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A PRATICA DO PRECONCEITO RACIAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA · 2018-04-30 · 1 A PRÁTICA DO PRECONCEITO RACIAL NA SOCIEDADE E NA REALIDADE ESCOLAR VALDIR MOISES NUNES PROF. LUIZ CARLOS

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A PRÁTICA DO PRECONCEITO RACIAL NA SOCIEDADE E NA

REALIDADE ESCOLAR

VALDIR MOISES NUNES

PROF. LUIZ CARLOS RIBEIRO

RESUMO:

Este artigo tem por objetivo demonstrar, ainda que de maneira sucinta o

“cientificismo racial” que surgiu no século XIX e como essa ideologia chegou ao

Brasil e foi abraçada por parte das elites. A ideia da poligenia que significa a

crença na diferenciação biológica entre os seres humanos, foi difundida através

das produções intelectuais da época e nos meios de comunicação. Essa

doutrina racista gerou consequências como a desigualdade racial. O racismo se

apresenta de diversas maneiras na sociedade, seja com argumentos que

justificam as diferenças, sejam através dos privilégios e desigualdades entre os

seres humanos. Veremos que na atualidade o preconceito racial tem se

apresentado em diversos locais como na mídia, no futebol e em outros ambientes

públicos com muita frequência. Nos espaços escolares se percebe o racismo de

maneira bem clara. Essa constatação foi confirmada pela pesquisa realizada

com os alunos de 2º ano do ensino médio.

PALAVRA CHAVE: racialismo; racismo; racismo na atualidade

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo tem por finalidade fazer uma reflexão sobre o preconceito racial,

como ele foi difundido de maneira eficiente nas sociedades e como se manifesta

de diversas maneiras nos dias atuais, nos estabelecimentos comerciais, espaços

públicos diversos e também nas escolas.

No século XIX surge na Europa o chamado racismo científico, logo após a

restauração da Monarquia na França, tendo como um dos principais autores, o

Conde de Gobineau. O sentimento que se manifestava neste personagem, era

de restauração da velha ordem absolutista, onde os privilégios seriam

recolocados em prática e nesse ambiente a separação da nobreza das demais

pessoas garantia tais privilégios. O conde de Gobineau exaltava a raça ariana

como portadora de uma aptidão civilizadora e esta não deveria se misturar com

outras, pelo contrário, levaria à queda das civilizações. Portanto, era de

fundamental importância, manter a pureza de sangue, evitando a miscigenação

e, consequentemente, a degeneração. Segundo Gobineau, se o avançado

processo de mestiçagem continuasse, não mais existiria no mundo, arianos que

fossem “puro sangue”.

A poligenia representava outra concepção racista surgida na Europa. E

seus representantes propagavam a ideia de que os seres humanos tiveram

origens em diversas regiões do planeta a seriam biologicamente diferenciados.

Segundo Bulcão Neto, poligenia é a hipótese segundo a qual as raças humanas

não possuem uma origem comum, isto é, ou foram criadas separadamente ou

evoluíram a partir de fontes diferentes e com diferenciações biológicas.

O processo de branqueamento do povo brasileiro, era visto por uma parte

dos intelectuais do Brasil no final do século XIX, como possível através da

mestiçagem, e para atingir este objetivo, segundo esses pensadores, a imigração

do povo branco europeu deveria ser incentivada, pois a raça mais evoluída, os

brancos, prevaleceria sobre as demais e assim, aos poucos os traços físicos de

negros, índios e mulatos desapareceriam ao serem assimilados pela mistura de

raças. Vejamos o que Bulcão Neto escreveu sobre o intelectual Silvio Romero,

defensor do branquemento do povo brasileiro:

Afinal, se, no homem misto, “cada célula é o palco de então é possível que todas as batalhas sejam travadas nesse nível molecular

— graças ao intercurso sexual, essa guerra inter-racial, silenciosa e

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subterrânea, torna-se contínua, passa de uma geração a outra até a vitória final do homem branco sobre o bugre e o negro. (Bulcão Neto 2009)

O racismo apresenta argumentos que “justificam” diferenças, privilégios e

desigualdades entre seres humanos. Tendo em vista que não há base científica

para tais argumentos, estes podem ser considerados preconceito. Nos dias

atuais é comum esses argumentos. A ideia de cultura superiores e inferiores

também é uma forma de manifestação do racismo na atualidade, assim como a

visão negativa e preconceituosa sobre determinados grupos sociais que gera

mecanismos de desigualdades sociais e econômicas.

Outro mecanismo é aquele que atua na vida cotidiana através da exclusão

ou da discriminação direta, ainda que discreta, polida e amável.

O racismo é um problema atual e requer entre outras coisas um esforço

pessoal para não perpetuar a reprodução e legitimação do preconceito. Por esta

razão, a pesquisadora Lia Vainer Schulman, defende uma prática de combate ao

racismo através de um conjunto de ações batizada por ela de Letramento Racial.

No final deste artigo está o resultado da intervenção didático pedagógica

realizada na escola, com depoimentos diversos dos alunos que participaram da

pesquisa. Nesses relatos veremos a confirmação do problema do preconceito,

feita com muita autenticidade, por parte dos educandos. O leitor terá a

oportunidade de identificar a intensidade do preconceito no espaço escolar a

partir das respostas sobre questões dadas no processo de pesquisa.

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2. O RACISMO CIENTÍFICO

A Revolução Francesa se propagou além do Atlântico e contribuiu para o

surgimento da grande Revolução Haitiana, resultando na independência daquele

país.

Napoleão Bonaparte, elevado ao poder na França, ordena a invasão do

Haiti, mas seu exército foi expulso da Ilha de Santo Domingos e a classe

dominante branca foi dizimada na sua quase totalidade. Este fato assombrou as

elites brancas tanto no continente americano como no continente europeu, que

estavam ligadas ao colonialismo, aumentando ainda mais o sentimento de

preconceito racial dessas elites.

Com a restauração da monarquia na França, mesmo sendo por um curto

período de tempo, houve um contra-ataque à liberal democracia e aos ideais da

Revolução Francesa.

Para o pleno sucesso no confronto ideológico, porém, muitos

intelectuais orgânicos da nobreza e da burguesia enobrecida (os “esnobes”) defendiam que se deveria fazer uso da mesma arma do

inimigo iluminista, isto é, valer-se também da ciência para reforçar as fundações axiológicas do colonialismo, do hierarquismo aristocrático e

da monarquia. Surgia, assim, o embrião do “modernismo reacionário” BULCÃO NETO, Manuel Soares -2009.

Foi com esta nova conjuntura de ideias retroativas, que o conde Joseph

Artur de Gobineau elaborou a primeira concepção de mundo racista

cientificamente fundamentada. A obra em que ele expôs o seu racismo científico

tem como título Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas. Em linhas

gerais, o racismo pseudocientífico do Conde de Gobineau, são os seguintes:

existe uma hierarquia das raças humanas; os arianos dolicocéfalos da cabeça

comprida e loiros, constituem a raça superior, portadora de uma aptidão

civilizadora; a principal mola propulsora da História é a vitalidade racial; a queda

das civilizações é uma consequência da degenerescência das raças, causada

pela mistura de sangue.

Empolgado com a restauração da monarquia e a aparente superação dos

ideais da Revolução Francesa, o Conde de Gobineau dizia que o ambiente

democrático implantado por essa revolução iria favorecer a miscigenação entre

indivíduos de raça diferente. Com essa mistura, a raça ariana a qual pertence a

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elite europeia, tende-se a desaparecer, pois a democracia, segundo ele,

promovia a aproximação das pessoas.

Gobineau afirmava que não é conveniente se misturar com pessoas

plebeias, sentindo o cheiro delas, ficar na mesma fila. Essa aproximação, fruto

do fim dos privilégios da elite ariana, promove também a miscigenação e,

consequentemente, a degeneração das raças. Chegava ao ponto de dizer:

“Não creio que viemos do macaco, mas acredito que vamos nessa direção”.

Assim escreveu Bulcão Neto em relação ao pensamento de Gobineau:

...Ora, entre o ladear-se e a cópula não há grande distância, de sorte

que a democracia é mesmo instrumento da miscigenação; fomento da mediocridade biológica; meio de contaminação da elite pelo sangue vil da arraia-miúda; caminho para a degeneração da raça dos

hiperbóreos. Gobineau era tão conhecido pela sua convicção no degeneracionismo que o disse-me-disse terminou por lhe atribuir a

seguinte frase: “Não creio que viemos do macaco, mas acredito que vamos nessa direção”. BULCÃO NETO, Manuel Soares – 2009.

Outra concepção racista que surgiu na Europa, defendia a origem

diversificada dos seres humanos. Estes teriam surgido em diferentes regiões

geográficas, portanto, foram criados separadamente, evoluíram a partir de fontes

diferentes.

O grande Zoólogo suíço Louiz Agassiz, ao vir para os Estados Unidos na

década de 1840, momento em que a escravidão persistia como instituição forte,

encontra um terreno fértil para concepções racistas das mais radicais, entre elas

o poligenismo. Segundo Gonsales Soares poligenia é o pensamento racista

europeu que acreditava na suposta existência de vários centros de criação. A

ideia de que as espécies humanas seriam espécies biológicas separadas

organizava as leituras sobre as diferentes raças e deu origem à teoria poligenista.

Quando Louiz Agassiz chegou no continente americano, ainda era

criacionista, monogenista e se posicionava a favor do abolicionismo. Era cristão

e partidário da igualdade jurídica para todos. Entretanto, ao se deparar com os

negros, a impressão negativa que obteve daquele ser “exótico”, somada às

pressões dos seus novos colegas poligenistas da comunidade científica

americana, Agassiz adotou o poligenismo e tornou-se um grande defensor dessa

teoria no continente.

Seu heterodoxo criacionismo poligenista e seus preconceitos

cientificamente envernizados contra as raças não brancas o levaram a propugnar o segregacionismo racial e a condenar com veemência o

processo de “hibridização” em andamento, ou seja, a miscigenação e

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sua causa: o intercurso sexual entre indivíduos do gênero humano, porém de “espécies” diferentes e “desiguais”. BULCÃO NETO, – 2009.

A partir da segunda metade da década de 1980, análises minuciosas, tanto

do ADN mitocondrial, como cromossomos Y, foram realizadas. Todas essas

pesquisas demonstram que os seres humanos surgiram de um grupo apenas,

portanto, longe de sua variedade de raças e origens. Segundo Bonalume Neto,

um estudo do genoma, conjunto do material genético de 27 diferentes

populações do continente africano indicou que o berço do homem moderno foi a

África do Sul.

Foram realizados também, estudos linguísticos pela professora da

Universidade de Berkelei, Califórnia. Este estudo confirma as análises genéticas;

chegaram à conclusão que as cinco mil línguas faladas em todo o mundo,

originaram-se de uma mesma protolíngua que existia há aproximadamente, cem

mil anos na África Oriental. Assim afirma Bulcão Neto Bulcão:

Johanna Nicols, professora da Universidade de Berkeley, Califórnia, surpreendentemente fecham com os das análises genéticas; isto é, mostram que as cinco mil línguas atualmente faladas originaram-se de

uma mesma protolíngua que existiu há aproximadamente cem milênios na África oriental ou no Oriente Médio. BULCÃO NETO – 2009.

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3. DIFERENTES FORMAS DE RACISMO

Há uma visão de sociedade e um ideal de Estado que parece comum a

todos os indivíduos que combate o racismo.

O Estado, baseado na igualdade perante a lei, garante a liberdade

individuais a igualdade de oportunidades. Nas modernas democracias, esses

direitos e garantias são dados, mas em casos especiais são aplicadas políticas

corretivas.

Pois, segundo o credo de igualdades de oportunidades e universalidades,

qualquer diferença entre os indivíduos só é legítima quando decorrentes de

características individuais adquiridas. Mas independente do desempenho

individual, qualquer indivíduo é portador de direitos inalienáveis. O racismo

originou-se da difusão de uma doutrina que justificava a desigualdade dos seres

humanos não pela dominação e submissão imposta pelo conquistador ao

conquistado, mas sim, pela desigualdade entre as raças humanas.

As desigualdades de condições sociais, de tratamento e de direitos entre

conquistadores e conquistados que gerou privilégios para gerações futuras e que

persistem até os nossos dias, é consequência da doutrina racista que se

expressou na visão de inferioridade biológica dos negros.

Esta doutrina justificava pelas diferenças raciais a desigualdade de posição social e de tratamento, a separação espacial e a desigualdade

de direitos entre colonizadores e colonizados, entre conquistadores e conquistados, entre senhores e escravos e, mais tarde, entre os

descendentes destes grupos incorporados num mesmo Estado nacional. Trata-se da doutrina racista que se expressou na biologia e no direito. (GUIMARÃES, 1999 -PG 104).

Hoje não faz nenhum sentido a doutrina relacionada à superioridade das

raças, pois não há legitimidade social. A igualdade de direitos entre os cidadãos

não faz distinção entre as raças e é garantida pela constituição.

Superada a ideologia racista como justificativa legal e legítima, o significado

de racismo hoje é diferente, devido lutas diversificadas que gerou uma

compreensão diferente de racismo.

Qualquer explicação para justificar preferências, prioridade e condições

assimétricas entre seres humanos com base na ideia de raça, pode ser

considerada como racismo.

Outra forma de se praticar o preconceito nos dias atuais é a noção de que

existem culturas superiores ou inferiores entre os povos, substituindo a noção de

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raça. Essa prática pode justificar desigualdades e diferenças que são causas da

existência da falta de oportunidades e de tratamentos. Sendo assim, o discurso

de que culturas superiores ou inferiores existem, pode causar visão negativa a

determinados grupos sociais, como é o caso dos negros do

Brasil.

Portanto, atribuir desigualdades sociais, culturais, psíquicas e políticas à “raça” significa legitimar diferenças sociais a partir de diferenças biológicas Idade das raças. (GUIMARÃES, 1999 – PG 105).

O racismo também pode ser percebido quando há desigualdades sociais e

econômicas, que ocorrem por mecanismos diversos entre grupos de diferentes

raças, desde que haja práticas discriminatórias que podem ser atribuídas à ideia

de raça. Neste caso, os grupos discriminados sofrem as desvantagens em

relação às condições sociais e econômicas.

Outra forma de perceber o racismo é através do conhecimento de como

funciona o sistema social. Isto é possível quando grupos humanos identificados

por traços raciais, são postos em situação desvantajosa do ponto de vista

econômico, político, social e cultural. Neste caso, racismo não é uma ideologia

que justifica a desigualdade, mas um sistema que reproduz tais desigualdades.

O importante é que grupos que se definem e são definidos por meio de

atributos raciais (como a cor) ocupam de modo permanente posições de poder e posições sociais assimétricas como resultado da operação de mecanismos de discriminação. (GUIMARÃES, 1999 – PG 106).

É necessário demonstrar que a realidade social aponta para diferentes

oportunidades entre indivíduos e raças e cores diferentes. Não há uma

competição em pé de igualdade pelos recursos sociais, culturais e econômicos.

Há mecanismos para reproduzir essa desigualdade. Consistem na criação

e manutenção de um grande número de pessoas com baixa autoestima porque

suas características físicas e culturais são inferiorizadas por outros grupos. Isto

acontece através da escolarização formal e também no meio social. Outro

mecanismo é aquele que atua na vida cotidiana através da exclusão ou da

discriminação direta, ainda que discreta, polida e amável.

É evidente e comentado por muitos críticos do racismo uma forma de

discriminação racial quase que impessoal, que se manifesta no preço dos

serviços, nas qualificações formais exigidas, nas qualidades pessoais nos

diplomas e aparências etc.

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4. O RACISMO NOS DIAS ATUAIS

Enquanto os negros se encontravam em uma condição totalmente

subalterna, por falta de políticas públicas como a lei 10.639/02, que tornou

obrigatório o ensino sobre cultura afro brasileira nas escolas, a Lei que

estabeleceu as cotas raciais para os afrodescendentes o racismo existia mas

não se manifestava com tanta fúria, como tem ocorrido em manifestações

abertas do racismo nas redes sociais e nos espaços públicos. Isso ocorria porque

os negros não disputavam com os brancos o acesso aos bens públicos e a outras

posições na sociedade. Tendo em vista que essas posições os brancos

consideravam suas por merecimento. Quando as lutas dos movimentos sociais

negros produziram certas conquistas, muitos brancos passaram a ter o

sentimento de perda. Assim afirma a pesquisadora SCHUCMAN:

...Isso foi claramente perceptível nas entrevistas que fiz. Era comum,

por exemplo, os entrevistados brancos considerarem as cotas para negros nas universidades como privilégios. Mas não lhes ocorria

pensar que o lugar que antes ocupavam com exclusividade fosse um privilégio. Havia uma ideia embutida de merecimento. SCHUCMAN – 2015.

A pesquisadora Lia Vainer Schulman, defende uma prática de combate ao

racismo através do letramento racial. Este termo que esta pesquisadora criou

para dar nome a um conjunto de várias práticas que podem ser desenvolvidas

com a finalidade de promover mudanças comportamentais das pessoas em

relação ao racismo.

O letramento racial é uma forma de responder individualmente às

tensões raciais. Ao lado de respostas coletivas, na forma de cotas e políticas públicas, ele busca reeducar o indivíduo em uma perspectiva antirracista. SCHUCMAN, Lia Vainer – 2015.

A primeira é o reconhecimento da branquitude, ou seja, o indivíduo

reconhece que a condição de branco lhe confere privilégios.

A segunda é o entendimento de que o racismo é um problema atual e não

apenas um legado histórico. Se o indivíduo não der atenção para suas atitudes,

ele sempre estará contribuindo para a legitimação e reprodução do preconceito.

A terceira é tomar posse de um vocabulário racial. Temos que falar de

raça abertamente, não evitar de chamar negro de negro como se evitar essa

palavra pudesse ocultar o racismo. É necessário falar de raça abertamente sem

subterfúgios.

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O quarto é a capacidade de interpretar os códigos e práticas racistas. Isso

consiste em perceber quando uma palavra ou um gesto é uma expressão racista

e não tentar ocultar tais atitudes dizendo que foi um mal-entendido.

Sim. É semelhante a uma alfabetização. Daí a palavra letramento. Foi

essa perspectiva de uma alfabetização antirracista que me fez eleger, como tema do pós-doutoramento, as famílias inter-raciais. Porque o

racismo da sociedade se reproduz de várias maneiras dentro das famílias, inclusive das famílias inter-raciais. SCHUCMAN, Lia Vainer – 2015.

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5. RESULTADO DA APLICAÇÃO DO PROJETO DE INTERVENÇÃO

ESCOLAR COM OS ALUNOS

Esta pesquisa foi realizada com os alunos do 2º ano no Colégio Alfredo

Chaves. Foi apresentada à equipe pedagógica o Projeto de Intervenção

Pedagógica e a Produção Didático Pedagógica, logo no início do ano de 2017,

para devidas observações da equipe pedagógica, sugestões, questionamentos

e também para que a referida equipe realizasse a articulação e o envolvimento

do corpo docente no projeto de pesquisa. Depois de esclarecido todos os passos

dessa ação contidos na Produção didático Pedagogia, a equipe decidiu convocar

os pais dos alunos envolvidos, para devidos esclarecimentos sobre as questões

a serem trabalhadas, já que esta ação junto aos alunos, envolvia

questionamentos sobre racismo que poderiam gerar polêmicas. Vale lembrar que

os nomes dos alunos citados a seguir, são fictícios.

Na primeira fase da pesquisa, foi colocada a seguinte questão: Segundo os

estudos recentes, o preconceito racial está mais relacionado à cor da pele e aos

traços físicos das pessoas negras. Você já viu cena de preconceito dessa

natureza nos lugares que você frequenta? Faça um relato de como ocorreu a

cena de preconceito.

Depois de entrevistados 40 alunos somente dois deles disse que jamais viu

cenas de preconceito em qualquer lugar por onde andou. Entre os que afirmaram

ter presenciado cenas de preconceito, estão relatados aqui, alguns dos mais

importantes depoimentos:

João Maranhão: “Acredito que o preconceito é sempre relacionado à cor e raça.

Essa separação de raças faz com que tenhamos preconceito. Eu vi um negro

entrar em um carro de nível elevado e até brinquei com minha irmã, admirado de

ver aquele negro entrando em um carrão, mas penso que se fosse um homem

branco, eu não me admiraria. Já vi reações relacionadas à cor da pele e eu já

passei por isso somente por possuir cabelos recheados”.

Silvério Gomes: “Sim, já ouvi insultos como pretinho, cabelo de Bombril e até

mesmo pessoas dizendo o seguinte: pela cor da pele ele só faz coisas erras;

pode ser também bandido”.

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Luiz Petrônio: “Vi um vídeo na internet, onde uma moça humilhava um homem

por ele ser negro, por ter cabelo crespo. Neste vídeo, uma mulher dizia que ele

era um macaco, que não prestava para nada”.

Maria Tufon Mello: “Sim, já vi várias cenas de preconceito. Sempre há uma

diferença no tratamento daquela pessoa negra em relação à branca. Um cabelo

diferenciado já é sinal para discriminação. Uma vez eu estava na fila fast-food e

a moça não colocou um monte coisas no sorvete de uma negra e ainda disse

que ela não merecia”.

Pereira Machado dos santos: “Meu pai é racista e ele fala muito mal dos negros

em geral. Eu odeio isso. O pior é que muitos acham graça e entram na

“brincadeira” dele. O preconceito sempre vem disfarçado de opinião; é muita

hipocrisia”.

Amarildo Gonçalves Américo: “Sim, eu passava por isso na minha família; eu

era conhecida como a neguinha do cabelo duro. Meus pais sempre me

apoiavam; cheguei até alisar meu cabelo, mas aprendi que devemos aceitar a

ser quem nós somos de verdade, pois não importa como é seu cabelo e sua cor.

Seja feliz consigo mesmo e quem te ama vai ficar do seu lado e te apoiar”.

Varnei Da silva: “Sim, muitas vezes já vi pessoas se incomodarem com a

chegada de negro nos ambientes, com medo de serem assaltadas. Já vi também

pessoas dando apelidos totalmente racistas, entre muitas outras coisas”.

Querino Arruda Menfis: “Já vi muitos preconceitos raciais. Eu estava em um

restaurante com minha família e entrou um senhor de idade da pele escura, todo

sujo por estar trabalhando; ele foi fazer seu pratinho de comida para matar sua

fome e os donos do restaurante não deixou ele se servir e mandou ele se retirar

do restaurante”.

Na segunda fase da pesquise foi realizada uma leitura com os alunos do

seguinte texto: “Racismo: Difícil de Enxergar, Mas Ele Está Presente na

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Sociedade”. Depois de realizada a leitura, e fazer e debater o texto, lemos um

relato de uma menina da cidade de rio Branco no Acre que sofreu preconceito

em sala de aula e em seguida os alunos responderam as seguintes questões:

De acordo com o relato acima, a menina perdeu a vontade de ir para a escola.

Você considera suficiente as ofensas sofridas pela menina, para que ela viesse

a perder a vontade de ir para a escola? Justifique a sua resposta.

Depois de realizada a pesquisa, apenas três alunos disseram que os

ataques de preconceito enfrentados pela menina não foram motivos suficientes

para deixar de ir à escola. Um deles, Francisco Pereira Sobrinho disse: “Não,

porque ela teria que ser forte, ir atrás de seus direitos na justiça e conversar com

os pais desses colegas”.

Entre os que consideram que houve motivos suficientes, destacam-se as

seguintes respostas:

Antônio Pedro de Alamasso: “Sim, isso fez com que ela perdesse a vontade

de ir para o colégio porque estava se sentindo ameaçada e não queria ir para o

colégio. Foi a única saída”.

Maria Luíza Almeida: “Imagino que esta menina tenha ficado muito chateada,

pois é uma criança de dez anos. Sim, ela foi vítima de racismo, mas acho que a

tia teria que incentivar ela a voltar a estudar.

Joaquim Soares: “O que está menina fez não é exagero, pois criança tem

sentimentos e essas palavras ofensivas foi machucando ela, que no caso não

tinha mais vontade de ir para a escola”.

Tereza Godoi: “Sim, no caso da menina, ela realmente não gostava e eram

brincadeiras ofensivas. A menina não tem culpa e sim os alunos. Não vejo

exagero da parte dela, ela está certa”

Maria Tereza de Araújo: “No geral, não temos vontade de virmos para a escola,

ainda mais quando somos alvo de ofensas. A menina sim, vítima, mas não das

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crianças, porque criança nenhuma nasce racista, mas sim, dos pais dessas

crianças. Elas refletem o exemplo dos pais”.

Mário Gomes da silva: “Sim, pois essa ofensa já faz ela se sentir diferente dos

outros e isso abala muito”.

Francisca Faustino da silva: “O que a menina sofreu foi uma discriminação

social, uma falta de respeito...”

Geraldo de Almeida: “A menina tem apenas dez anos e ainda não tem tanta

maturidade e coragem para enfrentar as ofensas, é só uma criança e é fácil ela

se sentir mal”.

As reflexões acima, demonstram que parte dos alunos que responderam as

questões colocadas, elencaram vários elementos importantes para se levar em

consideração e assim podermos entender a reação da menina que sofreu o

preconceito.

Aparece afirmações como criança tem sentimentos; ficou chateada; se

sentiu ameaçada; não tem maturidade para enfrentar as ofensas; o preconceito

praticado pelas crianças reflete os exemplos dos pais.

Essas reflexões dos alunos com quem foi realizada a pesquisa, desperta

para a gravidade da situação onde uma pessoa como a menina citada, se sente

impotente diante da falta de condições para enfrentar a situação, chateada e

ameaçada e não sabe como reagir. Tudo isso gera condições para a evasão

escolar. Por esta razão, os professores devem estar sempre atentos em relação

à prática do preconceito em sala de aula.

Curiosa também foi a colocação de que o preconceito praticado pelos

alunos, reflete o preconceito dos pais. Diante dessa reflexão, pode-se chegar à

conclusão que as escolas devem tratar de questões raciais com os pais, visando

evitar fatos como o da menina relatado nesta pesquisa.

A questão colocada para os alunos em seguida foi a seguinte:

No seu entendimento, o que cada aluno deveria fazer para evitar a prática do

preconceito em sala de aula?

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As repostas foram diversificadas mas todos demonstraram repúdio a

práticas preconceituosas no interior da escola. Surgiram várias propostas de

ações contra o preconceito das quais algumas delas, merece atenção

José Antônio: “Não ligar, não dar atenção, mostrar para eles que você não é

aquilo que dizem”.

Maria da Glória: “Evitar não tem como, pois você vê eles tirando sarro e então,

neste momento, eles devem ser ignorados e você mostra seu brilho”.

De quarenta alunos entrevistados, apenas três disseram que ignorar a

prática do preconceito é uma forma de superar o problema, conforme

depoimentos dos alunos.

A maioria deu respostas diversificadas, sugerindo várias atitudes como por

exemplo: Todos são iguais; pensar como eu me sentiria se fizesse isso comigo;

todos deveriam ser tratados com igualdade; evitar conflitos para que os

xingamentos não ocorram na hora da raiva; menos ocorrência de brincadeiras

ofensivas.

Estas afirmações demonstram que parte dos alunos reconhecem a

igualdade entre negros e brancos. Outros apontam para uma reflexão pessoal

ao destacar o exercício da sensibilidade que cada um deveria fazer antes de

realizar uma atitude preconceituosa: procurar entender como se sentiria no lugar

do outro ofendido pelo preconceito. Mas quando alguns alunos disseram que

devem evitar os conflitos, pois na hora da raiva surgem os xingamentos, pode-

se concluir que nesta afirmação o preconceito se apresenta em uma parte dos

educandos, veladamente. Se revela em momentos de fortes emoções e o que

está escondido aparece como meio de ofensas para poder vencer o adversário.

Comentários como este é possível porque os educados devem presenciar

cenas de xingamentos relacionadas ao preconceito racial, com frequência.

Um número de seis (06) alunos, entre os entrevistados, disseram que a

escola deve realizar atividades de formação para estudar e debater a

problemática do preconceito e assim, proporcionar aos educandos a

possibilidade de superar atitudes que diz respeito às ofensas do outro por motivos

raciais. Eis algumas dessas afirmações:

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Joana da Luz Pinheiro: “Não falar palavras ofensivas para eles e fazer como o

senhor está fazendo nas suas turmas, trabalhando sobre isso com seus alunos.

Mas não somente para os três anos do ensino médio, mas sim para os demais,

porque eles já vão entender algo sobre isso”.

Almeida Julião Coutrin: “Pedir à direção da escola para fazer palestras,

conscientizando todos os alunos a não praticar o preconceito”.

A resposta dada com maior frequência entre os entrevistados, somando um

total de dez (10) alunos, apontou para a “conscientização” como um meio de

superação da prática do preconceito, mas não citaram a escola como

responsável pela realização dessa tarefa. Também não destacaram como agir

para tingir tal conscientização, ou seja, se deveria ser por meio de formação

através de estudos ou por outros meios. Simplesmente demonstraram a

preocupação com a superação do preconceito e para concretizá-la usaram a

palavra conscientização. A seguir reproduzimos algumas das afirmações dadas

pelos entrevistados:

João Paulo Arruda: “Se conscientizar do que é o preconceito para evitar praticá-

lo, pois existe várias formas de praticar o preconceito até mesmo com atitudes.

Este é um assunto muito amplo”.

Alfredo Júnior Gusmão: “Deve se conscientizar que certos comentários e

“brincadeiras” fazem mal e provocam grandes consequências”.

Maria da Glória: “Procurar se conscientizar de que a prática do racismo é errada

e prejudica quase sempre quem a sofre”.

As declarações acima demonstram que é necessário um esforço individual

e coletivo, para que atitudes relacionadas ao preconceito racial sejam superadas.

Na próxima atividade aplicada para continuar a pesquisa, foi passado o

filme: “Vista a Minha Pele”, disponível no seguinte link:

https://www.youtube.com/watch?v=LWBodKwuHCM.

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Vista a Minha Pele, trata-se de uma paródia da realidade brasileira, para

servir de material básico para discussão sobre racismo e preconceito em sala de

aula. Nessa história invertida, onde os negros são a classe dominante e os

brancos foram escravizados. Os países pobres são, por exemplo, Alemanha e

Inglaterra, e os países ricos são, por exemplo, África do Sul e Moçambique.

Maria, é uma menina branca pobre, que estuda num colégio particular graças à

bolsa de estudos que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira nesta escola. A

maioria de seus colegas a hostilizam, por sua cor e por sua condição social, com

exceção de sua amiga Luana, filha de um diplomata que, por ter morado em

países pobres, possui uma visão mais abrangente da realidade.

Maria quer ser Miss Festa Junina da escola, mas isso requer um esforço

enorme, que vai desde a predominância da supremacia racial negra (a mídia só

apresenta modelos negros como sinônimo de beleza), a resistência de seus pais,

a aversão dos colegas e a dificuldade em vender os bilhetes para seus

conhecidos, em sua maioria muito pobres. Maria tem em Luana um forte aliado

e as duas vão se envolver numa série de aventuras para alcançar seus objetivos.

Vencer ou não o Concurso não é o principal foco do vídeo, mas sim a

disposição de Maria em enfrentar essa situação. Ao final ela descobre que,

quanto mais confia em si mesma, mais possibilidades ela tinha de convencer

outros de sua chance de vencer. Depois de assistir ao filme, a questão colocada

aos alunos foi a seguinte:

Elabore um texto procurando identificar cenas de preconceitos semelhantes às

do filme que você presenciou no ambiente escolar.

Entre os textos elaborados demonstraram que as cenas de preconceito

contidas no filme são observadas no interior da escola. Reproduzimos alguns

depoimentos escritos pelos alunos.

João Santana: “No vídeo mostra exatamente como seria se na vida real os

negros ocupassem o lugar dos brancos. Eles sofreriam os mesmos preconceitos

e discriminações.... É muito fácil ver atos de racismo no colégio, no mercado e

no ônibus”.

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Joaquim dos Reis: “As questões Raciais que são relatadas no filme, nos

permitem pensar sobre nossa própria realidade, nossa vida e como tratamos os

outros e pararmos de pensar apenas em nós mesmos. Eu já presenciei o fato de

um menino ser negro no meu colégio e todos isolarem ele dizendo que tinha mau

cheiro ... Devemos quebrar o padrão de beleza imposto pela mídia. Todos os

dias, muitas vezes me deparo com pessoas brancas rodeadas de amigos e os

negros isolados...”

Roberto Fonseca Lima: “Neste vídeo, os brancos se colocam no lugar dos

negros e isso é muito importante, pois a adolescente do filme mostra como os

negros sofrem, como eles são desrespeitados. Nós, muitas vezes, temos que

nos colocar no lugar das pessoas como fez a adolescente, personagem do filme.

Ela se sentiu muitas vezes solitária, ficava isolada, tinha medo, não tinha amigos

e não era respeitada pelos colegas de classe. Então é assim que os negros vivem

na sociedade”.

Gabriel Limeira do Rosário: “Quando criança eu estudava em uma escola onde

eles tiravam sarro do meu cabelo, por ele ser cacheado. Onde estudo atualmente

já vi piadas que falam que o negro é inferior. Apesar do Brasil ser um país

mestiço, a pessoa tem um enorme preconceito com pessoas que tem

características afro. Já vi da boca de certo colega a comparação do outro com

macaco... Outra coisa que eu queria colocar é sobre o dia a dia da consciência

negra, um dia importante, porém, as pessoas esquecem que o negro merece

respeito todos os dias”.

Maria Joaquina dos Reis: “Quando a pessoa é negra, os outros sentem dó,

sentem pena, as pessoas sentem pena, acham que pessoas de cor não tem vez,

acham que só o branco tem vez, os negros não. Será que um dia a escola vai

valorizar as diferenças raciais? Será que negros e brancos, índios e orientais

serão tratados em condições de igualdade? Será que um dia vou poder ver em

cartazes espalhados nas escolas, pessoas parecidas comigo?

Este último texto escrito pela aluna Maria Joaquina, dá a entender que se

trata de um desabafo de uma pessoa negra que sente na pele os problemas de

práticas preconceituosas no interior da escola. Ela não se sente representada no

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ambiente escolar a ponto de dizer que pessoas preconceituosas acham que

seres humanos de cor não tem vez. Esta aluna chama muita a atenção para a

falta de um trabalho dos docentes e equipe diretiva das escolas, referente à

valorização das africanidades e das pessoas negras e suas características

pessoais.

O aluno Gabriel Limeira do Rosário, demonstra também sua condição de

negro e dá um depoimento parecido com o da Maria Joaquina e faz relato muito

grave: já vi da boca de colegas a comparação do outro com macaco.

Os demais textos acima citados deixaram claro que o filme é importante

para se fazer uma séria reflexão. Roberto Fonseca lima e João Santana

destacaram a importância de nos colocarmos no lugar dos outros para sentirmos

a realidade alheia. Já o aluno Joaquim dos Reis chama a atenção para a

necessidade de uma reflexão pessoal sobre o tratamento que damos aos outros.

Tudo leva a crer que o filme Vista a Minha Pele sensibilizou boa parte

alunos por se tratar de um recurso didático muito eficiente e com personagens

adolescentes. As respostas dadas pela ampla maioria, em relação à questão,

logo após assistirem ao filme, foi o reconhecimento de que a prática do

preconceito é altamente prejudicial. A inversão dos papeis onde os brancos se

colocam no lugar dos negros e vice versa, parece ser um elemento chave para

ativar a sensibilidade dos educandos.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ouvimos constantemente pessoas dizendo que o racismo é difícil de

compreender dada a complexidade do tema. De fato, trata-se de uma

problemática que merece estudos muito aprofundados para ter uma determinada

clareza do assunto.

Este artigo trouxe a inquietação por parte do autor, no que diz respeito a

necessidade de buscar um aprofundamento dessa temática, visto que a prática

do preconceito é bem mais arraigada do que se imagina, na maioria das vezes,

e bem mais complexa. O sistema educacional carece desse aprofundamento

acompanhado do compromisso de realizar atividades que visam trazer para o

interior da escola, reflexões e questionamentos no que é concernente à prática

do preconceito.

O autor Carlos Moore relata em seu livro “Racismo e sociologia: novas

bases epistemológicas para entender o racismo”, que a discriminação racial tem

raízes muito profundas vindas de tempos remotos, da antiguidade. Essa prática

social está relacionada, segundo este autor, à dominação do ser humano ao seu

semelhante, sempre acompanhada de justificativa racista, onde a inferiorização

do ser dominado é posta em prática como justificativa.

Portanto, o racismo científico do século XIX não tem uma origem em si

mesmo. Percebe-se uma origem embrionária em tempos bem distantes e se

relaciona com a manutenção de privilégios de pessoas agindo contra as outras.

Preconceito é uma cultura muito arraigada, e muito bem construída por

ideologias difundias com certa precisão e produções intelectuais.

É curioso o fato de vermos hoje em dia as manifestações de preconceito vir

a público com bastante frequência em diversas situações, sejam no futebol, nos

estabelecimentos comerciais e nas escolas, de maneira indiscreta e explícita,

como relata Lia Vaines Shucman: passamos por um recrudescimento do racismo

em dias atuais.

Muito embora a ciência tenha demonstrado que os seres humanos são da

mesma origem e, portanto iguais biologicamente, o sentimento de superioridade

prevalece na mente de um número grande de indivíduos. Daí nosso

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compromisso como educadores de sensibilizarmos com a situação dos que

sofrem preconceito, porque a discriminação coloca o ser humano em situação

desvantajosa ao mesmo tempo em que reprime o desenvolvimento pessoal da

pessoa que sofre essa.discriminação.

Quando realizei a pesquisa com os alunos de segundo ano, tendo como

objetivo identificar a prática do preconceito no ambiente escolar fiquei admirado

com a clareza com a qual os depoimentos foram surgindo, no que diz respeito

aos inúmeros casos de prática do preconceito dentro da escola. Uma clara

demonstração de que trata-se de um problema que merece atenção de todo o

corpo docente, equipe pedagógica e direção do estabelecimento de ensino.

Cheguei também à conclusão que a implantação do projeto de intervenção

pedagógica sensibilizou os alunos atingidos pela pesquisa. Se tudo isso resultar

em gradativa mudança de atitudes, seria de muito bom grado. Porém, sabemos

que mudanças dependem de um processo muito lento e gradual.

Temos que saber escolher os recursos didáticos a serem utilizados quando

trabalharmos sobre o tema. O filme Vista a Minha Pele, apresentado aos alunos

despertou muita atenção de ambos e mexeu com a imaginação deles. É o que

as respostas das questões colocadas logo após a apresentação do filme

demonstram. Este filme que já é conhecido há muito tempo, surpreendeu como

recurso didático capaz de chamar à reflexão.

Finalmente, é pertinente afirmar que o trabalho de intervenção pedagógica

foi de extrema importância e gerou a vontade de continuar realizando

intervenções na tentativa de mudar a qualidade de ensino e consequentemente,

promover a cidadania sonhada para os brasileiros jovens e protagonistas de um

Brasil melhor.

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7. REFERÊNCIAS

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racismo e outras alofobias. São Paulo: Livropronto, 2009, 132-150 pp.

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GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. A Democracia Racial: o ideal, o pacto,

o mito. 27de junho de 2008. Disponível em:

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Revista: história e-história, Racismo e teorias raciais no século XIX: Principais noções e balanço historiográfico, atualizado em: 24 de agosto de 2010. Disponível em: <www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=31> Acesso em

14/09/2017

MOORE, Carlos Wedderburn. Racismo e sociedade: Novas Bases

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Bonalume Neto, RICARDO. Homem Moderno Surgiu no Sul da África, diz Estudo. Disponível em <https://netnature.wordpress.com/2011/03/08/homemmoderno-surgiu-no-sul-da-africa-diz-estudo-com-resenha/>. Acesso em 15/11/2017.