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1 O PAEG 40 ANOS DEPOIS: AS LIÇÕES. (Versão preliminar) Affonso Celso Pastore Maria Cristina Pinotti 1. INTRODUÇÃO Quando o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) foi posto em prática em 1964, as taxas de inflação aproximavam-se do intervalo entre 80% e 100% ao ano, e o PIB caminhava para a estagnação, interrompendo um período de 10 anos de crescimento econômico acelerado. A política econômica implantada pelo PAEG colocou a inflação em uma trajetória de queda, chegando perto de 40% ao ano em 1966, estabilizando-se em torno de 20% ao ano nos seis anos subseqüentes. Porém de 1975 em diante as taxas de inflação voltaram a crescer, retornando em 1980 aos 100% ao ano, e saindo do controle daí em diante. Depois da rápida recessão de 1966 as taxas de crescimento do PIB elevaram-se, mantendo-se até 1980 em valores próximos aos da década dos anos 1950, mas o crescimento acelerado também não se sustentou, declinando fortemente a partir do início dos anos 1980. No gráfico 1 mostramos as séries mensais das taxas de inflação de 12 meses, ao lado do índice anual do PIB. Gráfico 1 Taxas de Inflação e Evolução do PIB -20 0 20 40 60 80 100 120 140 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 Indice Geral de Preços (IGP) Preços por Atacado (IPA) Preços aos Consumidores (IPC) 50 100 200 400 800 1950 1960 1970 1980 1990 2000 PIB total O PAEG diferencia-se dos vários planos de estabilização que o precederam pelo extenso conjunto de reformas implantadas. A literatura analisando aquele plano de estabilização [Fishlow (1974), Lara Rezende (1982), Simonsen (1970) e (1983) Kafka (1967) e (1974), Penha Cysne (1985)] concentra-se na análise das diferenças entre as promessas e os resultados, apontando os eventuais erros de diagnóstico e de implementação. Não queremos

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O PAEG 40 ANOS DEPOIS: AS LIÇÕES. (Versão preliminar)

Affonso Celso Pastore Maria Cristina Pinotti 1. INTRODUÇÃO Quando o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) foi posto em prática em 1964, as taxas de inflação aproximavam-se do intervalo entre 80% e 100% ao ano, e o PIB caminhava para a estagnação, interrompendo um período de 10 anos de crescimento econômico acelerado. A política econômica implantada pelo PAEG colocou a inflação em uma trajetória de queda, chegando perto de 40% ao ano em 1966, estabilizando-se em torno de 20% ao ano nos seis anos subseqüentes. Porém de 1975 em diante as taxas de inflação voltaram a crescer, retornando em 1980 aos 100% ao ano, e saindo do controle daí em diante. Depois da rápida recessão de 1966 as taxas de crescimento do PIB elevaram-se, mantendo-se até 1980 em valores próximos aos da década dos anos 1950, mas o crescimento acelerado também não se sustentou, declinando fortemente a partir do início dos anos 1980. No gráfico 1 mostramos as séries mensais das taxas de inflação de 12 meses, ao lado do índice anual do PIB. Gráfico 1 Taxas de Inflação e Evolução do PIB

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Indice Geral de Preços (IGP)Preços por Atacado (IPA)Preços aos Consumidores (IPC)

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1950 1960 1970 1980 1990 2000

PIB total

O PAEG diferencia-se dos vários planos de estabilização que o precederam pelo extenso conjunto de reformas implantadas. A literatura analisando aquele plano de estabilização [Fishlow (1974), Lara Rezende (1982), Simonsen (1970) e (1983) Kafka (1967) e (1974), Penha Cysne (1985)] concentra-se na análise das diferenças entre as promessas e os resultados, apontando os eventuais erros de diagnóstico e de implementação. Não queremos

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repetir esse tipo de análise. No nosso entender, a única razão para re-visitar o passado é analisar o mesmo problema com ferramental mais moderno da teoria econômica, extraindo a partir desse exercício lições para o futuro. Ocorre que as reformas implantadas pelo PAEG não se esgotaram nos três anos do governo Castelo Branco. O regime econômico implantado a partir daquele plano influenciou as políticas econômicas da década dos anos 1970, o que nos obriga a ampliar o período abrangido por esta análise. Nosso objetivo é buscar um entendimento de por que, na tentativa de eliminar a inflação e retomar o crescimento econômico sustentado, plantaram-se as sementes do descontrole inflacionário e da estagnação do crescimento econômico. Iniciamos resumimos qual era o debate econômico nos anos que precederam o PAEG, e qual era a natureza das crises que conduziram aos vários planos de estabilização naqueles anos. O ponto comum em todos aqueles episódios é a inflação gerada por políticas fiscal e monetária expansionistas, que culminavam em dificuldades no balanço de pagamentos, que eram contornadas ou com controles cambiais e medidas protecionistas, ou desembocavam na tentativa de buscar financiamento externo, acompanhado da inevitável desvalorização cambial. Na seção 3 descrevemos resumidamente quais foram as reformas implantadas e as políticas econômicas inauguradas pelo PAEG. Na seção 4 iniciamos a análise empírica, abordando o conflito entre o regime cambial e os regimes fiscal e monetário. A opção pelo gradualismo adotada pelo PAEG era incompatível com a manutenção do câmbio fixo, e algo teria que ser alterado: ou alteravam-se os regimes fiscal e monetário, abandonando-se a estratégia gradualista, convergindo mais rapidamente para a média da inflação mundial, ou alterava-se o regime cambial. Na seção 5 analisamos a política monetária. O Banco Central do Brasil foi criado em 1964, mas nasceu como uma instituição enfraquecida no que diz respeito à tarefa primordial de controlar a inflação, e quando ocorreu a adesão ao regime das mini-desvalorizações cambiais em uma regra de paridade de poder de compra (PPC), desapareceu completamente a eficácia da política monetária para combater a inflação. Na seção 6 discutimos a indexação, estabelecendo a diferença entre a indexação de instrumentos da dívida pública, que reduz a tentação do governo para elevar a inflação, e a indexação de salários, que propaga os choques inflacionários, elevando a persistência, e com isso eleva os custos de desinflar. A seção 7 é dedicada às conseqüências da indexação da taxa cambial sobre a inflação e a política monetária. Na tentativa de corrigir a incompatibilidade entre o gradualismo e a fixação da taxa cambial, evitando apertos fiscal e monetário adicionais, de um lado, e de estimular as exportações, de outro, em 1968 foi mudado o regime cambial, provocando a perda das âncoras nominais para estabilizar os preços. A seção 8 é dedicada à estratégia de retomada do crescimento econômico a partir de

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1968/69. Em 1969 foi iniciado um programa de promoção de exportações, que juntamente com o forte crescimento do comércio mundial, até 1973, empurrou as taxas de crescimento econômico para cima. Em princípio os subsídios às exportações poderiam ter apenas corrigido as distorções geradas pela substituição de importações, cujo legado foi a penalização das exportações pelo câmbio sobre-valorizado e pelo aumento do custo dos insumos protegidos, e neste caso estaria caracterizada uma estratégia de “segundo-ótimo”. Porém na sua implementação prática, novas distorções foram geradas. Na seção 9 analisamos uma nova forma de dominância fiscal que se instalou a partir de 1974, quando um ambicioso programa de investimentos objetivando a manutenção do crescimento acelerado foi financiado com dívida externa, e terminou gerando a crise da dívida externa, de 1983, e a aceleração da inflação. Na seção 10 concluímos resumindo algumas lições extraídas da política econômica desse período. 2. O PERÍODO ANTERIOR AO PAEG O debate econômico nos 15 anos que antecederam o PAEG era dominado pela controvérsia estruturalista-monetarista. Os estruturalistas sofriam forte influência de Prebisch e da CEPAL, principalmente quanto ao argumento de que a deterioração das relações de troca impediria o crescimento das exportações de produtos primários, o que justificava que os países sub-desenvolvidos optassem pela industrialização substitutiva de importações, propondo-se a elevação das barreiras tarifárias e não tarifárias às importações1. Para alguns estruturalistas a inflação seria geradora de poupanças forçadas [Baer (1977), Baer e Kerstenetsky (1962)], elevando a acumulação de capital, e por isso seria benéfica ao crescimento. Outros argumentavam que com a renda em crescimento, os “gargalos” e a “rigidez na oferta” geravam impulsos inflacionários, que se fossem combatidos reduziriam a taxa de crescimento econômico. A correlação positiva entre as taxas de inflação e de expansão monetária apenas refletiria a acomodação monetária aos choques provocados pelas “verdadeiras causas” da inflação. Um resumo destes argumentos pode ser encontrado em Felix (1962) ou no artigo introdutório de Ruggles (1962) à conferência internacional sobre “Inflation and Growth in Latin América”, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1962. Mas talvez o ponto mais marcante prendia-se à natureza da correlação entre o crescimento

1 No ensino de economia, no Brasil, olhavam-se com suspeita as proposições do livre comércio, que se acreditava conduziriam à estagnação, condenando os países da “periferia” a serem exportadores de produtos primários, privilegiando-se a literatura que elaborava uma defesa econômica do protecionismo, em contraposição às virtudes do livre comércio.

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econômico e a inflação [Simonsen (1962)]. Para os monetaristas2 essa correlação era inversa, e o combate à inflação era uma pré-condição para o crescimento econômico, enquanto que para os estruturalistas essa correlação era positiva, e a tentativa de estabilizar os preços levaria à estagnação econômica. O crescimento econômico foi a principal bandeira do governo Kubistchek. Sua política econômica, fundamentada nos investimentos voltados à industrialização pela substituição de importações, tem forte influência dos estruturalistas. Cedendo explícita ou implicitamente aos argumentos da “poupança forçada”, admitindo que a inflação seria benéfica para o crescimento econômico, deixava de lado qualquer respeito à estabilidade de preços, utilizando como instrumento o financiamento inflacionário dos déficits públicos. Naquele período, no entanto, o Brasil havia aderido ao regime de Bretton Woods, comprometendo-se a manter o câmbio fixo, e isto era incompatível com o uso da inflação para estimular o crescimento. Era inevitável que ocorressem crises no balanço de pagamentos, e que para reduzir as desvalorizações se partisse para os controles cambiais e para uma forte elevação do protecionismo. A ideologia econômica da época favorecia esta opção. Toda a construção teórica em torno dos benefícios do modelo de substituição de importações justificava o casamento entre os benefícios da inflação para promover “poupanças forçadas”, e os estímulos ao crescimento derivados do protecionismo, utilizando-se o câmbio fixo para ajudar reprimir a inflação, e estimulando a ira contra o FMI e os organismos internacionais que por ventura pregassem a necessidade de seguir políticas fiscal e monetária austeras. Seus resultados no plano do crescimento econômico foram espetaculares, mas no que diz respeito à inflação e aos déficits públicos foram desastrosos. Entre 1957 e 1961 o produto cresceu à taxa média de 8,3% ao ano, com a indústria crescendo a 10,7% ao ano e a agricultura a 5,8% ao ano. Entre 1956 e 1961 o crescimento total da indústria foi de 80%, com destaque para a indústria do aço (100%); mecânica (125%); elétrica e de comunicação (380%); e equipamentos de transporte (600%) [Skidmore(1969)]. Mas foi também nesse período que os déficits públicos elevaram-se fortemente, sendo quase que integralmente 2 Hoje, mesmo os não monetaristas sabem que a inflação é um fenômeno monetário, embora a expansão monetária possa ter várias causas. Uma dessas causas é acomodação passiva, que decorre da taxa cambial sendo reajustada em uma regra de paridade de poder de compra, na presença de mobilidade internacional de capitais. Os “monetaristas” puros, hoje em dia, são apenas aqueles que mesmo diante das claras evidências de instabilidade da demanda de moeda ainda continuam pregando que a política monetária deve ser realizada controlando diretamente a quantidade de moeda, seguindo uma regra rígida. Nos anos em torno do PAEG, no entanto, eram “acusados” de “monetaristas” todos os que propunham que a eliminação do financiamento do déficit público com expansão monetária fosse a condição mais importante para eliminar a inflação.

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financiados com expansão monetária, levando ao crescimento contínuo das taxas de inflação. Grande parte deste desempenho no campo do crescimento econômico explica-se pelas políticas protecionistas geradoras da substituição de importações. Ao final da primeira guerra mundial, o câmbio valorizado rapidamente esgotou as reservas cambiais, e as importações sofreram controles quantitativos. A decisão brasileira era manter o compromisso com o câmbio fixo, e a escassez de divisas fez com que por volta de 1953 fossem instituías as taxas múltiplas de câmbio, com leilões de câmbio em cinco categorias [Kafka (...)]. Mantinha-se um dos compromissos com o regime de Bretton Woods – o câmbio fixo - mas violava-se um outro – a conversibilidade nas contas correntes3. Naquele sistema de leilões de câmbio alocavam-se mais divisas para a compra de máquinas e equipamentos e menos divisas a bens duráveis, o que elevava o ágio cambial e a proteção implícita nestes últimos, gerando estímulo à substituição de importações de bens duráveis de consumo. Em 1957 com a Lei 3.244 os leilões de câmbio foram abandonados, criando-se em seu lugar um regime de tarifas aduaneiras que mantinham aproximadamente a mesma estrutura de proteção dos leilões de câmbio4. Além da proteção tarifária, havia medidas protecionistas não tarifárias. Uma delas era o grau de nacionalização, exigido na produção em alguns setores industriais, como na indústria automobilística. Uma segunda era a lei do similar nacional, aplicada para proteger indústria de bens de capital: para que uma máquina tivesse a sua licença de importação aprovada, tinha que ser comprovada a ausência de um similar nacional. O atestado da inexistência de similar nacional era emitido pela CACEX5.

3 O Brasil não era o único país deixando de cumprir, naqueles anos, o compromisso com a conversibilidade nas contas correntes. Encerrada a guerra a Europa estava em crise, sem recursos, e recebia para a sua reconstrução o auxílio do Plano Marshall. As dificuldades para quitar as obrigações nas contas correntes entre os países europeus fizeram com que por vários anos não houvesse conversibilidade nas contas correntes, e fosse utilizado o mecanismo da “European Payments Union”. Estas dificuldades não eram privilégio dos europeus, e a falta de conversibilidade nas contas correntes ocorria também nos países da “periferia”. O FMI tolerou esse problema por algum tempo, e ele somente começou a ser sanado por volta da segunda metade dos anos 1950. Ver Obstfeld (1993), Bordo (1993). 4 Desejando manter o câmbio fixo o Brasil precisava manter um elevado grau de proteção, e não podendo manter as restrições cambiais, porque precisaria da ajuda dos organismos internacionais que impunham o aumento da conversibilidade nas contas correntes, era fatal que optasse pela elevação das tarifas aduaneiras. 5 Note-se que a CACEX, que era uma carteira do Banco do Brasil, tinha enorme poder na política de industrialização. Isto é uma evidência do poder político do Banco do Brasil, que não se manifestou apenas neste caso, mas em muitos outros, como veremos adiante.

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Em complemento ocorreram estímulos ao ingresso de capital estrangeiro associado ao nacional, através da resolução 113 da SUMOC, que isentava as empresas estrangeiras de cobertura cambial para importar máquinas e equipamentos, desde que em associação com empresas nacionais. Este mecanismo foi de fundamental importância na atração da indústria automobilística. O modelo da substituição de importações foi proposto e defendido pela CEPAL, mas para entendermos os mecanismos através dos quais a proteção tarifária e não tarifária elevou a atração ao capital estrangeiro, precisamos do ferramental do modelo neoclássico de comércio internacional com dois fatores, dois produtos e dois países, e do teorema da equalização de preços de fatores de Stolper-Samuelson6. No Brasil, a mão-de-obra era o fator abundante e o capital o fator escasso, e o país tinha vantagens comparativa na produção de produtos agrícolas ou manufaturas com pouco conteúdo tecnológico, enquanto que nos Estados Unidos, o capital era relativamente mais abundante do que a mão de obra não qualificada. A previsão do modelo Stolper-Samuelson é de que a imposição de tarifas, no Brasil, sobre os produtos intensivos em capital, como os automóveis ou os bens duráveis de consumo, elevaria a taxa de retorno sobre os investimentos em capital fixo (e complementarmente os salários da mão de obra qualificada) relativamente ao custo da mão de obra não qualificada. Na presença de mobilidade internacional do capital, o aumento das taxas de retorno sobre os investimentos em capital fixo atrairia um fluxo de investimentos estrangeiros, que elevaria o estoque de capital disponível, mantendo-se este mecanismo até o momento no qual os preços dos fatores fossem novamente eqüalizados. O crescimento econômico seria empurrado por uma acumulação de capital temporariamente mais elevada, beneficiando-se também dos ganhos do avanço tecnológico embutido nesses investimentos. Enquanto durasse este ingresso de capital estrangeiro a economia conheceria uma fase rápida de industrialização e crescimento econômico, que se esgotaria quando os preços dos fatores tivessem sido novamente equalizados. No novo equilíbrio, as taxas de retorno sobre os investimentos em capital fixo no Brasil deixariam de atrair novos investimentos, e as taxas de crescimento econômico se reduziriam. O país ficaria, contudo, com várias distorções. A principal delas era a penalização imposta aos setores exportadores, não somente pelo efeito direto da sobrevalorização cambial derivada da proteção tarifária e não tarifária, mas também pela elevação do custo dos insumos dos bens internacionais protegidos, utilizados na produção de produtos manufaturados exportáveis. Este mecanismo 6 O modelo que é base para a exposição deste mecanismo pode ser encontrado, por exemplo, em Mundell (1968), capítulo 4.

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é muito importante, e será analisado em maior detalhe na seção 9, adiante. Ele foi o gerador de um viés anticomércio exterior, e contribuiu para a estagnação econômica tão logo cessaram os impulsos derivados da substituição de importações. A primeira análise profunda do sistema de proteção no Brasil foi a de Bergsman (1973) [Ver também Bergsman e Malan (1971)]. Paralelamente, o governo Kubistchek efetuou pesados investimentos na produção de energia e na construção de estradas, além da construção de Brasília. Em parte os recursos vieram de empréstimos externos. Mas a principal fonte desse financiamento foi o déficit público financiado com expansão monetária, ou seja, a inflação, através de senhoriagem. Não havia disciplina fiscal, nem a disposição política de elevar tributos, e os déficits públicos não podiam ser financiados com dívida pública, devido à inexistência desses instrumentos. Os investimentos e os incentivos concentraram-se na indústria de base e pouco ou nada foi feito na área da educação, saúde ou de agricultura [Skidmore(1969)]. A inflação crescente foi minando os sistemas financeiro e tributário. Devido à Lei da Usura as taxas nominais de juros estavam tabeladas em 12% ao ano, desincentivando as aplicações, e desapareceu o mercado de crédito de longo prazo. Havia ainda as distorções da inflação crescente sobre a arrecadação tributária. Tributava-se cada vez mais o lucro das empresas [Chacel, Simonsen, e Wald (1969)], e a arrecadação dos impostos diretos era baixa, dependendo a receita tributária de impostos indiretos com alto poder de distorção. Com o câmbio valorizado, e com políticas monetária e fiscal expansionistas, era fatal que crises cambiais se sucedessem. O governo Kubistchek teve que negociar um acordo com o FMI, mas não se dispunha a cumprir as condicionalidades, dado que não se dispunha a eliminar as inconsistências entre o regime fiscal e monetário, de um lado, e o cambial, de outro. José Maria Alkimin renunciou o Ministério da Fazenda depois do fracasso em obter os financiamentos externos necessários para a continuidade daquela política. Em seu lugar assumiu Lucas Lopes que junto com Roberto Campos, então diretor do BNDE, lançaram um programa de estabilização em 2 etapas: na primeira o objetivo era conter os aumentos de preços em 5% em 1959; e na segunda, conter a oferta monetária. O plano não teve apoio interno: os estruturalistas argumentavam que no Brasil uma inflação de 20% ao ano era aceitável, e que inflação mais baixa levaria à estagnação econômica. Como era previsível, o FMI não deu seu aval ao plano, exigindo o equilíbrio fiscal e o fim dos subsídios às importações de trigo e de gasolina, que eram uma forma de câmbio múltiplo. Por outro lado, a oposição política ao plano era muito forte. Os paulistas se colocaram contra as

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restrições ao crédito, e a esquerda começou a criticar o capital estrangeiro e em Junho de 59, o governo Kubistchek rompeu com o FMI. Kubistchek não fez seu sucessor, tendo sido eleito Jânio Quadros. No seu discurso de posse ele enfatizava a ineficiência da máquina do governo e a crise financeira deixada pelo seu antecessor, principalmente o elevado déficit público e a elevada dívida externa. Durante o seu mandato venciam US$ 2 bilhões, dos quais US$ 600 milhões só no primeiro ano, cujo re-escalonamento teria que ser negociado por Clemente Mariani, que era então o seu ministro da Fazenda. A política econômica de Jânio Quadros iniciou-se com uma radical ortodoxia, implicitamente reconhecendo a incompatibilidade entre as políticas monetária e fiscal expansionistas e a defesa do câmbio fixo, mas logo que os custos econômicos e políticos começam a aparecer, a austeridade econômica deu lugar aos acenos ao populismo. Logo em março ele lançou um programa de estabilização mais completo do que os anteriores. Desvalorizou o câmbio em 100% e com a Instrução 204 da SUMOC unificou as taxas de câmbio, retirando os subsídios à importação de trigo e gasolina. Em conseqüência os preços domésticos de pão e passagens de ônibus urbanos mais do que dobraram. Prometeu, também, reduzir o déficit público e investir no setor exportador. Obteve, com isso, o aval do FMI, abrindo o caminho para a renegociação da dívida externa entre maio e junho. Contando com a boa vontade do governo Kennedy com relação ao Brasil, obteve empréstimos de US$ 2 bilhões, com US$ 300 milhões de dinheiro novo [Skidmore (1969)]. No entanto, quando os custos do programa começaram a aparecer, ele começou a ceder às críticas dos desenvolvimentistas de que qualquer programa de estabilização tornar-se-ia ineficaz se não fizesse parte de um plano mais amplo de prosseguimento da industrialização com aumento do gasto público. Já em agosto daquele mesmo ano Jânio estava convencido de que precisava mudar a política econômica e começou a expandir o crédito e a preparar o plano qüinqüenal7. Renunciou antes de prosseguir nesta direção. No tumultuado governo de João Goulart novas tentativas foram feitas. A partir de Janeiro de 1963 foi implantado, sob a direção do Ministro Celso Furtado, o Plano Trienal. Seus

7 Conforme o ruído interno aumentava, acentuava-se o “estilo Jânio”, com bilhetinhos para a máquina governamental, e a proibição de lança perfume e do biquíni, por exemplo. Ele começou a se distanciar dos Estados Unidos, e a flertar com o comunismo, dando a ordem do Cruzeiro do Sul para o Che Guevara. Logo em seguida renunciou à Presidência da República. Ver Skidmore (1969).

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objetivos eram promover o crescimento econômico à taxa de 7% ao ano; reduzir a inflação em 63 à metade da observada em 62, e atingir 10% em 65. O plano Trienal baseava-se em políticas fiscal e monetária restritivas, causando espanto aos analistas econômicos e políticos da época pela inexistência de elementos heterodoxos. Claramente esta opção pela ortodoxia era provocada pela necessidade de obter apoio do FMI e do Banco Mundial para equacionar as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos [Lara Rezende (1982)]. Era proposta a redução do déficit público, através do aumento das receitas e redução das despesas. O déficit de caixa do Tesouro havia passado de 2,8% do PIB em 1960 para 4,3% do PIB em 1962, e o Plano propunha a sua volta para 2,5% do PIB em 63 [Skidmore (1969)]. Quanto à política monetária, o Plano propunha que o crédito crescesse à taxa de crescimento dos preços e do PIB. Em adição admitia a necessidade de se manter a política de substituição de importações, instrumentada por tarifas elevadas. A inflação corretiva do início de 1963, derivada do reajuste do salário mínimo, da desvalorização cambial e da correção de vários preços reprimidos, elevou a inflação. Simultaneamente a política de restrição ao crédito derivada das instruções 234 e 235 da SUMOC, que limitava em 35% a taxa de crescimento dos empréstimos bancários ao setor privado contribuiu para a desaceleração da atividade econômica [Lara Rezende (1982)]. O elevado déficit na balança comercial, a queda no ingresso de investimentos estrangeiros e as dificuldades na negociação de um acordo com o FMI impossibilitaram a tarefa de Celso Furtado. Deste ponto até março de 1964 sucederam-se dois novos Ministros da Fazenda. O primeiro foi San Tiago Dantas, que se dedicou à tentativa fracassada de equacionar a obtenção de recursos externos, e que teve apenas uma breve passagem pelo governo. O segundo foi Carvalho Pinto, cuja intenção era combater a inflação com medidas de controle fiscal e monetário, e que igualmente fracassou nas suas intenções. 3. QUAIS FORAM AS REFORMAS INICIADAS COM O PAEG? O primeiro problema a enfrentar em 1964 era o da inflação. Tendo optado pelo gradualismo as autoridades reconheceram que por um longo período teriam que “conviver com a inflação”, o que as conduziu à criação de um sistema abrangente de indexação que em princípio deveria restringir-se aos ativos financeiros. Com base neste mecanismo de “correção monetária” foi possível reformar e aperfeiçoar o sistema financeiro criando ativos financeiros que canalizaram recursos para atender as necessidades de financiamento

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do déficit público. Este mesmo mecanismo criou condições para retomar os financiamentos à habitação, que haviam praticamente desaparecido com a combinação da escalada inflacionária com a Lei da Usura, que impunha um teto de 12% ao ano à taxa nominal de juros. Foi também com base na correção monetária que se implantou a reforma que aboliu o arcaico estatuto da estabilidade no emprego, criando-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), iniciando com isso a prática de criação de mecanismos de poupança forçada como o PIS e o PASEP. A partir de 1965, uma outra forma de indexação passou a ser utilizada para reajustar os salários nominais, e junto com o controle de preços foi utilizada para forçar o declínio das taxas de inflação. A “fórmula” de reajustes salariais passou por várias mudanças, porém a cada mudança foi se elevando o grau de indexação dos salários com base nas inflações passadas, e ao mesmo tempo o controle de preços foi ganhando importância no controle da inflação, funcionando como um mecanismo de repressão de reajustes de preços nominais. Foi também com base na correção monetária que se aperfeiçoou o imposto de renda, evitando a taxação dos lucros ilusórios decorrente da inflação. As mudanças no imposto de renda foram apenas o início de uma reforma tributária mais ampla. Anteriormente, uma parte da arrecadação tributária derivava de dois impostos indiretos: o primeiro era o imposto sobre o consumo (IC), de âmbito federal; e o segundo era o imposto de vendas e consignações (IVC), de âmbito estadual. A reforma tributária de 1965 extinguiu estes dois impostos, substituindo o primeiro pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de âmbito federal e com alíquotas diferenciadas, e o segundo pelo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM), de âmbito estadual, e com alíquotas uniformes. Em ambos os casos, os novos impostos incidiam sobre o valor adicionado cujo modelo copiou a experiência européia com o IVA. Esta reforma ajudou o crescimento da arrecadação, e ao lado do controle dos gastos públicos, e do financiamento parcial dos déficits com o recém criado instrumento da dívida pública – as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN)- visavam eliminar a principal causa da inflação, que eram os déficits públicos financiados com emissão monetária. As ORTN que foram inicialmente concebidas como um instrumento de financiamento do déficit público, transformaram-se também em uma unidade utilizada para reajustar contratos, como no caso dos aluguéis, criando condições para elevar progressivamente o grau de indexação da economia. Mas as reformas não pararam neste ponto. Uma característica institucional importante no Brasil era a ausência de limites entre as autoridades monetária e fiscal. Até 1965 o Brasil

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não tinha um Banco Central. O Tesouro podia tomar diretamente empréstimos junto à autoridade monetária, e em parte as funções de autoridade monetária eram exercidas pelo Banco do Brasil, que era também um banco comercial. O PAEG enfrentou esse problema criando um Banco Central, mas mesmo depois disso, o Tesouro continuou podendo sacar recursos junto à autoridade monetária. Em adição, o Banco do Brasil não foi separado do conjunto das autoridades monetárias, gerando-se uma anomalia impossível de ser encontrada em algum outro país. Para colocar disciplina na política monetária criou-se o Conselho Monetário Nacional (CMN), que evoluiu do antigo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC). Porém, tanto nos anos iniciais como posteriormente, o poder do Banco Central dentro deste Conselho era mínimo, e seu principal objetivo não era a estabilidade de preços. Alterou-se a política econômica com relação ao setor externo. Buscou-se progredir na conversibilidade das contas correntes; foi atacada a re-estruturação da dívida externa; e tomou-se a atitude de estimular o ingresso de capitais. A reforma tributária de 1965 permitiu iniciar a remoção do viés antiexportações derivado da incidência em cascata do IVC, que devido a isso não poderia ser isentado nas exportações. O novo sistema tributário, com impostos indiretos sobre o valor adicionado, permitiu que se isentasse plenamente este imposto na exportação. Em adição, permitiu que se criasse em 1969 o sistema de subsídios às exportações, que juntamente com as mini-desvalorizações cambiais, iniciadas em 1968, permitiu promover as exportações. A esse sistema de subsídios fiscais agregaram-se subsídios via crédito, direcionados pelo CMN através do próprio Banco Central, não com recursos do orçamento fiscal, mas sim do orçamento monetário. Ao lado de seus sucessos, as reformas do PAEG e das políticas que se seguiram nos anos subseqüentes continham as sementes do retorno do processo inflacionário mais agudo. Se de um lado a indexação de ativos financeiros permitiu remover ineficiências na intermediação financeira, e em princípio reduzia a indução do governo a inflar, de outro a indexação de salários elevava a persistência da inflação. Ao aderir a uma forma particular de “crawling-peg” cambial, na qual a taxa cambial era reajustada em uma regra de paridade de poder de compra (PPC), impediu-se que o câmbio ou a oferta monetária pudessem ser âncoras que estabilizassem o nível de preços. Naquele novo regime monetário e cambial, a taxa cambial não poderia ser uma âncora, porque era indexada às inflações passadas, e a oferta monetária não poderia ser uma âncora porque com o câmbio real aproximadamente fixo perdia-se o controle sobre a oferta de moeda, que se ajustava passivamente a todo e qualquer choque, sancionando integralmente seus efeitos inflacionários.

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A partir de 1967, iniciou-se uma fase de crescimento econômico acelerado, mas esta também era apenas temporária. O crescimento acelerado daquele período foi liderado pelas exportações, e teve duas forças propulsoras: o crescimento acelerado do comércio mundial até 1973; e os subsídios fiscais e creditícios às exportações. Aquele sistema de subsídios atuou reduzindo o viés antiexportações herdado do modelo de substituição de importações, mas era insustentável porque contrariava os acordos internacionais, e em adição criou outras distorções. Aquele programa de estabilização falhou, também, em criar um regime fiscal que impedisse o crescimento imprudente do endividamento. Quando os dois choques do petróleo atingiram a economia brasileira, em 1973 e em 1979, foi tomada a opção pela rota de uma nova rodada de substituição de importações, e de investimentos públicos com elevada participação governamental, financiados por empréstimos externos realizados predominantemente a empresas estatais, o que expôs o país à crise da dívida externa do início dos anos 1980. Esta era uma nova forma de dominância fiscal, que temporariamente não produziu a expansão monetária e a inflação. Porém, no momento em que a dívida externa tornou-se não sustentável, e o câmbio real teve que ser fortemente desvalorizado, para ser posteriormente reconduzido aos reajustes na paridade de poder de compra, geraram-se fortes impulsos inflacionários que não tinham mais como serem dissipados, devido à total ausência de uma âncora nominal. Aquele regime fiscal foi o último ato de um processo que culminou no retorno da inflação, e após o qual as taxas de crescimento econômico estabilizaram-se em níveis medíocres. 4. A INFLAÇÃO E OS REGIMES FISCAL, MONETÁRIO, E CAMBIAL Qualquer discussão sobre o diagnóstico da inflação brasileira no período em torno do PAEG tem que ser precedida da resposta à indagação – qual era o regime econômico naquele período? Mais especificamente, é preciso definir qual era o regime fiscal, de um lado, e qual era o regime monetário-cambial, de outro, e de que forma este regime econômico teria que ser alterado para controlar de forma eficaz a inflação. Anteriormente ao PAEG (e mesmo no período entre 1964 e 1968), o Brasil “pretendia estar” no regime de câmbio fixo. No entanto a política fiscal era expansionista, e as autoridades monetárias submetiam-se completamente às pressões da política fiscal, financiando integralmente o déficit público com expansão monetária, caracterizando um

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caso clássico de dominância fiscal. O grande produto das políticas monetária e fiscal, nesse período, não era a estabilidade de preços, mas sim as inflações elevadas, o que acarretava sucessivas crises no balanço de pagamentos. Essa incompatibilidade entre o regime de câmbio fixo e as políticas fiscal e monetária expansionistas gerava uma sucessão de desvalorizações cambiais e intermináveis negociações externas, visando equacionar as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos. Neste regime econômico, ou mudavam as políticas fiscal e monetária, tornando-as compatíveis com o regime de câmbio fixo, ou o Brasil continuamente teria que utilizar a válvula permitida pelo acordo de Bretton Woods, desvalorizado o câmbio na presença de cada um dos sucessivos “desequilíbrios fundamentais no balanço de pagamentos”. O gráfico 2 mostra as taxas mensais de inflação (escala da direita, dados dessazonalizados) superpostas às taxas de desvalorização cambial (escala da esquerda) no período de Janeiro de 1959 até 1968, um pouco antes do Brasil aderir ao regime de mini-desvalorizações cambiais. Nos anos de inflações médias mais elevadas as desvalorizações cambiais também eram maiores. Gráfico 2 Desvalorizações Cambiais e Inflação: taxas mensais de variação

-.1

.0

.1

.2

.3

.4

.5

.6

.7

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969

DLOGCBIOIGPDI_SA

Note-se que as maxi-desvalorizações não cessaram nem mesmo depois de implantado o PAEG, em 1964, mantendo-se até 1968 Para que com o PAEG o Brasil permanecesse no regime de câmbio fixo, as reformas nos campos fiscal e monetário teriam que ter sido muito mais profundas, e em vez de trazer a inflação para a marca dos 20% ao ano, como ocorreu entre 1967 e 1973, ela teria que ser significativamente mais baixa. Ao decidir por aparelhar-

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se para “conviver com a inflação” por um período mais longo, optando pelo gradualismo, aquele plano de estabilização impôs que mais cedo ou mais tarde o país teria que alterar o regime cambial. Gráfico 3 Diagramas de dispersão entre taxas de variação do câmbio nominal, câmbio real e inflação

-.02

.00

.02

.04

.06

.08

.10

-.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 .7

Câmbio Nominal

Infla

ção

-.1

.0

.1

.2

.3

.4

.5

.6

-.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 .7

Câmbio Nominal

Câm

bio

Rea

l

O quadro era claro: no período durante o qual a taxa cambial permanecia temporariamente fixa, a inflação conduzia à valorização do câmbio real, que gerava a queda das exportações, a elevação das importações, e a fuga de capitais8, obrigando uma nova desvalorização. Não podem existir dúvidas, portanto, de que nesse período a inflação causava a depreciação cambial. Mas será que a depreciação cambial também causava a inflação? A resposta a esta indagação requer que se investigue as evidências sobre a causalidade, e uma primeira indicação é dada observando as variações de alta freqüência do câmbio nominal, do câmbio real, e da inflação9. Nos dois diagramas de dispersão, no gráfico 3, comparamos o comportamento das taxas mensais de variação do câmbio nominal, com as taxas mensais de

8 Nos anos iniciais do regime de Bretton Woods a mobilidade internacional de capitais ainda era baixa, o que temporariamente limitava a fuga de capitais, no Brasil. 9 O caminho natural, neste ponto, seriam os testes de causalidade no sentido de Granger. Eles aceitam a hipótese de que o câmbio não causa os preços, e que os preços não causam o câmbio. No entanto este estranho resultado provavelmente foi forçado pela natureza peculiar do processo estocástico explicativo das taxas mensais de variação da taxa cambial, no qual as taxas de desvalorização cambial permanecem nulas por períodos contínuos, dando saltos discretos de magnitude dependente das taxas de inflação e da extensão do período no qual permaneceram constantes, mostrando total ausência de auto-regressividade. Isto nos conduziu a perseguir o caminho exposto no texto.

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variação do câmbio real e do índice geral de preços10. As evidências com base nas taxas contemporâneas são claras: uma depreciação do câmbio nominal era inicialmente absorvida integralmente pela depreciação do câmbio real, e praticamente não tinha efeitos instantâneos sobre o nível de preços, sugerindo um pass-through de curto prazo muito baixo para os preços. O diagrama 3-B indica uma correlação nula entre as desvalorizações cambiais e as taxas de inflação, porém chama atenção o fato de que exatamente sobre a taxa nula de desvalorização cambial há uma grande concentração de taxas de inflação desde as mais baixas até as mais altas. Uma possível razão para essa concentração é que os efeitos inflacionários da depreciação cambial ocorreriam com defasagens, fazendo com que as taxas de inflação crescessem nos meses seguintes a uma desvalorização, elevando as taxas de inflação enquanto as taxas de desvalorização cambial ainda permanecessem nulas. Ou seja, o pass-through de prazo mais longo seria mais elevado.

Tabela 1 Inflação média antes e depois de uma desvalorização

Desvalorizaçãomédia antes média depois Câmbio Nominal (%)

jan/61 2.18 2.99 12mar/61 1.56 3.17 21ago/61 2.82 4.48 9mai/62 2.90 3.28 12ago/62 4.10 3.80 12set/62 3.28 5.28 13

mai/63 5.20 4.62 27fev/64 5.92 5.06 60

mar/64 6.71 4.75 6ago/64 4.50 5.78 5set/64 4.62 5.21 25dez/64 5.78 3.20 14nov/65 1.98 3.20 18fev/67 1.91 1.91 20jan/68 1.68 2.02 17

ago/68 1.84 1.88 13

Inflação

Para analisar essa possibilidade computamos na tabela 1 as médias mensais de inflação nos quatro meses anteriores e posteriores a uma desvalorização, cuja data é indicada na primeira coluna da tabela, e cuja taxa está na última coluna. Há uma correlação positiva entre as taxas “antes” e “depois” de uma desvalorização, mas isso não é indicativo de causalidade, porém testes de diferenças de média não rejeitam a hipótese de que as duas 10 Trabalhamos neste ponto com o índice geral de preços, e não com o índice de preços aos consumidores, porque aquele contém uma proporção maior de bens “tradables”, o que o torna mais sensível às variações da taxa cambial.

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médias são iguais11. No entanto o diagrama de dispersão entre as duas séries mostra que há mais pontos acima da reta de 450, indicativa da igualdade entre as duas taxas, do que abaixo dela, o que é sugestivo de que predominam, embora de forma não significativa, as taxas um pouco maiores no período posterior a uma desvalorização. Este resultado sugere que o pass-through de longo prazo da depreciação para os preços aos consumidores era baixo, porém não era nulo, e que as desvalorizações também afetavam a inflação, embora com pequena intensidade. Tabela 2 Déficits de caixa do tesouro e fontes de financiamento

Período Receita em proporção ao PIB

Despesa em proporção ao PIB

Déficit em proporção ao PIB)

Financiado pela Autoridade Monetária em proporção ao déficit.

1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970

8.8 7.7 11.0 8.7 8.3 9.9 11.3 11.1 11.1 11.8 12.6 12.8 13.0 12.4 12.2 12.1 11,2 11.6 11.2 11.6

9.0 8.3 8.7 8.1 7.6 7.5 7.9 9.0 9.1 9.0 9.2 8.5 8.8 9.2 10.6 11.0 9.5 10.4 10.6 11.2

-0.7 -0.6 2.3 0.6 0.7 2.4 3.4 2.1 2.0 2.8 3.4 4.3 4.2 3.2 1.6 1.1 1.7 1.2 0.6 0.4

108 84 92 163 100 99 100 69 28 91 99 88 81 101 45 -3 57 88 -136 113

Fonte: Lara Rezende (1982)

Exploremos, agora, as causas monetárias e fiscais da inflação. As evidências empíricas analisadas por Simonsen (1970), Fishlow (1974), Lara Rezende (1982), Penha Cysne (1985), Kafka (1967), mostram que até 1965 quase a totalidade do déficit público era financiada com o Tesouro Nacional tomando empréstimos diretamente junto à autoridade monetária. Este comportamento é mostrado na última coluna da tabela 2. Note-se que

11 A média das taxas de inflação dos quatro meses antes da desvalorização é de 3.56% ao mês, e a média das taxas dos quatro meses após a desvalorização é de 3.79% ao mês. A estatística T de Student para a diferença de médias T= 0.428, e a probabilidade deste valor ter sido obtido ao acaso é de 67%, rejeitando por larga margem a hipótese de que as médias são iguais.

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estamos nos referindo ao “déficit de caixa do tesouro”, e não à necessidade de financiamento do setor público consolidado, incluindo estados e municípios12. Em princípio os Estados e os Municípios operavam naquele período em um regime fiscal no qual sem acesso à emissão monetária teriam que obedecer à sua restrição orçamentária intertemporal13. A economia brasileira naquele período oferecia um exemplo clássico de dominância fiscal, com os déficits públicos propagando-se para a inflação através da expansão monetária. Para extrair um pouco mais de implicações empíricas, tomemos um modelo simples onde o nível de preços é determinado igualando oferta e demanda de moeda. O equilíbrio é dado por ( / )

et

t tM P ce απ−= , onde do lado direito da equação está o estoque real desejado de moeda, que é uma função estável de e

tπ , que é a taxa de inflação esperada, e onde tM é a oferta de moeda, e tP é o nível geral de preços. Derivando logritmicamente com relação ao tempo

obtemos (1) e

t t tπ µ απ= +

onde ( / )e e

t d dtπ π= , e onde tπ e tµ são as taxas de inflação e de expansão monetária,

respectivamente. As expectativas de inflação são determinadas por14 (2) ( )e e

t t tπ γ π π= −

que pode ser interpretado tanto como um modelo de expectativas adaptativas, como um modelo de expectativas racionais nos quais o processo estocástico explicativo de tµ tem as

propriedades supostas por Sargent (1977) no caso da hiper-inflação alemã de 1923. 12 Se estivermos diante dos dados para o setor público consolidado, a necessidade de financiamento do setor público (NFSP) é dada por ( ) ( )t t tNFSP G T iB= − + , onde ( )t tG T− é o déficit primário, e tiB é o fluxo de juros nominais sobre o estoque da dívida pública consolidada interna e externa, tB . Naquele período a dívida pública era pequena, e por isso tiB não aparece. Em segundo lugar, tG e tT representam apenas os gastos e a arrecadação tributária do governo central, exclusive estados e municípios. 13 Ocorreram casos de rebeldia dos estados, mas esta não chegou a ser uma forma freqüente de tensões na política fiscal. Já com o PAEG em plena execução o governador de São Paulo tentou ultrapassar os limites de endividamento daquele estado, o que provocou uma crise política [Campos (1994)]. 14 No tempo discreto a equação (2) é dada por 1 1 1(1 )( )e e e

t t t tπ π β π π− − −− = − − , o que permite, por substituições sucessivas exprimir a taxa de inflação esperada como uma média móvel de pesos geometricamente

declinantes das taxas de inflação passadas, isto é, 10

(1 )e jt t j

j

π β β π∞

− −=

= − ∑ .

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Finalmente introduzimos a existência de dominância fiscal. Na ausência de dívida pública o déficit de caixa do tesouro seria integralmente financiado com expansão monetária, o que expresso em termos reais conduz a 1( ) / ( ) /t t t t t t td G T P M M P−= − = − , onde tM é o papel moeda emitido. Mas ( )1 /t t t tM M P σ−− = é a senhoriagem pela emissão de moeda, que

pode ser expressa como tt t

t

MP

σ µ= , e se isolarmos tµ no primeiro membro obtemos

(3) /( )

et

t t ce απµ σ −=

que na presença de dominância fiscal é a “curva de reação da autoridade monetária”. A equação (3) fornece, para cada taxa de inflação esperada, qual é a taxa de expansão monetária que deve ser fixada pela autoridade monetária para produzir aquela particular senhoriagem, t tdσ = .

Esse modelo simples conduz a quatro previsões. Primeiro, devido à ausência de fontes alternativas de financiamento, os déficits públicos mais elevados (baixos) requerem senhoriagens mais elevadas (baixas). Segundo, na hipótese não rejeitada empiricamente de que naquele período as taxas de inflação correntes eram inferiores a 1/π α= , onde α é a semi-elasticidade-custo da demanda de moeda [Pastore (1997.b)], a arrecadação do imposto inflacionário ocorria no ramo ascendente da curva de Laffer, o que significa que senhoriagens mais elevadas correspondem a inflações mais altas. Terceiro, as taxas de inflação passadas elevam as expectativas de inflação, reduzindo o estoque real de moeda, o que faz com que diante da curva de reação (3) a autoridade monetária seja obrigada, para produzir uma dada senhoriagem, a elevar a taxa de expansão monetária sempre que a inflação estiver em crescimento. Ou seja, as elevações nas taxas de inflação precedem no tempo as elevações na taxa de expansão monetária, e neste caso um teste de causalidade de Granger deve conduzir à aceitação da hipótese de que as taxas de inflação causam as taxas de expansão monetária. Mas esta não é a única implicação sobre a causalidade. Se a taxa de expansão monetária elevar-se, a equação (1) indica que a taxa de inflação crescerá, mas os efeitos de tµ sobre as taxas de inflação não se esgotam em um único período, porque (2)

nos mostra que com o aumento de π ocorrerá também um aumento em eπ que continuará por vários períodos à frente, reduzindo gradativamente por vários períodos à frente o estoque real desejado de moeda, elevando a velocidade-renda da moeda, e elevando por vários períodos à frente a taxa de inflação atual. Neste caso as taxas de inflação em t são correlacionadas com as taxas de expansão monetária passadas, o que indica que as taxas de

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expansão monetária também precedem no tempo as taxas de inflação, e conseqüentemente um teste de causalidade de Granger mostrará que um aumento da taxa de expansão monetária causa um aumento nas taxas de inflação futuras.

O que os dados nos mostram? Primeiro, no gráfico 4 mostramos o diagrama de dispersão entre os déficits de caixa do tesouro anuais, mostrados na tabela 2, a senhoriagem anual expressa em proporção ao PIB. No cálculo da senhoriagem utilizamos os acréscimos do papel moeda emitido em relação ao PIB. Há uma forte correlação positiva entre estas duas séries. Ambos se elevam fortemente até 1964, e declinam depois dos cortes iniciados pelo PAEG, e depois de implementada a reforma tributária do PAEG. Veremos na próxima seção que havia também outras forças conduzindo à emissão de meio circulante, como o papel do Banco do Brasil no conjunto das autoridades monetárias, o que explica parcialmente as discrepâncias entre a senhoriagem e os déficits de caixa em proporção ao PIB. No gráfico 5 superpomos as séries da senhoriagem em proporção ao PIB e das taxas anuais de inflação. Como se verifica, há também uma clara correlação positiva entre estas duas séries. Estas duas evidências reforçam as mostradas na tabela 1, e não rejeitam a hipótese de dominância fiscal. Gráfico 4 Gráfico 5 Senhoriagem e déficit de caixa do Senhoriagem em proporção ao PIB Tesouro em proporção ao PIB. e taxa de inflação anual (IGP-DI)

.01

.02

.03

.04

.05

.06

-.01 .00 .01 .02 .03 .04 .05Deficit/PIB

Senh

oria

gem

/PIB

0

20

40

60

80

100

.01

.02

.03

.04

.05

.06

1950 1955 1960 1965 1970 1975

Taxas anuais de Inflação (IGP)Senhoriagem/PIB

Os testes de causalidade no sentido de Granger mostrados na tabela 3, foram realizados para o período 1950/65, com base nas duas séries das taxas mensais dessazonalizadas. Eles indicam que não se pode rejeitar a hipótese de que a causalidade caminha nas duas direções: não se rejeita a hipótese de que a expansão monetária causa alterações nas taxas

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de inflação; e nem se rejeita a hipótese de que mudanças nas taxas de inflação causam as taxas de expansão monetária15. Tabela 3 Teste de Causalidade de Granger entre as taxas mensais de expansão monetária e de inflação – Período 1950/1965

Com 4 defasagens Com 6 defasagens Com 9 defasagens

Moeda não causa

preços

F = 4.881

(0.0009)

F = 2.999

(0.008)

F = 2.293

(0.019)

Preços não causam

moeda

F = 3.176

(0.0.015)

F = 2.564

(0.021)

F = 2.321

(0.018) Os números entre parênteses logo abaixo das estatísticas F são os valores da probabilidade de que aquele F tenha sido obtido ao acaso.

A existência de déficits públicos geradores de inflação é sempre uma evidência de falta de disposição e/ou de poder político de tributar grupos da sociedade, e em larga medida a inflação brasileira naqueles anos era o fruto da crise política na qual o país estava imerso. Porém, o que estes testes de causalidade mostram é que havia também um segundo problema: a autoridade monetária não tinha poder para resistir às pressões para financiar o déficit, e ainda se dispusesse a elevar a taxa de juros para reduzir os gastos em investimento e consumo privados, não poderia fazê-lo, devido à ausência de instrumentos de dívida pública16. Uma segunda característica da inflação brasileira nesse período era a persistência. O grau de persistência na inflação é medido pelo coeficiente auto-regressivo de primeira ordem das taxas de inflação, sendo tanto maior quanto mais próximo da unidade for esse coeficiente. As taxas mensais nesse período seguiam claramente um processo auto-regressivo estacionário17. Na tabela 4 mostramos as estimativas para um processo AR(1) e para um processo AR(6). O critério de Schwartz sugere que o processo AR(6) é um pouco melhor do que o AR(1), mas as curvas de resposta a impulsos nos dois casos são muito semelhantes, dando as mesmas indicações sobre a persistência.

15 Apresentamos na tabela testes com 4, 6, e 9 defasagens, mas como pode se visto na tabela 4, logo abaixo, é um processo AR(6) que gera os resíduos do processo explicativo das taxas de inflação mais próximos de um ruído branco, e portanto esta é a defasagem mais correta para dar validade ao teste de causalidade neste caso. 16 A não rejeição da hipótese de que há uma causalidade da moeda para os preços não é uma prova de que a inflação tivesse causas não monetárias e fiscais, como argüiam os “estruturalistas”. Comportamento semelhante também foi encontrado na hiper-inflação alemã de 1923 [Sargent (1977)], que da mesma forma como a inflação brasileira decorria da expansão monetária derivada do descontrole fiscal. 17 O teste de Dickey-Fuller aumentado rejeita a hipótese de raiz unitária

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Tabela 4 Medidas de persistência na inflação – período 1950-1965

AR(1) AR(6) constante 0.011

(4.101) 0.004

(1.410) t-1 0.633

(8.453) 0.441

(4.613) t-2 - 0.012

(0.114) t-3 - 0.028

(0.269) t-4 - 0.174

(1.675) t-5 - -0.063

(0.604) t-6 - 0.266

(2.767) R2 S.E

Schwartz Q(10)

F

0.403 0.016 -5.427 15.731 71.460

0.500 0.015 -5.387 2.780

16.800 Os números entre parênteses logo abaixo das estimativas são os valores das estatísticas T de Student.

Uma forma alternativa de medir a persistência é através de um modelo VAR (o vetor auto-regressivo) envolvendo as taxas mensais de inflação e de expansão monetária, exprimindo

tπ e tµ em função de seus valores passados com apenas uma defasagem, na forma

(6) 0 1

0 1

tt t

tt t

c c c uc c c uπ ππ πµ π

µ µπ µµ µ

π πµ µ

= + +

onde tuπ e tuµ são variáveis aleatórias não serialmente correlacionadas e independentes

entre si18. As estimativas estão na tabela 5. As indicações quanto a causalidade são as mesmas dos testes mostrados na tabela 4. As taxas de inflação mostram uma auto-regressividade de primeira ordem inferior à unidade, porém significativamente diferente de zero, que é característico da inércia.

18 Apresentamos apenas os resultados com uma defasagem, que foram os melhores, mas as curvas de resposta a impulsos em modelos com 2 ou mais defasagens são semelhantes, embora os intervalos de dois desvios-padrão para cima e para baixo das trajetórias sejam mais amplos.

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Tabela 5 Vetor auto-regressivo entre taxas de expansão monetária e de inflação

coeficientes tπ tµ

constante 0.002 (1.381)

0.010 (5.280)

1tπ − 0.517 (8.873)

0.148 (2.367)

1tµ − 0.327 (5.138)

0.486 (7.113)

R2 S.E.

F

0.505 0.013 95.401

0.332 0.014

46.417 Os números logo abaixo dos coeficientes são os valores da estatística T de Student. Gráfico 6 Funções de resposta a impulsos do modelo da tabela 2

-.004

.000

.004

.008

.012

.016

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da inflação aos preços

-.004

.000

.004

.008

.012

.016

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da inflação à moeda

-.004

.000

.004

.008

.012

.016

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da moeda à inflação

-.004

.000

.004

.008

.012

.016

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da moeda à moeda

No gráfico 6 estão as funções de resposta a impulsos. O resultado que mais nos interessa é a auto-regressividade da inflação: ele não difere significativamente das medidas de persistência mostradas na tabela 4. Depois de iniciada a indexação de salários às taxas de inflação passadas, em 1968, o grau de persistência elevou-se, e depois da taxa cambial passar a ser reajustada em uma regra de PPC, em 1969, a inércia passou a convergir para o ponto máximo, no qual não se rejeita a presença de uma raiz unitária [Pastore (1997.a)]. Ou seja, daquele ponto em diante os choques nas taxas de inflação não mais se dissipavam. Porém, mesmo sem atingir esse extremo, em torno do período de implantação do PAEG já era evidente que havia um grau elevado de persistência.

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Essa persistência poderia derivar de práticas monopolistas no setor privado, que conduzia à rigidez de preços como argumenta Fishlow (1974), ou de algum grau de indexação informal dos reajustes de salários às inflações passadas, como era suposto no PAEG e por Simonsen [(1970),(1983)]. Qualquer que fosse a sua causa, contudo, estas evidências mostram um grau de persistência muito semelhante ao existente em várias economias com inflações mais baixas ou em torno das ocorridas no Brasil naquele período. São esses os resultados obtidos por Edwards e Lefort (2002) que analisaram empiricamente uma amostra de 16 países, incluindo países desenvolvidos e mercados emergentes, no período de 1970 a 1994. Este grau de persistência também nem sequer chega perto das ocorridas no Brasil quando posteriormente a inflação elevou-se, e o país aderiu ao regime de mini-desvalorizações cambiais em uma regra de PPC. 5. POLÍTICA MONETÁRIA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL Para implementar o programa de estabilização o governo buscou inicialmente o apoio do Fundo Monetário Internacional, e naquele período o regime de Bretton Woods ainda estava em plena vigência. O FMI objetava duas propostas brasileiras: a indexação e o gradualismo [Campos (1994)]. Na nossa interpretação, a razão óbvia para essa objeção decorria da defesa do câmbio fixo por parte do FMI, que por outro lado reconhecia que a indexação e o gradualismo levariam o país à óbvia conseqüência de tolerar inflações mais altas por mais tempo, o que era incompatível com aquele regime cambial. O regime de mini-desvalorizações cambiais somente foi implantado mais tarde, em 1968, e conseqüentemente entre 1964 e 1968 as autoridades continuavam em princípio pretendendo manter o câmbio fixo. Quando da implementação do PAEG o Brasil não tinha um Banco Central, e uma das primeiras ações do governo foi criá-lo. Ainda que o Brasil decidisse utilizar o câmbio fixo como âncora nominal, o que reduzia a importância da política monetária, as condições da época quanto aos fluxos internacionais de capitais ainda preservavam alguma eficácia da política monetária para alterar a demanda agregada. O acordo de Bretton Woods requeria a conversibilidade plena nas contas correntes, que vinha sendo gradualmente criada no Brasil19, porém tolerava ou mesmo estimulava controles sobre os movimentos de capitais.

19 Todas as ações na direção da abolição do regime de taxas múltiplas de câmbio foram ações na direção de implantar a conversibilidade nas contas correntes. Um primeiro exemplo foi a extinção do regime de leilões de câmbio, com a Lei 3244, de 1957, que criou o sistema de tarifa aduaneiras. Um segundo exemplo foi a

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No final dos anos 1950 e início dos anos 1960 os fluxos de capitais ainda não haviam retornado plenamente no mercado financeiro internacional [Obstfeld (1993)]. A “areia nas rodas” dos movimentos internacionais de capitais abria espaço para o uso ainda que limitado da política monetária. Para o Brasil, contudo, esta era uma possibilidade apenas teórica, porque o embrião de Banco Central existente em 1964 – a SUMOC - visava mais o objetivo de oferecer crédito ao setor privado do que fazer política monetária para manter a estabilidade de preços, e em segundo lugar porque ainda que desejasse alterar as taxas de juros ou controlar a quantidade de moeda não poderia fazê-lo, devido à inexistência de instrumentos. A tarefa que se apresentava naquele momento era de construir a instituição encarregada da política monetária, e de criar os instrumentos. Vejamos primeiramente um pouco da história das instituições encarregadas da política monetária no Brasil. Até 1945 as funções de autoridade monetária eram totalmente exercidas pelo Banco do Brasil, que era um banco comercial20. Em 1945 o Decreto-Lei 7293 criou a SUMOC, que era um órgão dentro do Banco do Brasil, e um embrião de Banco Central. A orientação da política monetária era atribuída ao seu Conselho, que era presidido pelo Ministro da Fazenda, e composto pelos Diretores das carteiras de Câmbio e de Comércio Exterior do Banco do Brasil (a CACEX), além do próprio Diretor Executivo da SUMOC. Posteriormente o Conselho da SUMOC passou a incluir também o Presidente do BNDE, o Superintendente da SUDENE e os Ministros da Indústria e do Comércio, e do Planejamento. A inclusão dos Ministros da Indústria e Comércio e Planejamento, do Presidente do BNDE e do Superintendente da SUDENE, atestam que uma preocupação importante, naquele período, era a de gerar crédito para o financiamento de prioridades constantes do programa do governo, com o controle monetário sendo apenas uma de suas preocupações, que diante de todas as evidências sobre a dominância fiscal era claramente secundária. Este viés político não foi sanado durante muitos anos.

instrução 204 da SUMOC, eliminando os privilégios cambiais às importações de papel de imprensa e trigo. No entanto nichos de não-conversibilidade continuaram a existir ainda por muitos anos. Um exemplo disto eram as limitações à compra de moedas conversíveis em viagens internacionais. 20 Essa configuração institucional vem do período no qual o Brasil esteve no padrão-ouro, no qual o país em princípio não precisa de um banco central. Existiam dois órgãos dentro do Banco do Brasil. O primeiro era a “Caixa de Mobilização Bancária”, que cuidava da liquidez dos bancos comerciais, funcionando como o emprestador de última instância. O segundo era a “Caixa de Conversão”, encarregada de emitir moeda lastreada na quantidade correspondente de ouro. Embora nominalmente no padrão ouro o Brasil sempre lançou mão em grande escala de emissões de moeda fiduciária, com o regime monetário de fato mais próximo de um sistema fiduciário do que do regime do padrão ouro. Esta “tradição” de emitir moeda fiduciária aliada ao papel do Banco do Brasil no período do padrão ouro fez com que, por “usos e costumes”, aquela instituição adquirisse a função de autoridade monetária.

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O Banco do Brasil, por outro lado, não era um banco comercial comum. Não era submetido aos recolhimentos compulsórios sobre os depósitos do público, e tinha livre acesso à emissão de base monetária para expandir o crédito. Tampouco o Banco do Brasil tinha a característica de autoridade monetária. A reforma proposta no PAEG poderia seguir dois caminhos distintos. Poderia separar totalmente o Banco do Brasil das autoridades monetárias, transformando-o em um banco comercial comum, sujeito aos controles aos quais estão sujeitos os bancos comerciais, e criando um banco central encarregado da política monetária e da supervisão bancária. A segunda alternativa que foi a implantada consistiu em definir o conjunto das autoridades monetárias englobando o Banco do Brasil e o Banco Central do Brasil, persistindo o Banco do Brasil como o agente financeiro das autoridades monetárias e administrando várias políticas setoriais (operações de café, preços mínimos, entre outras, além de como banco comercial oferecer empréstimos ao setor privado) que tinham efeitos sobre a base monetária, porém submetido a um controle orçamentário fiscalizado pelo Banco Central, a partir de tetos fixados pelo Conselho Monetário Nacional. A SUMOC foi transformada no Banco Central do Brasil, e o seu antigo conselho no Conselho Monetário Nacional. Este passou a ser o órgão deliberativo da política monetária. O instrumento utilizado pelo CMN para determinar o comportamento da oferta monetária era o “orçamento monetário”. Apesar da criação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, o Tesouro continuou tendo acesso aos empréstimos tomados diretamente no Banco Central. Embora no governo Castelo Branco as autoridades tivessem a ilusão de estar criando um Banco Central independente21, estavam criando uma instituição com uma marca de banco de fomento, com uma marcada atribuição de prover recursos para a produção, o que caracterizava implicitamente a aceitação da “doutrina dos títulos reais”, de que o crédito à produção não seria inflacionário. A operacionalização da política monetária não se fazia alterando a taxa de juros de curto prazo, como ocorre modernamente, porque simplesmente não existia essa taxa. Somente era possível fazer política monetária controlando a base monetária e os demais agregados monetários, inclusive o crédito bancário. Para esse fim as autoridades teriam que definir qual era a “base monetária” objeto de controle, e o que determinava a magnitude do multiplicador bancário.

21 Dênio Nogueira, o primeiro Presidente do Banco Central tinha um mandato fixo que ultrapassava o governo Castelo Branco. Campos [(1994)] relata que não conseguiu convencer Costa e Silva da importância de manter um razoável grau de independência do Banco Central.

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Tabela 6 Ativo e Passivo das Autoridades Monetárias ATIVO

1. Déficit de Caixa do Tesouro Nacional a. Total b. Financiado por Dívida Pública

2. Operações Cambiais a. Reservas Internacionais

3. Empréstimos do Banco do Brasil ao Setor Privado a. Carteira de Crédito Geral b. Crédito Agrícola e Industrial c. Outros

4. Empréstimos a Autarquias 5. Redescontos Exclusive Café

a. de liquidez b. às exportações c. refinanciamentos rurais d. outros redescontos

6. Redesconto a Café 7. Preços Mínimos 8. Compra e Venda de Produtos pela CACEX 9. Suprimentos ao BNDE 10. Conta Café 11. Demais Contas

PASSIVO

1. Depósitos de Bancos a. Voluntários b. Compulsórios

2. Depósitos do Público a. Autarquias b. Setor Privado

3. Papel Moeda em Circulação

A base monetária é o passivo monetário líquido das autoridades monetárias retido pelo público, e como no conjunto das autoridades monetárias figurava o Banco do Brasil, a base monetária deveria incluir os depósitos do público no Banco do Brasil [Simonsen e Cysne (1989), Pastore (1973)]. A importância deste fato deriva de que ao passivo monetário corresponde um conjunto de operações ativas – as fontes da expansão monetária -, que são as variáveis sobre as quais as autoridades presumivelmente exercem controle para determinar a trajetória do estoque de moeda. Nesta configuração institucional essas operações ativas incluem, além do déficit público, do redesconto aos bancos comerciais, do estoque de reservas internacionais e das operações de mercado aberto, um conjunto de operações de crédito, começando pelos empréstimos do Banco do Brasil ao setor privado, e

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por outras operações em geral realizadas a taxas de juros subsidiadas. As operações ativas que tipicamente fizeram parte da base monetária durante os três anos do governo Castelo Branco e nos anos subseqüentes, estão na tabela 6. Quais eram as fontes dominantes da expansão monetária? Em uma primeira aproximação temos que olhar para a base monetária e para o multiplicador monetário. Do lado do passivo das autoridades monetárias a base monetária ampla era definida por

BBpB M R D= + + onde pM é o papel moeda em poder do público, R são as reservas

bancárias, voluntárias e compulsórias, e BBD são os depósitos do público no Banco do Brasil22. A oferta monetária no conceito de 1M era definida como 1 pM M D= + , onde

BC BBD D D= + é o total de depósitos do público nos bancos comerciais ( BCD ) e no Banco do Brasil, e era um múltiplo da base, (4) 1M mB= onde o multiplicador bancário é dado por

(5) 1(1 )( )

mh h r g

=+ − +

sendo / 1ph M M= , / BCr R D= , e ( )BB BB BCg D D D= + .

Relativamente ao multiplicador bancário convencional, quando a autoridade monetária não aceita depósitos do público, há agora um vazamento adicional representado pelos depósitos do público na autoridade monetária. As variações do multiplicador poderiam ter sido uma componente importante das variações de 1M , mas este não foi o caso, com a componente dominante sendo as variações das operações ativas na base monetária. Em 1961 o multiplicador monetário atingiu 1,97, declinando continuamente até o final de 1966, quando chegou a 1,6, e passando a crescer daí em diante, voltando a um pouco acima de 2,0 em 197123. Uma elevação do multiplicador de 1,6 para 2,0 entre 1966 e 1971 impõe um crescimento em M1 de quase 20% em cinco anos, que é extremamente reduzida 22 No cálculo da senhoriagem, na seção anterior, utilizamos um conceito restrito de base monetária, dado por

pM M R= + , tudo se passando “como se” o Banco do Brasil não pertencesse ao conjunto das autoridades monetárias. 23 Seu crescimento de 1966 em diante deve-se à queda simultânea de h e da taxa de reservas dos bancos comerciais, que mais do que compensaram o efeito redutor sobre o multiplicador do aumento dos depósitos do público no Banco do Brasil [Pastore (1973)].

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relativamente às taxas de crescimento da base monetária, que nesse período oscilaram entre 25% e 60% ao ano. Tabela 7 Taxas Anuais de variação da base e de seus componentes (em final de trimestre) Período base Déficit

de caixa Títulos Emprést.

Do BB ao setor privado

Redesc. Excl. café

Preços mínim.

Conta café

Reservas Estrang.

demais

1962 1 2 3 4

0.451 0.565 0.648 0.626

0.317 0.350 0.379 0.391

-0.002 -0.002 -0.004 -0.038

0.222 0.227 0.238 0.291

0.017 0.014 0.010 0.021

0.002 0.007 0.008 0.005

-0.027 -0.009 0.057 0.029

0.078 0.064 -0.008 -0.049

-0.156 -0.083 -0.033 -0.023

1963 1 2 3 4

0.687 0.677 0.647 0.703

0.462 0.432 0.442 0.490

-0.039 -0.054 -0.083 -0.056

0.286 0.301 0.252 0.210

0.050 0.042 0.044 0.015

0.003 0.011 0.012 0.011

0.024 0.003 -0.075 -0.040

-0.003 -0.083 -0.049 -0.015

-0.096 0.026 0.103 0.087

1964 1 2 3 4

0.881 0.977 0.931 0.887

0.626 0.677 0.656 0.423

-0.061 -0.015 0.042 0.029

0.265 0.308 0.314 0.316

0.021 0.042 0.032 0.060

0.006 0

0.002 0.004

-0.038 -0.018 -0.009 -0.076

-0.040 -0.012 0.057 0.132

0.102 -0.005 -0.162 -0.017

1965 1 2 3 4

0.797 0.816 0.819 0.675

0.373 0.323 0.244 0.184

0.015 -0.016 -0.056 -0.101

0.268 0.208 0.151 0.101

0.003 -0.015 -0.007 -0.15

0.007 0.054 0.108 0.079

-0.066 -0.072 -0.066 0.042

0.214 0.275 0.260 0.212

-0.016 0.059 0.183 0.174

1966 1 2 3 4

0.600 0.458 0.300 0.216

0.136 0.101 0.115 0.106

-0.124 -0.154 -0.131 -0.094

0.099 0.126 0.121 0.155

0.016 0.033 0.041 0.031

0.064 0.035 0.013 -0.001

0.039 -0.009 -0.028 -0.066

-0.008 -0.063 -0.084 -0.113

0.380 0.368 0.253 0.198

1967 1 2 3 4

0.274 0.279 0.312 0.264

0.194 0.241 0.216 0.198

-0.124 -0.088 -0.132 -0.117

0.142 0.121 0.145 0.149

0.002 -0.021 -0.003 0.002

-0.003 0.007 0.004 0.007

-0.069 -0.060 -0.018 0.007

-0.012 -0.061 -0.080 -0.082

0.147 0.139 0.179 0.099

1968 1 2 3 4

0.360 0.34

0.307 0.435

0.214 0.155 0.140 0.140

-0.064 -0.026 0.017 -0.018

0.186 0.224 0.249 0.260

0.016 0.021 0.039 0.050

0.008 0.009 0.015 0.014

-0.014 -0.012 -0.035 -0.072

-0.027 -0.022 0.013 0.024

0.041 -0.038 -0.131 0.029

1969 1 2 3 4

0.264 0.262 0.258 0.267

0.056 0.061 0.017 0.064

-0.017 -0.119 -0.183 -0.151

0.210 0.215 0.200 0.208

0.062 0.051 0.036 0.011

0.011 0.004 0.003 -0.001

-0.089 -0.090 -0.060 -0.054

0.001 0.065 0.109 0.141

0.029 0.076 0.136 0.050

1970 1 2 3 4

0.208 0.249 0.212 0.183

0.035 0..051 0.050 0.055

-0.227 -0.187 -0.154 -0.133

0.226 0.234 0.207 0.196

0.023 0.004 0.018 0.014

-0.006 0.022 0.030 0.022

-0.046 0

-0.093 -0.074

0.199 0.198 0.135 0.110

0.004 -0.072 0.018 0.006

Na tabela 7 mostramos o crescimento da base monetária e as fontes explicativas desse crescimento, no período de 1962 até 197024. Embora as pressões diretas do déficit de caixa

24 Olhada pelo lado das operações ativas, a base monetária é dada por

1

N

t jtj

B A=

= ∑ , onde cada um dos jA são

as várias aplicações (déficit de caixa do tesouro, empréstimos do Banco do Brasil ao setor privado,

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do tesouro tenham diminuído depois de 1965, e ainda mais em 1969 e 1970, o fato é que o tesouro continuou podendo tomar empréstimos no Banco Central. A eliminação desta anomalia não ocorreu nem com o PAEG, nem nos anos subseqüentes. Esta é uma característica da dominância fiscal. De 1965 em diante começaram a aparecer os efeitos contracionistas da colocação de títulos públicos, e eventualmente a quase totalidade dos déficits de caixa do tesouro eram financiados por dívida pública, como em 1970. Várias análises anteriores [Lara Rezende (1982), Fishlow (1974)] chamaram a atenção para o fato de que em 1965 a meta da expansão monetária do PAEG foi largamente superada. A razão disto vem da acumulação de reservas internacionais. No início de 1965 foi publicada a Instrução 289 do Banco Central. Ela permitia operações de empréstimos em moeda estrangeira entre empresas, garantido a cobertura cambial no momento da liquidação da operação à mesma taxa cambial do momento da contratação. O risco de câmbio era do governo. O influxo de recursos da Instrução 289 explica a expansão monetária de 1965. Mas isso é apenas o início de uma importante alteração. Depois de sua interrupção nos anos que se seguiram ao término da II guerra mundial, o fluxo de capitais foi retornando no mercado financeiro internacional, e ao final dos anos 1960 ele já era elevado. Esta é uma das razões apontada para o colapso do regime de Bretton Woods, cujos primeiros sintomas ocorreram a partir de 1968 com as várias desvalorizações do dólar, e que culminou em 1973 com a flutuação do dólar. Embora ele tenha sido concebido como um regime de “câmbio fixo, porém reajustável”, na prática degenerou em um rígido regime de câmbio fixo, tendo perdido com isso o seu mecanismo de ajustamento mais importante, passando a enfrentar as dificuldades naturais do regime de câmbio fixo quanto a ataques especulativos no momento em que os fluxos de capitais cresceram [Obstfeld (1993)]. O Brasil também começou a ser afetado pelos fluxos de capitais crescentes, e tomou a decisão de beneficiar-se daqueles fluxos. Naquele momento o mecanismo da Instrução 289 foi abandonado, utilizando-se o baseado na Lei 4131 e na Instrução 63 do Banco Central. O risco de câmbio passou a ser incorrido pelo contratante da operação, e não mais pelo Banco Central. Um banco comercial era sempre o interveniente na operação, o que tendia a generalizar o acesso a essa fonte de recursos aos mutuários, que era muito limitado na Instrução 289. Veremos na seção 8 que este mecanismo foi largamente utilizado para o financiamento de

redescontos, reservas internacionais, etc.). Dividindo membro a membro por 1tB − chegamos a

1

11 1 1

Njt jtt

jt jt jt

A ABB B A

=− − −

=

∑ , que foi a expressão utilizada para computar as taxas mostradas na tabela 7.

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investimentos públicos depois de 1973, o que explica a escalada de crescimento da dívida externa brasileira, que culminou na crise da dívida de 1983. Por outro lado, com a inflação elevada era fatal que fosse mudado o regime cambial, e em 1969 o Brasil adotou o regime de mini-desvalorizações em uma regra de PPC, e quanto isso ocorreu os fluxos internacionais de capitais já eram elevados, e contribuiriam para a perda do controle monetário. A previsão do modelo Mundell-Fleming é que em regimes da classe do câmbio fixo a política monetária somente pode ser utilizada para determinar as reservas internacionais, e na presença de movimentos de capitais a oferta de moeda torna-se endógena. Além desta característica do regime monetário e cambial, institucionalmente o Banco Central tinha um poder mínimo na política monetária. A atribuição de fixar a política monetária era exercida pelo CMN, presidido pelo Ministro da Fazenda, e com a participação dos Ministros da Fazenda, do Planejamento, da Agricultura, da Indústria e do Comércio, os Presidentes do Banco do Brasil, do BNDE, da Caixa Econômica Federal, e três representastes do setor privado. O outro voto no CMN era do Presidente do Banco Central, mas o restante de sua diretoria não tinha direito a voto. Tabela 8 Fundos de Fomento Administrados pelo Banco Central

Sigla Descrição FUNAGRI Apoio à Agricultura e Indústria em geral FNRR Refinanciamento Rural FUNDECE Incentivo à Abertura de Capital FUNDEPE Desenvolvimento da Pecuária FIBEP Financiamento à importação de bens de capital FUNDAG Programa Especial de Desenvolvimento Agrícola FUNINSO Fundo de Investimento Social FINEX Financiamento à Exportação FUNFERTIL Incentivo ao uso de Fertilizantes PROTERRA Redistribuição de Terras e incentivo à agricultura do norte e nordeste FERCAM Estabilização e controle cambial FDPAP Defesa da Agricultura e Pecuária TRIGO CANADENSE Importação de Trigo do Canadá USAID Empréstimos da USAID CCC Convênio de Crédito Recíproco

Havia em todo aquele período uma grande preocupação em utilizar o Banco Central no direcionamento do crédito. Era mais claro o respeito à “doutrina dos títulos reais” do que à estabilidade de preços. A título de exemplo mostramos na tabela 8 os fundos que entre 1969 e 1972 foram administrados pelo Banco Central do Brasil, e que poderiam estar em qualquer instituição, menos naquela encarregada da política monetária. Dentro do Conselho

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Monetário Nacional atraíam mais atenção as propostas sobre o crédito agrícola, às exportações, aos investimentos regionais, e outros exemplificados na tabela 8, do que as discussões em torno da política monetária. Havia no Banco Central de um Diretor de Crédito Agrícola, encarregado dos repasses à rede bancária privada do crédito agrícola subsidiado, cujas aplicações pelo sistema bancário privado eram regulamentadas, e em cuja fiscalização eram usados recursos humanos que poderiam estar alocados à supervisão bancária convencional, evitando ou pelo menos minimizando a freqüência das crises bancárias. O entendimento precário das conseqüências negativas desta estruturação institucional não era monopólio dos brasileiros. O Banco Central recebia grande parte desses recursos destinados aos repasses de agências internacionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, sendo encarregado de seu repasse à rede bancária privada. O mais curioso, neste capítulo, era a atitude omissa do FMI que ao longo de muitos anos teve vários programas com o Brasil, nos quais impunha como condicionalidade ao mesmo tempo a “missão impossível” de ater-se a uma regra rígida de reajuste cambial (para preservar os superávits comerciais, depois da crise da dívida externa dos anos 1980) e metas quantitativas rígidas para a expansão da base monetária, e era extremamente tolerante com as funções estranhas aos Bancos Centrais exercidas pelo Banco Central do Brasil25. O direcionamento do crédito era também uma fonte de poder político, que era fortalecido caso recursos não incluídos no orçamento fiscal pudessem ser “criados”, e a expansão monetária oferecia com grande facilidade a possibilidade dessa “criação”. Note-se, por outro lado, que com esta composição particular da base monetária eram acarretadas conseqüências interessantes sobre quem se apropria da senhoriagem sobre a emissão de base monetária. Uma parte dela era coletada sobre a emissão de papel moeda, e a outra era coletada sobre os depósitos à vista no Banco do Brasil, que contrariamente aos demais bancos comerciais não estava sujeito ao recolhimento compulsório. Com o Banco do Brasil participando do conjunto das autoridades monetárias, não havia critérios para separar quanto da senhoriagem total era apropriada pelo Tesouro Nacional, e quanto dela era apropriada pelo Banco do Brasil. Mas este último se beneficiava da senhoriagem, que poderia ser convertida ou em lucros aos seus acionistas, e neste caso reverteria parcialmente

25 Talvez a razão para isso fosse o fato de que aqueles recursos de outros organismos multilaterais ajudassem a elevar as reservas internacionais líquidas, que em última instância era o que o FMI julgava como sendo o resultado mais importante de seu programa com o país.

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ao Tesouro Nacional, ou poderia ser utilizada para reduzir as taxas de juros nos empréstimos ao setor privado. Esta segunda era uma fonte adicional de poder político, e talvez explique por que o Banco do Brasil opôs-se frontalmente à criação de um banco central isolado, quando da reforma bancária de 1965 [Campos (1994)]. 6. A INDEXAÇÃO. A indexação foi proposta como uma das peças fundamentais do PAEG, e neste ponto temos que fazer uma distinção entre a indexação de ativos financeiros, como os instrumentos da dívida pública, e a indexação salarial. Desde o trabalho de Calvo (1988) sabemos que um dos efeitos da indexação de instrumentos da dívida pública é retirar do governo o incentivo para inflar, e em conseqüência provocar a redução do tamanho da dívida pública. Ou seja, a indexação dos instrumentos da dívida pública elimina um problema de inconsistência temporal. Se o governo anunciar que tem por objetivo uma dada inflação, e a dívida for emitida em valores nominais a uma dada taxa nominal de juros, será tentado ex-post a produzir uma inflação maior, reduzindo o tamanho da dívida pública. Como o setor privado toma em consideração esta atitude na formulação de suas expectativas, elevam-se as expectativas de inflação, e esse mesmo estoque de dívida somente poderá ser colocado junto ao público com uma taxa nominal de juros mais elevada. O novo equilíbrio deste jogo ocorre com taxas de inflação e de juros nominais maiores. Mas com a dívida pública indexada às taxas de inflação este comportamento não é possível, seguindo-se daí a conclusão de que a emissão de dívida pública indexada ajuda a reduzir a inflação26. Já a indexação de salários tem efeitos contrários, mas esta conclusão demorou um pouco para ficar clara na literatura. Os primeiros modelos analisando os efeitos da indexação salarial, como os de Gray (1976) e Fischer (1977), admitiam que os salários fossem indexados à inflação corrente, e não à inflação passada. Com base nessa hipótese eles concluíram que a indexação estabiliza o produto quando os choques são nominais, e eleva a variância do produto quando os choques são reais. A intuição para esse resultado é que com a indexação salarial à inflação corrente os salários reais não se alteram, e a curva de oferta 26 Esta é uma previsão teórica que foi por várias vezes desmentida no Brasil. Depois da indexação ter se generalizado, o governo inventou fórmulas engenhosas de reduzir o tamanho da dívida. A pré-fixação da correção monetária, os expurgos nos índices de preços, ou o arbítrio em fixar uma correção muito abaixo da inflação de fato ocorrida no momento da instalação de um “plano heterodoxo”, são exemplos de alguns artifícios utilizados.

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agregada torna-se vertical sobre o produto de pleno emprego. É claro que neste caso os choques nominais, que afetam a demanda agregada, não podem alterar o produto que mantém-se no nível de pleno emprego, porque afetam igualmente os preços e os salários nominais, porém os choques reais alteram a oferta agregada. A oferta agregada vertical implica em ausência de custos de desinflar, medidos em termos de queda do produto real, e por isso estimularia a desinflação. No entanto não é assim que as coisas operam no mundo real. Devido às defasagens na obtenção de informações, a indexação de salários nunca ocorre às taxas correntes de inflação, mas sim às inflações passadas27. Simonsen (1983) mostrou que quando a indexação é ligada às inflações passadas, as conseqüências são outras. Primeiro, aparece uma fonte de persistência na inflação. A intuição para isso pode ser obtida na equação “ad-hoc” proposta por ele, na qual a taxa de reajustes salariais seria dada por

1 1(1 ) ( , )t t t tE F hiato produtividadeω λπ λ π− −= + − + , onde 1t tE π− é a taxa de inflação

esperada em t dadas as informações existentes em 1t − , e λ é o grau de indexação. Quando o grau de indexação é nulo ( 0)λ = os reajustes salariais tomam em consideração

somente as taxas e inflação esperadas, além do hiato de produto e da produtividade, mas quando 1λ = o efeito das expectativas desaparece, surgindo apenas o das taxas de inflação passadas, o que gera a persistência, que obviamente cresce com o grau de indexação. Segundo, cresce o custo de desinflar, porque para trazer a inflação abaixo da taxa do período anterior (que conduziu ao reajuste dos salários nominais) os salários reais terão que crescer, o que reduz o produto abaixo do seu nível de pleno emprego. Esse é um efeito temporário, que existe apenas enquanto a economia estiver convergindo para o novo equilíbrio de estado estacionário, mas as conseqüências deste tipo de indexação sobre o comportamento do produto e da inflação são radicalmente diferentes das que decorrem da indexação às taxas de inflação correntes.

27 Uma exceção é quando os salários são fixados em dólares, e a taxa cambial flutua, como ocorreu na hiper-inflação alemã, por exemplo. Dornbusch (1987) aponta que naquele caso todos os preços eram denominados em dólares, e reajustavam-se em marcos instantaneamente com a desvalorização cambial. As evidências de Frenkel (1976) mostram que naquele caso o modelo monetário da taxa cambial com preços flexíveis explicava o curso da taxa cambial (e dos preços, que eram atrelados ao câmbio). Aquele modelo da taxa cambial exprime o câmbio como o valor presente de todas as ofertas monetárias futuras, e conseqüentemente neste caso não há inércia. A mudança do regime fiscal, eliminando a fonte da expansão monetária, e a fixação da taxa cambial, tinham que estancar a hiperinflação do dia para a noite, como de fato ocorreu, e o fato de que todos os preços estavam atrelados ao câmbio explica porque esta paralisação se fez com um sacrifício em termos de perda de produto muito menor do que em países onde as inflações eram mais elevadas [Sargent (1982)]. A ligação dos salários ao câmbio tornava a oferta agregada vertical sobre o produto de pleno emprego.

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Inicialmente o PAEG não propôs nenhum mecanismo obrigatório de correção salarial. Já entre 1965 e 1967 os reajustes salariais obrigatoriamente seguiram uma fórmula, cujo objetivo era manter, nos 12 meses de vigência do novo contrato, o mesmo poder aquisitivo real médio real dos 12 meses anteriores, acrescido dos ganhos de produtividade. A fórmula do reajuste salarial tinha três elementos. O primeiro consistia no cômputo do salário médio real dos últimos 12 meses, deflacionando-se o salário nominal mensal pelo correspondente índice de preços aos consumidores. O segundo era a correção prospectiva desse valor real, multiplicando o valor real médio dos últimos 12 meses pelo “resíduo inflacionário”, dado por ( )11 2 Eπ+ , onde Eπ era a taxa de inflação esperada para os próximos 12 meses28.

Finalmente este valor era multiplicado por (1 )δ+ , onde δ era a estimativa de crescimento

da produtividade. Gráfico 7 Comportamento do salário mínimo real

100

200

300

400

500

600

1950 1955 1960 1965 1970 1975

Salário mínimo realsalário médio

No entanto o valor de Eπ era arbitrado pelo governo, que temendo induzir o crescimento das expectativas anunciava objetivos ambiciosos. Com a continua subestimação das taxas de inflação esperadas nos 12 meses seguintes os salários declinaram entre 1964 e 1968. Foi isso o que ocorreu com o salário mínimo real, mostrado no gráfico 7. O salário mínimo real já vinha declinando desde 1960, devido à aceleração da inflação, e prosseguiu esse declínio até 1968, quando a fórmula salarial foi alterada. A mesma fórmula era utilizada para corrigir todos os salários. A tabela 9 é a computada por Correia do Lago, Almeida e Lima (1980), [Ver Lara Rezende (1982)]. Ela mostra os salários mínimos e os salários médios reais, utilizando três índices de preços aos consumidores: o de São Paulo, o da FGV para o Rio de Janeiro, e o do DIEESE. Com relação à base 100 em 1963, todos os salários reais eram menores em 1967.

28 Admitia-se, portanto, que os preços tinham um crescimento linear.

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Em 1968 adicionou-se à fórmula um novo termo, dado pela diferença acumulada entre a inflação esperada e a inflação efetivamente ocorrida nos 12 meses anteriores, repondo as perdas derivadas da subestimação do resíduo inflacionário. A partir desse ponto cessou a queda de salários reais imposta pela subestimação do “resíduo inflacionário”, mas esta correção da fórmula foi também a que transformou aquele mecanismo em uma indexação às inflações passadas, o que acarretou importantes conseqüências sobre a persistência da inflação. Tabela 9 Salários reais médios

Anos FGV mínimo

FGV médio

S. Paulo mínimo

S. Paulo médio

DIEESE mínimo

DIEESE médio

1963 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 100.0 1964 100.4 97.1 102.7 99.1 108.9 105.0 1965 93.4 90.8 98.0 95.3 101.6 98.8 1966 86.2 - 86.9 - 86.1 - 1967 82.8 90.6 86.4 91.9 81.5 89.2 1968 83.7 94.8 83.7 95.1 80.8 91.6 1969 80.6 101.4 79.9 100.5 76.8 96.7 1970 78.9 98.6 80.7 100.7 78.1 97.6

Ao aceitar inflações elevadas o gradualismo forçou uma demanda por correções salariais que repusessem o poder aquisitivo perdido. O gradualismo não era apenas inconsistente com o regime cambial, mas era também inconsistente com a manutenção dos reajustes salariais com base nas inflações prospectivas, e a fixação arbitrária destas era inconsistente com as políticas monetária e fiscal, que não tinham o poder suficiente para reduzir a inflação para o nível anunciado pelo governo. Modernamente quando os bancos centrais querem produzir a queda das taxas de inflação, sinalizam a direção da política monetária e alteram a taxa de juros, que atua através dos canais da demanda agregada e das expectativas. Quanto maior for a credibilidade, maior é a reação das expectativas na direção descendente, e menores são os custos de desinflar em termos de perda de produto. Isto aumenta a eficácia da política monetária. Naquele período, contudo, não existia uma política monetária com credibilidade, e conseqüentemente não era possível alterar as expectativas. A “sinalização” foi substituída pelo arbítrio, e a fórmula de reajustes salariais, juntamente com o controle de preços, passou a ser o instrumento para reduzir mais rapidamente as taxas de inflação. Em nome de evitar a inflação gerada pelos reajustes salariais pelo “pico do poder aquisitivo anterior”, a fórmula de reajustes salariais retirou dos trabalhadores o poder de negociar sua

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remuneração, e esta privação de liberdade tem que ser condenada por qualquer um que aceite a ideologia liberal. Escolheram-se o controle de preços e uma fórmula de reajuste salarial para cobrir o vácuo deixado pela ausência de poder do Banco Central e do Ministro da Fazenda para influenciarem as expectativas, o que é uma forma extremamente ineficiente de combater a inflação. Mas o que é mais importante é que como a inflação não poderia declinar suficientemente depressa, a fórmula de reajuste salarial teve que ser alterada, adquirindo uma especificação que elevava a persistência e o custo de desinflar. 7. OS EFEITOS DA INDEXAÇÃO DOS SALÁRIOS E DO CÂMBIO Anteriormente enfatizamos que o gradualismo era incompatível com o regime de câmbio fixo, e que se as políticas monetária e fiscal não fossem usadas para trazer a inflação brasileira para o nível da inflação internacional, o regime cambial teria que ser mudado. Estávamos no final dos anos 1960, antes da flutuação do dólar, e desde a experiência tumultuada das flutuações cambiais do período entre as duas guerras mundiais, existia um temor generalizado quanto à adoção do câmbio flutuante. No entanto ao final dos anos 1960 já era claro que o regime de Bretton Woods caminhava para a morte, e buscavam-se soluções alternativas ao câmbio fixo. Uma dessas soluções era a adesão ao regime de mini-desvalorizações cambiais, que foi adotado no Brasil em agosto de 1968. Inicialmente as desvalorizações eram menos freqüentes, mas sua freqüência cresceu rapidamente. Inicialmente também não existiam indicações sobre os critérios a serem seguidos na correção cambial, mas logo em seguida começou a ficar claro que, talvez porque fosse visto nesse regime uma das bases para o modelo de promoção de exportações que seria implantado em 1969, a correção da taxa cambial seguiria uma regra de PPC. Os efeitos sobre as taxas de inflação da indexação da taxa cambial às taxas de inflação passadas foram analisados por Adams e Gross (1986), Dornbusch (1982), Edwards (...), entre outros, e todos eles mostram que não somente cresce o grau de persistência, como ela pode atingir o extremo de fazer com que os choques inflacionários se incorporem permanentemente às taxas de inflação. Quando isso ocorre, tecnicamente o processo estocástico explicativo das taxas de inflação passa a mostrar uma raiz unitária, e a taxa de inflação passa a se comportar como um “caminho aleatório”, no qual o melhor previsor da taxa de inflação em 1t + é a taxa de inflação em t . Isto tem importantes conseqüências sobre a dissipação ou não da “memória” dos choques inflacionários passados.

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Uma forma simples de mostrar a natureza do problema, é seguindo a exposição de Michael Bruno (1993). Admitimos que o nível doméstico de preços é determinado pela igualdade

entre a oferta e a demanda agregadas, na forma , , , ,d sM P W PY d Y sP P P P

ε ε∗ ∗ =

, sendo

M P/ , /W P e /P Pε ∗ o estoque real de moeda, os salários reais, e o câmbio real, respectivamente, e d e s são choques que deslocam a demanda e a oferta agregadas. Como em todo modelo admitindo a neutralidade monetária, este goza da propriedade de homogeneidade de grau um nas variáveis nominais, e de homogeneidade de grau zero nas variáveis reais: se o estoque nominal de moeda, o salário nominal e o câmbio nominal dobrarem, o nível de preços também dobra, porém a renda real persiste constante. Calculando a derivada logarítmica com relação ao tempo e reagrupando os termos chegamos a π ω µt t t t ta a e a v= + + +1 2 3 , onde ,eω e µ são as taxas de variação dos

salários nominais, do câmbio e da oferta de moeda, respectivamente, e como pela propriedade de homogeneidade de grau um sabemos que a a a1 2 3 1+ + = , podemos

escrever esta relação na forma (6) π π ω π π µ πt t t t t t t t ta a e a v− = − + − + − +− − − −1 1 1 2 1 3 1( ) ( ) ( )

Tomemos o caso de uma economia fechada, fazendo a2 0= e a a1 3 1+ = , e admitamos que ω πt t= −1 , isto é, os salários são corrigidos pela inflação no período anterior. Porém a autoridade monetária persiste controlando tµ , sem qualquer acomodação passiva. Teremos

então (7) π π µt t t ta a v= − + +−( )1 3 1 3

onde a taxa de inflação agora mostra persistência, dada 3(1 ) 1a− < .

Suponhamos agora que a oferta monetária seja alterada de acordo com µ βπt t= −1 , onde 0 1≤ ≤β indica o grau de acomodação monetária: quando 0β = recaímos no extremo de pleno controle monetário, e no outro extremo no qual 1β = chegamos à total passividade

monetária. Substituindo esta regra na equação acima obtemos (8) ttt va +−−= −13 ))1(1( πβπ

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e com 0 1β< < teremos 3 3(1 ) (1 (1 ))a a β− > − − , o que mostra que o grau de persistência se eleva com o aumento de β . Porém no caso extremo de uma acomodação monetária total, com 1β = , a equação acima conduz a

(9) 1t t tvπ π −= +

e neste caso a inflação segue um caminho aleatório. Os choques inflacionários que anteriormente se dissipavam, agora não mais se dissipam, independentemente de quão longo seja o período de tempo decorrido do momento do choque até o presente. A indexação de salários às inflações passadas elevou a persistência, e a passividade monetária eliminou a possibilidade de dissipar os choques29. Admitamos, agora, uma economia aberta. As taxas de variação do índice geral de preços são uma média ponderara dos preços dos bens domésticos e dos bens internacionais, o que conduz a 1 (1 )t teφπ φ− + − , levando a correção salarial a ser realizada de acordo com

(10) ω φπ φt t te= + −−1 1( )

Na acomodação monetária a autoridade monetária considera agora o índice geral de preços, e neste caso sua curva de reação é (11) µ σπ σt t te= + −−1 1( )

Substituindo estas duas equações na primeira chega-se a (12) 1 1(1 )t t t te vπ λπ λ− −= + − +

onde λ φ σ= +a a1 3 . Note-se que neste último resultado não admitimos nenhuma regra

para a fixação da taxa cambial: uma possibilidade é manter a taxa cambial fixa, ou 29 A diferença entre os dois casos está na extensão da “memória” dos choques passados. O processo

1t t tπ λπ ξ−= + engloba os dois casos: fazendo 3(1 )aλ = − estaremos no primeiro caso, e fazendo 1λ = estaremos no segundo. A variável tξ engloba os choques na oferta monetária e os choques aleatórios. Por

substituições sucessivas obtemos 11

1

nj n

t t j t nj

π λ ξ λ π+− − −

+

= +∑ , e como 0 1λ< < a “memória” dos choques e

das inflações passadas dissipa-se à medida em que recuamos no passado. Já quando 1λ = obtemos

11

n

t t j t nj

π ξ π− − −=

= +∑ , e a “memória” dos choques passados não mais se dissipa.

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reajustando-se de acordo com uma trajetória pré-fixada, e a outra é reajustar o câmbio em uma regra de PPC, ou seja, seguindo et t= −π 1 . No primeiro caso chegaremos à expressão

(12), e novamente a inflação mostra persistência, porém os choques na taxa de inflação têm uma “memória” que se dissipa. Na segunda, quando a correção cambial é atrelada à inflação passada, vê-se que substituindo et t= −π 1 em (12) a taxa de inflação volta a seguir

um “caminho aleatório”, e os choques não mais se dissipam30. Note-se que este resultado foi produzido quando simultaneamente introduzimos os reajustes do câmbio em uma regra de PPC, e a passividade monetária. A passividade monetária elimina qualquer força para dissipar choques, e estes se propagam através da indexação dos salários e do câmbio, criando a propriedade de uma raiz unitária nas taxas de inflação. Mas a regra de PPC e a passividade monetária não são independentes: a primeira necessariamente conduz à segunda. De fato, a mobilidade de capitais e o câmbio fixo simultaneamente impõem a passividade monetária. Ou seja, a regra de PPC impõe a total passividade monetária, e conseqüentemente conduz sempre ao comportamento da inflação seguindo um “caminho aleatório”. Gráfico 8 Diagramas de Dispersão

-.1

.0

.1

.2

.3

.4

.5

.6

.7

-.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6

Câmbio Nominal

Infla

ção

-.4

-.3

-.2

-.1

.0

.1

.2

.3

-.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6

Câmbio Nominal

Câm

bio

Rea

l

30 A diferença entre estes dois casos mostra que há dois tipos de “crawling-peg”, com conseqüências muito diversas. O primeiro é do tipo adotado em 1968, reajustando o câmbio em uma regra de PPC atrelado às inflações passadas. O segundo assemelha-se ao adotado após a reforma monetária do Plano Real, no qual a taxa cambial tinha um curso pré-fixado, independentemente das taxas passadas de inflação. Em ambos na presença de mobilidade internacional de capitais a acomodação monetária é passiva. Porém somente o primeiro produz uma raiz unitária nas taxas de inflação. O segundo gera taxas de inflação que revertem à média. Ver a esse respeito Adams e Gross (1986).

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Uma conseqüência da regra e PPC é que o “pass-through” do câmbio para os preços cresce e torna-se praticamente instantâneo. A intuição sobre este comportamento pode ser obtida observando as variações de alta freqüência das taxas de inflação e da taxa cambial. Os dois diagramas de dispersão 8-A e 8-B reproduzem o exercício anterior dos gráficos 3-A e 3-B, mas gora com dados mensais no período entre janeiro de 1984 e dezembro de 1990. Contrariamente ao caso anterior, agora as variações do câmbio nominal guardam uma forte correlação positiva com as taxas de inflação no mesmo mês, e uma correlação praticamente nula com as variações do câmbio real. Mais do que isso, no gráfico 8-B vê-se que a grande concentração de pontos ocorre em torno de uma taxa de variação nula do câmbio real, o que é indicativo da regra de PPC para os reajustes do câmbio nominal.

Evidências com flutuações de alta freqüência não são as melhores quando trabalhamos com séries com raízes unitárias, e neste período não se rejeita a hipótese de que as taxas de inflação tinham uma raiz unitária. Estes resultados foram obtidos por Pastore (1997.a), Perron, Cati e Garcia (1996), e mais recentemente Edwards e Lefort (2002) mostraram que o grau de persistência veio se elevando entre 1970 e 1994, convergindo para a raiz unitária.31. Por isso estimamos um modelo VAR com correção de erros, especificado na forma

ˆ ˆ0 0 1 1 1 2 21 2

ˆ ˆ0 0 1 1 1 2 21 2

( )( )

t t t t t

t t t t t

a e b b a a a ae b e b b b b e b b e

π πε ε

π πε ε

π π π ππ

− −

− −

∆ − − ∆ ∆ = + + ∆ − − ∆ ∆

no qual as variações em tπ∆ e em te∆ movem-se sempre que ocorra um desvio em

1t o te b bπ− − , que é o vetor de co-integração, e cuja dinâmica é dada pelas defasagens em 1t − e em 2t − do vetor [ ]t teπ∆ ∆ .

Trabalhamos com um modelo envolvendo apenas o câmbio e a inflação, e excluindo a oferta monetária, porque esta tornou-se endógena, acomodando-se passivamente aos choques inflacionários. Utilizando a extensão de Geweke para o teste de causalidade de Granger, Pastore (1997.a) mostrou que a causalidade dos preços para a moeda é a componente que praticamente esgota integralmente a explicação da dependência linear total 31 Testes de raízes unitárias têm baixo poder, e por isso são requeridas amostras grandes, o que nem sempre é possível quando se está restrito a um particular período no qual há um regime econômico específico. Neste período o Brasil passou por planos de estabilização (o Plano Cruzado, por exemplo), que congelaram preços e produziram a queda artificial das taxas de inflação. Estas quedas produzem “inliers” nas taxas de inflação que viesam o teste de raiz unitária, forçando a rejeição da hipótese. Esse problema pode ser solucionado usando o procedimento de Perron. Os resultados de Perron, Cati e Garcia (1996) tomando este problema em consideração mostram que não se rejeita a presença de uma raiz unitária no Brasil neste período.

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entre as taxas de expansão monetária e as taxas de inflação, o que não rejeita a hipótese de que a moeda tornou-se passiva. Este resultado é consistente com o câmbio real em uma regra de PPC, ao lado da mobilidade internacional de capitais. Tabela 10 Modelo VAR para as taxas e inflação e de variação do câmbio nominal Vetor de Co-integração câmbio em t-1 -1.000 Taxa de inflação em t-1 -0.973 (38.625) Constante 0.003

coeficientes câmbio Taxa de Inflação Resíduo do vetor de co-integração -0.631

(4.651) 0.419

(4.121) Câmbio em t-1 0.036

(0.322) -0.002 (0.023)

Câmbio em t-2 -0.095 (1.193)

-0.088 (1.475)

Inflação em t-1 0.163 (1.373)

0.118 (1.325)

Inflação em t-2 -0.125 (1.447)

-0.023 (0.349)

Constante 0.001 (0.207)

0.0004 (0.228)

R2 S.E F

0.228 0.047

494.161

0.170 0.035

581.123 Os números entre parênteses logo abaixo das estimativas são os valores das estatísticas T de Student.

A longo prazo as taxas de inflação e de variação da taxa cambial mantém uma relação estável (a longo prazo vale a versão relativa da PPC), o que está representado por

0 1t te b bπ= + . Suponhamos que te e tπ estão em equilíbrio (ou seja, 0 1( 0)t te b bπ− − = , e que ocorre um choque deslocando te , gerando um desvio com relação àquele equilíbrio.

Este desvio tem que ser corrigido ou elevando π ou baixando e , e portanto os sinais esperados dos dois coeficientes no primeiro termo do segundo membro são 0 00; 0a b> < .

Os outros dois termos do segundo membro explicam a dinâmica da convergência de π e e para o equilíbrio. Os resultados, usando o índice geral de preços, estão na tabela 10. Os coeficientes do resíduo do vetor de co-integração têm os sinais esperados32. Note-se que na tabela 10 a variável dominante nestas estimativas é o resíduo do vetor de co-integração, e como o seu coeficiente é muito próximo da unidade, no equilíbrio a quase totalidade de um choque no câmbio (nos preços) é repassada para os preços (para o 32 Os resultados utilizando o IPC, em vez do IGP, são muito semelhantes. Devido à regra de desvalorização, que estabilizava o câmbio real, não surpreende que eles tivessem comportamentos semelhantes.

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câmbio). Esse é um resultado esperado quando o câmbio é reajustado em uma regra de PPC. Quanto à dinâmica, como os coeficientes de π∆ e e∆ em 1t − e em 2t − são próximos de zero, a convergência para o equilíbrio é muito rápida. As funções de resposta a impulsos, no gráfico 9, mostram exatamente isso: um choque de um desvio padrão no câmbio leva a um ajuste quase que instantâneo nos preços, e um choque de um desvio padrão nos preços leva a um ajuste quase que instantâneo no câmbio. As funções de resposta a impulsos mostram também que os choques não se dissipam, e persistem para sempre nos novos níveis das variáveis, como ocorre com séries que têm uma raiz unitária. A junção de todos estes resultados indica que depois que a indexação cambial e a passividade monetária passaram a caracterizar a dinâmica da inflação e do câmbio, o pass-through da depreciação para os preços era elevado e praticamente instantâneo. Gráfico 9 Funções de resposta a impulsos

.00

.01

.02

.03

.04

.05

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta do câmbio ao câmbio

.00

.01

.02

.03

.04

.05

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta do câmbio aos preços

.016

.020

.024

.028

.032

.036

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta dos preços ao câmbio

.016

.020

.024

.028

.032

.036

2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta dos preços aos preços

8. SUBSÍDIOS ÀS EXPORTAÇÕES E A RETOMADA DO CRESCIMENTO. A aceleração do crescimento econômico não ocorreu nos três anos do PAEG, mas iniciou-se logo em seguida. Ela tem uma estreita relação com o crescimento das exportações. O que causou aquele impulso sobre o crescimento das exportações? Embora o regime de mini-

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desvalorizações cambiais tenha significativamente reduzido a volatilidade do câmbio real, entre 1968 e 1978 ele manteve-se mais valorizado do que no período entre 1957 e 1967, como pode ser visto no gráfico 10, e não pode ter gerado aquele impulso nas exportações. A reforma tributária de 1965 certamente teve algum efeito ao isentar plenamente as exportações de produtos manufaturados do ICM e do IPI, mas os estímulos maiores vieram em parte do forte crescimento do total das exportações mundiais, e em parte do esquema de subsídios às exportações implantado em 1969. Gráfico 10 Gráfico 11 Taxa Real de Câmbio Taxas de crescimento e tendências das exportações mundiais e brasileiras

30

40

50

60

70

80

90

58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80

Câmbio Real

-40

0

40

80

120

1960 1965 1970 1975 1980 1985

Exportações mundiaisExportações brasileiras

No gráfico 11 superpomos as taxas de 12 meses das exportações mundiais e brasileiras e seus respectivos filtros de Hodrick-Prescott, mostrando que as tendências das duas taxas de 12 meses elevam-se paralelamente até atingir entre 35% e 40% ao ano em 1974, declinando paralelamente em seguida. Estes dados mostram que o crescimento das exportações brasileiras foi puxado pelo aumento das exportações mundiais. Mas há também evidências de que os subsídios às exportações, introduzidos em 1969, auxiliaram o crescimento das exportações. Antes de 1969 as exportações brasileiras vinham perdendo participação no comércio mundial, e de 1969 em diante há uma clara tendência à elevação. Na tabela 11 mostramos duas regressões lineares simples entre o quociente das exportações brasileiras e das exportações mundiais, de um lado, e uma tendência linear, de outro, com uma amostra que se encerra em 1969, e a outra cobrindo o período de 1970 a 1985. Nos dois casos o coeficiente da tendência linear difere significativamente de zero, porém no primeiro caso ele é negativo e no segundo é positivo. Há uma clara quebra estrutural por volta de 196933, que é coincidente com a implantação do

33 O teste de Chow não rejeita a presença daquela quebra estrutural.

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sistema de subsídios às exportações, e indica que a partir de 1969 as exportações brasileiras aceleraram seu crescimento relativamente às exportações mundiais. Tabela 11 Regressões lineares entre o quociente das exportações brasileiras com relação às exportações mundiais, de um lado, e uma tendência linear, de outro.

Coeficientes Amostra de 1959:01 a 1969:12 Amostra de 1969:12 a 1985:12 constante 10.515

(54.799) 5.060

(13.358) tempo -0.024

(9.390) 0.025

(15.448) R2 S.E F

0.404 1.109

88.167

0.557 1.242

238.626 Os números entre parênteses logo abaixo das estimativas são as estatísticas T de Student. O modelo de substituição de importações dos anos 1950 gerou a valorização cambial e um viés anticomércio [Bergsman e Malan (1971)]. Gerou também um viés contra a absorção de mão de obra [Bergsman e Candal (1969)]. Embora as evidências empíricas sobre a superioridade da promoção de exportações comparativamente ao modelo de substituição de importações somente começassem a aparecer em torno da metade dos anos 1970, no momento em que foram criados os subsídios às exportações já existia a intuição desses resultados34. A solução direta para a eliminação do viés contra as exportações seria a redução das barreiras tarifárias não tarifárias às importações e a desvalorização cambial. Mas em vez de optar por esta estratégia de “primeiro-ótimo”, o governo seguiu o caminho dos subsídios às exportações. O sistema tributário anterior a 1965 taxava implicitamente as exportações. Com a criação do ICM e do IPI, que são impostos cobrados na sistemática do valor adicionado, porém idênticos a um imposto sobre as vendas finais, era possível isentar plenamente os produtos exportados dessa tributação35. A reforma tributária de 1965 removeu esta distorção.

34 Os primeiros trabalhos foram os de Carvalho e Haddad (1976) e Savazini (1978). Carvalho e Haddad mostraram que densidade de mão de obra não qualificada era superior nos setores voltados à promoção de exportações, e que estas absorviam mais mão de obra do que os setores de substituição de importações. Utilizando o critério do custo de recursos domésticos (avaliados aos preços “sombra” dos fatores primários – mão de obra e capital) para produzir um dólar por promoção de exportações e por substituição de importações, em um importante trabalho Savazini [(1978)] mostrou que aquele custo era inferior na promoção de exportações do que na substituição de importações. 35 Para entender como isso ocorria, consideremos o exemplo da produção de tecidos. No primeiro estágio o algodão é produzido utilizando somente mão de obra e terra, e não há créditos fiscais. A alíquota do imposto é t e o valor das vendas é aV , sendo recolhido o imposto atV . A produção de fios tem um débito fiscal ftV , que é compensado com o crédito fiscal do imposto recolhido na venda do algodão, gerando um recolhimento dado por f atV tV− . Finalmente o fio é insumo na produção de tecidos, que recolhe um imposto dado por

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A espinha dorsal do sistema de subsídios às exportações foi o crédito prêmio do IPI, instituído pelo Decreto Lei 491, de 1969. Em 1970 foi criado em caráter facultativo o crédito prêmio do ICM, transformado em 1971 em obrigatório. O IPI tinha alíquotas diferenciadas por setores, e inicialmente foi colocado um teto de 15%, válido também para o ICM, porém com o passar do tempo várias alterações foram feitas buscando elevar os incentivos aos setores menos competitivos. Em 1971 o Decreto Lei 1158 isentou do imposto de renda por 10 anos a parcela do lucro tributável correspondente à participação da receita de exportações nas receitas totais. Em adição, foram criados incentivos creditícios. A resolução 71 do Banco Central de 1971 regulamentou o financiamento à produção de bens manufaturados para a exportação. A resolução n0 68 do CONCEX instituiu o FINEX, e finalmente em 1974 a Resolução 296 do Banco Central elevou as faixas de refinanciamento. Gráfico 12 Gráfico 13 Distribuição de freqüência dos subsídios Distribuição de freqüência dos subsídios nominais às exportações efetivos.

0

2

4

6

8

10

12

14

-10 0 10 20 30 40 500

1

2

3

4

5

6

7

8

9

-20 0 20 40 60 80 100

Pastore, Savazini, e Rosa (1978) quantificaram a magnitude desses subsídios nominais sobre o valor FOB para o ano de 1975. A classificação de setores industriais utilizada foi a da matriz de insumo-produto do IBGE, e não a da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM), para ensejar uma segunda estimativa que é a da taxa de subsídio efetivo às exportações, sobre o valor adicionado. A distribuição de freqüências dos subsídios totais sobre o valor FOB, incluindo subsídios fiscais e creditícios, é mostrada no gráfico 13. O subsídio médio sobre o valor FOB nos 58 setores foi de 22.97%, com um desvio-padrão de

T atV tV− , onde TV é o valor das vendas de tecidos. O total recolhido nas três operações é

( ) ( )]a f a T f TtV tV tV tV tV tV+ − + − = , o que mostra que um imposto sobre o valor adicionado é idêntico a um imposto sobre as vendas finais do produto. Na exportação do tecido ao isentar-se o imposto TtV estão sendo isentados os impostos recolhidos em todas as etapas anteriores.

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15.34%, uma mediana de 25.26%, um valor máximo de 55.40% e um valor mínimo de -12.63%. Valores negativos apareceram devido à prevalência de impostos não rebatíveis sobre as exportações36. Isso ocorreu em todo o setor agrícola, e em setores próximos, como segmentos da agroindústria. Um subsídio de alíquota js sobre o valor FOB do produto j eleva o preço do produto no mercado interno para (1 )js ε+ , onde ε é a taxa cambial37. Este é o efeito que reduz a

demanda do produto no mercado interno. Ele estimula também a produção, porém como são utilizados insumos protegidos ou por tarifas ou por subsídios às exportações, uma melhor avaliação de seus efeitos sobre a produção é obtida computando-se os subsídios sobre o valor adicionado - os subsídios efetivos -, dados por

(13) 1j ij i

jij

s as

aτ∗ −

=−∑∑

onde ija são os coeficientes técnicos de utilização do insumo i no produto j , e iτ é a

proteção do insumo i , que pode decorrer de uma tarifa ou de um subsídio. No gráfico 13 mostramos a distribuição de freqüências dos “subsídios efetivos” [Pastore, Savazini, Rosa e Kume (1979)]. A média da distribuição é de 38.46%, com um desvio-padrão de 24.87%, a mediana é 39.73%, o valor máximo de 105.03%, e o valor mínimo é de -18.25%. No diagrama de dispersão 14 comparamos os subsídios nominais e os subsídios efetivos38. Embora a correlação seja elevada, os subsídios nominais subestimam as taxas de promoção efetiva das exportações por larga margem. O coeficiente de correlação simples entre os subsídios nominais sobre o valor FOB e os subsídios efetivos era elevado, atingindo 0.97.

36 Os subsídios fiscais eram maiores do que os subsídios via crédito. A média neste caso é de 18%, com uma mediana de 20%, um desvio padrão de 10.73%, um valor máximo de 37.32% e um valor mínimo de -12.63%. Os valores para os subsídios creditícios são: média de 5.68%, com uma mediana de 4.66%, um desvio padrão de 4.22%, um valor máximo de 17.35% e um valor mínimo de 0.09%. 37 Para facilitar estamos supondo que o preço internacional em US$ é igual à unidade. 38 Os subsídios efetivos foram computados utilizando-se os procedimentos de Corden e Balassa, que tratam diferentemente a definição de valor adicionado (incluindo ou não os bens domésticos). Há também diferenças derivadas do critério utilizado para computar a proteção aos insumos, que pode ser predominantemente determinada por tarifas ou por subsídios às exportações. A análise de Pastore, Savazini, Rosa, e Kume (1979) cobre todas estas alternativas, mostrando que o sentido geral das conclusões não se altera com mudanças nos critérios.

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Gráfico 14 Subsídios Nominais e subsídios efetivos

-20

0

20

40

60

80

100

120

-20 0 20 40 60 80 100 120

Subsídio efetivo

Sub

sídi

o no

min

al

Os subsídios às exportações reduziram o viés anti-exportações. Pode-se computar qual seria o grau de proteção ao valor adicionado na ausência de quaisquer subsídios às exportações, mas na mesma estrutura tarifária existente em 1975, e calcular em seguida a estrutura de proteção na presença de subsídios às exportações, construindo o critério dado por

(14) M Xj j

j

V VV ∗

onde M

jV é o valor adicionado protegido pelas tarifas, XjV é o valor adicionado obtido caso

as vendas fosse feitas no exterior, e finalmente jV ∗ é o valor adicionado de livre comércio.

A passagem de valores negativos para valores positivos na expressão (14) indica que a criação dos subsídios às exportações gerou uma margem adicional de valor adicionado, e portanto reduziu o viés anti-exportações. Nas tabelas 12, 13, e 14, os setores industriais foram reagrupados em três grupos; os predominantemente exportadores; os setores revertendo comércio; e os predominantemente importadores39. Na ausência de subsídios à exportação à exceção do setor de Refino de Açúcar, todos os demais setores apresentavam um importante viés antiexportação, e os subsídios permitiram reverter esse quadro. Dentro dos setores predominantemente exportadores apenas cinco persistiram com um viés antiexportação após os subsídios. Esse viés ocorreu em oito setores dentro do grupo dos setores revertendo comércio, e em seis setores dentro do grupo 39 Em linhas gerais os setores predominantemente exportadores eram os que mostravam as maiores taxas de crescimento de exportações, e que haviam ultrapassado uma certa barreira de exportações anuais. Os setores revertendo comércio eram aqueles cujas exportações vinham crescendo mais do que as importações. Os predominantemente importadores eram todos os demais.

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dos predominantemente importadores. Estes dados mostram que os subsídios alteraram fundamentalmente os incentivos à produção de produtos manufaturados de exportação, e por isso foram em parte responsáveis pela alteração no comportamento da exportação de manufaturados. Tabela 12 Viés Anti-exportação - Setores Predominantemente Exportadores Setores da

Matriz FIBGE

Denominação Na ausência de subsídios às exportações

Com subsídios às exportações

261 Agroindústria alimentar 8.22 -38.82 001 Extração Mineral 2.89 19.19 205 Fabricação de Óleos Vegetais Brutos 27.32 -45.27 243 Fiação e Tecelagem de Fibras Naturais 76.33 -39.83 252 Fabricação de Calçados 55.91 -13.56 143 Fabricação de Peças Mecânicas p/ Veíc. 105.94 34.24 241 Benef. de Materiais Têxteis Naturais 43.53 18.67 281 Indústria do Fumo 232.37 227.78 125 Equip. de Escritório e Uso Doméstico 35.34 -22.49 151 Indústria da Madeira 35.76 0.24 141 Fabricação de Automóveis 124.31 5.56 262 Refino de Açúcar 0 -30.48 111 Fabricação Ferro e Aço formas prim. 15.17 -112.59 142 Fabricação de Caminhões e Ônibus 29.80 -72.79 191 Indústria de Couros e Peles 43.13 -4.15 244 Outras Indústrias Têxteis 107.53 -27.77 264 Outras Indústrias Alimentares 19.85 -56.25 251 Fabricação de Artigos de Vestuário 13.10 -63.01 161 Indústria do Mobiliário 37.13 -31.31

Tabela 13 Viés Anti-Exportação – Setores Revertendo Comércio Setores da

Matriz FIBGE

Denominação Na ausência de subsídios às exportações

Com subsídios às exportações

173 Fabricação de Artefatos de Papel 182.19 -69.92 171 Fabricação de Celulose e Pasta Mec. 9.93 -3.56 242 Fiação e Tec. de Fibras Artif. e Sint. 71.03 -48.27 291 Indústria Editorial e Gráfica 10.17 -28.63 103 Outros Prod. Minerais não Metálicos 37.49 4.34 202 Refinaria e Petroquímica 67.84 62.58 124 Fabricação de Maq. e Equip. p/ Agric. 39.87 -15.87 263 Ref. de Óleos Veg. e Gorduras Alim. 88.70 39.64 115 Fabricação de Outros Metalúrgicos 56.83 -10.90 231 Indústria de Matérias Plásticas 150.41 92.85 136 Fabricação de Equip. de Comunicação 41.82 -25.75 134 Fabricação de Aparelhos Elétricos 28.58 -25.90 135 Fabricação de Material Eletrônico 39.60 0.11 133 Fabricação de Material Elétrico 49.72 2.92 301 Fabricação de Produtos Diversos 30.35 -12.70 221 Ind. de Perfumaria, Sabões e Velas 61.30 9.42 126 Fab. de Tratores e Maq. Rodoviárias 17.17 -75.80

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Tabela 14 Viés Anti-Exportação – Setores Predominantemente Importadores Setores da

Matriz FIBGE

Denominação Na ausência de subsídios às exportações

Com subsídios às exportações

002 Extração de Combustíveis Minerais 0 -0.05 123 Fabricação de Máq. e Equip. Industriais 12.71 -43.86 112 Fabricação de Laminados de Aço 12.07 -42.80 201 Elementos, Compostos Químicos 22.05 -4.22 207 Fabric. de Produtos Químicos Diversos 12.32 -43.89 114 Metalurgia de Não Ferrosos 13.43 -17.62 122 Fabr. de Peças Mecânicas p/ Máquinas 35.68 -3.21 145 Febr. Veíc. Ferroviários e outros Veic. 7.02 -32.54 204 Resinas, Fibras Artif. , Elast. 42.71 2.86 144 Indústria Naval 1.26 -52.93 172 Fabricação de Papel e Papelão 25.12 -43.12 113 Fabric. de Fundidos, Ferro e Aço 13.35 -33.01 211 Indústria Farmacêutica 39.62 10.47 121 Fabric. de Bombas e Motores 41.54 -9.26 132 Fabric. de Condutores Elétricos 33.90 -9.64 181 Indústria da Borracha 77.05 3.89 131 Equip. p/ Energia Elétrica 28.58 -13.62 206 Fabr. Pigmentos, Tintas e Solventes 118.84 82.07 203 Fabr. de Derivados de Carvão Mineral 11.01 -52.53 102 Fabricação de Vidro 62.64 27.16 101 Fabricação de Cimento 3.05 -24.68 271 Indústria de Bebidas 59.85 21.58

Os subsídios realizaram uma importante correção do viés antiexportações. Mas será que de fato reduziram significativamente as distorções? Para responder a esta indagação iniciamos tomando a curva de oferta do produto j , que é dada pela sua curva de custos marginais,

que é composta pela soma de duas componentes. A primeira é o custo marginal dos insumos utilizados diretamente na sua produção, dado por (1 )ij ia τ ε+∑ , que é suposto

constante porque a oferta desses insumos no mercado internacional é infinitamente elástica com relação ao país. A segunda é dada pelo custo marginal da produção do valor adicionado, utilizando os fatores limitativos mão de obra e capital, representada por ( )C q ,

e que cresce com o aumento da produção. O equilíbrio é dado igualando o preço ao custo marginal, chegando-se a (15) (1 ) ( ) (1 )j ij is C q aε τ ε+ = + +∑

Na expressão acima o câmbio está sobre-valorizado devido à presença das tarifas, e portanto ε ε< , onde ε é a taxa cambial de equilíbrio, isto é, a taxa cambial que equilibra o saldo nas contas correntes na ausência de tarifas sobre as importações e subsídios às

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exportações. Em livre comércio o câmbio de equilíbrio é dado por ε , e a proteção sobre os insumos é nula, e igualando demanda e oferta temos (16) ( ) ijC q aε ε∗= +∑

Isolando ( )C q e ( )C q∗ nos dois primeiros membros, dividindo membro, definindo como 1 ( ) / ( )j C q C qσ ∗ ∗+ = a taxa de subsídio efetivo compensado pela sobrevalorização cambial,

e usando a definição de subsídio efetivo (13) obtemos

(17) 1 (1 )j jsεσε

∗ ∗+ = +

O subsídio efetivo compensado pela sobrevalorização cambial jσ ∗ é exatamente a margem

adicional de valor adicionado que tem que ser produzida pelo subsídio sobre o preço FOB para eliminar as duas distorções geradas pela proteção tarifária: a derivada da sobrevalorização cambial; e a derivada da proteção tarifária sobre os insumos. Na ausência de sobrevalorização cambial ( )ε ε= o subsídio efetivo compensado é igual ao subsídio não compensado, ou seja, j jsσ ∗ ∗= . Finalmente, se o objetivo de política econômica for

exatamente atingir uma posição próxima do segundo ótimo, ele deveria buscar um subsídio efetivo compensado igual a 0jσ ∗ = , o que substituído acima conduz a

(18) 1js εε

∗ = −

gerando um subsídio efetivo exatamente igual ao grau de sobrevalorização cambial. A política de promoção das exportações é formulada definindo os subsídios sobre o valor FOB, e não sobre o valor adicionado, mas é fácil partir destes resultados para chegar à estrutura de subsídios sobre o valor FOB. Substituindo (18) em (13) chega-se a (19) ( )j ijs r r aτ= + − ∑

onde ( / ) 1r ε ε= − é a taxa de sobrevalorização cambial, e ( ) /ij i ija aτ τ= ∑ ∑ é a

proteção média sobre os insumos. A expressão (19) nos diz que na presença de uma proteção média às importações, e de uma sobrevalorização cambial, a solução de segundo

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ótimo requer subsídios nominais às exportações que são dados pela soma de duas partes: a primeira é igual ao grau de sobrevalorização cambial; a segunda é a que compensa exatamente a proteção real média, isto é, o excesso da proteção tarifária média sobre o grau de valorização cambial. Os exercícios conduzidos por Savazini (1978) e Savazini e Kume (1979) supõem uma sobrevalorização cambial da ordem de 25% a 30% produzida pelas tarifas sobre importações, mas aquela pode ser uma sub-estimativa, dado que além das tarifas médias elevadas existiam controles quantitativos de importações e barreiras não tarifárias, e se compararmos estes valores com a média dos subsídios efetivos, de 38.5%, diríamos que ele aproximou a economia de uma solução de segundo-ótimo. No entanto há ainda uma segunda parte da correção, que teria que compensar a proteção média sobre os insumos. Independentemente do grau de sobrevalorização cambial a equação (19) mostra que os subsídios às exportações estarão nos aproximando do segundo ótimo caso haja uma correlação positiva entre os subsídios nominais e a proteção média aos insumos. Utilizando a mesma classificação de setores – os predominantemente exportadores, os revertendo comércio e os predominantemente importadores, mostramos na tabela 15 essas correlações. Tabela 15 Coeficientes de correlação entre os subsídios nominais e o grau de proteção aos insumos

Setores Coeficiente de correlação por postos entre os subsídios nominais e a proteção média aos insumos

1. Predominantemente exportadores 2. Revertendo comércio 3. Predominantemente importadores 4. todos os setores

0.80 0.46 0.03 0.61

Dentro dos setores que à época eram predominantemente exportadores aquela correlação é elevada e difere significativamente de zero, indicando que em linhas gerais os subsídios seguiram na direção de corrigir a distorção das tarifas mais elevadas sobre os insumos. No entanto aquela correlação declina dentro do grupo dos setores revertendo comércio, e tem um valor que não difere significativamente de zero nos setores predominantemente importadores. Um segundo critério é comparando os subsídios com alguma medida de eficiência no uso dos fatores, e o custo de recursos domésticos para produzir um dólar por promoção de exportações é um candidato a funcionar como padrão de comparação. O outro é o grau de absorção de mão de obra. Embora a promoção de exportações produzisse dólares com um

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custo de recursos domésticos inferior à substituição de importações, Savazini (1978) e Savazini e Kume (1979) mostraram que dentro dos setores exportadores os maiores incentivos não estavam direcionados aos setores que produzem dólares com a menor soma de recursos domésticos. Na verdade essa correlação é em média inversa, como mostram os dados da tabela 16. As classes de custo de recursos domésticos mostradas na primeira coluna da tabela 16 mostram a relação entre o custo de recursos domésticos e o câmbio de equilíbrio, admitindo-se que a taxa cambial de mercado estava sobre-valorizada em 25% devido à presença da proteção. Tabela 16 Classes de custos de recursos domésticos e subsídios efetivos às exportações

Classes de custo de recursos

domésticos

1971 todos os setores

1975 todos os setores

1971 exclusive primários

1975 exclusive primários

Subsídio médio - todos os setores

Subsídio médio –

exclusive primários

0.79 a 1,19 1,19 a 1,31 1,31 a 1,45

87.5 7.9 4.6

78.6 13.8 7.6

70.5 21.3 8.2

56.0 28.5 15.5

0.05 0.26 0.30

0.19 0.26 0.30

O custo de recursos domésticos cresce com o aumento da intensidade de mão de obra mais qualificada, o que significa que a promoção de exportações estimulou a absorção desse fator, que é escasso relativamente à mão de obra não qualificada. Langoni (...) mostrou que uma importante razão para o aumento na concentração na distribuição de rendas, no Brasil, naquele período, foi a elevação da distância dos salários entre trabalhadores qualificados e não qualificados. Não queremos sugerir que o modelo de promoção de exportações foi o responsável por aquele resultado, que decorreu fundamentalmente da carência de investimentos em capital humano, mas certamente ele não auxiliou na produção de uma distribuição de rendas menos concentrada. O modelo de promoção de exportações também não se sai bem na avaliação baseada na absorção de mão de obra. Pastore, Savazini, Rosa e Kume (1979) mostraram que os setores mais subsidiados não são os que mais absorvem mão de obra. Tomando em consideração que a proteção tarifária às importações gera uma sobrevalorização cambial, os subsídios às exportações atuam na direção de reduzir esta distorção. Porém o mecanismo foi imperfeito. Primeiro, deixou de lado a agricultura, que continuou penalizada pelo câmbio que continuou sobre-valorizado. Segundo, produziu uma estrutura de incentivos aos setores manufatureiro que direcionou estímulos aos setores menos eficientes na produção de divisas, e que absorvem menos mão de obra. Ou seja, na

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tentativa de reduzir as distorções do modelo de substituição de importações, ele findou produzindo distorções semelhantes. 8. UMA NOVA FORMA DE DOMINÂNCIA FISCAL Em 1973 e 1979 ocorreram os dois choques do petróleo, ao lado de um período de grande expansão da liquidez internacional, que foi em grande parte a responsável pelo crescimento explosivo das exportações mundiais até 1973, mostrado na seção anterior. Aquele período de forte expansão de liquidez internacional deixou duas seqüelas: o colapso do regime de Bretton Woods e a formação do cartel da OPEP, ambos com conseqüências importantes sobre a economia brasileira. Por mais eficaz que fosse o sistema de subsídios às exportações, o Brasil não mais poderia contar com o empurrão do comércio mundial, e por outro lado as pressões do GATT e dos Estados Unidos contrárias aos subsídios às exportações, que já eram fortes, cresceram ainda mais na primeira metade da década de 70. Diante daquelas novas condições internacionais, em vez de aprofundar a liberalização de comércio, e desvalorizar a taxa cambial, o governo optou por uma nova rodada de substituição de importações, e em elevados investimentos com alta participação das empresas estatais. Gráfico 15 Gráfico 16 Dívida Externa Brasileira Taxas Internacionais de Juros

0

40000

80000

120000

160000

200000

240000

280000

1950 1960 1970 1980 1990 2000

Dívida Externa Bruta em termos reaisDívida Externa Líquida em termos reais

deflacionada pelo CPI dos EUA

Valores em milhões de US$preços de dezembro de 2003

0

4

8

12

16

20

1950 1960 1970 1980 1990 2000

FEDFUNDSTaxa de redesconto

Yield bonds governo 3 anosYield bonds governo 10 anos

Até em torno de 1970 a abundante liquidez e as baixas taxas internacionais de juros (gráfico 16) permitiam o financiamento dos investimentos com empréstimos externos. Em termos reais a dívida externa saiu de um nível inferior a US$ 40.0 bilhões em 1970 para um pouco acima de US$ 160.0 bilhões, em 1982, como pode ser visto no gráfico 15, e esse crescimento ocorreu em grande parte com endividamento de empresas estatais, do governo federal e de governos estaduais. O que se inaugurava, naquele período, era uma política fiscal expansionista que pelo menos temporariamente não impunha a expansão da base

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monetária, mas que da mesma forma como no caso do expansionismo fiscal anterior não permitiria manter a inflação baixa. Enquanto os Estados Unidos seguiram uma política monetária expansionista, a obtenção de financiamentos externos era barata, e os déficits públicos consolidados, incluindo governos e empresas estatais, puderam ser financiados com empréstimos externos. Mas quando as taxas de juros internacionais foram vigorosamente elevadas em resposta à elevação da taxa de juros nos Estados Unidos (gráfico 16), a não sustentabilidade daquele estoque de dívida ficou clara, instalando-se a crise. A partir daquele momento o país tinha que produzir elevados superávits comerciais, o que impunha a desvalorização cambial e a defesa de um câmbio desvalorizado para manter aqueles superávits. As duas maxi-desvalorizações de 1979 e 1983, que empurraram a inflação para cima foram uma conseqüência dessa política fiscal expansionista. Vimos que os resultados de Edwards e Lefort (2002) mostram que a tendência à raiz unitária nas taxas de inflação brasileiras veio crescendo no tempo, sugerindo que o aumento do grau de passividade monetária e a elevação do pass-through da depreciação para os preços não ocorreram abruptamente. Aquele foi um processo gradual, que ocorreu na medida em que cresciam os graus de indexação salarial e cambial. Dessa forma, as duas maxi-desvalorizações de 1979 e 1983 ainda produziram uma elevação do câmbio real, porém à custa de um crescimento ou muito persistente ou mesmo permanente da inflação. No gráfico 17 vê-se que na seqüência das duas maxi-desvalorizações a inflação passou de um patamar para outro mais elevado, e no gráfico 18 vê-se que de fato ocorreram depreciações do câmbio real na seqüência daquelas duas maxi-desvalorizações. Gráfico 17 Gráfico 18 Taxas Anuais de Inflação. Câmbio Real

0.0

0.2

0.4

0.6

0.8

1.0

1.2

1.4

66 68 70 72 74 76 78 80 82 8420

40

60

80

100

120

140

76 77 78 79 80 81 82 83 84 85

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O tamanho da dívida externa, e a completa mudança nos fluxos de capitais gerada pela crise da dívida dos anos 80 fizeram com que, daquele momento em diante, o Brasil não tivesse outra alternativa a não ser manter o câmbio real depreciado para produzir superávits comerciais que repusessem o país na rota do cumprimento de seus compromissos internacionais. Ou seja, na seqüência daquelas duas maxi-desvalorizações somente existia o caminho de manter o reajustamento da taxa cambial em uma regra de PPC, o que significava a perda do controle da inflação. Há várias formas como a dominância fiscal se materializa. Uma primeira é a da geração continua de senhoriagem, como ocorreu nos anos em torno do PAEG. Uma outra é quando se combina uma política fiscal expansionista com uma política monetária contracionista, ao lado de taxas reais de juros maiores do que as taxas de crescimento econômico, como no modelo da “aritmética monetarista desagradável” de Sargent e Wallace. Uma terceira é quando os déficits públicos são financiados por dívida externa que por alguma razão torna-se não sustentável. A não sustentabilidade da dívida externa significa que os superávits comerciais são insuficientes para pagá-la, o que requer o ajuste através da depreciação cambial. Quando o câmbio se desvaloriza e não há âncoras, como ocorreu neste caso particular no Brasil, a taxa de inflação torna-se indeterminada. 10. CONCLUSÕES O PAEG foi ao mesmo tempo um plano de sucesso, e um plano que gerou novas e importantes forças propagadoras da inflação. Seus sucessos estão no campo das reformas: a reforma tributária; a reforma bancária com a criação do Banco Central; a indexação e ativos financeiros, que restaurou a intermediação financeira. Mas aquele plano também plantou as sementes de sua destruição. O gradualismo e a indexação rapidamente degeneraram em uma tentativa de “conviver com a inflação”, o que recriou a inflação. O início do fim foi a forma imperfeita da reforma bancária, na qual surgiu um Banco Central enfraquecido, sem um grau razoável de compromisso com a estabilidade de preços. O segundo golpe na estabilidade de preços foi dado pelo crescimento da indexação de salários, que junto com a fraqueza do Banco Central elevou o grau de persistência, e culminou quando ocorreu a tentativa de compatibilizar o regime cambial com o gradualismo. Esta tentativa conduziu à adesão ao regime de mini-desvalorizações cambiais em uma regra de PPC, na qual a persistência da inflação chegou ao limite de incorporar às taxas de inflação quaisquer choques, sem que a política monetária tivesse o poder de dissipá-los. A partir desse ponto a guerra contra a inflação estava perdida.

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As tentativas de retomar o crescimento econômico, nos anos seguintes ao PAEG, baseavam-se em formas artificiais e não sustentáveis. Foi assim com o programa de subsídios às exportações. Atribui-se o sucesso do crescimento econômico brasileiro até 1973 a este modelo, e embora não possa ser negado que ele teve um efeito, é também inegável que naquele período as exportações brasileiras foram empurradas pelo vigoroso crescimento das exportações mundiais. Foi assim, também, com a nova rodada de substituição de importações e de investimentos públicos, iniciada um pouco antes da metade dos anos 70. O programa de subsídios às exportações não poderia manter-se, porque contrariava acordos internacionais, e os investimentos públicos e de empresas estatais no novo modelo de crescimento baseado em uma nova rodada de substituição de importações também não poderia manter-se, porque gerava uma nova forma de dominância fiscal, que terminaria fatalmente onde terminou, ou seja, no descontrole inflacionário e na estagnação econômica.

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