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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 O PAPEL IGREJA NAS QUESTÕES SOBRE O ENSINO NO MINISTÉRIO DE GUIZOT OLIVEIRA, Flávio Rodrigues de (UEM) OLIVEIRA, Terezinha de (Orientador/UEM) Muito se ouve dizer sobre as crises da educação atual, todavia, se a olharmos historicamente, perceberemos que ela se encontra em crise desde a sua gênisis. Desse modo, uma apreciação crítica sobre as questões deficitárias da educação do presente, requererá um retrocesso histórico, na medida em que, compreendemos que para uma boa apreensão do presente, o passado não deve ser isentado de análise. Aliás, será no passado que poderá se entender o porquê os homens se encontram em tais condições, quais os processos históricos que o levaram a tomar determinadas atitudes para a constituição do presente. Segundo Bloch, a história da humanidade deve ser compreendida como uma ciência feita por homens em seu tempo histórico, e é sob essa perspectiva que o trabalho caminhará. Percebe-se a partir da ação histórica dos homens, uma extraordinária instabilidade a qual o ensino público vem enfrentando. As diretrizes e/ou matrizes, grades curriculares se alteram de acordo com o momento político vivenciado pela sociedade, ora indo buscar se fundamentar em um ensino calcado por bases mais tradicionalistas, ora irão se determinar por uma tendência mais progressista. Sem querer julgar o passado ou estigmatizá-lo, busca-se compreender as questões que motivaram e motivam ainda hoje, uma retomada dos ensinos humanísticos a partir do processo de instituição da escola pública no século XIX na França. Nesse ponto um autor da magnitude de Guizot 1 se faz indispensável. 1 É sobre essas tendências educacionais que este artigo pretende permear buscando retomar Guizot, – grande figura dos círculos intelectuais e políticos do século XIX, que teve um esquecimento significativo nos campos da história devido às referências negativa à sua administração política e consequentemente desaparecendo enquanto historiador – e seu modelo de educação pautado em um ensino de caráter religioso.

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

O PAPEL IGREJA NAS QUESTÕES SOBRE O ENSINO NO

MINISTÉRIO DE GUIZOT

OLIVEIRA, Flávio Rodrigues de (UEM)

OLIVEIRA, Terezinha de (Orientador/UEM)

Muito se ouve dizer sobre as crises da educação atual, todavia, se a olharmos

historicamente, perceberemos que ela se encontra em crise desde a sua gênisis. Desse

modo, uma apreciação crítica sobre as questões deficitárias da educação do presente,

requererá um retrocesso histórico, na medida em que, compreendemos que para uma

boa apreensão do presente, o passado não deve ser isentado de análise. Aliás, será no

passado que poderá se entender o porquê os homens se encontram em tais condições,

quais os processos históricos que o levaram a tomar determinadas atitudes para a

constituição do presente. Segundo Bloch, a história da humanidade deve ser

compreendida como uma ciência feita por homens em seu tempo histórico, e é sob essa

perspectiva que o trabalho caminhará.

Percebe-se a partir da ação histórica dos homens, uma extraordinária

instabilidade a qual o ensino público vem enfrentando. As diretrizes e/ou matrizes,

grades curriculares se alteram de acordo com o momento político vivenciado pela

sociedade, ora indo buscar se fundamentar em um ensino calcado por bases mais

tradicionalistas, ora irão se determinar por uma tendência mais progressista.

Sem querer julgar o passado ou estigmatizá-lo, busca-se compreender as

questões que motivaram e motivam ainda hoje, uma retomada dos ensinos humanísticos

a partir do processo de instituição da escola pública no século XIX na França. Nesse

ponto um autor da magnitude de Guizot1 se faz indispensável.

1 É sobre essas tendências educacionais que este artigo pretende permear buscando retomar Guizot, – grande figura dos círculos intelectuais e políticos do século XIX, que teve um esquecimento significativo nos campos da história devido às referências negativa à sua administração política e consequentemente desaparecendo enquanto historiador – e seu modelo de educação pautado em um ensino de caráter religioso.

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Ao retomar o historiador francês, político e liberal nascido em fins do século

XVIII, François Guillaume Guizot (1787-1874), tem se em mente compreender por que

ele se faz como um grande difusor dos preceitos da educação de caráter nacional, ou

seja, da educação do povo francês. Qual a sua intenção ao travar um diálogo com os

representantes das questões revolucionárias para a educação, defendendo, ao contrário

de muitos, a posição de uma escola pública e com bases nos fundamentos religiosos.

Antes se necessita conhecer um pouco mais sobre esse ‘ilustre desconhecido’ e

também não mais editado que é Guizot. Envolto em uma história instigante, sua vida é

marcada por uma forte atuação política. Marcada também por aprofundados estudos

históricos relevantes para se entender alguns aspectos sociais da França pós-Revolução.

É preciso conhecê-lo acima de tudo para se conceber o seu itinerário nas medidas

tomadas para o modelo de educação francês.

Entre os vários motivos apresentados por Oliveira, os principais, para que a

autora entenda o porquê Guizot encontra-se entre os autores que não suscitam simpatias

há algum tempo, decorrem do fato de este estar referenciado negativamente, não por

suas obras, mas por sua atitude política. Segundo a autora duas são as principais

referências que estigmatizam a personagem de Guizot na história, diga-se de passagem,

todas elas vinda de Marx (OLIVEIRA, 1997, p. 04).

Numa classificação da autora, a primeira seria então pelo fato de ter sido no

ministério de Guizot que Marx foi expulso da França em 1845 por se tratar de um

revolucionário de alta periculosidade. Nas palavras da autora:

A primeira referência que temos, negativa, deve-se salientar, é o fato de ter sido o ministro que assinou o decreto de expulsão de Marx da França em 1845. Ministro do Interior na época, Guizot expulsou-o sob a alegação de ser um revolucionário perigoso (OLIVEIRA, 1997, p. 04, grifos da autora).

Num segundo momento, a autora aponta para o Manifesto do Partido

Comunista, em que Marx e Engels, ao abrirem uma das obras mais lidas ao longo da

história mostram como Guizot, assim como o papa, o czar e Metternich seriam um

entrave para as ideias do comunismo na Europa:

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Ainda dentro desta linha de referência negativa, não são de molde a construir uma imagem positiva deste autor as palavras de Marx e Engels abrem o Manifesto do Partido Comunista. Nele, sem dúvida alguma, uma das obras mais lidas ao longo da história, Marx e Engels criaram uma imagem que ficou consagrada, a de um espectro que ronda a Europa, o comunismo, pondo em pólvora as chamadas classes dominantes (OLIVEIRA, 1997, p. 04, grifos da autora).

O fato é que esses comentários junto com a publicação das cartas trocadas entre

o ministro e a Princesa de Lieven, fez com que esse ilustre homem caísse na

impopularidade, interferindo como um todo em sua carreira tanto acadêmica, quanto

política após 1848. É o que constata Jean Schulmberger:

A impopularidade maciça à qual sucumbiu em 1848 refletiu sobre o conjunto de sua carreira. Tudo o que na sua atividade foi positivo e grande está empanado por este véu de pó que se acumula sobre as obras que a posteridade cessou de ser curiosa, que ela não considera senão com um respeito distante, sem mais procurar nelas o que alimentar seu pensamento ou suas paixões presentes. (SHULMBERGER apud OLIVEIRA, 1997, p. 03-04).

Por isso ao considerá-lo um ‘ilustre desconhecido’ Oliveira não exagera em

suas palavras, uma vez que devido a essa ocorrência de fatos, percebe-se a importância

que essa personagem teve para a história, porém, pouco se busca conhecer além das

referências negativas deixadas ao longo do tempo.

Embora a pessoa de Guizot esteja envolto nesse emaranhado de acontecimentos,

é possível constatar que foi somente com o seu ministério, que a escola pública se

estrutura moldando para formar-se como a instituição. Como afirma Luzuriaga, uma das

mais ilustres referências nos estudos de História da Educação. Luzuriaga (1959, p. 32)

aponta para o fato de que ainda que se já se encontre vestígios que: “No século XVIII

principia a educação pública estatal francesa” mostra que nesse mesmo século ao qual

referencia predominou fundamentalmente uma educação privada: “Durante o século

XVIII a educação foi essencialmente de caráter privado [...]” (LUZURIAGA, 1959, p.

51).

O que Luzuriaga esclarece é que podemos até ter autores como La Chalotais e

Von Rochow usando da terminologia de uma educação pública no século XVIII.

Todavia, esse modelo de educação pública que esses pensadores se referenciam

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encontra suas bases em um governo absolutista, ou, mais detidamente, limitada ao

soberano, um despotismo esclarecido, para se fazer uso do termo empregado no

período. Segundo Luzuriaga, será depois desses esclarecimentos que se poderá afirmar

que:

[...] que só com a Revolução Francesa começa a educação nacional; e ainda que não pudesse realizá-la, deixa, todavia, assentadas as bases para o seu posterior desenvolvimento. A Revolução, com efeito, quase nada pode fazer na realidade educacional por sua curta duração – só 10 anos, em verdade – e pelos acontecimentos internos e externos; mas em suas discussões, projetos e decretos, encontra-se a substância da educação do ponto de vista nacional (LUZURIAGA, p. 1959, p. 41, grifos nossos).

Percebe-se que em nenhum momento o autor desqualifica a possibilidade que,

tanto o sistema e a educação realizada nos moldes do despotismo esclarecido, quanto à

iniciada após a Revolução Francesa, podem ser consideradas dentro de um processo de

longa duração para a implantação da escola pública. Ambos foram importantes para

que, na posteridade, se pudesse efetivar e se edificar o que hoje conhecemos como

escola pública.

Notando a abrangência universal da Revolução Francesa e das demais

revoluções do período – também conhecido com A era das revoluções – ao se propor

questões sobre os modelos educacionais, pode-se imaginar que as mesmas não

ocorreram de forma pacífica. Segundo Luzuriaga, foi durante esse século que se pode

ver o desenrolar da mais intensa luta política entre conservadores e progressistas,

reacionários e liberais, clericais e estatais, para o domínio da educação pública

(LUZURIAGA, 1959).

É o que afirma Durkheim em A Evolução Pedagógica, quando se detém em um

estudo sobre as questões das variações do plano de estudos no século XIX, apontando

para o fato de que essa dualidade entre reacionários e liberais, conservadores e

progressistas..., está inexoravelmente ligada ao viés político. Nas palavras do autor:

Um fator tem contribuído, mais particularmente e em grande parte, para essa extrema confusão: a intervenção das preocupações e os preceitos políticos na elaboração das concepções pedagógicas [...] a partir do século XIX, no dia seguinte a revolução, fez-se como uma

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aliança entre o humanismo e a Igreja, os representantes do tradicionalismo, tanto em matéria religiosa como em matéria social e política, encontraram no antigo ensino literário, errada ou corretamente, o melhor auxiliar do que parecia-lhes ser a sã doutrina, enquanto, ao contrário, o ensino científico parecia-lhes suspeito. Consequentemente, os liberais de toda ordem e de todo grau inclinaram-se pela causa contrária. (DURKHEIM, 1995, p. 288).

Ainda que essa citação seja importante na sua totalidade, dividi-la-emos em

duas partes. Numa divisão sucinta, pode-se perceber que o autor demonstrou, num

primeiro momento, como as questões pedagógicas estavam intrinsicamente ligadas às

questões políticas do período. E como houve uma separação nítida entre a ‘direita’ e a

‘esquerda’, em que todos os processos ocorridos na Revolução que tendiam a um viés

científico para a educação foi caracterizado nesse momento como revolucionário, e em

contrapartida, tudo o que retoma o humanismo, ligava-se ao conservadorismo.

É a partir desse momento que Durkheim contextualiza que as primeiras leis que

iriam reger o sistema público começam a ser criadas de acordo com a visão política de

cada governo. Percorrendo um pouco mais a historiografia sobre a questão da escola

pública e da atuação de Guizot para a inauguração desta, vê-se que somente a partir da

lei de 1833 implantada por Guizot, foi sancionado que todos os municípios franceses

fossem obrigados a custear a abertura e a manutenção de escolas primárias. As que

segundo Lombardi (2002, p. 77), eram rigorosamente fiscalizadas:

Para a administração e inspeção das escolas a legislação de Guizot determinava a criação de comitês locais, de distrito e departamento, integrados pelas autoridades municipais, por ministros diversos cultos e representantes dos moradores. Para o exercício da docência a lei fixou um soldo mínimo, exigindo dos professores o título da escola normal e impondo obrigações aos mestres leigos e religiosos.

Segundo Lombardi, a lei de 1833 e as demais reformas educacionais realizadas

durante o ministério de Guizot2 foram de fundamental importância para a educação

pública francesa3:

2 Duas vezes ministro da Instrução Pública, entre 1832 e 1836. As reformas educacionais implantadas por Guizot foram inspiradas e aconselhadas pelo filósofo Victor Cousin (1792-1867), então enviado a Alemanha para estudar as condições da educação pública. (LOMBARDI, 2002, p. 77). 3 Segundo Luzuriaga (1959, p. 65): “o desenvolvimento alcançado pela instrução primária na gestão de Guizot é demonstrado pelo número de escolas criadas de 1833 a 1848 e que subiu a 20936”.

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Guizot introduziu [além da lei de 1833] também outras reformas importantes na educação pública francesa. Organizou as escolas normais... prevendo a frequência às escolas normais dos professores em exercício e que por elas não haviam passado. Criou o primeiro periódico pedagógico oficial da Europa, o Manuel géréral de l’instruction primaire. Também o ensino médio e o superior tiveram grande desenvolvimento durante a monarquia de Luís Felipe e a administração de Guizot, notadamente os liceus e a Escola Normal Superior, encarregada de formar o professorado do ensino médio. (LOMBARDI, 2002, p. 77-78).

De acordo com o que Lombardi expõe, entende-se que houve grandes reformas

educacionais estabelecidas no período da Restauração, com o ministério de Guizot e o

reinado de Luís Felipe. E mesmo sem admitir alguns dos grandes feitos de Guizot, vê-se

que o autor da referência supracitada, rende-se aos feitos realizados pelo ministro da

Instrução Pública. Não seria difícil calcular o porquê algumas questões sobre Guizot

foram suprimidas no texto de Loambardi, quando se entende o caminho metodológico

traçado por esse na elaboração do artigo constitui-se antagônico ao que Guizot defendia.

Todavia, em Luzuriaga é apontado que tanto o trabalho de Guizot, como o de

Cousin, em matéria de ensino, foram indispensáveis para a educação pública francesa,

não somente pelo seu viés legislativo e administrativa, ou seja, não apenas pela

implantação, regulamentação e fiscalização das leis do ensino primário, mas também,

pelo interesse que suscitou e despertou em todos pela escola pública. É verificado que

Guizot realizou transformações radicais na educação francesa no período conhecido

como a Monarquia de julho, quando atenta-se para o fato que tanto a ideia napoleônica

de educação estatal e autoritária4, quanto as ideias revolucionárias não melhoram a

educação pública.

Segundo Luzuriaga, as primeiras, porque privilegiaram muito mais o sistema de

governo do Império napoleônico do que de fato uma educação nacional, os últimos,

porque, ainda que conseguissem trazer certa paz à sociedade francesa, em contraste com

a Revolução, a educação pública quase não foi atendida (LUZURIAGA, 1959) uma vez

4 Cf. Guillaume: “Não haverá um Estado político firme se não houver um corpo docente com princípios firmes. Enquanto não se aprender na infância se se deve ser republicano ou monarquista, católico ou religioso, etc., o Estado não constituirá uma Nação; apoiar-se-á em bases incertas e vagas; estará constantemente exporto a desordens e mudanças” (GUILLAUME, apud LUZURIAGA, 1959).

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que se detinha aos modelos do regime napoleônico, tendo se estabelecido somente com

a Monarquia de julho. De acordo com o autor:

Essa situação da educação pública francesa mudou radicalmente com o advento da Monarquia de julho. No período que vai de 1813 a 1848 sofreu transformação radical e ficou praticamente constituída em suas bases essenciais. Seu inspirador foi o grande historiador GUIZOT (1787-1874) que, a despeito de suas ideias políticas doutrinárias foi o principal propulsor da educação popular (LUZURIAGA, 2002, p. 61-2, grifos nossos).

Nesses grifos, parece não haver mais dúvida quanto ao papel fundamental de

Guizot para a instituição da escola pública. Aqui, novamente se retoma a vinculação dos

ideais políticos com os programas educacionais. De acordo com Oliveira (2005), a

História – e aqui poderíamos abranger toda a formulação do conhecimento – “passa a

estar, então, no centro do debate intelectual e político. Ela se converte, assim, para todos

os grupos políticos, em um campo de batalhas, prolongando-se pelas décadas seguintes”

(OLIVEIRA, 2005, p. 7-8).

Segundo Oliveira, fica evidente, no caso de Guizot, que ao se retomar um

estudo da Igreja no período medieval, esse esteja intrinsicamente ligado a sua visão

política. E que as suas formulações a respeito da Igreja só tendiam a reforçar tais fatos.

Em uma passagem vê-se que a autora explicita que:

A maneira como se colocou diante da questão da análise do papel histórico desempenhado pela Igreja remete-se, inevitavelmente, às lutas políticas nas quais se achava envolvido e faz parte do seu empenho em preservar as instituições que formavam a base da moderna civilização. Sua formulação somente reforçou sua posição de político e historiador da Restauração. Era a tomada de posição em favor da conservação da civilização do grande historiador e político [...] (OLIVEIRA, 1997, p. 294).

Destarte, de acordo com a sua visão política, Guizot, defende o papel da Igreja

em uma sociedade que acabara de tentar suprimir a estrutura eclesiástica5. Demonstrou

5 Segundo Tocqueville, em o L’ Ancien Régime et la Révolution, o fato de querer-se destruir a Igreja estava ligado a ela enquanto instituição, de fazer permanecer e uma sociedade revolucionária a essência mais profunda da qual se lutava para tentar abolir, a saber, as marcas do Antigo Regime. Assim, a Igreja com a permanência de suas propriedades e com os dízimos fazia permanecer esses valores. Para o autor:

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a importância histórica dessa, enquanto instituição e defendeu a partir das Méditations

et Éstudes Morales, a permanência dela para o seu período histórico, como a única

instituição capaz de trazer liberdade ao homem, e por isso inserida na educação pública

que se inaugurara.

Retomar a Igreja Medieval, nos seus mais variados aspectos, segundo Guizot,

convergia para uma análise que, ao longo de todo período medieval a Igreja atuou no

sentido de promover a unidade no seio da sociedade e dar aos homens certo

desenvolvimento ‘moral’ (OLIVEIRA, 1997 p. 295).

Segundo Guizot, uma sociedade regida somente por princípios laicos seria

impossível de existir. Era preciso que uma sociedade ensinasse os fundamentos da

religião para que se pudesse ter uma liberdade religiosa. Pois, caso contrário, a

desordem estaria em cena, fazendo estragos tremendos na vida dos homens: De acordo

com o autor:

O mundo e o homem não se explicam naturalmente e por si mesmos, pela única virtude das leis permanentes que presidem e as vontades passageiras que se ostentam aí. Nem a natureza e suas forças, nem o homem e seis atos bastam para explicar o espetáculo que contempla ou entrevê o espírito humano. Assim como a natureza e o homem não bastam para explicarem a si mesmos, da mesma forma não bastam para se governarem. O governo do universo e do gênero humano é outra coisa que o conjunto das leis e dos fatos acidentais que a liberdade humana aí introduz. Quer dizer que além e acima da ordem natural e humana, onde cessa nosso conhecimento, está à ordem sobrenatural e sobrehumana que Deus regra e desenvolve, fora do alcance de nossos olhares. E desde que o homem deixa de crer que é assim, quer dizer de crer na ordem sobrenatural e de viver sobre a influência dessa crença, logo a desordem entra no homem e nas sociedades de homens, e aí faz os estragos que os conduzirão infalivelmente a sua ruína se, pela sábia bondade de Deus, o homem não estivesse limitado nos seus erros e fora do estado de se preservar de forma absoluta ao império da verdade, mesmo quando a desconhece (GUIZOT, 1872, p. 03).

“[...] foi muito menos como doutrina religiosa que como instituição política que o cristianismo ascendeu esses ódios furiosos; não porque os padres pretendiam fixar as coisas do outro mundo, mas porque eram proprietários, senhores, dizimadores, administradores neste mundo; não porque a Igreja a Igreja não podia tomar um lugar na nova sociedade que ia se fundar, mas porque ocupava então o lugar mais privilegiado e mais forte nesta velha sociedade que era preciso reduzir as cinzas (TOCQUEVILLE, 1997, p. 55-6).

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Ainda que a passagem seja extensa, pela importância da ideia nela contida, fez-

se necessário a transcrição completa. Para Guizot, é a partir dessa fundamentação sobre-

humana que se deve organizar a sociedade, pois:

[...] onde a fé na ordem sobrenatural não existe mais, as bases da ordem moral e social estão profundamente e cada vez mais enfraquecidas, o homem tendo deixado de viver na presença do único poder que ultrapassa realmente, e que poderia ao mesmo tempo satisfazê-lo e regra-lo. (GUIZOT, 1872, p. 04)

Oliveira nos dá mais detalhe sobre a questão da Igreja nos estudos de Guizot,

aliás, diga-se de passagem, ela deixa para essa temática todo um capítulo da sua obra6.

A autora esclarece que a partir da história da Igreja feita por meio das análises de

Guizot, após o declínio do Império Romano, a Igreja foi a única instituição capaz de

assumir o papel de dirigente da sociedade, por se tratar da única instituição que

possibilitava um certo sentido a vida dos homens (OLIVEIRA, 1997). Reconhece,

Guizot: “Se a Igreja cristã não tivesse existido, o mundo inteiro teria sido entregue à

pura força material (GUIZOT, apud OLIVEIRA, 1997, p. 299).

Na passagem supracitada, parece notar em Guizot, que mesmo ele estando

inserido em um universo onde as questões da história e das relações sociais eram

explicadas por meio das relações de trabalho, essas porém, não eram suficientes, ou

seja, não eram os únicos pilares sociais, não poderia a história ser explicada apenas por

esses tipos de relações. Para o autor, as questões religiosas e morais eram também de

fundamental importância para se compreender de maneira plena a vida dos homens do

passado e consequentemente do seu período histórico.

Aliás, diga-se de passagem, em nenhum tempo histórico as questões materiais

foram suficientes para explicar a essência do homem e a relação desse com a sociedade:

O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse

6 Capítulo IV: A ideia de civilização e o papel histórico da Igreja em Guizot: In Guizot e a Idade Média: civilização e lutas políticas. UNESP-Assis, 1997 (tese de doutorado).

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econômico. Há também, o Homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças (MORIN, 2010, p. 07).

Destaca-se aqui, que existe uma impossibilidade de compreensão da história,

quando é visto somente a partir de um único víeis. Nesse caso o que Guizot refere-se é

que ele não é somente a causa material das coisas que daria conta de explicar o homem,

mas também temos a essência religiosa deste, que o ordena a sociedade evitando a

desordem e o caos.

Assim, Guizot, parte da premissa que, a liberdade religiosa e o respeito da

consciência dos homens só é possível devido a ação do Estado e da Igreja em conjunto.

Que, diferentemente do que foi exposto por Lombardi, não foi por não ter partilhado

dos princípios da escola laica, que por acidente, tenha-se tendido a reconhecer a

liberdade religiosa. Para Guizot é justamente o inverso, a liberdade religiosa é inerente a

Igreja.

Com Guizot, ao se analisar a história do cristianismo percebe-se que este possui

uma autoridade notável. Para o autor as palavras de Veuillot, são extremamente

verdadeiras, “O cristianismo é autoridade”. Porém, segundo Guizot, o cristianismo está

para além somente da autoridade, não sendo regido somente por ela, uma vez que se

tem a questão de que na humanidade, na natureza e no destino humano as bases cristãs.

Guizot afirma que, ao se tratar de natureza e destino do homem se estará

também tratando da obediência moral, e com isso pode-se perceber a obediência na

liberdade. Mais detidamente, o que o autor aponta é que, sendo o homem livre, ele

obedece aos preceitos cristãos por sua livre escolha, porque, ainda que “Deus tenha

criado o homem para que ele obedeça as suas leis” esse homem é criado em estado de

liberdade para que as obedeça moralmente (GUIZOT, 1872, p. 05).

De acordo com Oliveira o foco de Guizot para a Igreja se justamente por esta

instituição estar mais próxima do povo justamente quando eles necessitavam, por dar

aos homens uma perspectiva de vida que não a barbárie. Ela seria, portanto a grande

força moral da Idade Média (OLIVEIRA, p. 299). Nas palavras de Guizot:

[...] Apenas ela exercia um poder moral. Fazia mais: sustentava, difundia a ideia de uma regra, de uma lei superior à todas as leis humanas; professava esta crença fundamental para a salvação da

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humanidade, que existiria, acima de todas as leis humanas [...] (GUIZOT, apud, OLIVEIRA, p. 299).

Segundo Oliveira, é importante notar que esse poder exercido pela Igreja não

era imposto. E que a Igreja para o ministro também não se fazia externa aos homens. Na

medida em que abraçavam essa religião, os homens estavam ao mesmo tempo,

preservando a vida, dando lhe uma organização e um sentido.

Para o autor, no estado social, tanto a autoridade quanto a liberdade necessitam

ser garantidas para que haja paz geral. Ambas possuem diretos de suas garantias,

quando se vê a necessidade de limites para que haja um bom governo. E, em se tratando

de homens, tanto os que governam, quanto os que são governados, precisam ter

consciência de uma dosagem entre a liberdade e a autoridade. E só pode ser alcançada

essa consciência, quando se tem a intenção de estar sempre na busca de um meio termo,

ou seja, nem exceder na liberdade e nem na autoridade. Nas palavras de Guizot:

No estado social, a autoridade e a liberdade têm, uma e outra, necessidade de garantias, e elas têm, uma e outra, direito a essas garantias. É preciso freios para conter aqueles que governam e aqueles que são governados, porque uns e outros são homens. Daí as instituições e as leis políticas que ora sustentam, ora limitam o poder, quer dizer que determinam quais condições e por quais meios à autoridade é exercida e a liberdade assegurada (GUIZOT, 1872, p. 05).

Segundo o autor, a liberdade religiosa encontra-se junto a Igreja desde os seus

primórdios, ou seja, quando o cristianismo surgiu no mundo, foi à liberdade moral do

homem que a invocou. De acordo com ele, a invocação dessa liberdade se fazia

necessária quando se buscava abolir todas as crenças antigas protegidas pelos poderes

estabelecidos, mas especificamente pelo Império.

Na medida em que, essa luta foi se protelando, essa nova religião que estava

nascendo não atacava nem colocavam em questão os poderes estabelecidos, porém, fez

algo maior e mais brilhante. Formalmente reconheceu e ordenou que todos os cristãos

respeitassem a ordem vigente. Concomitantemente o cristianismo baseando-se na

relação homem-Deus, fez um apelo a essa consciência livre para que escolhesse em seu

íntimo os valores cristãos.

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É interessante notar que o cristianismo para Guizot não é um sistema perfeito,

possui falhas igualmente as outras instituições criadas pelos homens, possuindo desvios,

ora da liberdade, ora da autoridade. Porém, segundo ele, é inquestionável o quanto ele

está sempre pronto a trazer socorro às almas aflitas. Contudo, ela encontra-se em um

estado mais sólido do que a sociedade em que ele está vivendo, e acha inadmissível que

os homens tentem destruí-la.

Nesse momento, vemos um diálogo de Guizot, especificamente com os

revolucionários, que buscavam a todo custo destruir os poderes da Igreja, porque essa

era a expressão máxima da instituição do Antigo Regime. Segundo Tocqueville, atacar a

Igreja foi considerado uma das primeiras premissas entre os intentos que surgiram com

a Revolução Francesa.

Todavia, com o período da Restauração, correspondendo a um período

contrarrevolucionário, Guizot e os demais pensadores restaurariam no trono francês, a

partir do viés conservador, a Igreja Católica, que serviria como um dos fundamentos do

poder político. Tais considerações a esse respeito podem ser constatadas na passagem a

seguir:

Aos homens que pensam que, há muitos séculos, a sociedade na Europa, e notadamente na França, tem feito completamente falso percurso, tanto os governos como os espíritos, e não há, no caráter dominante e nas tendências de nossa civilização atual, senão erro, corrupção e decadência, não tenho nada a dizer. [...] Mas eles não tem razão. Ninguém está mais convencido do que eu dos imensos erros e dos funestos desvios de nosso tempo; ninguém teme e detesta mais do que eu o império que exerce entre nós, o perigo do qual nos ameaça o espírito revolucionário, este Satã humano, ao mesmo tempo cético e fanático, anárquico e tirânico, apaixonado por negar e por destruir, incapaz de criar algo que pudesse vive e de sofrer quando nada se cria e vive sob seus olhos. Sou daqueles que pensam que é preciso vencer absolutamente este espírito fatal, e recolocar e honra e em poder o espírito da ordem e da fé, que é o espírito da vida e de conservação (GUIZOT, 1872, p. 06, grifos nossos).

Segundo Guizot, parece mais que verosímil o quanto se deve contestar o

espírito revolucionário, lutando para que se ‘conserve’ os ideais sólidos da fé católica,

portanto, nada mais justo do que esses ideais estarem enraizados desde a mais tenra

idade, ou seja, por meio da educação.

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Tocqueville nota, assim como Guizot, que a Revolução Francesa de um modo

geral foi extremamente desastrosa para a sociedade trazendo mais ônus do que bônus.

De acordo com Tocqueville, o período que antecede a Revolução trazia mais liberdade

política, do que o revolucionário. Para o autor, a sociedade tinha se tornado pior, os

cidadãos ficaram mais limitados, havia muito mais controle, além de encontrarem um

estado repressivo. Para Guizot (p. 10), somente a união entre as religiões frearia o que

estava acontecendo7: “não será demais todas as suas forças e todos os seus esforços

reunidos para triunfar enfim nesta guerra, e para salvar ao mesmo tempo o

cristianismo e a sociedade”.

Todas essas discussões sobre a educação religiosa, da qual ocupou grande parte

da vida de Guizot se fortaleceu ainda mais com os Sistemas Nacionais de Ensino.

Segundo Lucas (2007), a grande novidade do século XIX estava ligada à questão da

democratização do ensino. Paralelamente, como pode ser analisado, ao debate travado

entre o ensino religioso e a moral cívica na escola primária continuariam a tomar as

proporções políticas:

A democratização desse nível de ensino [escola primária] trouxe, como consequência para o ensino médio, o crescimento da demanda e a diversificação da clientela, exigindo sua reformulação. A grande discussão travada para substituir o ensino religioso pelo ensino moral e cívico na escola primária toma a forma de debate entre os utilitaristas e os humanistas na reforma do ensino médio (tendências já existentes no interior dessas escolas) (LUCAS, 2007, p. 19).

Essa discussão que surge no período se Guizot, ainda persiste até os dias de

hoje, sendo concebido ora um ensino pautado nas religiões, ora no ensino laico,

suscitando ferrenhos debates, na medida em que uma determinada tendência política

encontra-se no poder. Vê-se no caso de Guizot, que a sua visão de educação estava

diretamente ligada aos preceitos de usa visão política. Isso é de extrema importância

para se entender a sociedade atual, pois, ainda que os tempos sejam outros a essência do

problema ainda persiste da mesma forma.

7 Cf. OLIVEIRA (1997), os franceses das primeiras décadas do século XIX estavam enfrentando sérios problemas de direção da civilização. De acordo com a autora eles encontravam-se mergulhados em uma disputa política, e conduziam a sociedade por um caminho que lhes estava trazendo sérios riscos.

Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

REFERÊNCIAS

LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação pública. Tradução e notas de Luiz Damasco Penna e J.B. Damasco Penna. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

OLIVEIRA, Terezinha; MENDES, Claudinei M.M. (Orgs). Formação do Terceiro Estado as comunas: coletânea de textos de Fraçois Guizot, Augustin Thierry, Prosper de Barante. Organização, tradução, notas e introdução de Terezinha Oliveira, Claudinei Magno Magre Mendes. Maringá: EDUEM, 2005.

LOMBARDI, José Claudinei. A Educação e a Comuna de Paris: notas sobre a construção da escola pública, laica, gratuita e popular. In: A comuna de Paris:história e atualidade / Claude Willard ... [et al.]; organizadores, Paulino José Orso, Fidel Lerner e Paulo Barsotti. São Paulo: Ícone, 2002.

OLIVEIRA, Terezinha. GUIZOT E A IDADE MÉDIA: civilização e lutas políticas. Tese de doutoramento. Assis: UNESP, 1997.

TOCQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução. Tradução de Yvonne Jean. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1997.

DURKHEIM, Emile. A evolução pedagógica. Tradução de Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

GUIZOT, F. Méditations et Éstudes Morales. Tradução de Zélia Leonel. Didier et Cie, Librairie-Éditurs, 1872. LUCAS, Maria Angélica O. F. Conteúdos Escolares: um debate histórico sobre temas transversais. Maringá: EDUEM, 2007. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. http://tudosobre.com/concursos/3/MORIN,%20Edgar%20Os%20Sete%20Saberes.pdf. Data de acesso: 17/12/2011.