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O poeta e a cidade, W. H. Auden O Poeta & a Cidade W.H. Auden Tradução de Carlos Felipe Moisés Publicado pela primeira vez em The Dyer’s Hand & Other Essays (1962), “The Poet & the City” sumariza, com amargura e ironia, e mal contida emoção, o pensamento de Wystan Hugh Auden (1907-1973) a respeito do papel humanizador da poesia no mundo moderno, um mundo que Auden – nascido britânico, naturalizado norte-americano – foi sendo levado a enxergar, ao longo de sua atribulada existência, como cada vez mais esvaziado de valores verdadeiramente humanos. Quase cinquenta anos passados, o precioso e polêmico ensaio não só ilumina algumas das controvertidas posições assumidas pelo poeta, principalmente depois que trocou a Europa pelos EUA, no início da II Guerra, como revela surpreendente atualidade, podendo provocar, ainda hoje, algo da perplexidade e da apreensão (das concordâncias e discordâncias) que despertou em seus contemporâneos. Mas há uma sensível diferença. Ao evocar, a propósito do embate entre liberdades e necessidades, o que tinha sido o mundo humano cinquenta anos antes do tempo que lhe coube viver, Auden parece encontrar algum conforto e alguma esperança. C.F.M. …Admitamos que ser tudo é ser alguma coisa, ou concedamo-nos o benefício da dúvida. William Empson Há pouco ou nada a ser lembrado por escrito a propósito do tema ‘levar uma vida honesta’. Nem o Novo Testamento nem o Poor Richard nos tocam de perto. Ninguém deveria imaginar que, em se tratando de literatura, essa questão tenha jamais perturbado os devaneios de um indivíduo solitário. H.D. Thoreau É espantoso que tantos jovens, de ambos os sexos, quando indagados sobre o que pretendem fazer na vida, não

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O poeta e a cidade, W. H.Auden

O Poeta & a Cidade

W.H. Auden

Traduo de Carlos Felipe Moiss

Publicado pela primeira vez emThe Dyers Hand & Other Essays(1962), The Poet & the City sumariza, com amargura e ironia, e mal contida emoo, o pensamento de Wystan Hugh Auden (1907-1973) a respeito do papel humanizador da poesia no mundo moderno, um mundo que Auden nascido britnico, naturalizado norte-americano foi sendo levado a enxergar, ao longo de sua atribulada existncia, como cada vez mais esvaziado de valores verdadeiramente humanos. Quase cinquenta anos passados, o precioso e polmico ensaio no s ilumina algumas das controvertidas posies assumidas pelo poeta, principalmente depois que trocou a Europa pelos EUA, no incio da II Guerra, como revela surpreendente atualidade, podendo provocar, ainda hoje, algo da perplexidade e da apreenso (das concordncias e discordncias) que despertou em seus contemporneos. Mas h uma sensvel diferena. Ao evocar, a propsito do embate entre liberdades e necessidades, o que tinha sido o mundo humano cinquenta anos antes do tempo que lhe coube viver, Auden parece encontrar algum conforto e alguma esperana.

C.F.M.Admitamos que ser tudo ser alguma coisa, ou concedamo-nos o benefcio da dvida.

William Empson

H pouco ou nada a ser lembrado por escrito a propsito do tema levar uma vida honesta. Nem o Novo Testamento nem o Poor Richard nos tocam de perto. Ningum deveria imaginar que, em se tratando de literatura, essa questo tenha jamais perturbado os devaneios de um indivduo solitrio.

H.D. Thoreau espantoso que tantos jovens, de ambos os sexos, quando indagados sobre o que pretendem fazer na vida, no deem nem uma resposta sensata como Quero ser advogado, dono de estalagem, fazendeiro, nem uma resposta romntica como Quero ser explorador, piloto de corrida, missionrio, o Presidente dos Estados Unidos. Um nmero surpreendentemente grande desses jovens diz Quero ser escritor, e por escrever entendem criao literria. Ainda quando dizem Quero ser jornalista porque alimentam a iluso de que, nessa profisso, estaro aptos a criar; ainda que seu desejo legtimo seja fazer dinheiro, eles escolhero uma carreira subliterria, bem remunerada, como Publicidade.Entre esses escritores em perspectiva, a maioria no tem nenhum verdadeiro dom literrio. Isto em si no surpreende; no nada comum um dom verdadeiro, em qualquer ocupao. O surpreendente que to alta porcentagem dos que carecem de talento verdadeiro para qualquer profisso encarem o escrever como soluo. Seria de esperar que alguns imaginassem ter talento para medicina ou engenharia e assim por diante, mas no o que se d. Em nossa poca, se um jovem for desprovido de talento, boas chances haver de que imagine vir a ser escritor. (Existem, sem dvida, muitos sem talento algum para representar e que no obstante sonham tornar-se astros de cinema, mas estes foram pelo menos contemplados pela natureza com um rostinho e uma figura razoavelmente atraentes.)Ao aceitar e defender a instituio social da escravido, os gregos mostraram ter um corao mais duro que o nosso, mas uma cabea mais clara; eles sabiam que o trabalho em si escravido, e que nenhum homem pode sentir orgulho pessoal em ser um operrio. Um homem pode orgulhar-se de ser um trabalhador, ou seja, algum que fabrica objetos durveis, mas, em nossa sociedade, o processo de fabricao foi to racionalizado, em prol da velocidade, da economia e da quantidade, que o papel desempenhado pelo indivduo numa fbrica tornou-se nfimo demais para ser significativo para ele, no trabalho, e praticamente todos os trabalhadores foram reduzidos a operrios. simplesmente natural, portanto, que as artes, que no podem ser racionalizadas desse modo o artista ainda responsvel por aquilo que faz , exeram forte fascnio sobre aqueles que, carentes de qualquer talento verdadeiro, temam, com justificada razo, que todas as suas expectativas se resumam a uma vida inteira de trabalho esvaziado de significado. Esse fascnio no se deve natureza da arte, em si, mas ao modo como o artista trabalha: em nossa poca, s o artista, e pouca gente mais, seu prprio senhor. A ideia de ser o seu prprio senhor atrai a maior parte dos seres humanos e isso conduz fantasiosa esperana de que a capacidade para a criao artstica seja universal, algo ao alcance de todas as criaturas humanas, no em virtude de algum talento especial, mas de sua humanidade: se tentarem, conseguiro.At recentemente, um homem se orgulhava de no precisar ganhar seu prprio sustento e se envergonhava de ser obrigado a faz-lo; hoje, que homem ousaria descrever-se, ao preencher um formulrio para obteno de passaporte, comoGentleman, ainda que de fato vivesse de rendas e no tivesse emprego? Hoje, a pergunta O que voc faz? significa Como voc ganha seu sustento?. Em meu passaporte, sou descrito como Escritor, o que no chega a ser um embarao, quando lido com autoridades, porque a imigrao e as aduanas sabem que alguns tipos de escritor ganham muito dinheiro. Mas quando um estranho, no trem, me pergunta por minha ocupao, nunca respondo escritor, com receio de que ele prossiga e me pergunte sobre o que escrevo; responder poesia nos deixaria igualmente embaraados, pois ambos sabemos que ningum capaz de ganhar seu sustento simplesmente escrevendo poesia. (A resposta mais satisfatria que j me ocorreu, satisfatria porque faz murchar a curiosidade, dizer Historiador Medievalista.)Alguns escritores, at mesmo alguns poetas, tornam-se figuras pblicas notrias, mas os escritores, enquanto tais, no tmstatussocial, no do mesmo modo como os doutores e advogados, famosos ou obscuros, o tm.H duas razes para isso. Primeiro, as assim chamadas belas artes perderam a utilidade social que um dia tiveram. Desde a inveno da imprensa e a expanso da alfabetizao, o verso no tem mais utilidade como expediente mnemnico, esse apetrecho por meio do qual o conhecimento e a cultura so legados de uma gerao a outra; assim tambm, desde a inveno da fotografia, o desenhista e o pintor no so mais necessrios para prover documentao visual. Tais ocupaes, consequentemente, tornaram-se artes puras, ou seja, atividades gratuitas. Segundo, em uma sociedade governada por valores adstritos ao Trabalho (a Amrica capitalista talvez seja mais completamente governada por esses valores do que a Rssia comunista), o gratuito no mais encarado a maior parte das culturas antigas pensava de outro modo como sagrado, para o Homem Operrio; o lazer deixou de ser sagrado, passou a ser s uma pausa no trabalho, um tempo para o relaxamento e os prazeres do consumo. Assim sendo, quando tal sociedade pensa no gratuito, caso o faa, sempre para coloc-lo sob suspeita artistas no trabalham, portanto provavelmente so uns parasitas preguiosos; ou, na melhor das hipteses, encara-o como trivialidade escrever poesia ou pintar um incuo passatempo privado.Em matria de artes puramente gratuitas poesia, pintura, msica , nosso sculo, creio, no tem por que se envergonhar de suas realizaes, e no que tange fabricao de artigos puramente teis e funcionais, como aeronaves, represas, instrumentos cirrgicos, nossa era ultrapassa todas as precedentes. Mas sempre que se d a tentativa de combinar o gratuito com o til, para fabricar algo que venha a ser ao mesmo tempo funcional e belo, nossa era falha redondamente. Nenhuma poca anterior criou nada to abominvel como um automvel, um abajur, um edifcio, dos comuns, seja para uso privado ou pblico. O que poderia ser mais aterrador que um moderno edifcio de escritrios? Tal monstruosidade parece dizer, aos escravos de colarinho branco que ali labutam: Para o trabalho em nossa poca, o corpo humano bem mais complicado do que necessitaria ser: voc teria um desempenho melhor e seria mais feliz se o seu corpo fosse simplificado.Nos pases afluentes de hoje, graas s altas taxas de rendaper capita, ao tamanho diminuto das casas e escassez de criados domsticos, existe uma arte na qual ns provavelmente suplantamos todas as sociedades que jamais existiram: a arte de cozinhar. ( a nica arte encarada pelo Homem Operrio como sagrada.) Se a populao mundial continuar a crescer nas taxas atuais, essa glria cultural ter vida curta, e pode bem ser que os futuros historiadores olharo com nostalgia para os anos 1950-1975, como a Idade de Ouro da cozinha. difcil imaginar umahaute cuisinebaseada em algas e em grama quimicamente tratada.Um poeta, um pintor ou um msico deve aceitar, em arte, o divrcio entre o gratuito e o til, pois, caso se rebele, corre o risco de cair em erro.Se Tolstoi, quando escreveuO que arte?,tivesse ficado satisfeito com a proposio Quando o gratuito e o til se divorciam um do outro, no pode haver arte, algum poderia ter discordado, mas ele no teria tido dificuldade em refutar. Por outro lado, ele relutaria em dizer que, se Shakespeare e ele prprio no fossem artistas, no haveria arte moderna. Em vez disso, ele tentou persuadir-se de que a utilidade em si, uma utilidade espiritual, quem sabe, ou ainda a utilidade sem gratuidade, era suficiente para produzir arte, e isso o compeliu a ser desonesto, fazendo-o louvar obras que, esteticamente, deveria ter desprezado. A noo deart engage de arte como propaganda so extenses dessa heresia, e quando poetas descambam para isso eu receio que a causa seja menos sua conscincia social do que sua vaidade; eles sentem nostalgia de um passado em que poetas tinhamstatuspblico. A heresia oposta consiste em dotar o gratuito de uma utilidade mgica, para que o poeta chegue a pensar em si como um deus, que cria seu universo subjetivo a partir do nada; para tais poetas, o universo material visvelnada. Mallarm, que planejou escrever o livro sagrado de uma nova religio universal, e Rilke, com sua noo deGesang ist Dasein, so heresiarcas dessa espcie. Ambos eram gnios, mas, por muito que sejam e devam ser admirados, a impresso em ltima instncia deixada por suas obras de algo falso e irreal. o que afirma Erich Heller, a respeito de Rilke:Na grande poesia da tradio europeia, as emoes no interpretam, apenas respondem a um mundo interpretado; j na poesia rilkeana da maturidade, as emoes interpretam e em seguida respondem sua prpria interpretao.Em todas as pocas, os meios educacionais se limitam quelas atividades e hbitos comportamentais que determinada sociedade considera importantes. Em uma cultura como a de Gales, na Idade Mdia, que encarava os poetas como socialmente importantes, um poeta em perspectiva, assim como um dentista em perspectiva em nossa prpria cultura, era submetido a um treinamento sistemtico, s sendo admitido no rol dos poetas depois de haver atingido um elevado padro de proficincia.Em nossa cultura, um poeta em perspectiva precisa autoeducar-se: ele pode at frequentar uma escola ou uma universidade de primeira linha, mas isso s contribuiria para sua educao potica por acidente, no em razo de um projeto. Isso tem sua contrapartida: boa parte da poesia moderna, ainda no que tem de melhor, mostra justamente a oscilao de gosto, a irritabilidade e o egosmo que os autodidatas to frequentemente exibem.Uma metrpole pode ser um lugar esplndido onde um artista maduro deseje viver, mas, a no ser que seus pais sejam muito pobres, um lugar perigoso para o desenvolvimento de um artista em perspectiva, pois este ser confrontado, muito cedo, com uma dose excessiva do que h de melhor. como ter uma relao com uma bela e sbia mulher, vinte anos mais velha; muito frequentemente, o destino do apaixonado ser o mesmo de Chri.Em meu sonho acordado de uma Escola para Poetas, o currculo seria como segue:1) Alm do ingls, seriam exigidas pelo menos uma lngua antiga, provavelmente grego ou hebraico, e duas lnguas modernas.2) Milhares de versos nessas lnguas seriam aprendidos de cor.3) A biblioteca no teria livros de crtica literria e o nico exerccio crtico exigido dos estudantes seria escrever pardias.4) Seriam exigidos, de todos os estudantes, cursos de prosdia, retrica e filologia comparada, e todos precisariam escolher trs cursos entre matemtica, histria natural, geologia, meteorologia, arqueologia, mitologia, liturgia e culinria.5) Todo estudante seria obrigado a cuidar de um animal domstico e a cultivar um pequeno jardim.Um poeta no deve apenas autoeducar-se, como poeta, mas tambm decidir como espera ganhar seu sustento. Em termos ideais, ele deve ter uma ocupao que de modo algum envolva a manipulao de palavras. Houve um tempo em que, s crianas em treinamento para serem rabis, ensinava-se tambm alguma habilidade manual. Assim tambm, caso suspeitassem que seu menino poderia tornar-se um poeta, a melhor coisa que os pais teriam a fazer seria inscrev-lo, o mais cedo possvel, em algum Liceu de Artes e Ofcios; infelizmente, como no possvel saber dessas coisas com antecedncia, quando chegasse idade de vinte e um, e exceto em casos muito raros, a nica ocupao no-literria para a qual o ex-menino poeta estaria apto seria algum trabalho braal, no qualificado. Para ganhar seu sustento, os poetas precisam escolher entre ser tradutor, professor, jornalista ou redator de publicidade e todas essas ocupaes, exceto a primeira, podem ser francamente danosas para sua poesia, sendo que nem a traduo chegar a livr-lo de viver uma vida muito exclusivamente literria.Existem quatro aspectos bsicos, naWeltanschauungvigente em nosso tempo, que tornaram mais difcil do que costumava ser a realizao de uma vocao artstica.1)A perda da crena na eternidade do universo fsico. A possibilidade de se tornar um artista, ou um indivduo fazedor de coisas que devam perdurar para alm de sua prpria vida, talvez jamais ocorresse ao homem, se este no tivesse diante dos olhos, em contraste com a transitoriedade da vida humana, um universo de coisas terra, oceano, cu, sol, lua, estrelas etc. que pareciam perenes e imutveis.A fsica, a geologia e a biologia, hoje, substituram esse universo perene por uma imagem da natureza como processo, em razo do qual nada , agora, o que foi antes ou o que ser em seguida. Hoje, o cristo e o atesta so, por igual, escatologicamente orientados. difcil, para um artista moderno, acreditar que possa produzir um objeto durvel, j que no dispe de um modelo de durabilidade ao qual possa apegar-se; mais do que seus predecessores, o artista moderno tentado a desistir da busca da perfeio, que ele considera perda de tempo, e isso o leva a se satisfazer com rascunhos e improvisaes.2)A perda da crena na significao e na realidade dos fenmenos sensoriais. A perda tem sido progressiva, desde Lutero, que negou toda relao inteligvel entre a subjetividade da F e a objetividade das Obras, e desde Descartes, com sua doutrina das qualidades primrias e secundrias. At ento, a concepo tradicional do mundo fenomnico tinha constitudo uma das analogias sacramentais; o que os sentidos percebiam era um sinal, exterior e visvel, do interior e invisvel, mas ambos eram tidos como reais e valiosos. A cincia moderna destruiu nossa f na observao ingnua dos sentidos: no podemos ela nos diz sequer saber como o universo fsicorealmente; podemos quando muito ater-nos a qualquer noo subjetiva, adequada ao especfico propsito humano que tenhamos em vista.Isso destri a tradicional concepo deartecomomimesis, uma vez que no existe mais uma natureza a fora, para ser fielmente ou distorcidamente imitada; tudo a que um artista pode serfiel s suas sensaes e sentimentos subjetivos. A mudana de atitude j pode ser notada no comentrio de Blake a respeito de pessoas que veem o sol como um disco dourado, do tamanho de uma moeda, enquanto o que ele v uma hstia, a gritarSagrado,Sagrado,Sagrado. O que significativo, a esse propsito, que Blake, assim como os newtonianos, que ele odiava, aceita a diviso entre o fsico e o espiritual, mas, em oposio a estes, encara o universo material como a residncia de Sat, o que, portanto, no confere valor algum ao que seus olhos fsicos veem.3)A perda da crena em uma norma de natureza humana capaz de garantir que o homem sempre se sinta em casa no mundo por ele criado. At a Revoluo Industrial, o modelo de vida humana mudou to lentamente que cada homem, pensando em seus bisnetos, podia imagin-los como pessoas vivendo a mesma espcie de vida, com a mesma espcie de necessidades e satisfaes que ele vivia. A tecnologia, com sua cada vez mais acelerada transformao do modo humano de viver, tornou impossvel, para ns, imaginar como ser a vida sequer daqui a vinte anos.Mais ainda, at recentemente, os homens conheciam mal e tinham escasso interesse por culturas muito distantes de seu tempo e espao; nossos antecessores entendiam por natureza humana a espcie de comportamento comum em sua prpria cultura. A antropologia e a arqueologia destruram essa noo provinciana; sabemos hoje que a natureza humana to flexvel que pode exibir uma variedade de comportamentos que, no reino animal, s seriam encontrveis em espcies diferentes.O artista, consequentemente, ao produzir alguma coisa, no tem mais nenhuma segurana de que sequer a prxima gerao vai consider-la desfrutvel ou compreensvel. E no o ajudar em nada ambicionar sucesso imediato, em razo de toda a ameaa sua integridade implicada em tal ambio.O fato de termos agora, nossa disposio, as artes de todas as pocas e culturas mudou completamente o sentido da palavra tradio, que j no significa mais o modo como um legado transmitido de uma gerao a outra; o sentido de tradio, hoje, significa certa conscincia da totalidade do passado como presente e, no obstante, ao mesmo tempo, como um todo estruturado, cujas partes se relacionam entre si, em termos de antes e depois. Originalidade no significa mais uma ligeira modificao no estilo dos predecessores imediatos, mas a capacidade de encontrar em alguma obra, de qualquer tempo e lugar, a chave que permita ao artista desenvolver sua voz autntica. O fardo da escolha e da seleo recai inteiramente sobre os ombros de cada poeta individual, e um fardo pesadssimo.4)O desaparecimento da Esfera Pblica como dimenso reveladora das aes pessoais. Para os gregos, a Esfera Privada era a dimenso da vida regida pela necessidade de preserv-la, e a Esfera Pblica, a dimenso de liberdade, em que um homem podia abrir-se aos outros. Hoje, o significado dos termos privado e pblico inverteu-se; vida pblica a imposio de uma vida impessoal, o lugar onde um homem cumpre sua funo social, e em sua vida privada que ele livre para assumir seu prprio eu.Em consequncia, as artes, em particular a literatura, perderam seu assunto humano tradicional e primordial: o homem de ao, o cumpridor de atos pblicos.O advento da mquina destruiu a relao direta entre a inteno de um homem e seus atos. Caso se encontre frente a frente com o drago, e espete uma lana em suas entranhas, So Jorge poder dizer, legitimamente, Eu matei o drago, mas se, de uma altura de sete mil metros, ele lanar sobre o drago uma bomba, embora sua inteno mat-lo seja a mesma, seu ato consistir apenas em pressionar uma alavanca; a bomba, e no So Jorge, que matar o drago.Se, sob o comando do Fara, dez mil de seus sditos labutarem por cinco anos para drenar os pntanos, isto significar que ele detm a lealdade pessoal de um nmero suficiente de homens que lhe permita certificar-se de que suas ordens sero executadas; da mesma forma, se seu exrcito se rebelar, ele ser impotente. Mas se o Fara puder ter seus pntanos drenados em seis meses, por uma centena de homens pilotando mquinas de terraplenagem, a situao mudar. Ele ainda necessitar de alguma autoridade, para persuadir uma centena de homens a pilotar seus trambolhos, mas isso tudo: o resto do trabalho ser executado por mquinas que no sabem nada de lealdade ou medo; e se seu inimigo, Nabucodonosor, apossar-se delas, essas mesmas mquinas trabalharo to eficientemente aterrando os canais como trabalharam escavando-os. Hoje possvel imaginar um mundo no qual o nico trabalho humano, em projetos similares, ser cumprido por um mero punhado de homens operando computadores. extremamente difcil, nos dias de hoje, recorrer a figuras pblicas como tema de poesia, porque o mal e o bem que elas realizem depende menos de seus caracteres e intenes do que da quantidade de fora impessoal sua disposio.Todo poeta ingls ou norte-americano concordar em que Winston Churchill uma figura mais admirvel que Charles II, mas todos sabem que no poderiam escrever um bom poema sobre Churchill, ao passo que Dryden no teve dificuldade em escrever um bom poema sobre Charles. Para escrever um bom poema sobre Churchill, o poeta precisaria conhec-lo na intimidade e o poema trataria do homem, no do Primeiro Ministro. Toda tentativa de escrever sobre pessoas ou eventos, por importantes que sejam, aos quais o poeta no esteja intimamente ligado, de modo pessoal, se v hoje condenada ao malogro. Yeats pde escrever alta poesia sobre a Turbulncia na Irlanda porque conhecia pessoalmente a maior parte dos protagonistas, e os lugares onde os eventos ocorreram lhe eram familiares desde a infncia.Os verdadeiros homens de ao, em nosso tempo, aqueles que transformam o mundo, no so nem os polticos nem os estadistas, mas os cientistas. Infelizmente, a poesia no pode celebr-los, porque suas aes dizem respeito a coisas, no a pessoas, e so, portanto, indizveis.Quando me vejo na companhia de cientistas, sinto-me como um proco ordinrio, extraviado por engano em uma sala de visitas repleta de duques.O crescimento em tamanho das sociedades e o desenvolvimento dos meios de comunicao de massa criaram um fenmeno social desconhecido do mundo antigo, essa peculiar espcie de multido que Kierkegaard chama o Pblico:O pblico no nem uma nao nem uma gerao, nem uma comunidade nem uma sociedade, nem os homens particulares que o compem, pois tudo isso apenas o que eles so em termos concretos; nenhum individuo singular, pertencente ao pblico, assume um real comprometimento; durante algumas horas do dia, ele talvez pertena ao pblico, em momentos nos quais no nada alm disso, mas quando realmente o que , j no faz parte do pblico. Formado de tais entes, nos momentos em que estes no so nada, o pblico uma espcie de coisa qualquer, gigantesca, um abstrato e rido vcuo, que tudo e nada.O mundo antigo conheceu o fenmeno da multido, no sentido em que Shakespeare usa a palavra, a visvel aglomerao de grande nmero de indivduos humanos num limitado espao fsico, que a oratria demaggica pode casualmente transformar em turba, vindo esta a se comportar de um modo de que nenhum de seus membros seria capaz, por si s, e esse fenmeno, claro est, tambm o conhecemos. Mas Pblico outra coisa. Um estudante no metr, na hora dorush, cuja mente esteja concentrada em um problema matemtico ou em sua namorada, faz parte da multido mas no do pblico. Para se integrar ao pblico, no necessrio que um homem se fixe em determinado ponto; basta sentar-se, em casa, e abrir um jornal ou ligar a TV.Um homem tem um peculiar odor pessoal, que sua mulher, seus filhos e seu cachorro so capazes de reconhecer. A multido tem um fedor generalizado. O pblico inodoro.A turba ativa: esmaga, mata e se autossacrifica. O pblico passivo ou, quando muito, curioso: no mata nem se sacrifica; lana os olhos, ou olha sem ver, enquanto a turba lincha um Negro ou a polcia despacha Judeus para as cmaras de gs.O pblico o menos exclusivo dos clubes; qualquer um, rico ou pobre, diplomado ou analfabeto, simptico ou grosseiro, pode-se filiar a ele: o pblico tolera at mesmo a pseudorrevolta contra si, isto , a formao de panelinhas no seu interior.Em multido, uma paixo como a raiva ou o terror altamente contagiosa; cada indivduo excita os demais, de modo que a paixo aumenta em progresso geomtrica. Mas entre os integrantes do Pblico no existe contato; caso dois deles se encontrem e se falem, a funo de suas palavras no ser comunicar algum sentido ou despertar paixo, mas disfarar, por meio do rudo andino, o silncio e a solido do vazio no qual o Pblico existe.Ocasionalmente, o Pblico se corporifica em multido e ento se faz visvel na aglomerao, por exemplo, que se materializa para assistir a um grupo de vndalos que destri a casa dos velhinhos, sob o fascnio de mais uma demonstrao de que a fora fsica o Prncipe deste mundo, contra quem nenhum corao bem intencionado poder prevalecer.Antes que o fenmeno do Pblico se manifestasse na sociedade, houve arte ingnua e arte sofisticada, que eram diferentes uma da outra apenas na medida em que dois irmos diferem entre si. A corte ateniense pode sorrir diante da encenao mecnica de Pramo e Tisbe, mas no deixa de reconhec-la como encenao. Poesia cortes e poesia folclrica eram irmanadas por um lao comum: ambas eram feitas mo e concebidas para durar; a balada mais primitiva era to elaborada como o soneto mais esotricoO aparecimento do Pblico e dos meios de comunicao de massa, ao se acercarem dela, destruram a arte popular ingnua. O artista intelectual, pretensamente sofisticado, sobrevive e ainda consegue trabalhar, como o fazia mil anos atrs, porque sua platia pequena demais para atrair os meios de comunicao de massa. Mas a platia do artista popular maioria, e esta os meios de comunicao precisam roubar dele, caso contrrio iro falncia. Da resulta que, parte uma ou outra forma de comdia, a nica arte, hoje, a pretensamente sofisticada. O que os meios de comunicao oferecem no arte popular, mas entretenimento, destinado a ser consumido como uma refeio ligeira, logo esquecida e substituda por um prato novo. Isso mau para todos; a maioria perde o gosto genuno, inerente a cada um, e a minoria se transforma em esnobes da cultura.As duas caractersticas que tornam possvel para um historiador dividir a histria da arte em perodos so, primeiro, um estilo de expresso comum, em dado momento, e, segundo, uma noo comum, explcita ou implcita, de heri, isto , o indivduo humano que faz jus a ser celebrado, rememorado e, se possvel, imitado. O estilo caracterstico da poesia moderna um tom de voz ntimo, a fala de uma pessoa dirigindo-se a outra pessoa, no a uma larga plateia; sempre que ergue a voz, o poeta moderno soa como impostor. E seu heri caracterstico no nem o Grande Homem nem o rebelde romntico, ambos praticantes de aes extraordinrias, mas qualquer homem ou mulher que, em algum obscuro meandro da existncia, e a despeito de toda a presso impessoalizadora da sociedade moderna, se esfora por adquirir e preservar um rosto prprio.Os poetas, em virtude da natureza de seus interesses e da natureza da produo artstica, so mal preparados para compreender de poltica e economia. Seu interesse natural volta-se para as relaes individuais e pessoais singulares, enquanto a poltica e a economia dizem respeito a largos contingentes de pessoas, portanto mdia humana (a ideia de Homem Comum mortalmente tediosa para o poeta) e s relaes impessoais, em larga medida involuntrias. O poeta no tem como compreender a funo do dinheiro na sociedade moderna porque, para ele, no h relao entre valor subjetivo e valor de mercado. O poeta pode receber dez libras por um poema que ele acredita ser muito bom, e que lhe custou meses para escrever, e cem libras por um texto jornalstico que lhe custou apenas um dia de trabalho. Se for um poeta bem sucedido embora poucos ganhem dinheiro suficiente para serem chamados de bem sucedidos, do mesmo modo como um romancista ou um dramaturgo o ele se tornar membro da escola de Manchester e acreditar emlaissez-faire; se for mal sucedido, e amargurado, estar sujeito a combinar fantasias agressivas, sobre a aniquilao da ordem vigente, com algum irrealista sonho acordado de Utopia. A sociedade deve estar sempre alerta para utopias planejadas por artistasmanqus, tarde da noite, numa mesa de bar.Todos os poetas adoram exploses, temporais com relmpagos, tornados, conflagraes, runas, cenas de carnificina espetaculares. A imaginao potica no absolutamente uma qualidade aprecivel num estadista.Numa guerra ou numa revoluo, o poeta pode ter um bom desempenho como guerrilheiro ou como espio, mas pouco provvel que d um bom soldado regular, ou, em tempos de paz, um membro consciencioso de uma comisso parlamentar.Todas as teorias polticas que, como a platnica, se baseiam em analogias extradas da produo artstica, esto condenadas, caso postas em prtica, a se transformar em tiranias. Tudo o que um poeta ou qualquer outra espcie de artista almeja produzir algo ntegro e completo, e que perdure sem sofrer mudanas. Uma cidade potica deveria abrigar inalteravelmente o mesmo nmero de habitantes, executando exatamente as mesmas tarefas, para todo o sempre.Alm disso, na tentativa de chegar obra acabada, o poeta deve continuadamente fazer uso da violncia. O poeta escreveA ncora-mestre afunda atravs de uma aberturamuda-o paraA ncora afunda atravs de fendas estreitasmuda-o mais uma vez paraA ncora afunda entre montes de fenoe finalmente paraA ncora afunda atravs do cho da igreja.Abertura e fendas estreitas foram desprezadas, e montes de feno, deportados para outra estrofe.Uma sociedade que fosse realmente como um bom poema, corporificando as virtudes estticas da beleza, da ordem, da economia e da subordinao do detalhe ao todo, seria um pesadelo de horror, pois, dada a realidade histrica do homem atual, tal sociedade s chegaria a existir por meio da procriao seletiva, do extermnio dos fsica e mentalmente incapazes, da absoluta obedincia a seu Diretor e de um enorme contingente de escravos, mantidos longe da vista, em seus pores.E vice-versa: um poema que fosse realmente como uma democracia poltica exemplos, infelizmente, existem seriam informes, areos, banais e profundamente tediosos.H duas espcies de questes polticas, as de Partido e as Revolucionrias. No primeiro caso, todos os partidos concordam quanto natureza e lisura do objetivo social a ser atingido, mas diferem quanto aos meios a serem utilizados. A existncia de diferentes partidos justifica-se, primeiro, porque nenhum deles pode oferecer provas irrefutveis de que seus meios so os nicos que levam consecuo do objetivo pretendido por todos, e, segundo, porque nenhum objetivo social pode ser atingido sem algum sacrifcio de interesses, de indivduos ou de grupos, e natural, para cada indivduo e para cada grupo, buscar meios que garantam um mnimo de sacrifcio, na esperana de que, se sacrifcios tm de ser feitos, sempre mais justo que os outros os assumam. Em uma questo partidria, cada partido se empenha em conquistar a adeso dos membros da sociedade, inicialmente apelando para sua razo; cada partido arregimenta fatos e argumentos, para convencer a todos de que seus meios tm mais chance de atingir o objetivo comum do que os meios propostos por seus adversrios. Em uma questo partidria, essencial que as paixes sejam mantidas a baixa temperatura; a oratria eficiente exige, claro, algum apelo s emoes dos ouvintes, mas em poltica partidria os oradores devem exibir o tipo de emoo simulada por promotores pblicos e advogados de defesa, sem realmente perder o controle. Fora da Assembleia, os deputados rivais devem estar cordialmente aptos a jantar um na casa do outro; fanticos no tm lugar na poltica partidria.Questo revolucionria toda aquela em que diferentes grupos sociais defendem diferentes pontos de vista em relao ao que justo. Quando isto se d, nem pensar em argumentao e acordo; cada grupo encara os demais como fracos ou perniciosos, ou ambas as coisas. Toda questo revolucionaria , potencialmente, umcasus belli. Nessas circunstncias, o orador no tem como convencer os ouvintes apelando para sua razo; ele pode converter um ou outro, apelando para sua conscincia ou despertando-a, mas seu papel primordial, quer represente o grupo revolucionrio, quer o contrarrevolucionrio, elevar sua paixo a um nvel tal que da irrompam todas as energias necessrias vitria total de seu grupo e ao total esmagamento de seus adversrios. Em se tratando de questo revolucionria, fanticos so essenciais.Hoje em dia, existe uma nica questo revolucionria global: a igualdade racial. O debate entre capitalismo, socialismo e comunismo com efeito uma questo partidria, j que o objetivo buscado por todos realmente o mesmo, um objetivo bem sintetizado na conhecida frase de Brecht:Erst kommt das Fressen, dann kommt die Moral.Isto , Grub primeiro, depois a tica. Hoje, em todos os pases tecnologicamente avanados, qualquer que seja o rtulo poltico que se atribuam, os meios postos em prtica buscam essencialmente o mesmo objetivo: garantir a todos os membros da sociedade, como organismo psicofsico, o direito sade fsica e mental. A figura simblica, positiva, desse objetivo um beb annimo, desnudo; o smbolo negativo, uma massa annima de cadveres num campo de concentrao.O que to aterrador e incomensuravelmente deprimente, na maior parte da cena poltica contempornea, a recusa sobretudo, mas no apenas, enfim, entre os comunistas em admitir que essa uma questo partidria, a ser travada por meio do apelo aos fatos e razo, deixando-se de insistir em que se trata de uma questo revolucionria. Se um africano sacrificar a prpria vida em prol da igualdade racial, sua morte ser desprovida de significado, para ele; mas o que mais profundamente absurdo que pessoas devam ser privadas, todos os dias, de sua liberdade e de suas vidas, e que a raa humana chegue possivelmente a se destruir, em nome daquilo que na verdade uma questo de medidas prticas, como perguntar se, consideradas as particulares circunstncias histricas, a sade de uma comunidade ter mais ou menos chance de ser assegurada pela Medicina Privada ou pela Medicina Socializada.O que peculiar e novo em nossa poca que o principal objetivo dos meios polticos, em todas as sociedades avanadas, no se preocupa com os seres humanos como pessoas e cidados, mas como corpos humanos, vale dizer a criatura humana pr-cultural e pr-poltica. Parece ter sido inevitvel, talvez, que o respeito pela liberdade do indivduo tivesse diminudo to drasticamente, e que o poder autoritrio do Estado tivesse crescido na mesma proporo, considerando-se o que eram cinquenta anos atrs, j que a primordial questo poltica, hoje em dia, diz respeito no s liberdades mas s necessidades humanas.Como criaturas, somos todos igualmente escravos da necessidade natural; no somos livres para votar e decidir sobre quanta comida, quanto sono, quanta luz e quanto ar so necessrios para manter-nos em boa sade; todos necessitamos de certa quantidade e todos necessitamos da mesma quantidade.Toda poca unilateral em suas preocupaes polticas e sociais e, em seu af de realizar os valores particulares que mais estima, negligencia e at mesmo sacrifica outros valores. A relao que um poeta ou um artista mantm com a sociedade e a poltica , exceto na frica ou em pases ainda semifeudais, mais difcil do que jamais foi, porque, embora a nenhum poeta ou artista seja dado seno aprovar a importncia detodo mundoter comida e lazer suficientes, este problema no tem nada a ver com arte, que diz respeito apessoas singulares, quer consideradas isoladamente, quer em suas relaes pessoais.Em nosso tempo, a mera produo de uma obra de arte j , em si, um ato poltico. Enquanto existirem, dedicando-se a fazer o que lhes agrada e acreditando que fazem o que tm de fazer, ainda que o resultado no seja terrivelmente bom e atraia to somente um punhado de pessoas, os artistas lembraro o Controle, algo de que os controladores precisam ser lembrados, ou seja, que os controlados so pessoas com rostos, no indivduos annimos, que oHomo Laborians tambmHomo Ludens.Se um poeta e um campons iletrado por acaso se cruzarem, talvez no tenham muito que dizer um ao outro, mas se ambos encontrarem um funcionrio pblico, partilharo o mesmo sentimento de suspeio; nenhum deles confiar na figura, para alm do que seus olhos possam alcanar. Se entrarem em uma repartio de governo, ambos partilharo o mesmo sentimento de apreenso e talvez dividam o mesmo desfecho: nunca mais sair. Quaisquer que sejam as diferenas culturais entre eles, ambos farejam, em todo espao oficial, o cheiro de uma no-realidade, na qual pessoas so tratadas como estatsticas. O campons pode jogar cartas, noite, enquanto o poeta escreve versos, mas existe um principio poltico que ambos endossam: entre a meia dzia, se tanto, de propsitos pelos quais um homem honrado deve estar preparado, se necessrio, para morrer, o direito de jogar, o direito frivolidade, no dos que menos conta.