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O PRECONCEITO RACIAL E SUAS REPERCUSSÕES NA INSTITUIÇÃO ESCOLA Waléria Menezes* Introdução A sociedade brasileira caracteriza-se por uma pluralidade étnica, sendo esta produto de um processo histórico que inseriu num mesmo cenário três grupos distintos: portugueses, índios e negros. Esse contato favoreceu o intercurso dessas culturas, levando à construção de um país inega- velmente miscigenado, multifacetado, ou seja, uma unicidade marcada pelo anta- gonismo e pela imprevisibilidade. Apesar do intercurso cultural descrito acima, esse contato desencadeou alguns desencontros. As diferenças se acen- tuaram, levando à formação de uma hierarquia de classes que deixava evidentes a distância e o prestígio social entre colonizadores e colonos. Os índios e, em especial, os negros permaneceram em situação de desigualdade situando-se na marginalidade e exclusão social, sendo esta última compreendida por uma relação assimétrica em dimensões múltiplas - econômica, política, cultural. Esse acontecimento inicial parece ter de algum modo subsistido, contribuindo para o quadro situacional do negro. O seu cotidiano coloca-o frente à vivência de circunstâncias como preconceito, des- crédito, evidenciando a sua difícil inclusão social. Sendo assim, busca-se por meio deste trabalho compreender como são construídas as relações raciais num dos espaços da superestrutura social do país, que é a escola, e como ela contribui para a formação da identidade das crianças negras. O estudo da interface racismo e edu- cação oferece uma possibilidade de co- * Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

O preconceito racial e suas repercussões na instituição escola

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O PRECONCEITO RACIALE SUAS REPERCUSSÕES

NA INSTITUIÇÃO ESCOLA

Waléria Menezes*

Introdução

A sociedade brasileira caracteriza-se poruma pluralidade étnica, sendo esta produtode um processo histórico que inseriu nummesmo cenário três grupos distintos:portugueses, índios e negros. Esse contatofavoreceu o intercurso dessas culturas,levando à construção de um país inega-velmente miscigenado, multifacetado, ouseja, uma unicidade marcada pelo anta-gonismo e pela imprevisibilidade.

Apesar do intercurso cultural descritoacima, esse contato desencadeou algunsdesencontros. As diferenças se acen-tuaram, levando à formação de umahierarquia de classes que deixava evidentesa distância e o prestígio social entrecolonizadores e colonos. Os índios e, emespecial, os negros permaneceram em

situação de desigualdade situando-se namarginalidade e exclusão social, sendoesta última compreendida por uma relaçãoassimétrica em dimensões múltiplas -econômica, política, cultural.

Esse acontecimento inicial parece terde algum modo subsistido, contribuindopara o quadro situacional do negro. O seucotidiano coloca-o frente à vivência decircunstâncias como preconceito, des-crédito, evidenciando a sua difícil inclusãosocial. Sendo assim, busca-se por meiodeste trabalho compreender como sãoconstruídas as relações raciais num dosespaços da superestrutura social do país,que é a escola, e como ela contribui para aformação da identidade das criançasnegras.

O estudo da interface racismo e edu-cação oferece uma possibilidade de co-

* Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco

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locar num mesmo cenário a proble-matização de duas temáticas de inques-tionável importância. Ao contemplarmos asrelações raciais dentro do espaço escolar,questionamo-nos até que ponto ele estásendo coerente com a sua função socialquando se propõe a ser um espaço quepreserva a diversidade cultural, responsávelpela promoção da eqüidade. Sendo assim,aguardamos mecanismos que devampossibilitar um aprendizado mais siste-matizado favorecendo a ascensão pro-fissional e pessoal de todos os que usu-fruem os seus serviços.

A escola é responsável pelo processode socialização infantil no qual se esta-belecem relações com crianças de di-ferentes núcleos familiares. Esse contatodiversificado poderá fazer da escola oprimeiro espaço de vivência das tensõesraciais. A relação estabelecida entrecrianças brancas e negras numa sala deaula pode acontecer de modo tenso, ouseja, segregando, excluindo, possibilitandoque a criança negra adote em algunsmomentos uma postura introvertida, pormedo de ser rejeitada ou ridicularizada peloseu novo grupo social. O discurso doopressor pode ser incorporado por algumascrianças de modo maciço, passando entãoa se reconhecer dentro dele: "feia, preta,fedorenta, cabelo duro", iniciando o pro-cesso de desvalorização de seus atributosindividuais, que interferem na construçãoda sua identidade de criança.

A exclusão simbólica, manifestada mui-tas vezes pelo discurso do outro, parecetomar forma a partir da observação docotidiano escolar. Este poderá ser uma viade disseminação do preconceito por meioda linguagem, na qual estão contidostermos pejorativos que, em geral, desva-lorizam a imagem do negro.

O cotidiano escolar pode demonstrar a(re)apresentação de imagens caricatas decrianças negras em cartazes ou textosdidáticos, assim como os métodos e cur-rículos aplicados, que parecem em parte

atender ao padrão dominante, já que nelespercebemos a falta de visibilidade ereconhecimento dos conteúdos que en-volvem a questão negra.

Essas mensagens ideológicas tomamuma dimensão mais agravante ao pensar-mos em quem são seus receptores. Sãocrianças em processo de desenvolvimentoemocional, cognitivo e social, que podemincorporar mais facilmente as mensagenscom conteúdos discriminatórios que per-meiam as relações sociais, as quais pas-sam a atender aos interesses da ideologiadominante, que objetiva consolidar asuposta inferioridade de determinadosgrupos. Dessa forma, compreendemos quea escola tanto pode ser um espaço dedisseminação quanto um meio eficaz deprevenção e diminuição do preconceito.

1. Preconceito racial: o desencontro da

alteridade

Quando te encarei frente a frente, não vi omeu rosto; chamei de mau gosto o que vi, demau gosto, mau gosto; é que Narciso acha feioo que não é espelho...

Caetano Veloso

O personagem Narciso, citado no trechoda música de Caetano Veloso, faz parte docontexto mitológico. Tratava-se de uma crian-ça solitária que morava num jardim. Certodia, sentou-se à beira de um lago de águaspuras e cristalinas e, ao debruçar-se sobreele para matar a sede, viu a sua imagemrefletida. Como não conhecia o espelho,ele nunca havia olhado para si próprio.Acabou por se apaixonar pela imagemrefletida. Foi assim que Narciso sumiu nolago à procura daquela pessoa por quemse apaixonara. (Bento, 1998).

O desejo de iniciar o texto com o mitode Narciso partiu do pressuposto de queele poderia servir como um referencialilustrativo, que demonstra a origem dasdificuldades encontradas nos grupos. Ao

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observar a descrição do mito, percebemosque talvez o grande descuido de Narcisotenha sido o não-conhecimento, contun-dindo a sua imagem com a do outro e indoao seu encontro em um mergulho profundoque resultou em sua própria morte. Assimcomo Narciso, muitas vezes nos apaixo-namos pelo que é nosso, e ao olhar para ooutro buscamos o que nos é familiar; equando não encontramos a nossa imagemrefletida, percebemos a diferença como aprópria manifestação do "mau gosto",podendo então ser repudiada, discriminadaou até mesmo odiada.

Dentro dessa perspectiva, é possívelcompreendermos que as diversidadesexistentes entre os grupos étnicos setornaram pontos de conflito, pois de um ladoexiste um eu que pensa igual, acredita nosmesmos deuses, vive de modo "estável" e,de repente, percebe que existe um outroque não compartilha das mesmas crenças.Esse contato com o que se mostra de mododistinto do padrão ocorre, em geral, demodo turbulento: perturba e ameaçadesintegrar a identidade "estável" dasociedade do eu. A imposição da presençado outro é vivida como a negação dessaaparente ordem. A palavra ordem estávinculada ao desejo de manter a esta-bilidade, o estágio de constância que édeterminado pela manutenção do mesmoesquema social.

E atribuído à sociedade do eu tudo oque for mais elaborado ou civilizado. Já asociedade do outro é marcada pela rei-ficação de idéias etnocêntricas. Carac-terizando-se como primitivo, não-huma-nizado, ele é percebido como um "intruso"que trará a desordem. A palavra desordem,nesse sentido, é percebida como algo ruim.A conotação que lhe é atribuída é dedestruição. Para que essa destruição nãoocorra, busca a sociedade do eu uma formade proteger-se desse efeito desestabilizador,mediante a neutralização do desconhecido.Portanto, para evitar o possível caos, buscamanter o status quo, para o que é necessário

caiar o outro, mantendo-o excluído edominado a fim de permanecer a ilusão doequilíbrio e da ordem vivida na ausência dadiferença.

Nesse sentido, ao outro é negado odireito de viver a sua identidade étnica, poiso padrão do eu prevalece, e ele o percebesob uma ótica de estranhamento, des-prestígio e não-reconhecimento. Dessaforma, a sociedade do outro passa a serpercebida como ameaçadora, inferior; évivida de modo odioso, sendo a própria pos-sibilidade da guerra.

A coexistência do eu e outros instaura adimensão do desconhecido, desestabi-kzando as estruturas vigentes e formandooutras novas com direções imprevisíveis.Essa incerteza leva a uma sensação dedesordem que, se acolhida de modosatisfatório, poderá ser um momento degrandes transformações e cooperação paraa construção de uma nova ordem social.Para que isso ocorra, é necessário re-conhecer a relação dialógica entre essestermos, pois eles fazem parte do mesmoprocesso de construção histórica. Viverapenas uma ou outra seria viver de modopobre, mutilado. Se houvesse apenas aordem, não haveria espaço para o novo, oousado, o criativo. Se houvesse apenasdesordem, não haveria capacidade demanter a evolução e o desenvolvimento.

Trabalhar na dimensão da incerteza queé suscitada pela presença do outro é elevaro pensamento ao complexo, considerandoo múltiplo, o certo e o incerto, o lógico e ocontraditório. Mas a sociedade do eu seapresenta de modo totalitário. Nela não háespaço para o novo. Existe a impossibi-lidade de uma relação dialógica, pois elanão percebe essas diferenças como transi-tórias e remediáveis pela ação do tempo,ou modificáveis pelo contato cultural. Háuma cristalização de pensamentos emidéias estereotipadas, o que pode deflagrarum mal-estar diante do outro, demarcandouma distância de reconhecimento e pres-tígio entre sociedades distintas. Tal compor-tamento é denominado preconceito.

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Para Heler (1988), o preconceito estápautado em um forte componente emo-cional que faz com que os sujeitos sedistanciem da razão. O afeto que se liga aopreconceito é uma fé irracional, algo vividocomo crença, com poucas possibilidadesde modificação. O preconceito difere dojuízo provisório, já que este último é passívelde reformulação quando os fatos objetivosdemonstram sua incoerência, enquanto ospreconceitos permanecem inalterados,mesmo após comprovações contrárias.

Os sujeitos que possuem tal crençaconstroem conceitos próprios, marcadospor estereótipos, que são os fios condutorespara a disseminação do preconceito, poisse encontram em consonância com osinteresses do grupo dominante, que utilizaseus aparelhos ideológicos para difundir aimagem depreciativa do negro. Nessesentido, o estereótipo leva a uma "como-didade cognitiva", pois não é preciso pensarsobre a questão racial de modo crítico, umavez que já existe um (pré) conceito formado,fazendo com que os sujeitos simplesmentese apropriem dele, colaborando para aacentuação do processo de alienação daidentidade negra. Esses estereótipos dãoorigem ao estigma que vem sinalizarsuspeita, ódio e intolerância dirigidos adeterminado grupo, inviabilizando a suainclusão social.

A conseqüência dessas construçõespreconceituosas é a manifestação dadiscriminação, uma ação que pode variardesde a violência física - quando gruposextremistas demonstram todo o seu ódio eintolerância pelo extermínio de determinadapopulação - até a violência simbólica,manifestada por rejeições provenientes deuma marca depreciativa (estigma) impu-tada à sua identidade, por não estar coerentecom o padrão estabelecido (branco!europeu).

De acordo com Goffman (1988), otermo estigma é de origem grega e sereferia a sinais corporais, uma marcadepreciativa atribuída a um determinado

sujeito por não estar coerente com asnormas e o padrão estabelecidos. Assim,buscava-se evidenciar o seu desvio eatributos negativos com a imputação doestigma, sentindo de aviso para os "normais"que deveriam manter-se afastados dapessoa "estragada", "impura", "indigna" e"merecidamente" excluída do convívio dos"normais".

A impressão do estigma depende davisibilidade e do conhecimento do "defeito".A partir dessa confirmação, o sujeito torna-se desacreditado em suas potencialidades,passando a ser identificado não mais peloseu caráter individual, mas de acordo coma sua marca, destruindo-se a visibilidadedas outras esferas de sua subjetividade. Nocaso da população negra, o seu defeito éevidente, já que sua cor a "denuncia",passando então a experimentar no seupróprio corpo a impressão do estigma e, apartir deste, ser suspeito preferencial dasdiversas situações que apresentam perigopara a população.

A princípio, os grupos homogêneoscomo a família produzem uma cápsulaprotetora que faz o sujeito se sentir menosagredido, mas, ao entrar em contato com adiversidade social, passará a dimensionaras violentas atribuições dadas as suasdiferenças físicas. Desse modo, o momentoem que estigmatizados e "normais" seencontram numa mesma situação social éo instante no qual se evidenciam todas asdiferenças, causando incômodos paraambas as partes. Nesse encontro, oestigma parece tomar uma proporção aindamaior, e os estigmatizados sentem-seinseguros frente ao olhar do opressor, pornão saberem quais atribuições estão sendodadas. Seria como se fossem cruamenteinvadidos por avaliações estereotipadasque reduzem a sua identidade ao seu"defeito".

Dessa forma, as populações negrasforam estigmatizadas no imaginário socialcomo inferiores, primitivas. Os seus cos-tumes e crenças eram desacreditados e

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considerados ilegítimos ao olhar do branco.Essa condição foi consolidada no ima-ginário social com a naturalização dainferioridade social dos grupos subor-dinados.

2. A redução do cultural ao biológico

A elaboração desses conceitos teveinício no final do século XIX, com aconstrução da teoria das diferenças inatase permanentes entre brancos e não-brancos. Essas elaborações influenciaramde modo marcante a compreensão dasciências sociais sobre a questão racial.Essa prática, que utiliza critérios de raçapara segregar, humilhar, discriminar, foidenominada racismo (Cavaleiro, 2000).

Três escolas emergiram nesse período.A etnológico-biológica acreditava que ainferioridade das raças estava ligada àsdiferenças físicas, podendo explicar outrasdiferenças culturais. Para comprovar suaselaborações, cientistas dedicavam parte deseus estudos a medir crânios e esqueletos,na busca de provar a correlação entre oscaracteres inatos e culturais, levando a umaacentuação do caráter primitivo de deter-minadas raças (Skidmore, 1976).

Houve uma perspectiva histórica quedefinia as raças como estando perma-nentemente diferençadas umas das outras,afirmando que ao longo da história teriahavido o triunfo das raças criadoras (anglo-saxônicas). Essa corrente mantinha o cultoao arianismo, acreditando que a populaçãoanglo-saxônica teria alcançado o mais altonível de civilização, passando de maneira"natural" a conquistar o mundo de modocrescente. Por último, a terceira escola,denominada Darwinismo Social, segundoa qual as raças humanas haviam passadopor um processo evolutivo em que as raçassuperiores teriam predominado e asinteriores estavam fadadas ao desa-parecimento (idem).

Essas construções científicas vieramcontribuir para a consolidação do estereóti-po do negro no imaginário social, acredi-tando que a distinção moral "estava contida"na essência racial, ou seja, característicasdepreciativas como: "negro não sabe falar,não tem educação, não pode ser bonito,não é inteligente, não pode liderar' estariamligadas a questões fenotípicas, isto é, a umaredução do cultural ao biológico, desva-lendo-se as características individuais esociais. As marcas do corpo ou caracteresfísicos demarcam as distâncias e os locaisocupados no prestígio social. Por meia deum traço "objetivo" - caracteres físicos -'indica-se o caminho para construçõesarbitrárias, baseadas na ideologia domi-nante, as quais passam a atribuir signifi-cados que desqualificam a identidade dapopulação negra.

Essa associação do caráter social estácontida na essência racial; leva a percebera subjetividade da população negra comofixa, acabada e imutável nas atribuiçõesnegativas, portanto, com pouca ou nenhumapossibilidade de mobilização. Essa natura-lização do caráter social foi uma forma dejustificar a diferença de tratamento, status eprestígio, levando a uma relação racista,perversa e nociva. Uma idéia biológicaerrônea, mas eficaz o suficiente para mantere reproduzir a ideologia dominante nos seusobjetivos de reproduzir as diferenças eprivilégios, consolidou a suposta superio-ridade branca, que passou a ser sinônimode pureza, nobreza estética e sabedoriacientífica. Em contrapartida, a cor negrapassou a ser sinal do desrespeito e dadescrença (Guimarães, 1999).

Essa manifestação de desigualdade depoderes e direitos não possui uma origemnatural, como foi pensado anteriormente,mas partiu de uma construção social sembase objetiva decorrente de representaçõesideológicas que englobam crenças evalores de um grupo dominante, que buscamanter a ordem social ou o ideal do ethosbranco. Seu objetivo é sustentar as relações

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assimétricas e monopolizar as idéias eações de um determinado grupo, man-tendo-o preso e dominado por essesconceitos, falseando a realidade, ocultandocontradições reais, construindo no planoimaginário um discurso aparentementecoerente e a favor da unidade social. Parecehaver interesse na transmissão de umaideologia inferiorizadora, que objetivadominar, dividir, eliminar, desculturalizar,embranquecer, perpetuando mitos e es-tereótipos negativos referentes à populaçãonegra.

A conseqüência desses atos discri-minatórios é a fragilização e a denegaçãoda identidade coletiva, na qual estãocontidos toda uma historicidade e valoresculturais. Essa apropriação do discursosocial é possível, pois a estrutura subjetiva- identidade - é relacional, formada a partirda relação progressiva e dialética entre "eu"e os 'outros". Mediante as semelhanças ediferenças, ou seja, os contrastes, pas-samos a distinguir o sou/somos e não sou/não somos. O referencial externo passa aser condição fundamental para a elabo-ração da imagem individual. A nossaidentidade responde ao discurso alheio. Oentendimento que tenho de mim estádiretamente ligado à minha compreensãodo outro, algo que está fora, mas, ao mesmotempo, fornece condições para que osujeito exista. Nesse sentido, a construçãoda identidade, assim como sua manu-tenção, se constituirá dentro do processosocial, quando o olhar do outro poderá ounão proporcionar o reconhecimento ousentimento de pertença ao grupo social(Woodward, 2000).

A condição acima citada parece estarresumida em uma afirmação enfática dosociólogo Berger (1991): "A dignidadehumana é uma questão de permissãosocial". A princípio, eia nos causa um certoimpacto, mas, ao analisarmos as conse-qüências do preconceito racial, percebe-mos que se encontra coerente com aafirmação citada, pois o preconceito

inviabiliza o reconhecimento da dignidadedo sujeito, comprometendo a sua inclusãosocial.

Esse estado de não-permissão socialconcretiza-se quando percebemos a faltade pertença, uma invisibilidade na parti-cipação dos negros no poder político e umalimitada inserção na sociedade. Os negrosse vêem descartados dos principais centrosde decisão política e económica, sofrendodesvantagens no processo competitivo eem sua mobilização social e individual. Issosignifica "simbolicamente" um corte depoder e uma exclusão social, levando àalienação e à depreciação da identidadepessoal e étnica (d'Adesky, 2001).

O preconceito afeta não apenas odestino externo das vítimas, mas a suaprópria consciência, já que o sujeito passaa se ver refletido na imagem preconceituosaapresentada. Muitos negros são induzidosa acreditar que sua condição inferior édecorrente de suas características pes-soais, deixando de perceber os fatoresexternos, isto é, assumem a discriminaçãoexercida pelo grupo dominante. Nessemomento, surge a idealização do mundobranco e a desvalorização do negro,construindo-se a seguinte associação: oque é branco é bonito e certo, o que é negroé feio e errado.

Devido a esse processo de alienaçãode sua identidade individual e coletiva, háum distanciamento, por parte dos negros,das matrizes culturais africanas, chegandoeles, em alguns momentos, a tratar commenos valor seus atributos negros, po-dendo, inclusive, não questionar os este-reótipos e situações preconceituosas, commedo de não serem aceitos pelo seu gruposocial, preferindo permanecer submissos.Ao incorporar esse discurso ou omitir-sefrente a ele, o sujeito negro dá inicio aoprocesso de auto-exclusão. Nesse momen-to, o preconceito cumpre o seu papel,mobilizando nas suas vítimas sentimentosde fracasso e impotência, impedindo-as dedesenvolver auto-confiança e auto-estima(Ferreira, 2000).

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O preconceito racial cria uma açãoperversa que desencadeia estímulosdolorosos e retira do sujeito toda pos-sibilidade de reconhecimento e mérito,levando-o a utilizar mecanismos defensivosdas mais diversas ordens, contra a iden-tidade ou o pensamento persecutório queo despersonaliza e o enlouquece. Nessaperspectiva, é fortalecida a idéia de domi-nação de grupos que se julgam maisadiantados, legitimando os desequilíbriose desintegrando a dignidade dos gruposdominados.

Essas elaborações preconceituosasparecem estar, assim, a serviço de umgrupo dominante que objetiva manter sobcoerção grupos considerados subor-dinados. A sua forma de consolidação econstante atualização ocorre nos espaçosmicrossociais, representados pelas diver-sas instituições, como escola 1 família, igreja,meios de comunicação. A sua forma demanifestação, em geral, é feita de modosutil, com toda a legitimação social no quese refere aos métodos e à garantia da suaconseqüente eficácia. Assim, escolhi umdaqueles espaços - a escola - como universode investigação, que pode ser campo fértilpara a difusão do preconceito, mas quepoderá ser instrumento eficaz de prevençãoe diminuição do mesmo.

3. A representação da escola

Em todos os grupos humanos, é possívelobservar a utilização de meios pedagógicoscomo forma de transmissão do saber, pormeio dos quais os sujeitos compartilhamconhecimentos, símbolos e valores. Emsociedades "modernas", criou-se umasistematização desse saber, nas quaismediante modelos formais e centralizadosas informações são transmitidas. Acre-ditava-se que essa seria a forma viável deadquirir polidez e desenvolver um conhe-cimento mais especializado.

Esse baus de conhecimento foi deno-minado Escola, constituindo-se numsistema aberto que passou a fazer parte dasuperestrutura social formada por diversasinstituições como: família, igreja, meios decomunicação. O sistema escolar é orga-nizado para cumprir uma função social que,em geral, está de acordo com as demandassociais.

O seu principal objetivo é formar umsujeito apto a assumir seu espaço nasociedade capitalista, ou seja, produtivo,submisso às ideologias dominantes, tendoboa interação com o seu grupo social. Paraisso, é necessário manter ativos os controlessociais, que são formados por regrasaplicadas ao cotidiano escolar, "sanando"qualquer disfunção que venha impedir aefetuação do processo educativo. Para umcontrole mais eficaz, utilizam-se recursosque podem variar desde a retaliação oupunição até a segregação ou margina-lização dos grupos considerados desviantesda norma. Essas regras institucionaisoperam de modo simbólico, repercutindoe legitimando outros espaços sociais quehabitualmente estão de acordo com asinstâncias de poder (Abramovay, 2002).

A inserção das crianças nesse espaçoé feita, na maioria das vezes, de maneiraarbitrária. Para justificar tal obrigatoriedade,os pais e/ou figuras de autoridade o definemcomo via de acesso ao conhecimento deteorias e conceitos que formam a vida emsociedade, para então possibilitar o in-gresso no mercado de trabalho e poder "seralguém na vida". Em alguns momentos, ospais atribuem à escola a função de produzirsujeitos com uma reflexão crítica e umaação política transformadora, garantindo oseu exercício pleno de cidadania. Assim,acredita-se que o espaço institucional"proporcionará" um campo de crescimentoeqüitativo para todos os que usufruem osseus serviços, aperfeiçoando suas atri-buições pessoais e, a partir de então,propiciará um acesso à vida em sociedade.

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Mas até que ponto a escola estariacorrespondendo a tais atribuições? Qual otipo de cidadão que estaria sendo cons-truído nesse espaço? Um dos aspectos quedão margem a esse tipo de questão seria aobservação do método de ensino adotadopela instituição, o qual parece encontrar-se pautado em um padrão que atende àsnecessidades de um grupo dominante; edentro de uma compreensão monolítica,desconsideram a pluralidade culturalpresente em uma sala de aula. Assim, aescola poderá ser um espaço de inculcaçãodos valores dominantes, levando de modosutil e eficaz à domesticação dos sujeitosaos interesses dominantes. A negação dasquestões que envolvem o negro na escolapoderá contribuir para a acentuação daexclusão social em outros espaços sociais.

Essa perspectiva ideologizante daescola vai de encontro às suas propostasde construção de um sujeito crítico e polido,capaz de modificar a ordem social. Nessesentido, a escola poderá ser um meio demanutenção das desigualdades sociaispelo uso de métodos simbólicos e indiretosde coerção social. A desconstrução dessas•estratégias de dominação pode ser de difícilacesso devido ao crédito atribuído à escolacomo detentora do saber e da verdadeabsoluta, tornando-se mais fácil a interio-rização e consolidação dos valores queperpetuam as inferioridades sociais.

4. Notas introdutórias sobre o lugar do negrona escola

De acordo com dados fornecidos peloórgão de pesquisa Pnad (1999)— PesquisaNacional por Amostra de Domicílios - éobservado um contingente expressivo deuma trajetória escolar difícil, em que 40%das populações negras e pardas sãoanalfabetas, ou seja, possuem menos dequatro anos de estudo funcional, acom-panhado de um baixo rendimento, e índicesde reprovação e evasão maiores do que osdas crianças brancas.

Para compreender esse fato, pode-remos pensar em alguns indicadores, taiscomo um alto percentual da populaçãonegra e parda encontra-se abaixo da linhada pobreza, levando à necessidade deingresso no mercado de trabalho de modoprecoce para complementar a rendafamiliar, ou ainda, a representação daescola, para muitas crianças, como umreferencial de fracasso, já que "não con-seguem aprender, embora isso não sejaimpedimento meramente cognitivo, masuma possível dificuldade de inserção dascrianças negras no espaço escolar, por sesentirem "excluídas" do mesmo; umaexclusão simbólica, já que a criança temacesso à matrícula e à sala de aula, masnão é aceita no contexto mais amplo.

Essa rejeição vai se tornando perceptívelcom a observação do cotidiano escolar,que apresenta imagens caricatas emcartazes ou ausência dos negros em datascomemorativas, como o Dia das Mães, emgeral ilustradas por uma família branca, oque leva a criança negra a não se re-conhecer na mesma. Existe ainda umaausência de conteúdos que problematizema questão do negro nos currículos esco-lares, privando as crianças negras deconhecerem a sua história, que vai alémda escravidão. Pode ser ainda possívelobservar a demonstração de preconceitoproveniente de colegas e professores, queviolentam por meio de insultos a identidadenegra.

O cotidiano escolar vai dando indíciosdo lugar do negro nesse espaço. Muitascrianças acabam resignando-se a essenão-reconhecimento, a ponto de se ava-liarem de maneira distorcida, consi-derando-se incapazes, inferiores e, aomenor sinal de dificuldade, abandonam oprocesso escolar.

A dificuldade de auto-aceitação podeser decorrente de um possível compro-metimento de sua identidade devido aatribuições negativas provenientes do seugrupo social, Segundo Oliveira (1994), essa

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internalização do discurso alheio ocorreporque a avaliação, antes de ser pessoal, ésocial. Nossa identidade é resultado de umprocesso dialético entre o que é de caráterindividual e cultural, uma produção sócio-histórica, um processo criado e recriadocontinuamente. É pelo olhar do outro queme constituo como sujeito. É a qualidadedesse olhar que contribui para o grau deauto-estima da criança.

Para Vigotsky (1984), o psiquismohumano existe por uma apropriação dosmodos e códigos sociais. Com a interna-lização, a criança vai tornando sua o que écompartilhado pela cultura; o discursosocial passa a ter um sentido individual. Masos referenciais externos dos negros sãodilacerantes. A mensagem transmitida éque, para o negro existir, ele tem de serbranco, ou seja, para se afirmar comopessoa precisa negar o seu corpo e a suacultura, enfim, a sua etnicidade. O resultadodessa penalização é o desvirtuamento daidentidade individual e coletiva, havendo umsilenciamento do preconceito por parte dacriança e do cidadão ao longo da vida.

Nesse sentido, a escola poderá "si-lenciar" as crianças negras, intensificandoo sentimento de coisificação ou invisi-bilidade, que pode gerar uma angústiaparalisante, de modo que seus talentos ehabilidades se tornem comprometidos pornão acreditarem nas suas potencialidades,ambicionando pouco nas suas atividadesocupacionais futuras. Mais adiante, essaexperiência leva a criança a se questionarsobre o que é preciso para ser olhada,reconhecida. Nesse momento, poderá darinício ao processo de embranquecimentoe auto-exclusão de suas característicasindividuais e étnicas. Tais conseqüênciasna identidade infantil passaram a serpreocupação e foco de estudo de algunsteóricos que citaremos a seguir.

5. O preconceito racial na escola

Diversos autores preocuparam-se coma relação entre racismo e educação,desenvolvendo pesquisas nessa linha.Uma delas foi realizada por Gusmão(1999), com crianças pobres de periferiaurbana ou do meio rural, e tinha comoobjetivo verificar de que forma estigmas eestereótipos se fixam na vida do negro. Paratal, foram analisados desenhos nos quaisfoi possível observar como se estrutura omundo simbólico e de que forma ascrianças olham o mundo e são olhadas porele. No universo investigado, incluiu-se tam-bém o sistema educacional.

Por meio dos desenhos, foi possívelobservar qual a compreensão tida pelosdois mundos: brancos/negros. O branco foirepresentado como vinculado ao que écivilizado, urbano, bem apresentado, sorri-dente, enquanto o negro seria o inverso:meio rural, ligado ao trabalho físico,desprovido de dinheiro e de possibilidades.A imagem do negro é mutilada de atri-buições positivas, é representada pelascrianças como um mundo triste, marcadopela violência e pela distância real esimbólica entre brancos/negros.

Cada população parece ter seuslugares bastante delimitados no imagináriocoletivo, transbordando para o convíviosocial. Algumas crianças mostraram-sehostis frente a essa postulação, demons-trando a sua indignação contra conteúdosdiscriminatórios. Mas, haveria ainda os quese "adaptam" ao discurso do opressor,percebendo-se como selvagens, semhumanidade, impossibilitados de protestarcontra sua condição por se sentiremamordaçados pela internalização maciçados padrões dominantes.

Em outra pesquisa realizada comcrianças de escola pública de Campinas,Oliveira (1994) investigou como eramestabelecidas as relações entre criançasnegras e brancas em uma sala de aula. Foi

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observado que os dois grupos se rela-cionavam de modo tenso, segregando,excluindo. A criança negra mantinha-se emuma postura introvertida, recusando-se emmuitos momentos a participar das ativi-dades propostas, com medo de que osoutros rissem dela, ou seja, para não serrejeitada ou ridicularizada, ela preferia calarsua voz e sua doí Isso ilustra o quanto umasituação social pode silenciar as criançasnegras, reduzindo-as a um estado quasede mutismo e invisibilidade em sala de aula,levando-as a profundo desconforto, inten-sificado pelo sentimento de não-pertença.

Em atividade proposta em sala de aula,foi solicitado às crianças que falassemsobre si em uma redação. A criança negrase auto-releria de modo depreciativo,descrevendo-se a partir do discurso dosseus colegas: leia, preta, fedorenta, cabeloduro". Não se sentia desejada, portanto,pelos meninos como as suas outrascolegas que tinham um cabelo grande eliso.

Situações como as descritas acima,submete a criança negra a uma violênciasimbólica, manifestada pela ausência dafigura do negro no contexto escolar, ou pelalinguagem verbal - insultos e piadas - pro-veniente do seu grupo social, demons-trando de modo explícito o desrespeitodirigido a essa população, aprendido muitocedo pelas crianças brancas.

A criança negra poderá incorporar essediscurso e sentir-se marginalizada, des-valorizada e excluída, sendo levada a falsoentendimento de que não é merecedora derespeito ou dignidade, julgando-se semdireitos e possibilidades. Esse sentimentoestá pautado pela mensagem transmitidaàs crianças de que para ser humanizado épreciso corresponder às expectativas dopadrão dominante, ou seja, ser branco.

Esses estímulos de embranquecimentosão em geral transmitidos pelo sistemasocial e, às vezes, pela família. Tal tipo deação conduz não apenas à desvalorizaçãodo "eu". mas também acarreta intensa

angústia, porque a criança não conseguecorresponder às expectativas. Assim, aidentidade da criança negra passou a serlesada: ao se voltar para o seu próprio corpo,as crianças encontram as marcas daexclusão, rejeição e, portanto, insatisfaçãoe vergonha.

A população negra poderá acabar pornegligenciar a sua tradição cultural em prolde uma postura de embranquecimento quelhe foi imposta como ideal de realização.Esse posicionamento foi decorrente dainternalização de que "embranquecer' seriao único meio de ter acesso ao respeito e àdignidade. Esse ideal do ethos branco fazcom que a criança deseje mudar tudo emseu corpo. No discurso de uma dascrianças entrevistadas, Oliveira (1994)salienta uma frase: "Eu queria dormir eacordar branca do cabelo liso". A fala dessacriança leva a supor que seria como acordarde um pesadelo, povoado de insatisfação,vergonha e rejeição. A criança não entendenem é entendida nesse sistema edu-cacional, que parece reproduzir o padrãohegemônico, estigmatizando a criançanegra como incapaz, rebelde.

Essa postura é ainda reafirmada pelalinguagem não-verbal, quando estudosdemonstram haver uma ausência decontato físico afetivo dos professores paracom as crianças negras, demonstrando arejeição do seu grupo social e causando-lhes sofrimento. A sua dor não é reconhe-cida, havendo uma aparente falta deacolhimento por parte das pessoas "au-torizadas" (educadores), que silenciam ouse omitem em face de uma situação dediscriminação. Tal postura denuncia abanalização do preconceito e a conivênciados profissionais com ele (Romão, 2001).

E possível observar que há uma aparentefalta de intervenção por parte dos edu-cadores em tal problemática. Alguns fatoresque estariam implicados em tais questõesseriam: i - Os educadores poderiam estarimbuídos de forte impregnação da ideo-logia dominante, que oprime e nega tudo

O preconceito raciale suas repercussõesna insdwiço escola

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aquilo que se distancia do padrão es-tabelecido, impossibilitando-os de pensarnuma perspectiva multicultural. ii - Mitifi-cação da instituição Escola, acreditandoque ela seria a detentora de um supostosaber e, por conseguinte, "dona da verdade",intimidando alguns educadores a nãomacular tal imagem, não questionandodeterminada postura ou a adoção dedeterminado material didático, perma-necendo a sensação de mal-estar que nãoé significada, ou seja, não é falada, dandocontinuidade ao silêncio e à cumplicidadecom determinadas atitudes. iH - Falta depreparo dos professores para lidar com aquestão racial em sala de aula, desen-cadeando a difusão da discriminação ra-cial. Essa falta de preparo impossibilita adecodificação e a intervenção do educadorem situações que denotem sinais de pre-conceito.

6. Considerações finais

Nesse sentido, o cotidiano escolarpoderá revelar uma inclinação paracorresponder ao padrão branco/europeu,negligenciando os valores referentes àsmatrizes africanas, podendo levar à acen-tuação do estigma de ser inferior. Essasações preconceituosas conduzem a umprocesso de despersonalização dos ca-racteres africanos, o que dificulta e, emalguns casos, inviabiliza a inserção da

criança no sentimento de pertençaespaço escolar, comprometendo aauto-estima, impossibilitando-a de terautoconhecimento individual ou cultupois esses dois níveis estão diretamenteligados a condições desvalorizadorasatribuídas pelo grupo dominante.

A reversão desse quadro será possívelpelo reconhecimento da escola comoreprodutora das diferenças étnicas, in-vestindo na busca de estratégias queatendam às necessidades específicas dealunos negros, incentivando-os e estimu-lando-os nos níveis cognitivo, cultural efísico, O processo educativo pode ser umavia de acesso ao resgate da auto-estima,da autonomia e das imagens distorcidas,pois a escola é ponto de encontro e deembate das diferenças étnicas, podendo serinstrumento eficaz para diminuir e preveniro processo de exclusão social e incor-poração do preconceito pelas criançasnegras. (Romão, 2001)

O espaço institucional poderá propor-cionar discussões verticalizadas a respeitodas diferenças presentes, favorecendo oreconhecimento e a valorização da con-tribuição africana, dando maior visibilidadeaos seus conteúdos até então negados pelacultura dominante. Esse tipo de açãopromoverá um conhecimento de si e dooutro em prol da reconstrução das relaçõesraciais desgastadas pelas diferenças oudivergências étnicas.

aosuaumral,

WarIa Menezes

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