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i GIULIANO AMADEU BARONI O PARQUE DE ESCULTURAS MUSEU FELÍCIA LEIRNER CAMPINAS 2014

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GIULIANO AMADEU BARONI

O PARQUE DE ESCULTURAS MUSEU FELÍCIA LEIRNER

CAMPINAS

2014

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

GIULIANO AMADEU BARONI

O PARQUE DE ESCULTURAS MUSEU FELÍCIA LEIRNER

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes

da Universidade Estadual de Campinas para obtenção

do título de Mestre em Artes Visuais.

Orientador: Profª Drª MARIA DE FÁTIMA MORETHY COUTO

Este exemplar corresponde à versão

final de dissertação defendida pelo

aluno Giuliano Amadeu Baroni, e

orientado pela Profa. Dra. Maria de

Fátima Morethy Couto. __________________________________________

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva investigar a vida e a obra da escultora Felícia Leirner,

estabelecendo relações entre sua produção e a de outros artistas nacionais e

internacionais do século XX bem como as relações presentes entre sua produção e os

principais eventos culturais desenvolvidos na São Paulo do século XX. Também

investigamos a história dos parques de escultura pelo mundo, em especial no cenário

norte americano e pesquisamos sobre a cidade de Campos do Jordão - SP, onde se localiza

o Museu Felícia Leirner, para, posteriormente, uma investigação mais a fundo sobre o

surgimento e os aspectos museográficos deste parque de esculturas.

Palavras-chave: escultura, museologia, parques.

ABSTRACT

This research aims to investigate the life and work of sculptress Felicia Leirner and connect

her production with the ones from other national and international artists of the

twentieth century as well as the relationships present between her production and major

cultural events held at the São Paulo of the twentieth century. We also investigated the

history of sculpture parks around the world, especially in North American scene and

research about the city of Campos do Jordão - SP, where is located the Felicia Leirner

Museum, to then investigate more about the emergence and museographic aspects of

this sculpture park.

Keywords: sculpture, museology, parks.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................................................................01

INTRODUÇÃO...................................................................................... ................................03

CAPÍTULO 1: SOBRE FELÍCIA LEIRNER..................................................................................17

1.1 Vida e família.................................................................................................................19

1.2 Obra – de Brecheret ao abstrato e reconhecimento....................................................25

CAPÍTULO 2: SOBRE O MUSEU FELÍCIA LEIRNER.................................................................51

2.1 Parques de Esculturas...................................................................................................53

2.2 Campos do Jordão.........................................................................................................66

2.3 O Museu Felícia Leirner.................................................................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................95

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................................97

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a banca de qualificação, a banca de defesa e a todos os professores e

pesquisadores envolvidos direta e indiretamente.

À minha orientadora, profa. Dra. Maria de Fátima Morethy Couto.

Ao Instituto de Artes.

Aos funcionários do Museu Felícia Leirner e das outras instituições que colaboraram com a

pesquisa, no Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de São Paulo, na

Biblioteca Walter Wey da Pinacoteca do Estado de São Paulo, na Biblioteca e Centro de

Documentação do MASP e na biblioteca do MAM de São Paulo.

Aos meus pais, que tanto me apóiam.

Gratidão ao Universo.

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Apresentação

Esta pesquisa objetiva investigar a vida e a obra da escultora Felícia Leirner, com um

enfoque no parque de esculturas monobiográfico Museu Felícia Leirner, localizado na

cidade de Campos do Jordão – SP. Para isso, parto de um breve panorama sobre o

desenvolvimento da escultura moderna e, em seguida, relaciono alguns dos principais

movimentos artísticos ocorridos ao longo do século XX com as explorações realizadas por

Felícia. Posteriormente, apresento a biografia da artista e discuto suas principais

inquietações. No capítulo seguinte, investigo mais a fundo sua obra propriamente dita,

traçando paralelos entre sua produção e a de outros escultores atuantes tanto no cenário

nacional quanto internacional no século XX. Devemos mencionar a importância das

exposições e eventos realizados em São Paulo para a artista, como troca de informações e

estabelecimento de contatos com pessoas importantes no cenário artístico de então:

artistas, curadores, críticos, dentre outros. Ao discutir sua trajetória, exploro o

reconhecimento recebido pela artista por parte da crítica, sua participação em exposições

e os prêmios recebidos. É imprescindível mencionar o papel fundamental da família

Leirner como incentivadora do desenvolvimento das artes na capital paulista na segunda

metade do século XX.

Adentramos, na sequência, o nosso foco da pesquisa, o Museu Felícia Leirner. De

início comento sobre o histórico dos parques de escultura no Ocidente, em especial no

que tange aos cenários norte-americano e britânico, passando para o cenário brasileiro.

Dos parques da capital paulista chego à Campos do Jordão, cidade onde se localiza o

Museu, trazendo algumas das principais características da cidade para desenvolver os

questionamentos que se referem ao Museu Felícia Leirner. Além de explorar a história da

fundação do Museu, também investigo alguns aspectos museográficos do parque e

questiono o que faz deste local uma fonte importante de reflexão para a historiografia da

arte no Brasil.

Na introdução que segue, comentamos algumas das principais análises suscitadas

por autores relevantes para o campo da escultura, em especial, Herbert Read e Rosalind

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Krauss, relacionando-as ao debate instaurado no Brasil sobre a escultura moderna,

focando em especial o cenário artístico paulistano, as Bienais Internacionais de São Paulo

e a polêmica entre os artistas defensores da abstração geométrica e os defensores da

abstração informal. Apresentamos, portanto, um panorama incompleto da escultura

moderna para, nos capítulos posteriores, adentrar o foco da pesquisa.

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Introdução

Sobre a escultura moderna, Herbert Read aponta:

“Podemos dizer, de uma maneira geral, que ocorreram dois desenvolvimentos, um dos

quais continua a ‘conceber a forma em profundidade’ e a seguir essencialmente a tradição dos

santeiros, e outro que rejeita a tradição humanista como tal, juntamente com seus critérios

orgânicos, para criar valores de um tipo diverso, os valores absolutos da ‘forma pura’. Apesar de

sua modernidade, um escultor como Henry Moore permanece no interior da mesma tradição

formal a que pertence Michelangelo; um construtivista como Naum Gabo tem ideais bastante

diferentes. Continuamos a chamar todas as obras de artes plásticas tridimensionais e móveis de

‘escultura’, mas o período moderno assistiu à invenção de obras de arte que não são em sentido

algum ‘esculpidas’ ou mesmo moldadas. São construídas, como na arquitetura, ou montadas

como uma máquina. É preciso elucidar essas distinções e procurar justificá-las esteticamente”.1

Ou seja, Read nos mostra a oposição presente entre, conforme exemplo, a obra de

Moore e a de Gabo, artistas europeus atuantes na mesma época, porém com

investigações diferentes, até opostas, em suas produções. O primeiro advém da tradição

formal do esculpir ou moldar, já o segundo, do construir ou montar. Fernando

Cocchiarale, crítico de arte e professor, aponta a necessidade de modernização imposta

pela escultura devido a transformações em sua lógica própria.

“A escultura começou a modernizar-se lentamente na última década do século XIX, quando

ocorreram transformações fundamentais em sua inserção tradicional no espaço, e,

conseqüentemente, em sua função social. Dissociada da lógica do monumento, permitida pela

crise da representação (mimese), a escultura perdeu literalmente seu lugar, antes fixado na

imobilidade inerente à sua função comemorativa. Sem essa lógica, era preciso produzir, de

alguma maneira, um novo sentido para a escultura, pois a simples ruptura com a representação

mão podia assegurar seu desenvolvimento conseqüente. Já que não podia escapar da

tridimensionalidade, talvez pudesse se transformar ao ponto de redimensionar sua relação com o

espaço circundante, mas sem confundir-se com os outros objetos”.2

A obra de Felícia Leirner, apesar de sua não linearidade, segue, especialmente no

início de sua carreira, a tradição escultórica européia advinda da produção dos artistas

dessa linhagem do esculpir. Para diversos historiadores da arte é com Rodin (1840 – 1917)

1 READ, Herbert Edward, Sir. Escultura Moderna: Uma História Concisa. São Paulo, SP. Martins Fontes. 2003.p. 6. 2 Tridimensionalidade. São Paulo, SP. Instituto Itaú Cultural. 1977.p.51.

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que se inicia o período no qual se desenvolvem novas questões na escultura, da mesma

forma em que foi nesse período que se desenvolveu o impressionismo na pintura. Rodin

explorou em suas pesquisas escultóricas cada vez mais a questão do processo de criação

como sendo o produto final. No ano de 1875, Rodin conheceu Constantin Meunier (1831 –

1905), pintor e escultor belga de tendências realistas, e realizou uma viagem à Itália, de

importância fundamental para sua futura estatuária. Na observação de fragmentos de

esculturas clássicas, Rodin compreendeu até que ponto uma parte da obra era capaz de

representar o todo dela. Rosalind Krauss acentua a importância de A Porta do Inferno na

produção do artista: “Em certo sentido, a carreira de Rodin é totalmente definida pelos

esforços que dedicou a um único projeto, iniciado em 1880, em que trabalhou até a época

de sua morte – um projeto para o qual praticamente toda a sua escultura foi

originalmente criada”.3

Segundo Krauss, a representação da experiência visual é a grande questão de sua

obra, sendo que, para ele, a ilusão de movimento só poderia ser dada como uma transição

de uma posição à outra, simultaneamente representadas. Assim, Rodin criou algumas

esculturas nas quais podemos observar a mesma figura em posições diferentes. Ele

também procurou traduzir questões de caráter humanista e colocá-las em suas obras,

simpatizando com os impressionistas na chamada representação da ‘verdade interior’.

Herbert Read comenta sobre a importância de Rodin para artistas posteriores, como

Arp ou Henry Moore:

“Um abismo separa a obra de Rodin das de Arp ou Henry Moore; no entanto, os três

escultores partilham a mesma preocupação com as virtudes próprias à arte da escultura –

sensibilidade com relação ao volume e à massa, a interação entre concavidades e protuberâncias,

a articulação rítmica de planos e contornos, a unidade de concepção. Os fins diferem, mas os

meios são os mesmos, e a maioria dos escultores reconhece que foi Rodin quem devolveu à arte

da escultura um sentido adequado dos valores escultóricos”.4

Contudo, cabe ressaltar que alguns escultores reagiram contra o impressionismo e

retornaram ao idealismo clássico, abandonando as questões desenvolvidas por Rodin, tal

3 KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo, SP. Martins Fontes. Segunda edição. 2007. p 18. 4 READ, Herbert Edward, Sir. Escultura Moderna: Uma História Concisa. São Paulo, SP. Martins Fontes. 2003. p. 10.

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como Maillol (1861 – 1944) e Bourdelle (1861 – 1929), produzindo peças voltadas a um

maior realismo.

Aristide Maillol, uma das influências iniciais no trabalho de Felícia Leirner, é

primordialmente um escultor do nu feminino com grande interesse pelo estudo de

modelo vivo. Nascido no interior da França em 1861, aos 20 anos de idade, Maillol

mudou-se para Paris para iniciar seus estudos artísticos. Foi aceito na Escola de Belas

Artes em 1885, inicialmente explorando a pintura, para posteriormente explorar a

escultura.

“Encorajado por Gauguin, iniciou-se na produção de tapeçaria para, alguns anos depois,

em 1985, desenvolver suas primeiras peças em argila. O assunto de quase toda a obra madura de

Maillol é o corpo feminino, tratado segundo ênfase clássica que rejeitava a visão de Rodin, tida

como emocional. O estilo figurativo de seus grandes bronzes é tido como um importante

precursor para as posteriores simplificações escultóricas de Henry Moore”. 5

Já Émile Antoine Bourdelle, também nascido em 1861, é um escultor francês que

obtinha inspiração principalmente na estatuária da antiguidade greco-romana.

“Bourdelle estudou na École des Beaux-Arts, em Toulouse, na França, antes de se mudar

para Paris em 1885. Reagindo contra o conservadorismo da École, saiu para estudar com os

artistas Jean-Baptiste Carpeaux e Jules Dalou. Em 1893, ele entrou no estúdio do escultor Auguste

Rodin, que seria uma das principais influências de sua vida artística. Nessa fase de sua carreira,

Bourdelle absorveu o realismo áspero de seu mentor, Rodin. Seu primeiro trabalho grande foi um

memorial de guerra em Montauban, França (1902), que apresentava uma qualidade brutal

semelhante às obras de seu mestre, assim como a série de trabalhos inspirados pela música de

Beethoven.” 6

Dois nomes importantes na escultura brasileira no século XX, Victor Brecheret e

Bruno Giorgi, tiveram Maillol como mestre. Brecheret no início da década de 20, quando

ganhou bolsa de estudo do pensionato Artístico do Estado de São Paulo e pode viajar a

Paris7 e Bruno Giorgi em 1937, quando viajou para Paris e frequentou as academias La

Grand Chaumière e Ranson.8 Tal fato influenciou não só nas obras desses artistas como

5 MoMA. http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=3697. Acessado em 10/01/2014. 6 Enciclopédia Britânnica. http://global.britannica.com/EBchecked/topic/75780/Antoine-Bourdelle. Acessado em

14/12/2013. 7 Galeria de arte André. http://www.galeriandre.com.br/vittorio-breheret/. Acessado em 15/06/2014. 8 Galeria de arte André http://www.galeriandre.com.br/bruno-giorgi/. Acessado em 15/06/2014.

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posteriormente no cenário artístico paulistano, e no trabalho de seus discípulos: como

Felícia Leirner, que teve Brecheret como mestre.

Tanto Brecheret quanto Giorgi entraram, durante sua estadia na Europa, em contato

com a obra de Brancusi, outro artista atuante no cenário francês na primeira metade da

década do século XX. Krauss aponta a ressignificação da lógica do monumento a partir de

Rodin em seu texto A Escultura no Campo Ampliado9 e, avançando alguns anos no tempo,

por volta da década de 30, aponta dois artistas como principais ícones dos caminhos por

onde a escultura se desenvolveria ao longo do século XX: Brancusi e Gabo. Assim, a autora

comenta sobre as observações de Carola Giedion-Welcker no livro Modern Plastic Art:

“Os escultores haviam analisado o material estático ‘quer através de uma deliberada

simplificação dos volumes, quer em termos da desintegração da massa pela luz’. A obra de

Brancusi foi o exemplo adotado pela autora da capacidade que tem o escultor de reduzir o

material à simplicidade volumétrica, ao passo que Naum Gabo avultava como o mais nítido

expoente do uso da luz pelo construtor para abrir a matéria a uma análise de sua estrutura.”10

E completa:

“Contudo, se estivermos interessados em examinar as diferenças entre Brancusi e Gabo,

será insuficiente falarmos apenas dos sistemas opostos empregados por eles para dispor a

matéria no espaço abstrato e simultâneo em que, segundo presumimos, a escultura habita

naturalmente. Somos forçados, cada vez mais, a falar de tempo. O tratamento da forma por

Brancusi subentende uma condição temporal diferente da de Gabo: seu significado brota de um

conjunto inteiramente diverso de apelos à consciência que o observador tem de seu próprio

tempo ao vivenciar a obra.”11

Constantin Brancusi (1876 – 1957), escultor romeno que viveu grande parte da sua

vida em Paris, explorou em suas obras questões tanto do onírico quanto da tradição

escultórica, mas levou-as além, em trabalhos onde extrai as formas, em figuras que

tendem à sintetização. Também questiona o pedestal a partir da idéia de objeto que

media a relação da escultura com o real. Passa, assim, a incluí-los esteticamente no

desenvolvimento de suas peças. Em suas obras dos anos 30 é possível notar a preferência

9 KRAUSS, Rosalind E. A Escultura no Campo Ampliado. De http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae17_Rosalind_Krauss.pdf. Acessado em 07/06/2014. 10 KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo, SP. Martins Fontes. Segunda edição. 2007. p.4. 11 Id. Ibid, p. 4

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por formas orgânicas arredondadas, próximas da abstração, onde apresenta traços

próximos ao surrealismo.

Na escultura, o surrealismo foi um dos movimentos de maior importância para as

futuras gerações e uma das possíveis fontes de inspiração de Felícia em seu processo

artístico rumo à abstração.

Segundo Tucker:

“Brancusi não foi o primeiro escultor mais jovem a rebelar-se contra Rodin; mas, quando o

fez, foi com uma dedicação, um sentido de missão e um desejo de identificar seu destino com o

da própria escultura (o que ecoava Rodin), juntamente com um discernimento das qualidades

essenciais das realizações de Rodin, uma penetração no cerne da sua arte, que ultrapassou o

entendimento de seus contemporâneos e o autorizou, com confiança cada vez maior, a ombrear-

se com o escultor mais velho.”12

E continua:

“Enquanto nas mãos de Rodin, a modelagem – apesar do intimismo do tema – havia se

tornado pública, agressiva, extrovertida e generalizada, Brancusi deu ao entalhe um sentido

oposto: privado, individual, isolado, concentrado e silencioso. O entalhe é obtido pela redução de

um dado limite, mas procura afirmar as particularidades desse limite.”13

Já, Naum Gabo (1890 – 1977) desenvolveu seu trabalho durante o chamado

construtivismo russo, movimento iniciado na Rússia a partir de 1919. Gabo era um dos

intelectuais que via na arte não-figurativa uma poesia baseada na livre expressão.

Podemos dizer que os artistas construtivos valorizavam a construção da obra de arte, em

oposição a um desenvolvimento mais ligado a exploração unicamente da composição. Tal

movimento, juntamente com o Neoplasticismo de Mondrian, será a principal fonte de

onde os artistas da abstração geométrica no Brasil absorveram teorias.14

Gabo visava construir peças que explorasse o volume das formas, sem levar em

consideração sua massa. Usou diversos materiais inovadores para a escultura daquele

período, como por exemplo placas de acrílico e fios de náilon.

“Um artista de interesses diversos, Gabo era fascinado e influenciado por imagens

científicas e matemáticas, seja visualmente ou verbalmente descritas e, particularmente, pelos

12 TUCKER, William. A Linguagem da Escultura. São Paulo, SP. Cosac e Naify. 2ª edição. 2001.p. 41. 13 Id. ibid. p. 43. 14

Enciclopédia Virtual de Artes Visuais Itaú Cultural

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enigmas da ciência. Enquanto ele valorizava extremamente a autonomia do artista, ele também

procurou integrar não só escultura, arquitetura e design, mas também arte e ciência. Assim, ele

sentiu que a sua ‘idéia construtiva’ poderia servir como uma filosofia, não só para a arte, mas para

a vida em geral.”15

E é nesta época que se dá uma grande reviravolta para a escultura, com o

surgimento de novas questões. Assim como Herbert Read, Krauss trata de dividir o

desenvolvimento da escultura em duas vias, porém, Read trata mais puramente da

questão formal, separando basicamente os caminhos em: escultores que esculpem e

continuam a seguir a tradição humanista, como por exemplo, Henry Moore e escultores

que constroem e rejeitam a tradição, como Naum Gabo. Já Krauss trata de explorar as vias

da simplificação e da construção e do tempo na relação obra-espectador, e dá como

exemplo de cada um dos caminhos Brancusi e Naum Gabo.

Felícia Leirner absorve das transformações pelas quais a escultura passou ao longo

do século XX, porém mantém características essencialmente pertencentes à tradição

advinda dos padrões onde o ato de esculpir com as próprias mãos, moldar na argila, fundir

a peça em bronze, dentre outros, é que são importantes. A tradição do material prevalece

sobre os conceitos referentes ao mesmo.

Uma de suas grandes influências é um artista britânico, Henry Moore (1898 – 1986),

que se tornou conhecido por suas esculturas abstratas ao ar livre e em grande escala.

Herbert Read comenta sobre a produção de Moore:

“Talvez devamos olhar o desenvolvimento de Moore por dois aspectos – o técnico e o

estilístico. Moore principiou com uma forte preferência pelo entalhe direto – praticamente toda a

sua obra, à exceção de umas poucas terracotas, até a eclosão da Segunda Guerra Mundial em

1939, é composta por escultura em pedra ou madeira; há algumas peças em concreto fundido

entalhado. (...). A partir de 1945 predominam os bronzes, embora se afigure que de tempos em

tempos o escultor precisa testar seu senso de forma no entalhe direto.”16

Em termos estilísticos, Read comenta que, ao longo do período criativo de 30 anos

de Moore há o chamado desenvolvimento da consciência arquetípica em suas obras, que

visavam representar as formas elementares da natureza. Suas obras apresentam traços

15 MoMA. http://www.moma.org/collection/artist.php?artist_id=2043. Acessado em 10/08/2014. 16 READ, Herbert Edward, Sir. Escultura Moderna: Uma História Concisa. São Paulo, SP. Martins Fontes. 2003.p. 173.

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orgânicos e formas arredondadas que remetem a ossos e carne. Volumes cheios e densos

compõem as massas escultóricas.

Barbara Hepworth (1903 – 1975), escultora britânica, também explorou a densidade

dos volumes cheios em sua obra, esta de caráter mais sintético e geométrico. Entrou em

contato com a obra de Brancusi e Moore e absorveu traços de ambos em sua produção.

“Como Moore e, em verdade, também como Brancusi, manteve a figura humana como

point de repère, uma forma ideal à qual todas as formas devem ser assimiladas, para

nossa melhor compreensão instintitva.”17 É conhecida por seu trabalho abstrato

composto por formas sólidas com interferências de elementos geométricos e

concavidades. Felícia entrou em contato com suas obras na Bienal de São Paulo de 1959 e

vemos que sofreu grande influência das mesmas, especialmente em sua produção da

década de 70, onde o que outrora era vazio passa a dar lugar ao cheio entrecortado por

formas vazadas.

Hepworth optou por não criar representações literais do mundo, mas formas

abstratas inspiradas em pessoas e paisagens, disse que a paisagem de Yorkshire a

influenciava e falou que “Continuava a pensar em grandes obras em uma paisagem: isso

sempre foi um sonho em minha mente”.18

“A expressão escultural completa é espacial - É a realização tridimensional de uma idéia,

seja pela massa ou pela construção espacial. Os materiais para escultura são ilimitados em sua

variedade em qualidade, tensão e vivacidade. Mas para a idéia ser totalmente e livremente

projetada em pedra, madeira ou qualquer substância plástica, uma sensibilidade total ao material

- uma compreensão de sua qualidade inerente e caráter - é exigida. Deve haver uma perfeita

união entre a idéia, a substância e a dimensão: essa unidade dá a escala... Vitalidade não é um

atributo físico, orgânico de escultura - é uma vida interior espiritual.

‘Abstrato’ é uma palavra que agora é mais freqüentemente utilizada para expressar apenas

o tipo da forma exterior de uma obra de arte, o que torna difícil usá-la em relação à vitalidade

espiritual ou a vida interior, que é a escultura real. Qualidades esculturais abstratas são

encontradas em boa escultura de todos os tempos, mas é significativo que a escultura e a pintura

contemporâneas tornaram-se abstratas em pensamento e conceito. Como a idéia escultural é em

17 Loc cit. p. 202. 18 Yorkshire Sculpture Park. http://www.ysp.co.uk/exhibitions/barbara-hepworth. Acessado em 12/12/2013.

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si irrestrita e ilimitada e pode escolher suas próprias formas, o conceito vital seleciona a forma e a

substância de sua expressão bastante inconscientemente.”19

Já em solo brasileiro, vemos que no século XX, as questões artísticas caminhavam

em outro ritmo. Annateresa Fabris comenta:

“País que se engaja na discussão da modernidade cultural no momento de volta à ordem,

que não dispõe de uma tradição consolidada e que não havia vivido de perto um evento

profundamente transformador como a Revolução Industrial, o Brasil das primeiras décadas do

século XX elabora uma noção peculiar da atualidade. A modernidade propugnada deveria

coincidir com a construção de uma arte nacional, o que explica a preferência pelas vertentes

figurativas - do realismo ao expressionismo - e a visão negativa do cerebralismo vanguardista. O

humanismo de que era portadora a concepção escultórica de Rodin e de seus seguidores parece

responder de perto a essa busca de uma expressão de cunho nacional, que afere a modernidade

das propostas artísticas a partir do seu grau de afastamento do código acadêmico.”20

Brecheret, o mais consagrado nome da escultura modernista brasileira, tem sua

trajetória artística permeada tanto por questões estritamente formais e acadêmicas, uma

vez que sua formação se deu em solo europeu, quanto por questões contemporâneas a

seu tempo, produzindo uma espécie de pluralismo em seu trabalho. Fabris escreve sobre

o ecletismo de sua produção: “Se, no período parisiense, flerta com algumas propostas

cubistas, com a elegância curvilínea do Art Déco, com o despojamento de Brancusi, não

deixa de ser atraído por uma plástica arcaica e pelo idealismo clássico de Maillol”.21

Segundo informado pela Galeria de arte André, Vittorio Brecheret nasceu em São

Paulo em 1894 e iniciou sua formação artística em 1912, no Liceu de Artes e Ofícios de São

Paulo, onde estudou desenho, modelagem e entalhe em madeira. No ano seguinte viajou

para Roma, onde aprimorou seu domínio técnico sobre a escultura. Retornou a São Paulo

alguns anos depois e improvisou um ateliê em espaço cedido pelo engenheiro Ramos de

Azevedo no Palácio das Indústrias. Em 1921, com bolsa de estudo do Pensionato Artístico

do Estado de São Paulo, viajou a Paris. Na capital francesa, entrou em contato com os

escultores Henry Moore (1898-1986), Emile Antoine Bourdelle (1861-1929), Aristide

19 Extracts from 'Sculpture', in Circle: International Survey of Constructive Art, ed. by J.L. Martin, Ben Nicholson, Naum Gabo, London, 1937, p. 113. http://barbarahepworth.org.uk/by-barbara-hepworth/quotations-from-barbara-hepwor.html 20Tridimensionalidade. São Paulo, SP. Instituto Itaú Cultural. 1977.p. 12. 21 Loc. cit. p. 10.

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Maillol (1861-1944) e Constantin Brancusi (1876-1957). Alternou sua estadia entre França

e Brasil até 1936, fixando residência definitiva em São Paulo nesse ano.22

Seus trabalhos foram admirados por alguns dos intelectuais ligados ao movimento

modernista: Oswald de Andrade, Menotti del Pichia e Mário de Andrade. Apesar de estar

viajando durante a realização da Semana de Arte Moderna de 1922, chegou a expor

algumas obras na mostra.

Para Fabris, ao se colocar uma parcela considerável da escultura modernista sob a

continuidade de Rodin e de seus seguidores, advindos de uma tradição escultórica que

remontou a Michelangelo e que, portanto, não era essencialmente moderna em termos

investigativos, houve o fundamental questionamento: A escultura moderna brasileira era

de fato moderna?

“A idéia de modernidade [no Brasil] não possuía contornos muito nítidos, tanto no plano

de criação quanto naquele da reflexão. A escultura ensaiava passos hesitantes rumo a uma

visualidade diferente daquela acadêmica, mas, em termos gerais, não conseguia afastar-se

daquela tradição humanista reinstaurada por Rodin e levada adiante por seus discípulos, que

foram os mestres de artistas como Giorgi (Maillol), Pedrosa (Maillol e Despiau) e Celso Antônio

(Maillol, Bourdelle e Despiau)”.23

A autora completa, mostrando que o diálogo com as ideias modernas foi bastante

tortuoso:

“(...) pois dele brota uma concepção de escultura feita quase só de continuidade. Se essa

continuidade não é acadêmica, ela não é igualmente moderna. Trata-se de uma continuidade

problemática, que se insere numa restauração típica da cultura européia no período entre

guerras, com a qual os artistas brasileiros se identificam porque não existiam no país condições

estruturais (inclusive em termos cronológicos) para a instauração de novas concepções de espaço,

de tempo, de plano, de volume”.24

No catálogo da Coleção Itaú Moderno: Arte no Brasil 1911-1980, vimos que há o

questionamento por parte do autor Teixeira Coelho da modernidade proposta pelos

escultores da primeira metade do século XX e ele aponta as diversas variações formais

presentes entre os diferentes artistas e mesmo as diferenças evidentes entre as obras de

22 Galeria de arte André. http://www.galeriandre.com.br/vittorio-breheret/. Acessado em 17/06/2014. 23Tridimensionalidade. São Paulo, SP. Instituto Itaú Cultural. 1977.p. 16. 24 Loc. cit.p.16.

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um mesmo artista e comentou sobre o ‘moderno clássico’, termo contraditório por si

mesmo, mas que regeu boa parte da produção nacional da época.

“O grupo tridimensional desta seção, quanto a ele, evidencia uma variação interna

considerável de opções formais. A bailarina, de Brecheret (déc. 1920) acompanha a estilização

elegante das formas de Brancusi, em amplo contraste com as peças que se seguem e em especial

com o Nu feminino (índia) (c. 1942), outro retorno a uma ordem anterior de valores

acentuadamente decorativos mais do que expressivos, mais próximos de Ceschiatti do que

daqueles dos outros colegas. E se De Fiori permanece consideravelmente idêntico a si mesmo na

sua opção formal exibida nestas peças (como em outras que aqui não figuram), Bruno Giorgi

parece, nas obras da coleção, ter tomado todas as formas modernistas, ter tudo experimentado

daquilo que se fazia aqui e fora daqui, especialmente daquilo que se tornara, embora por uma

facilidade e por hábito cultural, sinônimo da forma moderna e, especificamente, modernista –

casos da Fiandeira (c. 1950), de Bucólica (1951), do Guerreiro (déc. 1950), da Mulher Reclinada

(1960), tanto quanto do Pássaro II de Felícia Leirner (déc. 1970), codificadamente moderna nesses

buracos arredondados que cortam o bronze como nas versões consagradas por Henry Moore.

Estas últimas são obras temporãs, tardias (late style) não só quando consideradas contra o pano

de fundo do movimento internacional, porém mesmo quando vistas nas perspectivas locais e

quando cotejadas com os movimentos renovadores já aqui em atuação”.25

Teixeira Coelho mostrou que o então modernismo caminhava mantendo suas raízes

num “moderno clássico”, fato que Annateresa Fabris também comentou e apontou a

razão pela qual os modernistas elegeram Brecheret como símbolo de uma atitude

moderna e não Anita Malfatti, refletindo a importância da obra do escultor no período

onde “a modernidade defendida pelos artistas de São Paulo responde a essa vontade de

atualização, informada pelo princípio da estilização e pela determinação de um núcleo

temático alicerçado na imagem da cidade industrial”, assim sendo, os modernistas

buscavam um clima de renovação mundial e encontravam uma linguagem artística para os

novos desafios do século XX, sem deixar de lado questões humanistas, em desacordo com

algumas das principais propostas das vanguardas européias.

“A linguagem eclética do escultor, na qual coexistem sem choques a poética do não-

acabado de Rodin, uma certa elegância de derivação art nouveau, resquícios da linha

serpentinada de Michelangelo, alguns traços arcaizantes e registros naturalistas, é considerada

moderna por uma atitude crítica ancorada em categorias híbridas, se não acadêmicas, que

25 COELHO, Teixeira. Coleção Itaú Moderno: Arte no Brasil 1911-1980. São Paulo, SP. Itaú Cultural. 2007. p. 76-77.

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conferem primazia ao tema, ao domínio técnico, à inserção do artista no âmbito de uma tradição

secular (Menotti Del Picchia), ou que propiciam uma leitura totalmente eivada de sugestões

literárias de cunho decadentista (Oswald de Andrade)”.26

Posteriormente, na segunda metade do século XX, apareceram novas questões para

a escultura no Brasil, com a abstração cada vez mais presente entre as investigações

artísticas e, de certa forma, uma ruptura mais radical por parte dos artistas para com o

legado da Semana de Arte Moderna de 1922, que se fazia presente até então. Fernando

Cocchiarale comenta:

“Um mapeamento da escultura abstrata no Brasil deve inicialmente reconhecer que o

caráter radical de sua origem, no fim dos anos 40, resultou de um corte profundo com a tradição

escultórica decorrente da emblemática Semana de Arte Moderna (São Paulo, 1922). Deve

também compreender que sua trajetória, até o começo da década de 60, só foi possível porque,

embora não podendo apoiar-se no passado da arte brasileira, com o qual havia rompido, pôde

assimilar de modo próprio a mais inteligível constelação de questões da escultura abstrata

internacional através do Concretismo de Max Bill, premiado em 1951 na I Bienal de São Paulo, e

do Construtivismo de Tatlin, que referenciou parte das experiências espaciais do

Neoconcretismo”.27

Para Cocchiarale, no período havia dois grupos essenciais de artistas concretistas

que absorveram tais referências européias: em São Paulo grupo Ruptura, 1952 e no Rio de

Janeiro grupo Frente, 1953. Outros artistas acabaram por fazer parte de um campo difuso

de pesquisas singulares.

“Mesmo o Informalismo, adversário histórico da abstração geométrico-construtiva, jamais

pretendeu sistematizar um corpo coerente de questões plástico-formais. Seu único princípio geral

consistia na valorização ética da livre expressão do sujeito-artista, estabelecendo, assim, as bases

de uma comunicação intersubjetiva entre o público e a obra. Já a racionalidade evocada pela

forma geométrica suscitava, inversamente, uma apreensão objetiva do trabalho do artista,

contribuindo para a clara enunciação de questões que culminaram com a polarização de seus

adeptos em tendências divergentes e muito bem caracterizadas”.28

O Construtivismo foi de excepcional importância para o desenvolvimento da

escultura abstrata no Brasil dos anos 50 e mesmo os escultores abstratos independentes

26 SCHWARTZ, Jorge (org.). Da Antropofagia a Brasília: Brasil 1920 – 1950. São Paulo, SP. Cosac & Naify Edições. 2002. 27 Tridimensionalidade. São Paulo, SP. Instituto Itaú Cultural. 1977. p.48. 28 Loc.cit.p. 48.

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do país acabaram produzindo suas obras com algum grau de relação com o mesmo, caso

de Abraham Palatnik, Emanoel Araújo, Rubem Valentim, Sérvulo Esmeraldo e inclusive

Felícia Leirner. Esses anos são marcados pela acelerada expansão do abstracionismo,

tanto de linhas geométricas como informais. Paralelamente ao movimento concretista,

assistiu-se ao desenvolvimento de uma abstração informal, de tendência lírica ou onírica.

No entanto, logo se notou que um significativo grupo de artistas não desejava abandonar

de todo a figuração, como é o caso, por exemplo, de Felícia Leirner.

Mário Pedrosa comenta em catálogo da exposição “Felícia, escultora”, de 1961:

“Só agora é que a geração, que se seguiu a dos veteranos, começa a apresentar uma

produção mais amadurecida e sincronizada com as exigências ou as modalidades da época. Franz

Weissmann foi, nessa ordem, o abridor do caminho aos mais jovens, e se, agora, sem que essas

enumerações impliquem em qualquer julgamento de valor, verificamos, por exemplo, que um

Mário Cravo na Bahia, uma Clark no Rio representam bem, cada um, suas respectivas tendências

e formação, se pode apontar Felícia Leirner como representando bem outra tendência e outra

formação, aqui, em São Paulo. Se Cravo fosse o esforço do localismo regional para, superando o

folclórico, alcançar a modernidade, e Clark, o de atingir a universalidade pela transformação da

disciplina formal plástica em expressão vivenciada, Felícia seria o esforço da continuidade cultural

geral para atingir a individualidade”.29

Pedrosa aponta três nomes como importantes para a produção escultórica daquele

momento: Mário Cravo, Lygia Clark e Felícia Leirner, sendo que considera Fraz Weissmann

como o precursor desses novos questionamentos. Para o autor, Cravo ultrapassa o

regionalismo baiano para alcançar a modernidade, enquanto Clark trata de levar a arte ao

patamar de expressão que, por sua interatividade, podia ser vivenciada. Já Felícia atinge

sua própria individualidade artística a partir da tradição.

Apesar das investigações desses e de outros artistas atuantes no campo da

escultura, Leonor Amarante em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 25

de Junho de 1978, que conta com diversos depoimentos de artistas e críticos de arte do

período, mostra que, na segunda metade do século XX, a escultura ainda era menos

valorizada no ambiente artístico brasileiro em relação, por exemplo, à pintura ou à

gravura.

29 PEDROSA, Mário. Catálogo Felícia, escultora. MAM SP. Março/Abril 1961.

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“Depois da intensa euforia – e até da improvisação de artistas para alimentar o mercado

de arte brasileira no início da década de 70 – os critérios de escolha tendem, hoje, a valorizar os já

estabelecidos. As técnicas e suas formas de expressão vão, aos poucos, assumindo um lugar

determinado nas leis de mercado. A pintura e a gravura conseguiram se firmar de tal maneira que

grande parte dos artistas que trabalham nesse campo vive da atividade artística. Em

contraposição, a escultura leva nítida desvantagem no confronto com as demais formas de

expressão plástica. Não é só quanto ao número de artistas, mas, principalmente, com relação à

aceitação do público.

E essa situação ocorre, em função de certos condicionamentos culturais, pela própria

posição da escultura na arte brasileira contemporânea e, o que é importante, porque a escultura

não teve o mesmo apoio dos marchands nos célebres leilões que, de uma forma ou de outra,

acabaram estabelecendo os rumos do mercado de arte brasileira e a sua própria consolidação.

Resta à escultura o beneplácito oficial ou o apoio das empresas de arquitetura, que se servem

dela para compor ou completar seus projetos. Em termos de abertura popular, a escultura em

seus padrões clássicos, parece condenada a um absoluto malogro”.30

Fernando Lemos, em relato neste mesmo artigo, comenta sobre a falta de tradição

histórica na escultura brasileira:

“A escultura no Brasil é historicamente pobre, não temos tradição dentro desta forma de

expressão, nem mesmo escolas ou materiais. Até bem pouco tempo a escultura era considerada

‘decoração de cemitérios’. No entanto, isso não quer dizer que hoje ela tenha uma conotação

muito diferente. A maioria dos escultores brasileiros ainda trabalham em cima de temas arcaicos.

Existem poucos jovens pesquisando novos materiais, tentando formar uma vanguarda brasileira,

na minha opinião, a única saída para esta forma de expressão continuar existindo. “

E complementa, apontando as características do mercado de arte no Brasil para com

os escultores:

“Costuma-se atribuir ao marchand a responsabilidade de dirigir as tendências artísticas em

função da solicitação do mercado. Isto é um erro porque no Brasil não existem marchands, o que

se vê por aí são simples comerciantes de arte, sem força para influenciar nenhum mercado, e

também sem a categoria dos europeus e dos americanos. E por outro lado, os artistas nacionais

não fazem concessões ao mercado de arte, eles são os próprios intermediários da concessão. Em

30 AMARANTE, Leonor. Escultura brasileira, marginal nas artes plásticas? O Estado de São Paulo. São Paulo, SP. 25/06/1978.

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última análise, são homens certos em sociedade errada. Num sistema mais correto, o escultor é

pago para criar e não para servir”31

.

Podemos observar, portanto, que a escultura no Brasil no século XX, até por volta da

década de 70 e provavelmente também nos anos seguintes, esteve renegada a esse lugar,

cujos critérios do mercado de arte já eram estabelecidos, uma vez que prevaleciam os

artistas que já possuíam algum tipo de afirmação no cenário artístico nacional. Leonor cita

os marchands como um dos pontos em que devemos refletir sobre podem ser

responsáveis por essa situação de desvalorização da escultura, comparada a outros meios

de expressão artística.

Felícia Leirner é um nome importante em se tratando de escultura no Brasil, sendo

impossível dissociar seu sobrenome da história da arte na capital paulista, já que seu

marido, Isai Leirner, e sua família foram grandes incentivadores dos artistas de São Paulo.

31Id. ibid.

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Capítulo 1

Sobre Felícia Leirner

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1.1 Vida e família

Felícia Leirner nasceu em Varsóvia, Polônia, em 1904. Chegou a estudar música e

canto, integrando durante um breve período de tempo, como soprano, o coro da Ópera

de Varsóvia. Durante sua juventude na Polônia, ela morou com sua mãe, já que seus

irmãos residiam em outras partes do mundo. “Vivi sempre sozinha com minha mãe

doente. Um dos meus irmãos morava na Inglaterra e o outro nos Estados Unidos. Dentro

de casa eu não entendia aquela mulher que era minha mãe, triste, aborrecida, sem vida.

Fora de casa eu era alegre, gostava de cantar. Era difícil amar aquela mulher solitária e

amargurada com um karma difícil de carregar” 32, conta Felícia a Frederico Morais.

Apesar de ter vivido somente parte de sua vida em sua terra natal, seus anos de

formação e convivência naquele país moldaram boa parte de sua personalidade reservada

e determinada.

“A Polônia, longínqua, era, portanto isto: os velhos talmudistas, a mãe doente e

triste, as notícias sobre os massacres e humilhações sofridas pelos judeus durante os

pogrons, a leitura de autores russos, bosques, a Ópera de Varsóvia, e finalmente, um

jovem apaixonado por ela. Isai, seu futuro marido”33, continua Frederico Morais no livro

dedicado à artista.

Felícia Leirner diz que seu espírito buscava um novo futuro e que, portanto,

precisava se libertar da sua memória. Ela chegou ao Brasil em 1927, em companhia do

marido, ambos com 23 anos de idade. A mãe de Felícia veio junto, e aqui faleceu aos 82

anos de idade. O pai dela decidiu ficar na Polônia. Assim, fixaram-se em São Paulo, onde

Isai, seu marido, montou uma indústria têxtil e Felícia cuidava da casa e da mãe doente.

Em São Paulo, no Bom Retiro (bairro que abrigou imigrantes de várias

nacionalidades durante a primeira metade do século XX), nasceram seus filhos e Isai

fundou uma malharia – a Tricolã34. Com os rendimentos da indústria, que foi aos pouco

32 MORAIS, Frederico. Felicia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felicia Leirner. 1991. P. 13. 33 Id. ibid., P. 15. 34 A indústria foi mantida em sociedade com o irmão de Isai, Simão, até logo após a morte do primeiro, em 1962. Com seu falecimento, a sociedade foi desfeita. Nelson Leirner associou-se ao seu irmão Adolfo Alberto e fundaram a malharia Lanover naquele mesmo ano. Nelson se manteria sócio da malharia por alguns anos. CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner: Arte e Não Arte, Galeria Brito Cimino. São Paulo, SP. Takano Gráfica e Editora. 2002.

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prosperando e se desenvolvendo, a família saiu do bairro humilde e passou a morar na

Rua da Consolação, 3605. Com o passar dos anos, a família mudou-se para diversos outros

bairros da capital.

O casal teve três filhos: Nelson Leirner, artista contemporâneo de renome que foi

um dos mentores do grupo REX35, Giselda Leirner, artista e desenhista de menor inserção

no circuito profissional que o irmão, e Adolfo Leirner, médico e fotógrafo. Giselda é mãe

de Sheila Leirner, crítica de arte que mora em Paris, França, desde 1991 e é colaboradora

para o Jornal Estado de São Paulo. Sheila também foi curadora da 18ª Bienal Internacional

de São Paulo, em 1985. Adolfo é pai de Jac Leirner, artista de grande inserção no circuito

artístico contemporâneo tanto no Brasil quanto no exterior.

Tadeu Chiarelli comenta sobre o início da relação da família Leirner com as artes no

Brasil:

“Com Felícia profissionalizando-se cada vez mais no campo da escultura, Isai passa, por sua

vez, a integrar o ambiente artístico-cultural da cidade. No Museu de Arte Moderna de São Paulo,

participa como diretor-tesoureiro e membro do Conselho e também integra a diretoria da Bienal

de São Paulo. Para dar uma dimensão ainda mais clara da importância e do poder que Isai Leirner

possuía dentro do circuito da arte paulistana, é importante não esquecer que, em 1957, ele pediu

demissão de seus cargos junto ao MAM e a Bienal em protesto aos critérios adotados por Lourival

Gomes Machado no júri da seleção da Bienal daquele ano. Ato contínuo apoiou a mostra Doze

Artistas de São Paulo, que se realizou no saguão das Folhas, composta por obras de alguns dos

artistas recusados pelo júri da Bienal, dentre eles a escultora Felícia Leirner.

Em 1958 foi criada, com o apoio do industrial, a Galeria de Arte das Folhas. Ainda naquele

ano, Isai instituiria o Prêmio Leirner de Arte Contemporânea que, até 1962 (quando teve sua

última edição), premiou alguns dos mais importantes artistas surgidos naquele período.

35 A origem desta cooperativa artística paulista relaciona-se ao episódio em que Wesley Duke Lee, Nelson Leirner e Geraldo de Barros retiraram suas obras da exposição coletiva Propostas 65, em protesto e em solidariedade ao artista Décio Bar que teve alguns de seus trabalhos censurados pelo regime militar. Teria sido justamente após este incidente, que estes artistas decidiram não apenas formar um grupo, mas abrir uma galeria e publicar um jornal, como ‘frentes de luta’, para questionar e combater a mistificação da arte e o circuito que se formava em torno dela: galerias, marchands, críticos, mídia. O grupo REX existiu de Junho de 1966 a Maio de 1967. MAC. http://www.mac.usp.br/mac/templates/projetos/seculoxx/modulo4/rex/intro.html. Acessado em 15/06/2014.

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Fato pouco conhecido do público foi que Isai e Felícia, além dessa importante atividade

junto à Galeria das Folhas, mantiveram durante algum tempo uma residência na cidade para

artistas com dificuldades financeiras, localizada na Rua Veiga Filho, 375”.36

Ao pedir demissão de seus cargos junto à Bienal e ao MAM como uma forma de

protestar contra o júri daquela edição da Bienal, Isai reafirma sua importância para o

cenário paulistano das artes plásticas. A família Leirner é conhecida por sua ligação com as

artes no Brasil e Tadeu aponta como seu apoio foi um propulsor de carreira para diversos

artistas daquela época. Portanto, é impossível dissociar o sobrenome Leirner do

desenvolvimento e expansão do cenário artístico paulistano.

A Galeria das Folhas, na visão de muitos, foi um espaço de grande relevância para as

artes plásticas na São Paulo da segunda metade do século XX, assim escreveu Tania

Toiphe, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 10 de Março de 1981.

“Em Março de 1958, uma retrospectiva de Lasar Segall marcava a inauguração da Galeria

de Arte da Folha, que haveria de se tornar um ponto de convergência intelectual e expansão

artística da cidade de São Paulo.

A Galeria, inicialmente dirigida por Claret Costa e, mais tarde, por Rui Bloem, atuou como

centro cultural complementar de uma empresa jornalística, congregando todas as tendências

gráficas e plásticas então, no intuito de difundir e incrementar as artes perante o público e dar

maior prestígio aos artistas.

Assim, sua contribuição para as artes visuais chegou a marcar época, principalmente pelo

fato de ter sido, entre os anos de 1958 e 1961, a depositária do Prêmio Leirner de Arte

Contemporânea, conferido pelo industrial e colecionador Isai Leirner, assessor da Galeria ao lado

do crítico José Geraldo Vieira.

O Prêmio Leirner, destinado a artistas nacionais e estrangeiros aqui radicados, surgiu com

o propósito de acentuar as funções da Galeria, além de descobrir e apresentar novos valores,

atuando em termos vanguardistas.

O critério estabelecido para a entrega dos prêmios, concedidos anualmente, determinava

que todos os expositores cujas obras já haviam sido exibidas durante o ano na Folha, participaram

das coletivas para o prêmio Leirner com três trabalhos selecionados por um júri. Posteriormente,

dentre esses trabalhos, era feita a escolha dos melhores em pintura, desenho, gravura e

escultura”.37

36 CHIARELLI, Tadeu. Nelson Leirner: Arte e Não Arte, Galeria Brito Cimino. São Paulo, SP. Takano Gráfica e Editora. 2002. P. 32. 37 TOIPHE, Tania Maria. “Prêmio Leirner”, a marca de uma época. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1981.

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Felícia Leirner foi uma das artistas que participou da exposição inaugural da Galeria

das Folhas, juntamente com Darcy Penteado, Bonadei, dentre outros. Flávio de Carvalho,

artista que iniciou a discussão referente à 4ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1957,

também participou da mostra inaugural. Nesta edição da Bienal, deu-se a recusa de

trabalhos de diversos artistas por parte da comissão organizadora. Francisco Alambert

aponta:

“A polêmica lista de corte foi feita pelos membros do júri: Lourival Gomes Machado, Lívio

Abramo, José Geraldo Vieira, Flávio de Aquino e Armando Ferrai. Nesse processo houve a recusa

de obras de artistas de renome, como Flávio de Carvalho e ‘boa parte da história da arte

contemporânea brasileira’. Como forma de protesto diante dos critérios de inclusão e exclusão de

obras, artistas e percursos, nomes consagrados se recusaram a enviar trabalhos”.38

Por ter sido excluído da mostra, Flávio de Carvalho denunciou parcialidade por parte

da comissão organizadora que, segundo ele, teria privilegiado os concretistas e descartado

a arte figurativa de modo geral.

Por discordar dos critérios do júri, Isaí Leirner demitiu-se do cargo de diretor-

executivo do MAM de São Paulo e promoveu no saguão do edifício do jornal Folha de São

Paulo, na Alameda Barão de Limeira, a exposição de 12 artistas que haviam sido recusados

naquela edição da mostra, episódio que marcou a criação de um espaço cultural em

contraposição à Bienal, que viria a se tornar a Galeria das Folhas.

Felícia dá seu depoimento para Tania e comenta sobre o Prêmio Leirner, afirmando

que ele era uma dupla recompensa: “Primeiro porque os ganhadores recebiam um prêmio

em dinheiro, e depois porque suas obras eram doadas a um museu e ficavam em caráter

permanente em seu acervo. E tudo isso era por conta de Isai, que não recebia ajuda oficial

ou de qualquer instituição particular”.39

Alguns dos artistas que ganharam o Prêmio Leirner foram Manabu Mabe, Sheila

Branningan, Abelardo Zaluar, Tomie Ohtake, Yolanda Mohalyi, Alberto Teixeira, dentre

outros. Podemos apontar duas características comuns aos ganhadores do prêmio: eram

38 ALAMBERT, Francisco. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos curadores. São Paulo, SP. Boitempo Editorial. 2004. p. 72. 39 TOIPHE, Tania Maria. “Prêmio Leirner”, a marca de uma época. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1981.

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essencialmente pintores, apesar de pequena produção também em outros meios e seus

trabalhos eram abstratos, principalmente da abstração informal ou lírica.

Em sua atividade relativamente curta, de 1957 a 1961, a Galeria das Folhas revelou

novos nomes como Franz Weissmann (1911 – 2005), Nelson Leirner (1932) e Regina

Silveira (1939). Embora seu nascimento seja marcado pela defesa da arte figurativa - que

nos anos de 1950 pareceu ameaçada pela entrada dos diversos abstracionismos no país -

a galeria acabou conhecida como um espaço de apoio e divulgação de artistas ligados ao

abstracionismo informal e lírico.40

Nelson, filho de Felícia e Isai, é um dos então novos artistas que pôde apresentar seu

trabalho para o público com o apoio da Galeria das Folhas, porém, talvez devêssemos

assinalar que a ligação familiar foi um possível incentivo ou porta de entrada para o

mundo das artes.

Felícia participou ativamente da criação da galeria e, em sua produção artística, se

sentiu inicialmente atraída pela pintura e teve, inclusive, aulas com Yolanda Mohalyi.

Somente alguns anos mais tarde, em 1948 e já com 44 anos de idade, iniciou estudos de

escultura com Brecheret, que nesta época já era um artista consolidado. Essa vocação

artística só pôde ser desenvolvida tardiamente, quando seus filhos já eram adultos.

“Foi como aluna de Yolanda Mohalyi, aos 42 anos e enfraquecida fisicamente, que fiz uma

primeira tentativa de achar meu verdadeiro espírito. Era a primeira vez que trabalhava em um

ateliê de desenho, começando com modelo vivo. (...) Eu me entregava ao trabalho com o máximo

de entusiasmo, mas dentro de mim, instintivamente, sabia que ainda não tinha encontrado minha

verdadeira expressão. Tinha de continuar procurando, sem desistir. Olhar Yolanda pintando era

interessante. Ela me ensinou a perder o medo, e sem medo fui perdendo a responsabilidade.

Yolanda me apresentou a sua amiga Elisabeth Nobling, mulher agradável, sorriso franco e amigo,

sotaque carregado. Elisabeth era escultora, mas o seu meio era a cerâmica, e foi assim que

conheci o barro. Não sei bem como, mas o barro se ligou a minhas mãos com o mesmo

entusiasmo com que eu me liguei a ele. Mas foi somente quando fui trabalhar com Brecheret que

as dúvidas sobre o caminho procurado desapareceram”.41

40

Enciclopédia de Artes Visuais Itaú Cultural. http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=instituicoes_texto&cd_verbete=3963&cd_item=12. Acessado em 01/06/2014. 41 MORAIS, Frederico. Felicia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felicia Leirner. 1991.p.10.

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Segundo relatos, a artista procurou Brecheret sem consultar ninguém. Ele,

inicialmente, recusou-a em seu ateliê, pois em sua opinião escultura não era coisa para

mulher, mas a artista insistiu e foi ficando, inserindo-se aos poucos naquele novo e

instigante ambiente.

Para Felícia o domínio técnico de seu mestre foi algo de grande importância em sua

formação, foi com ele que ela aprendeu toda a parte do trabalho em que normalmente

não se pensa durante o movimento de livre-criação. Segundo conta em depoimento a

Frederico Morais, ela, inclusive, chegou a trabalhar no Monumento às Bandeiras,

projetado em 1920 e inaugurado em 1953, juntamente com Brecheret.

A pesquisa em livros e slides, e visitas a museus, galerias e exposições moldou o

restante dos estudos da artista. Boa parte de suas influências vieram a partir da Bienal de

São Paulo, evento que a artista visitava sempre que podia e que trazia constantemente

novas questões, tanto técnicas quanto conceituais, para sua produção. Assim, a artista

passou a absorver características presentes nas obras de alguns artistas participantes das

diversas edições, tal como Moore (1953), Hepworth e Pomodoro (1959), Stahly (1963),

dentre outros. O impacto das representações estrangeiras na bienal se relacionou de

perto às modificações verificadas no meio social e cultural brasileiro. Cidades como Rio de

Janeiro e São Paulo iniciaram processos de metropolização, atraindo cada vez mais

indústrias e pessoas, alterando a paisagem urbana. Nas artes plásticas, a criação e

desenvolvimento dos museus de arte e de galerias criaram condições para a

experimentação nos anos 1950.

Com então poucos anos de atuação artística, em 1953, Felícia se candidatou para

participar da segunda edição da Bienal, sendo aceita. Voltaria a concorrer na terceira

edição do evento, em 1955, e nesta ganhou o prêmio aquisição do Museu de Arte

Moderna do Rio de Janeiro.

Em 1963, ganhou o prêmio de melhor escultor nacional na VII Bienal de São Paulo.

Nesta edição da mostra, segundo Francisco Alambert, a Bienal sofreu mudanças em toda

sua estrutura.

“Separada do Museu de Arte Moderna, deixa de contar com o fundamento intelectual de

seus diretores artísticos, que, mesmo sem o título, desempenhavam o papel do atual curador.

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Agora havia a Assessoria de Artes Plásticas, pequeno grupo que, na VII e VIII Bienal, foi formado

por Sérgio Milliet, Geraldo Ferraz e Walter Zanini. Naquele ano, a exposição se deu de um jeito

excessivamente heterogêneo, com artistas de cerca de sessenta países e 5 mil obras”.42

É nesta edição da mostra que, ainda segundo Alambert, “‘triunfa’ o expressionismo

abstrato ou abstracionismo informal”. Yolanda Mohalyi recebeu o prêmio de pintura e

Roberto Lamônica o de gravura.

A partir daí, Felícia Leirner estabeleceu um amplo diálogo com os intelectuais de São

Paulo e com as bienais, o que perdurou até o final da década de 70.

Em 1978, decidiu reunir toda sua obra num único local: Campos do Jordão.

1.2 Obra – de Brecheret ao abstrato e reconhecimento

No início de sua carreira como escultora, na década de 1950, Felícia Leirner

demonstrou grande afinidade com a obra de seu mestre, Brecheret. As questões

principais de seu trabalho nesse período foram a mulher, a maternidade e a família,

explorando temáticas como a gravidez, o amor e a figura do nu. Muitas de suas figuras

apresentaram uma assimetria, decorrente do contraste entre o comprimento dos braços e

pernas ou do volume do corpo em relação à cabeça diminuta, e aproximam-se de obras de

Aristide Maillol. “A artista confessa seu interesse pela obra de Maillol, Lehmbruck, Gabo,

Pevsner, Bill, Lachaise, Giacometti, Barbara Hempworth, e sobretudo Moore”. 43

A crítica, Sheila Leirner, sua neta, diz que:

“As primeiras investidas na escultura resultaram em figuras femininas e na representação

da maternidade, moldadas em barro, pedra e bronze por curiosas e inexperientes mãos

camponesas. Essas peças sofreram as decorrências de frenéticas descobertas e mais tarde

desfrutaram da disciplina imposta pelo aprendizado com Victor Brecheret, que a orientou na

manipulação linear e ininterrupta dos volumes e no equilíbrio das formas.”44

Brecheret faleceu em 1955, época na qual, como vimos, já havia um

reconhecimento do trabalho de Felícia por parte da crítica. A artista iniciou seus estudos

42

ALAMBERT, Francisco. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos curadores. São Paulo, SP. Boitempo Editorial. 2004.p.107. 43 MORAIS, Frederico. Felicia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felicia Leirner. 1991.p.27. 44

LEIRNER, Sheila. Arte como medida. São Paulo, SP. Perspectiva. 1982.p.358.

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com ele em 1948 e assim puderam ter alguns anos de convivência. Na década de 40,

Brecheret aproximou-se cada vez mais da abstração e da temática indígena,

predominante neste momento maduro de sua produção, porém, conforme afirmado pela

própria Felícia, Brecheret ensinou-a, no começo, o figurativo.

Brecheret teve aulas de anatomia com Arturo Dazzi enquanto esteve em Roma, na

década de 1910. Ele absorveu a estética dos escultores Ivan Meštrović, croata, e dos

franceses Auguste Rodin e Émile-Antoine Bourdelle, e provavelmente também entrou em

contato com obras de outros escultores atuantes naquele cenário, como Aristide Maillol.

Tais fatos provavelmente refletiram no ensino dado à Felícia Leirner, sendo que podemos

notar semelhanças presentes entre a produção inicial de Felícia e a de artistas franceses,

tal como Maillol, conforme exemplificarei abaixo.45

Nas figuras abaixo, 1.0 e 1.1, nota-se a similaridade presente entre uma obra de

Felícia e uma de Maillol. Porém, podemos notar que ela cria texturas na superfície do

bronze, por meio de ranhuras, incisões e grafismos, interesse talvez absorvido da

aprendizagem com Brecheret, diferentemente da outra obra, que é de bronze liso e

polido. Pernas grossas, braços alongados e barriga saliente são traços formais observados

em ambas as obras, porém, na de Felícia vemos que os membros possuem uma proporção

diferente, com pernas e braços mais alongados. Apesar da posição estática, a primeira

obra (figura 1.0) apresenta um aparente movimento, como se houvesse uma leve torção

em seu corpo. Já a segunda (figura 1.1) está em movimento propriamente dito, é a

banhista que prende seu cabelo, provavelmente antes de entrar no banho. Esta nos

possibilita de certa forma a inserção de uma narrativa e de uma ação para a escultura, ela

não é só um corpo, e sim uma representação de uma ação ou de um momento. Felícia

explorará de maneira gradual a inserção destas narrativas temáticas em algumas de suas

obras posteriores, mas já a partir dos anos 50, passa a trabalhar com formas que se

complementam. A artista trata especialmente de explorar questões referentes à forma e à

geometria, desenvolvendo uma maior leveza em suas peças.

45 Enciclopédia Virtual de Artes Visuais Itaú Cultural

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Figura 1.0: Figura 1.1: Felícia Leirner Aristide Maillol Figura clássica (estudo), 1950 Baigneuse debout se coiffant, 1930 Bronze Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. Acervo Marlborough Fine Art Gallery, Londres. (Campos do Jordão, SP) Fonte: artnet.com Fonte: foto nossa

Frederico Morais, em seu livro Felicia Leirner: a arte como missão divide a carreira

da artista em 5 fases:

1. Fase figurativa, aproximadamente de 1950 a 1958;

2. A caminho da abstração, de 1958 a 1961;

3. Fase abstrata, de 1963 a 1965;

4. Fase orgânica, de 1966 a 1970;

5. Fase dos recortes na paisagem, de 1980 a 1982.

Já Radha Abramo, em artigo intitulado Indagações ao longo de 30 anos, publicado

na Folha de São Paulo em 10 de Março de 1979, separa a obra de Felícia em três tempos:

“O figurativo, no qual a síntese das formas desempenha papel fundamental e se destina à

ilustração de temas universais. Fase intimista, seu caráter essencialmente subjetivo é uma

interpretação da condição humana.

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O segundo tempo é construtivo: a artista combina elementos de diversas formas,

organizando-os para compô-los às áreas vazias existentes entre um elemento e outro. O vazio

passa a ser também uma forma coadjuvada e necessária à construção da escultura. (...)

O terceiro tempo da obra de Felícia Leirner trabalha a criação espacial. Objetos enormes,

penetráveis e de formas doces e arredondadas plantam-se, como casulos, em área aberta. Não

podem mais, pela própria natureza, existir em recinto fechado ou pequeno”.46

Frederico Morais situa a produção de Felícia em um contexto limitado, uma vez que

estabelece “fases” para seus trabalhos, categorizando as obras de uma maneira fechada,

fato que impede a visualização de suas peças como um conjunto. Ao dividir a obra de um

artista de maneira rígida, corta-se a fluidez do seu trabalho e criam-se divisões

desnecessárias, desfavorecendo uma interpretação do todo. Além disso, as fases são

divididas em um tempo curto, num período de pouco anos.

Porém, é importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que apresenta as

características acima citadas, a divisão presente no Museu Felícia Leirner é útil para o

entendimento do visitante leigo sobre a vida e a obra de Felícia. É um discurso que fixa,

porém dá pouca informação do sentido da obra.

Aqui podemos notar a diferenciação entre a proposta de Frederico aplicada em

relação a toda a obra de Felícia e a proposta aplicada em relação a obra no Museu Felícia

Leirner. Nesse segundo contexto, a proposta funciona.

A divisão de Radha pode ser entendida como ampliada, em especial no que

concerne o conjunto das obras de Felícia e não só o Museu Felícia Leirner, uma vez que

procura englobar as obras explorando suas características formais e espaciais.

Mencionamos, inclusive, que o plano curatorial do Museu Felícia Leirner, datado dos

anos 90, resulta de parceira entre o Museu e o crítico de arte, onde possivelmente não

houve grandes questionamentos deste modelo por parte da instituição. O livro Felícia

Leirner: arte como missão, de Frederico Morais, foi publicado em 1991. Ressalta-se que,

nesta época a artista ainda estava viva e forneceu depoimentos para a publicação.

Em cada um dos diferentes períodos artísticos, do começo de sua carreira até a

época em que desenvolveu trabalhos abstratos, Felícia usou praticamente só o bronze

46

RADHA, Abramo. Indagações ao longo de 30 anos. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1979.

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como material para a criação de suas esculturas. Somente por volta do final da década de

60 ela passou a utilizar o cimento armado pintado de branco como material para suas

peças.

De acordo com Nicholas Penny no livro The Materials of sculpture,

“Bronze é uma liga de cobre que contém mais do que um ou dois por cento (em algumas

definições mais do que cinco por cento) de estanho e, por vezes, também quantidades

significativas de outros metais, especialmente chumbo. Bronze nem sempre foi assim definido.

(...) Bronze é o material mais favorecido para a escultura de metal. Também foi importante como

um material para ferramentas - e foi usado antes do ferro para os cinzéis usados para trabalhar

madeira e pedra”.47

Os processos para a fundição do bronze são diversos, mas certamente o mais

utilizado sempre foi o método da cera perdida, onde o artista começa fazendo um modelo

da obra em tamanho real, em argila.

“A partir desse modelo, confecciona-se um molde com material próprio. Desse molde

primeiro tira-se uma cópia em material vulgar, como gesso ou outro material plástico, que será a

primeira visão da obra. Aplica-se então uma camada interna de cera no molde, como se fosse a

casca de uma laranja, que será substituída pelo metal, na hora da fundição, daí o nome do

processo. Reforços estruturais são adicionados (quando necessário), aumentando a camada de

cera em alguns pontos ou colocando-se pedaços do mesmo material. Preenche-se então o espaço

interior restante no molde para não gastar muito bronze e deixar a peça mais leve.

O conjunto do molde é então reforçado externamente para que não se rompa durante a

fundição. Verte-se então o metal fundido, cuidando de deixar um caminho por onde saia a cera

derretida. Após um período de resfriamento, desmoldagem e correção de pequenos defeitos

de fundição, a peça vai ao acabamento final.

A resistência e a ductibilidade do bronze são vantajosas quando se quer criar grandes

figuras em ação, especialmente em relação ao mármore ou à cerâmica. Reforços estruturais

internos podem ser facilmente adicionados sem prejuízo do refinamento externo”.48

A produção inicial de Felícia Leirner, voltada para a figuração, com grande

exploração do bronze como material, apresenta um mundo onírico com aspecto

romântico, sendo que a pesquisa da figura humana se dá através de diversas temáticas.

Frederico Morais afirma a influência de Henry Moore em sua produção “nessa fase, como

47

PENNY, Nicholas. The Materials of Sculpture. Yale University. 2005.p.297. 48

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bronze_(escultura). Acessado em 10/01/2014.

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em todas as demais de Felícia Leirner, existe a presença dominante de Henry Moore, seja

na escolha dos temas (a mulher com suas diferentes posturas), seja no tratamento das

figuras, entre elas a miniaturização do rosto como forma de acentuar a importância do

volume do corpo”49, como na figura 2.0.

Figura 2.0: Felícia Leirner Mulher reclinada, 1950/55 Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

Todavia, em comparação com a figura 1.0, observamos aqui uma maior estilização

das formas, onde os membros, tanto superiores quanto inferiores, possuem um

alongamento fluido, desproporcional em relação ao corpo. Esta figura também apresenta

maior presença de vazios em sua composição e um corpo mais magro, transformando as

partes do corpo como que em linhas, em cilindros. A cabeça é diminuída em relação ao

corpo e já não vemos com tanta força as partes da face, como olhos e boca, nitidamente

presentes na figura 1.0, e mesmo os pés e as mãos estão menos detalhados.

49 MORAIS, Frederico. Texto explicativo no Museu Felícia Leirner.

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Sonia Ebling50 (1918 – 2006) é uma artista atuante nessa mesma época e com um

trabalho que é similar ao de Felícia, assim, trazemos a imagem abaixo para estabelecer

uma aproximação entre o trabalho das duas.

A imagem 2.1 é de uma obra de Ebling que apresenta similaridades para com a obra

2.0, de Felícia. Ambas as peças apresentam figuras femininas com corpos alongados;

cabeças e membros desproporcionais em relação ao resto do corpo; pés, mãos e rostos

retratados de maneira simplificada; o cabelo é tratado como uma massa rígida, dentre

outras questões. Podemos ver a diferença na posição das peças, sendo que a figura de

Felícia representa uma mulher deitada e a de Sônia, duas mulheres em pé. Ambas as

obras são de bronze patinado, porém a de Sônia apresenta um brilho reluzente em sua

superfície maior que a de Felícia, que apresenta ranhuras e incisões criadas pela artista.

Felícia e Sônia são mulheres que se destacaram em um campo eminentemente

masculino. Sonia Ebling também obteve reconhecimento da crítica, ganhou diversos

prêmios, como o Prêmio Viagem à Europa em 1955 com a escultura “Mulher e Pássaro”

no Salão de Arte Moderna no Rio de Janeiro e a partir daí, viveu vários anos entre o Brasil

e o exterior.

50 Sonia Ebling iniciou seus estudos de arte na pintura e na escultura, nas Escolas de Belas Artes do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, entre 1944 e 1951. Logo em seguida, em 1955, recebeu o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro do Salão Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro e permaneceu na Europa até 1968. Voltando ao Brasil, passa a lecionar na UFRGS. Fonte:http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=3351&cd_item=1&cd_idioma=28555. Acessado em 20/05/2014.

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Figura 2.1: Sonia Ebling Adolescentes, 1950 Bronze Registro fotográfico Sérgio Guerini. Fonte: Enciclopédia de Artes Visuais do Itaú Cultural.

Já Felícia acabou sendo uma presença constante no cenário artístico paulistano,

como vimos, e não há registros de viagens suas ao exterior.

Felícia absorveu continuamente elementos do cenário artístico da capital e seguiu

observando a figura humana. Passou a explorar, numa questão de poucos anos, uma

aparente desconstrução da mesma.

A seguir vemos uma série de três obras também pertencentes ao começo de sua

produção, mas que diferem bastante de outros trabalhos iniciais. A figura 2.0 é da

primeira metade dos anos 50, já as três figuras abaixo são da segunda metade dessa

mesma década.

Nesse pequeno intervalo de tempo, Felícia Leirner passou a investigar a questão do

primitivo em suas obras, inserindo elementos que nos remetem à imagem de esculturas

de tradição não européia, por exemplo. Nas figuras 3.0, 3.1 e 3.2 vemos claramente tais

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traços: os braços são diminuídos ou retirados, as cabeças são de tamanho pequeno,

desproporcionais em relação ao corpo e a indumentária empregada pela artista é

construída a partir de formas geométricas, sendo que as três figuras estão usando o que

parecem ser saias.

As obras foram pensadas, ao que tudo indica, simultaneamente, e o título dado para

cada uma delas remete a narrativas religiosas de diferentes povos, assim deduzimos:

Na primeira, o nome Sákia remete à família de Buda, também conhecido por

Siddharta Gautama ou Sákiamuni. Ele foi um príncipe da região do atual Nepal, que

renunciou sua posição e se tornou professor espiritual, fundando o budismo. Segundo

Ryuho Okawa:

“Se fôssemos explicar seus sentimentos no contexto da sociedade moderna, poderíamos

compará-lo a um jovem ambicioso que sai da cidade natal, no interior, para uma cidade grande,

em busca de algo maior e para se tornar alguém importante neste mundo. Seria mais correto

atribuir essa automotivação à sua natureza interior, como se já pressentisse o chamado que

estava por vir.”51

Na segunda, Meetabel significa “a quem Deus faz feliz”, e também é o nome de dois

personagens bíblicos: da filha de Matrede, esposa de Hadad ou Hadar, o oitavo e

aparentemente último dos reis de Edom (Gênesis 36:39; 1 Crônicas 1:50); e do avô

de Semaías, aquele que desempenhou um papel traiçoeiro contra Neemias na sugestão

de Tobias e de Sambalate, tentando persuadir Neemias a cometer sacrilégio (Neemias

6:10-13).52

A terceira, Ágar é o nome da serva egípcia de Sara, esposa de Abraão de acordo com

o livro de Gênesis na Torá, capítulos 16 e 21. Devido ao fato de ser estéril, Sara teria

permitido que Abraão coabitasse com Agar no sentido de gerar um herdeiro. Desta união,

foi gerado Ismael o que fez Agar desprezar Sara, já que esta não podia conceber, e

quando Sara concebeu milagrosamente a Isaque, Ismael passou a perseguir e humilhar

seu meio-irmão. Devido a este fato, Sara incitou Abraão para que expulsasse Agar

e Ismael. Estes quase pereceram de fome e sede no deserto, até serem socorridos

51

OKAWA, Ryuho. A Essência de Buda. São Paulo, SP. IRH Press do Brasil. 2013. P. 13-14. 52http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_personagens_biblicos_menores. Acessado em 10/01/201. As informações fornecidas foram conferidas na Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. Sociedade Bíblica do Brasil. 2003.

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milagrosamente por Deus. Agar acabou cuidando de Ismael até que este crescesse e se

casasse.53

Talvez os títulos representem um interesse pela religiosidade em função da tradição

familiar judaica de Felícia, uma vez que ela sempre esteve conectada com questões dessa

natureza.

Cada uma dessas três peças apresenta cerca de 40 centímetros de comprimento por

15 centímetros de largura e estão posicionadas uma ao lado da outra no Museu Felícia

Leirner em uma mureta de tijolos, com as placas que contêm o título afixadas no chão, em

uma região alta do parque, sob uma grande árvore. Também existem outras duas obras

posicionadas ao lado, nessa mureta, porém estas não possuem ligação com a temática

religiosa. Uma delas, inclusive, apresenta forma mais abstrata.

Figuras 3.0, 3.1 e 3.2. Felícia Leirner Figura I (Sákia), Figura II (Meetabel), Figura III (Ágar), 1955/57 Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

As três peças acima são da mesma época da peça analisada a seguir e apesar de

fazerem parte de temas diferentes, possuem traços em comum, como por exemplo, a

idéia de remeter ao figurativo e assim trazer elementos geometrizantes em sua

53 http://pt.wikipedia.org/wiki/Agar_(Bíblia). Acessado em 10/01/2014.

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composição. A parte inferior, das pernas, na figura 3.0 é semelhante à mesma na figura

4.0. O volume das três peças acima relaciona-se à figura abaixo. Neste momento, um dos

artistas que serviam como fonte de inspiração de Felícia é Henry Moore, e isso fica

evidente em algumas de suas obras, como podemos observar ao comparar uma escultura

de Felícia, Casal II e uma de Henry Moore, Family Group. Apesar da obra 4.0 possuir duas

figuras isoladas que se complementam e não um grupo (como na 4.1) vemos que o

tratamento dado às peças pela escultora lembra o de Moore, em especial à maneira com

que as pernas foram representadas, com as dobras de um possível tecido.

Ambos os trabalhos parecem evocar uma cena familiar do cotidiano e apresentam

uma simplificação das formas, alongando e achatando partes do corpo dos personagens.

Na peça de Moore vemos a inserção da figura de uma criança, complementando esta idéia

de união familiar.

Nesta época, as obras de Moore já tinham vindo ao Brasil. O artista recebera o

Prêmio Internacional de Escultura na segunda edição da Bienal Internacional de São Paulo,

em 1953, mostra que contou com mais de 3300 obras de artistas de 33 países e grandes

nomes, como Pablo Picasso, Piet Mondrian, Giorgio Morandi, dentre outros. Felícia

Leirner, como mencionamos, visitava constantemente as Bienais.

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Figura 4.0: Figura 4.1: Felícia Leirner Henry Moore Casal II, 1955/57 Family Group, 1950 Bronze Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. Barclay School, Stevenage, (Campos do Jordão, SP) Hertfordshire, Inglaterra. Fonte: foto nossa Fonte: Wikimedia

Cabe observar ainda que a escultura de Moore, figura 4.1, possui um volume

diferente do de Felícia, figura 4.0. Ela apresenta, inclusive, uma organicidade maior, com

volumes cheios, braços e pernas grossas, uma espécie de peso estrutural. A de Felícia, no

entanto, apresenta corpos magros e separados, numa maior leveza compositiva, todavia o

humano se faz presente em ambas as composições.

Posteriormente, mais perto dos anos 60, a artista começa a incorporar questões

pertencentes ao abstracionismo para sua obra, apresentando volumes que começam a

perder peso e massa e passam a querer desprender-se em composições mais livres. Nessa

época, a abstração estava em plena efervescência no cenário artístico brasileiro e Felícia

passa a explorar a linha tênue presente entre o figurativo, seu ponto de partida usual e o

abstrato. Suas esculturas desse período apresentam traços ligados ao surrealismo, e

algumas de suas obras lembram trabalhos de Arp (1886 – 1966) ou Miró (1893 – 1983),

caso da figura 5.0.

Esta peça é pequena, com cerca de 30 centímetros, porém é uma das mais

representativas da forte desconstrução do figurativo que Felícia passa a desenvolver da

segunda metade dos anos 50 em diante. Ela possui uma leveza, uma fluidez,

características que culminarão na posterior exploração do movimento entre os cheios e

vazios em suas obras.

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Figura 5.0: Felícia Leirner Avenir, 1958/59 Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

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Figura 6.0: Felícia Leirner Composição III (Abraço), 1958/59 Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

As duas obras acima são da mesma época, porém diferem em relação a alguns

aspectos e vemos que a artista vai caminhando para uma liberdade e um desprendimento

cada vez maior da figura humana. Na figura 6.0, apesar do título que remete claramente a

algo figurativo, a obra revela uma linguagem abstrata, com diferentes inserções de planos

e volumes, que dão todo um movimento na peça.

No Brasil, no final dos anos 40 e início dos anos 60, havia um debate intenso

instaurado sobre a abstração. Na escultura, dava-se o embate entre a abstração

geométrico-construtiva e a abstração informal. Segundo Fernando Cocchiarale,

“O primeiro apresentava a racionalidade evocada pela forma geométrica que suscitava a

apreensão objetiva do trabalho do artista, contribuindo para a clara enunciação de questões que

culminaram com a polarização de seus adeptos em tendências divergentes, e o segundo consistia

na valorização ética da livre expressão do sujeito-artista, estabelecendo, assim, as bases de uma

comunicação intersubjetiva entre o público e a obra”.54

Havia, portanto, os artistas que defendiam uma arte de caráter racional/geométrico

e os artistas que defendiam uma arte emocional/livre. As Bienais, como já vimos,

refletiam esses debates.

A figura 6.0 remete a algumas das obras de Franz Weissmann55, como, por exemplo,

A Torre, de 1957 (figura 6.1). Talvez Felícia tenha se deixado levar pelo debate instaurado

naqueles anos e, assim, passou a investigar de maneira mais densa a inserção de formas

geométricas em seu trabalho.

54 COCCHIARALLE, Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo Geométrico e informal: A vanguarda brasileira nos anos 50. Rio de Janeiro, RJ. Funarte/Instituto Nacional de Artes Plásticas. 1987. 55 Franz Joseph Weissmann (Knittelfeld, Áustria 1911 - Rio de Janeiro, RJ 2005). Escultor, desenhista, pintor e professor. Vem para o Brasil em 1921.Inicialmente, desenvolve uma obra pautada no figurativismo. A partir da década de 1950, gradualmente elabora um trabalho de cunho construtivista, com valorização das formas geométricas. Integra o Grupo Frente, em 1955. É um dos fundadores do Grupo Neoconcreto, em 1959. Nos anos de 1970 recebe o prêmio de melhor escultor da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), participa da Bienal Internacional de Escultura ao Ar Livre, em Antuérpia, Bélgica, e da Bienal de Veneza. Fonte:http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1841&cd_item=1&cd_idioma=28555. Acessado em 20/06/2014.

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Figura 6.1: Franz Weissmann A Torre, 1957 Ferro Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo Fonte: Enciclopédia de Artes Visuais do Itaú Cultural.

Um dos pontos similares entre essa obra de Weissmann e a de Felícia é a

verticalidade presente nas mesmas. Há um ritmo presente na modulação das formas.

Porém, vale ressaltar que na obra de Weissmann o ritmo é por certo contínuo, e na de

Felícia apresenta oscilações em sua dinâmica.

A peça de Weissmann apresenta formas com maior leveza, como se a escultura

fosse uma construção racional a partir da dureza do material utilizado. A de Felícia, por

outro lado, possui outro peso. É densa, e os espaços vazados são interpenetrados por

formas mais espessas.

Franz participou de diversas edições da Bienal de São Paulo e ganhou, inclusive, o 2º

prêmio em escultura na 3ª edição da mostra, em 1955, e o prêmio melhor escultor

nacional da 4ª edição, em 1957. Felícia provavelmente entrou em contato com a produção

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do artista durante esses eventos. Ferreira Gullar comenta sobre a influência do escultor

suíço Max Bill na produção de Weissmann:

“Weissmann era ainda um escultor figurativo quando, em fins de 1951, conheceu a

Unidade Tripartida, de Bill, exposta na I Bienal de São Paulo. Àquela época, esculpia figuras onde

os elementos naturalistas se reduziam a uma combinação de retas e curvas: encontrava-se

portanto, a um passo da abstração, mas vacilava em dar esse passo. Bill revelou-lhe um novo

caminho, que Weissmann procurou seguir sem se desligar inteiramente das experiências

anteriores”.56

E continua, comentando sobre a produção do artista:

“Foi por volta de 1958 que sua escultura ganhou um sentido mais orgânico, de ritmos

descontínuos e repousados, e o espaço, por eles captados, assumiu uma expressão mais interior,

de repercussões mais amplas”.57

No começo da década de 50, quando a obra de Bill foi apresentada em São Paulo, a

produção de Felícia ainda era ligada ao figurativo, porém esta, juntamente com a

observação da produção de outros artistas do mesmo período, levou-a a novos

questionamentos durante os anos que se seguiram. Felícia exploraria uma maior

geometrização em suas obras, que passariam a valorizar o ritmo, o movimento, os vazios e

a harmonizar linhas curvas e formas angulares. Os vazios são parte integrante da

escultura, predominando frequentemente sobre as massas. Há a pesquisa da relação

presente entre o vazio e o cheio, o sólido e o fluido e as possibilidades de movimento

oferecidas pelo uso de linhas diagonais e verticais e justaposição de planos em suas obras.

É neste momento da carreira de Felícia, no final dos anos 50 e início dos anos 60,

que ela começa a perder a referência direta à figura humana e seus trabalhos começam a

abstrair características do real. Posteriormente, a artista continua a explorar tais questões

e chega de vez à abstração, numa produção que é constituída basicamente pelas séries de

Cruzes, de 1963, figura 7.0; e Estruturações, de 1964/1965, figura 8.0.

“As Cruzes são peças mais abstratas de sua obra: interpenetração de planos retangulares

formando estruturas, abertas ou fechadas, conforme a orientação das diagonais, mas sempre

fortes, sólidas e coesas. As Estruturações mais verticalizadas multiplicam os espaços internos. São

56 PAIXÃO, Fernando (editor). Franz Weissmann. São Paulo, SP. Instituto Tomie Ohtake. 2008. 57 Id. ibid.

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formas buscando uma ordem, uma estrutura. Se com as Cruzes a artista alcançou o ponto mais

abstrato de sua obra, com as Estruturações ela se aproximou bastante da arte construtiva”.58

Lembremos que seu marido, Isai Leirner, faleceu nesses anos e talvez seja possível

conectar a mudança formal em sua obra a este fato, como o faz Mário Pedrosa no trecho

citado:

“Quando Isai Leirner morreu, ao sair Felícia da experiência dolorosa, descobriu outra

redução formal radical que passou a utilizar, como um leit-motif, em construções antes dos

planos bidimensionais que de volume. Essa redução era feita de partes cruzadas, verdadeiras

cruzes. Não foi ela que a inventou, - apareceu numa série de obras como pregadas a paredes de

monumentos memorativos. Daí, surgiram estruturas verticais encimadas por pontas, flechas de

capelas de igrejas, de castelos goticizantes”.59

Figura 7.0: Figura 8.0: Felícia Leirner Felícia Leirner Cruzes II, 1963 Estruturação III, 1964/65 Bronze Bronze Acervo Museu Felícia Leirner. Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP). (Campos do Jordão, SP). Fonte: foto nossa Fonte: foto nossa

58 MORAIS, Frederico. Texto explicativo no Museu Felícia Leirner. 59 PEDROSA, Mário. Catálogo VIII Bienal de São Paulo, exposição onde Felícia teve uma sala dedicada a suas obras. 1965.

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Na figura 7.0, há a presença de um jogo entre os planos da escultura, onde o espaço

vazio também compõe a obra, mas possui menor importância, pois é o dinamismo, o

ritmo dado pela junção dos planos verticais ou horizontais que traz a sensação de

instabilidade à peça 8.0. Nesta, vemos que há um agrupamento maior dos elementos

estruturais, porém ela também apresenta a sensação da presença de um movimento

inerente à forma, um ritmo relativo à maneira como as figuras geométricas estão inseridas

na composição. As dobras e curvas do bronze acabam transmitindo a idéia de

maleabilidade, embora a peça seja extremamente rígida e densa.

No final dos anos 60, suas próximas peças caminharam para outras investigações,

reunindo os Habitáculos (1966 e 1967), algumas peças isoladas (1967) e os Bichos (1970).

Figura 10.0: Felícia Leirner Habitáculo III, 1967 Cimento armado sobre ferro Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

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Neste momento de sua produção, há uma exploração de algumas questões em

particular e é neste período que a artista passa a trabalhar com um material novo em sua

carreira: cimento armado pintado de branco.

Destaca-se a série dos Habitáculos, figura 10.0, onde a artista explora a questão da

morada, da arquitetura, do habitar e cria esses ambientes distorcidos que parecem nos

acolher e ao mesmo tempo repelir, devido ao caráter claustrofóbico das mesmas,

portanto seria um habitar fictício de mundo, contido na idéia de proteção, útero e

aconchego. Aqui podemos dizer que a artista flerta com questões próprias daquela

década, em especial ao que tange ao ambiente ou a arte ambiente. Nessa série de

trabalhos, Felícia realiza experimentações e se volta para o espaço, incorporando-o à

obra. O espectador é convocado a se colocar dentro dela, experimentando-a; não como

observador distanciado, mas parte integrante do trabalho.

Radhá Abramo comenta sobre os Habitáculos: “Há um certo erotismo implícito

nesses casulos aparentemente carentes de afetividade. Ao mesmo tempo que eles

reclamam o contato humano e estimulam, como fêmea tombada pelo desejo, a

obrigatoriedade universal da penetração”.60

Vilém Flusser61 também escreveu um texto crítico sobre esta mesma série e disse

que:

“Felícia não esculpe, escava. Não é o espaço seco e público da epiderme que procura, mas

o espaço obscuro e íntimo das entranhas. Não é o espaço que revela, mas o que o espaço vela.

Este espaço íntimo, esse espaço segredo e sagrado tem um nome clássico: temenos62

, é esse o

nome. E temenos são os espaços que Felícia Leirner cria. Temenos é um espaço escavado na

profundidade e consagrado aos deuses. É a caverna invisível que cerca a morada dos deuses na

Grécia antiga. O seu sinônimo romano é templum. No temenos, estão ancoradas as raízes da vida

60 ABRAMO, Radhá. Indagação ao longo de 30 anos. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1979. 61

Vilém Flusser nasceu em Praga, em 1920, e veio para o Brasil em 1941, fugindo com sua futura esposa e seus sogros do avanço das tropas de Hitler em Praga. Suas temáticas vão da teoria da linguagem verbal aos gestos humanos, passando por preocupações com o futuro da escrita e das comunicações. Mas é como teórico da mídia que ficou conhecido em todo o mundo, principalmente por suas teorias sobre a pós-História e as imagens técnicas. De http://www.grupovilemflusser.ufc.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11&Itemid=17. Acessado em 03/06/2014. 62 Temenos: palavra grega que significa um lugar sagrado e protegido; psicologicamente, indica tanto um recipiente pessoal quanto o sentido de privacidade que cerca um relacionamento analítico. De http://es.wikipedia.org/wiki/Temenos. Acessado em 20/05/2014.

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do homem, do seu destino, e de sua sorte. E no centro do temenos arde o fogo da Hestia63

(Vesta), a eterna chama da cultura”.64

O filósofo Vilém Flusser, conhecido principalmente por seus trabalhos na área de

teoria das comunicações, associa a obra de Felícia com a palavra de origem grega que

significa um lugar sagrado, protegido, remetendo aos deuses. Nesta situação, a obra deixa

de ser só obra e adquire nova conotação conceitual, voltada para a espiritualidade

intrínseca do fazer criativo. Ele conclui referindo-se à Héstia, deusa grega dos laços

familiares simbolizada pelo fogo doméstico. Assim, segundo ele, a chama da cultura

permanece acesa dentro do espaço escultórico criado por Felícia, o que denota a

perpetuação da arte em um sentido ampliado.

Em se tratando de questões formais, os Habitáculos apresentam furos, buracos,

recortes, fendas, passagens. A obra não é algo sólido, ela flui e nos convida não só a

observar, mas também a interagir.

Nas obras posteriores, dos anos 70, a artista continua a explorar o que já vinha

trabalhando há algum tempo: a relação entre os cheios e vazios, a dobra e a questão

figura e fundo na escultura. Os vazados permitem ao observador olhar por entre a obra,

levando sua visão para o que há por trás da mesma. No caso do Museu Felícia Leirner,

pode-se ver a paisagem, assim há a justaposição entre a arte, criada pelo homem, e a

natureza típica do local.

63 Héstia (ou Vesta, na mitologia romana) é a deusa grega dos laços familiares, simbolizada pelo fogo doméstico. Embora não apareça com frequência nas histórias mitológicas, era admirada por todos os deuses. Era a personificação da moradia estável, onde as pessoas se reuniam para orar e oferecer sacrifícios aos deuses. Era adorada como protetora das cidades, das famílias e das colônias. Sua chama sagrada brilhava continuamente nos lares e templos. Todas as cidades possuíam o fogo de Héstia, colocado no palácio onde se reuniam as tribos. Esse fogo deveria ser conseguido direto do sol. Quando os gregos fundavam cidades fora da Grécia, levavam parte do fogo da lareira como símbolo da ligação com a terra materna, e com ele acendiam a lareira onde seria o núcleo político da nova cidade. Sempre fixa e imutável, Héstia simbolizava a perenidade da civilização. De http://pt.wikipedia.org/wiki/Hestia. Acessado em 20/05/2014. 64 FLUSSER, Vilém. O avanço da industrialização. Suplemento Literário, Estado de São Paulo, sd.

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Figura 12.0: Felícia Leirner Família, 1970 bronze Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

Nas outras esculturas do começo dos anos 70, como Família, figura 12.0, há a

presença de uma maior densidade, um peso nas obras, característica até então pouco

presente no trabalho de Felícia. Devo ressaltar que, agora na década de 70, a artista deixa

de explorar questões diretamente ligadas ao geométrico, como nas séries Cruzes e

Estruturações e retorna ao figurativo, em trabalhos cujos títulos enaltecem tal

característica, como nas obras Família, Bichos, O Pássaro, dentre outras.

Suas obras da década anterior prezavam pelo movimento, pela oposição entre

cheios e vazios, pela fluidez e leveza das formas. Agora, neste momento, é como se o

cimento se tornasse um bloco sólido e os buracos vazados os pontos de leveza. “Substitui

o leve pelo pesado, as formas aladas por estáveis, as vazadas por compactas, os espaços

internos e intercambiáveis por simples perfurações no bloco maciço”.65

65 MORAIS, Frederico. Texto explicativo no Museu Felícia Leirner.

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Posteriormente, a artista ampliará a exploração desses vazados e trará questões que

enaltecem o posicionamento da obra em relação à paisagem, o que culminará nas obras

do final dos anos 70 e dos anos 80, constituída por formas recortadas e imagens

planificadas que se distribuem pelo espaço do Museu Felícia Leirner.

“Nas fases anteriores, era a escultura que se impunha à paisagem, monumental. Na série

imediatamente antes dessa, era possível ver a paisagem no corpo da escultura, através dos

vazados. Agora, inverteu-se a equação. É a natureza que se impõe à escultura. Essas obras foram

criadas para estarem ali, na colina. Algumas funcionam como janelas, ou, como nas duas últimas

esculturas realizadas, reduzem-se à condição de molduras. A obra é a paisagem”.66

Os cheios e vazios de outrora aqui já possuem outra natureza. É como se as

esculturas desse período fossem um desenho bidimensional, porém em um campo

ampliado. A visão de frente é mais importante para o observador que a visão lateral.

As peças criam esse jogo entre o espectador do museu e o entorno, onde os vazados

permitem que se veja por entre a obra o céu e a natureza circundante. Devo ressaltar que

as obras dos anos 80, posicionadas na colina, na entrada do Museu, foram confeccionadas

quando o mesmo já havia sido construído. Portanto, a artista provavelmente investigou

como criar obras que se relacionassem de maneira mais direta com o entorno do local

recém-criado. Frederico Morais comenta:

“Com estes recortes planiformes, que lembram os papéis recortados de Matisse e os

relevos de Arp, inverte-se a equação. É a natureza que se impõe à escultura. (...) Algumas

funcionam como janelas, e como nas duas últimas esculturas realizadas, elas se reduzem ao

minimum minimorum. São apenas molduras: a obra que ela contém é a paisagem”.67

66 Id. ibid. 67 MORAIS, Frederico. Felicia Leirner: a arte como missão. Campos do Jordão: Museu Felicia Leirner. 1991.p. 13.

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Figura 13.0: Felícia Leirner Horizonte, 1982 Cimento armado sobre ferro Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

Podemos dizer que a obra de Felícia flertou com a abstração, mas sempre esteve

conectada, de certo modo, com a figuração. A crítica de arte brasileira sempre

acompanhou a evolução de sua obra escultórica e esteve presente noticiando as principais

características e transformações manifestadas em suas investigações artísticas. De início,

quem mais a acompanhou foi José Geraldo Vieira, assessor artístico da Galeria das Folhas

e crítico de arte do jornal. Também podemos destacar os comentários realizados por

Sérgio Milliet, Jayme Maurício, Mário Pedrosa, Radhá Abramo, dentre outros.

A artista participou da I e II Bienais do Museu de Arte Moderna de São Paulo e, como

mencionado, ganhou o Prêmio Aquisição na III edição do evento, em 1955 e o Prêmio de

Melhor Escultor Nacional na VII Bienal de São Paulo, em 1963, sendo que participou nas

VI, VII, VIII, IX, XI, XII e XV edições do evento.

Em relação às obras expostas, vemos que na III Bienal do Museu de Arte Moderna de

São Paulo, em 1955, participou com quatro obras: Figura Sentada, Mãe e Criança, Moça

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Deitada e Moça em Pé, todas de 1954. Na VI Bienal de São Paulo, em 1961, participou com

cinco obras da série Composições, todas datadas de 1960. Na VII Bienal de São Paulo, em

1963, ganhou o Prêmio de Melhor Escultor Nacional com cinco obras. Na IX edição da

mostra expôs cinco Habitáculos, de 1967.

As obras expostas refletem o que a artista produzia naquele momento e também a

visão da comissão de seleção da mostra, que acabava refletindo o gosto da elite artística

paulistana e os embates entre os defensores da abstração geométrica e os defensores da

abstração informal, conforme já comentado.

Sobre sua exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo em 1961, publicou-se

um artigo no jornal O Estado de São Paulo, em 02/04/1961, de autor não identificado,

intitulado “Sobre os valores da escultura de Felícia”:

“Preferíamos que ao organizar esta exposição de suas esculturas, Felícia Leirner lhes

tivesse ajuntado, judiciosamente distribuídas, algumas plantas ornamentais que dessem uma

referência de ‘ar livre’ as suas esculturas. O espaço, amplo, mas interno e fechado do Museu de

Arte Moderna, não condiciona bem as estruturas e as formas vivas, a matéria e a sugestibilidade

captadas nestas composições. Isto, quanto à exposição, que nos surge como que asceticamente

empobrecida, para conjunto tão admirável, fora dum habitat em que as formas naturais lhe

oferecessem, à escultura, o contraste entre criação e natureza, tornando a obra de arte a

intervenção humana numa área vegetal, ecológica. É claro que levamos em consideração a

variedade desta escultura, ao desprender-se dos seus moldes iniciais figurativos, para atender às

novas realidades simbólicas ou estruturais, na realização, sempre, de um ato poético, que em boa

parte fulgura em sua nucleação viva e ativa e espadana em gestos e desdobramentos, em

refrações materializadas, que buscam entre si várias alternativas, realizando um espalhamento

em que se acha presente a flama, em debate, em clamores, em articulações dirigidas a invisíveis

horizontes, a alturas imponderáveis. (...). O resultado, então, está aí, e só particularmente com

exemplos poderíamos exaltar melhor aquilo que a artista nos comunica pelos seus meios, bem

dominados, de expressão”.68

Em catálogo da exposição citada acima, no Museu de Arte Moderna de São Paulo,

em Março/Abril de 1961, Mário Pedrosa aponta:

“As esculturas de Felícia Leirner convivem conosco, no seu jardim, ou no vosso jardim,

leitor, com perfeita naturalidade. Eis aí uma qualidade positiva de toda escultura autêntica, pois

68 Autor não identificado. Sobre os valores na escultura de Felícia. O Estado de São Paulo. São Paulo, SP. 02/04/1961.

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significa que não somente adorna ambientes como, sobretudo, marca os espaços envolventes de

acentos e articulações que os tornam parte de nosso viver. Não pode haver melhor destino para a

criação de um artista”.69

O fato de Felícia ter ganhado o Prêmio de Melhor Escultor Nacional na Bienal de

1963 trouxe a afirmação de seu trabalho por parte da crítica de arte paulistana. Conforme

aponta Francisco Alambert70, em 1963, a Bienal de São Paulo realizou a sua sétima edição,

a primeira completamente desvinculada do Museu de Arte Moderna - MAM. O desejo de

opulência de Ciccillio atingiu o auge nessa edição. Desde a primeira Bienal, os críticos o

acusavam de querer um evento com mais bandeiras que a Bienal de Veneza. Com mais de

5 mil obras, de 55 países. Além dos novos países integrantes, a mostra brasileira também

apresentou um volume muito grande de obras. O Brasil apresentou trabalhos destacados,

como os de Renina Katz, Felícia Leirner e Faiga Ostrower, mas principalmente nas salas de

Luiz Piza e Ligia Clark. Entre as representações estrangeiras destacou-se o norte-

americano George Segal, com um trabalho escultórico que apresentou assemblages e

uma forte adesão à pop art, movimento que viria a predominar nas edições seguintes.

Em artigo do jornal O Estado de São Paulo de 27/12/1963 intitulado “Mulheres que

se destacaram em 1963 nas artes plásticas”, Felícia aparece ao lado de outras artistas

mulheres atuantes na década de 60: Yolanda Mohalyi, Diná Lopes Coelho, Wega Neri e

Giselda Leirner. O autor comenta:

“Inegavelmente, a participação das mulheres, nas artes plásticas, neste ano da VII Bienal,

foi posta em relevo por muitos e variados motivos meio paulistano. Aquela participação não se

limitou apenas à participação da mulher como produtora de arte, da obra de arte. Entraram os

elementos femininos, marcadamente, não só no campo artístico, do desenho, da gravura, da

pintura e da escultura, como atuaram, decididamente, no plano das instituições especializadas, e

inclusive com influência marcante no comércio da obra de arte. Deveríamos, então, começar pela

singularidade que se constituiu o fato de ter o Júri Internacional da Bienal de São Paulo de

consagrar os nomes de duas mulheres – Yolanda Mohalyi e Felícia Leirner, como primeiras na

pintura e na escultura. Essas láureas recaíram em nomes de mulheres de São Paulo, e isto

69 PEDROSA, Mário. Catálogo Felícia, escultora. MAM SP. Março/Abril 1961. 70 ALAMBERT, Francisco. As bienais de São Paulo: da era do museu à era dos curadores. São Paulo, SP. Boitempo Editorial. 2004.

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evidencia aquele relevo a que aludimos de início. Ambas as premiadas militam há tempos nas

técnicas em que foram consagradas, com larga influência e atuação no meio”.71

Em 1965, ano da VIII Bienal de São Paulo, Felícia pôde ter uma sala com suas obras

na exposição. No catálogo da mostra, Mário Pedrosa comenta:

“Felícia Leirner apresenta ao público, como tarefa cumprida, o resultado de seu trabalho

dos últimos anos. Ela o faz humildemente, como quem presta contas. Contas de quê? De seu

prêmio da Bienal passada de ‘melhor escultor’? Não, positivamente não. Felícia não é fútil para

empavonar-se com o prêmio; não é tão pouco orgulhosa para rejeitá-lo; sua sala atual, se

conseqüência regular daquele prêmio, é, sobretudo, um ato de humildade diante do público. Ela

lhe quer mostrar que não se abriga à sombra daquele galardão nem descansa ‘sobre os louros’”.72

Em 1996, ano de seu falecimento, deu-se a realização de duas exposições no MAC

USP com obras dela: “Arte Brasileira 50 Anos de História no Acervo MAC/USP” e

“Mulheres Artistas no Acervo do MAC”.

71 Autor não identificado. Mulheres que se destacaram em 1963 nas artes plásticas. O Estado de São Paulo. São Paulo, SP. 27/12/1963. 72 PEDROSA, Mário. Catálogo VIII Bienal de São Paulo, exposição onde Felícia teve uma sala dedicada a suas obras. 1965.

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Capítulo 2

Sobre o Museu Felícia Leirner

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2.1 Parque de Esculturas

Em seu livro Art Parks: A Tour of America’s Sculpture Parks and Gardens, Francesca

Cicola nos diz que “Os parques de arte, em suas várias formas, tamanhos e significados,

podem ser definidos como locais onde a paisagem e os trabalhos artísticos são concebidos

e planejados para se interpenetrarem”.73

Luís Antônio Jorge comenta sobre o desenho de parques:

“O projeto de um parque é um disfarce, e sua arte, essencialmente, é desenhar caminhos.

Arte da narrativa, por excelência.

O caminho é uma das formas de aferir a escala em perspectivas sempre novas. O projeto

de um jardim, ou um projeto paisagístico, é um caminhar, um lento evoluir que exige cuidados.

Desenhar um jardim é uma das mais abstratas representações do campo da arquitetura e do

urbanismo, pois se trata de um desenho que nunca se realizará de forma homóloga ou mesmo

análoga ao real. O projeto de um jardim é uma quase-imagem, tem a indefinição impressionista

de uma expressão que reivindica mais imaginação do que visão, mais desejo do que certeza,

como a lembrança de um sonho que nunca se recupera por inteiro. O projeto de um jardim é um

desenho aberto ao imprevisto das formas vivas”.74

Ele afirma que a arte de um parque é desenhar caminhos. E aplicando-se isso aos

parques de escultura, vemos que os projetos dos mesmos tendem a levar em

consideração a relação entre o visitante e a natureza presente, dando um enfoque nas

obras de arte que circundam os trajetos pelos quais as pessoas caminham. A relação entre

os jardins de escultura e o paisagismo é essencial para a existência dos parques de arte

como tal.

Glenn Harper e Twylene Moyer comentam no livro organizado por elas: “Quando o

International Sculpture Center75 publicou seu primeiro diretório de parques de escultura,

73

CICOLA, Francesca. Art Parks: A Tour of America’s Sculpture Parks and Gardens. New York, NY. Princeton Architectural Press. 2013.p.15. 74 JORGE, Luís Antônio. Um parque e um País Sob a Marquise. Catálogo da SP-Arte de 2014. São Paulo, SP. Ipsis Gráfica e Editora.p.219. 75 O Centro Internacional de Escultura (ISC) é uma organização sem fins lucrativos, apoiada por seus membros. Fundada em 1960, visa defender a criação e compreensão da escultura e sua única e vital contribuição para a sociedade. Os membros incluem escultores, colecionadores, patronos, arquitetos, desenvolvedores, jornalistas, curadores, historiadores, críticos, educadores, fundições, galerias e museus - qualquer pessoa com um interesse e compromisso com o campo da escultura. De www.sculpture.org. Acessado em 10/01/2014

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em 1987, ele listava 97 instituições. Nove anos depois, uma edição atualizada contava

com 195 instituições”.76

Os parques ou jardins de esculturas podem ser privados; dirigidos por uma

instituição cultural e acessíveis mediante pagamento de taxa de visitação ou

gratuitamente, ou podem ser públicos e acessíveis a todos. Em algumas cidades do mundo

tais jardins costumam se posicionar juntamente a parques públicos, criando, assim,

espaços de convivência diretamente ligados com o lazer da população de determinado

local.

Um parque é um espaço comumente chamado de área verde, em geral livre de

edificações e caracterizado pela abundante presença de vegetação. Protegido pela cidade,

pelo Estado/província ou pelo país no qual se encontra, destina-se à recreação, e à

preservação do meio-ambiente natural. Desta forma, um parque pode ser caracterizado

como urbano ou natural.77

Cicola define os parques ou jardins de escultura em três tipos: Leisure spaces

(espaços de lazer), Learning spaces (espaços de aprendizagem) e Collectors’ spaces

(espaço de colecionadores). Nas páginas que se seguem, tomaremos a definição de Cicola

como base para reflexões.

Segundo a autora, os espaços de lazer são parques naturais ou urbanos onde os

visitantes podem caminhar entre os elementos naturais e as obras de arte, perfazendo um

passeio através da arte e da natureza.

Um dos pioneiros foi Brookgreen Gardens, jardim de esculturas e zoológico,

localizado em Murrels Inlet, Carolina do Sul, EUA. Foi fundado por Archer Milton

Huntington, enteado do magnata de ferrovias Collis Potter Huntington, e sua esposa Anna

Hyatt Huntington para exibir esculturas de Anna e sua irmã Harriet Hyatt, juntamente com

outros escultores americanos. Brookgreen Gardens foi inaugurado em 1932, e situa-se no

76 HARPER, Glenn e MOYER, Twylene (editors). Landscapes for Art: Contemporary Sculpture Parks. New Jersey, NJ. ISC Press. 2008.p. 6. 77 http://pt.wikipedia.org/wiki/Parque. Acessado em 26/05/2014.

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que antigamente eram quatro plantações de arroz, numa área com 37 km², tendo o seu

nome derivado da ex-Brookgreen Plantation.78

Outro exemplo relevante no contexto norte americano que podemos citar é o

Laumeier Sculpture Park, fundado em 1968 por Matilda Laumeier como um memorial em

homenagem ao seu marido, Henry; localiza-se em Saint Louis, Missouri, EUA. Possui 2,3

km de trilhas internas e mais de 60 esculturas de diversos artistas contemporâneos como

Vito Acconci, Arman, Donald Judd, Niki de Saint Phalle, dente outros, além de uma série

de programas educacionais.

Outros jardins que podem ser mencionados são o Storm King Art Center, fundado

em 1960, localiza-se em Mountainville, à uma hora de New York City e possui mais de 100

esculturas em exibição e o Socrates Sculpture Park, parque de esculturas em grande escala

localizado em Long Island City, NY. Este último, criado em 1986 em um antigo local

industrial às margens do East River, tem caráter mais experimental e a intenção de levar

arte para a população da comunidade local. Um grupo de artistas criou o parque como um

local autônomo para ser usado tanto como local de produção quanto de exibição de

trabalhos.

Dan Graham. Triangle Bridge Over Water, 1990. Laumeier Sculpture Park. Fonte: http://www.laumeiersculpturepark.org/dan-graham-triangle-bridge.

78 http://en.wikipedia.org/wiki/Brookgreen_Gardens. Acessado em 15/04/2014. Também consultamos o site da própria instituição, www.brookgreen.org, porém este não apresenta maiores informações sobre o histórico do parque.

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Robert Chambers. Sugabus, 2004. Laumeier Sculpture Park. Fonte: http://www.laumeiersculpturepark.org/robert-chambers-sugabus

Os espaços de aprendizagem possuem um propósito educacional, visam encorajar

os visitantes a observar e aprender mais sobre as obras ao ar livre.

Muitos museus e universidades possuem espaços com estas características, tendo-

os por vezes como partes individuais de instituições maiores, como a National Gallery of

Art Sculpture Park, localizado em Washington, DC, foi fundado em 1991, possui poucas

obras e faz parte do conjunto das galerias nacionais de arte dos EUA; o Dallas Museum of

Art Sculpture Garden, localizado no Texas, faz parte do Dallas Museum of Art e foi

inaugurado em 1983; ou mesmo o Abby Aldrich Rockefeller Sculpture Garden, localizado

no Museu de Arte Moderna (MoMA) de NY. Este último é um dos primeiros exemplos de

paisagismo / garden design em um contexto urbano.

Criado na década de 1950, com fundos doados por John D. Rockfeller Jr., esse jardim

alavancou a tradição dos museus americanos de exibir suas esculturas em locais ao ar

livre, galerias a céu aberto, em contato direto com elementos naturais ou urbanos.

Tivemos a oportunidade de visitá-lo em Fevereiro de 2013, e constatamos que este jardim

de esculturas apresenta uma relação muito direta com o público visitante do MoMA. É um

espaço que, além de apresentar caráter educativo e compor, juntamente com o museu,

um espaço de fruição e aprendizado, também é um local de lazer, onde os visitantes

podem sentar em bancos para apreciar as obras, olhar o céu... É um jardim urbano, e seu

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paisagismo reflete tal característica, ao usar grande quantidade de mármore, tanto no

piso quanto nas paredes e por vezes também nos pedestais para as esculturas.

Entrecortando os blocos de mármore do chão existem espelhos d’água, que ficam secos

no inverno para evitar seu congelamento devido ao frio.

Abby Aldrich Rockefeller Sculpture Garden, Museu de Arte Moderna (MoMA). Nova York, NY. EUA. Fonte: http://thegardenerseye.blogspot.com.br/2012/03/abby-aldrich-rockefeller-sculpture_31.html.

Os espaços de colecionadores são parques que tendem a exibir uma coleção

privada.

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Geralmente são intimistas e pessoais, e pertencem a empresas ou colecionadores

particulares, como é o caso do Donald M. Kendall Sculpture Gardens, jardim de esculturas

localizado em propriedade da PepsiCo, em Purchase, Nova York. Fundado em 1965, conta

com 45 esculturas pertencentes à coleção da empresa espalhadas em uma área de 144

acres, onde se localizam também alguns dos escritórios da PepsiCo.

Estes espaços de colecionadores também podem estar associados com museus-casa

ou museus-estúdio, apresentando um caráter monográfico, como é o caso do Adirondack

Sacandaga River Sculpture Park, dedicado somente aos trabalhos de John Van Alstine, que

adquiriu a propriedade em Wells, NY, em 1987 e o reconstruiu completamente para

transformá-lo em seu estúdio e moradia ou do mais conhecido Noguchi Museum

Sculpture Garden, localizado em Long Island City, NY.

Este último, também projeto de um artista, apresenta um panorama completo da

obra de Isamu Noguchi, com peças distribuídas na parte interna fechada e na parte

externa, onde se localiza o jardim. O próprio Noguchi concebeu a idéia de ter um jardim

de esculturas, e assim desenvolveu-o em um antigo prédio industrial comprado por ele

em 1974, perto de seu estúdio de trabalho. O museu foi aberto ao público em 1985. O

artista comenta sobre a relação de sua obra com a passagem do tempo e com as

intempéries:

“É evidente que a pedra vive ao ar livre, especialmente as pedras duras, pedras reais, como

granito e basalto. Seu intemperismo parece coincidir melhor com o nosso próprio sentido do

tempo histórico do que com o envelhecimento do mármore, bronze ou aço, onde existe

decomposição que não é uma graça acrescentada. Há uma passagem de tempo de pedra não

diferente da nossa. Um amadurecimento tem lugar que não seria possível de outro modo. O

tempo não para a luta, mas, torna-se uma parte. As mudanças somam e não subtraem”.79

79 http://www.noguchi.org/museum/collection/views#. Acessado em 15/01/2014.

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The Noguchi Museum Sculpture Garden. Fonte: http://www.noguchi.org/museum/collection/views#

É um museu pequeno, bem menor que o Museu Felícia Leirner, por exemplo, e o

jardim é um complemento ao espaço interno, que possui dez galerias fechadas. Está

localizado em um espaço urbano, em meio aos galpões e prédios do Queens, em NY.

Também tivemos a oportunidade de visitá-lo em Fevereiro de 2013. Em uma das salas, há

a exibição de um vídeo que conta em detalhes a biografia e a carreira de Isamu, o que,

juntamente com as plaquetas explicativas presentes em cada sala, apresenta ao visitante

mais detalhes sobre a vida do artista. Enquanto as galerias do piso térreo contam com

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uma apresentação permanente de suas obras, selecionadas de sua própria coleção, o

museu apresenta exibições temporárias nas galerias superiores. 80

Os exemplos dados por Cicola relacionam-se aos Estados Unidos, mas os jardins de

escultura também estão presentes em outras partes do mundo. No Reino Unido, um dos

primeiros museus a expor esculturas ao ar livre foi o Yorkshire Sculpture Park81. Localizado

em Wakefield, província de West Yorkshire, foi fundado oficialmente em 1977, mas neste

mesmo local já eram expostas esculturas em mostras temporárias organizadas pelo Arts

Council e pelo London County Council desde meados de 1940. Atualmente o parque conta

com exposições temporárias e com peças permanentes de artistas como Henry Moore,

Barbara Hepworth, Andy Goldsworthy, Antony Gormley, entre outros.

Dentre locais similares, podemos citar ainda o Henry Moore Foundation: Perry

Green82, espaço dedicado à exibição de esculturas de Henry Moore; Barbara Hepworth

Museum & Sculpture Garden, museu que compreende a casa, os jardins e o ateliê da

escultora, que morou no local de 1949 até 1975, ano de sua morte.

Barbara Hepworth. The Family of Man, 1970. Fonte: Yorkshire Sculpture Park.

80

http://www.noguchi.org/museum/history. Acessado em 15/01/2014. 81 http://www.ysp.co.uk. Acessado em 15/01/2014. 82 Perry Green é uma aldeia em Hertfordshire, Inglaterra, onde se localiza a antiga casa de Moore, atualmente local onde se concentram suas esculturas.

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Anthony Caro. Promenade, 1996. Fonte: Yorkshire Sculpture Park.

A Henry Moore Foundation pode ser considerada um exemplo bem sucedido de

fundação para preservação e divulgação de obras de arte com um enfoque monográfico.

Em seu site, podemos ler que a fundação foi em 1977 e suas principais

responsabilidades são a de preservar o legado de Moore, financiar exibições e pesquisas

no Henry Moore Institute em Leeds e oferecer subsídios a organizações de arte:

“The Henry Moore Foundation is a registered charity, founded by the artist in 1977 to

encourage public appreciation of the visual arts, and in particular the works of Henry Moore. Its

main responsibilities are preserving Moore's legacy at his home in Hertfordshire and through

exhibitions worldwide; funding exhibitions and research at the Henry Moore Institute in Leeds;

and awarding grants to arts organizations in the UK and abroad”.83

O Barbara Hepworth Museum and Sculpture Garden é o antigo ateliê e casa da

artista, localizado em St. Ives, Cornwall. Ela morou e trabalhou no local de 1949 até sua

morte, em 1975, e, de acordo com sua vontade, sua família abriu a casa e os jardins como

um museu em 1976. O jardim conta com mais de 40 esculturas de grande e pequeno

porte em bronze e mármore, bem como muitas plantas, flores e árvores. Tate assumiu a

83 http://www.henry-moore.org/hmf/about-us. Acessado em 02/04/2014.

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conservação e administração do local em 1980. Tais informações foram retiradas no site

do museu:

“Barbara Hepworth first came to live in Cornwall with her husband Ben Nicholson and their

young family at the outbreak of war in 1939. She lived and worked in Trewyn studios – now the

Barbara Hepworth Museum – from 1949 until her death in 1975. Following her wish to establish

her home and studio as a museum of her work, Trewyn Studio and much of the artist’s work

remaining there was given to the nation and placed in the care of the Tate Gallery in 1980”.84

Podemos absorver das instituições citadas acima, tanto no cenário norte americano

quanto europeu, questões pertinentes para uma reflexão ampliada sobre os parques de

escultura no Brasil.

No Brasil, os parques de escultura são em pequeno número. Um dos mais

conhecidos é o parque de esculturas Francisco Brennand, inaugurado no ano 2000 como

marco comemorativo aos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Localizado em Recife –

PE, foi construído sobre um recife em frente à Praça Rio Branco, também conhecida como

o Marco Zero da cidade, e exibe uma exposição permanente composta por 51 obras do

ceramista Francisco Brennand. A obra principal é Coluna de Cristal, com 32 metros de

altura.

A travessia do Marco Zero até o parque funciona diariamente, das 7h às 17h, por

meio de barcos dos pescadores locais. A visitação é gratuita.85

Brennand iniciou sua carreira como pintor e escultor no fim da década de 1940.

Posteriormente, passou a explorar a cerâmica, incentivado por obras de Pablo Picasso

(1881 - 1973), Joan Miró (1893 - 1983) e Léger (1881 - 1955), que conheceu durante uma

estada em Paris. Em 1971, reformou a fábrica de cerâmica de seu pai, próxima a Recife,

então quase abandonada, transformando-a em um ateliê. Este espaço, denominado

Oficina Brennand, também apresenta diversas esculturas ao ar livre.86

84

http://www.tate.org.uk/visit/tate-st-ives/barbara-hepworth-museum-and-sculpture-garden. Acessado em 02/04/2014. 85 Governo de Pernambuco. http://www.pernambuco.com/turismo/turismo_museus/. Acessado em 21/06/2014. 86 Oficina Brennand. http://www.brennand.com.br/oficina.php. Acessado em 20/06/2014.

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Foto da Praça Rio Branco com o Parque das Esculturas ao fundo. Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/cidade/projetos/fotosdorecife/ Parque das Esculturas Fonte: http://www.recife.pe.gov.br/cidade/projetos/fotosdorecife/

Oficina Brennand. Fonte: http://www.brennand.com.br/oficina.php

Existem também, ainda na região Nordeste, alguns parques de esculturas menores,

que se situam em um contexto mais local. O Parque das Esculturas Nilo Coelho87, por

exemplo, localiza-se em Fazenda Nova, PE, e apresenta 37 esculturas de pedra, de três a

sete metros de altura, nos 60 hectares do entorno do teatro de Nova Jerusalém, onde é

encenada a Paixão de Cristo. Inaugurado em 1981, o parque visa promover a cultura

nordestina através da exposição do trabalho desses artesãos.

87

Governo de Pernambuco. http://www.pernambuco.com/turismo/turismo_museus/. Acessado em 21/06/2014.

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Já na região Sudeste, no Rio de Janeiro – RJ há o menos conhecido Parque Natural

Municipal da Catacumba. Situado à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, conta com um

acervo de 31 esculturas, distribuídas por todo o local. “As obras são de autoria de diversos

artistas, tal como Sérgio Camargo, Alfredo Ceschiatti, Caribé, Roberto Moriconi, Bruno

Giorgi, Frans Krajcberg, Franz Weissmann e Antônio Manuel, dentre outros. Conta

também com o Pavilhão Victor Brecheret, cujo espaço, originalmente destinado à

realização de eventos e exposições, encontra-se ocupado pela Subprefeitura da Zonal

Sul.” 88

Na região Sul do Brasil, foi Inaugurado em Abril de 2014, o Parque das Esculturas Ilse

Teske, localizado em Brusque – SC. No total, 40 esculturas em mármore compõem o

acervo, exposto numa área de 23 mil metros quadrados. “Entre os destaques, estão obras

de Oscar Niemeyer, Francisco Brennand e Amilcar de Castro, da japonesa, Tomie Ohtake,

e uma das últimas obras do escultor italiano Gio Pomodoro, feita em Brusque meses antes

de seu falecimento.”89

Parque das esculturas Ilse Teske. Fonte: Prefeitura municipal de Brusque.

88

Instituto Iguaçu. http://institutoiguacu.com.br/Parques/catacumba.htm. Acessado em 21/06/2014. 89 Prefeitura Municipal de Brusque – SC. http://www.brusque.sc.gov.br/web/turismo_noticia.php?noticia=9327:Parque_das_Esculturas_Ilse_Teske_e_inaugurado_em_Brusque. Acessado em 10/06/2014.

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Também podemos mencionar jardins de esculturas que podem ser considerados

anexos de instituições maiores, como, por exemplo, o Parque da Luz, que atualmente

abriga cerca de 50 esculturas que integram o acervo da Pinacoteca do Estado e o Jardim

de esculturas do MAM, inaugurado em 1993. Neste podemos ver uma amostra

significativa da arte tridimensional produzida no Brasil a partir da segunda metade do

século XX, em trabalhos como os de Antonio Lizárraga, Carlos Fajardo, Emanoel de Araújo,

José Resende, Amélia Toledo, Elisa Bracher e Nuno Ramos. Ambos localizam-se em São

Paulo – SP. Estes dois exemplos citados são consagrados pelo público paulistano e tidos

como locais de lazer e passeio por parte dos moradores da cidade e turistas em geral.

Franz Weissmann Grande quadrado preto com fita, de 1985. Aço pintado. Jardim de esculturas do MAM SP. Fonte: http://mam.org.br/visite/jardim-de-esculturas/.

Esculturas no Parque da Luz. Fonte: Pinacoteca do Estado de São Paulo.

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O Museu Felícia Leirner, por sua vez, localiza-se em Campos do Jordão – SP, cidade

turística que atrai milhares de visitantes todos os anos. Exploraremos mais sobre a cidade

e o Museu nas seções seguintes.

2.2 Campos do Jordão

Fundado em 29 de abril de 1874, o município de Campos do Jordão tem como

principal atividade econômica o turismo e é um dos principais destinos de inverno no

Brasil.

Segundo informações de Pedro Paulo Filho em seu livro História de Campos do

Jordão90, podemos remontar a história do município a 1720, quando Gaspar Vaz abriu um

caminho que saía desde o Vale do Rio Sapucaí até Pindamonhangaba, SP, com o objetivo

de transportar ouro de minas de Itajubá, MG. Gaspar Vaz estabeleceu-se na região,

transformando-a em um centro comercial de gado. Em 1771, Inácio Caetano Vieira De

Carvalho resolveu ali se estabelecer. Em 27 de Setembro de 1790, por meio de carta do

Governador da Capitania de São Paulo, obteve a sesmaria.

Após 1825, a gleba foi vendida ao Brigadeiro Manuel Rodrigues Jordão, e o lugar que

era, então, denominado de Os Campos passou a ser conhecido como Os Campos do

Jordão.

Em 1874, as terras foram adquiridas por Matheus da Costa Pinto, que fundou o

povoado de São Matheus do Imbiri, atual Vila Jaguaribe, nome dado em homenagem ao

Dr. Domingos Nogueira Jaguaribe, que introduziu melhoramentos no povoado.

No início do século XX, devido ao clima com alto nível de oxigênio, aliado a baixas

temperaturas, a região passou a ser referência no tratamento de tuberculose, criando, a

partir de então, diversos sanatórios. A cidade, nesta época, passou a atrair médicos e

pacientes de todo o país, muitos deles políticos influentes e grandes empresários. Em

razão de longos períodos de tratamento que a doença exigia, muitos deles fixaram

90 FILHO, Pedro Paulo. História de Campos do Jordão. Aparecida, SP. Editora Santuário. 1986.

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residência e trabalho na cidade. Pela Lei nº 2.140 de 01/10/1926, Campos do Jordão

transformou-se em Estância Hidromineral.

Pedro Paulo Filho comenta sobre os aspectos geográficos da cidade:

“Campos do Jordão localiza-se a 1.700 metros de altitude e pesquisas científicas acusaram

a superioridade de seu clima em relação a Davos Platz, nos Alpes Suiços, bem como um teor de

oxigenação e ozônio superior ao de Chamonix, famosa estância francesa, pela pureza do ar.

Campos do Jordão apresenta vantagem sobre as demais estâncias climáticas brasileiras: o seu

clima tropical de montanha faz com que o sol esteja presente praticamente o ano todo. A

luminosidade costuma atingir o seu grau máximo no inverno, quando então a temperatura chega

a 5 graus negativos, embora já tenha atingido, no passado, 18 graus abaixo de 0, em 1992”91

.

Até 1940, essa cidade tinha características muito diferentes das que tem hoje,

quando se destaca como atração turística.

Com o objetivo de ter uma residência de inverno, Adhemar de Barros, interventor

do Estado de São Paulo, contratou, em 1938, o arquiteto George Przirembel para executar

um projeto baseado nos castelos europeus, a ser localizado no Alto da Boa Vista.

Sua construção teve de ser interrompida por um período de vinte e cinco anos

devido a dificuldades financeiras e políticas. Em 1964, o palácio finalmente foi concluído,

sob a gestão de Adhemar de Barros como governador, o que não é uma coincidência.

Segundo Ana Cristina Carvalho, curadora do acervo artístico-cultural dos Palácios do

Governo do Estado de São Paulo:

“Quando muda o governo do Estado, o novo governador, Abreu Sodré, assina um decreto

em 1967 que cria uma comissão para tratar da instalação, no local, de um museu de mobiliário

histórico e artístico brasileiro. Todavia, o palácio não perderia sua função de residência ocasional

do governador. Somente em 1969, porém, o governador Abreu Sodré transforma o palácio em

museu aberto ao público, com a ajuda do secretário da Fazenda Luís Arrobas Martins”.92

Em 1969, constituiu-se a criação de um grupo de críticos de arte e especialistas em

artes plásticas e em mobiliário brasileiro antigo, o Geapac, Grupo Executivo de

Aproveitamento do Palácio de Campos do Jordão. Esse grupo optou por escolher,

principalmente, obras modernistas, em especial da segunda fase do modernismo e

91 Id. ibid. 92 CARVALHO, Ana Cristina. Palácio Boa Vista: um palácio-museu e suas preciosidades. São Paulo, SP. Imprensa Oficial do Estado. 2008. Página 27.

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também peças do imaginário e mobiliário coloniais. Atualmente, sua coleção é

considerada uma das mais importantes do Brasil, e conta com obras de Tarsila do Amaral,

Brecheret, Vicente do Rego Monteiro, Bruno Giorgi, dentre outros.

Com a paisagem exuberante, a coleção de arte do palácio e a criação na década de

70 do Festival de Inverno de Campos do Jordão, que contava com a apresentação de

grandes nomes da música erudita, o município passou a atrair cada vez mais visitantes

interessados em desfrutar das atrações e atividades artísticas e culturais ali oferecidas.

Pedro Paulo Filho comenta sobre a presença constante de visitantes ilustres na

cidade:

“Os cortes olímpicos e verdes de sua silhueta serrana, ao amanhecer do dia e ao por do

sol, já motivou os cânticos dos homens e dos deuses, entoando hinos à beleza e à fraternidade.

Pela Estância de Campos do Jordão passaram escritores como Monteiro Lobato, Paulo Dantas,

Maria de Lourdes Teixeira, Dinah Silveira de Queirós; poetas, como Ribeiro Couto, Guilherme de

Almeida, Menotti Del Pichia; historiadores, como, Caio Prado Júnior; juristas, como Miguel Reale e

Alexandre Corrêa; artistas plásticos, como Brecheret, Lasar Segall, Felicia Lerner, Pancetti,

Manabu Mabe e Camargo Freire, além de políticos, como Getúlio Vargas, João Figueiredo, Ernesto

Geisel, João Goulart, Adhemar de Barros, Carvalho Pinto, Jânio Quadros, Franco Montoro, Paulo

Maluf, Laudo Natel, Abreu Sodré e tantos outros”.93

Atualmente, o turismo representa a maior fonte de renda para a cidade, que recebe

milhares de turistas na alta temporada. Segundo artigo de Fábio Amato, publicado em

2009, sobre a expectativa do número de turistas na cidade para a alta temporada, Campos

do Jordão deveria receber provavelmente 1,5 milhão de pessoas entre Maio e Agosto.94

Cada um dos três bairros principais de Campos do Jordão apresenta uma

característica distinta, sendo que Vila Abernéssia é o centro comercial e administrativo da

estância, Vila Jaguaribe tem uma parte turística e outra residencial e Capivari é o centro

turístico, onde se concentram a maioria dos visitantes da cidade. “É nela e em seus

arredores que se encontram os melhores hotéis e restaurantes, confeitarias e shoppings,

93

Campos do Jordão cultura. http://www.camposdojordaocultura.com.br/historiadecampos.asp. Acessado em 10/04/2014. 94 AMATO, Fábio. Campos do Jordão vai orientar turistas sobre gripe suína. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 02/07/2009. http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u589590.shtml. Acessado em 10/01/2014.

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além de luxuosas residências que lembram chalés suíços e palacetes imponentes, de estilo

normando.”95

Deve-se ressaltar que apesar de toda a atuação e influência da elite paulistana na

cidade, Campos do Jordão é um local que apresenta diferenças acentuadas em seus

índices sociais. Em 2013, de acordo com o SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise

de Dados), a população da cidade era de 48.497 habitantes, e fazia parte do grupo 2 no

Índice Paulista de Responsabilidade Social (municípios que, embora com níveis de riqueza

elevados, não exibem bons indicadores sociais), com a renda per capita em reais sendo de

568,87 em 2010, sendo que o estado de São Paulo tinha o valor de 853,75.

A taxa de abastecimento de água em 2010 foi de 89,95% e a de esgoto sanitário

77,98%, contra respectivos 97,91% e 89,75% no Estado. A taxa de analfabetismo da

população de 15 anos e mais e a taxa de domicílios particulares com renda per capita até

½ salário mínimo também são maiores do que em comparação com os valores

apresentados para o Estado.96

Ou seja, apesar de seu apelo para ser a “Suíça brasileira”, vê-se que os índices

econômicos estão bem longe de ser considerados satisfatórios, o que revela a má

qualidade de vida de boa parte de seus habitantes.

2.3 O Museu Felícia Leirner

Em 1962, abalada pela morte precoce de seu marido Isai Leirner, Felícia trocou São

Paulo por Campos do Jordão. Abrigou suas esculturas em sua residência situada no final

da atual Rua Isai Leirner até 1978, época em que foram transferidas para o então recém-

criado Museu Felícia Leirner.

Felícia comenta sobre sua casa na cidade, bem como sobre sua relação com a

natureza circundante:

95 Net Campos. http://www.netcampos.com/sobre-campos-do-jordao/historia-de-campos-do-jordao.html. Acessado em 10/01/2014. 96 Seade. https://www.seade.gov.br/produtos/perfil/perfilMunEstado.php. Acessado em 10/01/2014.

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“Minha casa em Campos do Jordão era colocada entre montanhas mansas, espalhadas em

largura, unindo-se umas às outras. Formavam uma corrente, como se fosse uma força espiritual,

para se defender contra os ventos fortes que queriam penetrar na grande planície de terra bem

gramada longe, e as sementes espalhar onde de novo teriam que renascer. Essas montanhas me

serviam para os projetos de futuras esculturas. Desde bem cedo costumava, com meu caseiro

ajudante, subir parando para admirar essa enorme corrente verde. Por perto, uma velha

araucária que não deixava de esconder sua idade, orgulhosa e reta, espalhava suas pinhas. Eu a

chamei Profeta Isaías. Falava com ela e ela me respondia mesmo sem compreender, e eu a

amava.”97

Todas as obras de sua autoria e que estavam em sua propriedade foram doadas pela

escultora ao Museu, que conta com 84 esculturas98; sendo 43 em bronze, 40 em cimento

branco e 1 em cimento armado, distribuídas em 35 mil metros quadrados, com o objetivo

de traçar um panorama sobre sua trajetória em um dos poucos parques de escultura

monográficos do Brasil.

Segundo informações do catálogo de uma exposição ocorrida em 2010 com obras de

Felícia e de seus três filhos, Adolfo, Nelson e Giselda:

“Dizem alguns que o universo sempre conspira a favor da história, e, assim, em 1976,

Felícia recebe o convite do então governador Paulo Egydio Martins para que suas obras integrem

a paisagem dos jardins de um espaço dedicado à música, o Auditório Campos do Jordão –

posteriormente denominado Auditório Cláudio Santoro -, que passa a ser a sede do Festival de

Inverno. Em 1979 é inaugurado o Museu Felícia Leirner, ao ar livre, que contempla 108 esculturas

da artista, em cimento pintado e bronze, tendo como pano de fundo a paisagem exuberante de

Campos do Jordão. Nessa ocasião, enquanto a artista trabalhava nas obras para o museu, levava

seu som particular de música erudita e a escutava como inspiração no trabalho de montagem das

obras. Assim, uma das múltiplas formas prazerosas de apreciar a obra escultórica de Felícia

Leirner é associá-la à musica. A escultura, a música e a natureza estão sintetizadas em sua

expressão artística”.99

97 GUINSBURG, Jaco; KON, Sergio (orgs.). Felícia Leirner - textos poéticos e aforismos. São Paulo, SP. Editora Perspectiva. 2014. P. 19. 98 Algumas fontes citam como sendo 108 obras, e não 84. Considero aqui o número fornecido diretamente pelo Museu Felícia Leirner. http://www.museufelicialeirner.org.br/o-museu/institucional. Segundo informado pelo serviço educativo do museu, durante minha visita ao local em Abril de 2014, não se sabe ao certo o que aconteceu com essas 20 obras que não estão mais em exposição. 99 Catálogo da exposição “A Natureza pela Janela da Alma – Esculturas de Felícia Leirner”, 04 de Julho a 15 de Novembro de 2010 no Palácio Boa Vista, Campos do Jordão, SP.

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Ou seja, a intenção primeira, que presidiu a criação do museu, era aliar o ambiente

do Auditório Campos do Jordão a um parque de esculturas, proporcionando aos visitantes

uma experiência multi-sensorial no campo das artes. A história do Festival de Inverno de

Campos do Jordão Luis Arrobas Martins está, portanto, diretamente ligada ao Palácio Boa

Vista e ao surgimento do Museu Felícia Leirner, como apontado em trecho de autoria não

informada no Catálogo da exposição A Natureza pela Janela da Alma – Esculturas de

Felícia Leirner”:

“Para cumprir a missão de espaço cultural do Palácio, o Secretário Luis Arrobas Martins

idealizou um festival de música inspirado nos modelos dos festivais europeus.

Os primeiros concertos aconteceram no salão nobre e no pátio interno do Palácio Boa

Vista. Esses ambientes foram adaptados com cerca de 250 cadeiras para receber os convidados

para as apresentações, e, em 1970, um recital da pianista Magda Tagliaferro dá início ao primeiro

de uma série de concertos, sob a coordenação do maestro Camargo Guarnieri.

Em 1973 o festival adquire pela primeira vez ampla repercussão internacional e é

transmitido pela TV Cultura. Em 1974 o festival não é realizado, mas em 1975 fica decidido que

ele deveria ter uma sede própria para sua realização, o Auditório Campos do Jordão. Em 1978 o

festival acontece pela última vez no Palácio Boa vista, no ano seguinte, enquanto ainda estava

sendo finalizada a construção do auditório, é inaugurado o Museu Felícia Leirner, com uma

apresentação ao ar livre da Orquestra Sinfônica Estadual no dia da abertura. Coube, no entanto, à

mesma pianista que abriu o primeiro concerto do festival no Palácio, Magda Tagliaferro, abrir o

primeiro concerto do Auditório, em 24 de Julho de 1979”.100

Felícia comenta sobre o início do projeto de construção do Museu:

“Um dia, o então governador Paulo Egydio Martins me convidou a visitar o local do

auditório que pretendia construir em Campos. Ele queria todas as minhas esculturas reunidas em

um só parque. O lugar me emocionou. Das colinas, avistavam-se ondas de um mar de morros.

Acima, as nuvens lembravam paisagens já vividas. Que privilégio para uma artista ver seus

trabalhos reunidos num dos lugares mais lindos do país. Na primeira visita já antevia flores

silvestres misturando-se à música tocada no auditório, numa viagem por caminhos pontilhados

por minhas esculturas.

Trabalhei arduamente e concluí a obra como uma declaração de amor à natureza.”101

100

Catálogo da exposição “A Natureza pela Janela da Alma – Esculturas de Felícia Leirner”, 04 de Julho a 15 de Novembro de 2010 no Palácio Boa Vista, Campos do Jordão, SP. 101 GUINSBURG, Jaco; KON, Sergio (orgs.). Felícia Leirner - textos poéticos e aforismos. São Paulo, SP. Editora Perspectiva. 2014. P. 117.

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A artista também revela, em entrevista concedida em 1979, a sensação de satisfação

com o projeto:

“Uma escultura é como uma pedra, uma árvore, uma montanha. Elas têm expressão, são

bonitas em si, vivem ao ar livre. Tudo isso é forma, a pedra, a árvore e a montanha, e a escultura é

uma forma que também tem que ficar ao ar livre para estar completa. Você já pensou se em São

Paulo para cada dez árvores plantadas existisse uma escultura?”102

O Contrato de Doação de Obras de Arte para Campos do Jordão foi publicado no

Diário Oficial do Estado em 13 de Julho de 1978:

“Aos 10 dias do mês de Julho do ano de 1978, no Palácio dos Bandeirantes, sítio à Av.

Morumbi, s/n. o, nesta Capital, compareceram de um lado, o Dr. Paulo Egydio Martins, Chefe do

Poder Executivo, representando o Estado de São Paulo, daqui em diante denominado Donatário,

bem como o Sr. Max Feffer, Secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia, e, de outro lado, Da.

Felícia Leirner, brasileira naturalizada, viúva, escultora, RG 650.936, CIC 0327400718-20, residente

e domiciliada nesta Capital, à Rua Pernambuco, 144, 6.o a., apto. 62, doravante denominada

Doadora, e, na presença das testemunhas ao final qualificadas e assinadas, ficou justo e

contratado o seguinte (...)”103

Assim seguem-se as nove cláusulas do contrato, que estabelecem as condições por

parte do doador e do donatário. Dentre elas, podemos citar algumas de maior relevância

para nossa discussão:

“II – Os bens referidos na cláusula anterior deverão ter exposição condigna, ser colocados ao

alcance da visitação pública e mantidos, como um só conjunto, em perfeito estado de

conservação, sendo que para isso deverão ser transferidos e instalados, até 15 de Março de 1979,

no centro artístico que o donatário está construindo em Campos do Jordão, no respectivo terreno

circunjacente, cuja área é de 300.000 m2, aproximadamente;

V – O donatário declara aceitar a presente doação, a qual é feita pura e simplesmente;

VI – Para fins do disposto nos artigos 1175 e 1176 do Código Civil Brasileiro, fica esclarecido que

as obras de arte ora doadas não constituem a totalidade dos bens da doadora, nem excedem o

que poderia dispor em testamento;

VII - Fica assegurado à doadora a faculdade de reproduzir até sete (7) cópias de cada um dos bens

ora doados;

102 ALMEIDA, Sérgio Pinto de. As esculturas de Felícia Leirner mudam de jardim. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1979. 103 Contrato de Doação de Obras de Arte para Campos do Jordão, publicado no Diário Oficial em 13 de Julho de 1978.

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VIII - As despesas com o transporte e colocação das peças de arte correrão por conta da

Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia;

IX – Dá-se a este contrato, para efeitos legais, o valor de Cr$ 30.000.000,00.”

Segundo Mário Pedrosa, é dito que “Pela doação, Felícia Leirner recebeu a medalha

do Ipiranga, numa cerimônia no Palácio Boa Vista, quando destacaram seus méritos como

figura humana e de artista os secretários Max Feffer e Péricles da Silva Ramos e D. Lila

Byington Martins.”104

Nesta primeira fase, foram doadas a maioria das peças, porém as obras restantes do

atual acervo foram levadas ao Museu alguns anos mais tarde, em 1982.

“(...) nesta semana mais 21 peças acabam de ser integradas ao maior museu ao ar livre, com

obras de um único artista brasileiro. Agora são 108 esculturas espalhadas nas sinuosas alamedas

repletas de folhagens, de um verde intenso. (...) Agora, com o número de peças aumentado, sua

disposição foi alterada porque conforme explicou o coordenador do museu, Geraldo Anhaia

Mello, ‘muitas esculturas ficaram perdidas na mata’. Por isso mesmo elas foram colocadas mais

próximas umas das outras e em lugares mais elevados”.105

Apesar da importância inegável deste espaço, até o presente momento há somente

uma publicação de relação mais direta com o Museu, que é o livro de Frederico Morais

Felícia Leirner: arte como missão, porém não existem estudos mais aprofundados sobre

esta coleção e este parque. Como veremos, o parque segue as análises de Frederico

Morais em relação à proposta curatorial e é provável que seu livro tenha sido

desenvolvido na mesma época em que seu projeto expositivo foi implementado no local.

Assim, exploramos mais densamente questões tratadas até então de maneira mais

superficial.

A gestão atual do Museu é feita por parte da ACAM Portinari, (Associação Cultural

de Apoio ao Museu Casa de Portinari), que administra, em parceria com a Secretaria de

Estado da Cultura, três equipamentos culturais no interior de São Paulo pertencentes ao

Governo do Estado: Museu Casa de Portinari, em Brodowski, Museu Histórico e

Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, e Museu Felícia Leirner (Auditório Claudio Santoro),

em Campos do Jordão.

104 ERNESTO, Luiz. Felícia Leirner: doação e homenagem em C. Jordão. A Tribuna. Santos, SP. 06/08/1978. 105 Do correspondente em São José dos Campos. Museu Felícia Leirner com mais 21 peças. O Estado de São Paulo. São Paulo, SP. 27/05/1982.

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“A ACAM Portinari tem como principal objetivo o desenvolvimento da área cultural,

particularmente a museológica, através da colaboração técnico-operacional e financeira. Por meio

de seu trabalho, a Associação dá subsídios que favorecem a qualificação das instituições como

centros regionais de referência na área museológica e pólos irradiadores das políticas públicas da

Secretaria de Estado da Cultura no interior do Estado.”106

Placa na entrada principal do museu. Museu Felícia Leirner, Campos do Jordão, SP. Fonte: foto nossa

Visão geral das trilhas no museu. Fonte: foto nossa

106 http://acamportinari.org/acam-portinari/institucional

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O Museu Felícia Leirner é tido como um museu ao ar livre, mas, a nosso ver, ele deve

ser entendido com um parque de esculturas. É necessário se questionar o título de

‘museu’ dado ao Museu Felícia Leirner, uma vez que de acordo com o ICOM:

“A museum is a non-profit, permanent institution in the service of society and its development,

open to the public, which acquires, conserves, researches, communicates and exhibits the

tangible and intangible heritage of humanity and its environment for the purposes of education,

study and enjoyment”.107

Ou seja, um museu é uma organização sem fins lucrativos, instituição permanente a

serviço da sociedade e seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva,

pesquisa, comunica e exibe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e de seu

ambiente para fins de educação, estudo e diversão. Por não possuir um serviço de

documentação, equipe de pesquisa, uma biblioteca, ou mesmo galerias fechadas, o mais

adequado seria nomeá-lo de jardim de esculturas ou parque de esculturas. Contudo, para

fins práticos, manteremos a denominação MUSEU ao nos referirmos a este espaço.

A denominação ‘museu ao ar livre’ também não se aplica, uma vez que um museu

ao ar livre (open air museum) refere-se, no sentido mais amplo, a um museu

arquitetônico, ou seja, a qualquer instituição que inclui um ou mais edifícios em suas

coleções, incluindo museus agrícolas, museus de casas históricas e museus arqueológicos.

O termo museu a céu aberto refere-se, mais diretamente, a museus que se especializam

na conservação e reconstrução de edifícios temáticos.

Segundo a Association of European Open Air Museums, cada museu é diferente,

sendo a chave para o modo de vida, as tradições, a construção da cultura e a história de

uma região ou país específico. Museus ao ar livre geralmente são transportados do seu

local de origem, e reconstruídos, mas alguns deles também incluem edifícios ou estruturas

que não tenham sido movidos de seu local inicial.108

Já um parque de esculturas é um espaço ao ar livre dedicado à exibição de

esculturas, normalmente elaboradas de materiais durávies como bronze, aço, e cimento,

posicionadas dentro de áreas verdes.

107 Icom, The International Council of Museums. http://icom.museum/the-vision/museum-definition/. Acessado em 25/02/2014. 108 Association of European Open Air Museums. http://www.aeom.org/?Open_air_museums. Acessado em 26/05/2014.

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Devemos ressaltar as diferenças presentes entre os exemplos citados na seção 2.1 e

o Museu Felícia Leirner. Existem os parques de escultura que por si só são uma instituição

e os parques ou jardins de escultura que são um complemento a uma instituição maior,

que geralmente possui um espaço interno e fechado dedicado à exibição de mostras,

sejam elas temporárias ou permanentes. O Museu Felícia Leirner se situa na primeira

vertente, na qual o espaço expositivo é totalmente ao ar livre. No Brasil, um exemplo que

podemos citar do segundo caso é o jardim de esculturas do MAM São Paulo.

Segundo o site da instituição:

“O Jardim de Esculturas foi projetado por Roberto Burle Marx para receber obras da

coleção do MAM. Inaugurado em 1993, ele abriga 30 esculturas numa área de 6 mil metros

quadrados, sendo um dos principais acervos brasileiros expostos a céu aberto. Visitas educativas

acontecem regularmente”.109

O jardim de esculturas do MAM SP conta inclusive com uma obra de Felícia Leirner,

uma escultura em cimento branco de 1973, doada pela própria artista para o acervo do

museu.

Também podemos mencionar a importância do Parque da Luz, em São Paulo,

espaço que conta com esculturas pertencentes à Pinacoteca do Estado de São Paulo, que

se situa a seu lado.

“O Parque da Luz, também conhecido como Jardim da Luz, conta com área de

aproximadamente 113 mil m². Foi criado como horto botânico por uma Ordem Régia da Coroa

Portuguesa em 19 de novembro de 1798 foi aberto ao público em 1825 como Jardim Botânico já

no período do Brasil Imperial tornando-se o primeiro espaço de lazer da população paulistana. Em

1981, o parque foi tombado como patrimônio histórico e atualmente abriga cerca de 50

esculturas que integram o acervo da Pinacoteca do Estado. Entre os artistas apresentados estão

Victor Brecheret, Leon Ferrari, Amílcar de Castro, José Resende, Marcelo Nietsche e muitos

outros”.110

Assim como os dois museus citados acima possuem grande importância cultural

para a cidade de São Paulo, o Museu Felícia Leirner é importante para a cidade de Campos

do Jordão, tanto em termos culturais quanto turísticos e históricos, uma vez que sua

109

Museu de Arte Moderna de São Paulo. http://mam.org.br/visite/jardim-de-esculturas/. Acessado em 26/05/2014. 110 Pinacoteca de São Paulo. http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?c=exposicoes&idexp=1084&mn=537&friendly=Exposicao-Esculturas-no-Parque-da-Luz. Acessado em 10/01/2014.

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fundação relaciona-se diretamente com a história do município. Assim sendo, cabe frisar

que este espaço é de extrema relevância para o legado da obra da escultora e representa

um patrimônio para a cidade onde se localiza. É um museu gratuito, ao ar livre, que

dialoga com a natureza exuberante ao redor. Possui diversas trilhas em cimento para

serem percorridas pelos visitantes. Fica aberto de Terça a Domingo, das 9h às 18h, porém

devemos ressaltar que sua localização, na Avenida Dr. Luis Arrobas Martins, nº 1880,

juntamente ao Auditório Cláudio Santoro, não é favorável para visitantes que não

possuam carro, uma vez que ele se localiza a cerca de 5 km do centro da cidade. Há

transporte público (ônibus) que tem uma parada próxima à entrada do parque de

esculturas. Na imagem de satélite abaixo, podemos ter uma idéia aproximada da

localização do Museu. O centro de Campos do Jordão está localizado no ponto A e o

Museu Felícia Leirner e o Auditório Cláudio Santoro estão do lado esquerdo, dentro do

círculo vermelho.

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A estrada para se chegar ao Museu, na parte inicial Avenida Dr. Ademar de Barros e

posteriormente Avenida Alto da Boa Vista, passa por diversas chácaras e casas de

veraneio, e, mais para o final, circunda o Palácio do Governo.

A natureza é sempre presente, tanto no caminho de chegada como no Museu

propriamente dito. O fato de ser um parque de esculturas ao ar livre, ou seja, cujas obras

estão expostas à ação do tempo e até mesmo ao vandalismo praticado por alguns

visitantes cria a necessidade de manutenção constante tanto das esculturas quanto dos

jardins, trilhas e placas indicativas.

No caso do local estudado, todas as obras do acervo estão em exibição permanente

e sujeitas a interferências externas, como o clima, por exemplo.

Através de observação no local, constatamos que as pessoas que percorrem o

espaço do Museu Felícia Leirner também se comportam de maneira diferenciada e

entendem o espaço como um local de lazer, onde tiram fotos, fazem piqueniques,

conversam, etc. Muitas se sentem interessadas pelas obras, em geral tendem a posar

junto com as peças para fotos de caráter turístico, mas não parecem se interessar a fundo

pelas questões propostas pela obra, limitando-se a julgamentos mais superficiais sobre

sua beleza e/ou os materiais de que são feitas. Em nossa primeira visita, em Janeiro de

2013, presenciamos, inclusive, um grupo de crianças escalando e tocando em uma das

obras, fato que deve se repetir com frequência neste espaço.

Em nossa mais recente visita, em Abril de 2014, notamos a instalação de algumas

placas com os dizeres: “PEDE-SE Não subir nas esculturas”, como mostrado na parte

esquerda da imagem abaixo.

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Felícia Leirner Família, 1970 Cimento armado sobre ferro Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

Devemos ressaltar a ausência, ao longo do trajeto, de monitores, seguranças ou

guias especializados. Há um serviço de recepção ao visitante do museu, instalado no local

desde Maio de 2013. Este conta com monitores que recebem os visitantes na chegada e

colam um adesivo de identificação em cada um, e, caso haja interesse, comentam

brevemente sobre a vida e a obra de Felícia Leirner. Segundo informado por um dos

funcionários, os monitores possuem formações acadêmicas diversas, alguns da área de

história, outros de música, letras, entre outras, e todos são submetidos a um treinamento

antes de iniciar o atendimento ao público no local.

É necessário um agendamento prévio por telefone para grupos de excursão que

desejem algum tipo de serviço educativo.

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Receptivo ao visitante. Fonte: foto nossa

O espaço ao ar livre oferece uma relação intensa entre o público e a obra, uma vez

que, em geral, as obras situam-se bem a frente do espectador, sem a presença de

elementos de proteção, alarmes, caixas de vidro, dentre outros. Os jardins do museu, com

árvores antigas e de copas frondosas, além de belas flores, também contribuem para

passar a sensação de que o museu é um museu-parque. Na entrada do museu, há um

espaço para os visitantes estacionarem seus carros e o serviço de recepção.

Entrada do museu. Fonte: foto nossa

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Posteriormente, vemos uma placa azul, indicando o acesso principal ao parque, à

esquerda, e o núcleo de esculturas Paisagem Recortada111. Segundo informações

fornecidas pelo monitor Bruno Marinho do serviço educativo, Felícia fez o trabalho de

curadoria do museu, e ajudou diretamente a projetá-lo. O caminho à direita leva ao

Auditório Cláudio Santoro. Começando pelo lado esquerdo, segue-se por meio das últimas

obras de Felícia, para então realizar um caminho em ordem cronológica inversa (das obras

mais recentes para as obras do início de sua carreira).

Fonte: foto nossa

Abaixo, temos um mapa dos possíveis trajetos dentro do parque. Assim numeramo-

los de 01 a 06 para facilitar o entendimento.

111 O Museu Felícia Leirner segue organização proposta por Frederico Morais.

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Fonte: foto nossa

No livro Thinking About Exhibitons, é dito que “Um museu é um discurso, e uma

exposição é uma elocução dentro desse discurso”.112 O discurso explorado pelo Museu

Felícia Leirner, em primeiro plano, é o de apresentar um denso panorama monobiográfico

da artista. O visitante, seja ele conhecedor da produção de Felícia ou leigo, conta com

painéis explicativos situados ao longo das trilhas no museu. Tais painéis oferecem um

mapa dos possíveis trajetos dentro do museu e alguns deles contam a vida da artista e

apresentam os diferentes grupos de esculturas presentes em determinados locais

expositivos.

Cada obra apresenta uma placa de acrílico que contém o título, ano de realização,

material de que é feita e um quadrado colorido. Cada quadrado refere-se a uma

112 GREENBERG, Reesa; FERGUSON, Bruce; NAIRNE, Sandy (Editors). Thinking About Exhibitions. Londres, Reino Unido. Routledge. 1996.p.214.

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respectiva fase artística, conforme denominado por Frederico Morais, em parceria que,

além do projeto curatorial do Museu, resultou na publicação Felicia Leirner: a arte como

missão, de 1991.

Estes painéis são importantes para o entendimento do visitante leigo sobre

questões formais referentes à vida e obra da artista, sendo que a grande maioria do

público frequentador, é composta por turistas que estão a passeio na cidade de Campos

do Jordão e aproveitam para conhecê-lo. Porém, devo ressaltar que as informações

contidas nesses painéis já não condizem com um modelo contemporâneo de informação.

Por vir de uma criação dos anos 90, o modelo adotado, dividindo o espaço em cores

distintas para cada respectiva fase artística em interpretação prévia dada por um crítico

de arte e não contestada, acaba diminuindo a liberdade de interpretação, tendendo a

moldar o pensamento do público de maneira fechada, e por vezes confundindo o

espectador, especialmente em meio ao trajeto principal, onde, em alguns momentos,

ocorre a mescla de obras de períodos artísticos distintos. Sobretudo, ressaltamos que a

divisão talvez seja tendenciosa.

A seguir, apresentamos um pouco mais os possíveis trajetos dentro do parque de

esculturas.

O parque apresenta duas entradas, uma pelo estacionamento, que é marcada como

sendo a principal, e outra, menos acessada, por trás do Auditório Cláudio Santoro.

O trajeto de cimento 01 parte da entrada principal e leva o visitante para a parte de

trás do Museu, onde fica a maioria das obras. O Pássaro, de 1970, é a primeira obra do

caminho percorrido pelos visitantes.

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Fonte: foto nossa

A grama estava sob manutenção ao redor de uma das esculturas da série Bichos, de

1970.

Fonte: foto nossa

Pelo lado direito do trajeto chega-se às obras do final dos anos 60, e pelo lado

esquerdo à série Habitáculos, através do caminho 02, com 4 obras (na seguinte ordem:

Habitáculos III, V, IV e II). A trilha segue e passa por algumas outras obras, como A Concha,

O Segredo, O Mistério e o O Anjo, todas de 1969.

Cortando por meio desses trajetos ficam outras alamedas menores, que levam o

visitante para mais perto de algumas obras.

Mais para o final, o visitante sobe uma ladeira e chega à série Cruzes, de 1963.

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O trajeto comentado até agora apresenta obras mais esparsas entre si, sombreadas

pelas árvores do terreno.

Seguindo pelo lado esquerdo, pelo trajeto 03, o visitante é levado às obras

figurativas, mais do início da carreira de Felícia, como Casal II, de 55/57 e Homem, Mãe e

filha e Moça sentada, todas de 50/55, situadas do lado direito do trajeto e as obras

Maternidade e Casal I, de 55/57 e Moça com animal e Mulher reclinada, de 50/55, ao lado

esquerdo do mesmo.

No final, vê-se a obra Figura Clássica (estudo) de 1950 e duas placas explicativas:

Felícia Leirner, escrita por Frederico Morais, e Entre Razão e Emoção, escrita por Olívio

Tavares de Araújo. Assim sendo, pode-se descer por uma escada e chegar ao Auditório

Cláudio Santoro ou retornar e fazer o sentido inverso a partir da série Cruzes.

As duas placas mencionadas visam apresentar algumas questões ao visitante do

Museu. A primeira comenta mais especificamente sobre o Museu Felícia Leirner e sobre a

divisão proposta por Frederico Morais, autor da mesma, e a segunda visa apresentar um

breve panorama sobre museus monográficos no Brasil e sobre esculturas ao ar livre.

O posicionamento das placas é algo a ser questionado, já que estão localizadas perto

do Auditório Cláudio Santoro. Estas possuem a função de apresentar o local ao visitante,

porém ficam escondidas, na entrada menos acessada, em local oposto ao que é tido como

a entrada principal do parque de esculturas. Ou seja, sua localização não é estratégica, já

que a maioria dos visitantes provavelmente não as vê. Seria mais adequado elas estarem

fixadas em outro local do parque, na entrada próxima ao estacionamento, por exemplo.

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“Figura clássica (estudo)”, 1950 , e escadaria ao fundo. Fonte: foto nossa

No trajeto 04, veem-se obras dos anos 60. Umas das obras é Figura Arcaica II, de

1960. Esta peça possui uma história curiosa por ser uma exceção no acervo, sendo a única

em cimento armado sem estar pintada. Consta na placa de identificação como sendo de

cimento armado com ferro, mas aparentemente parece ser de granito. A obra está

quebrada, pois, segundo informado pelo serviço educativo do museu, uma árvore caiu

sobre a mesma há alguns anos.

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Felícia Leirner, Figura Arcaica II, 1960, Cimento armado, Acervo Museu Felícia Leirner. (Campos do Jordão, SP) Fonte: foto nossa

Seguindo, vemos algumas obras esparsas, Estruturações. Há aqui uma escada de

madeira que leva para uma tenda (palco externo do auditório), cuja construção foi

realizada na gestão de Mário Covas no Governo do Estado de São Paulo.

Assim, o caminho continua reto e apresenta alguns semicírculos em tijolo e cimento,

usados para expor algumas obras.

Obras e escadaria ao fundo que leva ao palco externo. Fonte: foto nossa

Subindo uma colina íngreme, pelo caminho 05, estão mais cinco obras que

apresentam características bem diferentes entre si, conforme podemos ver nas imagens

abaixo. Conforme já comentado na página 29, quatro delas são de predominância

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figurativa e uma delas, abstrata. Giselda, de 58, Figura II (Agar), Figura III (Meetabel) e

Figura I (Sákia), de 55/57 e Figura IV, de 58, a mais abstrata delas.

Fonte: foto nossa

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Há no Museu alguns desses espaços diferenciados, que formam semicírculos

construídos de tijolo aparente e cimento. Porém, não se pode afirmar que as obras

posicionadas nesses espaços possuam maior importância no conjunto em relação às

outras, que estão posicionadas em sua maioria em pedestais esparsos em meio ao

gramado.

O trajeto segue e, do lado esquerdo, há uma escada íngreme de dormentes,

caminho 06, que leva ao topo mais alto do parque, na colina onde estão as obras do

denominado Núcleo Paisagem Recortada, com a obra Horizonte, de 1982, em seu ponto

mais alto, e seguindo pelo lado direito do caminho há mais obras da fase orgânica,

incluindo as 6 obras da série Bichos, dos anos 70 e A Família, também de 1970. Assim, o

trajeto segue mais alguns metros, e se junta ao caminho pelo qual viemos no início,

levando o visitante de volta ao estacionamento.

Quem seguiu pela escada de dormentes pode descer a colina, passando por entre as

obras, até chegar ao estacionamento logo abaixo.

Vista do topo da colina, por trás da obra. Fonte: foto nossa

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Visão da colina com as esculturas. Fonte: foto nossa

Aqui frisamos que o trajeto iniciado pela parte direita não é acessível para visitantes

com dificuldades locomotoras, uma vez que os degraus da escadaria são lisos e em grande

número.

A obra Lua, de 1981 está perto da escada, e a obra Pássaro, de 1980, está mais

abaixo, em frente à entrada do auditório.

Foto da escadaria de acesso ao Auditório Cláudio Santoro. Fonte: foto nossa

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Dentro do auditório há uma rampa/escada que leva ao espaço para café e um

elevador que vem do piso de cima. Na cafeteria há um jardim de inverno com uma obra

menor da série Bichos, de 1970. Ao lado direito, está a sala de espetáculos propriamente

dita.

Recepção do auditório, com a cafeteria do lado esquerdo. Fonte: foto nossa

Saindo pela porta de trás do auditório, sobe-se uma escada e retorna-se ao Museu

Felícia Leirner.

A fauna e a flora estão sempre presentes, contornando as obras e perpassando o

caminho percorrido pelos turistas. Segundo entrevista realizada com o engenheiro

agrônomo João Amadeu Baroni, a vegetação de Campos do Jordão se distribui em dois

grandes tipos: a vegetação de mata e a vegetação campestre. De modo geral, ela se

apresenta profundamente modificada pela influência do homem.

De acordo com um folder informativo do museu, de autoria não informada, foi

realizado um estudo em 2011, a pedido da ACAM Portinari, que constatou que o local

apresenta uma rica diversidade biológica.

No que diz respeito à flora na área do museu, o estudo constatou que existem pelo

menos 100 espécies de plantas fanerógamas113. Algumas árvores medem cerca de 25

113 Fanerógamas são as plantas que produzem sementes, flores e frutos, onde os óvulos e o pólen são os gametas feminino e masculino, ou seja, as estruturas para reprodução são claramente visíveis. A Fanerógama possui duas divisões: Gimnospermas e Angiospermas. De http://tipos-de-plantas.info/mos/view/Fanerogamas:_Gimnospermas_e_Angiospermas/. Acessado em 28/04/2014.

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metros de altura, incluindo Araucárias, plantas típicas da região. Em respeito à fauna,

foram identificados neste mesmo estudo, cerca de 92 espécies de aves, 19 delas

endêmicas da Mata Atlântica, entre elas 3 espécies estão ameaçadas de extinção. Quanto

aos mamíferos, foram detectadas 10 espécies.

O contato direto das obras com a fauna, a flora e com a exposição ao clima aumenta

a necessidade de manutenção das mesmas.114 Em sua dissertação de mestrado sobre O

Estado de Conservação dos Monumentos Pétreos do Cemitério da Consolação em São

Paulo115, Luciane Kuzmickas comenta alguns dos principais fatores que degradam as peças

presentes naquele local. Tais observações podem ser empregadas em análise referente ao

Museu Felícia Leirner. Dentre alguns dos principais mecanismos de degradação das obras

de arte assinalados na dissertação de Luciane, que associamos ao museu, citamos: a

natureza dos materiais, que influenciam diretamente em sua durabilidade; a poluição

atmosférica; a colonização biológica, em especial a presença de mofo, bolor e outras

espécies de fungos; as condições climáticas, que são bastante variáveis em Campos do

Jordão; as características arquitetônicas do espaço, no caso referimo-nos também ao

paisagismo adotado no local, uma vez que o sombreamento ou não das peças também

altera suas características; o vandalismo e a falta de gerenciamento ou métodos

inadequados de conservação e restauro. Portanto, é necessária a conservação

permanente das peças presentes no jardim de esculturas.

Sobre a manutenção das obras no Museu Felícia Leirner, segundo consta no site da

ACAM Portinari,

“Em 2009, foi iniciado o projeto de restauro das obras do Museu Felícia Leirner, ao todo

foram revitalizadas 44 esculturas em bronze e 40 em cimento branco. A primeira etapa do

processo, conduzido pelo restaurador Júlio Moraes, contemplou as peças feitas em cimento, que

passaram por uma restauração estrutural, desde a manutenção do concreto armado até a pintura

com cal branca. Na segunda e última etapa, realizada em 2010, as obras em bronze tiveram suas

bases de tijolo trocadas por cimento aparente e foram polidas para recuperar o brilho. O acervo

114 Segundo depoimento de uma das monitoras do serviço de receptivo ao visitante do museu, as 24 obras que não estão expostas ao público provavelmente sofreram danos causados por intempéries, mas ela não sabe ao certo o que aconteceu com elas ou mesmo onde elas estão atualmente. 115 KUZMICKAS, Luciane. Estado de Conservação dos Monumentos Pétreos do Cemitério da Consolação, São Paulo. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em Mineralogia e Petrologia. Universidade de São Paulo, Instituto de Geociências. 2013.

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conta também com um projeto de conservação permanente para evitar que as peças se

desgastem excessivamente com a ação do tempo.

Com o restauro, o museu ganhou também um moderno projeto de identificação visual

com a implantação de um totem sinalizando o início do seu perímetro e textos informativos sobre

a artista Felícia Leirner e a criação da instituição, além da descrição dos trabalhos realizados pela

artista. Como parte do projeto, cada escultura recebeu uma placa acrílica transparente,

informando título da obra, ano de criação, material utilizado e uma cor – rosa, azul, verde,

vermelho e amarelo – que indica a qual fase da artista cada obra pertence”.116

Segundo informado por Bruno Marinho, um dos monitores do museu, a equipe de

restauro de Júlio Moraes visita o local em períodos de cerca de três em três meses. No

bronze usam produtos específicos para sua conservação e também pintam as obras de

cimento branco.

O espaço expositivo de um museu ao ar livre é complexo, e difere do espaço

tradicional de exposição, inerente à maior parte dos museus e galerias de arte. Trata-se de

um “museu sem paredes”, onde, portanto, o espaço expositivo é alterado para uma nova

ordem. Em um museu, como o de Felícia Leirner, o acervo é permanente e fixo, portanto,

não existe alteração no espaço para o posicionamento das peças. A maior alteração que

cabe ressaltar é referente à natureza circundante das obras, pois conforme a estação do

ano, notam-se variações nas plantas que compõem as trilhas do local. O espaço do museu

constitui-se basicamente de trilhas de cimento em meio à vegetação e às obras, e de

placas explicativas, já comentadas. Os visitantes podem caminhar pelas alamedas e

passarelas, e inclusive andar por sobre a grama dos jardins, em um contato direto com a

natureza.

Frisamos também que, segundo informado pelo receptivo ao visitante, há a

pretensão de se construir uma área de arquivo e reserva técnica no local, porém ainda

não há data definida para sua construção. Apesar dos avanços recentes, em muitos

museus ainda vemos a óptica antiga, pertencente a tradições advindas do século XIX, que

por vezes parecem incoerentes num mundo cada vez mais plural. A atividade museológica

envolve uma gama de saberes em processo contínuo de exploração e criação, com um

116 ACAM Portinari. http://acamportinari.org/revitalizacoes/. Acessado em 10/06/2014.

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intenso diálogo para com a sociedade onde se insere. O Museu Felícia Leirner é visitado

por diversos turistas que frequentam a cidade, poder-se-ia, portanto, agregar maior

interatividade entre o visitante e a obra. Como, por exemplo, disponibilizando-se para

consulta dos visitantes livros e artigos referentes à vida e à obra de Felícia Leirner e sua

relação com o cenário artístico paulistano, bem como sua importância para a cidade de

Campos do Jordão.

Em artigo escrito pela própria Felícia Leirner para o jornal Folha de São Paulo em 11

de Junho de 1992, a artista, já com 88 anos, comentou:

“Metade de minha obra foi feita em Campos do Jordão, onde vivi 20 anos. Era uma casa

pequena, que fui reformando e ampliando. E trabalhava, sempre, nas esculturas, deixando o

bronze e adotando o cimento, fiel à filosofia segundo a qual não importa o material.

Foram 20 anos de trabalho exclusivo. Não viajei, vivi com meus sonhos, minha angústia e

solidão, com as janelas abertas e muita música. Como Proust, tranquei-me e me dediquei ao

trabalho. Minha vida era em casa ou no auditório, onde construía o museu.

No parque no qual se encontram minhas esculturas eu também me encontro. Entre

árvores, sentindo as raízes em movimento sob a terra, os longos galhos a me abraçar, quis

também abraçar as árvores e com esculturas as emoldurei.

Vou sempre a Campos. A última vez foi há dois meses. A natureza é lindíssima, mas não foi

respeitada. Cortaram a montanha e fizeram apartamentos, descaracterizando a região”.117

Angélica de Morais conta que a artista passou os últimos anos de vida em um

confortável apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo – SP.118 E Felícia

comenta:

“Mudei de lugar. Cidade grande. São Paulo. Janelas grandes, noites azuis, milhares de

estrelas e eu só posso querer contá-las sem jamais conseguir. Mas o que posso sempre é sonhar,

até um dia com as estrelas me fundir e deixar os sonhos para os que gostam de sonhar.”119

Felícia faleceu em 1996.

117

LEIRNER, Felícia. Natureza da região não foi respeitada. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 11/06/1992. 118 GUINSBURG, Jaco; KON, Sergio (orgs.). Felícia Leirner - textos poéticos e aforismos. São Paulo, SP. Editora Perspectiva. 2014. P. 13 119 Id. ibid. P. 21.

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Considerações Finais

O cerne da presente investigação consistiu na análise algumas das obras de Felícia

Leirner localizadas no parque de esculturas que leva seu nome, em Campos do Jordão –

SP. Este apresenta 84 de suas obras, todas ao ar livre, e é um local visitado tanto por

turistas quanto pela população local da cidade.

A proposta curatorial desenvolvida por Frederico Morais para um local aonde antes

as obras posicionavam-se de maneira aleatória deu-se no final dos anos 1980, com o

projeto culminando no desenvolvimento do livro Felícia Leirner: arte como missão em

1991. Creio que podemos fazer uma diferenciação entre a leitura de Frederico Morais em

relação ao conjunto da obra de Felícia e o projeto curatorial por ele desenvolvido no

museu. A meu ver, embora Morais tenha analisado a obra da artista com vistas a

apresentá-la em fases estanques, que dificultam uma compreensão mais aprofundada do

fluxo de seu desenvolvimento, sua proposta foi importante para o museu, uma vez que

ajuda a situar o público leigo visitante do local. Ou seja, ao mesmo tempo que o modelo

de divisão adotado por Morais pode limitar o pensamento e a reflexão no que tange ao

desenvolvimento do trabalho de Felícia Leiner, ele apresenta ao visitante do museu, em

sua maioria composto por turistas que estão a passeio na cidade, questões formais

referentes à trajetória da artista.

O que faz do Museu um parque e não um museu propriamente dito é justamente

essa ausência de elementos maiores no que concerne questões museológicas. A

instituição não apresenta reserva técnica ou biblioteca, por exemplo.

Durante esta pesquisa, algumas dificuldades se fizeram sentir, sendo a falta de

material bibliográfico a principal delas. Afinal, a bibliografia que trata da escultura

moderna no Brasil não é extensa e também não foram encontradas outras fontes que

explorassem com maior profundidade o tema parque de esculturas em um contexto

nacional. As poucas fontes sobre o assunto pertencem ao cenário norte-americano.

Existem poucas publicações diretamente relacionadas à vida e à obra de Felícia

Leirner. Podemos mencionar como fontes importantes para esta pesquisa o livro de

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Frederico Morais, Felícia Leirner: a arte como missão e o livro Felícia Leirner - textos

poéticos e aforismos, organizado por Jaco Guinsburg e Sergio Kon, que fora lançado em

2014.

Realizamos duas visitas ao Museu Felícia Leirner, uma em 2013 e outra em 2014 e

notamos que o parque apresentou melhoras, em especial por contar agora com o serviço

de receptivo ao visitante, ainda inexistente em minha primeira visita. Segundo informado

pelos monitores do serviço, há a intenção, por parte da diretoria do Museu, de instalar

uma reserva técnica, porém ainda é um projeto sem data definida para ser iniciado.

Entramos em contato por email com a gerência do Museu e também com um dos

filhos de Felícia, o artista plástico Nelson Leirner, porém até o presente momento não

obtivemos resposta. A pesquisa no Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal de

São Paulo, na Biblioteca Walter Wey da Pinacoteca do Estado de São Paulo, na Biblioteca e

Centro de Documentação do MASP e na biblioteca do MAM de São Paulo foram as mais

relevantes, onde pudemos encontrar a maior parte da documentação aqui presente.

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Referências Bibliográficas

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TESES E DISSERTAÇÕES:

KUZMICKAS, Luciane. Estado de Conservação dos Monumentos Pétreos do Cemitério da Consolação, São Paulo. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em Mineralogia e Petrologia. Universidade de São Paulo, Instituto de Geociências. 2013.

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MoMA - http://www.moma.org/ Museologia - http://tetraktys.wikispaces.com/Manual+do+Museu Museu Felícia Leirner – http://www.museufelicialeirner.org.br/ Net Campos - http://www.netcampos.com/ Noguchi Museum - http://www.noguchi.org/ Oficina Brennand - http://www.brennand.com.br/oficina.php Pinacoteca do Estado de São Paulo - http://www.pinacoteca.org.br/ Prefeitura Municipal de Brusque – SC - http://www.brusque.sc.gov.br Seade - https://www.seade.gov.br Tate Gallery - http://www.tate.org.uk/ Tipos de Plantas - http://tipos-de-plantas.info/ Victor Brecheret - http://www.brecheret.com.br/ Wikipedia – www.wikipedia.com/ Yorkshire sculpture park - http://www.ysp.co.uk/

ARTIGOS DE JORNAL:

Mulheres que se destacaram em 1963 nas artes plásticas. O Estado de São Paulo, 27/12/1963. Sobre os valores da escultura de Felícia. O Estado de São Paulo, 02/04/1961. ALMEIDA, Sérgio Pinto de. As esculturas de Felícia Leirner mudam de jardim. Folha de São Paulo, 10/03/1979. AMARANTE, Leonor. Escultura brasileira, marginal nas artes plásticas? O Estado de São Paulo. São Paulo, SP. 25/06/1978. AMATO, Fábio. Campos do Jordão vai orientar turistas sobre gripe suína. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 02/07/2009. ABRAMO, Radhá. Indagação ao longo de 30 anos. Folha de São Paulo, 10/03/1979. Contrato de Doação de Obras de Arte para Campos do Jordão, publicado no Diário Oficial em 13 de Julho de 1978. Do correspondente em São José dos Campos. Museu Felícia Leirner com mais 21 peças. O Estado de São Paulo, 27 de Maio de 1982. ERNESTO, Luiz. Felícia Leirner: doação e homenagem em C. Jordão. A Tribuna. Santos, SP. 06/08/1978. FLUSSER, Vilém. O avanço da industrialização. Suplemento Literário, Estado de são Paulo, sd. LEIRNER, Felícia. Natureza da região não foi respeitada. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 11/06/1992 TOIPHE, Tania Maria. “Prêmio Leirner”, a marca de uma época. Folha de São Paulo. São Paulo, SP. 10/03/1981.