O Olhar Em Sartre

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    O OLHAR EM SARTRE: RELAO ENTRE O EU E O OUTRO

    Revista da Catlica, Uberlndia, v. 1, n. 1, p. 87-96, 2009 www.catolicaonline.com.br/revistadacatolica 87

    O OLHAR EM SARTRE: RELAO ENTRE O EU E O OUTRO1

    Maria Ivone Camargos Silva*Silvano Severino Dias

    **

    Vani Terezinha de Rezende***

    RESUMOO objetivo deste estudo investigar a relao entre o olhar do eu e o do outro, com base no captuloO Olhar da obra de Sartre O Ser e o Nada. Propomos averiguar quais os conflitos gerados nadescoberta do eu diante do outro e os artifcios usados para esconder-se perante o outro. Para issobuscaremos expor o incmodo do olhar do outro em mim e a relao que se estabelece a partir do

    momento em que o eu toma conscincia do outro.PALAVRAS-CHAVE:Olhar. Inferno. Incmodo. Eu. Outro.

    INTRODUO

    No contexto atual observamos como grande a dificuldade existente em um

    relacionamento interpessoal: h um abismo enorme entre as pessoas, as quais no conseguem

    mais se relacionar no dia a dia, conversando, dialogando. visvel o medo ou receio de se

    mostrar, criando dessa forma uma barreira invisvel e intransponvel para chegar ao outro.

    Tal situao pode ser observada na busca cada vez mais freqente, por exemplo, de

    relacionamentos virtuais. Nestes as pessoas no assumem a sua prpria identidade perante si

    mesmas e os outros.

    Diante disso, podemos perguntar: por que buscar meios de fuga para no serem

    vistas e conhecidas, escondendo-se, ao contrrio, em sua clausura interior,

    metamorfoseando-se em coisa?

    Tentaremos responder a essas indagaes utilizando como base de nossasreflexes o captulo O olhar da obra de Sartre intitulada O Ser e oNada, e, como apoio,

    alm de outros textos de Sartre, textos de comentadores da obra bem como obras afins, que

    podero servir de auxlio ao tema.

    1TCC apresentado na disciplina PLOVII em 2008 sob a orientao do prof. Ms. Silvano Severino Dias e daprof Dra. Vani Terezinha de Rezende.* Bacharel em Filosofia pela Faculdade Catlica de Uberlndia.**Mestre pela Universidade Federal de Uberlndia. Professor de Filosofia da Faculdade Catlica de Uberlndia.Desenvolve pesquisa na rea da Filosofia, com nfase na gnese da subjetividade nas filosofias modernas e

    contemporneas. Editor Responsvel da Revista Poros, do curso de Filosofia da FCU.*** Doutora em Filosofia pela Universidade de So Paulo. Professora de Filosofia da Faculdade Catlica deUberlndia. Editora Responsvel de Interaes Cultura e Comunidade, Revista de Cincias da Religio daFaculdade Catlica de Uberlndia. Coordenadora do Setor de Publicaes da Faculdade Catlica de Uberlndia.

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    Sartre levanta as dificuldades que o outro tem de se relacionar e o incmodo que o

    outro causa quando visto e percebido. A partir da podemos perguntar se possvel

    encontrar na obra sartreana respostas para estes questionamentos de relao interpessoal que

    ainda hoje insistem em se fazer presentes.

    Para Sartre, no h separao entre o eu e o outro no momento em que um toma

    conscincia do outro, pois a viso do outro vai acender no eu a luz de alerta, sendo captado

    como um objeto estranho ao eu, e da comea um reconhecimento prvio das intenes que o

    outro tem sobre mim. [...] Porque perceber olhar, e captar um olhar no apreender um

    objeto no mundo, mas tomar conscincia de ser visto [...] (SARTRE, 2003, p. 333)

    Aps as reflexes sobre a noo de olhar a partir da relao entre o eu e o outro e

    as conseqncias geradas a partir do momento em que ocorre a descoberta do eu no outro,avaliaremos tambm a descoberta e as manifestaes geradas por esta. Isto , depois do

    impacto de ser percebido no outro, deixo de ser eu e comeo a existir perante o outro e o

    mundo. No dizer de Sartre (2003, p.341), a apario do outro faz surgir na situao um

    aspecto no desejado por mim, do qual no sou dono e que me escapa por princpio, posto que

    para o outro. Ento, nos perguntaremos: a partir de que momento o eu existe? Quando

    descobre o outro, ou quando descobre a si mesmo? O outro totalmente separado, isolado do

    eu ou apenas comeo a existir quando o outro me percebe? Embora Sartre ache que o outroseja o meu inferno, possvel o eu constituir-se sem o outro? Por que as mscaras usadas

    para disfarar o reconhecimento de mim no outro? Indo mais alm: por que as pessoas se

    escondem cada vez mais no mundo virtual, nos sites de relacionamento? Enfim, por que o

    medo de ser descoberto pelo outro aterroriza tanto assim?

    1. O INFERNO SO OS OUTROS

    No texto O olhar Sartre expe as verdades ocultas no incmodo do olhar entre

    eu e outro. Desnuda com isso, sem d e piedade, todas as verdades e receios contidos na

    revelao do outro quando ele nos percebe.

    [...] temos, com efeito, conscincia de um ser concreto e individualizado,com uma conscincia coletiva: so imagens que podero servir para traduzirdepois nossa experincia, mas no correspondero a ela nem pela metade.Mas tampouco captamos um olhar plural. Trata-se, sobretudo, de uma

    realidade impalpvel, fugaz e onipresente, que realiza, frente a ns, o nossoeu no-revelado e que colabora conosco na produo desse Eu que nosescapa. (SARTRE, 2003, p.361)

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    Ou seja, o eu o ser revelado ao outro, captado pela conscincia deste, que reflete

    de muitas maneiras o eu que est diante da pluralidade do olhar do outro. Nesse instante o eu

    e o outro so apenas um caleidoscpio onde tudo gira rapidamente, como se estivessem em

    ondas eletromagnticas que geram um turbilho de emoes contraditrias. Por um segundo o

    eu tem plena conscincia do outro. H neste momento um silncio constrangedor, instigante,

    desconfortvel, quase insuportvel, pois ambos esto paralisados um diante do outro, tentando

    compreender qual a dimenso dessa descoberta. Ora, como diz Sartre. [...] sou eu, pela

    afirmao de minha livre espontaneidade, que fao com que haja um outro, e no

    simplesmente uma remisso da conscincia a si mesmo. (2003, p.366)

    H um deslocamento do eu interior para que o outro perceba e alcance a

    conscincia do outro, mas uma conscincia limitada, restringida ao limite que dado pelo eu.[...] A conscincia s pode ser limitada por minha conscincia. (SARTRE, 2003, p.366).

    Quando a conscincia do eu funde-se com a conscincia do outro, elas esto simultaneamente

    avaliando-se, reconhecendo-se em si e no outro. Esta conscientizao mtua produz uma

    viso indefinida, obtusa, distanciada, e esta dissociao causa sensaes conflitantes tanto no

    eu como no outro.

    A revelao do eu diante do outro traz uma realidade assumida: inegvel a

    presena do outro como uma totalidade estendida do eu, e a partir desse momento decompletude, ambos encontram-se na estranha condio de intimidades compartilhadas e esto

    visceralmente ligados. Essa intimidade forada causa um mal-estar terrvel, pois o outro

    enxerga as entranhas do eu. Diz Sartre [...] Pelo olhar do outro eu vivofixado no meio do

    mundo, em perigo, como irremedivel. Mas no sei qual meu ser, nem qual meu stio no

    mundo, nem quala face que esse mundo onde sou se volta para o outro. (SARTRE, 2003,

    p.345).

    Esto diante do ser no revelado de ambos sem onde se apoiar, se esconder aliberdade de ambos est comprometida com a presena inquietante e perturbadora e com o

    perigo iminente de uma descoberta no permitida, mas invadida de tal forma que chega a ser

    sufocante. [...] E esse perigo no um acidente, mas estrutura permanente de meu ser-para-

    outro. (SARTRE, 2003, p.344)

    Podemos melhor compreender a reflexo que Sartre empreende em seu texto O

    Olhar, acima exposto, ilustrando-a com sua pea Entre Quatro Paredes. Nesta, relata a

    convivncia forada entre trs pessoas a partir do momento em que deixam o mundo terreno,

    ou seja, em que j esto mortos.

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    dependente de si mesmos, descobrem-se e no tm como negar esta descoberta: esto visveis,

    com total conscincia da existncia de um e de outro. Como diz Sartre: [...] no suficiente

    que eu negue a mim o outro para que o outro exista, mas preciso tambm que o outro me

    negue a si, em simultaneidade com minha prpria negao. a facticidade do ser-para-outro.

    (SARTRE, 2003, p. 383)

    H uma negao instantnea recproca entre o eu e o outro, mas ao mesmo

    tempo, como estes no tm como se negarem a si mesmos, esto se colidindo entre si e a

    partir desse momento no h como retroceder, pois ambos esto refletindo um no outro.

    Com efeito, o reflexivo, como testemunha, profundamente alcanado emseu ser por sua prpria reflexibilidade, e, por isso na medida que se faz

    reflexivo, visa no ser refletido. Mas, reciprocamente, o refletido conscincia (de) si como conscincia refletida de tal ou qual o fenmenotranscendente. (SARTRE, 2005, p. 381)

    Para Sartre, a conscincia se explode para o mundo, ela o ser consciente do

    mundo: existe e est no mundo como um ser entre outro seres, a apario de si rumo ao

    mundo. Ela o objeto intencional revelado, o desprendimento do eu, que por alguns

    segundos fica em rbita com se fosse um desfalecimento momentneo, pois o eu avistou

    definitivamente o outro. Acontece um recuo de ambos, uma negao instantnea doirremedivel encontro.

    Sem dvida, inapreensvel, j que no produzido seja pelo outro, seja pormim, seja por um intermedirio. Sem dvida, onde quer que dirijamos avista, s encontramos como objeto de nossa descrio uma pura e simplesnegao da interioridade. (SARTRE, 2003, p. 382)

    Nesse item, tentamos mostrar os efeitos causados na descoberta do eu diante do

    outro e chegamos concluso de que no h mais como sair ileso depois de ser visto epercebido. fato consumado, irremedivel. E tentamos aqui transpor os sentimentos e

    conflitos experimentados diante de tal descoberta, mostrando que impossvel negar esta

    realidade vivida, da qual no se pode fugir ou escapar, ela est diante de ambos como um

    objeto disforme, mas que aos poucos toma forma e mostra sua dura e crua face, qual seja, a de

    conhecer a si mesmo, diante do outro e de conhecer tambm a do outro.

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    2. AS INTENES OMITIDAS SOB A MSCARA DA M-F

    Nesse item abordaremos o problema da m-f, luz de uma compreenso das

    intenes no reveladas diante do impacto da descoberta do eu diante do outro, ou seja,

    das duplas faces usadas por ambos para mascarar a dolorosa verdade de se expor diante do

    outro sem ter como se esconder. E durante esta avaliao de reconhecimento do eu e do

    outro, ambos esto se auto-avaliando e ao mesmo tempo tentando manipular os seus

    sentimentos e suas intenes diante do objeto estranho. H uma negao instantnea de

    ambos, pois no querem que invadam sua intimidade, o seu eu, ento comeam a

    dissimular as suas intenes diante do objeto estranho, moldam as suas intenes de acordo

    com a anlise que o outro faz de si. A partir desse momento ambos s vem uma sada, que seapresenta de forma ardilosa, sutil. A isso se chama agir de m-f. As atitudes e condutas de

    ambos so calculadas e manipuladas, pois sabem exatamente o que esto fazendo, ou seja,

    cada um representa um ser que no possui uma maneira prpria de agir, que no revela

    exatamente o que cada um . Assim Sartre descreve a m-f:

    Com a m-f aparecem uma verdade, um mtodo de pensar, um tipo de serdos objetos; e esse mundo de m-f, que de pronto cerca o sujeito, tem por

    caracterstica ontolgica o fato de que, nele, o ser o que no e no o que. [...] A m-f apreende evidncias, mas est de antemo resignada a no serpreenchida por elas, no ser persuadida e transformada em boa-f: faz-sehumilde e modesta, no ignora diz que f deciso, e que, aps cadaintuio, preciso decidir e querer aquilo que. (SARTRE, 2003, p. 116)

    Essa conduta de m-f usada por ambos no somente pelo eu que far uso

    desse artifcio, mas sim pelo outro tambm, porque est intrnseco no comportamento do

    homem usar meios ou mtodos para no se revelar abertamente ao objeto curioso que espia

    de maneira despudorada sobre o seu ser. E, ento, o objeto tencionado a ser reveladotambm dissimula suas reais intenes e instantemente faz uso da mscara da m-f. Esses

    meios usados para dissimular suas intenes manipulam ou destroem sua conscincia. E, por

    conseguinte, o projeto primitivo da m-f no passa dessa auto destruio do fato da

    conscincia (SARTRE, 2003, p.117), pois a acredita de tal forma naquilo que que se torna

    uma crena verdadeira para si. Ou seja, esta crena faz parte de si, do seu novo jeito de

    ser, que ao mesmo tempo nega a esse seu novo ser e molda a sua conscincia a esse

    novo ser.

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    Mas a natureza da conscincia de tal ordem que, nela, o mediato e oimediato so um nico ser. Crer saber que se cr, e saber que se cr jno crer. Assim, crer j no crer, porque nada mais seno crer, naunidade de uma mesma conscincia no-ttica de si. (SARTRE, 2003, p.117)

    H uma permisso consciente da conscincia para que esse novo ser se adapte a

    essa nova conscincia, ou seja, a conscincia foge de si mesma e se adequa a esta nova face

    do seu ser. Neste sentido, a conscincia perpetuamente fuga a si, a crena se converte em

    no crena, o imediato em mediao, o absoluto em relativo e o relativo em absoluto.

    (SARTRE, 2003, p. 117)

    Mesmo sob esta nova face o eu e o outro no conseguem manipular as suas

    emoes diante do primeiro encontro, pois ela o impacto de sua descoberta e se aflora emcada um despertando sentimentos contraditrios e confusos, como a vergonha, o medo, o dio

    e o repdio de ser descoberto. H no primeiro momento uma tenso no ar, uma barreira

    conflituosa de emoes que se misturam e geram uma fora negadora de ambos a si mesmos.

    [...] No temos conscincia da finalidade da emoo, como tambm rejeitamos a emoo

    com todas as nossas foras, e ela nos invade contra a nossa vontade. (SARTRE, 2007, p. 55)

    Essa tenso emocional provoca uma fuga de ambos, que no se reconhecem e fogem de si

    mesmos e do outro. [...] A tenso persistente manifesta-se pela tendncia a renunciar prova,a evadir-se do campo ou fechar em si mesmo numa atitude passiva. (SARTRE, 2007, p. 41-

    42)

    Essa fuga apenas um recuo momentneo de ambos por suas descobertas, pois

    sentem-se invadidos e erguem uma barreira temporria de proteo entre si por si sentirem

    diminudos e vulnerveis diante de tal revelao. A evaso somente uma soluo brutal,

    pois preciso romper a barreira geral e aceitar uma diminuio do eu (SARTRE, 2007, p.

    42). Mas que ao mesmo tempo ambos continuam se avaliando, e isso resulta em uma

    desordem emocional de fragilidade, fraqueza e clera por no terem como preservar os seus

    espaos nicos. Invadiram de modo brutal a intimidade um do outro, tornando intolervel

    essa exposio irremedivel de seu ser.

    preciso urgentemente encontrar um meio para sair dessa invaso, pois o eu

    sente-se inferiorizado diante do outro e esta tenso fica insuportvel, porque est

    visivelmente sem proteo, sem recuo, suas fraquezas esto mostra, no consegue recuar,

    tenta de todas as formas se esconder, mas suas emoes o condenam, mostra realmente a sua

    verdadeira face e nesse momento tem a ntida certeza que um ser pequeno, frgil,

    diminutivo diante do outro. [...] Somos ns mesmos que nos colocamos em estado de total

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    CONSIDERAES FINAIS

    Tentamos elucidar todas as questes propostas neste texto a partir da descoberta

    do eu diante do outro dentro da viso sartriana. E o que observamos que, por mais que

    o eu tente evitar o outro, ele vai estar sempre diante dele, inevitavelmente ele estar

    ali. Porque a partir do momento em que o eu descobre o outro no h mais como fugir,

    precisam-se um do outro para existir, pois no h um sem o outro. No h mais como

    negarem-se, esto diante um do outro, no tem volta, e a partir desse momento esto expostos

    ao mundo real e fatdico. E o eu se materializa diante do outro, ambos tornam-se reais,

    suas existncias comeam ali, no tm como recuar. O outro irremediavelmente o meuinferno, pois me enxergo diante dele.

    E nesse exato momento comea o conflito entre ambos, pois esto se gladiando

    um com outro, no querem ser vistos e muito menos descobertos, e dentro desse mundo

    conflitante buscam de todas as formas e maneiras o disfarce e a manipulao para que um no

    consiga ver o outro. Ento comeam a criar mscaras dissimuladas para esconder do outro o

    seu verdadeiro eu. Ambos conseguem manipular suas intenes, maquiar os sentimentos,

    ludibriar suas condutas, acreditando que esto escondendo-se diante do outro e de si mesmos.Este mundo frio e distante o caminho mais apropriado para cada um viver

    conforme lhe convm, conhecer muitos outros eus, trocar confidncias, revelar

    verdades que pensa serem verdadeiras. O eu de cada um est em constante movimento

    exercendo seu papel mais verdadeiro: omitir-se diante do outro, no revelar, no deixar que

    o outro conhea suas fraquezas, que perceba que um ser frgil. Ambos esto realmente

    diante do seu mundo real.

    Ento chegamos concluso: o outro existe a partir do momento que o outro mepercebe e isto inegvel. Mesmo que o eu crie meios para evadir, disfarar, no adianta,

    o outro vai estar l. H uma transcendncia imanente do eu sobre outro e ambos vo

    estar sempre fazendo esse movimento um com outro, mas nunca conseguiro transcender

    sobre si mesmos, pois acabam ali mesmo, esto visivelmente nus diante um do outro. No

    h escolha, esto condenados a serem livres para tornarem-se livres.

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    REFERNCIAS

    SARTRE, J. P. O ser e o nada Ensaio de Ontologia Fenomenolgica. Traduo de Paulo Perdigo.

    Petrpolis: Editora Vozes, 2003

    SARTRE, J. P. Entre quatro paredes. Traduo de Alcione Arajo e Pedro Hussak. Rio de Janeiro.Civilizao Brasileira, 2005

    SILVA, Vicente Ferreira da. O existencialismo de Sartre. In:______. Ensaios Filosficos.So Paulo:Instituto Progresso Editorial (IP), s/d.

    SARTRE, Jean Paul. Esboo para uma teoria das emoes. Jean Paul Sartre; traduo de PauloNeves. Porto Alegre: L&PM, 2007. (Coleo L&PM Pocket Plus)