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Trabalho de campo DIVULGAÇÃO OURO SOBRE AZUL SÁBADO, 2 DE ABRIL DE 2011 ZERO HORA CULTURA O olhar do fotógrafo Convidado do 5º FestFotoPoA, que se inicia na quarta-feira, o cineasta Silvio Tendler explica seu fascínio pela fotografia. Contracapa Publicado pela primeira vez há 47 anos, “Parceiros do Rio Bonito”, do mestre do pensamento brasileiro Antonio Candido (na foto, durante a pesquisa para a obra nos anos 1950, no interior de São Paulo), chega às livrarias em nova e caprichada edição. Págs. 3 e central

O olhar do Convidado do 5º FestFotoPoA, que se inicia … parceiros... · Universidade de São Paulo. O livro, lançado ... Victor Hugo, “Guerra e Paz”, de Léon Tolstói, e

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Trabalho de campo

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SÁBADO, 2 DE ABRIL DE 2011

ZERO HORA CULTURA

O olhar do fotógrafo

Convidado do 5º FestFotoPoA, que se inicia na quarta-feira, o cineasta Silvio Tendler explica seu fascínio pela fotografia. Contracapa

Publicado pela primeira vez há 47 anos, “Parceiros do Rio Bonito”, do mestre do pensamento brasileiro Antonio Candido (na foto, durante a pesquisa para a obra nos anos 1950, no interior de São Paulo), chega às livrarias em nova e caprichada edição. Págs. 3 e central

Um clássico brasileiro

Retrato do crítico quando sociólogo e ensaísta“Os Parceiros do Rio Bonito”

e “O Albatroz e o Chinês”, de Antonio Candido,

ganham novas edições

• CULTURA 3

O maior crítico literário bra-sileiro vivo. Isso poderia ser suficiente para defi-nir Antonio Candido de Mello e Souza. Mas não é. Carioca nascido em

1918, passou a infância em Minas Gerais, mudando-se para São Paulo em 1937, de onde ajudaria a mudar o entendimento sobre a literatura no Brasil. Sociólogo por formação, embrenhou-se no mundo das letras. Escreveu, ao mesmo tempo, a tese que depois viraria livro, Os Parceiros do Rio Bonito, e o texto que se tornaria a “bí-blia da literatura” para muitos, Formação da Literatura Brasileira. Como professor e orientador, ajudou a formar grandes no-mes da Sociologia e da Literatura, como José de Souza Martins e Roberto Schwarz, e influencia até hoje ambas as áreas, mas principalmente a literatura.

Agora, com as novas edições dos livros Os Parceiros do Rio Bonito e O Albatroz e o Chinês, a editora Ouro sobre Azul encerra uma missão iniciada em 2003: a de reedi-tar toda a obra de Candido.

Resultado de uma investigação iniciada em 1947, Os Parceiros do Rio Bonito surgiu de uma das funções mais nobres da lite-ratura, que é a de relacionar-se com a so-ciedade. Candido partiu de uma pesquisa sobre a poesia popular do Cururu, dança cantada do caipira paulista, e embrenhou-se em comunidades rurais do interior de São Paulo, passando por Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi, Botucatu e, principalmente, Bofete, entre 1947 e 1949 e, posteriormente, de 1952 a 1954. Finaliza-do em setembro do último ano de visitas, o trabalho foi apresentado como tese de doutoramento em Ciências Sociais à Fa-culdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. O livro, lançado pela primeira vez em 1964, apresenta a tese tal como foi apresentada, salvo pequenas correções.

Ao final da longa e densa pesquisa, o resultado foi uma análise da realidade hu-mana nessas localidades em um tempo em que se dava o fenômeno da urbani-zação em São Paulo, quando o brasileiro caipira resolveu deixar a terra para viver na cidade grande.

– No prefácio deste livro, eu disse que eu não o considerava um trabalho de descri-ção sociológica, mas uma contribuição pa-ra a reforma agrária. Para mim, o conhe-cimento da cultura do trabalhador rural é fundamental para a reforma agrária. Se não, ela é feita com valores estranhos, com valores impostos. Portanto, quanto mais os valores próprios da vida rural brasilei-ra puderem ser transformados de manei-ra harmoniosa, tanto mais o trabalhador rural poderá se inserir mais harmoniosa-mente na cultura predominante do país – disse Antonio Candido, durante o En-contro Parceiros do Rio Bonito, realizado pelo Instituto Giramundo em 2007.

Candido é um caso raro de uma pes-

Por TATIANA TAVARES

SÁBADO, 2 DE ABRIL DE 2011

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Caipiras fazem mutirão para construir o rancho de Nhá Maria Crispim, em imagem de Antonio Candido incluída na nova edição de “Parceiros do Rio Bonito”

soa que passou de uma área para outra, da sociologia para a literatura, com certa facilidade. E talvez seja esse um dos moti-vos que fazem com que sua obra consiga analisar tão apuradamente a sociedade e o faça, na maioria das vezes, pelos olhos da literatura. A sociedade que está em ques-tão nas primeiras obras do crítico é justa-mente a brasileira, na qual estão inseridos os personagens retratados em Os Parceiros. Mais tarde, e de forma mais madura, é que a obra dele vai se apropriar mais frequen-temente da literatura estrangeira.

– Candido, até o final dos anos 1950, começo dos anos 1960, se ocupa muito de Brasil. Depois dos anos 1960, não é que o Brasil desapareça, mas ele aparece em en-saios, como A Dialética da Malandragem, De Cortiço a Cortiço. E sempre que aparece está colocado em linha com a literatura es-trangeira. Em De Cortiço a Cortiço, aparece o Zola. Então, a minha tese é a seguinte: Candido até Parceiros é Candido fazendo a militância modernista, depois é Candido “puro sangue” – analisa Luís Augusto Fis-cher, escritor e professor de Literatura Bra-sileira da UFRGS.

Mais maduro e, de acordo com Fischer, “puro sangue”, Candido publica O Albatroz e o Chinês, com textos escritos quase todos na década de 1990. Dividida em três par-tes – as duas primeiras com ensaios mais longos e a última com escritos breves –, a obra vai da poesia de Mallarmé a François Villon, de Darcy Ribeiro ao fazendeiro eru-dito Pio Lourenço Corrêa.

Na segunda parte da obra, principal-mente, Eça de Queirós aparece como ob-

“Antonio Candido é muito surpreendente no tocante à licença de publicação dos escritos dele. Até o momento, não temos nada programado, mas nada impede que, de uma hora para outra, isso mude.”

Ana Luísa Escorel, editora da Ouro Sobre Azul

Candido fala sobre Os Parceiros do Rio Bonito:http://www.youtube.com/watch?v=LSkzUg5ZWjY

Inéditos na nova edição de “O Albatroz e o Chinês”:

“A Culpa dos Reis: Mando e Transgressão no Ricardo II” – Análise do mando de natureza política e o conflito entre mando e obediência, tendo como base “Ricardo III”, de Shakespeare.

“Romantismo, Modernidade, Negatividade” – Trata do Romantismo e de sua condição de ser o ponto de início de uma literatura aberta às mudanças. Segundo Candido, o Romantismo libertou a produção literária das normas preestabelecidas e impositivas.

“Batalhas” – A partir de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, “Guerra e Paz”, de Léon Tolstói, e “A Cartuxa de Parma”, de Stendhal, Candido trata da confluência da história com a literatura.

“Duas Máscaras” – Análise da obra “A Brasileira de Prazins”, de Camilo Castelo Branco, e o “fôlego curto” do escritor, que narra duas histórias em uma neste livro, mudando o foco e colocando a primeira narrativa de lado quando inicia a outra.

“A Importância de Não Ser Filósofo” – Candido fala sobre o estudo da filosofia, tendo como personagem Jean Maugué, seu professor.

Antonio CandidoOuro sobre Azul, 336 páginas, R$ 53,00

* Nova edição | 5 ensaios inéditosAntonio CandidoOuro sobre Azul, 216 páginas, R$ 34,50

jeto dos ensaios. Como observa Homero Vizeu Araújo, professor de Literatura Brasileira da UFRGS, Eça deve ter sido a principal leitura de Candido jovem.

– Eça de Queirós é tema frequente em O Albatroz e o Chinês. O ensaio Eça de Queirós, Passado e Presente é sensacio-nal, é uma tese, um projeto de pesquisa. Para a geração de 1930, Eça é o grande exemplo – salienta Araújo.

Nesse ensaio, Candido escreve que “Uma das coisas que se destacam nos resultados da investigação é a voga im-pressionante de Eça de Queirós, uma verdadeira rede nacional de apreço que, digo eu, estendeu-se até a minha gera-ção e mesmo depois dela. Eça era tão lido e querido que o sociólogo (Gilberto Freyre) chega a incluí-lo entre os que contribuíram para a unidade intelectual do Brasil”.

Agora, O Albatroz e o Chinês ganha nova edição, pela Ouro Sobre Azul, com ensaios inéditos (leia quadro acima).

– Antonio Candido incorporou ao li-vro ensaios que, na opinião dele, se inte-gram ao espírito que desejou imprimir a esse conjunto, no qual há uma primeira parte dedicada às literaturas europeias, uma segunda, à literatura portuguesa, e uma terceira, a perfis ligados ao Brasil – explica Ana Luísa Escorel, editora da Ouro Sobre Azul.

817175701 x 4O VATICANO E O NAZISGEORGE AUGUSTO BARBOSA DA SILVPB

Em entrevista exclusiva ao Cultura,

Roberto Schwarz, discípulo e um dos

principais intérpretes da obra de Antonio

Candido, situa os textos de “O Albatroz

e o Chinês” no conjunto da obra

do mestre

Um dos grandes críticos literários do Brasil, Roberto Schwarz nasceu em Viena, na Áustria, em 1938. Estudou ciências sociais e letras nas universidades de São Paulo, Yale e Paris. Ensinou teoria literária na Universidade de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas. Uma das vozes mais incisivas do ensaísmo brasileiro, escreveu duas obras clássicas sobre Machado de Assis: Ao Vencedor as Batatas (1977) e Um Mestre na Periferia do Capitalismo (1990). Outros ensaios seus estão reunidos em A Sereia e o Desconfiado (1965), O Pai de Família (1978), Que Horas São? (1989), Duas Meninas (1997) e Sequências Brasileiras (1999).

[email protected]

Zero Hora – Qual ensaio de O Albatroz e o Chinês lhe chama mais atenção?

Roberto Schwarz – Uma das graças do livro está na diversidade. Além de ensaios analíticos, como o sobre Shakespeare ou sobre Eça, que poderiam estar nas coletâneas que fizeram a fama do autor, há outros de tipo diferente, que tratam do que ele chama “arrabaldes do traba-lho crítico”. A expressão designa aspectos ane-dóticos e subjetivos da vida de leitor, geralmente considerados secundários ou menos sérios. Pois bem, Antonio Candido os agrupa e reflete a res-peito, criando assuntos inesperados e originais, do maior interesse. Mergulhando as obras no acaso e no tempo das leituras, pessoais e gera-cionais – por oposição ao tempo de sua gênese –, ele capta uma dimensão verdadeira e pouco vista da experiência literária.

ZH – Os ensaios de Candido continuam demonstrando preocupação com o mate-rialismo histórico e a história da literatura. No entanto, essas correntes vêm perdendo força nos estudos literários, como o próprio Candido afirmou em entrevista a Zero Hora em outubro de 2009. De que forma a obra do próprio Candido pode contribuir para uma retomada do materialismo?

Schwarz – Em vários de seus melhores tra-balhos, Antonio Candido pratica uma espécie de materialismo histórico sem terminologia mar-xista. Isso lhe permite escapar ao doutrinarismo e aos cacoetes mentais frequentes nessa posi-ção, conservando entretanto os seus acertos de fundo. O estudo sobre Ricardo II, de Shakespe-are, é exemplar desse ponto de vista. Por outro lado, como o marxismo saiu de moda e passa por ser uma arenga vazia, não custa notar que o conjunto mais consistente e inovador da crítica brasileira recente deve muito a ele.

ZH – No ensaio que dá título ao livro, Can-dido utiliza um conceito que lhe é caro, o de dialética, analisando a expressão poética como “uma dialética do espaço aberto e do

espaço fechado” ligada ao “desejo de repre-sentar o mundo” e à “invenção de um mun-do autônomo”. Será ousado afirmar que este texto tem uma importância tão grande quanto A Dialética da Malandragem e De Cortiço a Cortiço?

Schwarz – Até onde vejo, são coisas diferen-tes, que não competem entre si. O Albatroz e o Chinês é uma introdução heterodoxa e notável ao universo da poesia moderna, culminando na explicação de um poema-chave de Mallarmé. O seu âmbito é a história literária. Ao passo que os ensaios sobre as Memórias de um Sargento de Milícias e O Cortiço cultivam um gênero híbrido, em que análise literária, análise social, teoria do romance e reflexão sobre o Brasil se combinam de modo inédito, dando ao ensaísmo literário uma força peculiar, inclusive de intervenção no debate nacional.

ZH – O Albatroz e o Chinês tem cinco en-saios dedicados à literatura portuguesa (um acrescido na nova edição), matéria sobre a qual Candido pouco escreveu ao longo de sua obra. Seria um ajuste de contas com a li-teratura de nossos colonizadores?

Schwarz – São ensaios cheios de apreço, cujo espírito não me parece de ajuste de contas. Um ponto alto são as passagens sobre a voga que te-ve a geração portuguesa de 1870, em especial os romances de Eça, no Brasil meio revolucionário da década de 1930. O pessimismo de um grupo de escritores europeus do século 19 reencontra a vida, duas gerações depois e noutras paragens, no ânimo progressista dos leitores brasileiros do romance do Nordeste. São conexões surpreen-dentes, muito esclarecedoras, que têm a beleza da dialética histórica.

ZH – No ensaio Crítica e Memória, em que Antonio Candido fala sobre o poeta François Villon, ele menciona os caminhos imprevis-tos da formação do leitor. Diz inclusive que alguns livros “se incorporam mais do que outros à nossa experiência, muitas vezes de maneira desproporcional em relação à sua qualidade”. Por isso é válido, segundo Can-dido, montar uma história de nossas leitu-ras. O que você acha disso?

Schwarz – O artigo sobre Villon é particu-larmente bonito, talvez porque a linha solta e anticonvencional do argumento faz eco à irreve-rência do poeta. A própria ideia de recapitular a história empírica de nossa formação de leitores, em espírito de depoimento, sublinhando a parte de acasos, equívocos e desproporções, vai con-tra a concepção idealizada e decorativa da cul-tura. Nem por isso se trata de soltar as rédeas ao subjetivismo, pois a outra tônica do ensaio é o empenho de vida inteira do crítico à procura da leitura mais exata e mais valiosa. Tudo está nesse equilíbrio entre a busca da objetividade e o reconhecimento da parcialidade e da contin-gência, o qual é parte por sua vez duma objeti-vidade superior. Dizendo de outro modo, se for-mos objetivos o suficiente, ao falarmos de nós falamos de nossa geração e do mundo.

ZH – Antonio Candido começa o ensaio

Romantismo, Modernidade, Negatividade dizendo que “Talvez não seja exagero dizer que o Romantismo foi uma das fontes da modernidade” e cita rupturas operadas pe-las literaturas do Ocidente, sendo o próprio Romantismo uma delas. Pela descrição po-deríamos pensar também no Modernismo, que Candido já relacionou algumas vezes ao Romantismo. Qual dos dois movimen-tos teria sido responsável pela ruptura mais forte na literatura?

Schwarz – O Modernismo evidentemente está mais próximo de nós que o Romantis-mo. Mas não vou me arriscar a dizer qual dos dois marcou uma ruptura mais profunda. Seja como for, este ensaio é um experimento expo-sitivo dos mais interessantes. Abrindo mão da terminologia batida na história da filosofia e da literatura, ou dos nomes ilustres que por si sós representam orientações, ele procura dar uma ideia real da negatividade romântica, através de procedimentos literários, temas e formas que a caracterizam. Resulta uma apresentação surpre-endente, instrutiva, imersa na experiência artís-tica, que faz contrapeso aos chavões prestigiosos e aos excessos terminológicos do costume.

ZH – O senhor é discípulo de Antonio Candido e especialista em Machado de As-sis. Saberia dizer por que Candido escreveu tão pouco sobre Machado?

Schwarz – Peço licença para discordar da pergunta. Antonio Candido escreveu Esquema de Machado de Assis, que é a melhor introdução de que dispomos à obra do escritor. E descobriu a ligação crucial, que não tinha sido vista, entre a grande ficção machadiana e o romance brasileiro anterior, de estatura muito mais modesta. Para concluir, a Formação da Literatura Brasileira tem a obra de Machado como ponto de fuga, a partir do qual as nossas letras mudam de patamar.

Para Schwarz (foto maior), “O Albatroz e o Chinês” é um mergulho “no acaso e no tempo das leituras” que cria abordagens inesperadas e originais. Nhô Quim (à direita na foto menor) foi um dos entrevistados para a tese que resultou em “Parceiros do Rio Bonito”

Entrevista: Roberto Schwarz, crítico e ensaísta

“Candido capta uma dimensão verdadeira e pouco vista da experiência literária”

4 CULTURA •

PorTATIANA TAVARES

SÁBADO, 2 DE ABRIL DE 2011 • CULTURA 5SÁBADO, 2 DE ABRIL DE 2011

Um dos principais especialistas na questão agrária brasileira, o sociólogo José de Souza Martins faz parte da quarta geração do pensamento da Universidade de São Paulo (USP). Ex-aluno de Florestan Fernandes e de Fernando Henrique Cardoso, foi profundamente marcado pela reflexão de Antonio Candido em Os Parceiros do Rio Bonito. O livro, resultante da tese de doutorado de Candido defendida junto à USP, aborda o universo social, econômico e cultural de parceiros (agricultores que cultivam pequenas áreas de terra por meio de pagamento de renda aos proprietários) do interior de São Paulo. A seguir, uma síntese de entrevista de Souza Martins a Zero Hora:

Zero Hora – Qual a importância de Os Par-

ceiros do Rio Bonito hoje para os estudos de sociologia?

José de Souza Martins – A importância desse livro para a sociologia é a mesma desde quando foi apresentado e defendido como te-se de doutorado na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, em 1954. Quando publicado, 10 anos depois, constituiu uma reno-vadora lufada de ar fresco no nosso pensamento sociológico. Era possível ver, então, o quanto a sociologia estava perdendo ao se distanciar da-quela sociologia de diálogo com a antropologia, a história e também com a riqueza da dialética, que constitui a mais forte característica do livro. É nessa interdisciplinaridade subjacente que está a sua atualidade.

Zero Hora – É possível relacionar o mergu-

lho que Antonio Candido faz no mundo ru-ral paulista das décadas de 1940 e 1950, com Os Parceiros do Rio Bonito, ao movimento feito por Euclides da Cunha com Os Sertões, ao mostrar um Brasil agrário que sobrevive (e coexiste) a um Brasil moderno e indus-trializado que se desenhava?

José de Souza Martins – Euclides da Cunha não foi por aí. Seu entusiasmo pela posição do Exército em relação a Canudos, como se vê nos escritos anteriores à versão final de Os Sertões, era o de quem entendia Canudos como deplorá-vel atraso de um Brasil irreconhecível e inacei-tável. Canudos, para Euclides, era o Brasil retró-grado, antirrepublicano, reduto de um modo de ser antibrasileiro porque antimoderno. O Brasil de Os Parceiros do Rio Bonito era e é o Brasil tra-dicionalista, reduto de tradições e costumes, de um modo de ser caipira e brasileiro, algo muito mais profundo do que simples atraso.

Zero Hora – Se unirmos Os Parceiros do

Rio Bonito e A Formação da Literatura Bra-sileira teremos um grande painel do Brasil e de quem é o brasileiro. Em que sentido o se-nhor acredita que a sociologia de Os Parcei-ros contribui com a literatura de A Formação nessa grandiosa análise feita por Antonio

Candido?José de Souza Martins – Esses dois âmbitos

da obra do professor Antonio Candido não se separam. Ele era professor de sociologia na USP e, ao mesmo tempo, escrevia textos de crítica li-terária para grandes jornais. O interesse socioló-gico pelo caipira começou, nele, com a pesquisa sobre o cururu, uma dança rural paulista. Por-tanto, com um estudo sociológico sobre o que é propriamente literário na cultura caipira, algo que o aproxima muito do pensamento de Má-rio de Andrade, veio o que, por meio de Antonio Candido, terá, na USP, grande influência tanto na teoria literária quanto nas ciências sociais.

Zero Hora – Já se passaram 47 anos da

publicação de Os Parceiros, que é um dos pri-meiros estudos a apontar a necessidade de reforma agrária no Brasil. Em que medida as análises de Candido poderiam contribuir para avançar nesse debate atualmente?

José de Souza Martins – A reforma é apenas uma passagem no livro, não é o tema. Na épo-ca em que foi escrito, mal se falava em reforma agrária. Converter os parceiros do Rio Bonito em proprietários da terra em que trabalhavam, por meio de uma reforma agrária, não teria mudado em nada o que é o substancial do livro – os costumes, o modo de vida, a articulação de mínimos vitais e mínimos sociais. A mudança teria sido quantitativa pela supressão do tribu-to representado pela renda da terra paga ao fa-zendeiro. O ganho social decorrente teria, muito provavelmente, robustecido o tradicionalismo caipira antes de transformá-lo.

Zero Hora – Os Parceiros do Rio Bonito re-

gistra o fim do mundo caipira como Candi-do o conheceu e como está retratado na obra adulta de Monteiro Lobato, por exemplo. O doutorado de Candido foi defendido em 1954. Na mesma época, mais precisamente em 1956, Guimarães Rosa publicou Grande Sertão: Veredas, que também registra o fim do mundo sertanejo, especificamente da jagunçagem. Parece haver um movimento unificado em diferentes áreas para que se re-gistre esse mundo que está cedendo lugar à cidade ou, mais imediatamente, à lógica da cidade, não?

José de Souza Martins – Desde o final do século 19, em São Paulo sobretudo, começou a surgir uma estética na pintura e na literatura que reconhecia no caipira sujeito de identidade regional e sujeito de cultura regional. No meu modo de ver, Os Parceiros do Rio Bonito se situa nessa visão de mundo. De diferentes modos, em diferentes regiões do Brasil, a simbolização do rústico produziu a preocupação com o atraso por ele representado e com os fatores de mudan-ça que poderiam destruí-lo – a urbanização, a industrialização, as grandes mudanças sociais. Uma consciência nacional épica se constitui em torno da morte social do caipira e do sertanejo, uma exaltação dos eleitos da nossa identidade, uma busca do belo, do valente, do sagaz, do for-te e do resistente, fortaleza da nossa consciência social profunda.

Entrevista: José de Souza Martins, sociólogo e professor emérito da USP

“O Brasil de ‘Os Parceiros’ era e é o Brasil tradicionalista”

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