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O trabalho do pedagogo na escola pública: frente à avaliação, ao
ensino noturno e a educação profissional
Lucia Cavichioli Pereira*
Eliane Cleide da Silva Czernisz**
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma análise que nos possibilite compreender e discutir os desafios do trabalho do pedagogo na escola pública hoje, focalizando instâncias de organização educativa tendo em vista a democratização da escola. São discutidas ações que precisam ser desenvolvidas pelo pedagogo visando a superação de um processo avaliativo excludente, além de análises e reflexões que desmistificam a realidade do ensino noturno e da formação profissional dos jovens. São apontadas algumas alternativas de mediação que devem ser viabilizadas pelo pedagogo no processo educativo, no sentido de redimensionar a qualidade do trabalho pedagógico e reconfigurar o papel social da escola.
Palavras-chave: pedagogo; avaliação; ensino noturno; educação
profissional.
INTRODUÇÃO
À medida que são expostos os desafios que a escola pública
tem a enfrentar, mais se evidencia o papel do pedagogo enquanto agente
que deve desvelar as contradições que estão presentes no contexto
escolar público, assumindo o compromisso de orientar o processo
educativo para dimensões mais amplas e de forma que venha a promover
a democratização dos espaços de participação, tendo em vista o acesso
de todos aos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade.
A ação do pedagogo deve envolver toda a problemática educativa e sua
* Pedagoga (UEL); Especialista em Avaliação Educacional (UEL); Mestre em Educação (UEL); Professora do Colégio Estadual Jayme Canet (Bela Vista do Paraíso); Professora da Faculdade UNINORTE (Londrina).
** Professora do Depto. de Educação – Curso de Pedagogia - Universidade Estadual de Londrina. Orientadora deste trabalho.
historicidade, enquanto campo de vivência de diferentes interesses e
conflitos sociais, colocando com clareza as contradições em que se
configuram a sociedade e o mundo do trabalho. Para isso, o pedagogo tem
como desafio provocar a realização de um trabalho educativo mais crítico,
desocultando os interesses que estão por trás das propostas educacionais,
das políticas públicas de educação, dos programas e projetos que fazem
parte da configuração da escola.
Para ter clareza das relações que se configuram no interior
da escola, como práticas avaliativas autoritárias e currículo escolar
incompatível com as características e necessidades dos alunos dos cursos
noturnos e educação profissional, que reafirmam uma visão alienada do
mundo e do trabalho, é necessário analisá-las a partir dos pressupostos
teóricos que têm sustentado a prática educativa de um lado e de outro,
buscar eixos teóricos que apontem outras perspectivas para a
democratização do espaço escolar. Dessa forma, neste trabalho, a
avaliação do ensino e da aprendizagem, o ensino noturno e o ensino
profissionalizante são considerados espaços e instâncias da escola que
apresentam fragilidades e equívocos que contribuem para uma ação
educativa excludente.
Consideramos que o pedagogo deve ser o articulador de
caminhos que favoreçam a busca e a consolidação de uma trajetória
educativa que permita reorganizar e democratizar esses espaços
educativos, levando em conta o contexto da escola atual e o da escola
desejada. Um profissional, portanto, capaz de compreender as relações
educativas que ocorrem no âmbito da sociedade, dos sistemas de ensino,
da escola, da sala de aula, das modalidade de ensino, todas elas
consideradas em seu contexto e que envolvem, simultaneamente,
dimensões individuais e sociais.
Ao analisar as múltiplas fragilidades da escola, cabe observar
que a avaliação se configura como uma das instâncias do processo
pedagógico que não tem possibilitado aos alunos refazerem,
reorganizarem ou retomarem as suas trajetórias de aprendizagem, nem
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tão pouco de concretizarem uma formação profissional mais humana e
consistente, sobretudo com aqueles que freqüentam o ensino noturno, na
sua maioria, jovens trabalhadores e pobres.
O ensino noturno, criado para atender alunos trabalhadores,
tem atualmente se apresentado como um dos maiores desafios para o
ensino público, observados os dados de altas taxas de reprovação e de
abandono, que são cada vez mais acentuadas e que expressam uma
contradição: uma formação rápida e precarizada para os que não puderam
ter assegurada uma escolaridade na idade/série adequada e, por
conseguinte, ingressam precocemente num mercado de trabalho seletivo,
que exige formação especializada, com conhecimentos e habilidades cada
vez mais complexos.
Referindo-se a educação profissional também são históricos
os problemas e as dificuldades já que nesta área de formação as políticas
públicas não têm apresentado as bases necessárias para uma formação
consistente, que possibilite aos jovens uma capacitação profissional sólida,
aliada a uma visão crítica da realidade advinda de conhecimentos
científicos adquiridos na escola.
Entendemos que o pedagogo é o profissional da educação
co-responsável na tarefa de promover uma relação dialógica entre os
princípios presentes no cotidiano escolar e outros que dele poderão fazer
um espaço da aquisição e produção de conhecimentos. Este é um desafio
por excelência, visto que o processo educacional deve estar voltado para
as reais necessidades de seus integrantes, de forma que a ação educativa
se consubstancie em espaço coletivo de trabalho, instituindo-se uma outra
lógica, que não este modelo autoritário e excludente muito presente na
escola pública, na sociedade capitalista.
Antes de tudo, é necessário ter clareza sobre as políticas
públicas que direcionam a educação brasileira, assentada num Estado
capitalista regulado pelas leis do mercado econômico internacional,
subjugadas assim à relação custo benefício, ou seja, no modelo “educar
para a cultura do mercado” (GENTILI, 1995, p. 158).
3
É de fundamental importância a ação do pedagogo nestas
instâncias da escola aqui focalizadas, como mediador de análises e
provocador de caminhos que possam consubstanciar uma outra
perspectiva para a escola. Contudo, o pedagogo também é refém das
circunstâncias que envolvem o processo educativo e a ele cabe refletir e
buscar fundamentos teóricos que o auxiliem na tomada de consciência da
realidade e de sua própria formação, para num movimento crescente de
ampliação das perspectivas de compreensão do papel da educação,
possa, por conseguinte, fazer o seu trabalho de forma mais consistente e
provocativa.
O PEDAGOGO E O PROCESSO AVALIATIVO
A instância avaliativa da escola está longe de ser um canal
que poderia permitir aos alunos uma participação mais efetiva no
processo que deveria servir de guia/orientação dos seus processos de
aprendizagem. Dessa forma, cabe indagar aqui: qual a real
responsabilidade do pedagogo no processo de avaliação educacional?
Como dar conta de interferir nessa área de ação pedagógica, visto que na
prática educativa observa-se que o pedagogo lida com a avaliação da
aprendizagem depois que esta já está consolidada, como por exemplo, ao
discutir com os professores nos Conselhos de Classe os resultados do
desempenho dos alunos em determinado período? Pelo menos são estas
as práticas mais comuns que observamos no cotidiano escolar.
Seria então sua função intervir nas relações que hoje se
encontram tão cristalizadas, de práticas avaliativas autoritárias e que não
avançam no sentido de reorganizar a avaliação como momentos para
desconstruir velhos rituais que não dão aos alunos a possibilidade de
integrarem-se ao processo educativo como sujeitos, que se constituem
4
não só no processo de aquisição de conhecimentos, mas também quando
podem ocupar espaços de participação na vida escolar.
Ao analisar as práticas avaliativas na escola fica claro que
ainda são utilizados instrumentos para atribuição de valor, com
julgamentos vinculados a notas ou conceitos, longe estamos de
possibilitar aos alunos a tomada de consciência de seus próprios
processos de aprendizagem, ou seja, não há metacognição, a auto-
avaliação não se consolida.
Voltando às indagações acima colocadas, cabe-nos observar
que o papel do pedagogo é fundamental no sentido de virar esse jogo da
avaliação para uma perspectiva afirmativa, a serviço do acompanhamento
dos avanços e dificuldades dos alunos, assegurando-lhes a possibilidade
de refazer, retomar e/ou avançarem o processo do aprender. Este
profissional da educação deve atuar de modo mais coerente com uma
perspectiva de avaliação menos excludente, menos incisiva, uma vez que
a aprendizagem é um processo complexo e não permite uma configuração
simplista expressa apenas em notas, conceitos ou menções. Com isto o
pedagogo tem que provocar no meio escolar uma releitura das práticas
avaliativas, confrontadas com outras perspectivas que devem ser
experimentadas sem que a escola abdique do seu papel de condutora do
processo de ensino e de aprendizagem.
Nesse processo de tomada de consciência de que a escola
realiza um processo avaliativo excludente, é importante compreender que
tal prática reflete uma visão precarizada do sistema de ensino como um
todo. Sendo equivocada a compreensão do papel da escola, ficam
comprometidos, conseqüentemente, os processos de ensinar, de
aprender, de avaliar, já que eles traduzem modelos superficiais, simplistas
e alienados de práticas já configuradas no moldes da visão mercadológica
da educação.
O pedagogo precisa assumir-se enquanto profissional que
compreende mais profundamente as implicações do processo educativo,
numa perspectiva dialética. Isto significa que deve paradoxalmente criar e
5
quebrar tensões, já que na sociedade capitalista nosso desafio constante é
superar padrões historicamente construídos a partir de uma concepção
positivista. Dessa forma, criar ou fortalecer espaços de participação e
vivências mais inclusivas e humanizantes deve ser uma das práticas do
cotidiano do pedagogo.
Sendo assim, criar uma outra perspectiva de análise da
realidade e de práticas mais autônomas de participação nas relações de
avaliação da aprendizagem exige, antes de tudo, uma compreensão mais
clara das concepções que sustentam o modelo de ensino e de avaliação
praticados na escola. Ao lado disso, provocar a reflexão sobre as práticas,
acompanhadas de um movimento constante de busca de referenciais que
expliquem as fragilidades e orientem trajetórias de ações mais
democráticas.
Pensar a avaliação pela dimensão dialética é uma via que o
pedagogo certamente deve promover, favorecendo a reflexão sobre a
prática cotidiana, à luz de conhecimentos teóricos que instrumentalizam
um fazer mais coerente, uma ação avaliativa mais abrangente, pois
compreender as relações que envolvem esse processo, certamente
fortalece a perspectiva de transformação pensada da realidade escolar.
No entanto, para dar conta desse movimento dialético do
pensar e do fazer pedagógico, mediado pelo espaço coletivo e sob a
orientação do pedagogo é preciso ter clareza das direções que podem ser
tomadas e das concepções adotadas, como aquelas que abrem a
possibilidade de se pensar uma escola para todos. Entender as múltiplas e
complexas relações dos e entre os processos de ensinar e de aprender é
estar consciente das implicações que podem estar envolvidas nas ações
do cotidiano escolar, como por exemplo, a compreensão de que os
comportamentos, as atitudes e as concepções tanto de alunos, quanto de
professores e também de pedagogos sobre tais questões, estão
fortemente vinculadas aos paradigmas que orientam as relações humanas
na sociedade capitalista.
6
Vivemos num mundo altamente seletivo e excludente e a
inserção nos espaços sociais exige uma grande versatilidade por parte das
pessoas para adequarem-se aos padrões exigidos pela sociedade
capitalista, ou seja, uma capacidade de articular-se nos engendramentos
cada vez mais complexos do universo em que vivemos. Dessa forma, a
escola acaba utilizando também mecanismos seletivos que são como
espectros da natureza social, que vão reproduzindo exatamente os
mesmos padrões de seleção, sustentados por uma frágil crença de
competência e de versatilidade. Dessa forma, a avaliação na escola, se
praticada de forma autoritária, será um instrumento a serviço desse
modelo social excludente.
Gerir o espaço pedagógico é uma das mais importantes
atribuições hoje do pedagogo e a avaliação representa a ferramenta chave
para desencadear outras práticas, já que ela pode revelar as reais
dimensões e finalidades da escola, indo ao encontro do que dela se
espera: assegurar uma sólida aprendizagem a todos os alunos.
Com ações simples o pedagogo conseguirá instigar todas as
instâncias da escola a olhar de forma diferente o processo de avaliação,
propondo, por exemplo: estudo contínuo de textos, livros, vídeos que
tragam uma abordagem avaliativa na perspectiva de acompanhamento do
processo de aprendizagem dos alunos; utilizar as reuniões de Conselho de
Classe não só para constatar se o aluno se apropriou ou não dos
conteúdos, mas acima de tudo, para planejar ações pedagógicas que
atendam as dificuldades dos alunos; garantir espaços de participação dos
alunos nos Conselhos de Classe e auxiliá-los na sistematização das suas
análises e proposições; orientar os professores na elaboração de
instrumentos de avaliação mais adequados e variados, voltados para a
avaliação dos conteúdos mais significativos do currículo escolar; reunir-se
periodicamente com alunos ou representantes de sala para ouvir suas
críticas e sugestões, não somente após a emissão dos boletins; colocar-se
como elo entre professores e alunos para rediscutir formas de avaliação,
resultados e alternativas de superação de dificuldades e de conflitos;
estimular a formação de grupos de estudo também entre os alunos para
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fortalecer a cultura do estudo para aquisição de conhecimentos e não
apenas para obtenção de notas; atuar como mediador na divulgação de
experiências de sucesso nessa área; combater relações autoritárias na
avaliação e fortalecer relações mais democráticas, fundados nos princípios
do trabalho coletivo, da ética e da liberdade como componentes
imprescindíveis para uma escolarização de qualidade.
Consideramos que a dimensão avaliativa representa um dos
mecanismos que assegura à escola a possibilidade de criar uma outra
cultura para compreender como se estabelecem as teias que resultam
num processo educativo não inclusivo. Quando a escola não dá conta de
ensinar, os resultados desse processo ficam explícitos nas altas taxas de
abandono e de reprovação, ou nos precários resultados de “provões”,
especialmente dos alunos que muito cedo passam por processos
educativos massificadores, que não asseguram uma aprendizagem
consistente. Pelo contrário, quando o processo educativo se realiza na
perspectiva inclusiva, a avaliação representa um meio para reorientar e
consolidar a ação educativa de forma mais intensa, favorece o progresso
contínuo, principalmente dos alunos que buscam no ensino noturno e na
educação profissional a possibilidade de continuidade/conclusão da
escolaridade básica. Dessa forma, o pedagogo entra nesse contexto como
o articulador das ações que vão engendrar a cultura de que a escola é a
única instituição que tem a finalidade específica de assegurar a
transmissão dos conhecimentos historicamente consolidados pela
humanidade.
Com isso, entendemos que o espaço escolar necessita da
figura do pedagogo para assegurar uma luta contínua para superação de
práticas avaliativas alienadas e excludentes, com atuação crítica no
sentido de propor e provocar uma ação educativa mais eficiente, mais
próxima das necessidades dos alunos e da lógica de um mundo melhor
para todos.
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O PEDAGOGO E O ENSINO NOTURNO
O ensino noturno foi criado para atender os alunos que já são
trabalhadores e para aqueles que almejam ingressar no mercado de
trabalho. Por que não atende? Por que é a modalidade em que se
concentram altos índices de evasão, de reprovação, de defasagem
idade/série? Como conciliar trabalho e educação de qualidade? Por que se
observa um descompasso entre o que é ensinado, como é ensinado e as
características de quem necessita freqüentar a escola noturna?
Responder a estas questões demanda, antes de tudo,
considerar as circunstâncias sociais e econômicas da maioria dos jovens
brasileiros que muitas vezes, são forçados a ingressar precocemente no
mercado de trabalho, deixando a escola em segundo plano.
Revisitando a história da educação brasileira observa-se que
o ensino para os jovens teve um desenvolvimento lento, fragmentado e
irregular, atendendo preferencialmente aos interesses das minorias
privilegiadas e distanciando-se, portanto, dos interesses das classes
populares.
Seguiu-se um período longo, em que é nitidamente clara a
marca social dos privilégios das classes burguesas, cujas oportunidades de
acesso ao nível superior são viabilizadas pela freqüência a cursos
secundários de caráter propedêutico, enquanto a classe trabalhadora
freqüenta o ensino profissional pelo seu caráter terminal, atendendo às
exigências e aos interesses do capital (GIULIANI; PEREIRA, 1998).
A dualidade se fez progressivamente presente na educação
de adolescentes e jovens pela
inexistência de articulação entre o mundo da “educação”, que deve desenvolver as capacidades intelectuais independentemente das necessidades do sistema produtivo, e o mundo do trabalho, que exige o domínio de funções operacionais que são ensinadas em cursos específicos, de formação profissional. Essa desarticulação se explica pelo caráter de classe do sistema educativo, uma vez que a distribuição dos alunos pelos diferentes ramos e
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modalidades de formação se faz a partir de sua origem de classe (KUENZER, 1992, p. 8).
A maioria dos alunos do ensino noturno, formada por
jovens trabalhadores, quando vai para a escola já está na 3ª jornada,
cansados, muitas vezes com fome, sendo reféns de uma trama que os
coloca na condição de desfavorecidos, de carentes e que, por isso, têm
um tratamento escolar mais flexível, menos rígido e então, a escola faz de
conta que cuida da formação destes jovens, trabalhando o mesmo
currículo dos cursos diurnos, ajeitando-os de forma que essa população
passe pela escola, certifique-se, e continue marginalizada, seja pela não
apropriação dos conhecimentos produzidos historicamente, seja por uma
falsa idéia de que estão preparados para o mundo do trabalho. Vê-se,
desta forma, a perpetuação da exclusão, já que na idade devida esses
alunos não tiveram a escolaridade a que tinham direito.
Sendo assim, a escola em nada contribui para modificar esse
círculo vicioso já que as políticas educacionais apenas expandiram o
ensino noturno, em todos os níveis da educação, sem darem conta de
resolver e recuperar a possibilidade de uma formação integral a que todos
têm direito. Repensar um currículo que seja adequado ao perfil e às
necessidades dos jovens trabalhadores é um desafio urgente para a
educação brasileira, por se tratar de uma parcela muito significativa de
alunos que são trabalhadores e que só têm possibilidade de formação
escolar em cursos noturnos.
É consolidada a trajetória de grande parte dos estudantes
dos cursos noturnos: ou reprovam, ou evadem, ou então, permanecem
numa escola que não está estruturada para atender as especificidades
desses alunos e que segue por décadas com esse quadro de perpetuação
do fracasso.
A escola destinada aos alunos trabalhadores não pode
descuidar da formação integral, nem tampouco desconsiderar que a
maioria precisa ter acesso ao conhecimento científico e tecnológico que
lhes permita uma formação profissional que garanta igualdade de
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oportunidades. Para isso é fundamental que a escola assegure a
compreensão do mundo do trabalho, o seu papel e a sua importância
social.
Atuar nesse contexto e nessa configuração da escola noturna
brasileira é um desafio que se coloca a professores e aos demais
profissionais da escola. Faz-se necessário constante reflexão para colocar
em prática alternativas de trabalho pedagógico compatíveis com os
anseios e necessidades daqueles que muito precisam de escola de
qualidade.
O que cabe então ao pedagogo, nesse quadro adverso da
escola noturna? Com que alternativas pode contribuir para dar maior
sentido e significado aos que precisam da escolarização noturna e,
também, aos professores que aí atuam? O enfrentamento desse desafio
exige envolvimento a partir da compreensão mais profunda das
circunstâncias em que estão estruturadas as escolas que ofertam ensino
noturno, do perfil dos alunos e das políticas que orientam seus currículos.
O pedagogo que atua no ensino noturno precisa ter clareza
das relações que configuram o mundo do trabalho e como essas relações
interferem na organização do processo de ensino. Percebe-se que quando
a escola precariza as condições de ensino, com práticas de flexibilização
do conhecimento, de facilitação, ou de docilização do que é ensinado, está
deixando de cumprir a tarefa educativa para reafirmar a exclusão social.
Aí o pedagogo pode então atuar como desencadeador de mecanismos que
assegurem aos alunos e, também aos professores, a compreensão da
realidade a que estão submetidos.
O aluno do ensino noturno precisa encontrar na figura do
pedagogo um profissional que esteja aberto a ouvir, a intermediar os
conflitos, a fazer intervenções positivas, a promover a motivação para o
estudo e freqüência às aulas, a incentivar a participação nas diferentes
instâncias escolares (Conselhos Escolares, Grêmio Estudantil,
Representantes de Turmas, Conselhos de Classe), tornando-se assim um
canal que viabilizará o avanço na trajetória de redefinição do papel social
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da escola, como a instituição que precisa assegurar a todos o direito a
escolarização, ainda que em condições não ideais.
Uma visão mais crítica do mundo e da sociedade se fortalece
se a escola cumprir sua tarefa específica de contribuir para a formação
histórico-cultural dos cidadãos-alunos, mediados então pelo esforço do
pedagogo no sentido de intensificar espaços de relacionamento
interpessoal, fundado nos princípios da democracia e do viver bem,
colaborando para o desenvolvimento de comportamentos compatíveis
com uma vivência coletiva colaborativa.
O pedagogo precisa, juntamente com os demais profissionais
que atuam na escola, caminhar no sentido de: ao mesmo tempo em que
se desenvolvam os conteúdos de forma mais elaborada, promovam-se
condições para que todos compreendam, vivam e interfiram no mundo de
forma mais consistente para superar a alienação.
É necessário considerar que as alternativas acima apontadas
precisam estar alinhadas com políticas públicas que viabilizem melhores
condições humanas e materiais para as escolas que ofertam a modalidade
de ensino noturno, incluindo espaços pedagógicos que complementem o
currículo e enriqueçam a qualidade do trabalho educativo: bibliotecas,
videotecas, laboratórios, equipamentos tecnológicos etc. Além disso, é
fundamental promover a formação inicial e continuada dos profissionais
envolvidos, buscando na reflexão coletiva uma compreensão mais clara do
currículo e dos conhecimentos necessários para a melhoria da qualidade
do ensino noturno.
Ser pedagogo no ensino noturno demanda, com certeza, ter
como perspectiva mediações que viabilizem uma ação educativa pautada
não no determinismo ou no conformismo, mas no embate, na ousadia, na
criatividade para o enfretamento da realidade e o apontamento de
caminhos a serem trilhados.
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O PEDAGOGO E A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
A trajetória da educação profissional no Brasil é marcada por
políticas públicas que destinaram a esta modalidade de ensino um espaço
pouco substancial de formação dos jovens trabalhadores. O que sempre
predominou foi uma estrutura educacional com uma formação mais geral
e diferenciada destinada as classes privilegiadas, com a possibilidade de
continuidade dos estudos superiores e, outra, destinada aos
trabalhadores, com características de terminalidade, com conteúdos
superficiais e repetitivos, arremedos de formação profissional e precárias
condições para aquisição de fundamentos científicos, tecnológicos e
histórico-culturais.
As mudanças dos últimos anos não alteraram o quadro
anterior do Ensino Médio. O que observamos são novas formas de
camuflar os privilégios. A formação geral se dá sem a mediação do
conhecimento científico-tecnológico para a maioria. Há possibilidade de
uma formação profissional, mas levando mais tempo e, portanto, tendo
mais custos, inclusive de oportunidades, principalmente dos pobres que
necessitam ingressar mais cedo no mercado de trabalho.
Nos dados apresentados pelo Censo Escolar no quadro
abaixo (MEC/INEP, 2006) observa-se que o Ensino Médio revela altas taxas
de reprovação e de abandono, o que representa um grande desafio no
sentido de reverter tal quadro, com políticas públicas que dêem conta de
corresponder e de atender à demanda de formação dos jovens brasileiros.
Há que se considerar que além da parcela significativa de jovens que são
excluídos pela reprovação ou abandono, há uma parcela considerável que
nem tem acesso a essa etapa da educação básica.
13
Ensino Médio
5.6 - Taxas de Aprovação, Reprovação e Abandono, segundo a Região Geográfica - 2005
Unidade da FederaçãoEnsino Médio - Taxas de Rendimento Escolar
Aprovação Reprovação Abandono
Brasil 73,2 11,5 15,3 Norte 70,5 8,7 20,8 Nordeste 70,9 9,0 20,1 Sudeste 76,1 13,0 10,9 Sul 72,3 14,5 13,2 Centro-Oeste 71,5 10,9 17,6Fonte: MEC/INEP.
Seria recomendável a pluralidade de alternativas para o
Ensino Médio, ao invés de restringir, faz-se necessário buscar a integração
entre formação geral e ensino profissionalizante para desenvolver as
múltiplas capacidades que promovem novas formas de preparação para a
cidadania e para o mundo do trabalho. O investimento na melhoria da
qualidade da educação média deveria priorizar a opção pelos
desfavorecidos socialmente, de forma que pudessem transitar por
diversas modalidades de oferta e, assim, amenizar as desigualdades. A
democracia pressupõe liberdade de escolha e liberdade de escolha
pressupõe diversidade de ofertas.
Kuenzer (2007) aponta algumas análises da educação
profissional nestes últimos anos, o que nos leva a compreender que a
fragilidade continua, mascarada pelo discurso de diferentes programas e
políticas, sem qualquer comprometimento efetivo do Estado em assumir a
sua responsabilidade nesta área. Pelo contrário, os estudos da autora
explicitam a destinação de recursos públicos para a iniciativa privada
desenvolver programas de formação profissional de forma precarizada e
aligeirada, sem nenhum controle e avaliação desses processos pelo
Estado. Observa-se que ao lado do que já é estabelecido na LDB 9394/96
sobre a educação profissional, foram então criados esses programas
(PLANFOR, PNQ)1 que estão sob a coordenação de outras Secretarias, não
1 Programas de formação profissional criados nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. PLANFOR (Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador); PNQ (Plano de Qualificação Profissional) – Analisados por KUENZER (2007).
14
vinculados diretamente ao MEC, para dar conta das carências dessa área
do sistema educacional. Vê-se assim, pouco, ou quase nenhum esforço, no
sentido de patrocinar nos estados o ensino médio profissional integrado.
Do ponto de vista do repasse de recursos públicos para a iniciativa privada, no Governo Lula não houve avanços no sentido da publicização, permanecendo, e de modo mais intenso, a mesma lógica: o repasse de parte das funções do Estado, e dos recursos para a sua execução para o setor privado sob a alegação da eficácia e da ampliação da capacidade de atendimento, segundo a concepção do público não-estatal a ser operacionalizada pelas parcerias com instituições privadas (KUENZER, 2007, p. 25).
Com estudos de diferentes pesquisadores sobre a realidade
atual do ensino profissionalizante, pode-se então destacar o quanto é
complexa a tarefa do pedagogo que atua em escolas que ofertam
educação profissional para jovens que buscam na escola uma qualificação
para inserção no mundo do trabalho.
Essa tarefa exige, antes de tudo, que se compreenda como é
visto o trabalho na sociedade capitalista. Segundo Paro (2001) é
fundamental que se compreenda que essas condições de formação
profissional precarizadas e a visão que se constitui do trabalho não são
naturais, mas advêm das relações que são colocadas pelo capitalismo.
Desvelar as configurações que nos parecem naturais no
mundo do trabalho é uma tarefa fundamental da escola. Paro (2001)
afirma que
é preciso que se coloque no centro das discussões (e das práticas) a função educativa e global da escola. Assim, se entendemos que a educação é atualização histórico-cultural dos indivíduos e se estamos comprometidos com a superação do estado geral de injustiça social que, em lugar do bem viver, reserva para a maioria o trabalho alienado, então é preciso que nossa escola concorra para a formação de cidadãos atualizados, capazes de participar politicamente, usufruindo daquilo que o homem histórico produziu, mas ao mesmo tempo dando sua contribuição criadora e transformando a sociedade (PARO, 2001, p. 25).
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O que cabe então ao pedagogo que atua em tais
circunstâncias? É possível atuar sob outras perspectivas que não a de
agente passivo diante das condições adversas em que está configurada a
formação dos jovens no final da educação básica? Como desvincular-se de
visões, concepções, práticas e crenças que advogam a idéia de que a
escola deve preparar para o mercado de trabalho?
Seria equivocado pensar que o pedagogo sozinho pode dar
conta de virar esse jogo, de recolocar a finalidade da formação
profissional, de educar para a cultura do trabalho e não para a cultura do
mercado. Mas existe a possibilidade de provocar a discussão, a análise
crítica e reflexões coletivas no sentido de instrumentalizar todos os atores
da escola, tendo em vista a superação da visão do trabalho alienado na
sociedade capitalista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais que enunciar as dificuldades que se fazem presentes no
cotidiano escolar pelo implementar de outras políticas públicas de
educação, urge que algumas possibilidades de ação sejam sugeridas no
sentido de vislumbrar outras perspectivas, de delinear outros horizontes,
na certeza de que, a partir de pequenos passos – muitas vezes tímidos – é
possível tracejar uma transformação pautada no compromisso com a
aprendizagem de todos e com a construção de um tempo e um contexto
mais humanos.
As ações que podem ser implementadas são ilimitadas e,
com certeza, precisam da ousadia e da coragem de todos aqueles que
sonham com uma escola que garanta a todos o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado.
16
Desta forma, neste trabalho são apresentadas algumas
sugestões que o pedagogo deve promover na escola. Então, faz-se
necessário:
• Cuidar da formação, buscando continuamente cultivar o hábito de
estudar, de participar de eventos, de organizar grupos de estudo, de
produzir materiais, de escrever, de trocar experiências com os
companheiros de função;
• Incentivar os professores e os demais funcionários da escola a
buscarem fontes teóricas para estudo e reflexão sobre o contexto
educacional e social, tendo em vista não só o aprimoramento
profissional, mas também uma compreensão mais ampla e clara do
mundo, do trabalho e das relações humanas e um maior
comprometimento social;
• Acreditar na possibilidade de mudança, ter ousadia e buscar
alternativas de trabalho que garantam a aprendizagem e o crescimento
de todos os alunos;
• Utilizar uma consciência mais crítica na análise e no desenvolvimento
da prática educativa, tendo uma atenção maior para com as políticas
públicas de educação, colocando-se de forma perspicaz e crítica em
relação aos órgãos superiores, cobrando das autoridades educacionais
e políticas posturas e caminhos que supram as necessidades da escola;
• Avançar com uma postura politicamente mais esclarecida e
cientificamente melhor fundamentada acerca da natureza do ensinar e
do aprender, com referencial bibliográfico crítico e atualizado;
• Auxiliar os professores na elaboração e utilização de técnicas e
instrumentos de avaliação da aprendizagem que dêem mais liberdade
aos alunos para revelarem seus avanços e suas dificuldades e,
conseqüentemente, reorientar o processo educativo;
• Incentivar na escola a superação de uma postura avaliativa
predominantemente classificatória para realizar uma avaliação mais
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processual, integrada ao processo de ensino e de aprendizagem e,
portanto, comprometida com o sucesso de todos os alunos;
• Promover o ato de planejar como forma de ultrapassar o improviso e
garantir um percurso mais fundamentado da ação e uma maior clareza
acerca do o que fazer e do como fazer, em decorrência de uma
compreensão mais clara do porquê fazer;
• Estabelecer metas a serem alcançadas, que contemplem a aquisição
dos conhecimentos historicamente construídos e que assim, possam
desencadear ações que tenham perspectivas políticas de uma escola
pública verdadeiramente mais democrática;
• Contribuir para o fortalecimento de uma relação pedagógica permeada
pela tolerância, pelo respeito e pela amistosidade, que favoreça e
estimule o interesse do aluno pela busca do conhecimento de forma
mais relevante e significativa para a sua vida, especialmente com os
alunos dos cursos noturnos e/ou da educação profissional;
• Rediscutir continuamente o plano curricular, os conteúdos e
conhecimentos a serem trabalhados, as metodologias, as avaliações
para que todos os alunos tenham a possibilidade de aprender com
consistência o que é ensinado, dando a escola conta de atender as
especificidades dos jovens, especialmente dos trabalhadores.
Sendo assim, cabe salientar que o pedagogo, enquanto
articulador de ações educativas deve ajudar a escola a redefinir a sua
prática, no sentido de desmistificar as relações que se configuram no seu
interior, buscando compreendê-las a partir dos pressupostos teóricos que
apontem para a democratização do espaço escolar.
É fundamental que o pedagogo supere práticas cotidianas
isoladas, sem reflexão e planejamento, que muitas vezes ficam
circunscritas a atividades de reorganização de horários, atendimento de
salas que estão sem professores, etc., deixando em último plano o que
seria o foco principal do seu trabalho: mediador da ação educativa.
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Pensar alternativas, oportunizar espaços de reflexão implica
co-responsabilizar-se na efetiva escolarização dos alunos. É não perder de
vista a perspectiva de que o trabalho pedagógico requer continuamente
uma capacidade de análise para não ficar refém o tempo todo das
armadilhas da sociedade capitalista: a exclusão, a marginalidade, a
alienação, o consumismo, o conformismo...
Contudo, não podemos deixar de destacar que cumpre ao
Estado o papel fundamental de garantir condições para que sejam
resolvidos os problemas da escola, não apenas via determinação formal
ou legal, mas com políticas públicas de educação mais sérias,
desatreladas de acordos internacionais estrategicamente planejados,
cujos repertórios de diretrizes não contemplam as reais necessidades dos
que buscam uma escola pública comprometida com uma formação crítica
e consistente visando uma sociedade mais humana, menos desigual e
mais democrática.
No Ensino Médio, ainda, são escassas as possibilidades de
articulação entre formação cidadã e educação profissional, quando se
diferenciam as possibilidades de atendimento para os que podem estudar
daquelas ofertadas para os que têm que trabalhar. Dessa forma,
aparentemente, são cada vez mais restritos – porque não reduzidos – os
compromissos do setor público com a educação, esboçando uma escola
com alternativas mínimas para o atendimento de uma grande parcela da
população que tem na escola pública, a única possibilidade de sair da
periferia do sistema.
Enfim, precisamos romper com a cultura da seletividade e da
exclusão, atenuar posturas avaliativas classificatórias e evoluir para
abordagens de ensino, de aprendizagem e de avaliação mais compatíveis
com as necessidades dos alunos, procurando construir uma escola mais
democrática e acessível a todos, comprometida com a transformação da
realidade. Isto é um sonho, mas um sonho que não é impossível, que deve
alimentar e encorajar a construção coletiva de um projeto educativo, com
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a luta de todos pelas condições necessárias para concretização de um
mundo melhor.
Mais do que nunca, portanto, é preciso salientar que o
pedagogo é o profissional que deve cultivar a esperança, a consciência
crítica, o debate, a pesquisa para que a escola possa ser um lugar onde se
viva a solidariedade, o respeito e a dignidade, valores que, certamente,
poderão dar um novo rumo a um processo educativo transformador que,
quiçá, faça emergir uma outra sociedade.
REFERÊNCIAS
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INEP. Disponível em www.inep.gov.br .
GENTILI, P. A. A.; SILVA, T. T da (org.). Neoliberalismo, qualidade total
e educação: visões críticas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
GIULIANI, C. A. ; PEREIRA, M. Z. C. Os (des)caminhos da educação
profissional no Brasil. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em
Educação, Rio de Janeiro, v. 6, n. 20, p. 405-20, jul./set.1998.
KUENZER, A. Z. Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo.
2. ed. São Paulo: Cortez, 1992. 166p.
KUENZER, A. Z. A Educação Profissional nos anos 2000: a dimensão
subordinada das políticas de inclusão. Curitiba: 2007. Disponível em
www.pde.pr.gov.br.
PARO, V. H. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001.
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