23
1 UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCAÇÃO: APROXIMAÇÕES CIENTÍFICAS NA PERSPECTIVA DE JOSÉ MARTÍ EM BONECA NEGRA CURITIBA NOVEMBRO/ 2009

O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

1

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCAÇÃO: APROXIMAÇÕES CIE NTÍFICAS NA PERSPECTIVA DE JOSÉ MARTÍ EM BONECA NEGRA

CURITIBA NOVEMBRO/ 2009

Page 2: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

2

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCAÇÃO: APROXIMAÇÕES CIE NTÍFICAS NA PERSPECTIVA DE JOSÉ MARTÍ EM BONECA NEGRA

Monografia apresentada ao Curso de Pós Graduação em Letras, pela aluna

Sirlene de Castro, sob a orientação das Profªs Fernanda Chichorro, Mirtha Luisa

Acevedo e Teresita Campos.

CURITIBA NOVEMBRO/ 2009

Page 3: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

3

Dedicatória

Aos Mestres Minha Despedida

Não é um adeus definitivo... Preciso de tempo... Vou sair pelo mundo... Vou viajar...estudar... Vou curar as feridas da alma. E também do coração. Vou analisar o mundo dos astros... Mas levo todos vocês em meu coração... Vou deixar a porta aberta para quem quiser... Visitar-me e deixar o seu recado... Onde quer que eu esteja... Sempre que der passarei para lhe visitar... Sou errante...Viajante do tempo... Eu sou como o vento... Apenas eu passo... Se sentires um leve aroma de jasmim... Serei eu que estarei chegando... Para matar minha saudade... Dos amigos que eu deixei... Vou passar na Argentina... Vou dançar um tango de Gardel... Vou levar meu violão... Vou ouvir meu coração... Vou apreciar a natureza... Vou apreciar a natureza... Vou observar o colorido das flores... Vou melhorar meu visual... Vou aos anjos agradecer... Não é um adeus...Apenas uma partida... Na vida devemos inovar novos caminhos... E eu ainda sou uma mera aprendiz... (Vânia Staggemeier)

Page 4: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

4

Agradecimentos

A Deus especialmente, pois sem ele nada seria possível.

Á toda minha família, em especial ao meu esposo Osvaldo de Castro, por seu esforço e dedicação, em todos os momentos em que estive ausente, em busca do conhecimento...que creio ser o caminho

para que tenhamos um mundo melhor, ou seja a educação.

Aos mestres e colegas, particularmente à amiga Danielle Lorenço, professora e pedagoga, por sua

colaboração, em meus momentos de dificuldade...minha despedida.

“Eu sou intelectual que não tem medo de ser amoroso, eu amo as gentes e amo o mundo. E é

porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade.”

Paulo Freire

Page 5: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

5

Epígrafe

“Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma, todo o universo conspira a seu favor.”

Goethe

Page 6: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

6

Resumo

Este trabalho pretende relacionar o conto Boneca Negra de José Martí com a questão do

preconceito racial no Brasil e de que maneira pode-se problematizar tal relação no contexto da sala

de aula. Para isso, ao longo dos textos aqui contidos, vários apontamentos serão feitos no sentido de

garantir ao leitor uma concepção reflexiva em torno da questão racial e de como esta vem atuando,

mesmo que implicitamente no modo de viver das pessoas.

Contextualizar tais parâmetros com a educação faz todo o sentido na medida em que se tem

a concepção de que a educação é a ferramenta que a sociedade possui para construir um novo olhar

sobre seus principais problemas, a segregação social que muitos negros sofreram e vêm sofrendo ao

longo dos séculos. Assim faz-se necessário que tal reflexão epistemológica seja feita, com base em

uma concepção de educação, sociedade, homem e mundo que pense e aja segundo uma visão

emancipatória, revolucionária. Uma educação cujos princípios norteadores se fazem mediante, a

criticidade , historicidade e preocupação com todos os fatores que perpassam a esfera escolar, são

de fundamental importância para uma base de mudança significativa e transformadora. Assim

sendo, a educação cumprirá um papel de reestruturação e transformação da sociedade. Como isso é

extremamente complexo! No entanto, estritamente necessário!

Então pode-se dizer que o objetivo fundamental que deste trabalho é a possibilidade de

investigação científica a partir do conto Boneca Negra escrito por José Martí, autor caracterizado

por forte indagação revolucionária que, censurado à sua época usou de artifícios metafóricos como

meio para expressar sua filosofia.

No enredo do conto observam-se diversificadas questões sociais, dentre elas, o preconceito

racial, que pode ser interpretado implicitamente, haja vista a cumplicidade entre a menina e sua

boneca e a discriminação dos pais frente a tal afeição da filha. Neste sentido, o preconceito racial

pode ser abordado na perspectiva da contemporaneidade, sobretudo no campo educacional,

buscando relações com a história no contexto brasileiro, uma vez que a proposta deste trabalho é

atingir a população inserida no Brasil.

Para tanto, há neste trabalho um compromisso de sistematizar a problemática em torno do

tema bem como fazer as conexões e reflexões com o conto e as principais ideias do revolucionário

José Martí. O preconceito racial é no Brasil uma forma de exclusão social que segrega seres

humanos, embora uma vasta discussão já venha ocorrendo, contudo é preciso salientar o é dever da

sociedade civil de se unir em prol da igualdade social onde as políticas públicas não venham

somente legitimar o preconceito, mas eliminá-lo por completo.

Page 7: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

7

Em linhas gerais, além de ser um direito social, a educação tem sido entendida como um

processo de desenvolvimento humano, e a educação escolar corresponde a um espaço sociocultural

e institucional responsável pelo trato pedagógico do conhecimento e da cultura. Pensando nisso,

podemos levar a questão do preconceito racial e do racismo para o campo escolar, instigando nas

crianças e adolescentes que dirigirão o mundo a refletir criticamente em torno desta questão

abordada por Martí, mesmo que esta ainda não fosse a intenção do autor.

Palavras-chave: igualdade social, preconceito, educação e sociedade.

Page 8: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

8

Sumário

1. INTRODUÇÃO___________________________________9 1.1 Justificativa_____________________________________9 1.2 Formulação do problema____________________________9 1.3 Objetivos gerais e específicos______________________9 1.4 Elaboração da hipótese_____________________________10 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA_____________________10 2.1 José Martí________________________________________10 2.2 A Boneca Negra____________________________________11 2.3 O racismo do ponto de vista histórico____________________11 2.4 O racismo abordado por Martí___________________________13 2.5 A educação e o preconceito racial_______________________15 2.6 O racismo e a legislação_______________________________17 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS____________________________20

Page 9: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

9

1- INTRODUÇÃO 1.1 Justificativa

Localizar e estruturar o conceito de preconceito racial no conto de José Martí significa fazer

nexos com a realidade brasileira, bem como ponderar práticas educativas discriminatórias nos

contextos das coletividades.

Estudar de maneira aprofundada o conto Boneca Negra de José Martí, tendo a consciência das

diferentes interpretações propiciadas pela sua leitura. Dentre tais interpretações, recorta-se o

preconceito racial como eixo norteador da pesquisa.

O preconceito racial interpretado no enredo do conto trata de uma questão social que é, ao

mesmo tempo, histórica e atual. Para tanto, o estudo poderá contribuir para uma reflexão crítica a

respeito da diferença culturalmente construída na história.

1.2 Formulação do problema

As diferentes concepções acerca de uma questão social tem um elevado grau de

complexidade cognitiva embora aparentemente se tenha um assunto simples, o preconceito de

raça. Discutir no contexto da sala de aula tal assunto, bem como explicitá-lo em uma obra não é

tarefa fácil. Nesta perspectiva é que se encontra a problemática, ou seja, contextualizar um tema

polêmico escrito à longa data, e sistematizar as características que apontam para a solução do

problema, a reflexão crítico-científica sobre a abordagem.

Page 10: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

10

1.3 Objetivos gerais e específicos Objetivo Geral: Demonstrar epistemologicamente o preconceito racial e sua relação com as

adjetivações implícitas no conto Boneca Negra de José Martí.

Objetivos específicos:

- levar crianças e adolescente inseridas no processo educacional à reflexão crítica

sobre o preconceito racial no Brasil;

- Instigar nos alunos o gosto pela leitura de contos;

- Identificar a relação entre adjetivação e preconceito racial no conto;

- Estudar o preconceito racial no Brasil;

- Verificar a possibilidade de um olhar crítico sobre os aspectos relevantes detectados

no conto.

1.4 Elaboração da hipótese

Espera-se com o desenvolvimento do trabalho e sua conclusão que sejam sanadas as

principais dúvidas em relação ao autor e sua obra, do ponto de vista pessoal. Com isso

espera-se que a elaboração do trabalho propicie aprendizado e apropriação conhecimento

científico estudado.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 JOSÉ MARTÍ Nascido em 28 de janeiro de 1953, José Martí, patriota idealista revolucionário, por isso

condenado a seis anos de prisão, sofreu muito vivendo situações desumanas, aprendeu com o

sofrimento e jamais se deixou derrotar. Por acreditar em suas convicções não tinha medo da

represália e foi um mártir, pensador que revolucionou movimentos de independência de vários

países, entre eles Cuba. Por dedicar a causa da independência foi um escritor destacado pela defesa

da justiça e da igualdade entre todos os cidadãos.

Em seus escritos, sempre procurou expor suas idéias de maneira metafórica, porém o intuito de

atingir seus leitores e leva-los à reflexão sempre conseguiu com êxito.

Vários fatores contribuíram para a formação da forte personalidade de Martí, como por exemplo

Page 11: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

11

o contato com professores cubanos destacados que, seguramente deram preciosas aulas que foram o

subsídio para sua aprendizagem enquanto mestre. Sua insaciável sede pelo conhecimento fazia dele

um persistente leitor, era o que o guiava, além da idéia formada de que o homem não possa

descansar até que entenda todo o contexto que o move.

José Martí apoiou-se em sua ampla cultura e facilidade de expressão, como também a sua

capacidade de observação e análise de professor, permitindo assim um entendimento do fenômeno

educativo. Desta forma, era um mestre que ia além dos conteúdos determinados, pois levava seus

alunos a questionar a ordem, e como em suas obras era polêmico porque expressava seu sentimento

de patriotismo de uma maneira crítica.

2.2 A BONECA NEGRA O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno do preconceito e da discriminação

social, onde a criança se vê contrariada a optar por seus próprios gostos e é recriminada pelos pais,

mesmo que inconscientemente. Martí encaminha neste conto o legado contra a discriminação racial,

e ainda contribui para a reflexão infanto-juvenil, por contextualizar literariamente a ingenuidade e a

ternura de uma menina com sua boneca, como explicitado no monólogo final de Piedad.

A boneca negra pode, neste sentido representar a idéia de Martí sobre a desigualdade e busca

pela igualdade social, pois procurou mostrar no mais íntimo sentimento de uma menina simples que

não existem diferenças entre as pessoas ou objetos, todos somos frutos de uma única raça, e Martí

mostra que tal semelhança pode haver quando a menina compara a boneca negra às outras, visto

que seria uma boneca como qualquer outra que já possuía e demonstrava carinho.

E na simplicidade da menina que sente vergonha (ou medo) por não poder expressar que

sente preferência pela boneca e a decepção pela repressão dos pais frente a sua opção, o autor expõe

a nós leitores um apelo ao não preconceito diante das diferenças.

Neste sentido, o texto pode nos ajudar a compreender o que Martí quis representar por meio

do seu conto literário, ou seja, ele usou de recursos da linguagem literária, a metáfora por exemplo,

para demonstrar seu sentimento de revolta contra as formas de repressão e discriminação. É

importante, por conseguinte, que nos situemos no tempo cronológico em que o conto foi escrito, ou

seja, uma época onde o pouco que se pensava podia-se falar ou escrever, mesmo que com nada do

mundo onde se vivesse estivesse de acordo com o que queria.

Page 12: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

12

2.3 O RACISMO DO PONTO DE VISTA HISTÓRICO

A sociedade civil segue desenvolvendo importante papel na luta contra o racismo e derivados.

Compreender os mecanismos de resistência da população negra ao longo da história exige também

estudar a formação dos quilombos rurais e urbanos e das irmandades negras, entre tantas outras. A

população negra que para cá foi trazida tinha uma história de vida passada no continente africano, a

qual foi somada às marcas impressas pelo processo de transmutação de continente serviu de base

para a criação de estratégias de sobrevivência.

Por isso, há que se lembrar sempre das origens do povo brasileiro, que além do povoamento ter

sido enraizado pelos grupos indígenas, muitos escravos e escravas negros e negras vindos da África

também formaram descendentes em nossa nação.

Historicamente o racismo tem assumido formas muito diferentes. Na antiguidade, a propósito,

as relações entre povos eram sempre se vencedor e cativos, que existiam sem distinção de raça, pois

muitas vezes povos de mesma matriz racial guerreavam entre si e o perdedor passava a ser cativo do

vencedor, no caso o racismo se aproximava da xenofobia – aversão às pessoas. Na Idade Média,

desenvolveu-se o sentimento de superioridade xenofóbico de origem religiosa.

Quando houve os primeiros contatos entre os conquistadores portugueses e africanos, no século

XV, não houve atritos de origem racial. Os negros e outros povos da África entraram em acordos

comerciais com os europeus, que incluíram o comercio de escravos que, naquela época, era uma

forma de aumentar o número de trabalhadores que produziam muito a um custo quase zero. Uma

das justificativas que pautava o escravismo era a de que negros e índios eram raças inferiores, e

passou-se a aplicar o “método” da inferioridade como forma de dominar estes. Àqueles que não se

submetiam era aplicado o genocídio, que exacerbava os sentimentos racistas, tanto por parte dos

vencedores, como dos submetidos.

Outra forma de racismo, foi o nazi-fascismo, no século XIX, que não vem ao caso explicita-lo

em detalhes pois não é foco deste trabalho, entretanto não pode ser deixado de citar. Trata-se de um

movimento onde idéia de que existia apenas uma raça, a raça pura, de seu idealizador, propagou-se

como uma doutrina, e milhares de povos foram dizimados pelo simples fato de não serem

considerados de raça pura. Foi este um pensamento e pode-se dizer que o processo mais árduo da

teoria racista.

A partir do século XVI, as populações negras desembarcadas no Brasil em grande quantidade

nas regiões litorâneas, com maior concentração nas áreas mais quentes do país, os colonizadores e

mais tarde os senhores de engenho, grandes latifundiários lucraram e muito com a mão de obra

escrava negra, já que os índios nativos se recusavam a exercer tais funções. Sem dúvida há que se

Page 13: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

13

ressalvar o grande sofrimento vivido pelos negros no Brasil (e em todo o mundo), que sobreviviam

quando preferiam a morte, pois não eram donos de seus corpos e se sujeitavam a todo o tipo de

humilhação e desqualificação da condição humana, não considerados seres humanos dotados de

direitos civis tampouco do mínimo de qualidade de vida.

No entanto, muitos movimentos de luta contra a escravidão foram iniciados e efetivados na

prática, como a Lei Áurea, em 1888, Lei do ventre livre em 18741 e a Lei dos Sexagenários em

1885, cujo vigor de todas deveria favorecer a população negra, e de fato contribuíram para sua

expansão, entretanto pouca aceitação tinham na sociedade e desde então vieram sendo vistos como

uma outra raça, menos capazes intelectualmente e socialmente.

De 1815 – quando Portugal concorda em restringir o tráfico ao sul do Equador - a 1888 –

com a Lei Áurea, a população escravizada recorreu a uma gama de formas de resistência para que

seus limitados direitos fossem reconhecidos e assegurados. O processo de transformação da mão-

de-obra dos trabalhadores escravizados em trabalhadores livres foi paulatino, e leis como a do

Ventre Livre (1871), Saraiva – Cotegipe ou Lei dos Sexagenários (1885), que a vigor deveriam

favorecer a população negra, caracterizaram-se como mais um instrumento de controle em prol da

ordem escravocrata. Assim também, impediu-se a integração da população negra liberada, mediante

várias outras leis que, ao serem incorporadas ao trato cotidiano, acabaram por tornar-se meios de

promoção dos grupos hegemônicos, em detrimento da população negra que deveria beneficiar-se.

Os 120 anos que nos separam da Lei Áurea não foram suficientes para resolver uma série de

problemas decorrentes das dinâmicas discriminatórias forjadas ao longo dos quatro séculos do

regime escravocrata. Ainda hoje, permanece na ordem do dia a luta pela participação eqüitativa de

negros e negras nos espaços da sociedade brasileira e pelo respeito à humanidade dessas mulheres e

homens reprodutores e produtores de cultura. Com essa finalidade, setores da sociedade civil têm

atuado intensamente contra o racismo e as discriminações raciais, tomando a linguagem africano-

brasileira como ancoragem e lapidando as relações sociais emergentes no entrecruzar dessa cultura

com a cultura eurocêntrica da sociedade.

Pontuada a questão histórica do racismo e do preconceito, veremos que em Martí há uma

intencionalidade de dizimar tal fato pela presença da simplicidade e ingenuidade no conto Boneca

Negra, onde trata o preconceito, em qualquer e todas as suas formas, como algo que não deveria

existir, ser abolido tanto da vivência familiar como social.

2.4 O RACISMO ABORDADO POR MARTÍ

Page 14: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

14

Uma questão a ser levantada neste sentido é a forma como o ser humano pensa sobre as

escolhas que faz, muitas vezes essas escolhas se dão por meio de categorias, para uma melhor

identificação ou separação de objetos e pessoas, e tais categorias quando configuradas no contexto

social, são a base do preconceito. O racismo, por sua vez, não se refere somente a doutrinas, mas

também a atitudes e preferências, gostos e valores estéticos, portanto categorias sociais, logo os

seres humanos em formação precisam ser envolvidos por um novo pensamento sobre esta questão.

Compreende-se que tal processo de exclusão social está associado a um processo de diferenças

sócio-econômicas e culturais. As categorias padronizadas socialmente podem ser identificadas da

seguinte forma: beleza, riqueza, inteligência e um estreito contato entre estas aproxima-se do

fundamento principal do racismo.

Assim BENTO (2005, p. 14) questiona:

“Seria a diferença, ou melhor dizendo, a diversidade, algo negativo? Por que, em função dela, os seres humanos se envolvem em conflitos – às vezes menores, com os que ocorrem entre vizinhos, outras vezes de proporções enormes, como as sangrentas guerras entre povos?”

Partindo da premissa de nossa sociedade reproduz as desigualdades ao longo dos séculos

com ampla participação da população, quer intencional, quer inconscientemente, seja através de

ações discriminatórias ou da omissão frente às práticas discriminatórias. Dessa forma, uma reflexão

sobre nossos próprios valores, crenças e condutas é fundamental para entendermos as desigualdades

raciais na sociedade brasileira. Se, de uma forma outra damos sustentação a essa sociedade, também

está em nossa mãos as possibilidades de transforma-la.

O preconceito é, dessa maneira, um fenômeno cultural e, em geral, revela uma imperfeição

do juízo humano no julgamento do próprio homem. A autovalorização cultural leva ao não

reconhecimento e, até mesmo, ao desprezo por culturas minoritárias. Ignorando os próprios

universais da existência humana, esse pré-julgamento leva o indivíduo a minorias, principalmente

se forem menos favorecidas. O julgamento equivocado, por desconhecer outros valores, leva o

indivíduo a ver tudo superficialmente sob uma ótica distorcida. Enfim, o preconceito provém da

existência de “hierarquias” quaisquer que sejam. A relação superior-inferior gera o poder e o não

poder. Essa relação leva a uma suposta superioridade de uns sobre os outros, ou seja, à aproximação

com o Supremo Ser Criador e Senhor. Assim, o homem criou uma infinidade de falsas perfeições e

inúmeras hierarquias, acreditando ser partícipe da virtude divina e, por isso, com direito de ser

reconhecido pelos demais.

Pontuada, ainda que sucintamente, a base teórica do racismo e do preconceito, podemos

afirmar que Martí procurou com seu conto, escrever para os leitores de seu tempo, embora

atualmente a sociedade humana ainda não tenha superado este problema social. Com isso, seu

Page 15: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

15

objetivo não era escrever novas doutrinas para a sociedade, dada a censura da época, contudo, sua

literatura ganhou espaço e reconhecimento contribuindo significativamente para a escrita da história

contemporânea. Sendo assim, seus relatos sobre a história latino-americana têm plena vigência para

a escola atual, além de proporcionar um melhor entendimento sobre muitas questões sociais não

abordadas com afinco nos séculos anteriores.

E para além do preconceito racial e da discriminação entre seres iguais perante a lei, Martí

propôs, com grande sabedoria, modelos educacionais com impacto na atualidade real da educação,

com uma visão emancipatória de mundo acreditando no homem como principal sujeito da história e

construtor da sociedade igualitária, sintetizando em suas palavras:

“Educar es depositar em cada hombre toda la obra humana que lê há antecedido: es hacer a cada hombre resumen del mundo viviente, hasta el día en que vive: es ponerlo a nivel de su tiempo, para que flote sobre él, y no dejarlo debajo de su tiempo, con lo que no podrá solir a flote; es el hombre para la vida.” (MARTI, t.9, p. 281)

Consagra-se então a essência de sua teoria educacional, na qual o autor alude a atuação

humana sobre seus próprios feitos, ou seja, o homem como responsável pela educação na íntegra, e

que entenda-se a educação em seu aspecto mais amplo, enquanto condutora da sociedade. Assim,

pode-se notar o perfil de um homem (autor) comprometido com o encaminhamento político de seu

país e, conseqüentemente, do mundo. É por isso, que em suas obras reina uma concepção

progressista de educação, que se preocupa em formar os indivíduos sociais/humanos em sua

totalidade – formando-os para o exercício da cidadania, da vida.

2.5 A EDUCAÇÃO E O PRECONCEITO RACIAL

No âmbito educacional destaca-se, o conceito de contexto social como meio para a

aprendizagem porque se acredita na perspectiva de que a comunicação e a interação social servem

de apoio para a aprendizagem significativa. Neste sentido, a compreensão da totalidade propiciada

por meio da análise crítica do contexto social, promove em cada individuo a real noção da

transformação que é capaz de fazer ao se apropriar de um conhecimento que é seu e que a sociedade

quer que aprenda. Leva-se este sujeito a agir de modo a desafiar as estruturas porque não concorda

com a divisão entre o que se deve e o que se quer ser no território contraditório desta sociedade

dicotômica, e este é o ponto alto na teoria educacional de Martí.

Embasado teoricamente acerca da relação de José Martí com a educação, pode-se afirmar,

que esta enquanto prática social presente na vida humana, depende para sua efetivação, de que o

conjunto das esferas de necessidades do sujeito estejam igualmente supridas. O homem visto como

Page 16: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

16

sujeito do processo de formação e transformação das práticas sociais, que vive segundo um

conjunto de idéias e valores, imagens e representações, torna-se responsável pela história que

descreve na trajetória da sociedade onde atua. Pensando nisso, traz-se ao campo de discussão o

preconceito racial enquanto tentativa da sociedade civil de organizar-se para a possível superação de

tal “mal social”.

Tratando-se, pois, do preconceito racial e sua direta relação com a educação no que se refere

a amplitude que esta pode alcançar na sociedade, é interessante destacar o papel da escola enquanto

agente propagadora de valores por meio do conhecimento científico que produz cotidianamente.

Um olhar atento para a escola capta situações que configuram de modo expressivo atitudes racistas,

é imprescindível, portanto, reconhecer esse problema para combatê-lo, a partir de medidas

pedagógicas que levem o educando à reflexão.

É preciso, neste sentido, entendermos que não existe uma única forma de se estar no mundo,

mas múltiplas formas que vão se tecendo conforme os desafios propostos por nos, pelos outros e

pela nossa interação com e sobre a natureza. Assim, podemos nos apropriar de fato e de direito, dos

instrumentos que permitam perceber estas múltiplas formas e mais, que esta apropriação não

signifique expropriação, mas sim recriação, reinvenção, redescoberta, e que nos leve a equacionar o

nosso ser e estar no mundo em suas múltiplas dimensões. Sobre tal idéia, podemos pensar que a

educação brasileira poderá lançar mão de alguns princípios fundantes, concepções filosóficas de

matriz africana, recriadas nas terras brasileiras, incorporando-os como constituintes do processo

educativo, permanecendo todo o currículo da prática escolar. Desta forma, construir e constituir

uma educação que possa, realmente, contemplar os valores civilizatórios brasileiros.

Busca-se então um repertório educacional que caminhe em direção a um conceito de ser

humano que produz história não a partir de grandes sagas e heróis, mas a partir de relações

comunitárias vividas e vivenciadas pelos agrupamentos humanos. Neste sentido, para uma ação

desta envergadura se faz necessário um primeiro passo, que é o de promover o reconhecimento da

igualdade sem limite e profundamente radical entre as diferentes culturas.

Vivemos em um país com grande diversidade racial e podemos observar muitas lacunas nos

conteúdos escolares no que se refere às referências históricas, culturais, geográficas, lingüísticas e

cientificas que dêem embasamento e explicações que possam favorecer não só a construção do

conhecimento, mas também a elaboração de conceitos mais complexos e amplos, que venham a

contribuir a formação, fortalecimento e positivação da auto-estima das crianças e jovens que

dirigirão o mundo amanhã.

Neste sentido, a questão do racismo deve ser apresentada à comunidade escolar de forma

que sejam permanentemente repensados os paradigmas, em especial os eurocêntricos, com que

Page 17: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

17

fomos educados. Pois como apontam Rocha e Trindade (p.56):

“Não nascemos racistas, mas nos tornamos racista devido a um histórico processo de negação da identidade e de ‘coisificação’ dos povos africanos. E a luta contra o racismo, em nosso país, vem possibilitando que sejam discutidos temas significativos para a compreensão de todo esse processo.”

E ainda Paulo Freire (1999, p.67), autor brasileiro com o mesmo perfil e pensamento

revolucionário de José Martí concorda:

“É neste sentido também que a dialogicidade verdadeira, em que os sujeitos dialógicos aprendem e crescem na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente éticos.(...) Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é dever por mais que reconheça a força dos condicionamentos e enfrentar.”

A sociedade democrática brasileira ainda tende de forma bastante sistemática a

colocar/situar negros e negras num lugar desigual diante dos demais grupos étnico-raciais e

culturais construtores de nossa brasilidade.

A apropriação dessa cultura pelos indivíduos é que constitui a educação. E esta, por sua vez,

do ponto de vista da concepção histórico crítica, pode ser entendida com uma mão dupla, pois

estabelece relações dialéticas entre os homens.

Ter uma concepção de que a diversidade está presente em um contexto sócio-político-

histórico-econômico e cultural, enuncia uma educação cujos princípios circundantes se fazem

mediante, a criticidade, historicidade e preocupação com todos os fatores que perpassam a esfera

educacional.

Aos profissionais docentes, que são articuladores do processo ensino-aprendizagem seja nas

escolas e/ou fora delas, cabe dimensionar a prática pedagógica a partir de eixos norteadores que se

complementem entre si, contextualizando toda e qualquer ação articulada ao conhecimento

científico no sentido de oferecer a cada educando em formação os elementos necessários para sua

atuação cidadã e profissional, como também a possibilidade de argumentação e reflexão acerca das

questões segregadoras no contexto social ao qual estão inseridos.

Uma prática educativa consciente da reordenação social que pode causar ao optar pelo

encaminhamento metodológico acima dimensionado contribuirá efetivamente para a igualdade

social à qual tanto almeja-se, entendendo a ação educativa como campo da luta de classes.

Na perspectiva da sociedade capitalista que atualmente nos encontramos, a procura pelos

meios de escolarização na idade adulta se justifica pela necessidade humana de elevação nos

processos de trabalho, além da constante busca de inclusão nos distintos âmbitos sociais.

Urge ressaltar, no âmbito da educação dentro/fora dos espaços escolares formais/informais,

Page 18: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

18

que para que se promova uma educação para a formação integral do ser humano, se faz necessário

buscar em autores progressistas concepções que nos levem a refletir acerca da práxis pedagógica, e

que esta possa ser transformadora na medida em que se interfere na prática social. Tal reflexão

seguida da prática, só é efetiva quando se tem uma consciência crítica e ampla, de modo a

conhecer-se a si e aos outros no sentido de mudar a realidade a partir da compreensão da totalidade

que a educação e os espaços educativos ocupam no mundo do trabalho, assim como destaca SÀ

(2000, p. 174) “...Constrói-se nas relações que estabelece na prática social, mediatizando, pelo

trabalho, sua relação com a natureza, consigo mesmo e com os outros homens.”

2.6 O RACISMO E A LEGISLAÇÃO

Partindo para uma perspectiva global, no que tange aos progressos na defesa e na

desobstrução do racismo, na década de 40 foi marcada pela criação da Organização das Nações

Unidas (ONU), em 1945, e pela proclamação, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos

Humanos – da qual o Estado brasileiro foi signatário -, cujo texto se propunha como “ideal comum

a ser atingido por todos os povos e todas as nações” e dizia que “todos os povos têm direitos à livre

determinação”.

Coerentemente com suas reivindicações e propostas históricas, as fortes campanhas

empreendidas pelo Movimento Negro tem possibilitado ao Estado brasileiro formular projetos no

sentido de promover políticas e programas para população afro-brasileira e valorizar a história e a

cultura do povo negro. Entre os resultados, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº

9394/96 foi alterada por meio da inserção dos artigos 26-A e 79-B, referidos na Lei Nº 10.639/2003,

que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileiras e Africanas no currículo oficial

da Educação Básica, incluindo no calendário escolar o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da

Consciência Negra”.

É preciso considerar que os apontamentos acima dimensionados ainda estão em andamento

e os resultados ainda representam uma pequena efetividade, contudo são avanços conceituais e

sociais que já fazem parte da prática cotidiana, e com que certeza fazem a diferença no âmbito das

políticas públicas na busca de respeito mútuo entre as pessoas, povos e nações. E aqui pode-se

comentar sobre o Estatuto da Igualdade Racial, homologado a poucos dias pela República

Federativa do Brasil.

Diante do panorama das ferramentas de já dispomos, a Constituição Federal com 21 anos em

vigor, define como competência da União, dos Estados, e dos Municípios a promoção do acesso à

Page 19: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

19

cultura, à educação e à ciência. Além disso, enfatiza sobre a igualdade entre todos perante a lei. Em

contrapartida, faz-se necessário uma reflexão sobre a necessidade da criação de tantas políticas de

atendimento e disseminação da desigualdade, pois é uma pena que o racismo ainda persista na

sociedade, que por si mesma procura alternativas de incluir pela lei, seres humanos que já fazem

parte da raça humana que é única.

A III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as

Formas Correlatas de Intolerância catalisou no Brasil um acalorado debate público, envolvendo

tanto organizações governamentais quanto não governamentais e expressões de movimentos sociais

interessadas em analisar as dinâmicas das relações raciais no Brasil, bem como elaborar propostas

de superação dos entraves postos em relevo pela realização da conferência. A entrada do novo

milênio contou mais uma vez com o reconhecimento e a ratificação da necessidade dos povos do

mundo em debater e elaborar estratégias de enfrentamento de um problema equacionado no

transcorrer da modernidade. Ademais, tal conferência marca o reconhecimento, por parte da ONU,

da escravidão de seres humanos negros e suas conseqüências como crime contra a humanidade, o

que vem a fortalecer a lutas desses povos por reparação humanitária.

No Documento Oficial Brasileiro para a III Conferência, é reconhecida a responsabilidade

histórica do Estado brasileiro “pelo escravismo e pela marginalização econômica, social e política

dos descendentes de africanos”, uma vez que:

“o racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a nossa história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou”(BRASIL, 2001).

Admitidas as responsabilidades históricas, o horizonte que se abriu foi o da construção e da

implementação do plano de ação do Estado brasileiro para operacionalizar as resoluções,

especialmente voltadas para a educação, quais sejam:

- Igual acesso à educação para todos e todas na lei e na prática.

- Adoção e implementação de leis que proíbam a discriminação baseada em raça, cor,

descendência, origem nacional ou étnica em todos os níveis de educação, tanto formal quanto

informal.

- Medidas necessárias para eliminar os obstáculos que limitam o acesso de crianças à

educação.

- Recursos para eliminar, onde existam, desigualdades nos rendimentos educacionais para

jovens e crianças.

Page 20: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

20

- Apoio aos esforços que assegurem ambiente escolar seguro, livre da violência e de assédio

motivados por racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata.

- Estabelecimento de programas de assistência financeira desenhados para capacitar todos os

estudantes, independentemente de raça, cor, descendência, origem étnica ou nacional a

freqüentarem instituições educacionais de ensino superior.

Políticas de reparação voltadas para a educação dos negros devem oferecer garantias, a essa

população, de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio

histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como

indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo

em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos

responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação uma profissão.

Por exemplo, as ações afirmativas, como são chamadas as reservas de vagas em empresas e

universidades para negros ou afro descendentes, certamente tem vários problemas, sendo um dos

principais o estabelecimento de critérios de quem está apto a pleiteá-las numa sociedade

basicamente mestiça, portanto com os limites entre o branco e o negro extremamente difíceis de

serem estabelecidos. Além disso, é evidente que com essa medida não se enfrenta o problema da

deficiência da educação pública, onde estudam as parcelas mais pobres da população, que,

coincidência ou não, são as mais negras e mestiças. Com pior formação escolar, esses estudantes

não conseguem competir em pé de igualdade pelas vagas nas universidades públicas com aqueles

formados em escolas particulares. Mas apesar dos problemas, de algum lugar é preciso partir, e a

garantia de acesso a posições às quais os afro-brasileiros estiveram sistematicamente excluídos é

um começo na conquista de condições mais igualitárias para o desenvolvimento de todas as

pessoas, independentemente das origens étnicas ou sociais.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É preciso enfatizar que José Martí foi um grande homem, poeta, pensador, revolucionário,

seus feitos contribuíram para a escrita da historia da humanidade, por isso deve ser estudado pelas

gerações atuais e futuras. Suas obras literárias não só contribuíram para uma leitura de mundo sob

uma visão macroscópica como também deu (e dá) margem a diferenciadas pesquisas em torno das

idéias imancipatórias que defendia.

A concretização deste trabalho é um bom exemplo de como explorar um assunto a partir de

uma interpretação de um conto. Mostrar, provar e instigar novas problemáticas pode ter sido uma

Page 21: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

21

das funções desta monografia. O autor, por suas características teóricas, proporcionou um melhor

entendimento do que significa a segregação social, isto é, partindo da inocência de um conto

podemos resignificar o pensamento do autor.

Pode-se concluir acerca da discussão feita que muito ainda se tem a fazer para eliminar o

racismo do cotidiano social enquanto prática natural de muitos, todavia a pequenos passos muito já

estamos avançando, pois é com a eliminação da segregação dos negros que chegaremos ao ápice da

igualdade.

O conto ‘La muñeca negra’ de José Martí contribuiu para tal reflexão, ou seja, além de ser

uma excelente obra literária se estudada a fundo pode levantar a questão do racismo e de como ele

pode ser uma ação inconsciente para muitas pessoas que formam educadas segundo os ditames

europeus.

Com o conto podemos problematizar: como uma obra escrita a tanto tempo parece ser tão

atual? Pois são cenas revividas a várias gerações onde nem sempre a mocinha da estória consegue

seguir o desejo de permanecer em sua opção, sua escolha por afinidade com uma boneca negra.

Trazer a discussão para o campo educacional foi uma alternativa pessoal, visto que a

formação integral do ser humano precisamente perpassa a educação. Sendo esta ainda uma das

influências de Martí, que era educador.

Pensando assim, observa-se que o racismo e o preconceito podem ser vastamente explorados

no contexto da sala de aula, bem como é recomendável que educadores procurem ir além do que

está escrito, ou seja, pode utilizar textos como os de Martí em sua prática pedagógica enquanto

recurso didático de grande valia, sendo que com tal recurso poderá instigar explorações as mais

diversas, desde a gramática, passando pela história, geografia, sociologia, filosofia, etc., até o

estudo mais aprofundado das questões levantadas coletivamente. O objetivo deste trabalho na

educação seria então propiciar novas formas de ver o mundo, a sociedade, o homem a partir de uma

formação escolar que prepare o indivíduo para a vivência social, onde todos e todas são parte de um

mesmo contexto, são autônomos em suas convicções e são seres dotados de direitos humanos,

acima de tudo.

Cada instância social precisa assumir seu papel, seja o Estado garantindo as condições

básicas para a sobrevivência de um homem/mulher, sejam as organizações não governamentais

possibilitando uma maior consolidação dos direitos e deveres dos indivíduos para uma vida com

maior dignidade. Ou ainda, um sindicato, a organização estudantil, a igreja reivindicando o que é

pessoa por direito. A escola, enquanto pilar de informação e formação, espaço no qual se atende

uma demanda relativamente grande e que pode e deve formar um ser autônomo, consciente, crítico,

criativo e criterioso que possa, a partir de seus conhecimentos científicos e de vivência

Page 22: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

22

(experiência), atuar na sociedade como um cidadão.

“A educação visa melhorar a natureza do homem, o que nem sempre é aceito pelo

interessado.”

Carlos Drummond

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Ministério de Educación. Martí e la educación. Editorial pueblo y educación, Playa,

Ciudad de La Habana, 1996.

BRASIL, Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003. D.O.U. de 10/01/2003.

BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares para a Educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de história e cultura Afro-brasileira e Africana. Parecer

CNE/CP 3/ 2004, de 10 de março de 2004.

________. Resolução CNE/ CP 1/ 2004. Seção 1, p. 11. D.O.U> de 22 de junho de 2004.

BRASIL, Relatório do Comitê Nacional para a Preparação da Participação Prasileira na III

Conferencia Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e

Intolerância Correlata, Brasília, 2001.

BENTO, Maria Aparecida S. Cidadania em Preto e Branco. Editora ática: São Paulo,

2005.

SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil Africano . Editora ática: São Paulo, 2ª edição,

2008.

BRASIL, Ministério de Estado da Educação. Orientações e Ações para a Educação das

Relações Étnico-Raciais. Brasília: SECAD, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 17ª ed., 1987.

CAVALLEIRO, Eliane (org). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa

escola. São Paulo: Selo Negro Edições, 2002.

SÁ, Ricardo Antunes. Pedagogia: identidade e formação O trabalho pedagógico nos

Page 23: O PRECONCEITO RACIAL E A EDUCACAO APROXIMACOES …tcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/02/O-PRECONCEITO-RACIAL-E... · O conto em questão traz à tona uma reflexão em torno

23

Processos Educativos Não-Escolares – in Educar. Curitiba, n. 16, p. 171-180. 2000.

Editora da UFPR.

MARTÍ, José. La muñeca negra – in La edad de oro de José Martí.