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O Príncipe Medroso Houve, há muito tempo atrás, um Rei que se descobriu precisando do desconhecido. Desesperadamente precisava do que ninguém sabia onde e do que ninguém sabia quando. Seus súditos, solícitos, ofereceram-lhe todos os melhores caminhos conhecidos, mas o Rei queria mais, queria o que ainda estava por acontecer. Chamaram, assim, os mais valentes cavaleiros de todos os Reinos e condados para que o levassem em busca do que ninguém ainda havia enfrentado. O que se dizia mais corajoso, sendo mesmo chamado Príncipe das Coragens, fez corajosamente espalho em seu cavalo dourado, arrancando aplausos da corte, e se incumbiu de levar o Rei ao que ninguém nomeara ainda. Mas se ninguém lá estivera não haveria palmas ou aplausos, não haveria fama ou glória. E a coragem do Príncipe delas mesmas viu-se não existir, pois, esvaziado da admiração alheia, o Príncipe diminuído viu-se mesmo correr para as multidões tão conhecidas, deixando o Rei no seu conhecido castelo. Foi assim que entrou no Reino com a promessa de levar o Rei ao seu destino desconhecido Cara Valente, andarilho de todo esse mundo, que já tinha enfrentado todos os monstros e todos os guerreiros possíveis e falados. Cara Valente, que de cara já espantava pela valentia, seguiu com o Rei rumo ao que ninguém sabia ser. Assim não sendo, não tendo ao certo o que enfrentar, não tendo o que assustar com sua cara tão

O Príncipe Medroso

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Page 1: O Príncipe Medroso

O Príncipe Medroso

Houve, há muito tempo atrás, um Rei que se descobriu precisando do desconhecido. Desesperadamente precisava do que ninguém sabia onde e do que ninguém sabia quando. Seus súditos, solícitos, ofereceram-lhe todos os melhores caminhos conhecidos, mas o Rei queria mais, queria o que ainda estava por acontecer.

Chamaram, assim, os mais valentes cavaleiros de todos os Reinos e condados para que o levassem em busca do que ninguém ainda havia enfrentado.

O que se dizia mais corajoso, sendo mesmo chamado Príncipe das Coragens, fez corajosamente espalho em seu cavalo dourado, arrancando aplausos da corte, e se incumbiu de levar o Rei ao que ninguém nomeara ainda. Mas se ninguém lá estivera não haveria palmas ou aplausos, não haveria fama ou glória. E a coragem do Príncipe delas mesmas viu-se não existir, pois, esvaziado da admiração alheia, o Príncipe diminuído viu-se mesmo correr para as multidões tão conhecidas, deixando o Rei no seu conhecido castelo.

Foi assim que entrou no Reino com a promessa de levar o Rei ao seu destino desconhecido Cara Valente, andarilho de todo esse mundo, que já tinha enfrentado todos os monstros e todos os guerreiros possíveis e falados. Cara Valente, que de cara já espantava pela valentia, seguiu com o Rei rumo ao que ninguém sabia ser. Assim não sendo, não tendo ao certo o que enfrentar, não tendo o que assustar com sua cara tão obviamente valente, Cara Valente se assustou e pela primeira vez na vida, e faltou-lhe a propagada valentia. Foi embora com uma cara de quem foge buscar outros monstros que lhe devolvessem a ousadia, pois ela não existia por si só, só em quando defrontada com o medo dos outros.

E assim foi, cavaleiro por cavaleiro, coragens pereceram diante do que ninguém sabia sequer o quê. O Rei, já desacreditado, morria de infinitas saudades do que ele nunca tinha chegado a ver.

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Apresentou-se, porém, numa noite sem estrelas, um cavaleiro diferente. Vinha a pé pela estrada, sem cavalo branco, sem pompa, meio curvado, sem nenhum anúncio ou nenhuma propaganda. Chamavam-no Príncipe Medroso.

– Se tens medo, por que vieste? – perguntou o rei cansado de esperar o que ninguém acreditava existir.

– Exatamente por ter medo empreenderei nessa busca pelo que ninguém nunca encontrou.

– Mas se nem toda valentia resistiu ao que ninguém conhece como queres enfrentá-lo com seu medo?

– Por saber-me medroso, enfrento-me todo o tempo. Desde o levantar até a hora que me deito travo infinitas batalhas dentro de mim, já tendo lutado mais que todos os cavaleiros dessas terras, e contra mim mesmo.

– És, então, corajoso, pois venceram todas essas batalhas?

– Não, só tenho a coragem suficiente para olhar nos olhos do meu próprio medo e sabê-lo menor que a minha vontade.

– Achas, pois, que podes ir de encontro ao desconhecido?

– Eu o confronto a todo o momento, porque tudo me é desconhecido. Nada entendo nada sei antes. De tudo tenho medo e tudo enfrento, porque nada conheço.

E assim partiram a pé, Rei e cavaleiro, buscando o caminho para o que nenhum dos dois sabia saber.