio com que funcionava entre osingleses. Faltavam nossa sociedade todas as condies para isto.

    O governo parlamentar, como j vimos, essencialmente um go-verno de opinio, isto , um governo cuja instituio num dado povopressupe a existncia de uma opinio pblica organizada. Ora, estaopinio pblica organizada, capaz de governo, nunca existiu aqui,nem hoje, nem outrora; alhures, j o dissemos por qu.3

    Havia como ainda h hoje uma opinio informe, difusa, inor-gnica, que era a que se formava nos centros universitrios, nos clubespolticos, nas sociedades manicas e principalmente na Imprensa.Esta opinio, alis, tinha sempre um carter artificial, era quase sem-pre um reflexo americano das agitaes europias. S exprimia real-mente o pensamento de uma pequena parcela das classes cultas dopas. O Imperador no desdenhava de atend-la e assim o fez nocaso da Eleio direta, no caso da Abolio, no caso da Federao.

    Esta opinio, de origem habitualmente extica, em regra, nuncaaparecia pura e extreme; sempre se mostrava, ao contrrio, muito im-pregnada das animosidades do partidarismo, muito comprometida

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    3 VIANNA, Oliveira. O idealismo da Constituio (in margem da Historia daRepublica; por varios escriptores da nova gerao. Rio, 1924).

  • com o esprito de faco, para que se pudesse consider-la semprecomo um ndice sadio da opinio nacional. E, justamente, por isso,ela devia ter constitudo para o Imperador, todas as vezes que eraobrigado a organizar novo Gabinete, um dos grandes motivos deperplexidade.

    Esta perplexidade do Imperador no devia ser menor quando ele,no intuito de conhecer a opinio do pas, buscava-a, ou tentava bus-c-la, na opinio dos partidos. Porque os partidos polticos do Imp-rio, imponentes embora pela sua massa, no tinham propriamenteuma opinio; eram simples agregados de cls organizados para a ex-plorao em comum das vantagens do Poder. Certo, houve aqui umafase em que os partidos tiveram verdadeiramente uma opinio: foi operodo da Independncia, do 1.o Reinado e da Regncia. Depois des-sa grande fase histrica, pode-se afirmar com fundamento que os par-tidos polticos no representavam realmente correntes de opinio; osprogramas que ostentavam eram, na verdade, simples rtulos, sem ou-tra significao que a de rtulos.

    O prprio liberalismo da Constituio tornara, alis, difcil estadiscriminao muito ntida das opinies. Zacarias exprimiu muitobem este fato no seu discurso de 18 de junho de 1870, no Senado:

    O argumento do nobre senador dizia ele envolve umaconfuso de idias manifesta: O conservador no Brasil necessa-riamente liberal, porque a Constituio do Brasil contm institui-es santas, liberais; o conservador quer manter estas instituies;logo liberal. O argumento podia ser invertido pelos liberais, di-zendo: A Constituio Brasileira contm instituies santas, li-berais; o partido liberal quer mant-las; logo, s o liberal con-servador.

    16 Olive ira Vianna

  • J em 53, alis, a chamada poltica da conciliao, de Paran, uma prova do vago, do indefinido, do incerto contido nos programasdos dous grandes partidos do Imprio. O fato que nenhum dessesdous programas representava convices definitivas e sinceras. Tantoque os liberais, quando no governo, agiam sempre de maneira idnticaaos conservadores: o inebriamento do poder como que os fazia olvi-dar os seus mais caros ideais, calorosamente pregados quando nasagruras da oposio. O programa liberal era uma espcie de trombetasonora, que os liberais s se lembravam de clarinar com fogo, combrio, com mpeto, quando, como em 68, o Imperador os atirava mo-mentaneamente no ostracismo. Ento, todo o pas acordava sob umestridor imenso de toques de alarma, de sonoridades marciais, de cn-ticos de guerra, chamando a postos as conscincias altivas para a defe-sa da Ptria, da Democracia e da Liberdade. Desde o momento, po-rm, em que, ao aceno da Coroa, retornavam ao poder, cessavam desbito o trombetear formidvel e passavam a ser ... como os conser-vadores.

    O caso de Sinimbu tpico. Em 77, quando na oposio, ele pro-nunciava estas palavras de altiva e nobre verdade:

    Temos uma misso mais elevada e educar a populao.Ora, esta educao no pode ser feita seno pelo exemplo, que aprimeira lio, a primeira base de qualquer educao. O povo temos olhos fitos nos seus homens de Estado e se ele os v dbios, con-traditrios, incertos, oscilantes em suas idias, perde-lhes a f e aconfiana.

    Um ano depois, em 78, com a subida dos liberais, Sinimbu, cha-mado ao poder, realiza uma das mais violentas reaes antiliberaisda nossa histria poltica. Para esmagar o Partido Conservador,

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  • onipotente at a vspera, usou recursos tais de compresso eleito-ral, que chegaram a levantar protestos dos prprios aliados, os re-publicanos.

    Uma das provas, alis, mais decisiva de que os programas partidri-os no tinham significao prtica est em que as grandes reformas li-berais a Eleio Direta, a Reforma Judiciria, as leis da EmancipaoServil foram todas obras realizadas pelos conservadores. Tambmos liberais, quando na oposio, acusavam a lei de 3 de dezembro de1841 de ser o mais poderoso aparelho de compresso de que se pode-ria armar o Governo. Entretanto, durante o perodo de 62 a 68, emque estiveram no poder, nunca acharam tempo para tocar nesta lei efoi justamente manejando esse formidvel aparelho de compresso earbtrio que eles conseguiram aquela majestosa unanimidade de 68!

    O Partido Conservador no agia de modo diverso. Para no aban-donar o poder, adiantava-se no caminho das inovaes e apropriava-sedas idias pregadas justamente pelos liberais. Um conservador orto-doxo, Andrade Figueira, por ocasio da Lei Rio Branco, atacou comeloqncia esse latitudinarismo doutrinrio dos chefes conservadorese disse estas palavras cruis:

    Pois um partido no poder h de renegar suas idias e realizar asidias dos seus adversrios s pelo receio de que eles venham subiramanh? O Partido Liberal, que explora o futuro, pode atirar-se aessas aventuras; mas o Partido Conservador, que marcha com pas-so certo, em caminho conhecido, no pode nunca dar passos im-prudentes, s para evitar que os seus adversrios subam ao poder.

    Este mesmo latitudinarismo permitiu mais tarde aos conservadoresuma mobilidade ainda maior nos movimentos de transigncia. Na-buco quem observa, referindo-se Abolio:

    18 Olive ira Vianna

  • Quando a Monarquia se sentiu obrigada a tocar neste pon-to delicado da economia social, o partido ultraconservador, osantigos saquaremas do Rio de Janeiro, educados por Torres, Pa-ulino e Eusbio, passaram todos estrepitosamente para a Re-pblica.4

    Os dous velhos partidos do Imprio, como se v, no tinhamopinio, como no tinham programas. O objetivo era a conquistado Poder e, conquistado este, conserv-lo a todo transe: nada mais.Era este o principal programa dos liberais como o era dos conser-vadores.

    Essa atitude dos dois grupos partidrios fazia com que o Impera-dor acabasse convencido de que no podia encontrar na opinio dospartidos nenhum ndice seguro das correntes interiores, que porventu-ra animassem a conscincia do pas. Mas, Sr. Honrio, onde estoos nossos partidos? perguntava, em 53, a Paran.

    No fundo, sente-se que ele dava uma importncia pequena, oumesmo, no dava importncia alguma opinio dos partidos. O golpeparlamentar de 68 , na verdade, uma bela prova disto. Ningum ex-primiu melhor, e com maior conhecimento de causa, do que o prprioZacarias este estado dalma do Imperador. Disse ele, com efeito, nasesso de 18 de junho de 1870:

    O conservador no respeita o liberal; o liberal no respeita oconservador; o conservador flagela o liberal; o liberal flagela oconservador e o resultado que a Coroa tem em m conta um eoutro.

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    4 NABUCO, Joaquim. Balmaceda, p. 28.

  • VIHavia, certo, o recurso das eleies. Em tese, dentro dos princ-

    pios de pura teoria do regime representativo, era este o mais legti-mo processo de sondagem da opinio pblica. O Imperador ape-lou para ele vrias vezes, quando concedia a dissoluo da Cmara.Foi o que fez em 68, quando chamou Itabora. Foi o que fez em 78,quando chamou Sinimbu. Num e outro caso, tendo modificado acolorao poltica do Gabinete, dissolvia a Cmara e procurava in-formar-se da opinio do pas atravs da colorao partidria do fu-turo Parlamento.

    O processo eleitoral, entretanto, tambm no lhe dava nenhum n-dice seguro da opinio nacional. S nos pases de opinio organizada que o processo eleitoral pode ser um meio eficaz de sondagem da opi-nio do povo; no, num pas como o nosso. Falta-nos esprito pbli-co. Falta-nos organizao de classes. Falta-nos liberdade civil.

    Realmente, esprito pblico nunca existiu no Brasil. Entre ns, avida poltica foi sempre preocupao e obra de uma minoria diminuta,de volume pequenssimo em relao massa da populao. O grossodo povo, levado s urnas apenas pela presso dos caudilhos territo-riais, nunca teve esprito poltico, nem conscincia alguma do papelque estava representando.5 No Brasil, como observa Luiz Couty, noexiste povo no sentido poltico da expresso. E um esprito irreverenteexprimiu uma vez este mesmo pensamento, dizendo que aqui povo uma reunio de homens, como porcada uma reunio de porcos.

    Organizao de classes tambm no existia, como ainda noexiste, capaz de dar ao processo eleitoral uma significao realmen-

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    5 V. VIANNA, Oliveira. Pequenos Estudos de Psicologia Social (cap. Os fatores do absen-tesmo eleitoral).

  • te democrtica, maneira britnica ou norte-americana. Durante operodo imperial tnhamos, ainda mais do que hoje, uma estruturasocial muito simplificada; de maneira que a vida poltica no sedistribua por vrios centros da atividade, no se dispartia por vri-as classes ou grupos profissionais: concentrava-se quase toda numaclasse nica, que era a grande aristocracia territorial. Esta prepon-derncia to absorvente da grande aristocracia da terra fazia comque nem a classe mdia rural, nem a plebe dos campos tivessem, oupudessem ter, opinio. Demais, devido extrema simplificaotrazida nossa estrutura social pelos grandes domnios inde-pendentes,6 os interesses das classes populares rurais no estavampropriamente em oposio aos da aristocracia territorial; antes,acordavam-se. De modo que, no seio da populao dos campos,no se podiam formar, como nunca se formaram, correntes de opi-nio desencontradas, capazes de revelar-se no processo eleitoral.

    Nos grupos urbanos, por sua vez, a estrutura social era quase torudimentar como nos campos. Ento, os conflitos de classes, prprioss sociedades de alta organizao industrial, no tinham ainda razode ser. Igualmente no se havia constitudo aqui como na Argentinada poca caudilheira, segundo Sarmiento nenhum antagonismo en-tre as populaes dos campos e as populaes das cidades.

    Em sntese: pela grande simplicidade da nossa estrutura social;pela ausncia de antagonismo de classes; pela feio acentuadamentepatriarcal da nossa sociedade, a opinio do povo, sob o 2.o Imprio,estava ainda em condio muito rudimentar. O processo de sondagempor meio das eleies no podia trazer, pois, ao Imperador nenhumelemento seguro de orientao.

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    6 V. VIANNA, Oliveira. Populaes Meridionais do Brasil, I, cap. VII.

  • Num povo sem educao eleitoral e de opinio embrionria, o pro-cesso de consulta nao, prprio aos governos parlamentares, es-tava realmente condenado a ser, como sempre foi, uma pura ficoconstitucional.

    VIIDemais, a dissoluo da Cmara para a consulta Nao se ha-

    via transformado numa fora ridcula, verdadeira burla dada acorrupo do prprio processo eleitoral. Mesmo que o nosso povotivesse opinio, a fraude no a deixaria revelar-se e isto porque opartido que estivesse no poder ganhava sempre, e o partido que es-tivesse debaixo, na oposio, perdia sempre tal como hoje. Na-buco, o velho, chegou mesmo a formular esta lei no seu famoso so-rites: O Poder Moderador pode chamar quem quiser para orga-nizar Ministrios; esta pessoa faz a eleio, porque h de faz-la;esta eleio faz a maioria.

    que nos faltavam ento e ainda nos faltam agora as condi-es necessrias para eleies livres. Uma dessas condies preci-samente que cada um dos cidados, cada um dos eleitores, tenhaperfeitamente assegurada a sua liberdade civil e era isto o que noacontecia aqui.

    Em nosso pas, com efeito, nunca existiram grandes tradies de le-galidade, maneira da Inglaterra, por exemplo, onde os preceitos dacommon law tm qualquer coisa de sagrado aos olhos das autoridades eaos olhos das multides. Nem a Magistratura aqui teve jamais essafora, essa autoridade, esse prestgio, que punha uma to confiada ar-rogncia no corao do moleiro de Frederico, o Grande. Aqui, todosesse aparelhos protetores das liberdades individuais sempre funciona-

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  • ram mal, deixando o homem do povo na iminncia ou na atualidadedos golpes de vindita dos poderosos.7 Cada homem do serto ou damata entre ns bem podia dizer como aquele campons de Paul LouisCourier: Je suis malheureux: jai fch monsieur le maire; il me fautvendre tout et quitter le pays. Cest fait de moi, si je ne pars bientt.

    Era esta, na verdade, a condio das nossas massas populares sob alei de 3 de dezembro de 41. certo que a Reforma Judiciria de 71 as-segurou um pouco mais os particulares contra o arbtrio das autorida-des. Estas garantias, entretanto, continuaram a ser precrias; no pas-savam, afinal, de garantias no papel; na prtica, os velhos costumespermaneceram e estes asseguravam o mais completo absolutismoaos mandes locais.

    Ora, pelo mecanismo da centralizao, todos esses mandes locaisestavam na dependncia dos Gabinetes, ou mais exatamente, dos che-fes de Gabinete. Este, atravs da poderosa mquina centralizadora,mobilizava sua vontade esse formidvel exrcito de tiranetes locais.Era debalde que as oposies tentavam lutar contra a fora irresistveldessa compresso organizada.

    O Governo, expresso de um partido, tem o direito de intervir noprocesso eleitoral dizia, em 1840, Antnio Carlos. Esta doutrinaabsurda pode-se dizer que era a expresso do pensamento ntimo detodos os polticos no poder, tanto liberais como conservadores e ne-nhum deles, tanto liberais como conservadores, deixou de aplic-la in-tegralmente. S Saraiva, em 82, na execuo da lei da eleio direta,desmentiu esta regra o que lhe valeu uma ascendncia imensa sobretodos os polticos de seu tempo.

    O recurso da dissoluo da Cmara, o expediente da consulta Nao, se havia transformado numa verdadeira burla, em que nin-

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    7 VIANNA, Oliveira. Populaes Meridionais do Brazil, I, cap. VIII.

  • gum mais acreditava. Dissolvida a Cmara, j se sabia de antemo com a certeza certa de uma previso astronmica que a nova Cmaravinha inteiramente feio do novo Gabinete. Em julho de 68 caa ogabinete Zacarias com uma Cmara unanimemente liberal. Esta C-mara, Itabora, conservador, dissolveu: a Cmara nova, eleita no mes-mo ano, veio unanimemente conservadora! Em 1878 deu-se o contr-rio; foi o Gabinete conservador que caiu; substituiu-o um Gabinete li-beral, o Gabinete Sinimbu: e a Cmara, soberbamente conservadora,dissolvida, voltou soberbamente liberal!

    Certamente, reformas vrias do mecanismo eleitoral procurarampr um bice a estes desmandos da fraude e a Lei Saraiva, que subs-tituiu o velho sistema da eleio de dois graus pela eleio direta, pare-ceu, primeira vista, ter conseguido este grande objetivo.8 Mas averdade que nem esta lei, nem as leis anteriores puderam contravir sartimanhas dos nossos bosses eleitorais. Estes sempre se mostraram ina-preensveis, intangveis, invencveis no prodigioso diabolismo das suashabilidades de prestmanos. Por mais cautelosas e casusticas que fos-sem todas estas leis, eram nada diante dos truques sugeridos pelainventiva maravilhosa desses Fregolis da cabala.

    VIIIO que aconteceu com o sistema da eleio direta tpico. Este siste-

    ma havia aparecido nos nossos meios partidrios como uma criao mi-raculosa do engenho poltico. Todos os outros sistemas eleitorais, atento praticados, tinham falhado. Falhara a lei dos crculos, de 55.

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    8 Cf. ROURE, Agenor de. Cap. IX, I (Contribuies para a Biographia de D. PedroII). E LYRA, Tavares de. Regimen eleitoral (in Dicionario Historico e Geographico doBrazil, V. I).

  • Falhara a reforma de 60, com os seus distritos de trs deputados. Falha-ra a reforma de 75, que estabelecera o princpio da representao dasminorias. Todas elas deixavam brechas por onde o governo pudera insi-nuar-se, impor a sua vontade e o seu arbtrio. Em suma, o sistema dosdois graus falhara: mostrara-se extremamente dcil vontade do Poder.

    O mal devia estar ento neste sistema e os espritos mais impaci-entes voltaram-se, cheios de esperanas, para o sistema da eleio dire-ta. Houve um momento mesmo em que foi tamanho o entusiasmopela eleio direta, tamanha a f nas suas virtudes, que ela passara a ser,como confessava Sinimbu, no mais uma questo de partido, mas umaquesto nacional: todo o pas a reclamava!

    O Imperador foi um dos primeiros a perceber isto e foi ele quem,com a sua alta autoridade, ensinou Sinimbu a agitar o problema e pro-mover a sua soluo parlamentar. Sente-se que ele se deixara tomar tam-bm do idealismo ambiente, que era, alis, o idealismo do mundo. Por-que o nosso movimento pela eleio direta no foi original, mas apenasuma prolao do movimento europeu neste sentido. Refletamos os cla-mores dos partidos europeus e as aspiraes que agitavam o VelhoMundo. Ento, o sufrgio revelava ali uma tendncia a generalizar-se, aaproximar-se cada vez mais das maiorias populares. Esta tendncia atin-gia o seu mximo de intensidade, justamente na poca em que iniciva-mos aqui, com o estmulo do Imperador, o movimento pela eleio di-reta. Esta contemporaneidade dos dois movimentos mostra o cartermeramente reflexo do nosso e nossa esperana quase messinica naeleio direta no era seno a esperana contempornea de todos os po-vos civilizados no sufrgio universal. Estvamos na convico de que onovo sistema eleitoral armaria o povo com uma arma invencvel contrao arbtrio do poder. Com o sufrgio direto, o Parlamento seria, nomais uma massa passiva de dependentes, sados dos conluios dos gabi-netes ministeriais, mas uma legtima expresso da vontade nacional.

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  • Coube a Saraiva a execuo da lei de 81, em que se consubstanciaraa grande aspirao nacional. Saraiva, ao contrrio de Zacarias, no ti-nha o temperamento de um homem de partido: era uma natureza lgi-da, insusceptvel ao fanatismo das grandes convices e inapto sgrandes vibraes do entusiasmo. Ningum mais capaz de executaruma lei, em que a qualidade principal do executor seria o desprendi-mento, a fria imparcialidade, o sentimento da verdade pura. Zacarias,com o seu vivo sentimento partidrio, no a executaria como no aexecutariam Paulino ou Sinimbu, cuja compresso eleitoral de 78 en-chera de surpresa, seno de espanto, a conscincia do pas.

    Os resultados da nova lei foram surpreendentes. O nosso povo tevepor um momento a impresso que havia encontrado nela a chave dasua liberdade poltica: pela primeira vez o governo fora derrotado!

    Para este magnfico xito no contribuiu apenas a retido e a im-parcialidade de Saraiva: h que contar tambm com a interveno di-reta do Imperador. Nada mais comprobativo da alta compreenso queo velho dinasta tinha da sua grande misso constitucional do que a suainsistente diligncia junto a Saraiva, por ocasio da primeira experin-cia da lei de 80, e mesmo depois, junto a Dantas, nas eleies de 84.Quem ler hoje a correspondncia dele com Dantas por essa poca, nopoder deixar de sentir uma emoo comovida diante deste ancio, so-brecarregado das mil preocupaes do seu cargo, mas atento aos me-nores detalhes e s menores providncias, necessrias a assegurar umaexecuo perfeita quela grande lei. O Imperador se tornou o fis-cal-mor da oposio junto ao ministrio, ao ponto de Dantas conside-rar que aquela preocupao, por exagerada, quase redundava em prefe-rncia pelos adversrios diz um historiador.

    No fundo, D. Pedro sentia que o resultado bom ou mau da Lei Sa-raiva ia dar a prova crucial da excelncia do velho regime. Soberanovisceralmente democrtico, cioso da sua dignidade de rei, mas no do

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  • seu direito divino, em que certamente no acreditava, ele no teria ne-nhuma repugnncia em acatar a opinio do Povo, desde que ela se lherevelasse de uma maneira clara e insofismvel, mandando s Cmarasuma representao que fosse a expresso legtima da sua vontade. Eleconfessou, alis, isto mesmo nas suas notas ao livro de Tito Franco.

    O xito inicial da Lei Saraiva foi devido, em parte, ao conjugadado Imperador e do chefe do Gabinete; em parte, tambm, a este estadode exaltao generosa e idealista, que acompanha sempre a estria dasgrandes reformas e sob a qual todos os pequenos egosmos, todas aspequenas impurezas da nossa pobre humanidade como que se fundemou se volatilizam.

    Passada, porm, esta fase climtica de exaltao, os homens retornamlogo ao seu pequeno horizonte emotivo e, mesmo, ao seu pequeno hori-zonte intelectual e voltam a viver dentro do seu egosmo anterior. Porisso, como todas as outras leis, a dos crculos, a do tero, etc., a Lei Saraivatambm falhou. Nas eleies seguintes restauravam-se as velhas praxesopressivas. Nenhum dos homens do poder teve mais a abnegao de Sa-raiva. Nenhum mais se resignou a sofrer a provao da sua derrota. Ogoverno, como outrora, passou a ganhar sempre. A oposio, como ou-trora, passou a perder sempre. Voltaram as Cmaras unnimes e com elaso protesto, o clamor, o desespero dos condenados s geenas do ostracismo.

    Em suma, durante o Imprio, o destino dos partidos estava, no naopinio do Povo, mas na opinio dos Gabinetes. Estes que davamaos partidos no poder, com as situaes locais e provinciais, essas be-las unanimidades parlamentares, contra que investia a clera dos pol-ticos cados em desgraa. Se era conservador o Gabinete, todo o passe revestia de uma colorao conservadora; mas, se acontecia ser libe-ral o Gabinete e a poltica rotativa do Imperador sempre permitiaque isto acontecesse o matiz poltico que cobria o pas passava a serdesde ento impressionadoramente liberal!

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  • IXNingum mais convencido de tudo isto, desta fico, desta burla,

    desta artificialidade do regime representativo no Brasil do que D. Pe-dro e isto justamente que transparece das suas notas ao livro deTito Franco. Compreende-se, pois, a delicadeza da sua situao noexerccio da grande faculdade constitucional, todas as vezes que seabria uma crise de Gabinete. Numa Cmara liberal, por exemplo, seele chamasse um Gabinete conservador sem conceder a dissoluoda Cmara seria logicamente impossibilitar quele os meios de go-verno; mas, concedida a dissoluo, isto importaria na vitria segurado novo Gabinete: e a situao anterior, por mais slida que fosse, se-ria reduzida a destroos, ao sopro violento das derrubadas.

    O destino dos partidos estava, pois, dependente de um simples ace-no do Imperador chamando este ou aquele prcer partidrio aoPao. Ele fazia cair os partidos e fazia subir os partidos, vontade:bastava para isso pr nas mos de Zacarias ou de Itabora, de Nabucoou de Uruguai, de Saraiva ou de Cotegipe, os admirveis mecanismosde compresso poltica, que os prprios partidos, quando no poder, ejulgando-se indesmontveis, haviam organizado.

    D. Pedro era um esprito liberal e equnime, puro homem de bem,sem gosto nenhum pela poltica e as suas agitaes. Por isso mesmo,adotara uma atitude de paternal e displicente imparcialidade para comos dois partidos. Ora chamava um, ora chamava outro ao poder, semdar nenhuma considerao aprecivel opinio da Cmara, cujas ori-gens esprias bem conhecia.9

    9 Desde de 1840 se tem querido inculcar que a Cora perde de sua fora e dignida-de sempre que se conforma com a opinio das Cmaras, tanto na organisao, como nadissoluo dos ministerios observava um panfletrio da poca. Cf. LYRA, Tavares de.Cap. III das Contribuies para a Biographia de D. Pedro II (Rev. Trimensal, t. esp., 1925).

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  • Ele bem compreendia que o papel do rei constitucional, exercido maneira inglesa, seria aqui absolutamente irrepresentvel por qualquersoberano que aspirasse o ttulo de justo. Se, quando se operava umacrise ministerial, em vez de formar um Gabinete de colorao contr-ria, como costumava de quando em quando fazer, ele adotasse siste-maticamente a frmula britnica e formasse sempre Gabinetes damesma colorao da Cmara, seria isto ele bem o sentia fixar nopoder ad aeternitatem o partido do Gabinete. Seria o que Saraiva chama-va a condenao dos adversrios ao inferno de Dante ao ostracis-mo permanente e irremissvel.

    Nestas alternativas das situaes partidrias, o Imperador pareciano ter outro critrio seno o do tempo: ele fazia o revezamento dospartidos conforme o tempo da estadia deles no poder. Em 1868, de-pois de seis anos de domnio do partido liberal, fazia subir ao poder,com surpresa geral, o partido conservador. Em 1878, depois de dezanos de governo conservador, fazia subir os liberais. Realizava assim,com a sua equanimidade, aquilo que o povo, com a sua incapacidadedemocrtica, no sabia realizar.

    XOs polticos, entretanto no compreendiam (ou fingiam no com-

    preender) esta imparcialidade do Imperador. Em boa verdade no apodiam compreender, ou antes, no a podiam admitir.

    Em nosso pas, com efeito, os partidos no disputam o poder pararealizar idias; o poder disputado pelos proventos que concede aospolticos e aos seus cls. H os proventos morais, que sempre d a pos-se da autoridade; mas h tambm os proventos materiais, que essaposse tambm d. Entre ns a poltica , antes de tudo, um meio de

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  • vida: vive-se do Estado, como se vive da Lavoura, do Comrcio e daIndstria e todos acham infinitamente mais doce viver do Estado doque de outra coisa.

    Num pas assim, a conquista do poder um fato inquestionavel-mente mais srio e mais dramtico do que em outro pas, em que osindivduos vo ao poder no intuito altrustico de realizar um grandeideal coletivo. Da a spera violncia das famosas derrubadas. Opartido que subia derrubava tudo quer dizer: sacudia para fora doscargos pblicos, locais, provinciais e gerais, todos os ocupantes adver-srios. Era uma vassourada geral, que deixava o campo inteiramentelimpo e aberto ao assalto dos vencedores. Equivale dizer que cabiam aestes as batatas, se no h engano na filosofia de Quincas Borba. Sa-be-se, alis, aquele dito espirituoso de Martinho de Campos, quandoteve que deixar a pasta de ministro: Perdi o emprego!

    Era um gracejo; mas este gracejo encerrava a sntese de toda a filo-sofia poltica no Brasil. No fundo, quando caa um Gabinete, todos osque formavam o estado-maior deste partido nos municpios, nas pro-vncias, no centro repetiam, ou podiam repetir realmente, a frasemotejadora de Martinho: tambm eles perdiam o emprego!

    Est claro que, num pas em que a vida poltica se modela por essepadro e se restringe a esses objetivos personalssimos, o exerccio doPoder Moderador num sistema parlamentar uma tarefa delicada, es-pinhosa, ingrata porque fatalmente mal compreendida e, quandono mal compreendida, pelo menos mal aceita pelos detentores even-tuais dos instrumentos do governo.

    Estes se julgavam sempre esbulhados, quando o Imperador os faziaapearem-se do poder. Desde que nada podia explicar esta queda senoa vontade do monarca, nada mais lgico do que a irritao dos polti-cos contra esse personagem, que, embuado dentro de uma prerroga-tiva constitucional, os destitua das suas situaes de mando, sem

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  • outra razo seno as razes do seu capricho. Homens de cl paraquem o inimigo poltico era quase sempre inimigo domstico e a lutapoltica uma luta pessoal, eles no se sentiam apenas esbulhados como ato da Coroa que chamava ao poder os adversrios: sentiam-se tam-bm humilhados, feridos no seu pundonor pessoal e guardavam doImperador uma sorte de ressentimento ntimo, s vezes mesmo, derancor. Este explodia, s vezes, em frases de recriminao violenta ouclera impulsiva.

    XIO grande movimento em favor da descentralizao e da federao,

    que comeou a acentuar-se depois do golpe imperial de 68, teve a suarazo principal justamente nesta indignao dos polticos liberaiscontra essa fora poderosa e incontrastvel que, de quando em quan-do, os tirava das gratas comodidades das situaes do poder para asinjustificveis incomodidades de um ostracismo forado.

    Realmente, desde o momento em que o objetivo da grande reaoliberal, iniciada em 68 com a queda do gabinete Zacarias, era coarctara ao do poder onipotente concentrado no Imperador, ento julga-do, erradamente embora, a causa de toda a corrupo do regime, eralgico que o ponto capital das tendncias do nosso liberalismo passas-se a ser, como passou, o desenvolvimento daquelas instituies polti-cas, julgadas capazes, pela ideologia da poca, de contrastar o arbtriocontido naquela suposta onipotncia coroada. Urgia libertar o maisrapidamente possvel os centros locais e provinciais de vida poltica dapresso intolervel do poder da Coroa.

    Por isso mesmo, quando estudamos aquela poca, no nos poss-vel evitar o reconhecimento de que o pensamento descentralizador

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  • aparecia impregnado de um certo sainete antimonrquico. Havia mes-mo um grupo que no podia compreender bem esta expresso, tograta a Nabuco, de monarquia federativa. Para os deste grupo, mo-narquia e federao eram coisas que hurlaient de se trouver en-semble. Desde o momento em que, pelos supostos desmandos daCoroa, viam-se obrigados a evoluir para a federao, eles comearamdesde logo consciente ou subconscientemente a desprender-se in-sensivelmente da instituio monrquica. O mote de Rui Barbosa Federao com ou sem a Coroa d-nos, alis, a mais bela prova deque o nosso liberalismo, compenetrando-se cada vez mais da cons-cincia da incompatibilidade entre a federao e a monarquia, e noquerendo ou no podendo sacrificar o ideal da federao, j estavapreparando para descartar-se da velha instituio imperial.

    Os republicanos alis, sob sugestes exgenas haviam formadoo binrio: Federao Repblica. Para eles, esta grande medida, damaior urgncia, sem a qual, segundo eles, no haveria nem progresso,nem liberdade, nem mesmo unidade nacional, era irrealizvel dentrodo regime monrquico, julgado ento sem a flexibilidade bastantepara isto. Ouro Preto bem o compreendeu e, na elaborao do seuprograma ministerial, tentou dissociar este binrio perigoso. No seuplano descentralizador, o pensamento do chefe do gabinete 7 de ju-nho era mostrar que, ao contrrio do que afirmavam os republicanos,o velho regime no era incompatvel com essa medida reclamada pelachamada conscincia liberal:

    Os meios de consegui-lo dizia ele no seu discurso de apresentao do gabinete, referindo-se reao contra o movimentorepublicano no so os da violncia ou represso; consistem sim-plesmente na demonstrao prtica de que o atual sistema de go-verno tem elasticidade bastante para admitir a consagrao dos

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  • princpios mais adiantados, satisfazendo todas as exigncias da vozpblica esclarecida.

    Como Ouro Preto, Nabuco tambm no acreditava nesta incom-patibilidade, nem nesta imaleabilidade de regime da Carta de 24. Coma sua concepo da monarquia federativa, ele considerava perfeita-mente conciliveis a instituio monrquica e a instituio federativa.Ouro Preto, menos pensador e mais estadista, era menos audaz, ficavaem meio caminho, dentro do conceito de uma ampla descentraliza-o; mas, repugnava a concepo federativa de Nabuco, como incom-patvel com a integridade do Imprio:

    O programa do partido a que estou ligado, afirmava ele oque me comprometia a levar a efeito, no a federao, mas a plenaliberdade e autonomia dos municpios e provncias, sem enfraque-cimento da unio e integridade do Imprio.

    Nabuco, porm, queria, no apenas essa descentralizao, mas a fe-derao ampla. Da o seu dissdio com Ouro Preto. Respondendo aodiscurso deste por ocasio da apresentao do gabinete 7 de julho,Nabuco ps em dvida que o programa de Ouro Preto fosse o progra-ma da maioria liberal e deu a entender que, no tocante idia federati-va, o velho partido imperial estava cindido: Se h uma parte doPartido liberal que quer e outra que no quer a federao, ento hdois Partidos liberais conclua ele.

    Para Nabuco o ponto essencial da federao estava na eletividadedos presidentes provinciais o que era contrrio ao pensamento deOuro Preto. Este queria a escolha do Imperador sobre a lista trplice, maneira do que se fazia com a eleio dos senadores. Nabuco conside-rava esta sugesto de Ouro Preto uma combinao hbrida e a repe-

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  • lia como incompatvel com a idia federativa: A lista provincial paraa escolha dos presidentes dizia ele uma combinao hbrida quetransporta, de fato, a eleio das urnas provinciais para as intrigas daCorte.

    Esta concepo federativa de Nabuco no o levou apenas a dis-sentir de Ouro Preto; f-lo tamb