58
A LÉON WERTH Peço perdão às crianças por dedicar este livro a uma pessoa grande. Tenho uma desculpa séria : essa pessoa grande é o melhor amigo que possuo no mundo. Tenho uma outra desculpa : essa pessoa grande é capaz de compreender todas as coisas, até mesmo os livros de criança. Tenho ainda uma terceira : essa pessoa grande mora na França, e ela tem fome e frio. Ela precisa de consolo. Se todas essas desculpas não bastam, eu dedico então esse livro à criança que essa pessoa grande já foi. Todas as pessoas grandes foram um dia crianças. (Mas poucas se lembram disso). Corrijo, portanto, a dedicatória: A LÉON WERTH QUANDO ELE ERA PEQUENINO

História o Pequeno Príncipe

Embed Size (px)

DESCRIPTION

historia infantil

Citation preview

A LON WERTH

A LON WERTH

Peo perdo s crianas por dedicar este livro a uma pessoa grande.

Tenho uma desculpa sria : essa pessoa grande o melhor amigo que possuo no mundo.

Tenho uma outra desculpa : essa pessoa grande capaz de compreender todas as coisas, at mesmo os livros de criana.

Tenho ainda uma terceira : essa pessoa grande mora na Frana, e ela tem fome e frio. Ela precisa de consolo. Se todas essas desculpas no bastam, eu dedico ento esse livro criana que essa pessoa grande j foi.

Todas as pessoas grandes foram um dia crianas. (Mas poucas se lembram disso).

Corrijo, portanto, a dedicatria:A LON WERTH QUANDO ELE ERA PEQUENINO

Captulo I

Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, Histrias Vividas, uma imponente gravura. Representava ela uma jibia que engolia uma fera. Eis a cpia do desenho.

Dizia o livro: As jibias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, no podem mover-se e dormem os seis meses da digesto,..

Refleti muito ento sobre as aventuras da selva, e fiz, com lpis de cor, o meu primeiro desenho. Meu desenho nmero 1 era assim :

Mostrei minha obra-prima s pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes fazia medo. Responderam-me: Por que que um chapu faria medo ? Meu desenho no representava um chapu. Representava uma jibia digerindo um elefante.

Desenhei ento o interior da jibia, a fim de que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas tm sempre necessidade de explicaes. Meu desenho nmero 2 era assim :

As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jibias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferncia geografia, histria, ao clculo, gramtica. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho nmero 1 e do meu desenho nmero 2. As pessoas grandes no compreendem nada sozinhas, e cansativo, para as crianas, estar toda hora explicando.

Tive, pois de escolher uma outra profisso e aprendi a pilotar avies. Voei, por assim dizer, por todo o mundo. E a geografia, claro, me serviu muito. Sabia distinguir, num relance, a China e o Arizona. muito til, quando se est perdido na noite.

Tive assim, no decorrer da vida, muitos contatos com muita gente sria. Vivi muito no meio das pessoas grandes. Vi-as muito de perto. Isso no melhorou, de modo algum, a minha antiga opinio.

Quando encontrava uma que me parecia um pouco lcida, fazia com ela a experincia do meu desenho nmero 1, que sempre conservei comigo. Mas queria saber se ela era verdadeiramente compreensiva. Mas respondia sempre: um chapu. Ento eu no lhe falava nem de jibias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Punha-me ao seu alcance. Falava-lhe de bridge, de golfe, de poltica, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem to razovel.

Captulo II

Vivi, portanto s, sem amigo com quem pudesse realmente conversar, at o dia, cerca de seis anos atrs, em que tive uma pane no deserto do Saara. Alguma coisa se quebrara no motor. E como no tinha comigo mecnico ou passageiro, preparei-me para empreender sozinho o difcil conserto. Era, para mim, questo de vida ou de morte. S dava para oito dias a gua que eu tinha.

Na primeira noite adormeci, pois sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Estava mais isolado que o nufrago numa tbua, perdido no meio do mar. Imaginem ento a minha surpresa, quando, ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou. Dizia:

- Por favor... Desenha-me um carneiro...

- Heim!

- Desenha-me um carneiro...

Pus-me de p, como atingido por um raio. Esfreguei os olhos. Olhei bem. E vi um pedacinho de gente inteiramente extraordinrio, que me considerava com gravidade. Eis o melhor retrato que, mais tarde, consegui fazer dele. Meu desenho , seguramente, muito menos sedutor que o modelo. No tenho culpa. Fora desencorajado, aos seis anos, da minha carreira de pintor, e s aprendera a desenhar jibias abertas e fechadas.

Olhava, pois essa apario com os olhos redondos de espanto. No esqueam que eu me achava a mil milhas de qualquer terra habitada. Ora, o meu homenzinho no me parecia nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. No tinha absolutamente a aparncia de uma criana perdida no deserto, a mil milhas da regio habitada.Quando pude enfim articular palavra, perguntei-lhe :

- Mas... Que fazes aqui?

E ele repetiu ento, brandamente, como uma coisa muito sria :

- Por favor... Desenha-me um carneiro...

Quando o mistrio muito impressionante, a gente no ousa desobedecer. Por mais absurdo que aquilo me parece a mil milhas de todos os lugares habitados e em perigo de morte, tirei do bolso uma folha de papel e uma caneta. Mas lembrei-me ento que eu havia estudado de preferncia geografia, histria, clculo e gramtica, e disse ao garoto (com um pouco de mau humor) que eu no sabia desenhar.Respondeu-me :

- No tem importncia. Desenha-me um carneiro.

Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refiz para ele um dos dois nicos desenhos que sabia. O da jibia fechada. E fiquei estupefato de ouvir o garoto replicar:

- No! No! Eu no quero um elefante numa jibia. A jibia perigosa e o elefante toma muito espao. Tudo pequeno onde eu moro. Preciso de um carneiro. Desenha-me um carneiro.

Ento eu desenhei.

Olhou atentamente, e disse:

- No! Esse j est muito doente. Desenha outro.

Desenhei de novo :

Meu amigo sorriu com indulgncia:

- Bem vs que isto no um carneiro. um bode... Olha os chifres...

Fiz mais uma vez o desenho. Mas ele foi recusado como os precedentes :

- Este a muito velho. Quero um carneiro que viva muito.

Ento, perdendo a pacincia, como tinha pressa de desmontar o motor, rabisquei o desenho ao lado :

E arrisquei :

- Esta a caixa. O carneiro est dentro.

Mas, fiquei surpreso de ver iluminar a face do meu pequeno juiz :

- Era assim mesmo que eu queria! Ser preciso muito capim para esse carneiro ?

- Por qu ?

- Porque muito pequeno onde eu moro...

- Qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada !

Inclinou a cabea sobre o desenho :

- No to pequeno assim... Olha ! Adormeceu...

E foi desse modo que eu travei conhecimento, um dia, com o pequeno prncipe.

Captulo III

Levei muito tempo para compreender de onde viera.

O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, no parecia sequer escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso que foram, pouco a pouco, revelando tudo. Assim, quando viu pela primeira vez meu avio (no vou desenh-lo aqui, muito complicado para mim), perguntou-me bruscamente :

- Que coisa aquela ?

- No uma coisa. Aquilo voa. um avio. O meu avio.

Eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Ento ele exclamou :

- Como ? Tu caste do cu ?

- Sim, disse eu modestamente.

- Ah! Como engraado...

E o principezinho deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que levem a srio as minhas desgraas. Em seguida acrescentou:

- Ento, tu tambm vens do cu ! De que planeta s tu ?

Vislumbrei um claro no mistrio da sua presena, e interroguei bruscamente:

- Tu vens ento de outro planeta ?

Mas ele no me respondeu. Balanava lentamente a cabea considerando o avio :

- verdade que, nisto a, no podes ter vindo de longe...

Mergulhou ento num pensamento que durou muito tempo. Depois, tirando do bolso o meu carneiro, ficou contemplando o seu tesouro.

Podero imaginar que eu ficaria intrigado com aquela semiconfidncia sobre os outros planetas. Esforcei-me, ento, por saber mais um pouco :

- De onde vens, meu bem ? Onde tua casa ? Para onde queres levar meu carneiro ?

Ficou meditando em silncio, e respondeu depois :

- O bom que a caixa que me deste poder, de noite, servir de casa.

- Sem dvida. E se tu fores bonzinho, darei tambm uma corda para amarr-lo durante o dia. E uma estaca.

A proposta pareceu choc-lo :

- Amarrar ? Que idia esquisita !

- Mas se tu no o amarras, ele vai-se embora e se perde...

E meu amigo deu uma nova risada :

- Mas onde queres que ele v ?

- No sei... Por a... Andando sempre para frente.

Ento o prncipezinho observou muito srio :

- No faz mal; to pequeno onde moro !

E depois, talvez com um pouco de melancolia, acrescentou ainda :

Quando a gente anda sempre para frente, no pode mesmo ir longe...

Captulo IV

Eu aprendera, pois, uma segunda coisa, importantssima: o seu planeta de origem era pouco maior que uma casa !

No era surpresa para mim. Sabia que alm dos grandes planetas - Terra, Jpiter, Marte ou Vnus, aos quais se deram nomes - h centenas e centenas de outros, por vezes to pequenos que mal se vem no telescpio.

Quando o astrnomo descobre um deles, d-lhe por nome um nmero. Chama-o, por exemplo: "asteride 3251".

Tenho srias razes para supor que o planeta de onde vinha o prncipe era o asteride B 612. Esse asteride s foi visto uma vez ao telescpio, em 1909, por um astrnomo turco.

Ele fizera na poca uma grande demonstrao da sua descoberta num Congresso Internacional de Astronomia. Mas ningum lhe dera crdito, por causa das roupas que usava. As pessoas grandes so assim.

Felizmente para a reputao do asteride B 612, um ditador turco obrigou o povo, sob pena de morte, a vestir-se moda europia. O astrnomo repetiu sua demonstrao em 1920, numa elegante casaca. Ento, dessa vez, todo o mundo se convenceu.

Se lhes dou esses detalhes sobre o asteride B 612 e lhes confio o seu nmero,

Captulo VI

Assim eu comecei a compreender, pouco a pouco, meu pequeno prncipezinho, a tua vidinha melanclica. Muito tempo no tivesse outra distrao que a doura do pr de sol. Aprendi esse novo detalhe quando me disseste, na manh do quarto dia :

- Gosto muito de pr de sol. Vamos ver um...

- Mas preciso esperar...

- Esperar o que ?

- Esperar que o sol se ponha.

Tu fizeste um ar de surpresa, e, logo depois, riste de ti mesmo. Disseste-me :

- Eu imagino sempre estar em casa !

De fato. Quando meio dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, est se deitando na Frana. Bastaria ir Frana num minuto para assistir ao pr de sol. Infelizmente, a Frana longe demais. Mas no teu pequeno planeta, bastava apenas recuar um pouco a cadeira. E contemplavas o crepsculo todas as vezes que desejavas...

- Um dia eu vi o sol se pr quarenta e trs vezes !

E um pouco mais tarde acrescentaste :

- Quando a gente est triste demais, gosta do pr de sol...

- Estavas to triste assim no dia dos quarenta e trs ?

Mas o prncipezinho no respondeu.

Captulo VII

No quinto dia, sempre graas ao carneiro, este segredo da vida do pequeno prncipe me foi de sbito revelado. Perguntou-me, sem prembulo, como se fora o fruto de um problema muito tempo meditado em silncio :

- Um carneiro, se come arbusto, come tambm as flores ?

- Um carneiro come tudo que encontra.

- Mesmo as flores que tenham espinho ?

- Sim. Mesmo as que tm.

- Ento... Para que servem os espinhos ?

Eu no sabia. Estava ocupadssimo naquele instante, tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Minha pane comeava parecer demasiado grave, e em breve j no teria gua para beber...

O prncipezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa :

- Espinho no serve para nada. pura maldade das flores.

- Oh !

Mas aps um silncio, ele me disse com uma espcie de rancor :

- No acredito ! As flores so fracas. Ingnuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam terrveis com os seus espinhos...

No respondi. Naquele instante eu pensava: Se esse parafuso ainda resiste, vou faz-lo saltar a martelo. O prncipezinho perturbou-se de novo as reflexes :

- E tu pensas ento que as flores...

- Ora! Eu no penso nada. Eu aprendi qualquer coisa. Eu s me ocupo com coisas srias !

Ele olhou-me estupefato :

- Coisas srias !

Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio objeto.

- Tu falas como as pessoas grandes!

Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou implacvel :

- Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo !

Estava realmente muito irritado. Sacudia ao vento cabelos de ouro :

- Eu conheo um planeta onde h um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ningum. Nunca fez outra coisa seno somas. E o dia todo repete como tu : Eu sou um homem srio! Eu sou um homem srio ! e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele no um homem; um cogumelo!

- Um o que ?

- Um cogumelo !

O prncipezinho estava agora plido de clera.

- H milhes e milhes de anos que as flores fabricam espinhos. H milhes e milhes de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo. E no ser srio procurar compreender porque perdem tanto tempo fabricando espinhos inteis ? No ter importncia a guerra dos carneiros e das flores ? No ser mais importante que as contas do tal sujeito ? E se eu, por minha vez, conheo uma flor nica no mundo, que s existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num s golpe, sem avaliar o que faz, - isto no tem importncia ?!

Corou um pouco, e continuou em seguida :

- Se algum ama uma flor da qual s existe um exemplar em milhes e milhes de estrelas, isso basta para que seja feliz quando as contempla. Ele pensa : Minha flor est l, nalgum lugar... Mas se o carneiro come a flor, para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem ! E isto no tem importncia !

No pde dizer mais nada. Ps-se bruscamente a soluar. A noite cara. Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um prncipezinho a consolar ! Tomei-o nos braos. Embalei-o. E lhe dizia : A flor que tu amas no est em perigo... Vou desenhar uma pequena mordaa para o carneiro... Uma armadura para a flor... Eu... Eu no sabia o que dizer. Sentia-me desajeitado. No sabia como atingi-lo, onde encontra-lo... to misterioso, o pas das lgrimas !

Captulo VIII

Pude bem cedo conhecer melhor aquela flor. Sempre houvera, no planeta do pequeno prncipe, flores muito simples, ornadas de uma s fileira de ptalas, e que no ocupavam lugar nem incomodavam ningum. Apareciam certa manh na relva, e j tarde se extinguiam. Mas aquela brotara um dia de um gro trazido no se sabe de onde, e o prncipezinho vigiara de perto o pequeno broto, to diferente dos outros. Podia ser uma nova espcie de baob. Mas o arbusto logo parou de crescer, e comeou ento a preparar uma flor. O prncipezinho, que assistia instalao de um enorme boto, bem sentiu que sara dali ima apario miraculosa; mas a flor no acabava mais de preparar-se, de preparar sua beleza, no seu verde quarto. Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma suas ptalas. No queria sair como os cravos, amarrotada. No radioso esplendor da sua beleza que ela queria aparecer. Ah! Sim. Era vaidosa. Sua misteriosa toalete, portanto, duraram dias e dias. E eis que uma bela manh, justamente hora do sol nascer, havia-se, afinal, mostrado.

E ela, que se prepara com tanto esmero, disse, bocejando :

- Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...

O prncipezinho, ento, no pde conter o seu espanto :

- Como s bonita !

- No ? Respondeu a flor docemente. Nasci ao mesmo tempo em que o sol...

O principezinho percebeu logo que a flor no era modesta. Mas era comovente !

- Creio que a hora do almoo, acrescentou ela. Tu poderias cuidar de mim...

E o prncipezinho, embaraado, fora buscar um regador com gua fresca, e servira flor.

Assim ela o afligira logo com sua mrbida vaidade. Um dia, por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera ao pequeno prncipe :

- que eles podem vir os tigres, com suas garras !

- No h tigres no meu planeta, objetara o prncipezinho. E depois, os tigres no comem erva.

- No sou uma erva, responde a flor suavemente.

- Perdoa-me...

- No tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. No terias acaso um para-vento ?

Horror das correntes de ar... No muito bom para uma planta, notara o prncipezinho. bem complicada essa flor....

- noite me colocars sob a redoma. Faz muito frio no teu planeta. Est mal instalado. De onde eu venho...

Mas interrompeu-se de sbito. Viera em forma de semente. No pudera conhecer nada dos outros mundos. Humilhada por se ter deixado apanhar numa mentira to tola, tossiu duas ou trs vezes, para pr a culpa no prncipe :

- E o para-vento ?

- Ia busc-lo. Mas tu me falavas...

Ento ela redobrava a tosse para infligir-lhe remorso.

Assim o prncipezinho, apesar da boa vontade do seu amor, logo duvidara dela. Tomara a srio palavras sem importncia, e se tornara infeliz.

No a devia ter escutado - Confessou-me um dia - no se deve nunca escutar as flores. Basta olha-las, aspirar o perfume. A minha embalsamava o planeta, mas eu no me agastara me devia ter enternecido....

Confessou-me ainda :

No soube compreender coisa alguma! Devia t-la julgado pelos atos, no pelas palavras. Ela me perfumava e me iluminava... No devia jamais ter fugido. Deveria ter-lhe adivinhado a ternura sob os seus pobres ardis. So to contraditrias as flores! Mas eu era jovem demais para saber amar.

Captulo IX

Creio que ele aproveitou, para evadir-se, pssaros selvagens que emigravam. Na manh da partida ps o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus dois vulces. E era muito cmodo para esquentar o almoo. Possua tambm um vulco extinto. Mas, como ele dizia: Quem que pode garantir ?, revolveu tambm o extinto. Se eles so bem revolvidos, os vulces queimam lentamente, regularmente, sem erupes. As erupes vulcnicas so como fagulhas de lareira. Na terra, ns somos muito pequenos para revolver vulces. Por isso que nos causam tanto dano.

O prncipezinho arrancou tambm, no sem um pouco de melancolia, os ltimos rebentos de baob. Ele julgava nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos familiares lhe pareceram, aquela manh, extremamente doces. E, quando regou pela primeira vez a flor, e se dispunha a coloc-la sob a redoma, percebeu que estava com vontade de chorar.

- Adeus, disse ele a flor.

Mas a flor no respondeu.

- Adeus, repetiu ele.

A flor tossiu. Mas no era por causa do resfriado.

- Eu fui uma tola, disse por fim. Peo-te perdo. Trata de ser feliz.

A ausncia de censuras o surpreendeu. Ficou parado, inteiramente sem jeito, com a redoma no ar. No podia compreender essa calma doura.

- claro que eu te amo, disse-lhe a flor. Foi por minha culpa que no soubeste de nada. Isso no tem importncia. Foste to tolo quanto eu. Trata de ser feliz... Mas pode deixar em paz a redoma. No preciso mais dela.

- Mas o vento...

- No estou assim to resfriada... O ar fresco da noite me far bem. Eu sou uma flor.

- Mas os bichos...

- preciso que eu suporte duas ou trs larvas se quiser conhecer as borboletas. Dizem que so to belas! Do contrrio, quem vir visitar-me? Tu estars longe... Quanto aos bichos grandes, no tenho medo deles. Eu tenho as minhas garras.

E ela mostrava ingenuamente seus quatro espinhos. Em seguida acrescentou :

- No demores assim, que exasperante. Tu decidiste partir. Vai-te embora !

Pois ela no queria que ele a visse chorar. Era uma flor muito orgulhosa...

Captulo X

Ele se achava na regio dos asterides 325, 326, 327, 328, 329, 330. Comeou pois a visita-los, para procurar uma ocupao e se instruir.

O primeiro era habitado por um rei. O rei sentava-se, vestido de prpura e arminho, num trono muito simples, posto que majestoso.

O primeiro era habitado por um rei. O rei sentava-se, vestido de prpura e arminho, num trono muito simples, posto que majestoso.

- Ah! Eis um sdito, exclamou o rei ao dar com o prncipezinho.

E o prncipezinho perguntou a si mesmo :

- Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu ?

Ele no sabia que, para os reis, o mundo muito simplificado. Todos os homens so sditos.

- Aproxima-te, para que eu te veja melhor, disse o rei, todo orgulhoso de poder ser rei para algum.

O prncipezinho procurou com olhos onde sentar-se, mas o planeta estava todo atravancado pelo magnfico manto de arminho. Ficou, ento, de p. Mas, como estava cansado, bocejou.

- contra a etiqueta bocejar na frente do rei, disse o monarca. Eu o probo.

- No posso evit-lo, disse o prncipezinho confuso. Fiz uma longa viagem e no dormi ainda...

- Ento, disse o rei, eu te ordeno que bocejes. H anos que no vejo ningum bocejar! Os bocejos so uma raridade para mim. Vamos, boceja! uma ordem !

- Isso me intimida... Eu no posso mais... Disse o prncipezinho todo vermelho.

- Hum! Hum! Respondeu o rei. Ento... Ento eu te ordeno ora bocejares e ora...

Ele gaguejava um pouco e parecia vexado.

Porque o rei fazia questo fechada que sua autoridade fosse respeitada. No tolerava desobedincia. Era um monarca absoluto. Mas, como era muito bom, dava ordens razoveis.

Se eu ordenasse, costumava dizer, que um general se transformasse em gaivota, e o general no me obedecesse, a culpa no seria do general, seria minha.

- Posso sentar-me ? Interrogou timidamente o prncipezinho.

- Eu te ordeno que te sentes, respondeu-lhe o rei, que puxou majestosamente um pedao do manto de arminho.

Mas o prncipezinho se espantava. O planeta era minsculo. Sobre quem reinava o rei ?

- Majestade... Eu vos peo perdo de ousar interrogar-vos...

- Eu te ordeno que me interrogues, apressou-se o rei a declarar.

- Majestade... Sobre quem que reinas ?

- Sobre tudo, respondeu o rei, com uma grande simplicidade.

- Sobre tudo ?

O rei, com um gesto discreto, designou seu planeta, os outros, e tambm s estrelas.

- Sobre tudo isso ?

- Sobre tudo isso... Respondeu o rei.

Pois ele no era apenas um monarca absoluto, era tambm um monarca universal.

- E as estrelas vos obedecem ?

- Sem dvida, disse o rei. Obedecem prontamente. Eu no tolero indisciplina.

Tal poder maravilhou o prncipezinho. Se ele fosse detentor do mesmo, teria podido assistir, no a quarenta e quatro, mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo a duzentos pores de sol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira! E como se sentisse um pouco triste lembrana do seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar do rei uma graa :

- Eu desejava ver um pr de sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se ponha...

- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragdia, ou transformar-se em gaivota, e o general no executasse a ordem recebida, quem - ele ou eu - estaria errado ?

- Vs, respondeu com firmeza o prncipezinho.

- Exato. preciso exigir de cada um, o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razo. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, faro todos revoluo. Eu tenho o direito de exigir obedincia porque minhas ordens so razoveis.

- E meu pr de sol? Lembrou o prncipezinho, que nunca esquecia a pergunta que houvesse formulado.

- Teu pr de sol, tu o ters. Eu o exigirei. Mas eu esperarei na minha cincia de governo, que as condies sejam favorveis.

- Quando sero? Indagou o prncipezinho.

- Hem ? Respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendrio. Ser l por volta de... Por volta de sete horas e quarenta, esta noite. E tu vers como sou bem obedecido.

O prncipezinho bocejou. Lamentava o pr de sol que perdera. E depois, j estava se aborrecendo um pouco !

- No tenho mais nada que fazer aqui, disse ao rei. Vou prosseguir minha viagem.

- No partas, respondeu o rei, que estava orgulhoso de ter um sdito. No partas: Eu te fao ministro !

- Ministro de que ?

- Da... Da justia !

- Mas no h ningum a julgar !

- Quem sabe ? Disse o rei. Ainda no dei a volta no meu reino. Estou muito velho, no tenho lugar para carruagem, e andar cansa-me muito.

- Oh! Mas eu j vi, disse o prncipe que se inclinou para dar ainda mais uma olhadela do outro lado do planeta. No consigo ver ningum...

- Tu julgars a ti mesmo, respondeu-lhe o rei. o mais difcil. bem mais difcil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se conseguires julgar-te bem, eis um verdadeiro sbio.

- Mas eu posso julgar-me a mim prprio em qualquer lugar, replicou o prncipezinho. No preciso, para isso, ficar morando aqui.

- Ah! Disse o rei, eu tenho quase certeza de que h um velho rato no meu planeta. Eu o escuto de noite. Tu poders julgar esse rato. Tu o condenars morte de vez em quando: Assim a sua vida depender da tua justia. Mas tu o perdoars cada vez, para economiz-lo. Pois s temos um.

- Eu, respondeu o prncipezinho, eu no gosto de condenar morte, e acho que vou mesmo embora.

- No, disse o rei.

Mas o prncipezinho, tendo acabado os preparativos, no quis afligir o velho monarca :

- Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poder dar-me uma ordem razovel. Poderia ordenar-me, por exemplo, que partisse em menos de um minuto. Parece-me que as condies so favorveis...

Como o rei no dissesse nada, o prncipezinho hesitou um pouco; depois suspirou e partiu.

- Eu te fao meu embaixador, apressou-se o rei em gritar.

Tinha um ar de grande autoridade.

As pessoas grandes so muito esquisitas, pensava, durante a viagem, o prncipezinho

Captulo XI

O segundo planeta, um vaidoso o habitava.

- Ah! Ah! Um admirador vem visitar-me! Exclamou de longe o vaidoso, mal vira o prncipe.

Porque, para os vaidosos, os outros homens so sempre admiradores.

- Bom dia, disse o prncipezinho. Voc tem um chapu engraado.

- para agradecer, exclamou o vaidoso. Para agradecer quando me aclamam. Infelizmente no passa ningum por aqui.

- Sim ? Disse o prncipezinho sem compreender.

O prncipezinho bateu as mos uma na outra. O vaidoso agradeceu modestamente, erguendo o chapu.

- Ah, isso mais divertido que a visita ao rei, disse consigo mesmo o prncipezinho. E comeou a bater as mos uma na outra. O vaidoso recomeou a agradecer, tirando o chapu.

Aps cinco minutos de exerccio, o prncipezinho cansou-se com a monotonia do brinquedo :

- Ele para o chapu cair, perguntou ele, que preciso fazer ?

Mas o vaidoso no ouviu. Os vaidosos s ouvem os elogios.

- No verdade que tu me admiras muito? Perguntou ele ao prncipezinho.

- Que quer dizer admirar?

- Admirar significa reconhecer que eu sou o homem mais belo, mais rico, mais inteligente e mais bem vestido de todo o planeta.

- Mas s h voc no seu planeta !

- D-me esse gosto. Admira-me mesmo assim !

- Eu te admiro, disse o prncipezinho, dando de ombros. Mas como pode isso interessar-te ?

E o prncipezinho foi-se embora.

As pessoas grandes so decididamente muito bizarras, ia pensando ele pela viagem afora.

Captulo XII

O planeta seguinte era habitado por um bbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o prncipezinho numa profunda melancolia.

- Que fazes a? Perguntou ao bbado, silenciosamente instalado diante de uma coleo de garrafas vazias e uma coleo de garrafas cheias.

- Eu bebo, respondeu o bbado, com ar lgubre.

- Por que que bebes? Perguntou-lhe o prncipezinho.

- Para esquecer, respondeu o beberro.

- Esquecer o que ? Indagou o prncipezinho, que j comeava a sentir pena.

- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bbado, baixando a cabea.

- Vergonha de que ? Investigou o prncipezinho, que desejava socorr-lo.

- Vergonha de beber! Concluiu o beberro, encerrando-se definitivamente no seu silncio.

E o prncipezinho foi-se embora, perplexo.

As pessoas grandes so decididamente muito bizarras, dizia de si para si, durante a viagem.

Captulo XII

O planeta seguinte era habitado por um bbado. Esta visita foi muito curta, mas mergulhou o prncipezinho numa profunda melancolia.

- Que fazes a? Perguntou ao bbado, silenciosamente instalado diante de uma coleo de garrafas vazias e uma coleo de garrafas cheias.

- Eu bebo, respondeu o bbado, com ar lgubre.

- Por que que bebes? Perguntou-lhe o prncipezinho.

- Para esquecer, respondeu o beberro.

- Esquecer o que ? Indagou o prncipezinho, que j comeava a sentir pena.

- Esquecer que eu tenho vergonha, confessou o bbado, baixando a cabea.

- Vergonha de que ? Investigou o prncipezinho, que desejava socorr-lo.

- Vergonha de beber! Concluiu o beberro, encerrando-se definitivamente no seu silncio.

E o prncipezinho foi-se embora, perplexo.

As pessoas grandes so decididamente muito bizarras, dizia de si para si, durante a viagem.

Captulo XIII

O quarto planeta era o do homem de negcios. Estava to ocupado que no levantou sequer a cabea chegada do prncipe.

- Bom dia, disse-lhe este. O seu cigarro est apagado.

- Trs e dois so cinco. Cinco e sete, doze. Doze e trs, quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. No h tempo para acender de novo. Vinte e seis e cinco, trinta e um. Uf! So, pois quinhentos e um milhes, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.

- Quinhentos milhes de que ?

- Heim ? Ainda ests aqui ? Quinhentos e um milhes de... Eu no sei mais... Tenho tanto trabalho. Sou um sujeito srio, no me preocupo com ninharias ! Dois e cinco, sete...

- Quinhentos milhes de que ? Repetiu o prncipezinho, que nunca na sua vida renunciara a uma pergunta, uma vez que a tivesse feito.

O homem de negcios levantou a cabea :

- H cinquenta e quatro anos que habito este planeta e s fui incomodado trs vezes. A primeira vez foi h vinte e dois anos, por um besouro cado no sei de onde. Fazia um barulho terrvel, e cometi quatro erros na soma. A segunda foi h onze anos, por uma crise de reumatismo. Falta de exerccio. No tenho tempo para passeio. Sou um sujeito srio. A terceira... esta! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhes...

- Milhes de que ?

O homem de negcios compreendeu que no havia esperana de paz :

- Milhes dessas coisinhas que se vem s vezes no cu.

- Moscas ?

- No, no. Essas coisinhas que brilham.

- Abelhas ?

- Tambm no. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar os ociosos. Eu c sou um sujeito srio. No tenho tempo para divagaes.

- Ah! Estrelas ?

- Isso mesmo. Estrelas.

- E que fazes tu de quinhentos milhes de estrelas ?

- Que fao delas ?

- Sim.

- Nada. Eu as possuo.

- Tu possuis as estrelas ?

- Sim.

- Mas eu j vi um rei que...

- Os reis no possuem. Eles "reinam" sobre. muito diferente.

- E de que te serve possuir as estrelas ?

- Serve-me para ser rico.

- E para que te serve ser rico ?

- Para comprar outras estrelas, se algum achar.

Esse a, disse o prncipezinho para si mesmo, raciocina um pouco como o bbado.

No entanto, fez ainda algumas perguntas.

- Como pode a gente possuir as estrelas ?

- De quem so elas ? Respondeu ameaador, o homem de negcios.

- Eu no sei. De ningum.

- Logo so minhas, porque pensei primeiro.

- Basta isso ?

- Sem dvida. Quando achas um diamante que no de ningum, ela tua. Quando achas uma ilha que no de ningum, ela tua. Quando tens uma idia primeira, tu a fazes registrar: Ela tua. E quanto a mim, eu possuo as estrelas, pois ningum antes de mim teve a idia de possu-las.

- Isso verdade, disse o prncipezinho. E que fazes tu com elas ?

- Eu as administro. Eu as conto e reconto, disse o homem de negcios, difcil. Mas eu sou um homem srio !

O prncipezinho ainda no estava satisfeito.

- Eu, se possuo um leno, eu posso coloc-lo em torno do pescoo e leva-lo comigo. Se possuir uma flor, posso colher a flor e lev-la comigo. Mas tu no podes colher as estrelas.

- No. Mas eu posso coloc-las no banco.

- Que quer dizer isto ?

- Isso quer dizer que eu escrevo num papelzinho o nmero das minhas estrelas. Depois tranco o papel chave numa gaveta.

- S isto ?

- E basta...

divertido, pensou o prncipezinho. bastante potico. Mas no muito srio.

O prncipezinho tinha, sobre as coisas srias, idias muito diversa das idias das pessoas grandes.

- Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo trs vulces que revolvo toda semana. Porque revolvo tambm o que est extinto. A gente nunca sabe. til para os meus vulces, til para a minha flor que eu os possua. Mas tu no til s estrelas...

O homem de negcios abriu a boca, mas no achou nada a responder, e o prncipezinho se foi...

As pessoas grandes so mesmo extraordinrias, repetia simplesmente no percurso da viagem.

Captulo XIV

O quinto planeta era muito curioso. Era o menos de todos. Mal dava para um lampio e o acendedor de lampies... O prncipezinho no podia atinar para que pudessem servir, no cu, num planeta sem casa e sem gente, um lampio e o acendedor de lampies. No entanto, disse consigo mesmo :

- Talvez esse homem seja mesmo absurdo. No entanto, menos absurdo que o rei, que o vaidoso, que o homem de negcios, que o beberro. Seu trabalho ao menos tem um sentido. Quando acende o lampio, como se fizesse nascer mais uma estrela, mais uma flor. Quando o apaga, porm, estrela ou flor que adormecem. uma ocupao bonita. E til, porque bonita.

Quando abordou o planeta, saudou respeitosamente o acendedor :

- Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampio ?

- o regulamento, respondeu o acendedor. Bom dia.

- Que o regulamento ?

- apagar meu lampio. Boa noite.

- Mas por que acabas de acend-lo de novo ?

- o regulamento, respondeu o acendedor.

- Eu no compreendo, disse o prncipezinho.

- No para compreender, disse o acendedor. Regulamento regulamento. Bom dia.

E apagou o lampio.

Em seguida enxugou a fronte num leno de quadrinhos vermelhos.

- Eu executo uma tarefa terrvel. Antigamente era razovel. Apagava de manh e acendia noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir...

- E depois disso, mudou o regulamento ?

- O regulamento no mudou, disse o acendedor. A que est o drama! O planeta de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento no muda !

- E ento ? Disse o prncipezinho.

- Agora, que ele d uma volta por minuto, no tenho mais um segundo de repouso. Acendo e apago uma vez por minuto !

- Ah! Que engraado ! Os dias aqui duram um minuto !

- No nada engraado, disse o acendedor. J faz um ms que estamos conversando.

- Um ms ?

- Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite.

E acendeu o lampio.

O prncipezinho considerou-o, e amou aquele acendedor to fiel ao regulamento. Lembrou-se dos pores de sol que ele mesmo produzia, recuando um pouco a cadeira. Quis ajudar o amigo.

- Sabes ? Eu sei de um modo de descansar quando quiseres...

- Eu sempre quero, disse o acendedor.

Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e preguioso.

E o prncipezinho prosseguiu :

- Teu planeta to pequeno, que podes, com trs passos, dar-lhe a volta. Basta andares lentamente, bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando quiseres descansar, caminhars... E o dia durar o quanto queiras.

- Isso no adianta muito, disse o acendedor. O que eu gosto mais na vida de dormir.

- Ento no h remdio, disse o prncipezinho.

- No h remdio, disse o acendedor. Bom dia.

E apagou seu lampio.

Esse a, disse para si o prncipezinho, ao prosseguir a viagem para mais longe, esse a seria desprezado por todos os outros, o rei, o vaidoso, o beberro, o homem de negcios. No entanto, o nico que no me parece ridculo. Talvez porque o nico que se ocupa de outra coisa que no seja ele prprio.

Suspirou de pesar e disse ainda :

- Era o nico que eu podia ter feito meu amigo. Mas seu planeta mesmo pequeno demais. No h lugar para dois...

O que o prncipezinho no ousava confessar que os mil quatrocentos e quarenta pores de sol em vinte e quatro horas davam-lhe certa saudade do abenoado planeta !

Captulo XV

O sexto planeta era dez vezes maior. Era habitado por um velho que escrevia livros enormes.

- Bravo ! Eis um explorador ! Exclamou ele, logo que viu o prncipezinho.

O prncipezinho assentou-se na mesa, ofegante. J viajara tanto!

- De onde vens ? Perguntou-lhe o velho.

- Que livro esse ? Perguntou-lhe o prncipezinho. Que faz o senhor aqui ?

- Sou gegrafo, respondeu o velho.

- Que um gegrafo ? Perguntou o prncipezinho.

- um sbio que sabe onde se encontram os mares, os rios, as cidades, as montanhas, os desertos.

bem interessante, disse o prncipezinho. Eis, afinal, uma verdadeira profisso! E lanou um olhar, em torno de si, no planeta do gegrafo. Nunca havia visto planeta to majestoso.

- O seu planeta muito bonito. Haver oceanos nele ?

- Como hei de saber ? Disse o gegrafo.

- Ah! (O prncipezinho estava decepcionado). E montanhas?

- Como hei de saber ? Disse o gegrafo.

- E cidades, e rios, e desertos ?

- Como hei de saber ? Disse o gegrafo pela terceira vez.

- Mas o senhor gegrafo !

- claro, disse o gegrafo; mas no sou explorador. H uma falta absoluta de exploradores. No o gegrafo que vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O gegrafo muito importante para estar passeando. No deixa um instante a escrivaninha. Mas recebe os exploradores, interroga-os, anota as suas lembranas. E se as lembranas de alguns lhe parecem interessantes, o gegrafo estabelece um inqurito sobre a moralidade do explorador.

- Por qu ?

- Porque um explorador que mentisse produziria catstrofes nos livros de geografia. Como o explorador que bebesse demais.

- Por qu ? Perguntou o prncipezinho.

- Porque os bbados vem dobrados. Ento o gegrafo anotaria duas montanhas onde h uma s.

- Conheo algum, disse o prncipezinho, que seria um mau explorador.

- possvel. Pois bem, quando a moralidade do explorador parece boa, faz-se uma investigao sobre a sua descoberta.

- Vai-se ver ?

- No. Seria muito complicado. Mas exige-se do explorador que ele fornea provas. Tratando-se, por exemplo, de uma grande montanha, ele trar grandes pedras.

O gegrafo, de sbito, se entusiasmou :

- Mas tu vens de longe. Tu s explorador ! Tu me vais descrever o teu planeta !

E o gegrafo, tendo aberto o seu caderno, apontou o seu lpis. Anotam-se primeiro a lpis as narraes dos exploradores. Espera-se, para cobrir tinta, que o explorador tenha fornecido provas.

- Ento? Interrogou o gegrafo.

- Oh! Onde eu moro, disse o prncipezinho, no interessante : muito pequeno. Eu tenho trs vulces. Dois vulces em atividade e um vulco extinto. A gente nunca sabe...

- A gente nunca sabe, repetiu o gegrafo.

- Tenho tambm uma flor.

- Mas ns no anotamos as flores, disse o gegrafo.

- Por que no ? o mais bonito !

- Porque as flores so efmeras.

- Que quer dizer efmera ?

- As geografias, disse o gegrafo, so os livros de mais valor. Nunca ficam fora de moda. muito raro que um monte troque de lugar. muito raro um oceano esvaziar-se. Ns escrevemos coisas eternas.

- Mas os vulces extintos podem se reanimar, interrompeu o prncipezinho. Que quer dizer efmera ?

- Que os vulces estejam extintos ou no, isso d no mesmo para ns, disse o gegrafo. O que nos interessa a montanha. Ela no muda.

- Mas que quer dizer efmera ? Repetiu o prncipezinho, que nunca, na sua vida, renunciara a uma pergunta que tivesse feito.

- Quer dizer ameaada de prxima desapario.

- Minha flor estar ameaada de prxima desapario ?

- Sem dvida.

Minha flor efmera, disse o prncipezinho, e no tem mais que quatro espinhos para defender-se do mundo ! E eu a deixei sozinha !

Foi seu primeiro movimento de remorso. Mas retomou coragem :

- Que me aconselha a visitar ? Perguntou ele.

- O planeta Terra, respondeu-lhe o gegrafo. Goza de grande reputao...

E o prncipezinho se foi, pensando na flor.

Captulo XVI

O stimo planeta foi, pois, a Terra.

A Terra no um planeta qualquer! Contam-se l cento e onze reis (no esquecendo, e claro, os reis negros), sete mil gegrafos, novecentos mil negociantes, sete milhes e meio de beberres, trezentos e onze milhes de vaidosos - isto , cerca de dois bilhes de pessoas grandes.

Para dar-lhes uma idia das dimenses da Terra, eu lhes direi que, antes da inveno da eletricidade, era necessrio manter, para o conjunto dos seis continentes, um verdadeiro exrcito de quatrocentos e sessenta e dois mil quinhentos e onze acendedores de lampies.

Isto fazia, visto um pouco de longe, um magnfico efeito. Os movimentos desse exrcito eram ritmados como os de um ballet de pera. Primeiro vinha vez dos acendedores de lampies da Nova Zelndia e da Austrlia. Esses, em seguida, acesos os lampies, iam dormir. Entrava por sua vez a dana dos acendedores de lampies da China e da Sibria. E tambm desapareciam nos bastidores. Vinha a vez dos acendedores de lampies da Rssia e das ndias. Depois os da frica e da Europa. Depois os da Amrica do Sul. Os da Amrica do Norte. E jamais se enganavam na ordem de entrada, quando apareciam em cena. Era um espetculo grandioso.

Apenas dois, o acendedor do nico lampio do Plo Norte e o seu colega do nico lampio do Plo Sul, levavam vida ociosa e descuidada : trabalhavam duas vezes por ano.

Captulo XVI

O stimo planeta foi, pois, a Terra.

A Terra no um planeta qualquer! Contam-se l cento e onze reis (no esquecendo, e claro, os reis negros), sete mil gegrafos, novecentos mil negociantes, sete milhes e meio de beberres, trezentos e onze milhes de vaidosos - isto , cerca de dois bilhes de pessoas grandes.

Para dar-lhes uma idia das dimenses da Terra, eu lhes direi que, antes da inveno da eletricidade, era necessrio manter, para o conjunto dos seis continentes, um verdadeiro exrcito de quatrocentos e sessenta e dois mil quinhentos e onze acendedores de lampies.

Isto fazia, visto um pouco de longe, um magnfico efeito. Os movimentos desse exrcito eram ritmados como os de um ballet de pera. Primeiro vinha vez dos acendedores de lampies da Nova Zelndia e da Austrlia. Esses, em seguida, acesos os lampies, iam dormir. Entrava por sua vez a dana dos acendedores de lampies da China e da Sibria. E tambm desapareciam nos bastidores. Vinha a vez dos acendedores de lampies da Rssia e das ndias. Depois os da frica e da Europa. Depois os da Amrica do Sul. Os da Amrica do Norte. E jamais se enganavam na ordem de entrada, quando apareciam em cena. Era um espetculo grandioso.

Apenas dois, o acendedor do nico lampio do Plo Norte e o seu colega do nico lampio do Plo Sul, levavam vida ociosa e descuidada : trabalhavam duas vezes por ano.

Captulo XVII

Quando a gente quer fazer graa, mente s vezes um pouco. No fui l muito honesto ao lhe falar dos acendedores de lampies. Corro o risco de dar, queles que no conhecem o nosso planeta, uma falsa idia dele. Os homens ocupam, na verdade, muito pouco lugar na superfcie da Terra. Se os dois bilhes de habitantes que povoam a Terra se mantivessem de p, colocados um ao outro, como para um comcio, acomodar-se-iam facilmente numa praa pblica de vinte milhas de comprimento por vinte de largura. Poder-se-ia ajuntar a humanidade toda na menor das ilhas do Pacfico.

As pessoas grandes no acreditaro, claro. Elas julgam ocupar muito espao. Imaginam-se to importantes como os baobs. Digam-lhes, pois que faam o clculo. Elas adoram os nmeros; ficaro contentes com isso. Mas vocs no percam tempo com esse problema de aritmtica. intil. Vocs acreditam em mim.

O prncipezinho, uma vez na Terra, ficou, pois muito surpreso de no ver ningum. J receara ter se enganado de planeta, quando um anel cor de lua remexeu na areia.

- Boa noite, disse o prncipezinho, inteiramente ao acaso.

- Boa noite, disse a serpente.

- Em que planeta me encontro ? Perguntou o prncipezinho.

- Na Terra, na frica, respondeu a serpente.

- Ah!... E no h ningum na Terra ?

- Aqui o deserto. No h ningum nos desertos. A Terra grande, disse a serpente.

O prncipezinho sentou-se numa pedra e ergueu os olhos para o cu :

- As estrelas so todas iluminadas... No ser para que cada um possa um dia encontrar a sua ? Olha o meu planeta: est justamente em cima de ns... Mas como est longe !

- Teu planeta belo, disse a serpente. Que vens fazer aqui ?

- Tive dificuldades com uma flor, disse o prncipe.

- Ah ! Exclamou a serpente.

E se calaram.

- Onde esto os homens ? Repetiu enfim o prncipezinho. A gente est um pouco s no deserto.

- Entre os homens tambm, disse a serpente.

O prncipezinho olhou-a longamente.

- Tu s um bichinho engraado, disse ele, fino como um dedo...

- Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei, disse a serpente.

O prncipezinho sorriu.

- Tu no s to poderosa assim... No tens sequer umas patas... No podes sequer viajar...

- Eu posso levar-te mais longe que um navio, disse a serpente.

Ela enrolou-se na perninha do prncipe, como um bracelete de ouro :

- Aquele que eu toco, eu o devolvo terra de onde veio, continuou a serpente. Mas tu s puro. Tu vens de uma estrela...

O prncipezinho no respondeu.

- Tenho pena de ti, to fraco, nessa Terra de granito. Posso ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu planeta. Posso...

- Oh ! Eu compreendi muito bem, disse o prncipezinho. Mas por que falas sempre por enigmas !

- Eu os resolvo todos, disse a serpente.

E calaram-se os dois.

Captulo XVIII

O prncipezinho atravessou o deserto e encontrou apenas uma flor. Uma flor de trs ptalas, uma florzinha toa...

- Bom dia, disse o prncipe.

- Bom dia, disse a flor.

- Onde esto os homens, perguntou polidamente.

A flor, um dia vira passar uma caravana :

- Os homens? Eu creio que existem seis ou sete. Vi-os h muitos anos. Mas no se pode nunca saber onde se encontram. O vento os leva. Eles no tm razes. Eles no gostam das razes.

- Adeus, disse o prncipezinho.

- Adeus, disse a flor.

Captulo XIX

O prncipezinho escalou uma grande montanha. As nicas montanhas que conhecera eram os trs vulces que lhe davam pelo joelho. O vulco extinto servia-lhe de tamborete. "De montanha to alta, pensava ele, verei todo o planeta e todos os homens...". Mas s viu agulhas de pedra, pontudas.

- Bom dia, disse ele inteiramente ao lu.

- Bom dia... Bom dia... Bom dia... Respondeu o eco.

- Quem s tu ? Perguntou o prncipezinho.

- Quem s tu... Quem s tu... Quem s tu... Respondeu o eco.

- Sede meus amigos, eu estou s, disse ele.

- Estou s... Estou s... Estou s, respondeu o eco.

Que planeta engraado ! Pensou ento. todo seco, pontudo e salgado. E os homens no tm imaginao. Repete o que a gente diz... No meu planeta eu tinha uma flor: e era sempre ela que falava primeiro.

Captulo XX

Mas aconteceu que o prncipezinho, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu enfim uma estrada. E as estradas vo todas na direo dos homens.

- Bom dia, disse ele.

Era um jardim cheio de rosas.

- Bom dia, disseram as rosas.

O prncipezinho contemplou-as. Eram todas iguais sua flor.

- Quem ? Perguntou ele estupefato.

- Somos rosa, disseram as rosas.

- Ah ! Exclamou o prncipezinho...

E ele sentiu-se extremamente infeliz. Sua flor lhe havia contado que ela era a nica de sua espcie em todo o universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num s jardim !

Ela haveria de ficar bem vermelha, pensou ele, se visse isto... Comearia a tossir, fingiria morrer, para escapar ao ridculo. E eu ento teria que fingir que cuidava dela; porque seno, s para me humilhar, ela era bem capaz de morrer de verdade....

Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico de uma flor sem igual, e apenas uma rosa comum que eu possuo. Uma rosa e trs vulces que me do pelo joelho, um dos quais extinto para sempre. Isso no faz de mim um prncipe muito grande...". E, deitado na relva, ele chorou.

Captulo XXI

E foi ento que apareceu a raposa :

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o prncipezinho, que se voltou, mas no viu nada.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem s tu ? Perguntou o prncipezinho. Tu s bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, props o prncipezinho. Estou to triste...

- Eu no posso brincar contigo, disse a raposa. No me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa, disse o prncipezinho.

Aps uma reflexo, acrescentou :

- Que quer dizer cativar?

- Tu no s daqui, disse a raposa. Que procuras ?

- Procuro os homens, disse o prncipezinho. Que quer dizer cativar?

- Os homens, disse a raposa, tm fuzis e caam. bem incmodo ! Criam galinhas tambm. a nica coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas ?

- No, disse o prncipezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer cativar?

- uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa criar laos...

- Criar laos ?.

- Exatamente, disse a raposa. Tu no s ainda para mim seno um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu no tenho necessidade de ti. E tu no tens tambm necessidade de mim. No passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, ns teremos necessidade um do outro. Sers para mim nico no mundo. E eu serei para ti nica no mundo...

- Comeo a compreender, disse o prncipezinho. Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...

- possvel, disse a raposa. V-se tanta coisa na Terra...

- Oh! No foi na Terra, disse o prncipezinho.

A raposa pareceu intrigada :

- Num outro planeta ?

- Sim.

- H caadores nesse planeta ?

- No.

- Que bom ! E galinhas ?

- Tambm no.

- Nada perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou sua idia.

- Minha vida montona. Eu cao as galinhas e os homens me caam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem tambm. E por isso eu me aborreo um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida ser como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que ser diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamar para fora da toca, como se fosse msica. E depois, olha! Vs, l longe, os campos de trigo? Eu no como po. O trigo para mim intil. Os campos de trigo no me lembram coisa alguma. E isso triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Ento ser maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que dourado, far lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o prncipe :

- Por favor... Cativa-me! Disse ela.

- Bem quisera, disse o prncipezinho, mas eu no tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- A gente s conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens no tm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como no existem lojas de amigos, os homens no tm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me !

- Que preciso fazer? Perguntou o prncipezinho.

- preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentars primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu no dirs nada. A linguagem uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentar mais perto...

No dia seguinte o prncipezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, s quatro da tarde, desde as trs eu comearei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. s quatro horas, ento, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preo da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o corao... preciso ritos.

- Que um rito ? Perguntou o prncipezinho.

- uma coisa muito esquecida tambm, disse a raposa. o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caadores, por exemplo, possuem um rito. Danam na quinta-feira com as moas da aldeia. A quinta-feira ento o dia maravilhoso! Vou passear at a vinha. Se os caadores danassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu no teria frias !

Assim o prncipezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou hora da partida, a raposa disse :

- Ah ! Eu vou chorar.

- A culpa tua, disse o prncipezinho, eu no te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Quis, disse a raposa.

- Mas tu vais chorar! Disse o prncipezinho.

- Vou, disse a raposa.

- Ento, no sais lucrando nada !

- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou :

- Vai rever as rosas. Tu compreenders que a tua a nica no mundo. Tu voltars para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.

Foi o prncipezinho rever as rosas :

- Vs no sois absolutamente iguais a minha rosa, vs no sois nada ainda. Ningum ainda vos cativou, nem cativastes a ningum. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela agora nica no mundo.

E as rosas estavam desapontadas.

- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda: No se pode morrer por vs. Minha rosa, sem dvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha , porm mais importante que vs todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou trs por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. a minha rosa.

E voltou, ento, raposa :

- Adeus, disse ele...

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. muito simples: s se v bem com o corao. O essencial invisvel para os olhos.

O essencial invisvel para os olhos, repetiu o prncipezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa to importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o prncipezinho, a fim de se lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu no a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsvel por aquilo que cativas. Tu s responsvel pela rosa...

- Eu sou responsvel pela minha rosa... Repetiu o prncipezinho, a fim de se lembrar.

Captulo XXII

- Bom dia, disse o prncipezinho.

- Bom dia, respondeu o guarda-chaves.

- Que fazes aqui? Perguntou-lhe o prncipezinho.

- Eu divido os passageiros em blocos de mil, disse o guarda-chaves. Despacho os trens que os carregam, ora para a direita, ora para a esquerda.

E um rpido iluminado, roncando como um trovo fez tremer a cabine do guarda-chaves.

- Eles esto com muita pressa, disse o prncipezinho. O que que esto fazendo ?

- Nem o homem da locomotiva sabe, disse o guarda-chaves.

E trovejou, em sentido inverso, um outro rpido iluminado.

- J esto de volta? Perguntou o prncipezinho...

- No so os mesmos, disse o guarda-chaves. uma troca.

- No estavam contentes onde estavam?

- Nunca estamos contentes onde estamos, disse o guarda-chaves.

E um terceiro rpido, iluminado, trovejou.

- Esto perseguindo os primeiros viajantes? Perguntou o prncipezinho.

- No perseguem nada, disse o guarda-chaves. Esto dormindo l dentro, ou bocejando. S as crianas esmagam o nariz nas vidraas.

- S as crianas sabem o que procuram, disse o prncipezinho. Perdem tempo com uma boneca de pano, e a boneca se torna muito importante, e choram quando a gente toma...

- Elas so felizes... Disse o guarda-chaves.

Captulo XXIII

- Bom dia, disse o prncipezinho.

- Bom dia, disse o vendedor.

Era um vendedor de plulas aperfeioadas que aplacavam a sede. Toma-se uma por semana e no mais preciso beber.

- Por que vendes isso? Perguntou o prncipezinho.

- uma grande economia de tempo, disse o vendedor. Os peritos calcularam. A gente ganha cinquenta e trs minutos por semana.

- E que se faz, ento, com os cinquenta e trs minutos?

- O que a gente quiser...

Eu... Pensou o prncipezinho, se tivesse cinquenta e trs minutos para gastar, eu iria caminhando passo a passo, mos no bolso, na direo de uma fonte....

Captulo XXIV

Estvamos no oitavo dia de minha pane. Justamente quando bebia a ltima gota da minha proviso de gua, foi que ouvi a histria do vendedor.

- Ah! Disse eu ao prncipezinho, so bem bonitas as tuas lembranas, mas eu no consertei ainda meu avio, no tenho mais nada para beber, e eu seria feliz, eu tambm, se pudesse ir caminhando passo a passo, mos no bolso, na direo de uma fonte!

- Minha amiga raposa me disse...

- Meu caro, no se trata mais de raposa!

- Por qu?

- Porque vamos morrer de sede...

Ele no compreendeu o meu raciocnio, e respondeu:

- bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou muito contente de ter tido a raposa por amiga...

No avalia o perigo, disse eu. No tem nunca fome ou sede. Um raio de sol lhe basta...

Mas ele tambm... Procuremos um poo...

- Eu fiz um gesto de desnimo: absurdo procurar um poo ao acaso, ma imensido do deserto. No entanto, pesemo-nos a caminho.

J tnhamos andado horas em silncio quando a noite caiu e as estrelas comearam a brilhar. Eu as via como em sonho, porque tinha um pouco de febre, por causa da sede. As palavras do prncipezinho danavam-me na memria:

- Tu tens sede tambm? Perguntei-lhe.

Mas no respondeu minha pergunta. Disse apenas:

- A gua pode ser boa para o corao...

No compreendi sua resposta e calei-me... Eu bem sabia que no adiantava interrog-lo.

Ele estava cansado. Sentou-se. Sentei-me junto dele. E, aps um silncio, disse ainda:

- As estrelas so belas por causa de uma flor que no se v...

Eu respondi " mesmo" e fitei, sem falar, a ondulao da areia enluarada.

- O deserto belo, acrescentou...

E era verdade. Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia. No se v nada. No se escuta nada. E, no entanto, no silncio, alguma coisa irradia...

O que torna belo o deserto, disse o prncipezinho, que ele esconde um poo nalgum lugar...

Fiquei surpreso por compreender de sbito essa misteriosa irradiao da areia. Quando eu era pequeno, habitava uma casa antiga, e diziam s lendas que ali fora enterrado um tesouro. Ningum, claro, o conseguia descobrir, nem talvez mesmo o procurasse. Mas ele encantava a casa toda. Minha casa escondia um tesouro no fundo do corao...

- Quer se trate da casa, das estrelas ou do deserto, disse eu ao prncipezinho, o que faz a sua beleza invisvel!

- Estou contente, disse ele, que estejas de acordo com a raposa.

Como o prncipezinho adormecesse, tomei-o nos braos e prossegui a caminhada. Eu estava comovido. Tinha a impresso de carregar um frgil tesouro. Parecia-me mesmo no haver na Terra nada mais frgil. Considerava, luz da lua, a fonte plida, os olhos fechados, as mechas de cabelo que tremiam ao vento. E eu pensava: o que eu vejo no mais que uma casca. O mais importante invisvel...

Como seus lbios entreabertos esboassem um sorriso, pensei ainda: O que tanto me comove nesse prncipe adormecido sua fidelidade a uma flor; a imagem de uma rosa que brilha nele como a chama de uma lmpada, mesmo quando dorme.... Eu o pressentia ento mais frgil ainda. preciso proteger as lmpadas com cuidado: um sopro as pode apagar...

E, caminhando assim, eu descobri o poo. O dia estava raiando.

Captulo XXV

- Os homens, disse o prncipezinho, se enfurnam nos rpidos, mas no sabem o que procuram. Ento eles se agitam, ficam rodando toa...

E acrescentou:

- E isso no adianta...

O poo a que tnhamos chegado no se parecia de forma alguma com os poos do Saara. Os poos do Saara so simples buracos na areia. Aquele parecia um poo de aldeia. Mas no havia aldeia alguma, e eu julgava sonhar.

- estranho, disse eu ao prncipezinho, tudo est preparado: a roldana, o balde e a corda.

Ele riu, pegou a corda, fez girar a roldana. E a roldana gemeu como gemem os velhos cata-ventos quando o vento dormiu por muito tempo.

- Tu escutas? Disse o prncipe. Estamos acordando o poo, ele canta...

Eu no queria que ele fizesse esforo :

- Deixa que eu puxe, disse eu, muito pesado para o teu tamanho.

Lentamente, icei o balde at em cima, e o instalei com cuidado na borda do poo. Nos meus ouvidos permanecia ainda o canto da roldana, e na gua, que ainda brilhava, via tremer o sol.

- Tenho sede dessa gua, disse o prncipezinho. D-me de beber...

E eu compreendi o que ele havia buscado!

Levantei-lhe o balde at a boca. Ele bebeu, de olhos fechados. Era doce como uma festa. Essa gua era muito mais que um alimento. Nascera da caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, do esforo do meu brao. Era boa para o corao, como um presente. Quando eu era pequeno, todo o esplendor do presente de Natal estava tambm na luz da rvore, na msica da missa de meia noite, na doura dos risos...

- Os homens do teu planeta, disse o prncipezinho, cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim... E no encontram o que procuram...

- No encontram, respondi...

- E, no entanto o que eles buscam poderia ser achado numa s rosa, ou num pouquinho d'gua...

- verdade.

E o prncipezinho acrescentou:

- Mas os olhos so cegos. preciso buscar com o corao...

Eu havia bebido. Respirava facilmente. A areia cor de mel quando amanhece. E a cor de mel me fazia feliz. Por que haveria eu de estar triste?...

- Preciso, disse baixinho o prncipe, que cumpras a tua promessa. Ele estava, de novo, sentado junto de mim.

- Que promessa?

- Tu sabes... A mordaa do meu carneiro... Eu sou responsvel pela flor!

Tirei do bolso as minhas tentativas de desenho. O prncipezinho os viu e disse rindo:

- Teus baobs parecem um pouco repolhos...

- Oh!

Eu estava to orgulhoso dos meus baobs!

- Tua raposa... As orelhas dela... Parecem chifres... So compridas demais!

Ele riu outra vez.

- Tu s injusto, meu bem, eu s sabia desenhar jibias abertas e fechadas...

- No faz mal, disse ele, as crianas entendem.

Rabisquei, portanto uma pequena mordaa. Mas sentia, ao entreg-la, um aperto no corao:

- Tu tens projetos que eu ignoro...

Ele no me respondeu. Mas disse:

Lembras-te da minha queda na Terra? Amanh ser o aniversrio...

Depois, aps um silncio, acrescentou:

- Ca pertinho daqui...

E ficou vermelho ao diz-lo.

E de novo, sem compreender porque, eu sentia um estranho pesar. No entanto, ocorreu-me a pergunta:

- Ento no foi por acaso que vagavas sozinho, quando te encontrei, h oito dias, a milhas e milhas de qualquer regio habitada! No estarias voltando ao ponto da queda?

O prncipezinho ficou vermelho de novo.

E eu acrescentei, hesitando:

- Ter sido por causa do aniversrio?...

O prncipezinho ficou mais vermelho. No respondia nunca as perguntas. Mas quando a gente fica vermelho, no o mesmo que dizer "sim"?

- Ah! Disse-lhe eu, eu tenho medo...

Mas ele respondeu:

- Tu deves agora trabalhar. Ir busca do teu aparelho. Espero-te aqui. Volta amanh de tarde...

Mas eu no estava tranquilo. Lembrava-me da raposa. A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou cativar...

Captulo XXVI

Havia, ao lado do poo, a runa de um velho muro de pedra. Quando voltei do trabalho, no dia seguinte, vi, de longe, o prncipezinho sentado no alto, com as pernas balanando. E eu o escutei dizer :

- Tu no te lembras ento? No foi bem aqui o lugar!

Uma outra voz devia responder-lhe, porque replicou em seguida:

- No; no estou enganado. O dia este, mas no o lugar...

Prossegui o caminho para o muro. Continuava a no ver ningum. No entanto o prncipezinho replicou novamente:

- ... Est bem. Tu vers onde comea, na areia, o sinal dos meus passos. Basta esperar-me. Estarei ali esta noite.

Eu me achava a vinte metros do muro e continuava a no ver nada. O prncipezinho disse ainda, aps um silncio:

- O teu veneno do bom? Ests certa de que no vou sofrer muito tempo?

Parei, com o corao apertado, sem compreender ainda.

- Agora, vai-te embora, disse ele... Eu quero descer !

Ento baixei os olhos para o p do muro, e dei um salto! L estava, erguida para o prncipezinho, uma dessas serpentes amarelas que nos liquidam num minuto. Enquanto procurava o revlver no bolso, dei uma rpida corrida.

Mas, percebendo o barulho, a serpente se foi encolhendo lentamente, como um repuxo que morre. E, sem se apressar demais, enfiou-se entre as pedras, num leve tinir de metal.

Cheguei ao muro a tempo de receber nos braos o meu caro prncipezinho, plido como a neve.

- Que histria essa? Tu conversas agora com as serpentes?

Desatei o n do seu eterno leno dourado. Umedeci-lhe as tmporas. Dei-lhe gua. E agora, no usava perguntar-lhe coisa alguma. Olhou-me gravemente e passou-me os bracinhos no pescoo. Sentia-lhe o corao bater de encontro ao meu, como o de um pssaro que morre atingido pela carabina.

Ele me disse:

- Estou contente de teres descoberto o defeito do maquinismo. Vais poder voltar para casa...

- Como soubeste disso?

Eu vinha justamente anunciar-lhe que, contra toda expectativa, havia realizado o conserto!

Nada respondeu minha pergunta, mas acrescentou:

- Eu tambm volto hoje para casa...

Depois, com melancolia, ele disse:

- bem mais longe... Bem mais difcil...

Eu percebia claramente que algo de extraordinrio se passava. Apertava-o nos braos como se fosse uma criancinha; mas tinha a impresso de que ele ia deslizando verticalmente no abismo, sem que eu nada pudesse fazer para det-lo...

Seu olhar estava srio, perdido ao longe:

- Tenho o teu carneiro. E a caixa para o carneiro. E a mordaa...

Ele sorriu com tristeza.

Esperei muito tempo. Pareceu-me que ele ia se aquecendo de novo, pouco a pouco:

- Meu querido, tu tivesse medo...

claro que tivera. Mas ele sorriu docemente.

- Terei mais medo ainda esta noite...

O sentimento do irreparvel gelou-me de novo. E eu compreendi que no podia suportar a idia de nunca mais escutar esse riso. Ele era para mim como uma fonte no deserto.

- Meu bem, eu quero ainda escutar o teu riso...

- Mas ele me disse:

- Faz um ano esta noite. Minha estrela se achar justamente em cima do lugar onde ca o ano passado...

- Meu bem, no ser um sonho mau essa histria de serpente, de encontro marcado, de estrela?

Mas no respondeu a minha pergunta. E disse:

- O que importante, a gente no v...

- A gente no v...

- Ser como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, doce, de noite, olhar o cu. Todas as estrelas esto floridas.

- Todas as estrelas esto floridas.

- Ser como a gua. Aquela que me deste parecia msica, por causa da roldana e da corda... Lembras-te como era boa?

- Lembro-me...

- Tu olhars, de noite, as estrelas. Onde eu moro muito pequeno, para que eu possa te mostrar onde se encontra a minha. melhor assim. Minha estrela ser ento qualquer das estrelas. Gostars de olhar todas elas... Sero, todas, tuas amigas. E depois, eu vou fazer-te um presente...

Ele riu outra vez.

- Ah! Meu pedacinho de gente, meu amor, como eu gosto de ouvir esse riso!

- Pois ele o meu presente... Ser como a gua...

- Que queres dizer?

- As pessoas tm estrelas que no so as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas so guias. Para outros, os sbios, so problemas. Para o meu negociante, era ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porm ters estrelas como ningum...

- Que queres dizer?

- Quando olhares o cu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, ento ser como se todas as estrelas te rissem! E tu ters estrelas que sabem sorrir!

E ele riu mais uma vez.

- E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirs contente por me teres conhecido. Tu sers sempre meu amigo. Ters vontade de rir comigo. E abrirs s vezes a janela toa, por gosto... E teus amigos ficaro espantados de ouvir-te rir olhando o cu. Tu explicars ento: "Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!" E eles te julgaro maluco. Ser uma pea que te prego...

- E riu de novo.

- Ser como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montes de guizos que riem...

E riu de novo, mais uma vez. Depois, ficou srio:

- Esta noite... Tu sabes... No venhas.

- Eu no te deixarei.

- Eu parecerei sofrer... Eu parecerei morrer. assim. No venhas ver. No vale a pena...

- Eu no te deixarei.

Mas ele estava ocupado.

- Eu digo isto... Tambm por causa da serpente. preciso que no te morda. As serpentes so ms. Podem morder por gosto...

- Eu no te deixarei.

Mas uma coisa o tranquilizou:

- Elas no tm veneno, verdade, para uma segunda mordida...

Essa noite, no o vi pr-se a caminho. Evadiu-se sem rumor. Quando consegui apanh-lo, caminhava decidido, a passo rpido. Disse-me apenas:

- Ah! Ests aqui...

E ele me tomou pela mo. Mas afligiu-se ainda:

- Fizeste mal. Tu sofrers. Eu parecerei morto e no ser verdade...

Eu me calava.

- Mas ser uma velha casca abandonada. Uma casca de rvore no triste...

- Tu compreendes. longe demais. Eu no posso carregar esse corpo. muito pesado.

Eu me calava.

Perdeu um pouco da coragem. Mas fez ainda um esforo:

- Ser bonito, sabes? Eu tambm olharei as estrelas. Todas as estrelas sero poos com uma roldana enferrujada. Todas as estrelas me daro de beber...

Eu me calava.

- Ser to divertido ! Tu ters quinhentos milhes de guizos, eu terei quinhentos milhes de fontes...

E ele se calou tambm, porque estava chorando...

- aqui. Deixa-me dar um passo sozinho.

E sentou-se, porque tinha medo.

Disse ainda:

- Tu sabes... Minha flor... Eu sou responsvel por ela! Ela to frgil! To ingnua ! Tem quatro espinhos de nada para defend-la do mundo...

Eu sentei-me tambm, pois no podia mais ficar de p.

Ele disse:

- Pronto... Acabou-se...

Hesitou ainda um pouco, depois se ergueu. Deu um passo. Eu... Eu no podia mover-me.

Houve apenas um claro amarelo perto da sua perna. Permaneceu, por um instante, imvel. No gritou. Tombou devagarzinho como uma rvore tomba. Nem fez sequer barulho, por causa da areia.

Captulo XXVII

E agora, certamente, j se vo seis anos... Jamais contara essa histria. Os camaradas ficaram contentes de ver-me so e salvo. Eu estava triste, mas dizia: o cansao...

Agora j me consolei um pouco. Mas no de todo. Sei que ele voltou ao seu planeta; pois, ao raiar do dia, no lhe encontrei o corpo. No era um corpo to pesado assim... E gosto, noite, de escutar as estrelas. Quinhentos milhes de guizos...

Mas eis que sucede uma coisa extraordinria. Na mordaa que desenhei para o prncipezinho, esqueci de juntar a correia! No poder jamais prend-la no carneiro. E eu pergunto ento: "Que se ter passado no planeta? Pode bem ser que o carneiro tenha comido a flor...".

Ora eu penso: "Certamente que no! O prncipezinho encerra a flor todas as noites na redoma de vidro e vigia bem o carneiro...". Ento, eu me sinto feliz. E todas as estrelas riem docemente.

Ora eu digo: "Uma vez ou outra a gente se distrai e basta isto! Esqueceu uma noite a redoma de vidro ou o carneiro saiu de mansinho, sem que fosse notado...". Ento os guizos se transformam todos em lgrimas!...

Eis a um mistrio bem grande. Para vocs, que amam tambm o prncipezinho, como para mim, todo o universo muda de sentido, se num lugar, que no sabemos onde, um carneiro, que no conhecemos, comeu ou no a rosa...

Olhem o cu. Perguntem: Ter ou no ter carneiro comido a flor? E vero como tudo fica diferente...

E nenhuma pessoa grande jamais compreender que isso tenha tanta importncia!

Esta , para mim, a mais bela paisagem do mundo, e tambm a mais triste. a mesma da pgina precedente. Mas desenhei-a de novo para mostr-la bem. Foi aqui que o prncipezinho apareceu na terra, e desapareceu depois.

Olhem atentamente esta paisagem para que estejam certos de reconhec-la, se viajarem um dia na frica, atravs do deserto. E se acontecer passarem por ali, eu lhes suplico que no tenham pressa e que esperem um pouco bem debaixo da estrela! Se ento um menino vem ao encontro de vocs, se ele ri, se tem cabelos de ouro, se no responde quando interrogam, adivinharo quem . Ento, por favor, no me deixem to triste: Escrevam-me depressa que ele voltou...