Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
16
CARLA DE OLIVEIRA TÔZO
O PAPEL DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA
FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS:
A EXPERIÊNCIA DA ESTAÇÃO CIÊNCIA
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às exigências do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, da UMESP - Universidade Metodista de São Paulo,
para obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª: Dra. Maria das Graças Conde Caldas
Universidade Metodista de São Paulo
Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2005
17
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais,
Antonio Carlos Tôzo e Luiza Luzeide de Oliveira Tôzo e a minha
irmã, Kelly Cristina Oliveira Tôzo, que estiveram o tempo todo ao
meu lado me apoiando nos momentos mais difíceis dessa jornada.
18
EPÍGRAFE
Não basta que os resultados das
investigações sejam conhecidos, elaborados e aplicados por alguns
poucos especialistas. Se os conhecimentos científicos limitam-se a
um pequeno grupo de homens, debilita-se a mentalidade filosófica de
um povo, que assim caminha para o seu empobrecimento espiritual.
Albert Einstein
19
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, por ter permitido que eu chegasse aqui, apesar
de todas as dificuldades enfrentadas.
Aos meus pais Antonio Carlos e Luiza e minha irmã Kelly, pela paciência, amor,
compreensão e apoio.
A minha orientadora Graça Caldas, que esteve sempre do meu lado (desde a
elaboração do projeto) me apoiando e ensinando o caminho das pedras.
A Samantha Castelo Branco minha professora de Graduação, que foi uma das maiores
incentivadoras para que eu iniciasse esse curso.
A Maria Cristina Gobbi, que também incentivou a minha entrada no Mestrado e, com a
qual aprendi muito sobre a vida acadêmica.
A Universidade Metodista de São Paulo e à coordenação do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social, professor Dr. Sebastião Squirra.
A todos os professores do Programa, pelos conhecimentos adquiridos, fundamentais
para o meu crescimento intelectual, especialmente a professora de metodologia Cicília Maria
K. Peruzzo.
Aos professores Elizabeth Moraes Gonçalves e Wilson da Costa Bueno, que
participaram da minha banca de qualificação.
A todos os funcionários do Programa, em especial a Amanda Quintela e Márcia Pitton.
Ao CNPq, que me ajudou financeiramente na etapa de conclusão desta dissertação.
A direção da Estação Ciência (nas figuras dos profºs Wilson e Hamburger),
funcionários (Cauê, Eneida, Chico, Evani, Marcos, Cleo, Cicília, Carmen, Rosane, entre
outros), monitores (Rosana, Davi, Amaral, Welington, Fábio, entre outros), que
possibilitaram a pesquisa de campo e responderam, pacientemente, as minhas indagações.
A direção da Escola Lúcio de Carvalho Marques (Laércio), coordenação (Eliude),
professores (Zeli), funcionários e alunos (4ª série A), sem os quais, este trabalho não teria
sido realizado.
A Flávia Natércia, Damiana Oliveira e Fabiana Franco pelas revisões de dissertação e
traduções em espanhol e inglês respectivamente.
A todos os meus amigos e parentes, que direta ou indiretamente, contribuíram para que
esse projeto fosse concluído.
20
FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação de mestrado em Comunicação Social sob o título “O papel da
Divulgação Científica na formação das crianças: A experiência da Estação Ciência”,
elaborada por Carla de Oliveira Tôzo, foi defendida no dia 05 de Abril de 2005, perante a
banca examinadora composta por: Profª Dra. Maria das Graças Conde Caldas, Profª Dra
Maria Cristina Gobbi e Profº Dr Cidoval Morais de Sousa tendo sido:
( ) Reprovada
( ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações
sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data
da defesa.
(X) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora :
________________________________________
Maria das Graças Conde Caldas
_________________________________________
Maria Cristina Gobbi
_________________________________________
Cidoval Morais de Sousa
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação Segmentada
21
Projeto temático: Divulgação Científica e Políticas de Ciência & Tecnologia
SIGLAS
ABC – Academia Brasileira de Ciências ABCMC – Associação Brasileira dos Centros e Museus de Ciências ABJC – Associação Brasileira de Jornalismo Científico ADVB – Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil ASTC – Associação dos Centros de Ciência e Tecnologia (EUA) BSCS – Biological Sciences Curriculum Study CAPES – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CBA – Chemical Bond Approach CCT – Cultura Científica e Tecnológica CDCC – Centro de Divulgação Científica e Cultura CECIBA – Centro de Ensino de Ciências da Bahia CECIGUA – Centro de Ensino de Ciências de São Paulo CECIMIG – Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais CECINE – Centro de Ensino de Ciências do Nordeste CECISP – Centro de Ensino de Ciências de São Paulo CECIRS – Centro de Ensino de Ciências do Rio Grande do Sul CEPECA – Centros de Estudos e Pesquisa da Criança e do Adolescente CO² – Gás Carbônico CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CTH – Centro Tecnológico de Hidráulica e Recursos Hídricos C&T – Ciência e Tecnologia EC – Estação Ciência ECA – Escola de Comunicações e Artes da USP EESC – Escola de Engenharia de São Carlos EPTV – Emissoras Pioneiras de Televisão FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAPEMIG – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPERJ – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPESP – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo FATEC – Faculdade de Ensino Tecnológico FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências e História FINEP – Fundo de Incentivo Nacional ao Estudo e Pesquisa FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz FM – Faculdade de Medicina FUNBEC – Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências GT – Grupo de Trabalho IAC – Instituto Agronômico de Campinas IAG – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências IBECC – Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura IF – Instituto de Física IFSC – Instituto de Física de São Carlos IME – Instituto de Matemática e Engenharia
22
INCE – Instituto Nacional do Cinema Educativo INPA – Instituto de Pesquisa da Amazônia INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação ISI – Institute for Scientific Information LABJOR – Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo MAST – Museu de Astronomia e Artes Afins MEC – Ministério da Educação MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia MTV – Music Television NAECIM – Núcleo de Apoio à Educação em Ciências e Matemática NASW – Associação Nacional de Escritores da Ciência OEI – Organização dos Estados Ibero-Americanos ONG – Organização Não-governamental PADCT – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PC&T – Política de Ciência e Tecnologia PEF – Programa de Estudos Fundamental PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes PUC – Pontifícia Universidade Católica PRCEU – Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária PREMEN – Programa de Expansão e Melhoria PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas PROESC – Projeto Escola-Ciência PSSC – Physical Science Study Committee RED POP – Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América Latina e
Caribe RICYT/CYTED – Rede Ibero-Americana de Indicadores de Ciência e Tecnologia SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SESC – Serviço Social do Comércio SMSG – School Mathematics Study Groupe SPEC – Subprogramas Educação para a Ciência UBC – Universidade Brás Cubas UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UMC – Universidade de Mogi das Cruzes UMESP – Universidade Metodista de São Paulo UnB – Universidade de Brasília UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas UNIFESP – Universidade Federal do Estado de São Paulo UNIVAP – Universidade do Vale do Paraíba USP – Universidade de São Paulo VER CIÊNCIA – Mostra Internacional de Ciência na TV
23
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 a 7 – Visão da população sobre Ciência e Tecnologia .............................46 a 51
TABELA 8 – Mídia especializada..........................................................................78 e 79
TABELA 9– Estação Ciência em números.........................................................128 e129
TABELA 10 – Equipe da Estação Ciência...........................................................138 a 140
TABELA 11 – Horário das visitas na Estação Ciência..................................................142
TABELA 12 – Relação Temática da Experimentoteca........................................155 e 156
TABELA 13 – Distribuição geográfica dos participantes do Projeto Clicar no ano de
2003........................................................................................................159
TABELA 14 – Evolução no número de atendidos pelo Projeto Clicar..........................159
TABELA 15 – Relação de Estagiários da Estação Ciência .................................175 a 178
TABELA 16 – Número de publicações sobre a Estação Ciência na grande imprensa...181
TABELA 17 – Texto utilizado na aula de Ciências (24 de novembro de 2004)............199
TABELA 18 – Desenhos utilizados na aula de Ciências (24 de novembro de 2004)....200
TABELA 19 – Tema dos Desenhos referentes à Estação Ciência.................................231
24
SUMÁRIO RESUMO
INTRODUÇÃO................................................................................................15 Objetivos........................................................................................19 Problema........................................................................................20 Questões de Pesquisa.....................................................................21
Considerações Medotológicas........................................................22
CAPÍTULO 1 – CULTURA CIENTÍFICA
1.1 A formação da Cultura Científica..................................................................33 1.2 Percepção Pública da Ciência....................................................................... 42 1.3 Alfabetização Científica................................................................................53
CAPÍTULO 2 – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 2.1 O papel da Mídia...........................................................................................57
2.1.1 Divulgação Científica......................................................................57 2.1.2 Jornalismo Científico......................................................................68
2.2 O papel da Educação ....................................................................................81 2.2.1 Comunicação e Educação: as diversas formas de educar...............81 2.2.2 O Ensino de Ciências .....................................................................86
CAPÍTULO 3 – OS MUSEUS E OS CENTROS DE CIÊNCIAS 3.1 Perspectiva histórica no mundo.....................................................................95
3.1.1 Conceito e origem...........................................................................95 3.2 Perspectiva histórica no Brasil....................................................................108 3.2.1 Primeiro período.............................................................................108 3.2.2 Segundo período.............................................................................111 3.2.3 Terceiro período.............................................................................115 3.3 O papel dos Museus e Centros de Ciências.................................................117 3.3.1 O papel educacional e divulgador das idéias científicas...............117
CAPÍTULO 4 – A EXPERIÊNCIA DA ESTAÇÃO CIÊNCIA 4.1 Estação Ciência...........................................................................................127 4.1.1 O começo de um sonho.................................................................129 4.1.2 Estrutura e equipe..........................................................................137 4.1.3 Associação Amigos da Estação Ciência........................................140
25
4.1.4 Atendimento: as visitas.................................................................141 4.1.5 Encontro Pedagógico: preparando o aprendizado?.......................143 4.2 Divulgação Científica: exposições e atividades..........................................145 4.2.1 Laboratório Móvel: Experimentoteca...........................................153 4.2.2 Projeto Clicar: em busca da cidadania perdida.............................156 4.2.3 Mão na Massa: uma nova maneira de aprender Ciências.............160 4.2.4 Laboratório Virtual: A Divulgação Científica pela Internet.........163 4.2.5 Arte e Ciência no palco como parceiras na divulgação do conhecimento científico – Núcleo de Artes Cênicas....................170 4.2.6 Mostras Científicas.......................................................................172 4.3 Monitores: parceiros na divulgação do conhecimento científico................174 4.4 Comunicação em segundo plano.................................................................180 CAPÍTULO 5 – INTERAÇÃO MUSEU E ESCOLA: A FORMAÇÃO DA CULTURA CIENTÍFICA? 5.1 Reconhecimento do público........................................................................185 5.1.1 A escolha da Escola......................................................................185 5.2 O Ensino de Ciências...................................................................................193 5.3 Conhecendo a Estação Ciência....................................................................204 5.3.1 O começo do aprendizado?...........................................................206 5.3.2 Turma da tarde: Desorganização..................................................226 5.4 De volta a Escola. É hora de botar a mão na massa?..................................230 5.4.1 Desenhos: representação do conhecimento.................................231 5.5 É possível o aprendizado?...........................................................................238 5.6 Observações.................................................................................................249 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................253 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................260 ANEXOS Entrevistas.......................................................................................01 Questionários..................................................................................34 Estação Ciência...............................................................................50 Escola..............................................................................................66 Grupo Focal....................................................................................83 Desenhos.........................................................................................87
26
RESUMO
Este trabalho analisa a Divulgação Científica realizada pela Estação Ciência (USP). Os
objetivos principais foram: recuperar a história e descrever as atividades desenvolvidas pela
instituição; identificar a linguagem usada para a divulgação dos conceitos científicos; verificar
o processo de aprendizagem dos alunos (3ª e 4ª séries) de uma escola pública durante e após a
visita; observar e analisar como os professores preparam seus alunos antes da visita a Estação
Ciência e examinar o comportamento (curiosidade/interesse) do público-alvo na visita ao
Centro. A metodologia utilizada foi a de Estudo de Caso juntamente com a técnica de Grupo
Focal. O universo da pesquisa foi composto por alunos do Ensino Fundamental I (4ª série),
professor responsável e coordenador pedagógico da Escola selecionada, além do diretor e ex-
diretor da Estação Ciência, assim como os monitores e coordenadores responsáveis pelas
atividades desenvolvidas. A pesquisa concluiu que há dificuldade por parte dos professores
em trabalhar conceitos científicos, o que justifica a importância dos Centros de Ciências como
apoio pára-didáticos às escolas. No entanto, a Divulgação Científica realizada pela Estação
Ciência tem sido pouco aproveitada pelas crianças, já que o conteúdo não é trabalhado de
forma aprofundada na escola. Além disso, crianças e professores sentiram falta de um apoio
pedagógico maior do Centro à Escola. Criticaram a inadequação da linguagem dos monitores
e a escassez de tempo de visita, o que impede que os assuntos sejam trabalhados de forma
mais adequada.
PALAVRAS CHAVES: Comunicação, Divulgação Científica, Educação e Centros de
Ciências
27
ABSTRACT
This work analyse the Scientific Spreading realized through by Estação Ciência
(USP). The main objectives were: to recoup history and to describe the activities developed
for the institution; to identify the used language for the spreading of the scientific concepts; to
verify the process of learning of the pupils (3ª and 4ª grades) of a public school during and
after the visit; to observe and to analyse how teachers prepare theirs pupils before the visit in
the Estação Ciência and to examine the behavior (curiosity/interest) of the public-target in the
visit to the Center. The used methodology was Study of Case together with technique of Focal
Group. The universe of the research was composed by pupils of the Fundamental Education I
(4ª grade), responsible teacher and pedagogic coordinator of the selected school, beyond the
director and former-director of the Estação Ciência, as well as the monitors and responsible
coordinators by developed activities. The study concluded that is difficulty on the part of the
teachers in working scientific concepts, what justifies the importance of the Centers of
Sciences as educational support to the schools. However, the Scientific Spreading carried
through by Estação Ciência has been little used to advantage for the children, since, the
contents is not worked of deepened form in the school. Moreover, children and teachers had
felt lack of a bigger pedagogic support of the Center to the School. They had criticized the
inadequate use of the language of the monitors and the scarcity of visit time, that to stop for
the subjects will be worked of more adequate form.
WORDS KEYS : Communication, Scientific Spreading, Education and Centers of Sciences
28
RESÚMEN
Este trabajo analiza la Divulgación Científica llevada a cabo por la Estação Ciência
(USP). Los objetivos principales eran: recuperar la historia y describir las actividades
desarrolladas por la institución; identificar el lenguaje utilizado para la divulgación de los
conceptos científicos; averiguar el proceso de aprendizaje de los alumnos (la serie 3ª y 4ª) de
una escuela pública durante y después de la visita; contemplar y analizar como los profesores
preparan a sus alumnos antes de la visita a la Estação Ciência y examina el comportamiento
(curiosity/interest) de ellos. La metodología utilizada fue la del Estudio del Caso junto con la
técnica del Grupo Focal. El universo de la investigación fue compuesto por los alumnos de la
Educación Fundamental I (serie 4ª), el profesor responsable y el coordinador pedagógico de la
escuela seleccionada, además del director y del ex-director de la Estação Ciência, así como
los monitores y los coordinadores responsables para las actividades desarrolladas. La
investigación concluyó que los profesores presentan dificuldad en trabajar los conceptos
científicos, lo que justifica la importancia de los Centros de Ciencias en cuanto apoyo
educativo a las escuelas. Sin embargo, la Divulgación Científica llevada a cabo por la Estação
Ciência há tenido poço provecho por los niños, puesto que, el contenido no se trabaja de
forma profundizada em la escuela. Además los niños y los profesores tenían carencia de um
apoyo pedagógico más grande del Centro y de la Escuela. Criticaran el uso inadecuado del
lenguaje de los monitores y la escasez de tiempo de la visita, lo que impede que los asuntos
sean trabajados de una forma más adecuada.
PALABRAS – CLAVE: Comunicación, Divulgación Científica, Educación y Centros de
Ciencias
29
INTRODUÇÃO
Os Meios de Comunicação adquirem a cada dia maior importância na formação dos
cidadãos, principalmente das crianças e adolescentes. Neste aspecto, as áreas de Comunicação
e Educação encontram-se estreitamente inter-relacionadas. Como afirma CALDAS (2003,
p.75), “a informação é parte integrante do progresso educativo. Isto porque, agregados à
informação estão valores, crenças e ideologias que se constituem em fatores decisivos para a
aquisição do conhecimento”.
Os veículos de Comunicação oferecem uma possibilidade impar de incluir o
desenvolvimento das áreas Científicas e Tecnológicas do país nas salas de aula e na vida das
pessoas.
A circulação da informação científica, desmistificada, analisada, interpretada, tem o poder de acabar com o fetiche da mercadoria, da religião do consumo. No mundo da informação rápida, fragmentária, a ilusão do conhecimento provoca uma busca desenfreada por notícias científicas que, veiculadas de forma apressada, pasteurizada, descontextualizada, prometem soluções rápidas para problemas que afligem a humanidade (CALDAS, 2003, p. 76).
O conhecimento tem um elemento de liberdade. O acesso a ele transforma a pessoa em
sujeito ativo na construção de sua história. A democratização do saber científico é essencial
para que, além da tomada de consciência, todos sejam capazes de atuar de forma crítica nos
processos sociais que envolvem a Ciência e a Tecnologia.
A Ciência e Tecnologia constituem hoje as principais fontes para a superação dos problemas vividos pela humanidade: fome, escassez habitacional, explosão demográfica, penúria energética, transportes, poluição ambiental, etc. É evidente que as propostas e soluções nascidas nos centros de pesquisas não funcionam como varinhas mágicas, capazes de resolver instantaneamente os problemas. Elas oferecem alternativas que dependem de decisões políticas. E justamente por isso é que exigem a democratização da informação acumulada. Na medida em que toda sociedade tem acesso ao conteúdo do saber disponível e aplicável, ela pode se mobilizar determinando sua utilização (MARQUES DE MELO, 1985, p.86-87). [grifo meu]
A aquisição do conhecimento científico pode se dar de muitas maneiras: através de
Cientistas, Jornalistas, Institutos de Pesquisa, Universidades, Escolas e Museus e Centros de
Ciências, dentre outros. Porém, para que ela ocorra é necessário que a sociedade seja
estimulada e compreenda esse estímulo.
30
Segundo BERLO (1997, p.85), os ingredientes necessários ao aprendizado são: a
apresentação de um estímulo, a percepção do mesmo pelo organismo, a sua interpretação,
uma resposta experimental ao que foi apresentado, a percepção das conseqüências dessa
resposta e por último, a criação de uma relação estímulo-resposta estável, que seria nada mais
que a criação do hábito. “A aprendizagem não terá ocorrido enquanto a resposta não se tornar
habitual, enquanto não for repetida quando quer que o estímulo se apresente”. Para o autor,
um indivíduo terá aprendido quando transferir a resposta que deu a um determinado estímulo
para outro estímulo diferente. “Isto se relaciona com a comunicação no fato de que o objetivo
de comunicação da fonte é muitas vezes modificar o comportamento do receptor” (p.82).
BRUNER (1978, p.45) acredita que, para aprender um assunto, há três processos
envolvidos simultaneamente. Primeiro, a aquisição de uma nova informação – que, muitas
vezes, contraria ou substitui o que a pessoa anteriormente sabia, implícita ou explicitamente.
Um segundo aspecto da aprendizagem pode ser chamado de transformação, ou seja, processo
de manipular o conhecimento de modo a adaptá- lo a novas tarefas. Um terceiro aspecto é a
avaliação (crítica) que verifica se o modo pelo qual manipulamos a informação é adequado à
tarefa.
Na aprendizagem de qualquer assunto, há comumente uma série de episódios, cada um dos quais envolve os três processos. A fotossíntese poderia muito bem conter material para um episódio de aprendizagem em Biologia, ajustado dentro de uma experiência de aprendizagem mais compreensiva, tal como a conversão de energia em geral. Em sua melhor forma, um episódio de aprendizagem reflete o que veio antes dele e permite que se generalize para além dele (BRUNER, 1978, p.45).
Os Centros e Museus de Ciências em sua definição trabalham com esta proposta:
estímulo do interesse e aprendizado sobre Ciência e Tecnologia, além do exercício do papel
de divulgador científico (Comunicação Científica). Eles enfocam a popularização dos avanços
científicos e tecnológicos mais recentes, privilegiam os aspectos contemporâneos da Ciência
em lugar de uma visão apenas histórica, e estimulam a interdependência entre exposição e
usuário como um meio de compreensão e aprendizado.
Na opinião de Jorge Wagensberg, diretor do Museu de Ciências de Barcelona, em
entrevista à Revista Ciência e Cultura (BARATA, 2003, pp.16 e 17), a prioridade dos museus
deve ser o estímulo e não a educação, embora ela não esteja proibida.
Uma visita dura cerca de três horas, não há tempo de educar, mas, sim, para mudar a atitude diante da educação. É importante que, na saída, o visitante tenha muito mais perguntas do que ao entrar. O museu deve mudar a atitude do espectador. Creio que é um erro tentar converter o museu em escola. Seus
31
recursos devem ser para despertar a curiosidade. É um mal-entendido se pensar que a Ciência é uma forma de conhecimento especialmente difícil. A Ciência, por definição, é a forma de conhecimento máximo que existe e qualquer cientista é capaz de transmitir o essencial de uma idéia científica a qualquer cidadão. A Ciência é objetiva, inteligível e dialética. A Ciência que não se pode transmitir não é Ciência.
WAGENSBERG disse ainda que um bom museu deve estar baseado em emoções,
seguindo três fundamentos básicos: hands-on (toque), minds-on (reflexão), heart-on
(emoção), além da interatividade mental, mais importante que a manual, segundo ele.
Nesse contexto, temos em São Paulo a Estação Ciência, um Centro de Difusão
Científica, Tecnológica e Cultural da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
da Universidade de São Paulo (USP), que tem como objetivo oferecer à população,
principalmente por meio de exposições (nas áreas de Astronomia, Meteorologia, Física,
Geologia, Geografia, Biologia, História, Informática, Tecnologia, Matemática, Humanidades),
oportunidades de conhecer e analisar fenômenos, teorias e pesquisas científicas.
Levando em conta todas essas perspectivas, esta pesquisa descreve e analisa a atuação
da Estação Ciência (sob a direção da USP desde 1990) como divulgadora científica e
educadora não formal; a sua relação com a sociedade e o papel que exerce no processo de
aquisição do conhecimento científico de seus visitantes. Desse modo, esta dissertação está
estruturada da seguinte forma:
No primeiro capítulo, Cultura Científica, encontram-se as considerações teóricas sobre a
formação da Cultura Científica, a Percepção Pública da Ciência e a Alfabetização Científica.
No segundo capítulo, A construção do conhecimento, são discutidos o papel da mídia e a
relação entre Educação e Comunicação (em especial o ensino de Ciências) na formação da
Cultura Científica das pessoas.
No terceiro capítulo, Os Museus e Centros de Ciências, é realizado um levantamento
histórico do surgimento dos Museus no mundo e no Brasil. O capítulo também apresenta uma
reflexão sobre o papel educacional dessas Instituições.
O quarto capítulo, A experiência da Estação Ciência, traz informações sobre a Estação
Ciência desde o seu histórico, passando pelas atividades e exposições realizadas até os dias
atuais.
Já no quinto capítulo, Museu e Escola: Interação e formação da Cultura Científica?,
são apresentados os resultados da pesquisa de campo, bem como a análise dos dados colhidos.
E, finalmente, nas Considerações finais, encontram-se as conclusões do trabalho, além de
sugestões para a Estação Ciência.
32
Observações:
* As fotos e ilustrações que não contêm crédito foram cedidas pela Estação Ciência. As
demais são da autora ou foram retiradas de outras publicações.
* O uso dos colchetes [ ] em determinadas partes do texto representam comentários, opiniões
e observações feitos pela autora.
* As notas de roda-pé são numeradas a cada página.
* As reproduções das entrevistas foram autorizadas pelos entrevistados.
33
OBJETIVOS
Objetivo geral:
Examinar o papel dos Centros de Ciências como motivadores na aquisição do
conhecimento científico para crianças das 3ª e 4ª séries (faixa etária 9-10 anos) e como
complemento do ensino formal de Ciências tendo como referencial a Estação Ciência.
Também é analisada de que forma os recursos de comunicação são utilizados pela Instituição.
Objetivos específicos:
a) Recuperar a história da Estação Ciência.
b) Descrever as atividades desenvolvidas pela Estação Ciência.
c) Observar a linguagem usada na Estação Ciência para a Divulgação Científica.
d) Acompanhar e descrever a orientação da Estação Ciência junto aos professores da
Escola selecionada antes das visita.
e) Observar e analisar como os professores preparam os seus alunos antes da visita à
Estação Ciência.
f) Examinar o comportamento (curiosidade/interesse) do público-alvo (crianças da 3ª e
4ª séries) na visita à Estação Ciência.
g) Acompanhar o processo de aprendizagem de Ciências dos alunos (da 3ª e 4ª séries,
faixa etária 9-10 anos) de uma Escola pública, durante e após a visita na Estação
Ciência.
h) Verificar a compreensão das crianças sobre a Ciência e sobre os cientistas.
34
PROBLEMA
O potencial educativo dos Museus e Centros de Ciências na formação da Cultura
Científica é freqüentemente defendido por cientistas e professores. A Divulgação Científica
feita pela Estação Ciência contribui para o conhecimento científico e, conseqüentemente, para
o aprendizado/ensino de Ciências na Escola?
35
QUESTÕES DE PESQUISA
• Qual o interesse dos alunos pela Ciência e Tecnologia?
• De que forma as escolas contribuem nas aulas de Ciências para o desenvolvimento da
Cultura Científica?
• Qual a contribuição do professor para estimular os alunos nesse processo de aquisição
do conhecimento científico?
• Como a Estação Ciência exerce o seu papel de divulgadora científica?
• Como as exposições e atividades desenvolvidas nos Centros de Ciência contribuem
para o ensino de Ciências?
• Os alunos sentem-se mais interessados pelos assuntos científicos após visitarem a
Estação Ciência?
36
CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
Segundo definição de Antonio Carlos GIL (1989, p.19), a pesquisa é um procedimento
racional que visa dar respostas a questões que são propostas. “A pesquisa é requerida quando
não se dispõe de informação suficiente para responder ao problema, ou então quando a
informação disponível se encontra em tal estado de desordem que não possa ser
adequadamente relacionada ao problema”. Uma pesquisa visa à produção de conhecimento
novo, preenche uma lacuna importante no conhecimento disponível em uma determinada
área. De acordo com LUNA (1998, pp. 15 e 16), os objetivos a serem atingidos por uma
pesquisa são: demonstração da existência (ou da ausência) de relações entre diferentes
fenômenos; estabelecimento da consistência interna entre conceitos dentro de uma dada
teoria; desenvolvimento de novas tecnologias ou demonstrações de novas aplicações de
tecnologias conhecidas; aumento da generalidade do conhecimento e descrições das
condições sob as quais um fenômeno ocorre.
Ele define nove elementos básicos que devem ser seguidos para que uma pesquisa seja
bem feita:
1) a formulação de um problema de pesquisa, isto é, de um conjunto de perguntas que se pretende responder, e cujas respostas mostram-se novas e relevantes teórica e/ou socialmente;
2) a determinação das informações necessárias para encaminhar as respostas às perguntas feitas;
3) a seleção das melhores fontes dessas informações; 4) a definição de um conjunto de ações que produzam essas
informações; 5) a seleção de um sistema para tratamento dessas informações; 6) o uso de um sistema teórico para a interpretação delas; 7) a produção de respostas às perguntas formuladas pelo problema; 8) a indicação do grau de confiabilidade das respostas obtidas, ou seja,
por que aquelas respostas, nas condições da pesquisa, são as melhores respostas possíveis?;
9) indicação da generalidade dos resultados, a extensão dos resultados obtidos; na medida em que a pesquisa foi realizada sob determinadas condições, a generalidade procura indicar (quanto possível) até que ponto sendo alteradas as condições, pode-se esperar resultados semelhantes.
O autor lembra ainda que “por mais abrangente que possa ser, uma pesquis a toma
sempre um ‘pedaço’, uma amostra de um fenômeno para estudo” (p.27).
Esta pesquisa foi realizada a partir de conhecimentos já adquiridos sobre Comunicação
Científica e contou com técnicas e instrumentos metodológicos cientificamente adequados e
37
minuciosamente escolhidos, para que o resultado final fosse útil para o progresso do
conhecimento. Seu desenvolvimento seguiu a metodologia qualitativa, que tem ocupado um
lugar de destaque entre as diversas possibilidades de estudar os fenômenos que envolvem os
seres humanos e suas relações sociais. Para GODOY (1995, p.21):
Na perspectiva qualitativa um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando ‘captar’ o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno. [grifo meu]
Diferentemente da pesquisa quantitativa, a qualitativa não obriga à formulação de
hipóteses, nem exige dados numéricos para enumerar ou mensurar o objeto em análise. Este
trabalho, além de qualitativo, também é descritivo de caráter analítico. Para GIL (1999, p.44),
as pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis.
Na pesquisa descritiva o pesquisador observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou
fenômenos (variáveis) sem manipulá- los (CERVO & BERVIAN, 1996, p.49). Ele procura
descobrir, com a precisão possível, a freqüência com que um fenômeno ocorre, sua relação e
conexão com outros, sua natureza e suas características.
A pesquisa descritiva está interessada em descobrir e observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los (...). Estudando o fenômeno, a pesquisa descritiva deseja conhecer a sua natureza, sua composição, processos que o constituem ou nele se realizam. Para alcançar resultados válidos, a pesquisa necessita ser elaborada corretamente, submetendo-se às exigências do método. O problema será enunciado em termos de indagar se um fenômeno acontece ou não, que variáveis o constituem, como classificá-lo, que semelhanças ou diferenças existem entre os fenômenos, etc (RUDIO, 1999, p.71).
A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, entre as quais se destacam: os
Estudos Exploratórios, Estudos Descritivos, Pesquisa de Opinião, Pesquisa de Motivação,
Estudo de Caso (utilizado nessa dissertação) e Pesquisa Documental.
38
Posição Teórico Epistemológica: Estudos Culturais Os Estudos Culturais formam um campo de pesquisa, uma prática metodológica e/ou
um viés epistemológico cuja vasta área de atuação é a Cultura – no sentido amplo dado pela
antropologia, mas restrito ao universo das sociedades industriais contemporâneas e suas inter-
relações de poder. Eles se caracterizam ainda por sua interdisciplinaridade e diversidade
metodológica, que permite ao pesquisador lançar mão de dispositivos de análise exógeno s à
sua própria disciplina, mas pertinentes ao objeto de estudo. E, finalmente, tem como terceiro
traço marcante, seu compromisso em interagir diretamente com as práticas políticas, sociais e
culturais que são objeto de sua abordagem.
O objectivo dos cultural studies é definir o estudo da cultura própria da sociedade contemporânea como um campo de análise conceptualmente relevante, pertinente e teoricamente fundamentado. No conceito de cultura, estão englobados quer os significados e os valores, que surgem e se difundem nas classes e nos grupos sociais, quer as práticas efectivas através das quais esses valores e esses significados se exprimem e nas quais estão contidos (WOLF, 2002, p.108).
Campo de pesquisa emergente, os Estudos Culturais atendem a necessidade de
reavaliação dos referenciais teórico-metodológicos tradicionais da pesquisa sobre Cultura,
definindo novos objetos e campos de análise e interpretação capazes de dar conta da crescente
complexidade das sociedades. Cada vez mais o quadro intensivo de globalização – cercado de
um lado, pela economia e, de outro, pela mídia e pelas redes eletrônicas de informação –
concretiza novos contextos para a problemática da transmissão e recepção da Cultura e
evidencia seu impacto nas culturas dos países metropolitanos e periféricos.
O que distingue os Estudos Culturais de disciplinas acadêmicas tradicionais é seu envolvimento explicitamente político. As análises feitas nos Estudos Culturais não pretendem nunca ser neutras ou imparciais. Na crítica que fazem das relações de poder numa situação cultural ou social determinada, os Estudos Culturais tomam claramente o partido dos grupos em desvantagem nessas relações. Os Estudos Culturais pretendem que suas análises funcionem como uma intervenção na vida política e social (SILVA, 2002, p.134).
Em 1958, Richard Hoggart, professor de Literatura inglesa moderna, e Raymond
Williams, que lecionou com ele em uma instituição de formação de trabalhadores, fundaram o
histórico Birmingham Center for Contemporary Studies (Centro para Estudos
Contemporâneos de Birmingham) na Inglaterra. Nesse Centro, os pesquisadores procuraram
estudar a Cultura não como um espaço simbólico de dominação e reprodução das idéias
39
dominantes, mas fundamentalmente como um lugar de luta entre diversas culturas, vinculadas
a determinados estratos da sociedade. Com o tempo, o Centro de Ciências também foi
absorvendo novas questões, trazidas especialmente por pensadores franceses, como (Foucault
e Bourdieur), por meio da análise das revistas femininas, dos programas de ficção e de
informação da televisão e dos discursos da imprensa. Seu período mais produtivo se deu entre
1970 e 1979, quando o seu diretor (Stuart Hall) foi um dos nomes mais importantes
relacionados aos Estudos Culturais.
Os Estudos Culturais tiveram uma influência marxista porém, com interpretação
particular sobre os seus estudos. Essa contribuição veio do filósofo italiano Antonio Gramsci
e seu conceito de hegemonia. “A hegemonia é a capacidade de um grupo social de assumir a
direção intelectual e moral sobre a sociedade, sua capacidade de construir em torno de seu
projeto um novo sistema de alianças sociais, um novo bloco histórico” (MATTELART,
1999, p. 108).
Originários da Inglaterra, os Estudos Culturais expandiram-se para os Estados Unidos, a
Europa e alguns países da América Latina, e hoje são reconhecidos como uma ferramenta de
análise nas áreas de Literatura, Ciências Sociais, História e Comunicação, entre outras. Para
MACHADO (2002, s/p) esses estudos têm tido sucesso nesses países pela necessidade:
(...) de uma pesquisa e legitimação de uma identidade nacional, que se pretende independente e autônoma dos laços históricos, comerciais e políticos mantidos com as potências outrora colonizadoras. Assim não é de estranhar que se promova de forma recorrente uma releitura da(s) história (s) nacional (is) do ponto de vista do povo oprimido, que contraria, por vezes, de forma declarada, uma visão histórica ideologicamente manipulada e imposta pela potência colonizadora. Este confronto teórico apresenta resultados interessantes e curiosos, demonstrando em que medida um (re)pensar da origem pode produzir uma descoberta de si mesmo, que é nada mais que uma luta contra a alienação e contra a dependência (...)
É a partir dos Estudos Culturais que novos objetos são integrados à pauta de pesquisa.
Música Pop, Desenhos Animados, Jogos de Futebol, Telenovelas, Museus de Ciências
tornam-se objetos para os Estudos Culturais na medida em que fazem parte da prática cultural
de um grupo. Assim foi derrubado o preconceito de alguns círculos acadêmicos, que
consideram a Cultura do povo desprovida de méritos suficientes para serem estudadas.
A aplicação dos Estudos Culturais nesta pesquisa deve-se ao fator de a perspectiva
proporcionada por eles poderem fundamentar ações educativas desenvolvidas pelos Centros e
Museus de Ciências e também por escolas comprometidas com a construção de uma
sociedade mais democrática, através da Divulgação Científica.
40
VOGT (2003), na revista eletrônica ComCiencia ao explicar a expressão Cultura
Científica, compara a Ciência à Arte. Explica que, embora haja distinções teóricas e
metodológicas entre elas, há algo poderosamente comum também.
Trata-se da finalidade compartilhada por ambas, que é a da criação e a da geração do conhecimento, através da formulação de conceitos abstratos e ao mesmo tempo, por paradoxal que pareça, tangíveis e concretos. No caso da ciência essa tangibilidade e concretude se dá pela demonstração lógica e pela experiência; no caso da arte, pela sensibilização do conceito em metáfora e pela vivência. Por isso a expressão Cultura Científica nos soa mais adequada do que as várias outras tentativas de designação do amplo e cada vez mais difundido fenômeno da Divulgação Científica e da inserção no dia-a-dia de nossa sociedade dos temas da Ciência e da Tecnologia. [grifo meu]
A expressão Cultura Científica engloba a idéia de que o processo que envolve o
desenvolvimento científico é um processo cultural, seja ele considerado do ponto de vista de
sua produção, de sua difusão entre os pares, na dinâmica do ensino e da educação e na
divulgação para a sociedade, como um todo.
A Estação Ciência é parte integrante da Cultura Científica, porque faz a divulgação e
explicação das descobertas científicas e tecnológicas para a sociedade como um todo e auxilia
no ensino e educação através das suas exposições, atividades e cursos.
Estudo de Caso O método escolhido para este trabalho foi do Estudo de Caso, que se justifica pela
necessidade de aprofundamento na compreensão do objeto escolhido. “O Estudo de Caso
dedica-se à descrição minuciosa de um caso ou teoria, esmiuçando-lhe a trajetória do início
até o momento da pesquisa” (GUERRA & CASTRO, 1997, p.49). Ele possibilita a pesquisa
social empírica de um fenômeno atual dentro de seu próprio contexto, visa à descoberta,
enfatiza a interpretação, busca retratar a realidade de forma completa e profunda e lança mão
de diversas fontes de informação.
Conforme escreve GIL (1999, p.73), os Estudos de Caso vêm sendo utilizados com
freqüência cada vez maior, por se adequarem a pesquisas de diferentes propósitos, tais como:
a) exploração de situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos; b) descrição da situação do contexto em que está sendo feita determinada investigação; e
41
c) explicação das variáveis causais de determinado fenômeno em situações muito complexas que não possibilitam a utilização de levantamentos e experimentos.
O Estudo de Caso (GODOY, 1995, p.25) tem se tornado a estratégia preferida quando
os pesquisadores procuram entender ‘como’ e ‘por que’ certos fenômenos ocorrem; quando
há pouca possibilidade de controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesse é
sobre fenômenos atuais, que só poderão ser analisados dentro de algum contexto de vida real.
O Estudo de Caso é o método introduzido por C.C Laugdell no ensino jurídico nos Estados Unidos, sua difusão, entretanto, está ligada à prática psicoterapêutica caracterizada pela reconstrução da história do indivíduo, bem como ao trabalho dos assistentes sociais junto a indivíduos, grupos e comunidades. Ele pode ser visto como técnica psicoterápica, como método didático ou como método de pesquisa (...) um conjunto de dados que descrevem uma fase ou a totalidade de um processo social de uma unidade, em suas várias relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família, um profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação (YOUNG apud GIL, 1989, pp. 58 e 59).
Como os Museus de Ciências podem ser considerados fenômenos atuais¹,
principalmente no Brasil, julgou-se o uso do Estudo de Caso como método mais apropriado
para análise desse objeto de pesquisa. As mais conhecidas vantagens desse método são: o
estímulo à novas descobertas, a ênfase na totalidade e a simplicidade dos procedimentos.
No entanto, diversos pesquisadores apresentam um certo preconceito em relação à sua
aplicação, como a falta de rigor metodológico (que pode levar à formação de vieses), o tempo
destinado à pesquisa (muitos dizem que este tipo de estudo necessita de um tempo longo de
pesquisa para ser realizado, o que pode resultar em dados poucos consistentes) e a dificuldade
de generalização científica. Porém, YIN (2001, p.29) explica que :
(...) os Estudos de Caso, da mesma forma que os experimentos, são generalizáveis a proposições teóricas, e não a populações ou universos. Nesse sentido, o Estudo de Caso, como experimento, não representa uma amostragem e o objetivo do pesquisador é expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências (generalização estatística) (...) o objetivo é fazer uma análise generalizante e não particularizante.
_______________________________ ¹ A implementação dos primeiros Museus e Centros de Ciências com características semelhantes aos atuais, ocorreram no final da década de 80.
42
É importante lembrar que, no Estudo de Caso qualitativo, em que nem as hipóteses nem
os esquemas de investigação estão definidos de forma definitiva, a complexidade da pesquisa
aumenta de acordo com o aprofundamento do assunto.
TRIVIÑOS (1987, p. 111) escreve que o grande valor do Estudo de Caso está em
fornecer o conhecimento aprofundado de uma realidade delimitada, sendo que os resultados
atingidos poderão permitir a formulação de novas hipóteses visando ao encaminhamento de
outras pesquisas.
O Estudo de Caso desenvolvido neste trabalho utilizou como ferramentas de pesquisa:
coleta de dados, a observação dos fatos e entrevistas semi-estruturada, que proporcionou aos
entrevistados (crianças, professores, coordenadores das atividades, entre outros), a exposição de
sua visão sobre a Estação e os trabalhos que ela realiza.
Grupos Focais
Em função da seleção dos grupos de alunos de faixas etárias e séries diferentes fez-se
necessário, em alguns momentos, a utilização de recursos do método comparativo. Para
aprofundamento do tema, foi utilizada, também, a metodologia de Grupo Focal através da
observação participante. Essa é uma técnica de investigação social qualitativa que visa captar
idéias de um determinado grupo social. Um moderador acompanha a discussão de pessoas
sobre um tema comum proposto por ele ou por uma outra pessoa que o grupo não precisa
necessariamente, conhecer. O papel do moderador é receber com naturalidade os diferentes
tipos de respostas, sem entrar em conflito ou influenciar quem quer que seja. Seu papel é o de
facilitar o processo, mantendo a discussão dentro do previsto e obtendo a maior quantidade e
qualidade possível de informações.
A técnica de Grupo Focal permite a identificação e o levantamento de opiniões que
refletem o grupo em um tempo relativamente curto, otimizado pela reunião de muitos
participantes e pelo confronto de idéias que se estabelece, assim como pela concordância em
torno de uma mesma opinião, o que permite conhecer o que o grupo pensa.
SALAZAR (1994, p.212), afirma que através dos Grupos Focais é possível captar
posições ideológicas tais como valores e normas. “La reunión de grupo es la unidad pertinente
para la reproducción de los discursos idológicos. La discusión de grupo permite captar las
representaciones ideológicas, valores, normas, formaciones imaginarias y afectivas, etcétera, -
vinculados al tópico investigado – dominantes em el estrato social al que los miembros del
grupo pertencen. (...)”
43
O Grupo Focal permite a identificação e o levantamento de opiniões que refletem o
grupo em um determinado tempo, através do confronto de idéias que se estabelece entre os
participantes. Para BAUER & GASKELL (2001, pp. 75-77), o objetivo do Grupo Focal é:
(...) os sentidos e as representações (...) mais influenciados pela natureza social da interação do grupo em vez de se fundamentarem na perspectiva individual, como no caso da entrevista em profundidade (...) A emergência do grupo caminha lado a lado com o desenvolvimento de uma identidade compartilhada, esse sentido de um destino comum presente quando dizemos ‘nós’. (...) O grupo é antes mais como uma novela, uma perspectiva sobre a vida cotidiana mostrada apenas quando se assiste a todo o programa e não apenas pela contribuição de um único ator.
Os Grupos Focais são formados por um número que varia entre 5 e 10 pessoas
representativas da audiência selecionada (crianças, adolescentes, homossexuais, idosos,
executivos, etc). Utilizando um esboço previamente elaborado, um moderador mantém a
discussão centrada no tema em causa e a conduz de forma a obter respostas às questões
propostas, propiciando a livre expressão de todos os participantes. À medida que as respostas
vão surgindo, o moderador pode acrescentar questões adicionais, a fim de obter análises em
profundidade.
Os participantes dos Grupos Focais devem ser previamente selecionados, podendo ser
localizados em escolas, associações de moradores, indústrias, redes comerciais, construtoras e
etc, dependendo da audiência que se queira atingir. Não há necessidade de escolha aleatória
dos participantes, pois os resultados dos Grupos Focais não têm necessariamente valor
estatístico.
Para alguns autores como SALAZAR (1994, p.220), o ideal é que os participantes do
Grupo Focal não conheçam, de antemão, nem o material que será analisado, nem os demais
participantes da sessão. “Para evitar que los individuos seleccionados preelaboren opiniones o
posturas, deben desconocer total o parcialmente la investigacion y sus objetivos”. Saber com
antecedência o que vão discutir, que tipo de material, produzido por quem e com que objetivo,
poderá de fato estimular a formação de juízos e opiniões prévias, que podem “atrapalhar” a
discussão.
No entanto, se houver familiaridade entre os membros do grupo, isso não significa que
a pesquisa será prejudicada, conforme explicam BAUER & GASKELL (2000, p. 82).
“Embora a entrevista tradicional com Grupo Focal empregue pessoas desconhecidas, esta não
é uma pré-condição. Na verdade, há vezes em que a familiaridade anterior é uma vantagem.
44
Estudos de culturas organizacionais e de grupos sociais particulares têm vantagens quando se
tomam pessoas que partilham um meio social comum”.
A idéia inicial desta pesquisa era selecionar, aleatoriamente, ou através de números
pares ou ímpares dez alunos de uma sala específica (3ª ou 4ª série) que tivessem participado
da visita à Estação Ciência com auxílio da lista de chamada. Porém, como dos 34 alunos da 4ª
série A, apenas 13 visitaram a Estação, a pesquisa com o método de Grupo Focal, recaiu sobre
os 11 que foram à Escola na data de aplicação do método.
Foram realizadas duas reuniões com um intervalo de quinze dias. A primeira, totalmente
utilizada para a discussão sobre Ciências e a visita à Estação Ciência, e a segunda, para a
discussão baseada em vídeos com conteúdos científicos.
Universo
O universo da pesquisa é formado por: 11 alunos da 4ª série A do Ensino Fundamental I
(ciclo I) da Escola Lúcio de Carvalho Marques, situada no bairro de Ermelino Matarazzo, na
capital paulista; professora responsável pela turma; coordenadora pedagógica da Escola;
diretor e ex-diretor da Estação Ciência, coordenadores das atividades desenvolvidas pela
Instituição e seus monitores.
Procedimentos Metodológicos
Nas diferentes etapas da pesquisa de campo foram desenvolvidas pesquisas:
1) bibliográficas, que permitem ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar
diretamente (GIL, 1999);
2) documental, que se valem de materiais que ainda não receberam um
tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com
os objetivos da pesquisa;
3) entrevistas semi-estruturadas (onde há um roteiro de perguntas, mas com
liberdade para se desenvolver, em profundidade, os assuntos a partir das
colocações dos entrevistados) com o atual e ex-diretor da Estação Ciência,
coordenadores das atividades oferecidas pela Instituição, alguns monitores
e professores e coordenadores da Escola selecionada para a pesquisa
através da lista de agendamento de visitas da Estação. Além da discussão
com as crianças através da realização do Grupo Focal.
45
Etapas da Pesquisa de Campo:
• Acompanhamento do curso preparatório dado aos professores das escolas antes da
visita à Estação Ciência;
• Durante a visita, acompanhamento do grupo Escolar e observação da interação de
alunos, professores e monitores;
• Após a visita, na Escola, conversa com os alunos e professores, para a verificação de
como o assunto apresentado na Estação seria trabalhado, além da opinião dos alunos;
• Em seguida, a observação participante através do Grupo Focal, com as crianças da 4ª
série, em que é traçado um breve perfil dos alunos, através de entrevistas que trarão
perguntas referentes a vida familiar, gosto cultural, além da discussão do conteúdo
específico das atividades desenvolvidas na Estação.
Observações:
• Para melhor compreensão das diferenças conceituais sobre Museus e Centros de
Ciências, ver capítulo III, à p. 95;
• Para efeito dessa dissertação, utilizo a nomenclatura Centro de Ciências ou Centro,
todas as vezes que me refiro à Estação Ciência. Nos demais casos, uso Museu,
embora, em geral, os dois termos sejam adotados indiscriminadamente.
46
Capítulo I
CULTURA CIENTÍFICA
47
1.1 A Formação da Cultura Científica A Ciência e a Tecnologia têm impacto sobre diferentes dimensões sociais: econômica,
política, educacional e cultural, entre outras. A proximidade da Ciência com a Arte, encontra
diversos exemplos ao longo da história. O escultor, pintor, engenheiro e cientista Leonardo da
Vinci costumava afirmar que a Ciência e a Arte completavam-se.
A Arte, além de produzir conhecimento, também colabora para que a Ciência possa ser
entendida por todos. Ela leva a Ciência aos livros (principalmente os livros de ficção
científica, que através da Literatura, muitas vezes, antecipa os feitos futuros da Ciência), ao
Teatro, Cinema, Fotografia, Música entre outros.
Entre os autores que escreveram sobre os diferentes tipos de Cultura, destaco o britânico
SNOW que, em 1959, proferiu em Cambridge, Inglaterra, a famosa conferência, As duas
culturas, que mais tarde tornou-se um livro, ou melhor, um clássico da reflexão sobre as
diferenças que separariam a Cultura humanística vo ltada para as artes e a Cultura voltada para
a Ciência. A primeira Cultura a que ele se refere é a do mundo dos literatos e intelectuais
humanistas ou clássicos. A segunda é a dos cientistas, do conhecimento científico. SNOW
(1959, pp. 14 e 15) observou, com surpresa, que esses dois mundos praticamente não se
comunicavam entre si, além de se desprezarem mutuamente.
Intelectuais literários num pólo; no outro, cientistas, e, como mais representativos, cientistas físicos. Entre os dois um abismo de incompreensão mútua; por vezes – especialmente entre jovens -, hostilidade e aversão, mas, sobretudo, falta de entendimento. Cada um deles tem do outro uma curiosa idéia falseada. As suas atitudes são tão diferentes que, mesmo no plano emocional, pouco têm de comum. (...) Os não-cientistas têm arraigada à impressão de que os cientistas são superficialmente otimista, desconhecedores da condição humana. Por outro lado, os cientistas crêem que os intelectuais literários sofrem de uma ausência total de previsão, sendo, em especial, indiferentes para com os seus irmãos, num profundo sentido anti-intelectual, ansiosos por limitarem a arte e o pensamento ao momento existencial. E assim sucessivamente. (...)
Em uma segunda edição do livro, em 1963, SNOW propôs, em um novo ensaio,
chamado As Duas Culturas: Uma segunda visão, a revisão de seu próprio pensamento.
Propôs uma Terceira Cultura, que seria formada pelos literatos ou humanistas com um bom
conhecimento de Ciência, fazendo surgir, a Cultura Científica. “A Cultura Científica é
realmente uma Cultura, não só num sentido intelectual, mas também num sentido
antropológico” (SNOW, 1959, p.18).
48
Vivemos numa época em que a Ciência demonstra a cada dia o seu poder. O
conhecimento que ela nos deu venceu distâncias, reduziu as doenças e abriu as portas para a
compreensão dos mistérios da natureza, mas não resolveu todos os males da humanidade.
Como um instrumento para a descoberta da ‘verdade’ – o que ‘está por trás´-, a carência não tem igual. Mesmo assim, deveríamos ser cautelosos em comemorar seus triunfos de modo demasiado acrítico, pois eles foram distribuídos desigualmente. Em meio à abundância, há carência; doenças há muito conhecidas pelos médicos ainda matam os pobres e desprivilegiados; e em suas bem ordenadas explicações dos fenômenos naturais, a ciência deixa muita gente indiferente ou até alienada. O que a ciência nos diz pode ser verdadeiro, mas não é a única verdade que importa (MAYOR e FORTI, 1998, pp. 119 e 120).
Assim, o acesso da população ao conhecimento científico é essencial para a formação de
uma Cultura Científica e, conseqüentemente, de uma visão crítica da sociedade.
Um dos desafios da atualidade para a compreensão da dinâmica das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade é o desenvolvimento de uma nova geração de indicadores que permitam avaliar o modo pelo qual evoluem três dimensões relevantes de análise: a percepção pública, a Cultura Científica e a participação dos cidadãos. Essa avaliação resulta pertinente na medida em que um dos benefícios sociais indiscutíveis que podem ter a Ciência e a Tecnologia na sociedade moderna atual é a geração de Cultura Científica na sociedade civil (VOGT e POLINO, 2003, p. 31). [grifo meu]
Os êxitos da Ciência tornaram as relações entre a comunidade científica e o Estado
muito mais complexas do que eram antes. Nenhuma sociedade moderna é imaginável sem o
suporte da Ciência e da Tecnologia, e essa relação tem seus prós e contras. “Conhecimento é
poder: poder de produzir, de prever e de prevenir. Aplicar esse conhecimento em benefício da
humanidade é sabedoria. Conhecimento e sabedoria são os dois principais pilares de um
futuro comum melhor” (MAYOR e FORTI, 1998, p. 144).
A Cultura Científica apresenta grande complexidade, já que na sua própria denominação
surgem variações importantes de acordo com o contexto cultural no qual está imersa. Na
França, prefere-se usar culture scientifique, que é compreendida de forma ampla, sendo a
Ciência vista de forma integrada à Cultura geral. Na Grã-Bretanha, tem sido bastante usada à
expressão public understanding of science, entendida como algo mais abrangente do que
uma tradução literal (compreensão pública da ciência) poderia sugerir, na qual estão também
incluídas as diversas modalidades de Divulgação Científica. Já nos Estados Unidos prefere-se,
em geral, scientific literacy (alfabetização científica), com significado mais reduzido.
49
VOGT prefere a expressão Cultura Científica e, face à importância crescente dessa
expressão, elaborou um número especial sobre o tema para a revista eletrônica ComCiencia
no ano de 2003. No editorial da revista, as diferenças entre Alfabetização Científica,
Popularização Científica e Cultura Científica são explicadas.
Melhor do que Alfabetização Científica (tradução para scientific literacy), popularização/vulgarização da ciência (tradução para popularisation/vulgarisation de la science), percepção/compreensão pública da ciência (tradução para public understanding/awarness of science) a expressão Cultura Científica tem a vantagem de englobar tudo isso e conter ainda, em seu campo de significações, a idéia de que o processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do ponto de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais, de seu tempo e de sua história (revista eletrônica ComCiencia, 2003). [grifo meu]
Segundo EPSTEIN (2002, p.111), todas essas expressões (scientific literacy, public
understanding of science e culture scientifique) designam tudo o que o público deveria saber
sobre as Ciências. Porém, a expressão Cultura Científica não remete apenas a saber fatos, mas
sim a conhecer o método científico e os processos institucionais que estão por trás do
empreendimento científico, além de avaliar a natureza da própria Ciência.
MASSARANI (2001) no primeiro capítulo de sua tese de doutorado dedica-se a uma
revisão de Literatura que visa esclarecer o que é Cultura Científica. Um dos autores citados é
BYBEE (apud MASSARANI, 2001, p.26), que defende a idéia da não existência de uma
única definição de Cultura Científica. Assim, preocupado com a Cultura Científica no sentido
da Educação formal, elaborou uma hierarquia dos níveis de Cultura Científica, aqui
reproduzida para melhor compreensão desses conceitos.
¦ Cultura Científica Nominal: Nessa categoria, a pessoa é capaz de identificar termos e questões científicas. Comete erros e tem explicações ingênuas. Apresenta uma compreensão mínima da ciência; ¦ Cultura Científica Funcional: Usa vocabulário científico; define termos corretamente; memoriza respostas especiais; compreende apenas uma necessidade ou uma atividade específica; ¦ Cultura Científica Conceitual e relacionada aos procedimentos: Entende esquemas conceituais da ciência, conhecimentos relacionados aos procedimentos e às técnicas da ciência e as relações entre as partes e o todo da Ciência. Entende, também, a organização dos princípios, das disciplinas e dos processos da Ciência;
50
¦ Cultura Científica Multidimensional: Entende o lugar da Ciência entre outras disciplinas; sabe História da Ciência; conhece a natureza da Ciência; entende as interações entre Ciência e sociedade; ¦ Cultura Científica Integral: Compreende as estruturas conceituais essenciais da Ciência adicionadas a aspectos que tornam tal compreensão mais completa. Entende a relação entre as disciplinas científicas e a tecnologia, dentro de seu contexto cultural, e abarca questões éticas e os desafios sociais do desenvolvimento científico.
Essa hierarquização feita pelo autor nos auxilia a entender o termo, mas como a própria
MASSARANI (2001, p.37) escreve, “a Cultura Científica vai muito além de saber a definição
de conceitos científicos, por mais importantes que sejam”.
Façamos uma analogia com a cultura vista sob uma perspectiva mais ampla. Por exemplo, a Música. Seria talvez desejável que os cidadãos conhecessem os nomes e a obra dos principais músicos de diferentes séculos, inclusive os contemporâneos. Seria talvez desejável que os cidadãos tivessem noções de música o suficiente para entender o que significa tecnicamente uma música, analisar suas complexidades, suas particularidades, o esforço que demanda dos concertistas etc., e gerar seu próprio ponto de vista. Seria talvez desejável que todos nós soubéssemos o que cada música significa dentro de seu contexto cultural, social e histórico. Uma música de má sonoridade para nossos ouvidos ou que atualmente é excessivamente simples pode ter tido impacto significativo em outro contexto. As mesmas reflexões podem ser atribuídas à pintura ou mesmo à arte de uma maneira mais ampla. E também à ciência, que deve ser entendida como um outro componente nessa rede complexa que constitui a cultura humana (MASSARANI, 2001, pp. 37-38).
ASIMOV (apud MASSARANI, 2001, p.39) faz uma metáfora interessante sobre
Cultura Científica. Ele resume de uma maneira curiosa o que entende por indivíduo
cientificamente culto:
Não se trata de dizer que devemos construir um mundo de cientistas. (...) Mas pelo menos deixemos o público constituir uma audiência inteligente e bem informada. Os jogos de futebol são assistidos por milhões que não sabem jogar ou mesmo dirigir um jogo com sucesso, mas que podem pelo menos entender o suficiente para aplaudir e reclamar nos momentos apropriados.
De fato, em muitos casos, a noção de Cultura Científica é problemática. WYNNE
(apud VOGT e POLINO, 2003, p.55), observa que “normalmente o enfoque que se dá à
Cultura Científica é limitado. (...) Ela é entendida como uma forma de instrução, acumulação
do saber (...) o que a deixa assemelhada à Alfabetização Científica”. EPSTEIN (2002), afirma
que a Cultura Científica e Tecnológica se adquire pela extensão da Alfabetização Científica e
Tecnológica, ou seja, só através da Alfabetização Científica e Tecnológica é que poderemos
51
desenvolver uma Cultura Científica. Assim, seria correto afirmar que uma depende da outra.
Sem Alfabetização Científica não ocorrerá a formação da Cultura Científica.
Na visão de FOUREZ (apud EPSTEIN, 2002, p.111) existem várias razões para que a
população em geral tenha Cultura Científica e Tecnológica (CCT):
¦ A CCT abriga objetivos humanísticos uma vez que almeja permitir que cada indivíduo usufrua seu potencial; ¦ A CCT também é promovida por razões econômicas; de um lado, porque está relacionada à adaptação do indivíduo à pressão social e econômica, aumentando a sua probabilidade de encontrar um emprego numa economia competitiva e, de outro, porque se relaciona ao aumento da produtividade e crescimento econômico do país; ¦ Finalmente a CCT pode promover a democracia quando dá às pessoas um conhecimento suficiente para encorajá- las a participar num debate público, evitando deixar as decisões de interesse geral ao critério exclusivo dos tecnocratas.
A Alfabetização Científica e, conseqüentemente, a Cultura Científica permite às pessoas
compreender que atividades realizadas no dia-a-dia envolvem conceitos e explicações
científicas. O próprio professor EPSTEIN, em seu livro Divulgação científica: 96 verbetes
(2002), cita alguns exemplos que nos cercam, como o entendimento do funcionamento do fax,
computador, máquina de lavar, ou o porquê de certo alimento fazer mal a determinada pessoa
e bem a outra e, ainda, a explicação de como se deve congelar ou descongelar um alimento.
O conhecimento desses simples tópicos torna a pessoa mais autônoma, aumentando sua
capacidade de dialogar com os chamados “detentores do conhecimento”. Saber essas
informações, permite que a pessoa não seja enganada, pois se alguém lhe disser que aquele
remédio faz bem, ela vai saber que a verdade não é bem essa.
Voltando à definição, ou melhor, compreensão do termo Cultura Científica, é necessário
falar sobre a edição especial da revista eletrônica ComCiencia, na qual o pesquisador Carlos
Vogt explica as possibilidades que a expressão tem, devido à própria estrutura lingüística,
conforme transcrição abaixo:
1. Cultura da ciência Aqui é possível vislumbrar ainda duas alternativas semânticas:
a) cultura gerada pela ciência b) cultura própria da ciência 2. Cultura pela ciência. Duas alternativas também são possíveis: a) cultura por meio da ciência b) cultura a favor da ciência
52
3. Cultura para a ciência Cabem, da mesma forma, duas possibilidades: a) cultura voltada para a produção da ciência b) cultura voltada para a socialização da ciência
Utilizando esse esquema, VOGT (2003) mostra ao leitor a complexidade semântica que
envolve a expressão Cultura Científica e o fenômeno que designa em nossa época. O autor
também busca explicar a dinâmica da Cultura Científica através da espiral abaixo (retirada da
Revista eletrônica ComCiencia), aliás, espiral que faz parte do título do editorial A espiral da
Cultura Científica, publicado na mesma revista.
A título de ilustração, teríamos no 1º Quadrante, com seus respectivos papéis, as
Universidades, os Centros de Pesquisa, os Órgãos Governamentais, as Agências de Fomento,
os Congressos, as Revistas Científicas; no 2º Quadrante, acumulando funções, outra vez as
53
Universidades, o sistema de Ensino Fundamental e Médio e o sistema de Pós-Graduação; no
3º Quadrante, os Museus e as Feiras de Ciência; no 4º Quadrante, as Revistas de
Divulgação Científica, as páginas e editorias dos Jornais voltadas para o tema, os Programas
Televisivos, entre outros.
Tomando-se como ponto de partida a dinâmica da produção e da circulação do conhecimento científico entre pares, isto é, da Difusão Científica, a espiral desenha, em sua evolução, um segundo quadrante, o do Ensino da Ciência e da formação de cientistas; caminha, então, para o terceiro quadrante e configura o conjunto de ações e predicados do Ensino para a Ciência e volta, no quarto quadrante, completando o ciclo, ao eixo de partida, para identificar aí as atividades próprias da Divulgação Científica. Cada um desses quadrantes pode, além disso, caracterizar-se por um conjunto de elementos que, neles distribuídos, pela evolução da espiral, contribuem também para melhor entender a dinâmica do processo da Cultura Científica. (...) O que, enfim, a espiral da Cultura Científica pretende representar, na forma que lhe é própria, é, em termos gerais, a dinâmica constitutiva das relações inerentes e necessários entre Ciência e Cultura (VOGT, ComCiencia, jul/2003).
O termo Espiral Científica também é abordado por VOGT no seu livro em parceria
com POLINO, publicado em 2003 (p.17), intitulado Percepção Pública da Ciência. Ao
representar a Cultura Científica em forma de espiral, acredita que ajuda a demonstrar a
dinâmica da produção dessa Cultura.
Sobre Cultura Científica, propus representar na forma de uma espiral, cujo movimento, ao desenhar quadrantes sobre um eixo vertical, desenha também a dinâmica da produção, da difusão e da divulgação da Ciência e da Tecnologia na teia intrincada de atores e instituições sociais que constituem os seus interlocutores e o caldo de Cultura de seus ciclos de vida e de vitalidade.
Para entender esse processo é necessário compreender a dinâmica existente entre
Ciência, Tecnologia e Sociedade. Faz-se, então, importante avaliar como evoluem a
Percepção Pública da Ciência, a Cultura Científica e a participação dos cidadãos. “Essa
avaliação resulta pertinente na medida em que um dos benefícios sociais indiscutíveis que
podem ter a Ciência e a Tecnologia na sociedade moderna atual é a geração de Cultura
Científica na sociedade civil” (VOGT e POLINO, 2003, p.31).
Os estudos sobre Percepção Pública, Comunicação Social e Difusão da Cultura
Científica na vida cotidiana e nas organizações da sociedade vêm se tornando mais freqüentes
ao longo das últimas décadas, nos países industrializados. União Européia, Austrália, Canadá,
China, Estados Unidos, Grã-Betanha e Japão, entre outros, realizam regularmente pesquisas
de Percepção Pública da Ciência e Cultura Científica.
54
A preocupação com o desenvolvimento da Cultura Científica é crescente, inclusive no
Brasil, graças ao impacto crescente da produção científica e tecnológica. Na opinião de
CALDAS (2004, p.41) isso vem acontecendo graças ao trabalho conjunto de jornalistas,
cientistas e educadores na busca da popularização desse conhecimento.
Na mídia, é crescente o espaço dedicado à cobertura científica, seja em veículos impressos (jornais e revistas), eletrônicos (rádio e televisão), assim como na Internet. A cada momento surgem novas publicações especializadas e formas inovadoras de circulação do conhecimento científico, numa perspectiva educativa, entre elas o uso de recursos lúdicos para o aprendizado, como o Teatro, a Literatura, a Música, entre outras manifestações artísticas.
Para que a Cultura Científica e Tecnológica seja formada é necessário que ocorra
incentivo à própria Cultura Científica. HENRIKSEN e FROYLAND (apud VOGT e
POLINO, 2003, p.45) acreditam que esse incentivo pode ser agrupado sob quatro argumentos
básicos:
¦ Argumento Pragmático: As pessoas precisam de uma compreensão da Ciência e (mais ainda) da tecnologia para saber como atuar na vida cotidiana, numa sociedade cada vez mais dependente do desenvolvimento científico e tecnológico; ¦ Argumento Democrático (cívico): As pessoas precisam compreender a Ciência para relacionar-se com os temas complexos da pesquisa científica com que se defrontam os cidadãos das democracias modernas; ¦ Argumento Cultural: A Ciência constitui parte da herança cultural e exerce influência profunda sobre a visão do mundo e do lugar da humanidade nele. A Ciência é necessária para a compreensão da Cultura. O conhecimento dos objetos e fenômenos do mundo que nos rodeia é um recurso para a satisfação e a plenitude dos indivíduos; ¦ Argumento Econômico (profissional): É necessário contar com uma força de trabalho com suficiente Cultura Científica para uma sólida e florescente economia na maioria dos países.
Como resultado do desenvolvimento dessas questões, surgiram, paralelamente, as
primeiras iniciativas destinadas a elaborar instrumentos para medir os níveis de Percepção
Pública e Cultura Científica, com o apoio de instituições responsáveis pela elaboração e
gestão pública da Política Científica.
Existem autores que preferem utilizar a Cultura Científica em sentido amplo, em
oposição à Cultura Científica em sentido estrito, que se refere ao plano de condutas
individuais (captadas por pesquisa ou por outros instrumentos de observação). Segundo
VOGT e POLINO (2003, pp. 65; 67) a proposta de uma Cultura Científica em sentido amplo
55
permite imaginar uma matriz que contempla três níveis de análise com aproximações teóricas
e metodológicas diferenciadas:
¦ Institucional: Instituições da Ciência e da Tecnologia; Políticas Científicas e Tecnológicas; Instituições de Comunicação Social da Ciência; valorização social da Ciência e da Tecnologia; Instituições de Participação; Instituições relacionadas com o risco e etc; ¦ Processos Coletivos: consumo de Comunicação Social da Ciência (meios de comunicação, visitas a Museus e Centros de Ciência, etc); conflitos socialmente tematizados advindos da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico; participação social na tomada de decisões; grupos de interesses; discursos sobre riscos; representações sociais etc; ¦ Apropriação da Ciência e Tecnologia como atributo individual (Cultura Científica em sentido estrito): conhecimento, percepção (valoração, atitudes, etc); percepção da relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade; participação do individuo em processos coletivos etc.
A partir dessas matrizes, os autores afirmam ser necessário buscar uma aproximação aos
diversos fatores sociais ou culturais (e não só cognitivos) que influem na representação
pública da Ciência e da Tecnologia.
Um aspecto sem dúvida interessante para investigar com a metodologia de pesquisas de percepção pública é de que forma os indivíduos vêem a ligação das atividades de Ciência e Tecnologia locais com a dinâmica social e produtiva da sociedade, buscando captar, dadas as feições particulares de “países periféricos”, quais são os modelos – culturais, sociais e/ou políticos – que de forma recorrente marcam, por exemplo, o caráter certamente exógeno com que se percebe a ciência local com relação às necessidades, demandas ou interesses da sociedade (VOGT e POLINO, 2003, p.67).
A Cultura Científica da população, é decorrência natural da percepção pública da
importância do conhecimento, facilitando assim o exercício mais consciente da cidadania. O
interesse por assuntos de Ciência e Tecnologia por meio da mídia e o hábito de visitar Museus
e Centros de Ciências ajuda na formação da Cultura Científica. Nos Centros de Ciência, as
atividades desenvolvidas numa perspectiva lúdica e interativa colocam a Ciência como algo
palpável, real, tangível. Desta forma o aprendizado é facilitado e a curiosidade realimentada.
Nesse aspecto, estudar o papel da Divulgação Científica na formação da Cultura Científica
através dos Museus e Centros de Ciências, (no caso específico dessa pesquisa, a Estação
Ciência), é fundamental para uma melhor compreensão dos processos de comunicação na
apreensão do conhecimento científico e tecnológico.
56
1.2 Percepção Pública da Ciência A Ciência e a Tecnologia têm importância evidente e indiscutível no mundo moderno,
inclusive em todos os aspectos da vida, influenciando todos os processos de transformações
políticas. Por isso, um dos desafios atuais para a compreensão da dinâmica de interações da
Ciência, Tecnologia e Sociedade é o desenvolvimento de indicadores que possibilitem avaliar
três dimensões bastante relevantes: a Percepção Pública, a Cultura Científica e a participação
dos cidadãos. Saber como o público enxerga a Ciência é muito importante. Em países
industrializados, pesquisas de opinião pública sobre a Ciência, seus produtos e os dilemas que
ela cria para a sociedade são freqüentes há muitos anos. Conforme explicação de (MOURA,
jan/2004, p.9), essas pesquisas “valem-se de uma base metodológica comum, desenvolvida
pela National Science Foudation (NSF) a partir da década de 1970, e procuram obter
respostas para uma infinidade de questões, sempre relacionadas, contudo, a três eixos básicos
de indagação: atitude do público em relação a Ciência e Tecnologia, interesse e
conhecimento de seus variadíssimos temas”. [grifo meu]
No Brasil, tínhamos (até recentemente) uma única pesquisa desse gênero, publicada
com o título O que o Brasileiro pensa da Ciência e da Tecnologia?. Realizada entre 23 de
janeiro e 10 de fevereiro de 1987, pelo Instituto Gallup, por encomenda do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), via Museu de Astronomia e Artes
Afins (MAST), teve como ponto de referência inicial uma pesquisa sobre o mesmo tema
realizado pelo Instituto Gallup na Inglaterra, cujos resultados foram publicados na revista New
Scientist com grande repercussão. Na pesquisa brasileira foram entrevistadas 2.892 pessoas
(1.409 homens e 1.483 mulheres), com mais de 18 anos e de todas as classes sociais em 200
(duzentas) cidades brasileiras, que responderam a 27 questões.
O objetivo da pesquisa era avaliar a imagem que a população urbana brasileira tinha
sobre o desenvolvimento científico-tecnológico do país e suas implicações na organização da
sociedade. Buscou-se, também, verificar as demandas sociais pela atividade técnico-científica,
a fim de auxiliar na formulação de políticas públicas em C&T, além das repercussões dos
resultados do desenvolvimento científico-tecnológico, que auxiliariam na realização de um
monitoramento periódico da validade e eficácia dos esforços empreendidos nesse setor. Os
dados levantados pela pesquisa foram oito:
1. Níveis de informação sobre Ciência e Tecnologia; 2. Níveis de interesse pela Ciência e por notícias sobre descobertas nos
campos científicos e tecnológicos; 3. Imagem da Ciência, de cientistas e pesquisadores;
57
4. O papel social da Ciência e da Tecnologia nas esferas quotidianas, profissional e na vida nacional;
5. Conhecimento e apreciação dos órgãos dedicados à pesquisa científica no Brasil;
6. Conhecimento e apreciação dos vários campos de atividade científica e seus setores prioritários;
7. Expectativas em relação a uma política governamental para a área de Ciência e Tecnologia;
8. Sugestões para itens de uma política na área de Ciência e Tecnologia na próxima Constituição.
A pesquisa mostrou que 71% dos brasileiros tinham muito ou algum interesse por
notícias científicas, enquanto 52% classificavam o país atrasado em pesquisas científicas e
tecnológicas. Além disso, 20% dos brasileiros adultos na época – cerca de 10 milhões de
pessoas – estudavam ou procuravam conhecer melhor algum ramo da Ciência, percentual
elevado para 46% em pessoas com nível superior. Quanto à cobertura da mídia por assuntos
científicos e tecnológicos, segundo a maioria dos brasileiros (66%), os órgãos de
comunicação deveriam dar mais notícias sobre novas descobertas científicas e tecnológicas.
Revelou também que os cientistas ocupavam, em sua visão, o quinto lugar entre os
profissionais que mais contribuíam para o desenvolvimento do país, atrás de agricultores,
industriais, professores e médicos.
Desde então, o sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia evoluiu muito. De 1990, para
cá, triplicou o número de cientistas nas instituições de pesquisa, dobrou o percentual de
artigos assinados por brasileiros em revistas internacionais indexadas e quintuplicou o total de
novos doutores formados, anualmente, no país. Segundo reportagem da Revista Pesquisa
Fapesp (junho de 2004), um dos indicadores mais expressivos do fortalecimento da pesquisa
nacional foi o aumento no número de trabalhos assinados por brasileiros em revistas
internacionais.
Em 13 anos, a quantidade de artigos científicos escritos aqui e publicados em periódicos indexados pela base de dados do Institute for Scientific Information (ISI) triplicou e o peso da produção nacional dobrou em relação à do mundo. Em 1990, os pesquisadores brasileiros publicaram 3.552 artigos na base de dados do ISI, que monitora a produção científica de 8,5 mil revistas de 21 áreas de estudo. O número equivalia a 0,64% da produção mundial acompanhada pelo ISI. Em 2002, os cientistas nacionais publicaram 11.285 trabalhos e responderam por 1,55% da produção mundial – mais do que, por exemplo, a participação brasileira no comércio global (0,9%) (...) (PIVETTA, jun/2004, p. 30).
58
A mesma reportagem afirma que o Brasil firmou sua posição de líder científico na
América Latina, já que quase 44% dos artigos produzidos na região são de brasileiros. O país
é hoje o 17º produtor de artigos científicos indexados. “Um em cada 65 trabalhos publicados
nos periódicos da base do ISI carrega o nome de um cientista nacional”, (PIVETTA,
jun/2004, p.31). “Isso representa um acréscimo de mais de 400% em relação a 1981, contra
uma média de crescimento mundial da ordem de 90%”, completa LEITE (2001, p.8). Mas,
quase nada sabemos se e como a população brasileira acompanha essas mudanças. Não temos
informações definitivas sobre essa questão, mas as poucas pesquisas que vêm sendo feitas nos
apontam caminhos.
No ano de 2003, mais uma pesquisa desse gênero veio a público com o livro Percepção
Pública da Ciência, organizado por Carlos Vogt e Carmelo Polino. A rigor é uma espécie de
primeiro relatório científico do Projeto Ibero-Americano de Indicadores de Percepção
Pública, Cultura Científica e Participação Cidadã, iniciado em meados de 2001 pela
Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) e a Rede Ibero-Americana de
Indicadores de Ciência e Tecnologia (RICYT/CYTED). Nos dias 27 e 28 de maio de 2003,
realizou-se, na cidade de Salamanca (Espanha), a primeira oficina desse projeto, que contou
com a participação de representantes dos seguintes países: Colômbia, México, Panamá,
Argentina, Uruguai, Brasil e Espanha. “Todos apresentaram pesquisas e reflexões teórico-
metodológicas sobre o tema da oficina e, no caso de Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai,
deu-se também, seguindo a organização do evento, a apresentação dos resultados dos
questionários aplicados em cada um desses países, respectivamente nas cidades de Buenos
Aires (Ar), Campinas (SP), Salamanca e Valladolid (Es) e Montevidéu, no Uruguai” (VOGT
e POLINO, 2003, p.13).
De modo geral, os objetivos da oficina eram contribuir para promover o
desenvolvimento dos temas de Percepção Pública, Cultura Científica e participação cidadã
como elementos importantes na tomada de decisões de políticas públicas de ciência e
tecnologia dos países ibero-americanos. Em termos gerais, “o conceito de Percepção Pública
remete ao processo e aos mecanismos de comunicação social e ao impacto destes sobre a
formação de conteúdos, atitudes e expectativas dos membros da sociedade em relação a
Ciência e Tecnologia” (VOGT e POLINO, p.41).
Os questionários aplicados nos quatro países (Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai) e
suas respectivas cidades selecionadas (Buenos Aires, Campinas - SP, Salamanca, Valladolid e
Montevidéu) foram praticamente os mesmos, apenas com pequenas variações e adaptações,
quando necessário.
59
A partir do projeto conjunto, após revisarem conceitos, metodologias e indicadores,
realizou-se uma série de estudos investigativos de caráter empírico, sobre os seguintes
aspectos:
¦ Desenvolvimento institucional da Cultura Científica; ¦ Relevância de experiências de participação dos cidadãos em questões de Ciência e Tecnologia; ¦ Percepção e consumo de fontes de informação científica; ¦ Percepção do risco associado a Ciência e Tecnologia e ¦ Imaginário social sobre Ciência e Tecnologia.
No que se refere a imaginário social, os autores o definem como “o conjunto de
imagens, expectativas e valorações sobre Ciência e Tecnologia como instituição, como
instrumento de ação, como fonte do saber e da verdade e como grupo humano ou social com
uma função específica” (VOGT E POLINO, 2003, p.77).
Com base em tais estudos, elaborou-se uma pesquisa de Percepção Pública da Ciência,
que se realizou em fins de 2002 na Argentina (300 entrevistados) e, posteriormente, em
princípios de 2003, no Brasil (162), Espanha e Uruguai (150 cada).
Os indicadores de Percepção Pública da Ciência são cada vez mais úteis para a tomada
de decisões estratégicas de um país. Servem como termômetros que indicam o valor que a
sociedade atribui à Ciência e Tecnologia. “Sobretudo, são um parâmetro necessário para
promover a participação social e a democratização da tomada de decisões, tendo-se em conta
que a produção científica e tecnológica tem impactos múltiplos que afetam a complexa trama
de interesses da sociedade contemporânea” (VOGT e POLINO, 2003, p.39).
Há quem diga que essa amostra utilizada para a pesquisa é pouco representativa ou
mesmo que é difícil englobar em uma única pesquisa grupos tão diversos como os países
analisados, bem como as cidades escolhidas. Mas é certo que esses resultados fornecem
informações preciosas sobre o imaginário social a respeito da Ciência e Tecnologia e ainda
“dá pistas importantes sobre o grau de compreensão relativamente a determinados tópicos do
conhecimento científico e tecnológico, sobre o consumo de informação científica nessas
sociedades e sobre a efetiva participação de seus cidadãos nos movimentos e debates em torno
de temas controversos de Ciência e Tecnologia” (IZIQUE e MOURA, jan/2004, p.16).
Ao contrário da pesquisa de 1987, essa pode ser cons iderada mais profunda, com 90
questões de caráter totalmente qualitativo. No Brasil, foram consultadas na primeira amostra –
a que aparece no livro – 162 pessoas na cidade de Campinas. Depois, foi estendida a São
Paulo, onde foram aplicados 776 questionários, e a Ribeirão Preto, com 125. Desse modo, a
pesquisa inteira só em São Paulo, ouviu 1.063 pessoas.
60
A maioria dos entrevistados da Argentina, Brasil e Espanha (77% em média) concordam
que o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia é o principal motivo da melhoria da
qualidade de vida da sociedade, o que indica uma visão positiva que se tem da Ciência
(gráfico 1). No entanto, essa imagem positiva da Ciência e da Tecnologia não se traduz em
crença no seu potencial para resolver os problemas do mundo: “A grande maioria rejeita
claramente uma idéia de otimismo superlativo (gráfico 2): somente 13,4% dos entrevistados
na Argentina, 14,2% no Brasil, 16% na Espanha e 6,7% no Uruguai crêem que a Ciência e a
Tecnologia podem resolver todos os problemas” (VOGT e POLINO, 2003, p.83).
As pessoas sabem que a Ciência é a responsável pela melhora de vida das pessoas, mas
que, ao contrário do que muitos tentam pregar, não resolve todos os problemas da
humanidade. É preciso saber que a Ciência também falha, como os seres humanos.
Gráfico 1
61
Gráfico 2
Nas questões que tentam captar a representação da Ciência em relação à sociedade e à
vida cotidiana, chama a atenção a indicação de que ela não é considerada um domínio
exclusivo de pessoas com maior Escolaridade. A maior parte dos brasileiros (64,8%),
uruguaios (56%) e espanhóis (54%) entrevistados discorda da afirmação de que “o mundo da
Ciência não pode ser compreendido pelas pessoas comuns”. Já os argentinos, em sua maioria
(60,5%), consideram o discurso da Ciência inacessível. Os resultados mostram nitidamente o
interesse e o entendimento do povo brasileiro sobre questões científicas, o que torna frágil o
argumento da ausência desses assuntos nos Meios de Comunicação pela não compreensão do
conteúdo pela população (gráfico 3).
Gráfico 3
62
Merece destaque ainda, o otimismo da amostra brasileira em relação ao conhecimento
produzido no país: as alternativas que identificam a Ciência nacional como “bastante
desenvolvidas” e “muito desenvolvidas” obtiveram, respectivamente, 25% e 18% das
respostas (gráfico 4).
Gráfico 4
Mesmo com dificuldades, a Ciência nacional vem se profissionalizando a cada ano,
formando grupos sérios e melhorando gradativamente a sua posição no mundo. Esse
reconhecimento internacional deve-se, em grande parte, ao artigo brasileiro publicado na
revista Nature (considerada pela comunidade cientifica como veículo de grande prestígio) em
2000, sobre o seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, que provoca a
doença conhecida nos laranjais como amarelinho.
Um dos aspectos-chave da Percepção Pública é a interação da Ciência com a Sociedade
por meio de processos de comunicação social da atividade científica. A pesquisa de VOGT &
POLINO incluiu um eixo orientado para a investigação de alguns desses processos de
Comunicação Social da Ciência com o objetivo de se aproximar ao consumo da Ciência.
Foram feitas perguntas sobre a percepção da oferta de informação científica em jornais,
televisão e revistas de divulgação e também sobre o consumo desse conteúdo.
63
Ciência e Mídia Em relação aos meios de comunicação os resultados obtidos são no mínimo
preocupantes. Questões referentes ao processo social da Ciência, a maioria dos entrevistados
na Argentina (80%), Brasil (71%) e Espanha (67%) se consideraram “pouco informada” e
“nada informada”. Só entre os uruguaios uma alta porcentagem (50%) se considerou
“bastante informada” (gráfico 5).
Gráfico 5
Mesmo com os esforços que têm sido feitos por alguns profissiona is da comunicação
conjuntamente com cientistas e educadores, a grande imprensa divulga de uma forma lenta os
avanços científicos nacionais. Não são poucas as vezes em que somente após o
reconhecimento internacional a imprensa nacional divulga os resultados das pesquisas
brasileiras.
A credibilidade dos jornalistas também não é das melhores. Apenas 5,2% dos
brasileiros, 1,9% dos argentinos, 1,3% dos espanhóis e 2% dos uruguaios os escolheram entre
as fontes em quem confiam para receber informação sobre ene rgia nuclear. (gráfico 6).
64
Gráfico 6
A confiança se torna ainda mais baixa quando o assunto é biotecnologia: só 0,9% dos
argentinos, 2% dos brasileiros, 0,7% dos espanhóis e 2,7% dos uruguaios os consideram
dignos de confiança. (gráfico 7)
É bom ressaltar que todo o processo de formação do texto jornalístico passa por diversas
dificuldades, ainda mais no texto científico. O jornalista muitas vezes tem medo de perguntar
e de questionar suas fontes em busca da informação. E, sabemos, a redação de um texto
jornalístico pressupõe uma interrogação em sua origem e uma resposta em seu conteúdo. Em,
muitos, o jornalista tem se limitado a mero “tradutor” da fala do cientista, sem questionar as
informações recebidas. Felizmente, essa situação vem mudando gradativamente. A
preocupação de alguns jornalistas e editores ligados à área, a existência de cursos de
especialização e a cobrança de alguns setores da sociedade por uma cobertura mais completa
têm empurrado o jornalismo científico para um crescimento qualitativo.
65
Gráfico 7
Gráficos extraídos do livro Percepção Pública da Ciência (2003, pp. 83; 95; 115; 133; 145; 147)
A falta de credibilidade do jornalista perante a sociedade é preocupante, já que a
imprensa seria a principal parceira dos cientistas na Divulgação Científica e,
conseqüentemente, na popularização da Ciência
Esses resultados retratados aqui são apenas alguns exemplos da primeira parte desse
projeto da OEI e Rycit. Depois dessa primeira fase, entra em vigor a nova etapa, que vai
aprofundar a avaliação desses resultados e dos instrumentos utilizados para a coleta de
informações.
Visão dos cientistas
Em relação à visão da Ciência e dos cientistas perante as crianças existem algumas
pesquisas interessantes. A primeira faz parte do Trabalho de Conclusão de Curso (2002) dos
alunos do curso de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo. O grupo criou uma
revista de Divulgação Científica chamada Eureca para crianças na faixa etária de 8 a 11 anos
matriculadas nas 3ª e 4ª séries de escolas públicas da cidade de São Bernardo. Para a
elaboração da revista, o grupo conversou com diversos especialistas e crianças onde
66
verificaram que a visão do cientista louco, com a língua de fora (Einstein), cabelos
bagunçados e jalecos brancos ainda povoam a mente das pessoas.
A segunda foi desenvolvida na Itália com crianças de 8 anos pelo Laboratório
Interdisciplinar da Escola Internacional Superior de Estudos Avançados. A pesquisa
optou por trabalhar com crianças alfabetizadas e com capacidade de organizar um discurso
razoável, mas que ainda não estudassem Ciências. “Parte do imaginário [de ciência] se
constrói nos primeiros anos da infância”, afirmou Yurij Castelfranchi, um dos coordenadores
do estudo e atualmente pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo
(Labjor) da Unicamp em entrevista à Revista Ciência e Cultura (2004). As crianças,
selecionadas ao acaso, deveriam construir uma história em que houvesse, obrigatoriamente,
três personagens: uma criança de oito anos, um cientista e um ser indefinido, que juntos
deveriam solucionar um problema. De uma forma geral, os cientistas foram estereotipados
como:
(...) homens brancos, por vezes vestidos com avental, óculos, microscópios e de cabelos arrepiados. Surgiram também mulheres, geralmente desenhadas por meninas que pediam permissão para a escolha do gênero, evidenciando a consciência com a discriminação. Os “não-sei o que” eram majoritariamente representados por monstros, inspirados em imagens midiáticas como Pokemón e Harry Potter (BARATA, 2004, p.18).
A pesquisa ainda pedia que as crianças escrevessem uma carta às crianças brasileiras
dizendo como são os cientistas. Algumas frases registradas no estudo e publicadas na revista
Ciência e Cultura (abr/mai/jun, 2004, p.19) são reproduzidas abaixo:
ITALIANO: È bello perché se scopri sei contento e la gente si appassiona (...) PORTUGUÊS : É belo porque se você descobre, você fica contente e as pessoas se apaixonam. ITALIANO: Cari bambini, per noi lo scienziato è pazz di testa e mágico. Inventa tante cose: lê macchine, lê pozioni, degli uccelli, un ucellino lo può transformare in un topo, sabbie mobili dentro una bottiglia. PORTUGUÊS : Caras crianças, para nós o cientista é louco da cabeça e mágico. Ele inventa muitas coisas: as máquinas, as poções, algumas aves – um passarinho pode se transformar em rato – e areias se movem dentro de uma garrafa. [grifo meu]
Esses resultados mostram como as crianças vêem os cientistas de uma maneira mágica.
Quando afirmam que eles fazem poções, transformam pássaros em ratos e movem coisas
(como a areia), apenas estão repetindo a forma como os meios de comunicação,
principalmente o Cinema e os Desenhos Animados os retratam. Por isso, o desenvolvimento
67
de pesquisas que buscam retratar a percepção da sociedade (inclusive das crianças) tem da
Ciência são importantes para o desenvolvimento de novas formas de trabalhá- la.
Uma sociedade consciente do significado da Ciência e Tecnologia torna-se capaz de
compreender e apoiar esforços na melhoria das pesquisas para o desenvolvimento e inovação,
além de usufruírem os resultados proporcionados pela Ciência.
1.3 Alfabetização Científica O tema Alfabetização Científica está na moda e vem sendo discutido em muitos países,
inclusive no Brasil. Para LEAL e SOUZA (1997, p.330) a Alfabetização Científica no Brasil é
reflexo do processo de globalização:
entendida como o que um público específico – o público Escolar – deve saber sobre Ciência, Tecnologia e Sociedade com base em conhecimentos adquiridos em contex tos diversos (Escola, Museu, revista, etc); atitudes públicas sobre Ciência e Tecnologia e, informações obtidas em meios de Divulgação Científica e Tecnológica.
Esta é, porém, uma visão reducionista do papel da Cultura Científica, que deve
possibilitar o acesso ao conhecimento pelo público em geral e não apenas do público Escolar.
Uma das maneiras pelas quais se “adquire” a Cultura Científica é através da Alfabetização
Científica. Resolver o analfabetismo científico é muito difícil, levando em conta que
primeiramente é necessário superar o problema da educação. Mas é importante deixar claro
que não é somente a Escola a responsável por essa alfabetização. Ela, junto com os cientistas,
mídia e artistas, entre outros, tem muito mais força na Alfabetização Científica e,
conseqüentemente, na formação da Cultura Científica, já que em todo o mundo vêm sendo
realizadas diversas pesquisas cujos resultados mostram que a maior parte da população não
pode ser considerada cientificamente alfabetizada.
Em um trabalho feito nos Estados Unidos no ano de 1989, por exemplo, com adultos,
de 48 estados americanos, ao questionamento O que é DNA?, apenas 2% do total de
entrevistados deram a resposta correta, 27% acertaram parcialmente, 63% não responderam e
2% afirmaram ser “um tipo de veneno”. É claro que através dessa única pergunta não
podemos de fato afirmar quem é ou não alfabetizado cientificamente. Mas, em um país tão
desenvolvido como os EUA, onde as pessoas têm acesso fácil à Escola, é de se estranhar que
errem esse tipo de pergunta. Se essa pesquisa tivesse sido feita no Brasil, o alarde teria sido
muito maior, pois diversas justificativas seriam utilizadas como (baixa escolaridade, difícil
acesso à educação, sistema educacional sem infra-estrutura entre outros).
68
Definir o que é ser alfabetizado cientificamente é difícil, já que não existe um conceito
definitivo e aceito por todos. Por exemplo, na maioria dos textos que tratam sobre o assunto e
que são traduzidos do inglês para o português, o termo literacy é traduzido como
alfabetização, no Brasil e em Portugal. O termo Alfabetização parte do pressuposto que a
Alfabetização Científica é um processo que tornará o indivíduo alfabetizado cientificamente
nos assuntos que envolvem Ciência e a Tecnologia, ultrapassando a simples reprodução de
conceitos, sem significados, sentidos e aplicabilidade. O pesquisador SHEN (apud GASPAR,
1993, p.43) apresenta três noções básicas sobre a Alfabetização Científica:
¦ Prática: tipo de conhecimento técnico ou científico que ajuda a resolver problemas práticos, de uso imediato; ¦ Cívica: conhecimento científico que permite ao cidadão atuar politicamente, de forma consciente, e ¦ Cultural: conhecimento cuja motivação reside no desejo de estar a par das conquistas científicas da humanidade.
Levando em consideração que grande parte da população mundial vive em situação de
pobreza, a Alfabetização Científica prática é aquela que, contribuindo para a superação desta
situação, tornaria o indivíduo apto a resolver, de forma imediata, problemas básicos que
afetam a sua vida. Esta alfabetização deve proporcionar “um tipo de conhecimento cientifico
e técnico que pode ser posto em uso imediatamente, para ajudar a melhorar os padrões de
vida” SHEN (apud GASPAR, 1993, p.44). Desse modo, a Alfabetização Científica prática
está relacionada às necessidades humanas mais básicas como alimentação, saúde e habitação.
Uma pessoa com conhecimentos mínimos sobre esses assuntos é capaz de tomar decisões de
forma consciente, mudando seus hábitos, preservando a sua saúde e exigindo condições
dignas para a sua vida e a dos demais seres humanos.
Já a Alfabetização Científica Cívica seria aquela que torna o cidadão mais atento à
Ciência e a seus problemas. Ela capacita o cidadão a “tornar-se mais informado sobre a
Ciência e as questões relacionadas a ela, tanto que ele e seus representantes possam trazer seu
senso comum para apreciá- lo e, desta forma, participar mais intensamente no processo
democrático de uma sociedade crescentemente tecnológica” SHEN (apud GASPAR, 1993,
p.45).
Quando a pessoa, por livre e espontânea vontade, deseja saber mais sobre algum assunto
científico, apenas para aprimorar o seu conhecimento, podemos dizer que esse interesse faz
parte da Alfabetização Científica Cultural. Infelizmente, a Alfabetização Científica Cultural
pode ser usufruída por um número pequeno da população. É fato que existem inúmeras
69
revistas, artigos de jornais que veiculam o conhecimento científico. O necessário, porém, é
que esses meios de comunicação possam circular livremente pelas escolas, colocando os
alunos e professores em contato com estas informações, e principalmente, sejam utilizados
como material pedagógico, numa perspectiva crítica e analítica.
A ciência é freqüentemente apresentada às crianças como algo completamente desvinculado de seu dia-a-dia. Em síntese: em geral, os conteúdos científicos a elas repassados têm baixa qualidade, não permitem o estabelecimento de relações significativas com o ambiente que as rodeia e não permitem a aquisição de uma visão mais clara da atividade científica, com suas vantagens e limitações (ALMEIDA e SILVA, 2000, p.61).
O próprio desenvolvimento das Ciências no país depende de uma conscient ização geral
do significado da Ciência e Tecnologia. Sem isso, governos, empresas e instituições não terão
estímulo e respaldo para se dedicar mais à área e nela investir. Assim, podemos dizer que para
o desenvolvimento contínuo da Ciência é necessário que “o gosto pela Ciência deve ser
estimulado no indivíduo ainda quando criança” (ALMEIDA e SILVA, 2000, p.62). Com isso,
as futuras gerações poderão de alguma maneira compreender e interferir nas decisões tomadas
pelos seus governantes.
70
Capítulo II
A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
71
2.1 O Papel da Mídia
2.1.1 Divulgação Científica
A Divulgação Científica no Brasil, ao contrário do que muitos pensam, tem anos de
história. Como em todo lugar do mundo, teve fases oscilantes: ora bem divulgadas e outras
em um ostracismo total. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, o Brasil (ainda uma colônia
portuguesa) não tinha atividades científicas ou mesmo a difusão dessas idéias. O país não
possuía muitas pessoas letradas, havia um rígido controle e o ensino ficava sob as mãos dos
Jesuítas. Vale lembrar que no século XVIII as poucas pessoas que tinham acesso a livros, a
educação de qualidade e a novos conhecimentos científicos eram aqueles que podiam ir para a
Europa.
As raras vezes em que o governo português se preocupava em investir em Ciência,
normalmente estavam ligadas diretamente a respostas imediatas que necessitava nas áreas de:
Astronomia, Geografia, Cartografia, Mineração e principalmente na identificação dos
produtos naturais que o país dispunha.
A primeira Associação nacional com algum tipo de preocupação científica surgiu em
1772, fundada pelo marquês Lavradio e denominada Academia Científica do Rio de
Janeiro. Era formada por nove sócios que pretendiam se dedicar à pesquisa nas áreas de
Física, Química, História Natural, Medicina, Farmácia e Agricultura.
Após a chegada da família portuguesa ao país, as coisas começaram a mudar. Os portos
foram abertos, a proibição de imprimir foi suspensa e os brasileiros que haviam ido para
outros países estudar, passaram a retornar e contribuir para uma difusão lenta das novas
concepções científicas. Pouco tempo depois foram abertas as primeiras instituições nacionais
de Ensino Superior: Academia Real Militar (1810) e o Museu Nacional (1818).
Antes disso, em 1808, foi criada a Imprensa Régia, que passou a publicar [em número
reduzido, é verdade] textos e manuais voltados para a educação científica. Vários deles
(traduzidos do francês) serviram como manuais de ens ino das primeiras Academias de
Engenharia e Medicina. Nesse período, nasceram três grandes jornais: A Gazeta do Rio de
Janeiro, Correio Braziliense (editado em Londres) e O Patriota.
O Patriota, que circulou na então capital federal (Rio de Janeiro) por dois anos, em
1813 e 1814, teve 18 edições. Uma de suas principais características era o grande espaço
dedicado às Ciências com artigos estrangeiros (principalmente franceses) embora existisse a
preocupação de incentivar a publicação de textos nacionais. Seus artigos tinham caráter
enciclopédico e eram divididos por temas. Também traziam diversos assuntos ligados aos
72
diferentes povos do Império Português. A importância do jornal foi tanta que a Biblioteca
Nacional, a pedido da Casa de Oswaldo Cruz (RJ), digitalizou todas as suas edições, que
futuramente será publicada sob a forma de um livro de ensaios e CD-ROMs.
No período referente à Independência e à consolidação do Segundo Império houve uma
redução nas atividades de Divulgação Científica, com menor envolvimento da chamada elite
ilustrada. Nessa época, merecem destaque os periódicos: Miscelânea Scientifica (1835),
Nictheroy (1836) e Minerva brasileira (1843).
Na metade do século XIX em todo o mundo, em conseqüência da Segunda Revolução
Industrial da Europa, as atividades de divulgação aumentaram. O otimismo em relação aos
benefícios do progresso científico era sentido em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Porém, a pesquisa científica feita aqui ainda era reduzida. Conforme MASSARANI e
CASTRO (2002, p.46) escreveram, a situação educacional ainda era precária. “O quadro geral
da instrução pública e da educação científica era extremamente restrito e limitado a uma
pequena elite; o analfabetismo atingia mais de 80% da população e o Brasil era um dos
poucos países em que ainda existia escravidão”.
De 1860 em diante houve um salto no interesse dos brasileiros (exclusivo ainda aos mais
letrados) por temas ligados à Ciência. Além disso, houve também um grande crescimento no
número de periódicos científicos (centralizados na capital federal da época, Rio de Janeiro).
Destaque para:
¦ Revista Brasileira – Jornal de Sciencias, Letras e Artes (1857): tinha como redatores os intelectuais mais prestigiados da época; ¦ Doutor Benignus (1875): considerado o primeiro livro brasileiro dedicado à ficção científica; ¦ Revista do Rio de Janeiro (1876): que em seu editorial se definia como um dos meios mais eficazes de favorecer a instrução e o progresso do país; ¦ Revista Ciência para o Povo (1881): uma publicação semanal com a maioria dos artigos sobre Ciência, em particular saúde e comportamento. De grande ousadia, já naquela época, a revista publicava assuntos como divórcio, frigidez feminina, impotência masculina e esterilidade¹.
No início do século XX o marco fica por conta da criação, em 1916, da Sociedade
Brasileira de Ciências, que se transformou depois, em 1922, na Academia Brasileira de
Ciências (ABC). No ano seguinte (1923), a ABC fundou a Rádio Sociedade do Rio de
Janeiro, criada através da parceria de cientistas, professores e intelectuais. Essa rádio tinha
___________________________ ¹ informações obtidas no artigo Aspectos históricos da divulgação científica no Brasil. In: MASSARANI, Luisa; CASTRO, Ildeu; BRITO, Fatima (orgs). Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ, 2002, pp. 43-64
73
como objetivo a difusão de informações e temas educacionais, culturais e científicos. Ela
trazia programas variados, ministrava cursos e palestras de Divulgação Científica. O próprio
Einsten, em 1925, participou da programação da rádio falando sobre a importância da difusão
cultural e científica feita por aquela emissora radiofônica. Na época, como ocorre hoje com a
Internet, surgiram expectativas elevadas sobre a capacidade desses “novos” meios de
comunicação alterarem a situação educacional. “Havia, entre alguns, um alto grau de
otimismo sobre os possíveis resultados para a difusão da Ciência e da Cultura por meio da
rádio, mesmo que para pessoas ana lfabetas. Acreditava-se que permitiria uma transmissão de
conhecimentos barata, fácil, rápida e que atingiria os locais mais distantes do país (...)”
(MASSARANI e CASTRO, 2002, p.54).
Infelizmente essa idéia não foi levada adiante. Se a Divulgação Científica feita pelos
meios de comunicação ainda é insuficiente, no rádio então, praticamente inexiste, apesar do
grande potencial popularizador da Ciência. Algumas idéias interessantes surgiram, mas nem
sempre tiveram continuidade, como um programa da rádio CBN com a jornalista Mônica
Teixeira. Recentemente, uma outra tentativa vem sendo colocada em prática. A rádio
Eldorado, em parceria com a revista Pesquisa Fapesp, criou uma “espécie de versão
radiofônica” do veículo. O programa traz a jornalista e diretora de redação da revista,
Mariluce Moura, fazendo comentários e entrevistas sobre temas publicados na edição
impressa.
Da década de 20 para cá a situação foi mudando gradativamente. Jornais e revistas, em
maior ou menor grau, sem uma cobertura sistemática, é verdade, abriram espaço para notícias
relacionadas à Ciência. Nesse período, ao contrário do século anterior, a divulgação estava
mais voltada para a difusão de conceitos e conhecimentos da Ciência pura.
Um fato curioso é que entre os anos 30 e 60, com a criação do Instituto Nacional do
Cinema Educativo (INCE), dirigido por Roquette Pinto, foram produzidos centenas de
filmes curtos voltados para a educação em Ciências, para a divulgação de temas científicos e
tecnológicos ou para a difusão de informações sobre algumas das principais instituições
científicas do país.
Recentemente, mais especificamente no final da década de 90, a Estação Ciência em
parceria com a TV Cultura e apoio do Ministério da Cultura desenvolveram um projeto
semelhante chamado Minuto Científico. Dirigido por Cao Hamburger (cineasta e filho do
então diretor da Estação, Ernst W. Hamburger), o Minuto Científico foi uma série de dez
vinhetas em forma de filme e ritmo de comercial, que visavam ensinar, ou melhor, despertar a
curiosidade do telespectador para a Ciência em um minuto.
74
(...) eu era o diretor e a idéia já existia há muito tempo, já tinha discutido sobre ela com o meu filho várias vezes, mas, não conseguíamos verba. Aí em 95, 96, não lembro ao certo, nós conseguimos uma subvenção do Ministério da Cultura para filmes educacionais, principalmente para a comemoração dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares (inclusive fizemos uma exposição que existe até hoje no nosso acervo). Então, fizemos um vídeo sobre ele junto com a TV Cultura e desse valor que conseguimos do Ministério da Cultura reservamos uma parte para o Minuto Científico. Era um minuto por vez, em forma de filme, com atores, ritmo de comercial e preço de comercial. É bem caro produzir o Minuto Científico em relação a um vídeo convencional. Mas, depois disso não conseguimos mais verbas, apesar do sucesso... Aliás, foi uma coisa que até me surpreendeu muito (HAMBURGER, 2004)*.
No finalzinho da década de 40 e início da década de 50, outro fator que atraiu a atenção
da sociedade brasileira, evidenciando assim seu interesse por esses assuntos, foi a participação
do cientista brasileiro César Lattes na descoberta e identificação do méson-pi (partícula do
átomo que é uma das responsáveis por sua integridade, impedindo sua desintegração) e sua
indicação por duas vezes consecutivas ao prêmio Nobel de Física.
Outra pessoa que contribuiu muito para a Divulgação Científica e que é considerado um
dos pioneiros do Jornalismo Científico no país foi José Reis, que já na década de 40 se
preocupava em divulgar os resultados de pesquisas para o grande público. Ele tinha uma
seção dominical chamada Mundo da Ciência, no jornal Folha da Manhã, na qual podia ser
encontrado um artigo principal, algumas notas, resenha bibliográfica, um espaço para que
cientistas ou pensadores de renome colocassem o seu ponto de vista sobre o papel da Ciência
e uma sub-seção para tratar dos problemas da Ciência e sua política de organização. Um
avanço para época, já que, hoje em dia, praticamente nenhum veículo (voltado para o grande
público) e mesmo os especializados dedicam tanto espaço para a discussão sobre a Ciência.
Também foi colaborador na revista Anhembi, da Universidade de São Paulo, entre os anos de
1955 e 1962, com a seção Ciência de 30 Dias; escreveu livros para crianças e adolescentes e
fez programas de rádio, sempre voltados para a divulgação da Ciência. Além disso, José Reis
ajudou a fundar a SBPC e foi editor durante muitos anos de uma de suas revistas (Ciência e
Cultura).
Como se vê, a preocupação com a Divulgação Científica é bem antiga. Já em 1964,
REIS, em artigo da Revista Ciência e Cultura, escrevia sobre o que compreendia por
Divulgação Científica:
_________________________ * Entrevista a autora em 17 de junho de 2004.
75
(...) Não se entenderá por isso o simples noticiário que as agências estrangeiras transmitem, de descobertas que acabam de ser feitas. Também não se entenderá por isso o artigo ou reportagem sensacionalista, em que os fatos científicos ou supostamente científicos são hierarquizados consoante o impacto que as notícias a eles referentes possam produzir no público. Por divulgação entende-se aqui o trabalho de comunicar ao público, em linguagem acessível, os fatos e os princípios da ciência, dentro de uma filosofia que permita aproveitar o fato jornalisticamente relevante como motivação para explicar os princípios científicos, os métodos de ação dos cientistas e a evolução das idéias científicas. Aquele fato jornalisticamente interessante não ocorre todos os dias. Cabe, porém, ao divulgador tornar interessante os fatos que ele mesmo vai respingando no noticiário. E se tiver habilidade, fará isso até com fatos antigos, que ele trará novamente à vida (REIS, 1964, p. 352).
No entanto, a Divulgação Científica que tem sido feita, não raras vezes, é diferente da
pregada por Reis. Os fatos científicos são divulgados conforme o impacto que podem causar
na sociedade. Muitas revistas (mesmo aquelas consideradas especializadas) publicam notinhas
com as novas descobertas sem contextualizarem o assunto, ou seja, sem informarem no que
essa descoberta implicará na vida das pessoas. Para diversos autores (REIS, CALDAS,
VOGT, entre outros) a Divulgação Científica vai muito além, começando pela Educação. “O
país precisa recrutar o seu povo para a educação e ao mesmo tempo estabelecer um processo
educacional coerente e completo, pois o seu fim não é apenas satisfazer a volúpia ou a fome
de saber de cada um isoladamente, mas atender, pela educação (insistimos sempre: educação,
não doutrinação!) ao interesse maior da coletividade” (GONÇALVES e REIS, 1999, p.50).
Educar e não doutrinar é o que o pesquisador sempre pregou. Na visão dele, nós não devemos
dizer o que é certo ou errado, não devemos moldar as crianças. Precisamos, sim, educá- las,
mostrar a elas como as coisas são, para que tenham capacidade de discernir entre o que é certo
e errado. Na Divulgação Científica é a mesma coisa. Deve-se mostrar o que é a Ciência, seus
prós e contras, deixando que a pessoa forme sua própria opinião sobre o assunto.
Nesse mesmo artigo REIS afirmou que as dificuldades enfrentadas na Divulgação
Científica tinham a ver com o mau aproveitamento do potencial humano do país,
principalmente o voltado para Ciências, pois, não vinha sendo feito nenhum esforço para o
aperfeiçoamento e melhores condições aos nossos especialistas.
Esse mau aproveitamento dos especialistas envolve diversas dificuldades, que vão desde
a dificuldade em encontrar parceiros para o desenvolvimento das pesquisas, a demora na
liberação de verbas, o não interesse das empresas em contratar nossos pesquisadores
(especialistas, mestres e doutores), a falta de acesso das pessoas ao Ensino Superior, a baixa
cobertura da grande imprensa sobre os assuntos científicos e assim, sucessivamente.
76
Mas, para aqueles que de uma forma ou outra vêm fazendo alguma coisa pela
Divulgação Científica, o reconhecimento existe. Em 1978, o CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico) criou o Prêmio José Reis de Divulgação
Científica, que premia anualmente pessoas e instituições que tenham desenvolvido trabalhos
relevantes na área da Divulgação Científica. A FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do
Estado de São Paulo) também possui um prêmio chamado Programa José Reis de Incentivo
ao Jornalismo Científico, que envolve vários setores, como faculdades, empresas de
comunicação e agências de fomento no incentivo à Divulgação Científica.
É interessante verificar que os dois prêmios levam o nome do pesquisador José Reis,
demonstrando o reconhecimento do seu papel como divulgador científico. Além desses
prêmios, na Universidade de São Paulo, ligado a Escola de Comunicação e Artes (ECA),
existe um Núcleo de Divulgação Científica, chamado Núcleo José Reis de Divulgação
Científica, que entre outras coisas possuí um curso de especialização em Divulgação
Científica, organiza encontros, palestras e publica livros.
Hoje, temos outros seguidores de José Reis tais como o médico Drauzio Varella que
através de artigos e colunas nos meios impressos de comunicação (Carta Capital e Folha de
S.Paulo) e programas educativos e de esclarecimento na televisão (Fantástico), vem tornando
a área médica mais próxima da população, além do físico Marcelo Gleiser no jornal Folha de
São Paulo.
Divulgação Científica pela Arte
A parceria entre Ciência e Arte pode ser uma das formas mais simples de fazer a
Divulgação Científica. Pela Música, Literatura, Teatro, Pintura e etc, a população pode entrar
em contato com a Ciência de uma forma lúdica. Exemplo disso é a importância de Monteiro
Lobato. O escritor e editor (voltado para a Literatura infantil) em muitos de seus livros, tornou
a presença da Ciência marcante, principalmente na coletânea Sítio do Pica-Pau Amarelo,
que posteriormente foi transformada em série de TV e que, atualmente passa todas as manhãs
na TV Globo.
A Música é outro exemplo bastante interessante para a Divulgação Científica. Não
significa afirmar que a música vai ensinar um determinado assunto, mas fica claro que de
algum modo servirá de apoio para a popularização da Ciência.
Já na década de 50 o sambista Cartola em parceria com o compositor Carlos Cachaça,
homenagearam o físico César Lattes e o pintor Pedro Américo através do samba Ciência e
77
Arte, regravado por Gilberto Gil anos depois. A letra fala do Brasil, das personalidades
nacionais e da Ciência.
Tu és meu Brasil em toda parte Quer na ciência ou na arte Portentoso e altaneiro O homens que escreveram tua história Conquistaram tuas glórias Epopéias triunfais Quero neste pobre enredo Reviver glorificando os homens teus Levá-los ao panteon dos grandes imortais Pois merecem muito mais Não querendo levá-los ao cume da altura Cientistas tu tens e tens cultura E neste rude poema destes pobres vates Há sábios como Pedro Américo e César Lattes¹
Além da interpretação do samba de Cartola, o atual Ministro da Cultura, Gilberto Gil
trabalha com diversas músicas que falam da Ciência. Em 1967, escreveu Lunik 9, que se
referia à corrida espacial, depois veio Parabolicamará, em que expressou o sentimento
humano em relação à tecnologia. Mas, o grande destaque da sua produção ligada à Ciência foi
o CD Quanta, que na explicação do próprio artista visava a uma reflexão sobre as mudanças
cientificas pelas quais o mundo passava. Gil também afirmou que o CD provocou um grande
debate na sociedade sobre a Ciência.
Recebi um livro de dois jovens cientistas baianos, que escreveram Uma Introdução ao Universo dos Quanta, e pediram licença para citar versos da minha música Quanta. Na verdade, o que se percebe é que há todo um mundo de interesse por essas questões, que fica encoberto, disfarçado, digamos assim, pelos interesses cotidianos mais imediatos. As pessoas não têm muito tempo de manifestar seu interesse, mas quando alguém estimula (...) Recebi muitas abordagens de estudantes secundaristas e universitários, de vários lugares do Brasil, saudando a iniciativa e dizendo dos seus envolvimentos com o mundo científico. (...) (GIL,1998, p.83).
____________________________ ¹ Letra obtida na monografia “Arte e Ciência: A popularização do Conhecimento”, da aluna Carina Pascotto Garroti, defendida na Universidade Metodista de São Paulo em 2004.
78
Algumas músicas do CD foram utilizadas até em comerciais, como Pela Internet que
aborda temas ligados a web e a tecnologia, demonstrado respectivamente nos trechos a seguir:
Criar meu web site¹ Fazer minha home-page Com quantos gigabytes Se faz uma jangada Um barco que veleje Que veleje nesse informar (...) [referente a web] (...) o chefe da polícia carioca avisa pelo celular Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar (...) [grifo meu] [referente a novas tecnologias]
Curiosamente, podemos ver que o Carnaval também pode ser um grande parceiro no
processo da Divulgação Científica. Em 2004, a Escola de samba carioca Unidos da Tijuca
desfilou com o samba-enredo O sonho da criação e a criação do sonho: A arte da ciência
no tempo do impossível. Junto com pesquisadores da Casa da Ciência da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) o carnavalesco da Escola desenvolveu uma letra que
reconstituía a história das mais notáveis descobertas científicas. Veja o samba-enredo da
Escola:
Nessa máquina do tempo, eu vou² Vou viajar...Com a tijuca te levar À era do Renascimento De sonhos e criação Desejos, transformação Acreditar, desafiar Superar os limites do homem Brincar de Deus, criar a vida Querer voar e flutuar É tempo de sonhar É tempo de alquimia Querer chegar à perfeição Com tecnologia Na arte da ciência A busca continua Na luta incessante para vencer o mal
____________________________ ¹ Letra obtida na monografia “Arte e Ciência: A popularização do Conhecimento”, da aluna Carina Pascotto Garroti, defendida na Universidade Metodista de São Paulo em 2004. ² Letra obtida no encarte do CD “Sambas de Enredo 2004”. BMG Brasil
79
E no vai-e-vem dessa história O velho sonho de ser imortal Profecia, loucura, magia A vontade de explorar A lua, a terra e o mar Pro futuro viajar, eu vou Mistérios que ainda quero desvendar, levar O destino é quem dirá O amanhã como será Sonhei, amor, e vou lutar Para o meu sonho ser real ...Com a Tijuca, campeã do Carnaval
Levando em conta que um samba-enredo deve ter uma letra simples para que assim
possa tornar-se popular, a Escola conseguiu levar à passarela temas contemporâneos e
polêmicos sobre a Ciência, como ‘Dollys’, moléculas do DNA, Santos Dumont, formas de
energia, entre outras, conforme pode ser visto nas reproduções abaixo:
Máquina do Tempo
Carro abre-alas representando o sonho do homem em viajar no tempo.
80
Homens maravilhosos e suas máquinas voadoras
Fantasia da ala “Santos Dumont”. Homenagem ao pai da aviação.
Ficção Futurista
Ala “andróide”. No futuro, seremos meio Máquina ou meio Homem?
81
Criação da Vida
Fotos e ilustrações: Arquivo/ Casa da Ciência (retirados do site www.cciencia.ufrj.br)
O carro “Criação da Vida”, representando o DNA foi um dos mais comentados do Carnaval 2004.
No mesmo ano e ao mesmo tempo, bem longe da cidade do Rio de Janeiro, outra Escola
de samba (A Grande Família), da cidade de Manaus, também apresentava um samba-enredo
sobre Ciência. A Escola homenageou os 50 anos do Instituto de Pesquisa da Amazônia
(Inpa) e já no carro abre-alas fazia uma alusão a um laboratório de pesquisa. Havia alas que
representavam os pesquisadores, os criadores de abelhas sem ferrão (meliponicultores), as
plantas medicinais, e um carro alusivo às pesquisas do Programa de Pós-Graduação em
Biologia e Recursos Naturais do Inpa.
82
A idéia de juntar o samba à Ciência parece ter agradado, pois no carnaval de 2005, mais
uma Escola carioca pretende abordar um tema científico. A Estação Primeira de Mangueira
vai falar sobre Energia.
Outros artistas também já abordaram temas ligados à Ciência em suas músicas como
Roberto Carlos (Seres Humanos e As baleias), Gal Costa (Canta Brasil), Guilherme
Arantes (Planeta Água ) Chitãozinho e Xororó (Planeta Azul), Caetano Veloso (Terra),
entre outros.
2.1.2 Jornalismo Científico
O Jornalismo é uma das formas de divulgação do conhecimento científico às pessoas
que ainda consideram a Ciência algo impossível de entender. Em geral possibilita a
aproximação entre informação e conhecimento. No caso específico do Jornalismo Científico
e da Divulgação Científica, graças a suas peculiaridades, a aproximação é ainda maior.
Conforme CAMPANHOLA, diretor-presidente da Embrapa (2003) define, “o jornalismo em
si é entendido como uma forma social de conhecimento, que parte do singular, do particular,
ou seja, tem como base a realidade empírica. Em outras palavras, enquanto a Ciência baseia-
se no universal, o Jornalismo é uma forma de conhecer o mundo que não tem base na
universalidade”. Dessa forma, o Jornalismo Científico seria o recurso utilizado para reduzir as
distâncias sociais entre Ciência e Sociedade, entretanto, a prática do Jornalismo Científico
nem sempre tem correspondido a essas expectativas, conforme escreveu FERREIRA (1999,
p.81).
As matérias de Ciência têm um papel social de grande importância, principalmente em um país como o Brasil, marcado por diferenças sociais que relegam grande parcela da população à pobreza quase que absoluta. As informações de uma boa matéria de Divulgação Científica têm o poder, por exemplo, de reduzir a mortalidade infantil, resgatar direitos, prestar esclarecimentos sobre eles e levar a população a ter acesso ao conhecimento científico que se produz no país e no mundo. Permite ainda, que a Ciência se incorpore à vida, não como uma entidade à parte, mas como algo integrante do cotidiano da população.
CALDAS (2000, p.8) defende que a divulgação da Ciência deve passar pela perspectiva
crítica da produção do conhecimento, papel do qual o jornalista científico não pode abrir mão.
“Integrar a sociedade brasileira no debate sobre a política científica nacional é tarefa
83
inadiável. Essa discussão não pode ficar restrita aos fóruns acadêmicos, governamentais,
empresariais ou veículos especializados. Nesse contexto, o papel da mídia é insubstituível”.
No entanto, o relacionamento entre cientistas e jornalistas é caracterizado pelas
dificuldades inerentes ao próprio sistema de produção das duas áreas. A Ciência e a
Tecnologia fazem parte de um processo longo de pesquisa, ou seja, não visam à obtenção de
resultados em curto prazo. Já a Comunicação e o Jornalismo dependem essencialmente da
coleta e da circulação rápida de informações. Essa distinção provoca conflitos de
relacionamento entre as duas áreas, já que, cada um enxerga sob ótica diferente como deve ser
o processo da Divulgação Científica.
Ao cientista incomoda, sobretudo, a superficialidade das informações veiculadas pelos meios de comunicação e, mais ainda, o caráter sensacionalista de que é revestida em muitos casos. O jornalista, por seu turno, encara estes aspectos de maneira tranqüila, já que a falta de densidade das suas matérias (pelo menos ao nível pretendido pelo cientista) e o uso de recursos de comunicação (títulos garrafais, analogias ou metáforas, destaque dado a informações, nem sempre essenciais etc) constituem-se na essência de seu trabalho (BUENO, 1998, p.212).
Esse “desentendimento” talvez possa ser explicado pela observação diferente que ambos
(jornalista e cientistas) fazem do mundo e da realidade. “Se por um lado o jornalista é movido
pela atualidade dos fatos, que imagina serem de interesse da opinião pública, o cientista
persegue a explicação para esses mesmos fatos através de hipóteses que formula apoiado
numa prática metodológica de pesquisa mais rigorosa, que lhe permita encontrar respostas e
explicações para os fenômenos estudados” (CALDAS, 1998, s/p) e também pelo modo como
a cobertura científica (iniciada na década de 80) vinha sendo feita até bem pouco tempo atrás.
No início da década de 80, José Marques de Melo (1982), alertava em artigo que a maior
parte da cobertura do Jornalismo Científico apresentava como características básicas:
o sensacionalismo (para vender a notícia é preciso despertar as emoções do público consumidor) e a atomização (o real é percebido não em sua totalidade, mas em seus fragmentos: política, economia, esportes, ciência e etc). (...) Assim sendo, o jornalismo científico é produto típico dessa ideologia do Jornalismo na sociedade capitalista. Destina-se a aprender uma parte do real – aquela que ocorre nos laboratórios de pesquisa. Que, por sua vez, só se torna notícia quando desperta sensação (p.19). [grifo meu]
MELO constatava, ainda, (pp. 20 e 21) que o Jornalismo Científico muitas vezes não era
voltado para a democratização do conhecimento ou para a divulgação dos seus processos de
produção. Desse modo, ele havia se convertido em:
84
¦ transferência tecnológica: fazendo circular em nossa sociedade o conhecimento produzido nos países metropolitanos, o que reforça e agrava a dependência nacional; ¦ manutenção do poder: mitificando a Ciência e glamourizando os cientistas mais destacados. Nesse sentido, tem-se tornado alavanca para a ascensão de figuras proeminentes do mundo científico, que, através de uma presença constante no noticiário, conseguem alcançar posições na tecnoburocracia ou alimentam as fontes de captação de recursos para as suas pesquisas individuais.
Essa análise, feita há mais de vinte anos, embora ainda seja verdadeira em alguns casos,
começa a se modificar com a procura por formação específica na área e melhor
conscientização do papel do Jornalismo e da Divulgação Científica na formação da opinião
pública. É importante ressaltar que, desde então, muitas transformações ocorreram.
Naquela época, as redações (se) utilizavam intensamente de noticiários das agências
internacionais e também faltavam profissionais de comunicação preparados para lidar com
temas científicos. Hoje, essa situação vem se modificando gradativamente. Diversas redações
agora têm editorias fixas de Ciências, muitas revistas especializadas no assunto foram criadas
e as assessorias de Universidades e Centros de Pesquisa se profissionalizaram contribuindo
com a imprensa em geral. Além disso, algumas Instituições de Ensino Superior têm oferecido
cursos de Especialização ou mesmo de Extensão em Jornalismo Científico, resultado natural
do interesse crescente da população por assuntos científicos e tecnológicos e da necessidade
de formação específica na área.
Mesmo assim, não raras vezes, parte desse noticiário é caracterizado por uma cobertura
superficial e fragmentada dos acontecimentos. Não há questionamentos das reais necessidades
de investimento em C&T no país ou mesmo das conseqüências de desastres ambientais
freqüentes, o que, se praticado de forma permanente, contribuiria para uma melhor discussão
e definição das prioridades no setor. O que observamos, via de regra, é um jornalismo
acrítico, que não fornece os elementos necessários para a compreensão dos fatos e eventos
científicos, isto é, a formação de uma opinião pública bem fundamentada. O pesquisador
BURKETT (1990, p.27) ressaltou que a Divulgação Científica possui um papel fundamental
para a própria preservação da sociedade. Assim, ele afirmou que (1990, pp. 1 e 2):
Ao escolher escrever para publicações populares, e não para técnicas, você terá um papel a desempenhar no engajamento de seus concidadãos num debate de grande importância para uma sociedade democrática. (...) À medida que uma compreensão mais completa e realística se desenvolver a partir de seus textos a respeito das Ciências Físicas, bem como das Sociais, você estará realizando um serviço educacional para seus leitores e a sociedade em geral.
85
Sobre a questão da informação desqualificada, descontextualizada, BUENO (2003, pp.
141 e 142) escreveu que a :
aceleração da mídia, potencializada pelas novas tecnologias, tem acarretado novos desafios para a divulgação científica, na medida em que relega a qualidade e a precisão da informação jornalística a um segundo plano. Na maratona diária da comunicação on-line, o tempo, mais do que qualquer outra época é o grande tirano. Assim, a comunicação científica se torna extremamente vulnerável a deslizes provocados pela captação frenética da informação e sua vertiginosa distribuição pela rede mundial. O que importa é antes dizer primeiro, do que dizer melhor.
Para reduzir esses problemas, é necessária uma atuação conjunta de Jornalistas e
Cientistas. “Para evitar o sensacionalismo e as distorções na divulgação da informação,
jornalistas e cientistas devem atuar em parceria, procurando um compreender o método e o
processo de trabalho do outro: da produção científica e da produção da notícia. Só assim, será
possível uma colaboração mútua para a divulgação competente da C&T” (CALDAS, 1998,
s/p).
A diferença entre os métodos e práticas dos profissionais da Mídia e da Ciência é real,
ainda mais na maneira de construir os textos. Muitos acreditam que os cientistas devem dar as
informações “corretas”, enquanto os jornalistas devem servir como intermediários entre os
cientistas e a sociedade. No entanto, a redação científica vai além. Como BURKETT (1990,
pp.5-6) definiu:
a redação científica ajuda a educar crianças sobre o mundo natural que as cerca além de seu ambiente, além de suas salas de aula, além de sua limitada experiência. Como intermediários, os redatores de ciência devem esclarecer para si mesmos, seus editores e seu público, algumas idéias e conceitos que não são tão claros mesmo para muitos cientistas. [grifo meu]
A idéia de serem meros intermediários vem diminuindo nos últimos anos. Diversos
pesquisadores, jornalistas e interessados pelo assunto defendem que os jornalistas devem ser
intérpretes das informações recebidas. Para CALDAS (2000, p.8) o Jornalismo Científico não
deve se limitar à função de mero tradutor da fala do cientista e divulgador. Segundo ela, os
jornalistas falam a partir da voz de alguém e parecem inseguros em colocar-se no papel de
intérpretes da produção científica e tecnológica.
A função estratégica de C&T, o impacto da produção científica e tecnológica sobre o meio ambiente e o bem-estar da sociedade em geral exigem uma mudança substancial na relação entre o jornalista, o cientista e a sociedade. É preciso acabar com a dependência do jornalista ao discurso científico por
86
falta de capacitação e visão critica sobre o processo de produção do conhecimento (CALDAS, 2000, p.8).
Mas qual é o verdadeiro papel do Jornalismo Científico? Ainda observando as idéias de
MARQUES (1982, p.21) o Jornalismo deve seguir cinco parâmetros:
¦ Deve promover a popularização do conhecimento que está sendo produzido nas nossas Universidades e Centros de Pesquisa, de modo a contribuir para a superação dos muitos problemas que o povo enfrenta; ¦ Deve utilizar uma linguagem capaz de permitir o entendimento das informações pelo cidadão comum; ¦ Deve gerar o desejo do conhecimento permanente, despertando interesse pelos processos científicos e não pelos fatos isolados e seus personagens; ¦ Deve discutir a política científica, conscientizando a população que paga impostos para participar das decisões sobre a alocação de recursos que significam o estabelecimento de prioridades na produção do saber; ¦ Deve realizar um trabalho de iniciação dos jovens ao mundo do conhecimento e de educação continuada dos adultos.
A reorientação do Jornalismo Científico abre perspectivas para que o Jornalismo cumpra
sua missão de levar a sociedade a entender o mundo mais criticamente. Uma forma de fazer
isso é através da educação científica. Para José Reis, já falecido, o Jornalismo Científico traz
uma enorme contribuição para a educação científica, ainda mais se considerarmos que o nosso
sistema de ensino é deficiente e desatualizado. Muitas vezes, os meios de comunicação são a
única forma da população se informar. Segundo Reis, a Divulgação Científica realiza duas
funções que se complementam: em primeiro lugar, a função de ensinar, suprindo ou
ampliando a função da própria Escola e em segundo lugar, a função de fomentar o Ensino.
Esta última função desdobra-se em várias outras, como despertar o interesse público pela ciência e assim forçar, mediante pressões pelas quais normalmente se exerce a vontade popular nas democracias, a elevação do nível didático das escolas; despertar vocações e orientá-las; criar entre os jovens o espírito associativo em torno da ciência: estimular o amadorismo científico, onde ele tenha cabimento, amadorismo esse que pode constituir apreciável reserva da força de trabalho científico de uma nação (REIS, 1964, p.353).
CALVO HERNANDO (1982, p.29), um dos mais importantes estudiosos do Jornalismo
Científico, expressa uma opinião semelhante. Apresenta como uma das suas principais
funções, o Ensino. “Una idea de los progresos de la sabiduria, propornele una actitud abierta
frente a la investigación y los investigadores, y ofrecerle la possibilidad de tratar de
comprender, al menos, el sentido de una invención o de un descubrimiento de actualidad”. Ele
chama atenção para o fato de o papel dos Divulgadores da Ciência ter se limitado a
87
popularizar idéias, conceitos e fatos de difícil compreensão ao grande público, mas que no
futuro esse papel deve se converter em um instrumento indispensável para o desenvolvimento
integral do indivíduo e da sua participação plena na vida coletiva.
MARQUES (1982, p.22) acredita que em países subdesenvolvidos, “a tarefa principal
do jornalismo é educar as grandes massas para que possam assumir o seu papel de sujeitos
da História. Isso significa acesso ao conhecimento, participação política e mobilização
social” [grifo meu]. BELTRÃO (1982, p.439), porém, não acredita que o Jornalismo
Científico tenha como função primordial a Educação, mesmo em países subdesenvolvidos. No
seu entender:
Quanto à função educativa do jornalista científico, embora admita latu sensu, dela não sou fanático. Não creio que ela seja primordial, mesmo nos países sub-desenvolvidos. A missão do jornalista é informar e orientar: transmitindo a mensagem científica, ele apenas adverte a sociedade de algo que lhe importa conhecer e discutir, de algo que é necessário vir a público para obter (ou não) sua adesão (...) Educar compete ao mestre, ao professor, aos líderes da comunidade que, de posse daquela informação, a encaminham ao intercâmbio de opiniões, visando à formação de um pensamento e a execução de uma política científica realmente capaz de atender as suas necessidades vitais.
LEITE (2001, p.8), disse que o papel do Jornalismo Científico não se restringe a
difundir informações e educar, mas também pressupõe a função de compreender,
contextualizar e problematizar as técnicas e os conhecimentos científicos. “Não se iludam
cientistas e empresários com a imprensa. Ela não é uma instituição educacional, nem tem por
missão única e exclusiva a disseminação de informações, no sentido bruto dessa palavra”.
Essa discussão sobre a verdadeira função do Jornalismo Científico (desde a década de
80), a meu ver, só vem contribuindo com o seu aprimoramento. Mas, mesmo assim, ainda
precisa superar muitos desafios, conforme escreveu BUENO (2003, p.152):
Os desafios do Jornalismo Científico no século 21 não são pequenos. Simplesmente porque a eles se vinculam interesses poderosos, situados nos campos da ciência e da indústria da comunicação. Cabe ao jornalista estabelecer parcerias, mobilizar consCiências, consolidar a sua competência informativa, munir-se de coragem e espírito crítico para enfrentá-los. A verdade, felizmente, é filha dos justos, não dos tiranos.
Enquanto os avanços da Ciência e suas aplicações forem veiculados pela mídia apenas
de forma espetacular e descontextualizada, os jornalistas estarão contribuindo para a formação
de um imaginário social mitificado da Ciência. “O desafio do Jornalismo Científico nesse
início de século, é, portanto, capacitar-se cada vez para transformar o conhecimento científico
88
e tecnológico em processo de emancipação social, política, econômica e cultural” (CALDAS,
2003, p.77).
É fato que nos últimos 20 anos, o Jornalismo Científico teve significativo avanço no
Brasil. Uma das razões para esse desenvolvimento foi, sem dúvida, a consolidação da
pesquisa nacional que, se ainda não atingiu o estágio máximo, progrediu muito em relação ao
passado. No entanto, para OLIVEIRA (2002, p.15):
Apesar dos avanços da Ciência e da Tecnologia, a grande maioria das pessoas ainda vive totalmente alheia às decisões dos centros do poder político sobre como e quanto investir em atividades de C&T. Estas atividades, no Brasil, são financiadas sobretudo com dinheiro público. Mais ainda, em um país em desenvolvimento como o nosso, o acesso e o uso de modernas tecnologias, que tanto podem facilitar a vida humana, está disponível apenas para um número reduzido de pessoas. (...) A mais perversa conseqüência da falta de educação e de informação é a incapacidade de poder opinar ou decidir sobre coisas que podem afetar a vida individual, comunitária e até de toda uma nação. (...) [e] o Jornalismo Científico pode entrar em cena como agente facilitador na construção da cidadania.
Em pesquisa realizada (2003) pelos alunos da Pós-Graduação em Comunicação Social
da Universidade Metodista de São Paulo, na disciplina Mídia, Ciência e Política de C&T,
ministrada pela professora Graça Caldas, e cujos resultados foram apresentados no GT
Comunicação Científica e Ambiental da INTERCOM 2004. Comprovou-se que a mídia,
inclusive, a especializada vem divulgando poucos assuntos relacionados à Política de C&T, e
quando o fazem, não se aprofundam e nem contextualizam o assunto, deixando o (a) leitor
(a) com lacunas importantes para a compreensão dos conteúdos noticiados.
Outra dificuldade enfrentada pelo jornalista da área científica é o uso adequado da
linguagem. O jornalista William Bonner, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp (jun/2004),
disse que, muitas vezes, o público não consegue compreender o que lhes é transmitido.
Informou que em uma pesquisa interna feita pela TV Globo sobre a percepção do público de
alguns temas científicos tratados pelo Jornal Nacional pôde-se verificar que a maioria dos
telespectadores ficaram confusos e não chegaram a nenhuma conclusão.
O cuidado com a linguagem é essencial, e o que vem trazendo bons resultados é o uso
da metáfora e da analogia com o cotidiano. “Quando as pessoas conseguem associar um
princípio ou uma teoria científica a alguma coisa que lhes é familiar, fica muito mais fácil a
compreensão do assunto, a comunicação científica torna-se eficaz” (OLIVEIRA, 2002, p.44).
As séries televisivas apresentadas pelo médico Drauzio Varella e veiculadas no
programa Fantástico, da TV Globo, são exemplos dessa nova linguagem. O uso de
89
personagens, ilustrações, recursos gráficos trazem a Ciência para o dia-a-dia das pessoas
tornando-a mais fácil der ser compreendida. Apesar de não ser jornalista, o médico tem
conduzido de uma forma agradável o programa e mostrado à sociedade o que, de fato, a
Ciência pode e não pode fazer pelas pessoas.
A busca por fontes confiáveis, a pesquisa e o uso de linguagem adequada são
ferramentas-chave de um bom jornalismo, científico ou não. Na opinião do jornalista
econômico Luís Nassif (1999, s/p), o bom jornalismo científico passa pela “capacidade do
jornalista em separar a perfumaria do substantivo, em identificar e divulgar as pesquisas
pioneiras, especialmente aquelas que possam interessar ao setor privado”. Ele também ajuda a
quebrar barreiras que dificultam o avanço tecnológico, resistências empresariais aos
investimentos tecnológicos e na implantação de uma verdadeira cultura tecnológica no país.
Lado a lado, a Ciência e o Jornalismo podem trazer muitas contribuições para o
crescimento do país e o bem-estar social.
Um pouco de história
O Jornalismo Científico, ou melhor, a Divulgação da Ciência já existe há muito tempo.
Há fortes indícios de que tenha surgido com o próprio advento da imprensa de tipos móveis,
em meados do século XV.
Entre o momento em que o alemão Johann Gutenberg e seus associados publicaram, em 1455, a famosa Bíblia de Gutenberg, primeiro livro completo impresso na máquina de tipos móveis, e o advento do jornalismo científico passaram-se cerca de dois séculos. Não é muito tempo para uma época cujos processos de mudanças sociais eram bem lentos do que os que conhecemos hoje. Por isso não é exagero dizer que o surgimento da imprensa no século XV não só impulsionou a difusão da ciência como também possibilitou o surgimento do jornalismo científico no século XVII (OLIVEIRA, 2002, p.17).
Ao longo dos séculos XVI e XVII vivia-se o período da chamada Revolução Científica
que, como já foi dito, impulsionou o Jornalismo Científico. No século XVII, já havia uma
intensa circulação de cartas escritas por cientistas sobre suas idéias e novas descobertas.
Quem teve um grande destaque com essas cartas, por utilizar uma linguagem mais informal
foi o alemão Henry Oldenburg, que de certa forma inventou a profissão de jornalista
científico. Sua importância nessa função pôde ser verificada no ano de 1666, quando o
Conselho da Real Sociedade Britânica votou a favor do pagamento por todo o trabalho que ele
vinha fazendo, gratuitamente, nos quatro anos anteriores. Oldenburg foi o criador em 1665,
90
de um periódico científico chamado Philosophical Transactions, que até o século XIX
permaneceu como modelo para as modernas publicações científicas.
Já no Brasil, a situação foi bem diferente. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos o
século XIX foi marcado como período de grande efervescência da Divulgação Científica e do
Jornalismo Científico, aqui, a situação só começou a mudar após a chegada da Côrte
portuguesa. Até então, o país não participava das transformações do mundo. A leitura e os
estudos eram privilégios dos filhos da nobreza, que podiam estudar na Europa e a publicação
de livros e jornais eram proibidos.
A redação científica, como é hoje, deriva de um sistema de comunicação secular. Teve seu início no século XVI quando os primeiros cientistas se defrontaram com a censura e suas atividades pela Igreja e pelo Estado. Encontravam-se às escondidas em várias cidades para informarem uns aos outros sobre suas descobertas relativas à nova filosofia natural. Das reuniões desses grupos de elite, brotou a tradição da comunicação aberta e oral sobre assuntos científicos (BURKETT, 1990, p.27).
A história da imprensa no Brasil nasceu atrelada ao poder oficial. No dia 10 de setembro
de 1808 saiu das oficinas da Impressão Régia (pertencente a Dom João VI) o primeiro número
da Gazeta do Rio de Janeiro. Já o primeiro jornal independente do poder oficial foi fundado
também em 1808 por Hipólito da Costa (O Correio Brasiliense), redigido na cidade de
Londres. O jornal tratava primordialmente de aspectos políticos, econômicos, sociais e
científicos.
Apenas no século XX a situação começou a mudar. Em 3 de maio de 1916, foi fundada
a Academia Brasileira de Ciências, chamada inicialmente de Sociedade Brasileira de
Ciências. Hoje, com sede no Rio de Janeiro, a entidade tem por objetivo contribuir para o
desenvolvimento da Ciência e Tecnologia do país. Já Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), entidade que congrega todas as sociedades científicas do país foi criada
em 1948.
Três anos depois (1951) nasceu o Conselho de Pesquisas que representou o primeiro
esforço significativo nacional de regulamentar a Ciência e a Tecnologia no país. Em 1974, ele
passa a se chamar Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Até 1985, quando só então foi criado no país um Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT), o CNPq foi o principal órgão responsável pelas ações de Ciência e
Tecnologia (C&T) empreendidas pelo governo federal.
91
Em 1977 José Reis ajudou a fundar a Associação Brasileira de Jornalismo Científico
(ABJC) sendo seu primeiro presidente e permanecendo como presidente de honra até a sua
morte em 2002. A ABJC tem como trabalho principal promover a união dos jornalistas que
acreditam no Jornalismo Científico como uma das maneiras de democratizar o conhecimento
e a tecnologia. Tem organizado congressos, seminários, debates, palestras, cursos, visitas
técnicas a Instituições de Pesquisa e desenvolvimento tecnológico. O número de associados é
cerca de 500, entre eles, jornalistas, pesquisadores, professores e estudantes dedicados à
divulgação da C&T e integra o Conselho das Sociedades Científicas da SBPC.
A jornalista e ex-presidente da entidade Fabíola de Oliveira (2002, p.37), acredita que
embora os trabalhos da ABJC tenham sido bem-sucedidos, a associação tem sobrevivido com
dificuldades.
Ao contrário da americana Associação Nacional de Escritores da Ciência (National Association of Science Writers – NASW), na ABJC ainda é pequena a participação de jornalistas dos chamados meios de comunicação de massa, pouco afeitos a atividades associativas. Os sócios são na sua maioria assessores de imprensa de entidades ligadas aos assuntos de C&T, e aos poucos restantes, professores e pesquisadores da área.
Apesar das “dificuldades” a ABJC tem contribuído para melhorar a qualidade do
Jornalismo Científico e, através dos seus encontros, o tem colocado em pauta, o que já é de
grande importância.
O que também vem ajudando na melhora da qualidade do Jornalismo Científico é a
criação de cursos de aprimoramento, especialmente os de Pós-Graduação. O primeiro curso
de Comunicação Científica do país foi ministrado em 1970, na Escola de Comunicações e
Artes – ECA da Universidade de São Paulo (USP) pelo jornalista científico espanhol Manuel
Calvo Hernando. O Curso de Extensão em Jornalismo Científico, do qual resultou o livro
Teoria e prática do jornalismo científico, era voltado para estudantes de Pós-Graduação.
No final dos anos 70 (precisamente em 1978), o Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) criou uma linha de
pesquisa em Comunicação Científica e Tecnológica em nível Stricto Sensu. Em 1982, o
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Capes) promoveu um
curso chamado Curso de Especialização por Tutoria a Distância. Cinco anos depois
(1987), foi defendida a primeira tese de doutorado do país (ECA-USP) pelo jornalista e
professor, Wilson da Costa Bueno, intitulada Jornalismo Científico no Brasil: os
compromissos de uma prática dependente.
92
No ano seguinte, (1988) o Núcleo de Política Científica e Tecnológica da
Universidade de Brasília (UnB) com o apoio do CNPq desenvolveu o I Curso de
Especialização em Divulgação Científica que teve duração de um semestre. Também não
podemos deixar de citar o curso de especialização em Jornalismo Científico do Laboratório
de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp que é ministrado há seis anos e
que em 2005 lançará o seu mestrado na área. Outras iniciativas que merecem destaque são: o
mestrado na área de Ciências da Informação, com a linha de pesquisa Informação, Ciência
e Sociedade , na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), além da linha Educação, Difusão e Gestão em BioCiências do Departamento de
Bioquímica Médica do Instituto de Ciências Biomédicas da mesma Instituição.
Na graduação algumas universidades como por exemplo, a Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade do Vale do
Paraíba (Univap) têm incluído no seu currículo disciplinas de Jornalismo Científico e/ou
projetos de pesquisa na área.
A Ciência na Mídia
Apesar de todos as dificuldades enfrentadas pelo Jornalismo Científico, é importante
ressaltar os veículos que vêm fazendo sucesso ao longo dos anos:
MÍDIA ESPECIALIZADA
Revistas Comerciais Globo Ciência, hoje Galileu (ed. Globo);
Superinteressante (ed. Abril); Scientific
American Brasil (Duetto ed.); Mente e
Cérebro (Duetto Ed.)
Revistas ligadas às Fundações de Amparo a
Pesquisa
Pesquisa Fapesp (São Paulo); Minas faz
Ciência (Minas Gerais)
Televisão Repórter Eco (TV Cultura); Globo Ecologia
(TV Globo); Globo Ciência (TV Globo);
Ponto de Ebulição (Canal Futura); Mundo da
Ciência (Canal Futura); Espaço Aberto:
Ciência e Tecnologia (Globo News)
Revistas e Jornais ligadas às Instituições de
Pesquisa e Ensino
Ciência e Cultura (SBPC); Ciência Hoje
(SBPC); Ciência Hoje das Crianças (SBPC);
93
Jornal da Ciência (SBPC); ComCiencia
(SBPC); Saúde Pública (Unifesp)
As editorias fixas dos grandes jornais brasileiros, os sites e portais que de alguma forma
contribuem para a disseminação do conhecimento científico também merecem destaque.
Essas iniciativas fazem com que especialistas acreditem que esse mercado cresça, como
é o caso da jornalista e editora executiva da revista Terra da Gente (lançada em 2004), Liana
John.
Apesar das flutuações de espaço disponível na grande imprensa, apesar dessa necessidade de conquistar diariamente o espaço, acredito que houve um crescimento importante. Em qualidade, sobretudo. A transformação do boletim de pesquisa da Fapesp em revista, por exemplo, obrigou as editorias de grandes jornais e mesmo as revistas que tratam do tema a sacudirem a poeira assentada. O jornalismo científico que eles fazem é muito bom e foi o grande acontecimento nessa área, nos últimos 10 anos. Implicou mesmo numa cobertura da Ciência produzida no país e também acabou provocando, num bom sentido, diversas assessorias de imprensa e instituições de pesquisa que estavam acomodadas. Enfim, vejo crescimento aí, apesar das condições precárias em que se encontra o jornalismo brasileiro ou as empresas jornalísticas brasileiras (capturado no site da ABJC em jul/2004).
Em entrevista à revista Pesquisa Fapesp (jan/04, p.26) o diretor de redação do jornal
Folha de S.Paulo, Otávio Frias Filho, reconheceu o crescimento da Divulgação Científica,
principalmente no meio impresso. O interesse jornalístico pela Ciência só tende a aumentar
“primeiro, porque a Ciência exerce uma influência, ainda que indireta, muito grande na vida
das pessoas (...) e segundo porque a Ciência passou a ser vista como uma das portas de
ingresso do público ao hábito de ler jornais”.
Prova disso são os planos da editora Abril para o lançamento da revista Sapiens e de um
programa televisivo intitulado TV Superinteressante, com duração de 30 minutos, produzido
pela MTV, e que será veiculado aos domingos na TV Cultura. Além disso, a EPTV (Emissoras
Pioneiras de Televisão), afiliada da Rede Globo no interior paulista e sul de Minas Gerais,
transformou o programa televisivo Terra da Gente dedicado à conservação ambiental em
revista impressa com o mesmo nome.
Graças a essas iniciativas, diversos jornalistas vêm ganhando prêmios, mais
especificamente o Prêmio José Reis, como Fabíola Oliveira (2002), José Hamilton Ribeiro
(1999), Ulisses Capozoli (menção honrosa em 1999), Roberto Barros de Carvalho (1996) pelo
trabalho da revista Ciência Hoje, Cláudio Roberto Cordovil Oliveira (menção honrosa –
94
1996) pela publicação da reportagem sobre a descoberta da partícula Quark Top, José
Monserrat Filho (1993) pelo trabalho do Jornal da Ciência, Martha San Juan França (1992) e
Marcelo Leite (1991), entre outros.
É fato que cada vez mais os meios de comunicação estão divulgando a Ciência. Resta-
nos saber até que ponto essa divulgação está contribuindo para o esclarecimento da opinião
pública quanto à importância e aos reais benefícios que a Ciência traz. Muitas vezes, as
notícias são passadas sem nenhum tipo de questionamento, sem informar à população o que
de fato aquilo vai contribuir ou não para a sua vida. O jornalista Ulisses Capozoli, disse certa
vez que àquele que divulga a Ciências é necessário um fator importantíssimo: amor ao
conhecimento.
Divulgadores científicos, como observadores do mundo, devem cuidar de sua formação com a dedicação de um atleta que molda seus músculos. Mas essa dedicação não pode nem deve ser um processo mecânico, ou seja, um mero ajuntamento de informação. O desafio de um divulgador é forjar sínteses, tarefa que exige esforço, determinação e algo que, por constrangimento injustificável, quase não se diz: amor ao conhecimento (CAPOZOLI, 2002, p.122).
Só o amor ao conhecimento pode influenciar cada vez mais os Pesquisadores,
Jornalistas, Instituições de Ensino e Pesquisa, Universidades, Escolas, Museus e Centros de
Ciências e é claro, os governantes para a tomada de decisões que permitam uma divulgação
científica completa que leve ao progresso de uma sociedade e ao bem-estar da população em
geral.
Já que o mundo atual apresenta uma irreversível tendência de a Ciência e Tecnologia
moldarem a vida dos homens, da sociedade e do planeta, é necessário que, cada vez mais,
esses grupos se unam e tomem iniciativas que contribuam para a mudança que todos desejam.
Mudança essa que pode começar com um Jornalismo Científico de qualidade.
95
2.2 O Papel da Educação
2.2.1 Comunicação e Educação: as diversas formas de educar
Do latim communicatione, Comunicação significa tornar algo comum à comunidade e
indica troca de idéias, informações e mensagens. É inimaginável ao homem viver sem
Comunicação. O ato de comunicar-se produz mudanças significativas na organização e no
funcionamento de uma sociedade.
BERLO (1997, p.18) disse que Aristóteles definiu o estudo da Comunicação como a
procura de ‘todos os meios disponíveis de persuasão’. “Para ele a meta principal de
Comunicação é a persuasão, a tentativa de levar outras pessoas a adotarem o ponto de vista de
quem fala”.
Na busca pela Comunicação, sociedades primitivas usaram tambores feitos com pele de
animal, fumaça, pombos-correio, espelhos sinalizadores, sinais com lanternas, tiros de canhão
e faróis de fogo. No entanto, todas essas tentativas eram limitadas a grupos pequenos e
distâncias curtas. Hoje, com a necessidade de um meio confiável para as pessoas se
comunicarem rapidamente, vencendo longas distâncias, cresceu incessantemente o papel da
Comunicação face à complexidade dessas sociedades. Surgiria assim à chamada era da
Comunicação de Massa com a invenção do Telégrafo, a criação do Cinema, do Rádio, da
Televisão, até chegarmos à Informática.
(...) Aqueles meios representavam uma nova forma de Comunicação que influenciava não apenas padrões de interação nas comunidades e sociedades, como também nas perspectivas psicológicas dos indivíduos. (...) A era da Comunicação de Massa corroeria as barreiras de isolamento entre as pessoas do mundo e produziria mudanças significativas na organização e no funcionamento da sociedade (DEFLEUR & BALL-ROKEACH, 1993, p. 40).
Os objetivos da Comunicação, conforme BERLO (1997, p.22) definiu, devem ser
especificados de maneira que: 1) não seja logicamente contraditório ou incoerente consigo
mesmo; 2) se concentre no comportamento, isto é, seja expresso em termos de
comportamento humano; 3) seja específico o bastante para que possamos relacioná- lo com o
real comportamento da Comunicação; 4) seja coerente com os meios pelos quais as pessoas se
comunicam. “Nosso objetivo na Comunicação é nos tornar agentes influentes, é
influenciarmos outros, nosso ambiente físico e nós próprios, é nos tornar agentes
determinantes, é termos opção no andamento das coisas”.
96
Já BRAGA & CALAZANS (2001, p.16), por sua vez, dizem que “o objeto do campo da
Comunicação, de modo quase tautológico, é examinar os modos como a sociedade conversa
com a própria sociedade”.
A Comunicação só acontece quando há acesso aos canais de expressão e os atores
envolvidos participam do processo de troca de informações, mensagens, dando sua opinião,
denunciando, influenciando e participando de um diálogo crítico e contínuo. Por isso, a
importância da Comunicação para o processo de educar. Como escreveu CARVALHO &
BARBIERI (1997, p.18):
Educar é sempre um desafio, pois trata de uma relação complexa e delicada entre pessoas. Quando a educação é Escolar, acresce o fato de que a Escola está sempre atrasada em relação aos avanços da Ciência, pois se ensina o que já está aceito e cristalizado. Está atrasada quanto ao futuro, pois não dá para prever as mudanças na formação social e no processo econômico cultural a que os alunos estão sujeitos. Toda educação, no entanto, insere-se na perspectiva de um futuro. É imprescindível para a consecução do projeto de sociedade vigente, ainda que não seja totalmente explícito.
Etimologicamente, a palavra Educação vem do latim ducere, que significa conduzir.
Educar, nada mais é que guiar uma pessoa em direção a um fim e ajudá- la a consegui- lo.
Porém, hoje a grande preocupação da Educação é pensar a complexidade do mundo atual.
Assim, a Educação e a Comunicação se tornam processos fortemente relacionados e se
influenciam mutuamente. SILVA (apud ALBERGUINI, 2002, p. 41) afirma que :
se, por um lado, a Educação depende dos atos da Comunicação (...) também a Comunicação não pode prescindir do empreendimento educacional, no seu sentido mais amplo, para dotar o homem da capacidade de criar símbolos para se expressar, comunicar e contribuir para os fundamentos culturais da sociedade, para construir a arquitetura do mundo.
A relação entre Educação e Comunicação já vem sendo teorizada há muito tempo, por
diversas áreas, principalmente por educadores. Um pesquisador que se dedicou a expor essa
relação com tal ênfase e que por isso se tornou merecedor da atenção do mundo acadêmico foi
Paulo Freire. Ele tinha uma visão sociológica da Educação, encarava-a como um processo de
conscientização, de inserção do indivíduo na sociedade, no sentido de proporcionar- lhe a
posse da cidadania. Combatia a visão da Educação como um processo em que alguém,
detentor de informações, transfere esses conhecimentos para outra pessoa que não detém
nenhuma informação.
97
Para FREIRE (1975, p.105) “ninguém ignora tudo. Ninguém tudo sabe. A absolutização
da ignorância, ademais de ser a manifestação de uma consciência ingênua da ignorância e do
saber, é instrumento de que se serve a consciência dominadora para a manipulação dos
chamados ‘incultos’”.
Já a situação oposta, de antidiálogo, é uma revelação vertical entre os pólos. Em 1975
(p.108), Paulo Freire afirmava que “o antidiálogo não comunica. Faz comunicados”. A
Educação ideal é aquela que educa para a liberdade. Parte do princípio que, em grupo,
educadores e educandos educam-se mutuamente, levando-se em conta a realidade que os
cerca. O que de fato importa, é que, o sujeito aprenda a aprender.
Mais recentemente, outros autores da área da Comunicação vêm se dedicando à relação
Comunicação e Educação como tema de teses, artigos ou livros. Por exemplo, há o livro
Comunicação e Educação: caminhos cruzados, organizado por Margarida Maria Krohling
Kunsch, com artigos de vários intelectuais versando sobre o tema. A própria autora escreve
que:
o debate dos caminhos cruzados entre a Comunicação e a Educação é um imperativo diante de uma realidade que, transformando-se rápida e profundamente, obriga o educador não só a acompanhar de perto os passos da implantação das tecnologias da comunicação dentro da Escola, mas também a entendê-la em toda a sua dimensão política, econômica e social. A Escola, enquanto transmissora da Cultura e geradora de conhecimentos, deve interpretar os fatos numa perspectiva da dinâmica do dia-a-dia, estampada nos meios de comunicação, devendo, portanto, a Educação e a Comunicação andar juntas na construção de uma sociedade mais critica, participando mais ativamente dos destinos da nação, na construção de uma democracia plena (KUNSCH, 1996, p.6).
Mais adiante (p.8), ela faz um alerta sobre a necessidade da articulação entre
Comunicação e Educação:
A Escola não pode mais ficar distanciada dos meios de comunicação, que, exercendo hoje uma influência decisiva, educam mais que a própria Escola. Educadores e comunicadores devem assumir uma postura crítica frente ao papel reprodutivo da Escola e dos Mídia, da ideologia dominante e, por outro lado, têm que levar as pessoas a fazer uma leitura crítica das mensagens veiculadas, a desvendar as tramas da Comunicação.
A escola e a família não podem mais prescindir nem ignorar a influência dos meios de
comunicação, no processo educativo. Isso significa que a Educação e a Comunicação são
peças constitutivas de um todo social e, por isso, respondem a realidades estruturais. Para
BISPAL (1996, p.125):
98
O que o aparato educativo, que foi hegemônico em um determinado tempo e que substituiu a outros ‘aparatos’, não entendeu é que foi agora substituído pela Cultura dos meios de comunicação de massas industrial. O sistema educativo, diante das novas gerações, deixou de ser o ponto referencial de interpretação do mundo e da existência, deixou de ser a fonte da Cultura dominante e deixou de ser o tecido constituinte da sociedade. [grifo meu]
Educar é comunicar. Mas para que tipo de sociedade a escola educa? Essa é uma
pergunta que deve ser feita sempre, tanto pelos educadores quanto pelos comunicadores. Na
opinião de BISPAL (1996, p.135),
relação ‘educação-comunicação’ não pode ser tensa, mas tem que ser uma conversa amigável sobre a realidade e sobre o que ela será. Um diálogo sobre como as pessoas se agrupam e como a sociedade se faz e refaz a partir dos meios de comunicação e da própria educação. Educação e comunicação precisam uma da outra do mesmo modo que as pessoas precisam dos meios.
Voltando à Educação, podemos dizer que está dividida em três grupos: a Educação
Formal, Informal e Não-formal. Nesta pesquisa, interessa abordar essas variáveis dentro do
ensino de Ciências. Para conceituar, tomo como referência DIB (apud MAURICIO, 1992,
pp.58 e 59), que definiu Educação formal como “um sistemático e organizado modelo de
educação, estruturado e administrado de acordo com um dado grupo de leis e normas, que
apresentam, preferivelmente, um currículo rígido, tanto quanto, objetivos, conteúdos e
metodologia”. A Educação formal é, via de regra, realizada pelas instituições escolares,
requer uma freqüência mínima, e é constituída de graus e diplomas que são conseguidos à
medida que se avança. É baseada num programa seguido pelo professor no qual a
metodologia usada consiste em aulas expositivas, podendo existir aulas de laboratórios, quase
sempre separadas da teoria.
Segundo GASPAR (2002, p.171), a Educação formal é “uma instituição muito antiga,
cuja origem está ligada ao desenvolvimento de nossa civilização e ao acervo de
conhecimentos por ela gerados”. Desse modo, o autor escreve que nas chamadas sociedades
civilizadas, a escola, ou melhor, a Educação formal tornou-se a responsável pela disseminação
do conhecimento. Hoje em dia, porém, esse sistema apresenta sérias dificuldades, já que na
maioria das vezes, não atende às reais necessidades dos alunos e da comunidade. Assim,
mesmo nessas sociedades civilizadas, a vida exige muito mais do que o conhecimento, ou
mesmo o ensino formal, pode transmitir, fazendo, desse modo, crescer o interesse pela
Educação Informal e Não-formal.
99
Na Educação Informal, não há lugar, horários ou currículos. Os conhecimentos são
partilhados em meio “a uma interação sociocultural, que tem como única condição necessária
e suficiente, existir quem saiba e quem queira ou precise saber. Nela, ensino e aprendizagem
ocorrem espontaneamente, sem que, na maioria das vezes, os próprios participantes do
processo deles tenham consciência” (GASPAR, 2002, p.173).
Face aos desafios contemporâneos colocados à escola, a Educação Informal apresenta-se
como uma resposta possível de resolução de inúmeros problemas. Pode servir para
complementar muitos dos projetos e estratégias pedagógicas visando uma melhor e mais
eficaz socialização das pessoas. Ela tem como objetivo ensinar e motivar a aprendizagem dos
jovens e, através de atividades/iniciativas simultaneamente lúdicas, motivadoras e desafiantes,
permitem ao grupo-alvo um maior e mais eficaz desenvolvimento pessoal e social, bem como
a formação de valores. Esse tipo de Educação é constituído por diversas atividades: leitura de
textos científicos, educação e tecnologia, em jornais ou revistas; assistir a programas de rádio
e TV que tratem desses assuntos; participação em eventos científicos, e principalmente,
visitas a Museus e Centros de Ciências.
Em relação à Educação Informal obtida em Museus e Centros de Ciências, existem
muitas críticas. Muitos dizem ser impossível ensinar e aprender Ciências nesses ambientes.
Outros afirmam que alguma coisa sempre fica e que a vantagem desses locais para o ensino é
o fato de não terem a obrigação de ensinar, ao mesmo tempo em que despertam o interesse
pela Ciência e Tecnologia.
A Educação Não-formal, por último, se caracteriza por “adotar estratégias que não
requerem do estudante freqüência, diminuindo os contatos entre professor e aluno, e onde,
muitas atividades são realizadas fora da Instituição, como leitura em casa e trabalhos escritos”
DIB (apud MAURICIO, 1992, pp.58-59). Este tipo de processo educativo permite, devido a
sua flexibilidade, a utilização de uma variedade de recursos didáticos para a sua efetivação.
Muitas vezes, as instituições de ensino não-formal exigem uma estrutura interna muito bem
organizada, já que, trabalha com atividades variadas e com diferentes tipos de público.
Assim, esse breve relato do papel da Educação mostra que não existe um método único
a ser adotado, e sim a junção de todos. Ao abordar um conceito científico nas diversas formas
de educação, o professor, a televisão, um museu, um grupo de amigos contribuirão para uma
educação mais completa.
Levando essas definições para o âmbito dos Museus e Centros de Ciências, podemos
dizer que uma visita espontânea a esses locais é considerada como uma atividade de Educação
Informal. Contudo, se esta visita faz parte de um currículo estabelecido, com avaliação da
100
mesma e sob a orientação de um professor, ela assume características mais controladas e,
portanto, pode ser mais uma atividade formal ou não-formal, dependendo do grau de rigidez
adotado. Antes de uma visita, é preciso saber o que você espera desses Museus/Centros.
Desse modo, eles poderão ser melhores aproveitados.
2.2.2 O Ensino de Ciências
Para tentar entender como e por que o ensino de Ciências é tão deficitário e criticado, é
importante verificar como essa disciplina foi implementada no país, levando em consideração
também sua implantação no mundo.
A preocupação com o ensino de Ciências no mundo teve seu início após a II Grande
Guerra, graças ao destaque alcançado pela tecnologia militar, que revelou o grande potencial
do conhecimento científico. Para SAAD (apud CARLI, 1988, p.75) a situação só começou a
mudar através da briga pela supremacia tecnológica entre Estados Unidos e União Soviética,
durante o período da Guerra Fria, estabelecido depois do lançamento do primeiro satélite
artificial terrestre - Sputnik I – em outubro de 1957, pelos soviéticos. Os americanos não
gostaram de perder a briga tecnológica e passaram a inserir profundas alterações no ensino de
Ciências.
Em 1959, pesquisadores americanos reuniram-se em Woods Hole, em Cabo Cod, para
discutir essas mudanças. Dessa reunião surgiram vários grupos de estudo nas diversas áreas,
propondo novos enfoques, novas abordagens e novos materiais, com enfoque na
aprendizagem. Surgiram, assim, os projetos: Biological Sciences Curriculum Study (BSCS),
School Mathematics Study Groupe (SMSG), Physical Science Study Committe (PSSC) e
Chemical Bond Approach (CBA), entre outros.
Destaco, aqui dois desses projetos: Physical Science Study Committee e o Biological
Sciences Curriculum Study. O PSSC (voltado para o ensino de Física) foi o primeiro a ser
implementado e se tornou um marco, referência na renovação de métodos de ensino, razão
pela qual foi traduzido posteriormente para vários idiomas, entre eles, o Português, e adotado
no ensino de Física. O BSCS, visava um ensino efetivo da Biologia nas escolas secundárias
norte-americanas. A exemplo do PSSC, foi um grande projeto de ensino, envolvendo
inúmeros profissionais na elaboração e produção de diversos materiais educativos, como
livros-texto, guias para professores, manuais de laboratório, materiais experimentais e filmes.
No Brasil, o ensino de Ciências começou no início da década de 50. Com a criação do
Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), como Comissão Nacional
101
da UNESCO junto ao Ministério das Relações Exteriores, em junho de 1946, e da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em junho de 1948, formaram-se
núcleos de professores, cientistas e educadores que passaram a refletir e atuar na melhoria do
ensino de Ciências. Desde a criação do IBECC, dois foram os seus objetivos prioritários: a
melhoria do ensino de Ciências e a introdução do método experimental nas escolas de 1º e 2º
graus. Para isso, foi criada uma Revista chamada Cultus, aberta aos professores que
quisessem publicar artigos, observações ou conselhos relativos a possíveis experimentos no
período de 1949-1953.
Ainda na década de 50, o Instituto, juntamente com um grupo de professores da USP,
criou um projeto chamado Iniciação às Ciências, que consistia na produção de kits (material
experimental portátil com folhetos de instrução) para alunos de 1º e 2º graus.
Os kits eram compostos por uma caixa, contendo material para a execução de experimentos, um manual com instruções para a sua execução e um folheto com leitura suplementar sobre assuntos de Física, Química e Biologia. O objetivo dos kits era capacitar os alunos, mesmo fora do ambiente Escolar, a realizar experimentos e encontrar soluções por si próprios, desenvolvendo, dessa forma, uma atividade científica BARRA (apud GASPAR, 1993, p. 27).
Esses kits se tornariam o embrião de atividades maiores relacionados à produção de
material experimental, textos e cursos de treinamento para professoras desenvolvidas tanto
pelo IBECC quanto pela SBPC. Até o final da década de 60, o IBECC já tinha desenvolvido
15 projetos para o ensino de 1º e 2º graus. Além do projeto de Iniciação às Ciências, também
podemos citar a Coleção Mirim com 30 kits, a coleção Cientistas de Amanhã com 21 kits e
o projeto Ciências para o Curso Primário, com quatro livros-texto para os alunos e quatro
guias para o professor.
Na revista Ciência e Cultura, da SBPC, também era visível a preocupação com o ensino
de Ciências. Um exemplo, nesse sentido, é o editorial intitulado Ensino e Progresso da
Ciência, de 1951 que falava da necessidade do bom ensino de Ciências para o progresso da
Ciência.
A década de 60 foi marcada pela incorporação dos projetos de ensino americano e pela
intensa atividade de treinamento e reciclagem dos professores desenvolvida nos Centros de
Treinamento para Professores de Ciências, implantados em várias capitais brasileiras.
O PSSC foi o primeiro a ser introduzido no meio Escolar brasileiro. Os primeiros
contatos para sua adoção foram feitos quando o curso ainda estava em fase de elaboração, em
102
1957, com a ida aos EUA de Isaías Raw, diretor científico do IBECC, para conhecer o projeto
e entrar em contato com alguns de seus membros.
A transferência para a realidade educacional brasileira foi uma tentativa de impulsionar
rapidamente o ensino de Ciências e acompanhar os movimentos internacionais. Mas, na
verdade, essa iniciativa tornou evidente a necessidade de investigações autônomas que
considerassem as reais necessidades do sistema educacional brasileiro.
Com o passar dos anos, as atividades do IBECC passaram a ser consideradas
incompatíveis com as diretrizes de atuação da instituição e seu conselho diretor foi
aconselhado a transferir suas atividades para outra instituição. Então, em 1967, é criada a
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC), para
assumir parte das atividades do IBECC.
Decorrentes das ações do IBECC, no sentido de melhoria do ensino de Ciências, vários
grupos começaram a se estruturar em outros estados, com a mesma preocupação. Estes
movimentos e a necessidade da melhoria da formação dos professores de Ciências levam o
professor Gildásio Amado, da Diretoria do Ensino Secundário, a criar seis Centros de
Ciências no período de 1963 a 1965 nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre,
Recife, Belo Horizonte e Salvador. Em torno desses Centros, desenvolveram-se cursos nas
férias ou em período de trabalho, estágios e seminários, o que contribuiu significativamente
para atender às necessidades de reciclagem e treinamento que a introdução de inovações
exigia. Estes Centros, receberam as seguintes denominações:
¦ Centro de Ensino de Ciências do Rio Grande do Sul – CECIRS (Porto Alegre); ¦ Centro de Ensino de Ciências de São Paulo – CECISP (São Paulo); ¦ Centro de Ensino de Ciências da Guanabara – CECIGUA (Guanabara, atual Estado do Rio de Janeiro); ¦ Centro de Ensino de Ciências de Minas Gerais – CECIMIG (Minas Gerais); ¦ Centro de Ensino de Ciências da Bahia – CECIBA (Bahia); ¦ Centro de Ensino de Ciências do Nordeste – CECINE (Recife).
Desde a criação desses locais, o seu desenvolvimento passou por várias fases e diversas
soluções foram adotadas para que seus objetivos iniciais fossem, de fato, atingidos. Segundo
PÊPE (1980, pp.4 e 5) a evolução desses Centros passou por três fases distintas:
¦ A primeira, marcada pelos Projetos Curriculares Americanos. Esta fase é marcada pela tradução dos materiais, treinamento de pessoal docente na utilização desse material, implantação dos mesmos e planos de ação e divulgação de novos projetos;
103
¦ A segunda fase é caracterizada pela adaptação dos Projetos Curriculares, que estavam sendo desenvolvidos. Através de informações colhidas pelos professores que utilizavam esses materiais, mudanças eram introduzidas paulatinamente; ¦ A terceira fase vem com o início da década de 70 e é marcada pelo desenvolvimento dos projetos de ensino nacionais, pela publicação de muitos livros didáticos com fins comerciais e pelo surgimento dos primeiros grupos de pesquisa em ensino de Ciências e dos primeiros simpósios e encontros que visavam uma maior troca de experiências entre professores e estudiosos da área. Dentre eles, citamos: Projeto Nacional de Ensino de Ciências para 8ªs séries do 1º grau e Projeto de Ensino de Física, desenvolvido pelo Instituto de Física da USP.
Essas ações, apesar de terem atingido muitos professores, tiveram um alcance limitado,
principalmente por não atenderem a todas as solicitações feitas e pela falta de um plano de
ação que levasse os professores treinados a se tornarem multiplicadores do processo, como é
feito hoje em dia em projetos de diversas áreas.
A partir de 1971, com o impacto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
o então Ministério da Educação e Cultura criou o projeto Melhoria do Ensino de Ciência
e Matemática, em 1972, administrado pelo Programa de Expansão e Melhoria
(PREMEN). Os objetivos do Programa eram: melhorar a nível geral o ensino de Ciências,
contribuir para a base científica do país, criar materiais escolares nacionais e evitar a
importação de similares.
Cada um dos projetos implantados tinha características próprias, mas em todos eles era
visível a ênfase na experimentação e no aluno como centro do processo. Segundo dados do
relatório de atividades, nesse período que foi de 1972 até 1979, 2.227 alunos concluíram
licenciatura de primeiro grau, 9.941 professores foram treinados e vários materiais foram
produzidos e testados.
Nesse mesmo período destaca-se o projeto Os Cientistas. Tratava-se de uma coleção de
50 kits contendo cada um a biografia de um cientista, um manual de instrução e material para
a realização de experimentos. Produzido em parceria entre a FUNBEC e a editora Abril, foi
um grande sucesso. Sua primeira edição, intitulada Newton, vendeu 200.000 kits e as restantes
por volta de 50.000. Para KRASILCHIK (apud GASPAR, 1993, p.30), “esse fato indica um
interesse latente pela Ciência, que nem sempre é adequadamente explorado pelos educadores
na explicação do que realmente constitui o verdadeiro papel da Ciência”.
Em 1979, a Secretaria de Ensino do Primeiro e Segundo Graus do MEC, cortou a
verba destinada à manutenção dos Centros, que já vinham encontrando dificuldades em se
manter, o que resultou no declínio de suas atividades. De 1980 em diante, as atividades do
104
IBECC e da FUNBEC foram gradativamente reduzidas, destacando-se apenas a publicação da
Revista de Ensino de Ciências e o projeto de difusão de Centros Interdisciplinares de
Ciências. No ano de 1983, a CAPES, como parte do Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – PADCT, criou um novo Projeto de Melhoria
do Ensino de Ciências e Matemática, que passou a construir os Subprogramas Educação
para a Ciência (SPEC).
Nas décadas de 50 a 80, a maior preocupação do país foi buscar desenvolver um ensino
de Ciências adaptado às necessidades nacionais. Ao mesmo tempo era necessário reciclar os
professores. Os Museus e Centros de Ciências surgiram, em parte para suprir às falhas do
ensino. Enquanto fora daqui, as atividades desses locais são de ensino informal de Ciências,
mas aqui é mais comum exercerem o papel de apoio ao ensino formal com o desenvolvimento
de algumas atividades, tais como, cursos, assessoria, entre outras.
Hoje, 20 anos depois, a situação não mudou muito. A grande maioria das escolas ainda
não tem laboratórios e quase sempre falta material para as atividades práticas. Além disso, os
professores são mal formados e ganham pouco. Os alunos, que são a parte mais frágil desse
círculo vicioso, são os que pagam por esses erros com o aprendizado deficiente na área. Afora
isso, as mudanças científicas e tecnológicas são cada vez mais rápidas e as escolas não
conseguem acompanhá- las.
No encontro da SBPC do ano de 2003, durante o Simpósio Desafios do Ensino da
Ciência, os números de uma pesquisa realizada em 2000 pela União Européia sobre o ensino
de Ciências foram apresentados. Num grupo de 32 países, o Brasil ficou em último lugar na
pesquisa. Enquanto a média dos países da União Européia foi de 500, o Brasil ficou com
menos de 370, muito distante do México, o penúltimo colocado. Ao contrário do que muitos
podem pensar, não foram apenas as escolas públicas que tiveram um baixo desempenho; nas
particulares, também é difícil ensinar Ciências. Segundo, o professor da USP Nélio Bizzo, que
apresentou essas informações durante a reunião, as razões para o péssimo desempenho
brasileiro está na base da formação Escolar. Ele comentou que a Educação Básica, no que se
refere ao ensino de Ciências, é muito deficiente, tanto com os generalistas (séries iniciais)
quanto com os licenciados de áreas específicas (Biologia, Física ou Química).
A base de tudo está no ensino Básico, uma vez que, tanto os futuros professores quanto
os futuros cientistas passarão pela Educação Básica e nela formarão conceitos e
desenvolverão o gosto pela Ciência. Se o problema não for corrigido na base, essa situação
formará um círculo vic ioso de retro-alimentação. Para MENEZES (2000, p.52), a educação de
hoje ainda é muito parecida com a que os nossos professores tiveram na época deles:
105
A educação da sociedade industrial se parece muito com a fábrica da sociedade industrial; suas salas de aulas são iguais, os professores têm uma fala de preferência padronizada; dos alunos se espera que possam todos responder, da mesma forma, as mesmas perguntas. É como se a boa Escola da sociedade industrial fosse como uma boa fábrica cujos produtos, os alunos, se derem certo, serão todos iguais. Nessa Escola, a ciência que se aprende é, no máximo, igual à que os professores de Ciências foram capazes de aprender, como um ingrediente padrão a ser absorvido igualmente por todos os alunos, da mesma forma como o esmalte de acabamento deve estar igualmente depositado sobre a chapa de aço de todos os automóveis que saem de uma linha de montagem. Pois bem, nem mesmo esse “acabamento de primeira” é garantido pelo ensino de Ciências atual, porque a sociedade industrial prepara melhor seus automóveis do que seus jovens, com conseqüências desastrosas como sabemos.
No mesmo artigo, MENEZES (p.53) defende a idéia de um ensino diferente para cada
indivíduo.
No momento em que abrirmos mão do ensino propedêutico e enciclopédico poderemos apresentar aos alunos questões contemporâneas, em que ciência e técnica não são estranhas e em que visão de mundo e instrumentos práticos se complementam. Além disso, se desistirmos do equívoco da “transmissão” de conhecimento igual para todos poderemos criar ambientes Escolares em que diferentes alunos possam se aprofundar, mais até do que seus professores, em áreas de seu especial interesse, valendo-se de inúmeros recursos das modernas tecnologias de informação. Isso é, em ciência, um exemplo daquele apreço pela diversidade que a Escola ainda não aprendeu a desenvolver.
Uma iniciativa que veio para ajudar professores e guiar o ensino foi a criação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Os PCNs têm o objetivo de propiciar ao
sistema de ensino, particularmente aos professores, subsídios à elaboração ou reelaboração do
currículo, visando à construção de um projeto pedagógico que atenda às necessidades do
aluno.
Dentro do Ensino Fundamental, os PCNs têm como meta atingir sete objetivos
principais nas seguintes áreas: Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História,
Geografia, Arte, Educação Física e Língua Estrangeira. Em cada uma das áreas, o PCN é
dividido em quatro ciclos: 1º Ciclo (1ª e 2ª séries), 2º Ciclo (3ª e 4ª séries), 3º Ciclo (5ª e 6ª
séries) e 4º Ciclo (7ª e 8ª séries). Segundo GUARÁ (2002, p. 88), os PCNs são muito
importantes, porque direcionam a educação:
Os objetivos do Ensino Fundamental, definidos nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN direcionam a ação educativa para a utilização do pensamento lógico, da criatividade, da intuição, da capacidade de análise crítica. Além da aquisição de conhecimento, o Ensino Fundamental deverá
106
estimular a apreensão de conceitos, procedimentos, valores e atitudes. O alcance desses objetivos depende de uma proposta integradora de aprendizagem, que consiga estabelecer pontes entre a situação da comunidade local e as questões mais amplas de um estudo sobre a realidade planetária. Os alunos podem perceber o ambiente em que vivem, não apenas como “leitores” do mundo, mas como agentes que influenciam diretamente os seres vivos e que, ao mesmo tempo, são modificados por eles.
Para essa pesquisa, especificamente, interessa saber sobre o PCN de Ciências Naturais
dos 1º e 2º ciclos, estudando mais profundamente o 2º ciclo (faixa etária entre 8 e 11 anos).
“Mostrar a Ciência como um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e
suas transformações, para reconhecer o homem como parte do universo e como indivíduo, é a
meta que se propõe para o ensino da área na Escola fundamental” (Parâmetros Curriculares
Nacionais, 2000, p.23).
O conteúdo de Ciências Naturais no Ensino Fundamental é dividido em três grandes
blocos temáticos: Ambiente, Ser Humano e Saúde e Recursos Tecnológicos. Esses blocos
deverão ser desenvolvidos ao longo de todo o Ensino Fundamental, apresentando alcances
diferentes conforme os ciclos. Assim, espera-se que, ao final do Ensino Fundamental, os
alunos tenham as seguintes capacidades e aptidões:
¦ compreender a natureza como um todo dinâmico, sendo o ser humano parte integrante e agente de transformações do mundo em que vive; ¦ identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e condições de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica; ¦ formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de elementos das Ciências Naturais, colocando em pratica conceitos, procedimentos e atitudes desenvolvidos no aprendizado Escolar; ¦ saber utilizar conceitos científicos básicos, associados a energia, matéria, transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida; ¦ saber combinar leituras, observações, experimentações, registros, etc., para coleta, organização, comunicação e discussão de fatos e informações; ¦ valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a construção coletiva do conhecimento; ¦ compreender a saúde como bem individual e comum que deve ser promovido pela ação coletiva; ¦ compreender a tecnologia como meio para suprir necessidades humanas, distinguindo usos corretos e necessários daqueles prejudiciais ao equilíbrio da natureza e ao homem. ¹
_________________________ ¹ informações obtidas no livro Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Naturais, 2002, pp.39 e 40.
107
Infelizmente, porém, poucos são os que saem do Ensino Fundamental incorporando
essas aptidões. Muitos estudam em escolas defasadas, sem material didático adequado, sem
laboratórios, têm uma vida difícil. Os professores se sentem inseguros ou são mal preparados.
Mas o que importa é que iniciativas estão sendo tomadas e paulatinamente, é verdade, o
ensino está mudando. Daqui a alguns anos, quem sabe, todos possam ter acesso a um ensino
de melhor qualidade, principalmente de Ciências. Pois, é através do conhecimento científico
que o país pode desenvolver-se cada vez mais e proporcionar uma melhor qualidade de vida a
seus habitantes.
108
Capítulo III
OS MUSEUS E OS CENTROS DE CIÊNCIAS
109
3.1 Perspectiva Histórica no Mundo
3.1.1 Conceito e Origem Existe um grande preconceito em relação à palavra Museu. Costuma-se associá-la a tudo
que é ultrapassado, velho e sem vida. O termo museu vem do latim Museum, que por sua vez
se origina do grego mouseion, denominação, na antiga Grécia, do templo ou santuário das
musas. Segundo a mitologia grega, havia nove musas que presidiam às chamadas artes
liberais: História, Música, Comédia, Tragédia, Dança, Elegia Lírica, Astronomia, Poesia
Épica e a Eloqüência. O termo, no entanto, estava mais ligado ao clima ou à atmosfera do
local do que às suas características físicas. Era, sobretudo, um lugar de inspiração onde a
mente podia se desligar da realidade cotidiana.
Na Antiguidade, dentro desta atmosfera, foi criada por Ptolomeu I a primeira Instituição
de que se tem notícia com essa denominação, o Museu de Alexandria, onde se reuniam
sábios e filósofos, que realizavam investigações no campo da Literatura e da Ciência. Lá
havia objetos como instrumentos cirúrgicos e astronômicos, peles de animais, trombas de
elefantes e estátuas de filósofos, um parque botânico, um zoológico e uma rica biblioteca.
Entre os grandes nomes que passaram pelo Museu de Alexandria destaca-se Euclides, que
fundou naquele local uma Escola de Matemática e escreveu Elementos de Geometria.
Um aspecto interessante do Museu de Alexandria é a semelhança com o trabalho de
muitos Museus e Centros de Ciências atuais. A grande produção de artefatos mecânicos
desenvolvidos ao longo de séculos por seus pesquisadores, entre eles Arquimedes, Ctesíbio e
Herão, eram na sua maioria constituídos de brinquedos ou instrumentos curiosos, destinados
ao entretenimento, embora alguns tenham sido invenções negativas como as armas de guerra.
Muitos, como RONAN (1987, p.121), afirmam que a finalidade dessas invenções era
demonstrar princípios físicos: “Herão, por exemplo, escreveu uma série de trabalhos
abordando fenômenos e princípios da Física e, ao que tudo indica, os aparelhos que criou, e
provavelmente os de seus antecessores, tinham a finalidade de verificar esses princípios ou
demonstrá-los para audiências maiores”. O pesquisador explica que, na época, ainda não
havia a tradição de experimentos formais de laboratório, fato esse que teria incentivado os
cientistas a utilizarem este tipo de procedimento.
O interesse em “colecionar” obras também é muito antigo. Em Atenas, no século IV
antes de Cristo, havia uma Pinacoteca onde pinturas eram expostas para a visitação pública.
Os romanos, mais tarde, desenvolveram o costume de colecionar obras de arte, especialmente
110
a partir dos saques de Siracusa (212 a.C) e de Corinto (146 a.C). Na Idade Média alguns
templos famosos acumularam valiosas coleções, como São Marcos em Veneza e Saint-Denis,
próximo a Paris. Durante esse período, pelo menos na Europa Ocidental, essas coleções
passaram a ter tanto ou mais valor do que o dinheiro. Reis, senhores feudais e o alto clero
possuíam tesouros formados com vasos de ouro e prata, jóias, armas, roupas e substâncias
mágicas ou medicinais. Eram estas coleções e tesouros que garantiam poder e atestavam
fortuna em uma época que não existia uma moeda estável. Na maior parte do tempo, ficavam
escondidos embora fossem exibidos em ocasiões especiais. No entanto, obras de arte já eram
apresentadas ao grande público através da Igreja, que as utilizava para propagar mensagens de
fé em seus templos. Mosaicos, vitrais, gravações em madeira e bordados tinham o objetivo de
inspirar e educar para a religião os seus freqüentadores.
Mas foi no Renascimento que a paixão pela coleção de obras de arte aumentou,
refletindo o clima de desenvolvimento intelectual da época e a maior estabilidade econômica.
É famosa a coleção reunida em Florença pela família Médici, para cuja conservação foi
nomeado o escultor Donatello. Outras famílias florentinas também possuíam verdadeiros
museus particulares. Em diversos palácios de príncipes italianos havia pavilhões concebidos
para abrigar coleções de obras de arte antigas, que se tornariam mais famosos nos séculos
XVI e XVII como prova de ostentação, poder e importância daquelas famílias. Não havia
ainda exibições ao público que continuava a contar apenas com as igrejas para apreciar obras
de arte e raridades. Entretanto, o interesse pela Antiguidade Clássica provocou o resgate e a
recuperação de antigas esculturas do Império Romano que, por suas dimensões, foram sendo
colocadas em lugares públicos, ampliando o acesso popular a esse acervo.
O crescimento contínuo dessas coleções criou, para os seus tutores, a necessidade de
encontrar locais apropriados para guardá- los e expô- los, surgindo assim, as galerias (do
italiano galleria): salas compridas, estreitas e bem iluminadas, destinadas às obras de arte.
Essas galerias logo se tornaram um local de estudos para novos artistas e também um recanto
onde alguns nobres encontravam a tranqüilidade necessária para estudo e reflexão. Dessa
maneira, ao redescobrirem a idéia do templo das musas, passaram, por analogia, a chamar
esses locais de Museus. Com o tempo, o significado da palavra mudou de clima, lugar de
inspiração, estudo e reflexão, para o conteúdo, lugar onde se guardam coleções. Outra versão
(BINNI & PINNA, 1980) afirma que o nome Museu teria sido, de certa forma, esquecido ou
mesmo rejeitado com o advento do Cristianismo, por estar ligado a divindades pagãs. A
própria Igreja Católica, no entanto, acabou por resgatar a denominação quando o papa Xisto
111
IV, em 1471, criou um museu a partir de coleções de objetos não religiosos chamando-o de
Museu Capitolino.
Os primeiros museus públicos, como instituição, surgiram nos séculos XVII e XVIII,
conseqüênc ia do crescente interesse pela Cultura e pelas Ciências e por uma necessidade de
organizar o conhecimento existente, expressa particularmente pelos enciclopedistas franceses,
além da reivindicação cada vez maior da sociedade em participar desse conhecimento, ou
seja, o acesso do público às coleções. Nessa época, filósofos e cientistas sugeriam a criação de
museus voltados às Ciências. Segundo DANILOV (apud GASPAR, 1993, pp. 8 e 9), Francis
Bacon foi o primeiro a propor o estabelecimento de um museu de invenções e de uma galeria
com retrato dos inventores do século XVII, o que destacaria a importância das Ciências
Mecânicas. Depois foi a vez de Descartes, que queria a implantação de um museu com
instrumentos científicos e ferramentas dos ofícios mecânicos. O filósofo e matemático alemão
Wilhelm Leibiniz, por sua vez, defendia uma exposição ou Museu de Máquinas e outras
invenções voltadas para o público, ou mesmo a realização de demonstrações experimentais,
uso de telescópios, exibição de plantas raras e painéis sobre a anatomia humana.
Em 1750, o Louvre recebeu a designação de museu, mas, somente em 1793, abriu suas
portas com finalidades educativas. Um ano depois (1794), também em Paris, a Assembléia
Nacional criou o Conservatoire de Arts e Metiers (transformada no século XX no Musée
National de Techniques), uma Instituição de ensino de Ciências e Artes aplicadas, que
contava com um depósito público de máquinas, invenções, modelos, ferramentas, projetos,
descrições e livros de artes aplicadas, além de um comércio.
Muitos outros museus foram criados nessa época tanto na Europa quanto nos Estados
Unidos (onde a primeira instituição foi fundada em 1785, na cidade da Filadélfia), mas a
avaliação desse crescimento não era muito favorável. Para as camadas sociais com menor
nível cultural, aquelas obras expostas nos museus eram distantes e não ofereciam muita coisa.
Segundo WITTLIN (apud GASPAR, 1993, p.10):
muito pouco se conseguiu, em relação ao que se esperava na época, em termos de divulgação ou popularização do patrimônio cultural então existente. A imponência das edificações, a desorganização na apresentação das coleções e o despreparo dos visitantes para usufruir o que lhes era apresentado levaram o público a se afastar dos Museus (...) a primeira visita era também a última.
Durante muito tempo tinha-se a idéia de que o museu deveria ser em um local bonito e
majestoso, além de ter uma exposição chamativa. Mas um museu precisa oferecer muito mais
que isso, conforme opinião expressa pela pesquisadora CRUZ (1994, pp. 4 e 25):
112
Museu não é simplesmente prédio, exposição, banco de dados, mas fundamentalmente mentalidade. (...) O acervo do museu não representa um amontoado de coisas velhas, de obras raras ou de curiosidades, mas um conjunto harmônico que dentro e fora do museu apresenta profunda, intensa e extensa envergadura social e cultural.
Essas dificuldades, porém, não impediram que o número de museus em todo mundo
continuasse a crescer. Eles foram se diversificando, refletindo as condições sociais, políticas e
intelectuais da época. Assim, surgiram os Museus Históricos ou Nacionais, estimulados pela
ascensão do nacionalismo e os Museus Etnológicos, fruto da expansão colonial. A Revolução
Industrial e o progresso científico deram origem aos Museus de Ciências e Tecnologia,
enquanto que o impacto da teoria de Darwin influiu fortemente na proliferação de Museus de
História Natural por todo o mundo. Nessa época eram comuns exposições e feiras industriais
cujas coleções e alguns prédios foram usados para dar origem a museus. Uma delas, a
Exposição da Indústria de Todas as Nações, ocorrida em Londres em 1851, originou o
Museu de Ciências de Londres.
A Educação, então, passou a ser entendida como a principal função dos Museus
Públicos. Seu papel na Divulgação Científica teve grande destaque nos Estados Unidos, onde
Associações e Academias de Ciências foram criadas para que, entre outras coisas, fundassem
museus com essa finalidade. O intercâmbio entre escolas e museus com aulas, visitas,
palestras, entre outros, se intensificou com alguns programas especiais estendidos também ao
público em geral. Sobre a ação educativa dos Museus, CRUZ (1994, p.7) defende que : “a
educação, ação educativa no Museu, deve aparecer como processo, reconstrução contínua do
conhecimento. O Museu, através dos seus especialistas, dos bens culturais deve trabalhar
hodologicamente uma ação dedutiva processual que permita à comunidade, ao homem-
sujeito, se refazer a cada visita”.
Ao contrário do que se pensa, o visitante quando entra no museu não deve desligar-se
do mundo. Muito pelo contrário: deve procurar estabelecer conexões entre as informações
obtidas nessa visita com a realidade. Ao museu cabe também não se esquecer de que o
visitante não é um ser isolado, e que ele procura aprender, absorver informações que possam
contribuir com as suas atividades cotidianas. Essa troca entre visitante e museu ajuda no
processo de formação do conhecimento, e também na Educação.
Aliás, não é de hoje que os museus vêm se preocupando em trabalhar a questão da
Educação. Já no final do século XIX e início do século XX, os museus americanos davam
ênfase à Educação e, seguindo a tendência americana, os europeus passaram a se preocupar
também com a questão educacional. Prova disso foi a criação do Museu de Ciências de
113
Munique , em 1908, que procurava tornar acessível ao público as conquistas mais modernas
da Ciência e da Tecnologia.
É interessante ressaltar que, quando foram criados, os primeiros Museus de História
Natural eram Centros de Pesquisa. Entretanto, o desenvolvimento e a diversidade das
Ciências Naturais, a partir do final do século passado, trouxeram a necessidade da utilização
de laboratórios, sobretudo no trabalho com organismos vivos, o que reduziu a importância
desses Museus como Centros de pesquisas, em favor de uma função voltada
predominantemente à Educação
Essas inovações, entretanto, ainda se restringiam a alguns museus. A maioria deles se
mantinha desatualizada e pouco receptiva ao grande público, embora isso não impedisse seu
crescimento, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Na União Soviética, como
conseqüência da Revolução Comunista, o número de museus cresceu significativamente (de
114 em 1917 para 738 em 1934) e a ênfase na Educação passou a ser prioritária. Os museus
soviéticos mantinham uma estreita colaboração com as escolas, e muitos funcionavam como
laboratórios abertos a quem pudesse utilizá- los.
Essa nova postura de relegar a segundo plano objetos históricos, enfatizando as
exposições interativas voltadas à Educação do público em Ciências, firmou-se depois da
Segunda Guerra Mundial. A maioria dos novos Museus e Centros de Ciências deixou de
focalizar o passado e passou a se preocupar com o presente e o futuro. Muitos deles até
deixaram de ter acervos históricos e, as coleções de objetos foram substituídas por exposições
e experimentos destinados a um maior envolvimento e aprendizagem dos visitantes. Dentro
dessa perspectiva, destacamos algumas instituições criadas nas décadas de 50 a 70: o Oregon
Museum of Science and Industry, o Fernbank Science Center, o Lawrence Hall of
Science e o Exploratorium, nos Estados Unidos. Fora dos Estados Unidos temos o Evoluon
na Holanda, o Ontário Science Centre no Canadá, o Science Museum e o Nagoya
Municipal Science Museum, no Japão, e o Singapore Science Centre , em Singapura.
Na visão de TRIGUEIRO (1998, pp.60 e 61) todos os museus, sejam eles antigos, sejam
modernos, têm finalidades específicas que podem ser classificadas de duas formas:
¦ finalidades básicas – comuns a todos os museus (recolher, classificar, colecionar, conservar e expor objetos ou documentos, promover estudos, pesquisas, cursos, conferências e divulgação); ¦ finalidades de propósito – variam de acordo com sua natureza específica e podem ser classificadas em função de duas principais categorias museus de caráter geral (compreendem a Ciência e suas aplicações, a Arte, a História,
114
etc) e museus especializados (ciência, arte, História, isoladamente sob determinado aspecto ou relativos a uma época).
Levando em conta essas definições, pode-se dizer que a finalidade maior de um museu é
educar. Por isso, a Escola tem usado as visitas aos museus como complementos educacionais.
“Hoje, é o complemento da Escola, é o lugar aonde os professores levam os seus alunos, para
ilustrar objetivamente o que lhes foi explicado em aula. O museu é escola viva, exercendo
papel preponderante na educação do povo” (TRIGUEIRO, 1958, p.61).
Os museus têm importante função social e passaram a influir decisivamente no processo
educativo, na produção do conhecimento e na preservação da memória coletiva. Essa
influência não se limita aos seus visitantes. Suas exposições e/ou pesquisas também podem
pautar a mídia ou ser pautada por ela. Contribuem, portanto, com a formação complementar
da Cultura Científica dos cidadãos. Não podemos, portanto, deixar de lembrar a sua relação
com a Educação.
Como fonte educadora auxiliar da Escola e também da Cultura, o museu tem a
responsabilidade de reunir idéias, torná- las públicas e integrá- las à sociedade. Deve difundir o
conhecimento acumulado e estimular o interesse pela Ciência, conforme afirma CRUZ (1993,
p. 96):
(...) concebido como instituição preservadora e conservadora do patrimônio material e cultural da humanidade, é um campo aberto, um espaço onde o estudo, a pesquisa, a publicação, especialmente na sua dimensão cultural, ajudam, através, de instrumentos e instruções, o homem-sujeito a conquistar a liberdade, a criatividade, à descoberta, à invenção, à inovação, à força da cidadania.
MARIA JOSÉ ELIAS (1998, p.4), acredita que “os museus reelaboram a teia
discursiva da história quando estabelecem modos de seleção e formas de apropriação –
visíveis na constituição dos acervos -, e são sempre, e necessariamente, canais privilegiados
de expressão e elaboração dessa mesma memória social (...).” Em todo o mundo a
preocupação desses museus é desligar-se da imagem elitista tradicional (desde as edificações
até o acervo). Eles tendem a ter uma ligação maior com a realidade cotidiana, com o meio
ambiente e a Divulgação Científica. Muitos Museus de Ciências, para melhor expressar essa
tendência, adotaram o nome Centros de Ciências ou denominações equivalentes.
Assim é que, no século XX, além do tradicional papel de depositário de relíquias e peças
históricas da humanidade, os museus passaram a ser locais mais dinâmicos, propícios às
atividades de auto-aprendizagem, estimulando o emocional e o interesse pelo conhecimento
técnico e científico, que transformou os antigos depósitos de artefatos em ambientes ricos e
115
sofisticados, que propiciam uma ampla interação do visitante com os materiais expostos.
“Centros e Museus de Ciências são lugares não só adequados, como extremamente atraentes
como aplicações de pesquisas em temas diversos sobre o conhecimento científico e sobre sua
divulgação para estudantes e para o público interessado”, segundo opinião da pesquisadora
HAMBURGER (1998, p.51).
Hoje, os Museus e os Centros de Ciências têm se caracterizado pela interatividade. A
possibilidade de tocar o objeto (hands on) se opõe à idéia antiga de mera observação (hands
out). “De simples observador, nada podendo tocar, o visitante é agora encorajado a
redescobrir ele próprio os princípios da Ciência” (EPSTEIN, 2002, p.199).
Em todo o mundo existem mais de 50 mil museus, dos mais variados tipos. Dessa
forma, ao longo desses anos tem ocorrido uma grande preocupação em tornar esses locais
mais próximos das pessoas, trazendo uma ligação cada vez maior com a realidade cotidiana, o
meio ambiente e a Divulgação Científica. Em conseqüência de todo esse movimento, criou-se,
nos Estados Unidos (1973), a Associação dos Centros de Ciência e Tecnologia (ASTC), que
oferece apoio metodológico e financeiro às mais de 250 instituições filiadas a ela.
Há um consenso de que um maior domínio do conhecimento científico por parte da
população é necessário para uma participação efetiva na política de desenvolvimento
científico e tecnológico. Mas as informações científicas veiculadas na mídia em geral ainda
são consideradas insuficientes para atingir o público em geral e motivar a participação das
pessoas.
Daí se explica à importância crescente que Centros e Museus de Ciências adquirem na
sociedade. Espaços como a Estação Ciência/SP, Eureca/Guarujá-SP, Museu de Ciências e
Tecnologia da PUC/RS no Brasil e Exploratorium (EUA), Centro de Ciências de Ontário
(Canadá), Explora (México), entre outros, têm por objetivo transmitir correta e rapidamente
conhecimentos científicos básicos e fundamentais, assim como os avanços mais recentes da
ciência para a população em geral. PADILLA (2001, p.55) diz que os Centros e Museus de
Ciências foram “creados como espacios que combinan aprendizaje con entretenimiento, los
centros interactivos de ciencias basan gran parte de su legitimidad social en el aporte que son
capaces de hacer, complementando los procesos escolares del sistema educativo formal”.
Museus e Centros de Ciências são importantes locais de Divulgação Científica. Eles
surgiram nos países industrializados para guardar a memória técnica e científica e para
mostrar à população as realizações técnicas e científicas da nação, e também estrangeiras. No
Brasil, as primeiras idéias começaram a surgir a partir de 1965, mas a implementação com o
aspecto que vemos hoje, só veio a ocorrer principalmente após os anos 80. Foi quando
116
surgiram o Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC), de São Carlos, o Espaço
Ciência Viva (organização não-governamental e sem fins lucrativos, no Rio de Janeiro), em
1982, que foi um dos primeiros a trazer uma proposta de museu interativo, inspirado no
Exploratorium de São Francisco, o MAST/RJ em 1985 e a Estação Ciência/SP, em 1987
(objeto dessa pesquisa).
Desde a década de 70, tem ocorrido um explosivo fenômeno de proliferação desses
Centros e Museus de Ciências pelo mundo e para contribuir com o seu aprimoramento
surgiram algumas instituições que vêm discutindo o papel desses locais. Na América Latina
merecem destaque a Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia na América
Latina e Caribe (Red POP) e a Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciências
(ABCMC).
A Red POP fundada em novembro de 1990, na cidade do Rio de Janeiro, durante o
programa de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Unesco. A ‘rede’ congrega mais de 87
membros de 102 Programas e Centros de Ciências, de 15 países latino-americanos e mantém
relações com Centros de Popularização de Ciência e Tecnologia em diversos países, como
Espanha, França e Estados Unidos. Ela tem por meta promover o intercâmbio, a capacitação e
o aproveitamento de recursos dos seus membros, além de agrupar Centros e Programas de
Popularização de C&T, por meio de debates, troca de experiências e realização de atividade
de pesquisas conjuntas.
Outro destaque da Rede é o prêmio Latino-Americano de Popularização da Ciência e
Tecnologia, considerado como o maior reconhecimento que uma das categorias (Centros,
Programas e Especialista) pode receber. No último encontro (realizado no México em
2003), o Brasil teve uma grande participação, com 34 trabalhos apresentados durante o
evento. Também, foi concedido, na categoria ‘especialista’ , o prêmio Red POP ao ex-diretor
da Estação Ciência, Ernst Wolfgang Hamburger, pela sua atuação no Ensino e na
popularização das Ciências.
Criada em 1998, a ABCMC, surgiu para unir idéias, compartilhar experiências, projetos
e possibilitar intercâmbio de recursos e informações entre os Centros e Museus de Ciências
brasileiros. Além disso, visa contribuir para a estruturação de um sistema nacional de
popularização e Educação em Ciência. Dentre seus objetivos principais está a formação de
cidadãos capazes de perceber a Ciência em todas as suas dimensões. A associação contribui
para a complementação e desenvolvimentos dos atuais Centros e Museus de Ciências, apóia
novos projetos nesse segmento, organiza e participa de seminários, oficinas, exposições
117
itinerantes, cursos para formação de pessoal e propicia intercâmbio com professores do ensino
fundamental, visando contribuir cada vez mais para o aprimoramento da Ciência nacional.
Apesar das primeiras idéias de criação de Centros e Museus de Ciências no Brasil terem
surgido em 1965, os nossos Centros e Museus de Ciências podem ser considerados novos
(com pouco mais de quinze anos). De acordo com os dados publicados no livro Educação
para a Ciência – Cursos para Treinamento em Centros e Museus de Ciências (2001, p. 115),
existem em todo o mundo cerca de 600 Centros de Ciências e Museus interativos. O número
pode ser considerado ainda insuficiente, face ao crescimento da população mundial e à
importância da educação científica para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade
como um todo.
No Brasil, segundo dados publicados em 19 de novembro de 2002 pela ABCMC,
existem cerca de 130 Centros e Museus de Ciências, ou seja, o equivalente a 25% do total de
todos os Museus e Centros de Ciências do mundo. Diferentemente de outros países, a maioria
dos nossos Centros e Museus de Ciência (cerca de 60%) pertencem a Universidades, cuja
atividade nesta área é intensa. A distribuição geográfica privilegia o Centro-Sul do país, o que
não surpreende, pois acompanha a concentração de Ensino Superior e outros equipamentos
culturais.
Para LUCIANA SEPÚLVEDA, coordenadora de Educação do Museu da Vida, da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, disse em entrevista a revista
eletrônica ComCiencia (set/2003) que os Centros e Museus de Ciências são lugares dinâmicos
e bem diferentes dos museus do século XVIII.
Na verdade estas instituições são dinâmicas, muito diferentes, segundo os campos disciplinares do conhecimento aos quais estão relacionados ou segundo o contexto institucional, político e social de sua formação. Museus de História Natural, de Etnografia, de Paleontologia, de Geologia, etc, surgiram, a partir do final do século XVIII, como bibliotecas de objetos, laboratórios onde se faziam pesquisa, muitas vezes ou forma inovadora, diante das universidades (como foi o caso do jardim de Plantes de Paris), ou pioneira (como foi o caso do Museu de História Natural, no Brasil). Os Museus interativos e centros de ciência que surgiram no decorrer do século XX marcaram transformações profundas na natureza da instituição, que enfatiza sua dimensão de espaço de informação, comunicação e educação. Estes Museus fazem pesquisas na área de educação e comunicação, mas não guardam coleções e laboratórios de investigação. Tornam-se espaços voltados para a promoção do encontro de diversos públicos com fragmentos e discursos do fazer e do saber científico (SEPÚLVEDA, set/2003, s/p).
118
Os objetivos principais desses locais englobam o despertar do interesse pela Ciência e o
aumento da consciência sobre o papel e a importância da Ciência na sociedade,
proporcionando experiências educativas para que os usuários compreendam princípios
científicos e tecnológicos. Em outras palavras, promover a aproximação à compreensão
pública da Ciência e à tecnologia mediante atividades de popularização de Ciência e
Tecnologia e experiências educativas informais e não-formais apoiadas em enfoques
interativos, experimentais e lúdicos. Quanto maior for o nível de Cultura Científica do
cidadão, maior será a possibilidade do controle social da Ciência e da Tecnologia. Acredita-se
que cada indivíduo que passa pelo Museu ou Centro de Ciências torna-se mais apto a opinar
sobre assuntos relacionados ao dia-a-dia, tais como transgênicos, clonagem, preservação do
meio ambiente e outros que exigem uma base científica mínima para a formação de uma
opinião consciente. No entanto, é bom deixar claro, que são poucos os museus que fazem
exposições ligadas a esses temas. Normalmente, o assunto não faz parte do acervo principal
dessas instituições, sendo apenas abordados nas exposições itinerantes, ou seja, exposições de
curta duração.
Desde que se entenda um Museu ou Centro de Ciências como uma Instituição de
Educação Informal, parece natural a idéia dela voltar-se à alfabetização em Ciências. Eles não
têm as limitações do conteúdo programático do ensino formal das escolas e estão livres dos
limites discursivos de espaço físico e temporal. A educadora SEPÚLVEDA escreve que essa
compreensão do museu como espaço educativo é sobretudo uma proposta norte-americana,
que tem se espalhado em maior ou menor grau mundo afora.
(...) Neste movimento, o quadro profissional dos museus sofreu modificações: ao curador, ao zelador, ao cientista vêm juntar-se professores e educadores, cientistas pesquisadores com sensibilidade para a educação. Assim, a atividade educativa vem se especializando nestas instituições e, atualmente, existem cursos de nível universitário nos Estados Unidos, principalmente, mas também no Reino Unido, e na Europa continental, para a formação de especialistas educadores de museus (SEPÚLVEDA, set/2003, s/p).
Por outra perspectiva, os museus vistos como Centros de excelência em educação
cient ífica também podem envolver-se na educação continuada de professores. O
envolvimento nas múltiplas iniciativas dos museus pode propiciar uma reflexão e um
aperfeiçoamento constante dos modelos didáticos de professores, especialmente do Ensino
Fundamental e Médio. Da mesma forma, especialmente quando um museu está inserido numa
119
Universidade, os alunos dos cursos de formação de professores também podem beneficiar-se
de uma integração da formação com a educação que ocorre nos museus.
(...) los centros de ciencias son colecciones de ideas, de fenómenos naturales y de principios científicos, más que de objetos. Propician la participación activa del visitante; y su carácter es mayormente interactivo, pues procuran la interdependencia y acción recíproca entre exhibición y usuario, para estimular su razonamiento sobre la acción, como medio de comprensión y aprendizage. Estos centros tienden a basarse em tecnologías modernas y en enfoques lúdicos. Dan primacía a una experiencia individual ‘tetradimensional’, em que las exhibiciones son objetos tridimensionales y la ‘cuarta dimensión’ es la interactividad.(...) (PADILLA, 2001, p.116).
Exemplos de Sucesso
Dentro dessa temática (Museus e Centros de Ciências), destaco alguns modelos
americanos e europeus que vem obtendo grande sucesso desde sua criação. Em primeiro
lugar, o Exploratorium, fundado em São Francisco (EUA) no ano de 1969, originalmente
concebido pelo físico Frank Oppenheimer, centra a sua atenção na Natureza tendo como
condutor a percepção humana. A Física, o Humor e a Arte se conjugam para criar módulos
interativos e instrutivos.
Observar, experimentar, tocar, mexer, sozinho ou em grupo, são atividades que os
visitantes podem realizar na coleção de 66 módulos interativos do museu. No
Exploratorium, as pessoas podem descobrir brincando como ocorrem os terremotos e como
as dunas se movimentam, há simulação de redemoinho na água. E também exposições
especiais sobre efeitos da luz e propriedades dos espelhos, nas quais, ao lado de experiências
científicas, há equipamentos lúdicos, como o que funde o rosto de duas pessoas, por exemplo.
Também na América do Norte temos o Centro de Ciências de Ontário, inaugurado em
Toronto (Canadá), no mesmo ano (1969), em uma edificação inovadora. Esse Centro, além da
preocupação com a divulgação e popularização da Ciência, tem o objetivo de apoiar a
Educação formal, possibilitando inclusive a freqüência regular de alunos, em convênio com as
escolas, às suas instalações. Combina-se entretenimento e sistemas não formais de instrução
com uma grande variedade de atividades e demonstrações de todos os tipos, procurando
familiarizar as pessoas com os conceitos físicos.
Na Europa, mais especificamente em Londres, destaque para o Science Museum.
Fundado em 1857 e com 35.000 m² de área de exposição, recebe por volta de 4 milhões de
visitantes por ano.
120
O Museu é ao mesmo tempo depositário de material de interesse histórico e instrumento de divulgação científica. Possui uma coleção de 50.000 itens de interesse para a história da Tecnologia e da Ciência, e mais 200.000 itens de interesse histórico em Medicina. (...) O Science Museum possui também um Centro Educacional, ou seja, um Centro de Ciências, dentro do Museu de Ciência, que atende mais de 5.000 grupos de escolares por ano. Neste atendimento há um pacote de instruções detalhadas para o professor entregue em data prévia à visita. (...) (HAMBURGER, 1987, pp.3 e 4).
Na América Latina, temos o Centro de Ciências Explora, situado na cidade de León
(5ª do país), no estado de Guadajanuto, México. Fundado em 23 de novembro de 1994, o
Explora é uma referência no país e está situado em um grande parque de 25 hectares que
circunda um local de tratamento de água. Sua origem é muito peculiar: foi desenvolvido por
um Conselho de cidadãos, que organiza a cada ano a famosa Feira Estadual de Leon. Essa
feira popular apresenta exposições industriais, artesanatos, sendo visitada por muitas pessoas,
- cerca de cinco milhões em quatro semanas que deixam uma quantia econômica muito
grande na região. Legalmente, está constituído como um órgão descentralizado da
administração municipal de León, o que lhe dá muita liberdade administrativa e operacional.
O Centro tem pouco mais de 10 mil metros de construção; possuí seis salas temáticas
com exibições em sua maioria interativas, algumas são só demonstrativas, e a minoria
contemplativa; Teatro Imax para a exibição de filmes no formato gigante; cinco espaços para
oficinas educativas e divulgação; um auditório pequeno; área para exposições temporárias;
computadores e um parque que também contém exibições permanentes, porém de valor
histórico.
Um projeto de grande destaque do Explora são os Centros de Saber, multitecas
gratuitas, que proporcionam serviços de informação, conhecimento e aprendizado para a
população. Os Centros de Saber se diferenciam das bibliotecas porque oferecem outros tipos
de saber, como murais, aulas, oficinas, palestras, cursos, etc, todos com um elemento
educacional que contribuem para o desenvolvimento do pensamento.
Como muitos já indicaram, a causa recente da grande procura pelos museus de caráter
educativo. Talvez esteja associada ao seu potencial de aprendizagem. Segundo FALK,
KORAN e DIERKING (apud MAURICIO, 1992, pp. 27 e 28), há seis características que
tornam os museus mais atraentes, inclusive os Museus e Centros de Ciências.
1) Museus são ambientes de escolha livre, onde você pode visitá-lo ou não, e,
numa visita, pode se envolver ou não; 2) Museus, geralmente, não são avaliativos e competitivos;
121
3) Os aprendizes dos museus são heterogêneos, em idades, conhecimento social e motivação, diferente da homogeneidade de muitos ambientes educacionais;
4) Museus são locais onde podem ocorrer tipos específicos de aprendizagem, diferente da aprendizagem generalizada das salas de aula;
5) Museus são ambientes sociais que encorajam a aprendizagem em grupo; 6) Nos museus, os objetos, as coisas, os experimentos são a essência,
enquanto que, nas escolas, depende-se excessivamente das palavras.
Conforme os tópicos apresentados por esses autores, fica visível o potencial dos museus
no processo de aprendizagem. Não podemos, no entanto, dizer que esses locais são livres de
defeitos. Apresentam pontos fortes e fracos, e recebem pessoas com as mais diferentes
motivações e disposições. Por isso, em muitos casos, torna-se difícil conhecer o impacto que
de fato exercem sobre o público que os freqüentam. O certo é que os museus, hoje, são
espaços de grande importância, pois contribuem tanto para o aprendizado das pessoas quanto
para o crescimento de uma cidade. Conforme Horácio Costa (1999, p.115),
os Museus são hoje, espaços de alta importância, não só porque neles está uma parte do arquivo milenar, estável, dos povos, mas também porque, nas últimas décadas, seus espaços passaram a ser prepositivos, transformadores, vivos. Isto é, espaços de resgate e geradores de humanidade. (...) Realmente, hoje em dia, os Museus representam tão bem ou talvez, melhor, o espírito do espaço urbano coletivo, a ágora [praça] ateniense. Hoje em dia, uma cidade sem Museus não pode esperar desenvolver o espírito cidadão de seus habitantes.
A presença de Museus e Centros de Ciências indica que o país, o estado e as cidades
estão preocupados não somente com a sua história, mas também, com o desenvolvimento de
seus habitantes. Esses locais permitem um diálogo de Ciências com a sociedade, ainda mais
em países em desenvolvimento como é o caso do Brasil.
122
3.2. Perspectiva Histórica no Brasil
No Brasil os Museus de História Natural sempre foram conhecidos como Museus de
Ciências. Nesse sentido, temos um dos mais antigos Museus de Ciências do mundo, o Museu
Nacional criado por D. João VI em 6 de junho de 1818, no Rio de Janeiro, com a
denominação de Museu Real. Desse período temos também a criação da Imprensa Régia, da
Biblioteca Nacional, do Real Horto e das primeiras Escolas Superiores destinadas à formação
de cirurgiões e engenheiros.
Antes da criação do Museu Real, havia uma grande preocupação com a descrição da
natureza do Brasil. Os jesuítas André Thévet e Jean de Léry e os naturalistas holandeses que
acompanhavam Maurício de Nassau desenvolveram estudos sobre a nossa flora. Portugal
havia proibido a criação de Universidades no país, monopolizando o ensino até o nível
secundário, pelos Jesuítas. Por isso, a Ciência no país ficou tão atrasada em relação à
desenvolvida em outros países da América. Esta situação só veio se modificar com a ascensão
do Marquês de Pombal em Portugal.
Como resultado das reformas que Pombal introduziu, surgiu em 1772, a Sociedade
Científica do Rio de Janeiro, com o objetivo de difundir os conhecimentos científicos do
campo da Botânica, Zoologia, Química, Física e Mineralogia. Mas foi somente com a vinda
da Côrte portuguesa para o Brasil, que nasceram instituições técnico-científicas e algumas
atividades de pesquisa.
Pode-se, então, dizer que os museus brasileiros tiveram suas origens associadas a dois
momentos: a transição para o século XIX, caracterizada pela crise do antigo sistema colonial e
a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil. Para TRIGUEIRO (1958,
p.77), a história dos museus no país se divide em três períodos:
I – Da instalação do Museu Real, no Rio de Janeiro, em 1818, até a criação do Museu Histórico Nacional, em 1922; II – Da fundação do Museu Histórico Nacional até 1930; III – De 1930, com a criação do Ministério de Educação e Saúde, até os dias atuais.
3.2.1 Primeiro Período
Período longo, porém, sem a importância dos demais. O grande destaque foi a fundação
do Museu Real em 6 de junho de 1818. Esse Museu ficou conhecido como Casa de História
Natural (criada em 1784 pelo décimo-segundo vice-rei do Brasil, Luiz de Vasconcelos e
Souza e abandonada pelo seu sucessor), popularmente chamada de Casa dos Pássaros, que
15
CARLA DE OLIVEIRA TÔZO
O PAPEL DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA
FORMAÇÃO DAS CRIANÇAS:
A EXPERIÊNCIA DA ESTAÇÃO CIÊNCIA
Universidade Metodista de São Paulo
Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2005
123
por mais de 20 anos colecionou, armazenou e preparou produtos naturais e adornos indígenas
para enviar a Lisboa. Seu acervo básico era constituído por uma coleção de Mineralogia
comprada de um professor chamado Werner, e mais tarde acrescida de uma coleção de
Zoologia de naturalistas que viajavam pelo Brasil.
No início, o objetivo do Museu Real era essencialmente prático. D. João VI, no decreto
de inauguração, dizia que ele serviria como depositário das riquezas nacionais. RIBEIRO
(1989, p.122) afirma que “além de depositário das riquezas do Brasil, que lhe cabia
identificar, científica e utilitariamente, o Museu se tornaria consultor do governo imperial
para assuntos de interesse econômico, fossem eles mineralógicos, agrícolas ou industriais”.
Instalado no prédio hoje ocupado pelo Arquivo Nacional, o Museu contava com
material oferecido pelo próprio D. João VI, que se constituía de peças de arte, coleções de
quadros, objetos de mineralogia, artefatos indígenas, animais empalhados e produtos naturais.
Durante a primeira metade do século XIX, o acervo do Museu ampliou-se com o recebimento
de coleções Antropológicas, Mineralógicas, Zoológicas e Biológicas, formando um conjunto
respeitável. Em 1819, anexava-se a ele o Jardim Botânico. Porém, conforme escreve
SCHWARCZ (1989, p. 30), o Museu:
apesar de toda a imagem de brilho que parecia comportar, padecia de um mal semelhante ao das outras instituições criadas por D.João; consideradas ‘efeitos de civilização’, ou estabelecimentos sem raízes profundas, o Museu conservava-se longe dos ‘padrões científicos’ das instituições européias. O Museu Nacional parecia cumprir naquele momento, papel antes de tudo comemorativo: espécie de depositário de coleções e curiosidades, expostas sem qualquer classificação ou delimitação científica.
Além disso, só em 1821 a Instituição foi aberta ao público e com limites. “Na quinta-
feira de cada semana, das dez horas da manhã a uma da tarde, não sendo dia santo, a todas as
pessoas, assim estrangeiras como nacionais, que se fizerem dignas pelos seus conhecimentos
e qualidades” (SCHWARTZMAN, 1979, p.58).
LOPES (1997, pp. 51 e 52), escreveu que, se pudéssemos ter visitado o Museu Real
nessas quintas-feiras, encontraríamos quatro salas de exposições, nas quais havia armários
repletos de produtos. Entre eles, as primeiras doações que o próprio D.João VI havia feito:
Um precioso vaso de prata dourado terminado por um grande coral esculpido que representa a batalha de Constantino contra Maxêncio; algumas antiguidades, como duas chaves romanas, um pé de mármore com alparcata grega, uma arma de fogo marchetada de marfim da Idade Média e imensos quadros de bons autores; duas peças contendo os diversos modelos de oficinas, das artes e dos ofícios, mandados fazer no tempo da Senhora
124
D.Maria I para instrução do Príncipe D.José; dois armários octaedros, contendo oitenta modelos de oficinas das profissões mais usadas no fim do século passado.
Pelo Museu passaram vários diretores: João da Silva Caldeira, Frei Custódio Alves
Serrão (1828-1847), Frei Alemão (1866-1874), Ladislau Netto (1874-1893) e Batista Lacerda.
Em 1876, foi reformado para tentar se equiparar aos museus mais avançados do mundo.
Foram criados os Archivos do Museu Nacional, revista de publicação trimestral destinada ao
relato dos trabalhos produzidos na Instituição por pesquisadores nacionais ou estrangeiros.
Em seus primeiros momentos, o desenvolvimento do Museu foi lento, pois segundo o
pesquisador LACERDA (1914), não contava com dois elementos fundamentais: as conquistas
que viabilizaram os museus europeus e recursos financeiros. Embora criado em 1818, o
período de apogeu do Museu Nacional, no que se refere à maior produção, se dá a partir de
1870, quando começou a circular a nova revista. E o museu passou a montar cursos,
empreender pesquisas e ampliar o período de visitas para três dias por semana.
É importante, destacar o papel estratégico que o Museu Nacional teve perante aos
museus do mundo:
(...) armazenando do modo mais completo possível os produtos locais ‘únicos’ desta parte do mundo, o museu atuou como ‘local’ para os museus ´centrais´ europeus, garantirem durante todo o século XIX (...) seu lugar de provedor dos museus europeus. Pôde facilitar também, em certa medida, o trabalho dos viajantes que vinham para cá, permitindo aos europeus o acesso ao ´invisível´. Este foi o caso, por exemplo, do pintor Debret, que esteve no Brasil entre 1816 e 1831 e nem sempre precisou enfrentar as agruras das selvas brasileiras para fazer o seu trabalho, pois pôde desenhar, com base nas peças depositadas no museu, máscaras, vestimentas, instrumentos, armas e mesmo cenas de combate entre indígenas, que ele nunca pôde ver (LOPES, 1997, pp.47 e 48).
Em 1892, o Museu Nacional foi transferido para o Palácio da Quinta da Boa Vista.
Durante a sua longa existência sofreu algumas reformas, dentre elas a de Roquette Pinto, em
1931, de grande importância, pela criação do setor de Assistência ao Ensino. Pelo decreto
8.689 de 16 de janeiro de 1946 foi incorporado à Universidade do Brasil.
Nesse período, ao longo de todo o país surgiram outros museus. Na região Nordeste, por
exemplo, tivemos, em Recife, na data de 28 de janeiro de 1862, a fundação da Sociedade
Arqueológica e, em Salvador (1894), o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
125
3.2.2 Segundo Período
É dessa época (entre o final de 1800 e início de 1900) a criação de dois grandes museus
brasileiros. O Museu Paulista (conhecido como Museu do Ipiranga) e o Museu Paraense
Emílio Goeldi. Na opinião de LOPES (1997, p.153), a proliferação dos museus nesse período
representava o interesse das elites pelo desenvolvimento científico regional.
Essa proliferação de museus e as reformas do Museu Nacional foram, por um lado, frutos da consolidação de diferentes elites e de iniciativas científicas regionais. Integraram o conjunto de medidas estabelecidas pelo surto de desenvolvimento material do país do final do século, que incorporou a valorização da Ciência como prática concreta e como instituição social na remodelação da face do país.
O Museu Paulista tinha como idéia inicial a construção de um monumento
comemorativo à Independência do Brasil. Essa pretensão surgira logo após as comemorações
do segundo aniversário da Independência, mas, somente em março de 1885, o presidente da
província José Luiz d´Almeida Couto permitiu o início do projeto do italiano Tommaso
Gaudêncio Bezzi. Até então, a elite política local, não percebendo um sentido prático nesse
centro de estudos, retardava as suas contribuições e a entrada de verbas.
O edifício, que era o próprio monumento, foi concluído em 1890, e permaneceu
desocupado até que nele se resolveu instalar um museu, reflexo da transformação cultural pela
qual São Paulo passava na época, fruto do comércio cafeeiro. Um museu em São Paulo
parecia constituir, portanto, um suporte para outras significações, ou mesmo representar a
ascensão de uma província no cenário nacional¹.
O Museu teve como ponto de partida, em agosto de 1893, a aquisição da coleção
pertencente a Joaquim Sertório, um milionário paulistano. A coleção era constituída de
espécimes de História Natural sem qualquer classificação, peças dos mais variados gêneros,
objetos indígenas, quadros, mobiliário. Assim, “com esse material que possuía mais o caráter
___________________________ ¹ São Paulo, segundo ERNANI da Silva Bruno, transformava-se em finais do século XIX de pacata aldeia de estilo colonial em uma ‘metrópole do café’. Em 1827, fundava-se a Faculdade de Direito de São Paulo, e o movimento estudantil surgia alterando os costumes locais. Também nessa época, principalmente a partir de 1870, com o apogeu das plantações de café no Oeste Paulista, São Paulo transformara -se no ‘centro’ do comércio cafeeiro. Com o café chegaram os ‘grandes casarões’, as estradas de ferro, o ‘embelezamento’ da cidade (que se fazia, é claro, a despeito das péssimas condições estruturais em que vivia a população negra e imigrante) (Morse, 1970, Bruno, 1954).
126
de ´curiosidades gerais’, como um ‘gabinete de objetos exóticos’, o Museu Paulista foi
inaugurado oficialmente através da Lei nº 200, Decreto nº 249, de 26 de julho de 1894”
(SCHWARCZ, 1989, p.41).
Para dar ao Museu um caráter científico e profissional seguindo os moldes europeus, foi
contratado como diretor, no mesmo ano de sua inauguração, o zoólogo alemão Hermann Von
Ihering. Ele definiu como objeto do novo Museu “estudar a História Natural da América do
Sul e em particular a do Brasil, por meios científicos” (SCHWARCZ, 1989, p.41). Ainda em
1895 foi publicado o primeiro número da Revista do Museu Paulista, marcada por um projeto
bastante personalista de seu diretor. Logo na capa, além da imagem da fachada do Museu,
constava um breve currículo de Von Ihering e dois artigos que tratavam a história do Museu
Paulista de forma mítica, caracterizando-o como um monumento da glória paulista. A
preocupação maior do diretor em todo o período que conduziu o Museu (até 1915) foi o de
aproximá-lo o máximo possível dos modelos americanos e europeus de museus.
Seu substituto, o historiador Affonso D’Escrangnolle Taunay , manteve essas mesmas
características (local de estudos e pesquisas em Ciências Naturais) até o início da crise pela
qual os museus brasileiros passaram nos anos 20, fazendo com que se redefinissem seus
projetos. Sua seção de Biologia foi transferida, em 1927, para o recém-criado Instituto
Biológico, e em 1939 sua seção de Zoologia para a Secretaria da Agricultura, que mais
tarde tornou-se o Museu de Zoologia da USP. Em 1935, o Museu passou a fazer parte da
USP como Instituição complementar.
O Museu Paulista é um dos maiores museus nacionais e um dos mais visitados também.
Sua importância pode ser verificada em artigos e cobertura da grande imprensa. Além disso,
em 2000, o jornalista Rodolfo Martino, sob orientação da professora Dra. Graça Caldas
defendeu a dissertação de mestrado sobre o Museu, intitulada Museu do Ipiranga: a nova
imagem de uma instituição centenária, na Umesp. O trabalho registrou as conquistas, as
transformações e o resgate da imagem do Museu entre maio de 1994 e dezembro de 1999,
período em que ficou sob a direção do professor e historiador José Witter.
Outro destaque da época foi o Museu Paraense Emílio Goeldi. Durante todo o século
XIX, a região Norte e em especial a Amazônia foi palco privilegiado de uma série de
expedições científicas. Em 1866, vários intelectuais da região, interessados em formar um
Museu Nacional de História Natural, buscaram colocar em ação essa idéia através de
Domingos Soares Ferreira Penna, secretário do governo do Pará.
Em 6 de outubro de 1866, fundaram a Associação Filomática do Pará [filomática
significa que ama Ciências], com a participação de Domingos Soares Ferreira Penna
127
(geógrafo, etnógrafo, além de político e jornalista), Jonas Montenegro e Ladislau de Souza
Mello (ambos sem formação científica). Posteriormente, essa Associação se transformou em
museu, uma vez que em Belém, cidade onde se localizava, não tinha Escolas Superiores ou
Entidades de cunho científico. Seu principal objetivo era “o estudo da natureza amazônica, de
sua flora e fauna, da constituição geológica, rochas e minerais, da geografia da imensa região,
bem como assuntos correlatos com a história do Pará e da Amazônia” (CUNHA, 1966, p.8).
No entanto, a falta de verbas e recursos, por exemplo, fizeram com que o Museu, nos
últimos anos do Império, acabasse se transformando em mera repartição pública. Desse modo,
os deputados da Assembléia Legislativa resolveram fechá- lo em 1888, por considerá- lo inútil.
Ele foi reinaugurado em 1891, graças ao ‘boom’ da borracha na região, mas continuou
padecendo das mesmas carências: falta de verba, de objetivos e de pessoal capacitado.
Em 1893, o zoólogo suíço Emílio Goeldi, por indicação do governador Lauro Sodré,
assumiu a direção do Museu e, em 1894, elaborou uma nova estrutura para a Instituição.
Assim como Hermann no Museu Paulista, Goeldi procurou fazer do seu Museu uma cópia
fiel dos modelos europeus, trazendo (ou fazendo passar pelo Museu) uma série de
especialistas e colaboradores estrangeiros, como: Jacques Huber (botânico), Federico Katzer
(geólogo), Godofredo Hagman (zoólogo), Adolpho Ducke (zoólogo botânico), Joseph
Schonnann (empalhador), Curt Nimuendajú (etnólogo) e Ernest Lonse (desenhista
litográfico). Elaborou também duas revistas, nos moldes de publicações internacionais: o
Boletim do Museu Paraense e Memória do Museu Paraense.
Para LA PENHA (1991, p.19), Goeldi também deu a essa Instituição uma vocação
divulgadora:
Ele tinha essa idéia de transmitir o conhecimento para a grande população. Dizia que o dinheiro que sustentava a instituição vinha do povo (na época o Museu era estadual; hoje é federal), conseqüentemente, aquele grupo seleto de cientistas que viviam do dinheiro do povo tinha a obrigação de repartir com este mesmo povo o conhecimento que ele adquiria sobre a floresta Amazônica. Ele tentou várias atividades: foi o primeiro a montar uma exposição permanente (obviamente em estilo que lembra um gabinete de curiosidades do século XVIII); inaugurou palestras públicas, oportunas pelo interesse despertado pelo debate da borracha. Tudo isso se esvaiu em cinzas aí por volta de 1920 e só voltamos a pegar no assunto em 1985.
Emílio Goeldi ficou no Museu até 1907. Em 1931, a Instituição passou a se chamar
Museu Paraense Emílio Goeldi, em razão não só do seu trabalho no Museu, mas, sobretudo,
pela contribuição que deu ao Barão do Rio Branco na questão de delimitação de fronteiras
entre o Amapá e a Guiana Francesa, nos anos 1897/99.
128
O Museu Paraense também entrou em decadência na década de 20. Esse fenômeno
deveu-se, entre outros fatores, ao sucesso da Ciência aplicada, como aquela praticada, por
exemplo, em institutos como o Agronômico de Campinas (IAC) e o Instituto Oswaldo
Cruz no Rio de Janeiro. Para SCHWARTZMAN (1979), “na experiência da educação
técnica, nos sucessos alcançados na cultura da saúde pública por alguns fe itos expressivos na
área da agricultura e pecuária, a Ciência aplicada brasileira parece ter atingido seu auge nas
primeiras décadas do século”.
Nesse sentido, a produção dos museus, de resultados de difícil aplicação imediata, era
pouco valorizada, o que se refletia em recursos escassos. SCHWARCZ (1989, p.71) lembra
ainda que “o novo momento impunha aos museus cada vez mais a dura condição de
desmembramento e perda de autonomia com a concomitante vinculação a outros institutos e,
no caso paulistano, à recém-criada universidade de São Paulo”.
A chegada dos anos 20 marcou o final da chamada “era dos museus” nacionais. Para
SCHWARCZ, esses locais abandonaram seu “modelo enciclopédico”, mudando seus projetos
grandiosos e transformando-se, mais claramente, em museus exclusivamente dedicados às
Ciências Naturais. Com o Museu Paraense Emílio Goeldi ocorreu a mesma coisa, devido a
crise da borracha na região e àsaída de Goeldi da Instituição.
Pode-se constatar que os nossos museus passaram por dificuldades desde suas origens.
LOURENÇO (1999, p.265), na conclusão do seu livro Museus Acolhem Moderno, faz uma
análise da importância dos Museus para o Brasil e ressalta os problemas que ainda atrapalham
seu desenvolvimento.
(...) Se os museus em países ricos, são importantes, serão ainda mais no Brasil, que tem uma situação econômica bem diferente. Aqui os museus merecem atenção especial, pois podem garantir a produção, a reprodução e a disseminação de conhecimento. Se isso acontecer, os Museus beneficiarão parcela desassistida de nossa sociedade, com a vantagem de já existir uma rede espalhada pelo país, precisando ser revigorada e assumida pelos segmentos organizados. O futuro dos museus requer a reversão de um quadro de equívocos e carências no que diz respeito ao tratamento da cultura material deixada pelo ser humano. Se não modificarmos essa terrível realidade, ficaremos condenados a museus virtuais deslumbrantes, exportados com indiscutível competência para atrair e transformar os países pobres, como o Brasil (...) (p.265).
Não é de estranhar que os três museus tenham tido história semelhantes (tanto nos
momentos de glória quanto nos momentos de decadência). Um balanço geral feito pela
pesquisadora (ELIAS, 1992, p.142) mostra que as trajetórias desses museus foram muito
129
parecidas, principalmente em sua origem: “nascem da necessidade de uma parcela da classe
dominante afirmar-se enquanto tal, ostentando sua riqueza e saber. Uma elite ilustrada, onde
ter articulações com centros de estudos, patrociná- los em suas gestões de estudos, patrociná-
los em suas gestões políticas, acrescentar- lhe- ia signos de status”.
3.2.3 Terceiro Período A Revolução de 1930, que trouxe um sentido de renovação nacional, marcou o terceiro
período, do qual partiram decisões que deram aos museus brasileiros o desenvolvimento que
hoje verificamos.
Em 1937 foi sancionada a lei 378, que reorganizou o Ministério de Educação e Saúde
e criou o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e o Museu Nacional de
Belas Artes. Os dois órgãos foram incluídos entre as instituições de educação extra-escolar,
juntamente com o Museu Histórico Nacional, a Casa de Rui Barbosa, a Biblioteca
Nacional e outras.
No ano seguinte (1938), o Museu Histórico de Petrópolis, foi inaugurado como
resultado de um velho desejo do povo daquela cidade que, em 1922, já reclamara sua criação.
Em 1940, passou a se chamar Museu Imperial. Nele se encontra todo tipo de documentação
relativa ao Império Brasileiro, seja em peças, manuscritos ou bibliografia. No mesmo ano, na
cidade de Ouro Preto, foi criado o Museu da Inconfidência, cuja finalidade era reunir todo
tipo de material ligado à formação de Minas Gerais e à Inconfidência Mineira e seus
protagonistas.
Na cidade de São Paulo, com a contribuição do jornalista Assis Chateaubriand e grande
número de personalidades da sociedade bandeirante paulista, entre eles Yolanda Penteado e
Ciccilo Matarazzo, surgiu a idéia de criar o Museu de Arte de São Paulo (Masp), inaugurado
em 1948. Conforme TRIGUEIRO (1958, pp. 87 e 88) escreveu:
esse Museu manteve durante muito tempo diversos cursos, destacando-se o de formação de professores de desenho para o curso secundário, de tecelagem, desenho livre para principiantes, além da Orquestra Sinfônica Juvenil, composta de instrumentistas de 12 a 22 anos que tinha a finalidade de difundir e incentivar o estudo da Música.
Como uma de suas atividades iniciais, realizou uma exposição itinerante à Europa,
levando o que havia de melhor do seu acervo, causando sucesso em todos os países por onde
se apresentou.
130
Outra instituição importante para o país foi o Museu do Índio, criado em 19 de abril de
1953, no Rio de Janeiro, por Darcy Ribeiro. É a única instituição oficial no país
exclusivamente dedicada às culturas indígenas. Seu objetivo é divulgar uma imagem correta,
atualizada e sem preconceitos dessas sociedades junto a variados públicos, despertando,
assim, o interesse pela causa indígena.
Em 1954 foi criado o Museu do Diamante em Minas Gerais, com a finalidade de
recolher, classificar, conservar e expor adequadamente elementos característicos das jazidas,
formações e espécimes de diamantes ocorrentes no Brasil, bem como objetos de valor
histórico e artístico, relacionados com a indústria de mineração na região Diamantina.
No ano de 1956, o grande destaque ficou para o primeiro Congresso Nacional de
Museus, verdadeiro marco no desenvolvimento da museologia no Brasil, ocorrido na cidade
histórica de Ouro Preto, de 23 a 27 de julho, na Escola de Minas. Participaram dos trabalhos
cerca de 140 congressistas vindos de diversos pontos do país, desde o Amapá até o Rio
Grande do Sul, além de convidados internacionais como Dioclécio Redig de Campos,
conservador dos Museus do Vaticano na época.
Sobre os museus brasileiros, LOPES (1997, p.335) disse que:
(...) a despeito de suas dificuldades, desempenharam especificamente suas funções de centros de pesquisa não se restringindo apenas a atuarem como repositórios de objetos, mas buscando firmarem-se pela relevância de sua produção científica e de sua pesquisa experimental, ao lado das funções de catalogação e classificação de coleções (...).
O ano de 1957 viu surgirem muitos museus, como o do Café em Ribeirão Preto. Nesse
ano também ocorreu, na cidade de Salvador, o III Congresso Brasileiro de Folclore que
inaugurou oficialmente o Museu de Arte Popular, mantido pela entidade. Também tivemos
o Museu de São Carlos, no Estado de São Paulo e o Museu Regional de Mato Grosso na
cidade de Corumbá (MS). Já em termos de Museus de Ciências tivemos a criação do Museu
do Instituto Butantã.
O Instituto Butantã originou-se do trabalho de Vital Brazil, médico do interior paulista
que, por volta do final do século XIX, preocupava-se em atender os casos de envenenamento
por animais peçonhentos. Na época, só no Estado de São Paulo, chegava a ter 3.000 por ano.
Em 1901, o presidente Rodrigues Alves criou oficialmente o Instituto Butantã que, além do
estudo de animais peçonhentos, se tornou um dos principais produtores de soros e vacinas do
Brasil. O Museu também conta também com exposições de curta duração, atividades
educativas especiais dentro e fora da instituição, realizando ainda, pesquisas nessa área.
131
3.3 O Papel dos Museus e Centros de Ciências
3.3.1 O papel educacional e divulgador das idéias científicas
Após um histórico sobre a implementação dos Museus e Centros de Ciências no mundo
e no Brasil, esse tópico dedica-se a tratar especificamente sobre o papel educacional e o
divulgador científico dos Museus e Centros de Ciências.
A evolução dos Museus de Ciências para Centros de Ciências tem como característica
principal o tipo de relação existente entre o objeto exposto e o visitante. Anteriormente, era
uma relação estática e, agora, torna-se dinâmica, - um museu vivo - com a participação de
todos os envolvidos. Apertar botões e/ou chaves, construir coisas, manipular objetos, sentir
cheiros e texturas passaram a ser formas de apresentação de uma idéia aos observadores.
Visitantes passaram a ser chamados a interagir e a descobrir informações. Essas exibições
interativas/participativas, por suas características próprias, são facilitadores de aprendizagem,
tanto para crianças e adolescentes, como para adultos. A força delas reside, principalmente, no
fato de serem experiências concretas, carregando assim uma grande potencialidade para o
ensino de Ciências.
Ensino de Ciências diferente do ensino em sala de aula. Os Museus e Centros de
Ciências atuam como colaboradores ao ensino formal, exercem o que chamamos de ensino
informal por alguns e não-formal para outros. Isto se dá por meio de uma série de programas,
mas, principalmente, por exibições interativas que propiciam aos visitantes o
desenvolvimento de uma auto-educação em Ciências. E ainda, são oferecidos cursos e
atividades específicas, que atraem crianças, professores e o público em geral, interessado em
aprender ou reaprender algum tópico específico do conhecimento científico em diferentes
áreas.
Os Museus e Centros de Ciências vêm assumindo um espaço deixado pelas escolas que
se tornaram locais de experiências pobres, principalmente, por não oferecerem oportunidades
de se vivenciar Ciências, face à escassez de laboratórios.
O pesquisador e ex-assessor científico da FAPESP e do CNPq FUAD DAHAR SAAD,
em artigo (2000, pp. 21 e 22), disse que os Centros/Museus de Ciências diferem das escolas
porque: são ambientes de livre escolha; não são avaliativos e competitivos; os aprendizes são
heterogêneos; vários tipos específicos de aprendizagem podem ocorrer; propiciam situações
interativas; encorajam a aprendizagem em grupo e atuam no emocional do visitante. “A
interação desses vários fatores coloca o visitante numa posição emocionalmente favorável às
132
mensagens presentes num Centro de Ciências, criando condições propícias à aprendizagem e
ao desenvolvimento do interesse do participante pelo mundo das Ciências e suas aplicações”.
Para o autor (p.22), a importância dos Museus e Centros de Ciências como apoio à
Escola vem crescendo em todo o mundo:
Os Museus/Centros de Ciências, em todo o mundo, vêm assumindo importância crescente no processo educativo. Cada vez mais estudantes e a população em geral procuram esses espaços culturais. Como o desenvolvimento científico e tecnológico nem sempre é acompanhado pela apropriação, por parte dos estudantes e da população em geral, de parte da Cultura Científica e tecnológica subjacentes, esses espaços culturais constituem janelas para uma Alfabetização Científica. Isso vem preencher uma importante lacuna que a Escola de hoje não consegue oferecer: laboratórios vivos, interativos e, muitas vezes, com uma temática atual desafiador.
A divulgação e a popularização da Ciência é fundamental, na medida em que, hoje,
temos a consciência de que o conhecimento exerce um papel essencial no desenvolvimento
Científico, Tecnológico, Econômico e Social de uma nação. No entanto, há autores que
chamam a atenção para o papel desses Museus e Centros. MORAES (1998, p.111) defende a
idéia de que esses locais não podem ser vistos como milagrosos, porque o fato de facilitar o
acesso à demonstração de experiências científicas não é suficiente.
Muita gente entra, olha e nada entende, porque não há uma relação entre o acesso e o aprendizado se a programação não for muito bem estruturada, justificando a razão de ser da presença popular no ambiente mais acadêmico, mais científico. O centro tem, portanto, esta finalidade importante, que é a de fornecer não apenas o acesso, mas também de propiciar o aprendizado, a motivação e o despertar de vocações.
Por esse motivo, é muito importante checar com uma pesquisa empírica, por exemplo,
se de fato as pessoas estão compreendendo, aprendendo em uma visita aos Centros e Museus
de Ciências. Esses locais prestam um papel que deve ser entendido como complementar ao
ensino formal. Para RAW (1998, p.75):
Não se reforma o ensino de Ciências levando o aluno aos Museus e Centros de Ciências. Essas instituições entusiasmam o público que as freqüenta, conferem dinamismo ao aprendizado da Ciência, mas não se devem acumular expectativas irrealistas. Esse problema não é um defeito de um museu ou da Estação Ciência, em particular, mas o fato é que (...) o museu chama a atenção, mas não possibilita a estruturação do pensamento científico.
O fato é que, apesar das limitações (educacionais ou financeiras), os Museus e Centros
de Ciências realizam trabalhos que merecem destaque. Afinal, conforme afirma Aziz Nacib
133
Ab´Sáber (1998, p.27), os Museus e Centros de Ciências são um “espaço cultural de
importância fundamental para complementar a educação em seu sentido mais amplo, em
função de suas potencialidades e interdisciplinaridade nos mais diversos campos das Ciências
e das Tecnologias”.
No Brasil, existe mais de uma centena de Museus e Centros de Ciências, com
características específicas. Alguns são mais interativos, outros menos. O certo é que o
trabalho desenvolvido por eles contribui para o aprendizado e o despertar do conhecimento
científico. Para se ter uma idéia do trabalho desenvolvido por essas instituições, descrevo
abaixo algumas de suas atividades.
O Museu de Astronomia e Artes Afins (MAST) é um Instituto de Pesquisa do CNPq.
Fundado em 1985, tem desenvolvido trabalhos nas áreas de História da Ciência, Museologia,
Educação e Divulgação Científica. Divide com o Observatório Nacional um grande parque
no alto do morro de São Januário, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, onde se
desenvolvem diversas atividades ligadas à divulgação da Ciência. Possuem um Planetário
inflável (semelhante ao da Estação Ciência), que funciona apenas no segundo domingo de
cada mês, com sessões de 30 minutos cada, onde as pessoas podem ver imagens noturnas do
céu, imagens do sistema solar, sondas espaciais. Por solicitação de escolas, o Planetário
inflável pode sair do Museu.
O MAST oferece um serviço regular (Programa de Atendimento Escolar), que atende
a turmas de estudantes do Ensino Fundamental ao Superior, em visitas às exposições do
Museu. Antes, é necessário que o professor participe de um curso de capacitação com duração
de 2 horas e meia (semelhante ao Encontro Pedagógico oferecido pela Estação Ciência), no
qual são abordados os temas das exposições e as formas de relacioná- las com o currículo
escolar. Também vendem na sua “lojinha” os Cadernos do professor, material (em 4
volumes) que trata dos assuntos das exposições permanentes como, por exemplo, História da
Astronomia e Estações do Ano, que podem ser utilizados pelos professores como
complemento do ensino de Ciências em sala de aula.
Além disso, os professores podem participar da Oficina de Ciências, que têm por
objetivo ajudar na construção de experimentos e respectivos conteúdos. A Oficina acontece
durante um final de semana por mês, com carga horária de 16 horas a um grupo de 20 pessoas
(professores ou estudantes de Licenciatura).
Ao final de cada visita, conforme o público, ocorre uma atividade lúdica ligada à
Astronomia. As crianças, pela brincadeira amarelinha respondem a perguntas sobre o Sistema
134
Solar. Os adolescentes participam de uma gincana, na qual respondem sobre questões ligadas
às exposições.
Outra atividade lúdica é o Museu Conta História. No último domingo de cada mês, um
grupo de quatro pessoas conta histórias que visam divulgar e popularizar a Ciência. As
histórias são relatadas de forma descontraída e, dependendo do tema escolhido, são feitas
demonstrações de objetos relativos ao conto. Em seguida, são realizadas brincadeiras que
relembram o assunto da atividade, procurando despertar na criança o interesse por alguns dos
fenômenos científicos tratados. Por essas e outras atividades, o Museu recebeu o prêmio da
Red POP na categoria Centros de Divulgação Científica, no ano de 1997, comprovando a
importância do seu trabalho. Em 1999, sediou a VI Reunião da Red-Pop/Unesco, no qual se
discutiu o papel dos Centros e Museus de Ciências.
Um dos precursores dos Centros e Museus de Ciências brasileiros é o Centro de
Divulgação Científica e Cultural (CDCC), criado pela USP, em seu campus de São Carlos,
no Estado de São Paulo, no ano de 1982. Iniciou suas atividades durante o I Simpósio de
Integração Universidade e Escolas de 1º e 2º graus realizado em São Carlos, em novembro
de 1979. O objetivo de “contribuir para romper, a nível regional, a barreira que
tradicionalmente separa o Ensino Básico do Universitário” SCHIEL (apud GASPAR, 1993,
p.30).
A grande contribuição do CDDC é a criação das Experimentotecas. A Experimentoteca
é um Laboratório de Ciências, que pretende racionalizar o uso de material experimental, da
mesma maneira como uma biblioteca facilita o acesso aos livros. Ela é formada por material
experimental ou demonstrativo, fitas de vídeo, mapas, modelos e jogos nas seguintes áreas:
Ar, Água e Solo; Seres Vivos; Corpo Humano; Química e Física. Através da iniciativa do
CDCC, a Experimentoteca vem sendo implantada em outros Museus e Centros de Ciências
brasileiros, como a Estação Ciência, por exemplo.
Hoje, além da Experimentoteca, o CDCC tem oferecido cursos e orientações específicas
nas áreas de Química, Física, Matemática, Biologia, Educação Ambiental e Astronomia aos
professores do Ensino Fundamental e Médio.
No Rio de Janeiro, o destaque é o Museu da Vida, situado no campus da Fiocruz
(Fundação Oswaldo Cruz), Instituto conhecido pelo papel que desempenha na área da Saúde e
que está inserido em uma região carente e violenta da cidade. Inaugurado parcialmente em
1994 e ampliado em 1999, o Museu é cercado por uma população de mais de 600.000 mil
habitantes, que ocupam 69 favelas pertencentes aos chamados complexos de Manguinhos, do
Alemão, da Maré e da Penha.
135
O Museu é dividido em quatro eixos temáticos: 1) Espaço Biodescoberta (abriga
exposição permanente sobre o conhecimento científico e sua influencia na vida e na história);
2) Ciência em Cena (arte através da Ciência); 3) Parque da Ciência (permite ao visitante
experimentar e construir conceitos que ajudam a entender como as coisas funcionam); 4)
Passado e Presente (local onde se descobre como era o Rio de Janeiro no início do século
XX, quem foi Oswaldo Cruz e o que foi a Revolta da Vacina).
Devido o fato de estar situado em uma região carente, o Museu tem desenvolvido ao
longo desses anos diversos projetos junto à comunidade. Alguns deles são:
¦ Programa Fazendo e Aprendendo: perspectivas para menores carentes – proporciona estágios em jardinagem, escritórios e laboratórios, além de aulas de reforço escolar e apoio psicológico para adolescentes carentes de 16 a 18 anos; ¦ Programa de Estudos Fundamental (PEF) – Através deste programa, trabalhadores e prestadores de serviço do Museu que não completaram o ensino fundamental podem terminar seus estudos dentro da instituição; ¦ Curso de Formação de Monitores para Museus e Centros de Ciências – Capacitação de jovens estudantes do Ensino Médio de Escolas Públicas, moradores do Complexo da Maré, para desenvolverem atividades de monitoria em Museus de ciência. O curso faz parte do programa Jovens Talentos para a Divulgação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa Carlos Chagas Filho (Faperj). “O objetivo é contribuir para o desenvolvimento de cidadãos e não, apenas, profissionalização. Uma das prioridades é formá-los enquanto multiplicadores de informação em saúde, a partir de temas por eles mesmos eleitos, como violência, doenças sexualmente transmissíve is e gravidez na adolescência” (FERREIRA, 2002, p.54).
Projetos dessa natureza têm contribuído muito para a formação dos jovens. Na 8ª
Mostra de Material de Divulgação e Ensino das Ciências, organizada e sediada pela
Estação Ciência, em São Paulo, no ano de 2003, uma das palestrantes foi uma jovem carioca
que fez parte desse curso de formação de monitores. Para ela, que não tinha muitas
perspectivas de vida, o curso foi importantíssimo. Hoje ela faz faculdade de Biologia e um
estágio no Museu.
Um dos principais Museus de Ciências do país está situado na região Sul, mais
especificamente na cidade de Porto Alegre (RS). O Museu de Ciências e Tecnologia (MCT)
da PUC-RS é considerado o maior Museu Científico interativo de toda a América Latina. Seu
objetivo principal é despertar em crianças e jovens o interesse pela Ciência, misturando
aprendizagem com diversão.
A história da Instituição começa em 1964 com a organização de coleções didáticas e
científicas. Em 1967, essa coleção pertencente ao Museu de Ciências passou a fazer parte da
136
PUC. No entanto, a inauguração do prédio em que se encontra o Museu ocorreu apenas em
1993, com a realização de uma grande Feira Internacional de Ciências e a abertura para o
público em dezembro de 1998.
O Museu da PUC-RS tem 20 mil m² e está distribuído em cinco pavimentos: 2º Subsolo
(acervo científico), 1º Subsolo (parte administrativa, coordenação e laboratórios), Térreo
(recepção, loja, lanchonete e exposições ligadas a educação ambiental, além de um cantinho
especial para as crianças), 2º Pavimento (Terra, Seres Vivos, Pré-história, Saúde, áreas de
Matemática, Biologia, Física, Química e Computação), 3º Pavimento (clube do computador e
exposições ligadas a Física como luz, calor, ondas, som e etc) e os Mezaninos (com Desafios
dos Números e Comunicação).
Os objetivos gerais são: promover a melhoria do ensino formal e informal de Ciências e
Matemática e da formação de professores; difundir o conhecimento cientifico para a
comunidade, popularizando os fenômenos e contribuindo com a Educação; realizar pesquisas,
capacitar pessoal e produzir material científico, entre outros.
Possuí os projetos: Núcleo de Apoio à Educação em Ciências e Matemática
(NAECIM) que visa melhorar o ensino por meio da educação continuada de docentes e é
integrado por professores das faculdades de Física, Química, Matemática, Biologia e
Educação da PUC-RS e o Projeto Escola-Ciência (Proesc) para crianças e jovens carentes
que não têm condições de ir ao Museu.
Existe também o Museu Itinerante, que é feito através do Promusit, um caminhão
reboque com 21 metros de comprimento, que transporta 60 experimentos e dezenas de kits
pedagógicos utilizados em oficinas e cursos dirigidos para alunos e professores.