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Notícias e Serviços para o Complexo de Manguinhos A “guerra às drogas” fracassou. Entrevista exclusiva com Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) O nosso entrevistado é formado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública. Eleito presidente da Fundação Oswaldo Cruz em 2008, e reeleito em 2012, Paulo Gadelha atua na gestão dessa instituição desde 1985. 4 - Rio de Janeiro - 13 a Edição

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Notícias e Serviços para o Complexo de Manguinhos

A “guerraàs drogas”fracassou.

Entrevista exclusiva com Paulo Gadelha, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

O nosso entrevistado é formado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com doutorado na Escola Nacional de Saúde Pública. Eleito presidente da Fundação Oswaldo Cruz em 2008,e reeleito em 2012, Paulo Gadelhaatua na gestão dessa instituição desde 1985.

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O que é a Fundação OswaldoCruz?

Paulo Gadelha: A Fiocruz éuma instituição de 115 anos, fun-dada em 25 de maio de 1900 como nome de Instituto SoroterápicoFederal. Neste mais de um século,a Fundação se firmou como umadas principais instituições de pes-quisa biomédica do mundo e amais destacada da América Latina.

A Fiocruz abriga atividades queincluem o desenvolvimento depesquisas; a prestação de serviçoshospitalares e ambulatoriais dereferência; a fabricação de vaci-nas, medicamentos, reagentes ekits de diagnóstico; o ensino e aformação de pessoas; a infor-mação e a comunicação em saúde,ciência e tecnologia; o controle daqualidade de produtos e serviços; a implementação de programassociais e parcerias técnicas.

Afora sua estrutura física, aFiocruz ainda se faz presente emtodo o território brasileiro, pormeio do suporte ao Sistema Únicode Saúde (SUS), na formulação depolíticas públicas, no ensino, nasexpedições científicas e no alcancede seus serviços e produtos emsaúde, entendida como o "comple-to bem-estar físico e mental, e nãoapenas a ausência de uma doençaou enfermidade". Ademais, a Fio-cruz se destaca como principalexecutora da cooperação interna-cional na sua área, atuando prior-itariamente nos países da AméricaLatina, da África e da Comunidadede Países de Língua Portuguesa.

O que é a Comissão Brasileirasobre Drogas e Democracia?

Gadelha: O objetivo fundamen-tal da Comissão Brasileira sobreDrogas e Democracia (CBDD) éencontrar novos caminhos parauma política de drogas mais efi-ciente e justa, a exemplo de proje-tos semelhantes ocorridos em ou-

para o futuro democrático doBrasil, não somente no que dizrespeito aos direitos humanos,mas também ao papel da saúde.Há um processo hegemônico quecomeça a dar sinais de ser rever-tido, dentro e fora do país. E nãohá provas científicas que funda-mentam aquilo que distingue aschamadas drogas lícitas das dro-gas ilícitas. Se um indivíduo decideingerir álcool, que é muito prejudi-cial à saúde, ninguém, em sua sãconsciência, vai criminalizar essa

pessoa. Quem consome álcool, noentanto, terá que lidar com osriscos e contar com a saúde públi-ca. O mesmo, no entanto, nãoocorre com as drogas ilícitas, cujalegislação é parte de um processocalcado na criminalização.

O tema das drogas deve serpensado integrando diferentessetores da sociedade. As experi-ências no Brasil e no mundomostram que é preciso mudar,deslocar a abordagem do temapara a área da saúde. Manter a

tros países. A CBDD surgiu em2009, por iniciativa do Viva Rio,reunindo representantes das áreaseconômica, ciências sociais, judi-cial, policial, artística, esportiva,científica, médica, religiosa eempresarial.

Qual a sua avaliação sobre apolítica de combate às drogas?

Gadelha: O debate sobre dro-gas reúne duas questões centrais:direitos humanos e saúde. A dis-cussão dessa temática é essencial

O tema das drogas deve ser pensado integrando diferentes setores da sociedade

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discussão exclusivamente na es-fera da segurança é ruim para apolícia, para o usuário e para asociedade como um todo. Se nãotivermos a disposição paraenvolver a sociedade como umtodo neste debate, não con-seguiremos abordar o tema demaneira clara, transparente edesassombrada. A saúde não podeser tímida no debate sobre as dro-gas. A discussão passa pelaquestão da legislação e os profis-sionais do setor precisam partici-par ativamente deste debate e seenvolver com outras áreas.

Lembremos da estratégia deredução de danos em relação aoHIV, no qual o Brasil é referênciamundial. Temos uma tradiçãomuito forte no campo da saúde deenfrentar questões complexas.Precisamos lembrar que as nossasrepresentações e decisões sobre oque é certo ou errado, o que deveser proibido ou não são escolhaspolíticas e que, no caso das drogas,não há evidências científicas quemostrem quais drogas devem serilícitas e quais podem ser lícitas. Oálcool, por exemplo, apesar de seruma droga lícita, é responsável pormuito mais casos de mortes, aci-dentes de trânsito, aposentadorias,internações e violência do que asdrogas consideradas ilícitas.

Como instituição estratégica deEstado, a Fiocruz apoia um amplodebate, que deve contribuir para apromoção da saúde e a garantia dedireitos da população brasileira, afim de construir respostas aosprincipais desafios associados aodesenvolvimento das políticas desaúde, em especial as de saúdemental, de atenção integral aousuário de álcool e outras drogas ede atenção básica. Uma política deregulação de drogas precisa estarnecessariamente acompanhada depolíticas públicas na área dasaúde. É claro que cada indivíduoé livre para ter a sua própria moralreligiosa e ter uma posição con-trária, mas esta não pode ser a darepública, porque do contrário cri-amos um Estado confessional.

Quais casos de sucesso emrelação às drogas, no mundo, o Sr.poderia citar?

Gadelha: Destaco o caso deum país vizinho nosso, oUruguai. O país viveu umamplo debate sobre otema, que reuniu toda asociedade. E sempre com ocuidado de incluir a parti-cipação das autoridadesde saúde, incluindo tam-bém, naturalmente,a saúde mental. É im-

“O álcool e o cigarro são exemplos de drogas

lícitas, produzidas ecomercializadas dentro

da lei, apesar decausarem doenças

cardiovasculares, câncer,além de graves

acidentes de trânsito

“Nas favelas, conjuntos habitacionais e outroslugares populares, o resultado da "guerra

às drogas" é a violência e morte de moradores e policiais, além dos prejuízos na educação, saúde,

serviços de bancos, comércios etc. Nas demais áreasda cidade, aumenta a corrupção no legislativo,

executivo e judiciário”.

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portante ressaltar que o modelouruguaio não significa um "liberougeral", mas sim a regulação dadroga, por meio da ação governa-mental. A sociedade e o governouruguaios, a partir de estudosinternacionais, concluiu que a"guerra às drogas" fracassou. Oautoritarismo dessa iniciativa nãoresolveu o problema e, nas últimasdécadas, o mundo viu explodir o

aumento da produção e do con-sumo. No entanto, o modelo doUruguai não deve ser meramentecopiado. Não podemos esquecerque cada país tem suas própriasrealidades políticas, sociais, cul-turais etc.

Por fim, é inevitável comentarsobre o Aedes aegypti.

Gadelha: A Fiocruz, desde ostempos de seu patrono OswaldoCruz, sempre trabalhou com a ideiada pesquisa voltada para a re-solução de problemas da saúdepública brasileira. Portanto, imbuí-dos desta tradição, temos ampliadoas ações da Fundação no controleda dengue, chikungunya e zika emtodo o país. Nossos pesquisadoresestão participando de seminários,mesas-redondas e estudos decampo e de laboratório para ajudaro país a enfrentar essas doenças.Assim damos nossa contribuição àpopulação e ao SUS.

(Fala Manguinhos!)

(Fala Manguinhos!)

da Redação

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