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O problema da desertificação LÍVIA GAIO ILB Bôyo CAMPFJ.LD Mestre em Polílicas Públicas e Pr<x.essij pela FDC.". Bolsista Capes. Professora de Direito Internacional Público, Sociologia (urídita f Metodologia da Pesquisa na FDC. RESUMO: A presente pesquisa tem por íim a análise da degradai,ao ambiental, conhecida como ri esert i ficarão, suas causas e seu impai, to sobro o homem. Preie.ndeu-se demonstrai 1 que, a partii do reconhecimento mundial do problema, vário', documentos internacionais íoram elaborados corn ênfase ao combate desse fenômeno, tais tomo- o Plano das Na- ções Unidas de Combate à Deserl i ficarão eA Agenda 21. Este Miúdo assume significativa relevância após a constalação, cm !H91, pulo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA -, de que a aplicarão de recursos c a reversão dos processos de deserti- ficacão, em nível global, haviam sido bastan- tes rni«destos. Por tais razões, íoi elaborada a Convenção Internacional de Combale à De- sertiíicacão nos Países Afetados pela Seca c/ou Desertificdção, particularmente nu África, que' entrou em vigor em 17.0(1.1994. No Brasil, à desprtificação atingi', principalmente, a região nordeste. Ü governo brasileiro ratifitou 3 con- venção internacional e, conforme a orienta cão dada nesse acordo, preparou a sua própria Po- lítica Nacional do tonlrole da Desertifii ação. ABSTUACT: Having thc known environniental degradai ion plienomenon as an importam issue that conrerns lhe whole world, man^ intornational moves nave been developed by wiphasi^ing the muntioniíd prtiblem, as the following listed onos: 'tlie United Nations Convi-ntion to Cornbat Deserlification, The Earih Charter and The Plsn of Action to Com- bal Desertifii.ation In tlii; counlries by descrtifiuiüon, most of thcm in África In Brazil, sinvic; descrtificalion ha; ft>cuseri its rootsin thenoitheast region oílheiountvy, the governmenl lias ratified an intcrnational agiee- menl through which developed its own Natio- nal Deserlification Control Poliiy Dói umünt in whkh it's fiossíble to visualize asessential poirits the chapter l 2 of The tanh Charter and The United Nations Convenlion to Conibaling Deserlification, successively by empathizjng the specific draw line.s of the probleni and hy rcaffirrning the need of having nalional, regio- nal and local steps forwdrd to combaling lhe degradation phenomenon. In that way the pre- sent study tries to rnake s great analysis upon the enví'onmenLal degradation by showing its ev(jlutii>n in thc internai i ijna l law and iís refle- «es in lhe Brdzilian law. PALAVBAS-CHAVL: Dcsertifi(.ação - Plano das Na^õei Unidas de Combale á Desemficadao - Agenda 2] - Convenção Internacional de Combale à Desert i Reação nos Paists Afetados pela Seca e/ou Deserlificação, particularmenle na África - Política Nacional df- Controle da Desertificação. KEVWOBDS: Desertification - United Nations Convenlion tu Curnbat Desertilication - Earth Charter - Plan of Aciion to Combat Deserlifi- cation in lhe countrics affected by düsertifica- lion. most of lhem mAínca - National Deserti- fication Conirol Policv

O problema da desertificação - mp.go.gov.br · ocorrência de danos ao solo.1 ... mau uso da terra, ... na qual surgiam e tendiam a ligar-se entre si trechos de desertos recentemente

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O problema da desertificação

LÍVIA GAIO ILB Bôyo CAMPFJ.LD

Mestre em Polílicas Públicas e Pr<x.essijpela FDC.". Bolsista Capes. Professorade Direito Internacional Público,Sociologia (urídita f Metodologia daPesquisa na FDC.

RESUMO: A presente pesquisa tem por íim aanálise da degradai,ao ambiental, conhecidacomo ri esert i ficarão, suas causas e seu impai,to sobro o homem. Preie.ndeu-se demonstrai

1 que, a partii do reconhecimento mundial doproblema, vário', documentos internacionaisíoram elaborados corn ênfase ao combatedesse fenômeno, tais tomo- o Plano das Na-ções Unidas de Combate à Deserl i ficarão e AAgenda 21. Este Miúdo assume significativarelevância após a constalação, cm !H91, puloPrograma das Nações Unidas para o MeioAmbiente - PNUMA -, de que a aplicarão derecursos c a reversão dos processos de deserti-ficacão, em nível global, haviam sido bastan-tes rni«destos. Por tais razões, íoi elaborada aConvenção Internacional de Combale à De-sertiíicacão nos Países Afetados pela Seca c/ouDesertificdção, particularmente nu África, que'entrou em vigor em 17.0(1.1994. No Brasil, àdesprtificação atingi', principalmente, a regiãonordeste. Ü governo brasileiro ratifitou 3 con-venção internacional e, conforme a orienta cãodada nesse acordo, preparou a sua própria Po-lítica Nacional do tonlrole da Desertifii ação.

ABSTUACT: Having thc known environnientaldegradai ion plienomenon as a n importamissue that conrerns lhe whole world, man^intornational moves nave been developed bywiphasi ing the muntioniíd prtiblem, as thefollowing listed onos: 'tlie United NationsConvi-ntion to Cornbat Deserlification, TheEarih Charter and The Plsn of Action to Com-

bal Desertifii.ation In tlii; counlriesby descrtifiuiüon, most of thcm in África InBrazil, sinvic; descrtificalion ha; ft>cuseri itsrootsin thenoitheast region oílheiountvy, thegovernmenl lias ratified an intcrnational agiee-menl through which developed its own Natio-nal Deserlification Control Poliiy Dói umüntin whkh it's fiossíble to visualize as essentialpoirits the chapter l 2 of The tanh Charter andThe United Nations Convenlion to ConibalingDeserlification, successively by empathizjngthe specific draw line.s of the probleni and hyrcaffirrning the need of having nalional, regio-nal and local steps forwdrd to combaling lhedegradation phenomenon. In that way the pre-sent study tries to rnake s great analysis uponthe enví'onmenLal degradation by showing itsev(jlutii>n in thc internai i ijna l law and iís refle-«es in lhe Brdzilian law.

PALAVBAS-CHAVL: Dcsertifi(.ação - Plano dasNa õei Unidas de Combale á Desem ficada o- Agenda 2] - Convenção Internacional deCombale à Desert i Reação nos Paists Afetadospela Seca e/ou Deserlificação, particularmenlena África - Política Nacional df- Controle daDesertificação.

KEVWOBDS: Desertification - United NationsConvenlion tu Curnbat Desertilication - EarthCharter - Plan of Aciion to Combat Deserlifi-cation in lhe countrics affected by düsertifica-lion. most of lhem m Aínca - National Deserti-fication Conirol Policv

130 LÍVIA GAIHHUÍ Bósio CAMPFILO O problema da dc-scrtiíicaçào 131

SUMARIO: 1, O reconhecimento do problema em nível mun-dial - 2. O conceito de dcsertificaçâo - 3. A= causas dadesertificacào: 3.1 Ação dos fatores climáticos no proces-so de desertificação; 3.2 A relação entre o homem e um"meio ambiente difícil": 3.2.1 Pecuária; 3.2.2 Agricultura- 4. O impacto da desertificação sobre o homem - 5. A lConferência das Nações Unidas sobre Desertificação: 5.1O plano de ação das Nações Unidas para combater a de-sertificação (PACD) - 6. A Conferência das Nações Unidassobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), aAgenda 21 e a desertificação - 7. A Convenção Internacio-nal de Combate à Desertificação nos Países Afetados porSeca Grave e/ou Desertificação, Particularmente na África:7.1 Definição dos termos, objetivos, princípios e obriga-ções das partes; 7.2 Os programas de ação: NAP's, RAP'se SRAP's; 73 Desertificação e desenvolvimento partici-pativo (bottom-up approach) - 8. A Política Nacional deControle da Desertiíicação: o Brasil e as suas respectivasÁreas Suscetíveis à Desertificação (ASD's) -- 9. ResoluçãoConama 238 de 22.12.1997 - 10. A construção partici-pativa do Programa de Ação Nacional de Combate à De-sertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasilt-11. Conclusão.

l . O RECONHECIMENTO DO PROBLEMA EM NlVEL MUNDIAI

No início do século XX, o inundo necessitava do irigo e pagava um bompreço por ele. Os fazendeiros do meio-oesie americano aravam e plantavam otrigo como nunca, principalmente após a colheita fenomenal de 1926. Devidoao clima seco, tais fazendeiros buscaram expandir a agricultura era mais terras,visando a um maior lucro, não demonstrando qualquer preocupação com aocorrência de danos ao solo.1

Em 1930. em meio à Grande Depressão, os povos das grandes planícies domeio-oeste americano temeram o fim do mundo, vez que a terra se encontravademasiadamente ressecada e, no verão, regi s travam-se as mais altas tempera-turas. Desde enlüo. grandes tempestades levantavam o solo frouxo. Formandouma cortina de poeira que circulava pelos campos e destruía a lavoura de irigoque ainda resistia à seca/

MACINTOSH. Phyllis. D ese n i fica ri (ir,: Farths Silent Scourge. Texto publicadoem 2004. Disponível tm: <hílp://usiufo.siaTe.gov/product.s/pubs/deserrilic/expe-TÍence.hun>. Acesso em 10.01.2006MACINTOSH, Phyllis. Desmifkarion: Líarths Silent Scourge. Texic. publicadoem 2004. Disponível em: <h 11 p://usiulo.st aTt.gov/produc rs/pubs/deserrific/expe-rienre.htm> Acesso cm 10 Oi .2006

Paul tionnifield' relaia que nu domingo, 14.04.1935. "o dia estava morno eagradável", quando: [ . . . j "uma bnsa delicada choramingou íora do sudoeste. Derepente uma nuvem apareceu no horizonte. Os pássaros voaram rapidamente,mas não rápido o bastante para a nuvem que viajava a sessenta milhas porhora. Este dia, que muitos povos da área recordam proniatnente, foi nomeado'domingo pi e t o.""

No dia seguinte á tempestade, Robert Geiger, um correspondente associadoà imprensa, criou o termo Dusí Bmvl para enquadrar "uma área de aproxima-damente 388.500 quilômetros quadrados, que inclui Gklahoma, uma longa eestreita Faixa do Texas e trechos vizinhos ao Colorado, Novo México e Kansas.''4

O termo vingou e passou a ser utilizado para descrever a combinação trágicaentre a degradação do solo E- as extremidades climáticas que ocorrem nas grandesplanícies do meio-oeste americano.'

Esse acontecimento motivou os cientistas a iniciarem um conjunto depesquisas, denominando tal processo como desertificação e, ainda hoje, muitosespecialistas consideram o Americds JJusf Bowl, o exemplo clássico de como omau uso da terra, agravado pela seca, pode transformar o solo produtivo empoeira. f j

O termo desertifieaçào foi primeiramente, usado por um francês chamadoAubréville, em 1949, ao descrever a sua percepção sobre a expansão do desertodo Saara paia as regiões de savanas.1

Em 1973, a região do Sahel. uma zona de transição para os climas tropicais,situada na África, precisamente à margem sul do Saara, havia sofrido cinco anosininterruptos de seca.

A grande seca do Sahel, que começou em 1968, foi atribuída principalmenteà baixa precipitação da chuva, vez que, na normalidade se atingia anualmente oíndice de 284 mm, e, naquela ocasião o índice foi muito abaixo da média, regis-trando somente 122 mm. Nos anos seguintes, o imprevisível comportamento dotempo oscilava, ale que, em 1972, foi registrado o pior índice de precipitaçãoanual, 54 mm. Em 1973, o cenário, que apresentava um espetáculo de "vastasmigrações e campos de refugiados", chamou a atenção mundial e serviu comoestímulo para o apelo das Nações Unidas à cooperação internacional no combateà desertilicação, incluindo a convocação de uma conierência internacional sobreo tema, á qual foi submetido um plano de ação H

3. BONNIFILLD.Pau!. 1930'Dusi Bowl. Lxcerpus frgm The Dust Bowl. Meu, Dinand Depression. Disponível em thtlp://www.ptsi.n(ít/usf.T/museum/àiisibowl.html>. Acesso em 11.01.2006

4. Idem. ibidem.5. MACINTOSH (2004). Op cit.ó. Idem, iludem.7. MACINTOSH. Climalic Surlaces and Designation of Aridity Zones. World A tias

of desertificotion 2. ed. Uriep, 1997, p. 088. MACINTOSH. Deseruficagão: Uma visão global. Ocscrti/Jcarão: causas e conse-

qüências. Henrique de Sarros e Ario Lobo df Azevedo (írad.). Lisboa: FundaçãoCalousle Gulbenkian 1092, p. 13-14. Nesta obra, exprime-se que a situação doSahel. no tjumto uno de seca, era a mais cnlica possível, sendo assim descrita:

DOUTRINA. NACIUNAL

132 Bòsio CAMPLIIO O problema da desertiücacão 133

O mundo se deparou com uma serie de perguntas não respondidas. A secado Sabei era a evidencia de mudanças maiores no clima global? O Saara estavaexpandindo para o sul? Que implicações isso leria para os países direi amem eenvolvidos? Para seus vizinhos? Para a comunidade internacional? O que poderiaser feito para amortecer o impacto, ou para impedir mudanças desastrosas?9

Atento ao aspecto geral das informações que já estavam disponíveis, e, lendoem vista o exemplo da África, Heitor Matallo júnior1'1 afirmou que: 1...] "tiocaso africano, a sedentarização das populações antes nômades, mudanças nosmodelos de exploração tradicional dos recursos naturais, a estruturação de Ummercado demandante de produtos agrícolas e:m zonas andas, os desmatame.ntospara a produção de energia e incorporação de novas terras ao processo produ-tivo, associadas aos problemas da pobreza da população, formam o complexoconjunto de causas básicas dos processos de de certificação.''

Não obsiante o reconhecimento mundial do problema da desertificaçãoter surgido com a questão africana, o fenômeno já havia sido aponiado comoum fator de declínio de civilizações muito antigas, como foi o caso das terrasde regadio dos Sumérios e Babilônicos, nas quais, devido ã insuficiência dedrenagem, a produtividade agrícola foi destruída como conseqüência dos sais

concentrados.11

"O Lago Chade esteve reduzido a um terço da sua dimensão normal e já nadasignificava como reservatório de água. No inverno precedente, os nos Niger eSenegal não haviam extravasado, o que fez com que grande parte da melhorterra agrícola de cinco países (Nigéria, Mali, Alto Volta, Senegal e Mauritânia)permanecesse seca e estéril. As faltas de chuva significaram a peida de valiosaspastagens anuais do Sahel do Norte, tai como se mostra no estudo do caso doNiger; a medida que a seca continuava e a reserva de água ficava mais exaurida,generalizava-se a morte dos arbustos e árvores com valor alimentar, iam secandoos poços superficiais estacionais em grande parte do Sahel, restringia-se a explo-ração das pastagens até alcançar nível crítico. Gado esfomeado e enfraquecidoconcentrava-se ern redor dos bebedouros, e ali destruía totalmente a vegetação eo solo, ou então, deslocava-se para o sul na tentativa freqüentemente infrutíferade procurar pastagens. Deixava atrás de si uma paisagem nua, a cozer ao sol,na qual surgiam e tendiam a ligar-se entre si trechos de desertos recentementecriados, dando a impressão de que o grande deserto do Sahara eslava a caminharpara o sul. Mais ao sul, os agricultores eram atingidos por um estado similar deseca, que causava sucessivos fracassos das colheitas, o que fazia desaparecer astradicionais pastagens dos retolhos. As reservas regionais de alimentos estavamexaustas e todos os sistemas sahelianos de criação de gado se encontravam emruptura completa "

9. liniled Nations Coníerence on Desertihcation (Uncod) Round-up, plan ofaction and resolutíons. New York" United Nations, 1978 Disponível em:<http://www.ciesin.org/docs/002-478/U02-478.htoil>. Acesso em ló.OJ.2006.

10. MATAI LOJÚNIOR, Heitor. Oeserti/Jração, 2. ed. Brasília: Unesco, 2003, p. 09.11. Outros exemplos desse entendimento sáo: a seca prolongada que danificou

a base agrícola dos Harapanos, quando estes haviam erguido uma civilizaçãoprimitiva onde atualmente é o Paquistão, e a verificação de que o litoral medi-terrãnico da África era mais produúvo no tempo dos Romanos do que nos dias

Não há possibilidade de se quantificar exatamente a área total de lerrasdegradadas devido à utilização pelo homem, desde quando a agricultura seiniciou. No entanto, alguns peritos sugeriram que a taxa de degradação vemaumentando significativamente durante as últ imas décadas, apontando que elaeqüivale, atualmente, a pelo menos 50.000 quilômetros quadrados por ano."

É importante a constatação que se dá a partir da compreensão pilo homemde que a desertilicação tem acelerado, para que este se dedique mais às pesquisasquanto a esse tema. No entanto, mesmo que o conhecimento do fenômeno ern sinão seja algo (ao novo, o reconhecimento da descrtificação como um problemaglobal é tão recente que nem mesmo a palavra desertificação figura nos dicioná-rios. Por isso. muita conirovérsia há ainda a respeito do seu real significado.1'

Os dados que explicitam a situação mundial pertinente aos processos dedesertíllcação indicam que tais problemas incidem sobre 33% da Terra, ondevivem aproximadamente 2, 6 bilhões de pessoas, numero que corresponde a 42%da população mundial "

Por outro ângulo, a região subsaariana, que comporta mais de 200 milhõesde habitantes, apresenta o problema de maneira mais acentuada, pois ali cercade 20% a 50% das terras já estão degradadas. Emretanto, a degradação do solotambém e severa em regiões da Ásia e da América Latina, sendo que, nestaúltima, mais de 516 milhões de hectares são afetados pela desertíficação, comum cálculo de perda anual de 24 bilhões de toneladas de camada arável do

h

2. O CONCEITO DE DESERTIFICAÇÃO

Segundo Francisco Manas,"1 desertificação é um vocábulo que vem sendoutilizado, pela comunidade científica desde, pelo menos, 1949, quando Auhré-ville publicou um livro com o título CÀima, bosques v desertíficación en ei ÁfricaTropical

de hoje. Conforme, MACINTOSH. De.seiti fica cão: Uma visão global. Deserti-ficação: causas e conseqüências. Henrique de Barros E Ario Lobo de Azevedo(trad.). Lisboa- Fundação Calouste Gulbenldan, 1992, p. 14.

12. Idem, ihidem.L3. Idem, íbidem.14. ADAMS, C. R.; FSWARAN, H. Global land resources in lhe context of food and

environmemal securily, apud, GAWANDF, S. ü Advances in Land ResourcesManagement for lhe 20 th Century. New Delhi: Soil Conservation Society ofíndia, 2000, p. 35-50 Disponível em. <hllp://www.íao org^g/agl/agll/lada/emai.lconl.stm>. Acesso em 21.10.2005

15. l'ocid And Agrieulture Organízation of lhe United Nations (FAO). A newframework for Conservation-ei fec ti vê land management and desertificationcontrol in Latin America and Carihbeari Guidelines tòr lhe preparation andirnplementation of National Action Programs. Rome: IAO, 1998. Disponívelem. <http://www.fao.org/docrepAV9298L.htm>. Acesso em 21.10.2005.

16. MANAS, Francisco Martin de Santa Olalla. iií riesgo de deserlificación. Agricul-tura y desertificadím Madnd: Mnndi-Prensa Líbros S. A. , 2001, p. 18

Rcvwía f/e Direito Ambienta/ DOUTRINA NACIÜNAI

III134 LÍVIA CiAiaii.K MOMO CAMINHO

Rubio1 ' aiesta que se t rata de um termo complexo, bastante controveriido,freqüentemente utilizado de lorina errônea e, devido à imprecisão do seu signi-ficado, de d i f í c i l eonceituação. Em c on l rã partida, conforme Ibànez,"1 pode-sedizer que é um termo bastan',e intuitivo, podendo ser objeto de tratamento ertiestudos, sem necessariamente ler de dar conta do seu significado estrito.

Na verdade, o fenômeno da deserlilicação varia muito de acordo corn ograu de desenvolvimento, conhecimento científico, cultural, econômico e socialdas populações afetadas. Por conta disso, já foram formuladas mais de cemdefinições, porém nenhuma caracteriza plenamenle o processo de degradação eeonseqüent emente, nenhuma tem aceitação universal.1'1

Heitor Matallo Júnior20 afirma que "a idéia de 'degradação da terra' é elamesma urna idéia complexa, com diferentes componentes." Sendo estes oscomponentes confirmados: a) degradação de solos, b) degradação da vegetação,c) degradação dos recursos hídricos, e d) redução da qualidade de vida da popu-lação. Depreende-se que todos eles dizem respeito a áreas específicas de conhecimento, tratando-se, respectivamente, de componentes físicos, biológicos,hídricos e socioeconômicos. Mais ainda, nas palavras de Heitor Matallo Júnior,15

''as áreas de conhecimento científico mencionadas possuem uma longa tradiçãode pesquisa e uso de indicadores e metodologias de trabalho muito particularese adequadas a seus objetos de estudo." Portanto, infere-se que não há a menorpossibilidade de sobrepor uma área à outra.

O problema que convém ressaltar é que como o objeto, desertificacão, aindanão foi suficientemente delimitado, não ha como atribuí-lo a um programa depesquisa específico. Nas palavras de Matallo Júnior.22 ''o que tem ocorrido é odesenvolvimento do lema no contexto dos programas seloriais, ou segundo osdiferentes paradigmas já estabelecidos."

No entanto, a definição de deserlificação mais ainplamenie admitida foiformulada por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o M fio Ambiente eDesenvolvimento- CNUMAD-, que foi realizada no Rio de Janeiro, Brasil, entre03 e 14 de junho de ] 992. e da Convenção das Nações Unidas sobre o Combate àDesertificacão - UNCCD ~, acordada em 17.06.1994.

Na oportunidade da CNUMAD, as idéias expostas e debatidas consolidaramum importante documento internacional de proteção ao meio ambiente. Entre-tanto, é importante aqui reproduzir alguns termos do capítulo 12 da referidaagenda, posto que, se refere diretamente ao manejo dt: ecossistemas jrdgds: alula contra a desertificação e a seca, trazendo como marco o conceito de deseni-

17. RUBIO, J. L. Desertificacilin Un término complejo. Quercus. 1992, p. 20-21.18. 1BAN1ÍZ, J J. et ai. l.os geo sistemas mediterrâneos en ei espado yen ei üempo.

La evoluaón dei paisaje mediterrâneo en ei espado > fin d tiempo. Implica clonesen Ia deserlificación. Logrono: Geolorma, 1997, p. 27-130

19. MANAS (2001). Op.cn., p. 18.20. MATALLO JÚNIOR, Heitor, /ndifüílotes dt dewrtificação: histórico e perspec-

tivas. Brasília1 Unesco, 2001, p. 2421. Idem.p. 25.22. Idem, p. 26

da Direito Ambiental

O problema dd desertificacão 135

fieação, que assim fica entendida como "a degradação do solo em áreas áridas,semi-áridas e subúm idas secas, resultante de diversos fatores, inclusive de varia-ções climáticas e de atividades humanas."

A UNCCD, em seu primeiro artigo, que cuidadas definições dos termos utili-zados ao longo da Convenção, repetiu o coiiceiio de desertificaçáo apresentadona Agenda 21, não deixando dúvidas sobre a concordância com a definição quejã eslava colocada no referido documemo. No entanto, a Convenção delineouo que pode ser entendido por degradação do solo ou da lírra, assim dispondo;[...] "/) Por degradação da terra entende-se a redução ou perda, nas zonas áridas,semi-áridas e sub-nmidas secas, da produtividade biológica ou econômica e dacomplexidade das terras agrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, daspastagens naturais, das pastagens semeadas das florestas e das matas nativasdevido aos sistemas de utilização da terra ou a um processo ou combinação deprocessos, incluindo os que resultam da atividade do homem e das suas formasde ocupação do território, tais como: a erosão do solo causada pelo vento e/oupela água; a deterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas oueconômicas do solo. e a destruição da vegetação por períodos prolongados."5

Mesmo que o conceito presente nos documentos iniernacionais sejadescrito de fonna genérica, a deserlificação incorpora um significado universalno sentido de ser reconhecida como um processo degradador em nível globalque necessita ser combatido.

Eqüivaleu i e à coneeituação trazida pelos documentos acima citados é oentendimento de Manas,23 quando assevera que desertificacão é: un procesocomplejo que rfduce Ia prodnctividad y ei valor de íos recursos naturales, emei contexto específico de condiciones climáticas áridas, semiáridas y suhhú-inedas secas, como resultado de variaciones climáticas y actuaciones humanasadversas

Nesse sentido, a desertificacão. numa visão puramente agronômica, pode serconsiderada como uma diminuição da produtividade dos solos, como resultadodo uso e gestão inadequados dos recursos naturais em territórios fragilizadospelas condições climáticas adversas. Nas palavras de Manas24 "es un conjuntode procesos o manifestación de fenômenos implicados em ei empobrecimiento ydegradación de íos geoecosistemas terrestres por impacto humano."

Não cusia evidenciar que não se írata de um problema meteorológico ouambiental somente, mas síni de uma ruptura do equilíbrio entre o meio ambiemee o sistema de exploração humana, ocasionada por uma crise climática, socio-EconOmira e ambiental que, por sua vez, desencadeia um novo processo dedegradação, dificultando ou impedindo a conservação do solo, imprescindívelpara o desenvolvimento sustentável

Logo, a deseriificação pode ser apontada como uma patologia ambientalcomplexa, fruto de um processo composto por múltiplos faiores, que se inter-relacionam e iniegram diversas áreas de conhecimento.

23. MANAS (2001). Op. en., p. 1824. MANAS (2001). Op. cil., p 19.

DOUTRINA NACIONAL

13b LÍVIA CAMPRÍO

3. AS CAUSAS DA UirSLRIIHrAÇÃO

Foi assinalado que os processos de degradação sào os mecanismos respon-sáveis pela diminuição da qualidade do solo, sendo que tais processos normal-mente são agrupados era degradação física, química e biológica, Fnireianto, valedizer que Joan Caries Colonier Marco e Juan Sánchez Diazr' consideram que"esta disiitición resulta un tanto arbitraria y poço salisfactoria, puesto que, muyírecufiHemente, se producen de manera simultânea "

De falo, o solo constitui um sistema dinâmico e complexo em que várioscomponentes interagem. Mas, a despeilo de não haver um método univer-salmente válido para identificar a deserlificaçáo, bem como, suas causas, nãose devem desconsiderar os estudos pré-existemes sobre os possíveis diversosfatores que incidem concornitantemente sobre o Fenômeno, mesmo que taisestudos reflitam um somatório de metodologias.

Assim, Marco e Díaz"' afirmam que "procesos como Ia erosióri, saliniza-ción, lixiviación, acidificación, ele., son procesos que de Forma narural se estãnprodudendo, sin que requieran Ia iniervención humana". Porém, esses mesmosprocessos, quando acelerados ou induzidos por atividades humanas, causamdegradação ou desertincação.

A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação - FAO- enumera genericamente os fatores responsáveis pela maior severidade dadesertificação, identificando-os como; a) O rigor das condições climáticasdurante um período considerado, em vista de critérios de precipitação anual; b)A pressão populacional e o padrão de vida das pessoas envolvidas; e c) O nívelde desenvolvimento do país e a qualidade de medidas preventivas adotadas."

Existe a necessidade urgente de se aluar para combater a desertificacão, vezque se trata de um processo dinâmico, tendo sido jã constatado que a deserü-ficação pode alimentar-se a si e tornar-se auto-acelerada."1 Assim, o atraso nocombate ao processo de degradação torna a recuperação do solo excessivamentedispendiosa, podendo chegar a um limiar de degradação irreversível. Por conse-guinte, faz-se imprescindível apresentar as causas específicas, mais admitidaspara esse fenômeno, mesmo que relacionadas com diferentes áreas.

Convém salientar que as causas da desertificacão aqui mencionadas foramdestacadas de vários estudos imerdisciplinares que, outrora, resultaram em um

25. MARCO, Joan Caries Colomer; DIÁ2, |uan Sánchez. Agricultura y procesosde degradación dei suelo. Agricultura j desenificación. Madrid: Mundi-PrensaLibrosS.A.,2001,p 112

26. Idem, p. 112.27. Food and Agnculture of The United Natiims (FAO). Symposium on land

degradatkm and poverty. Rome: FAO/In t ernalional Ferlilizer Industry Asso-ciation (1FA), 2000, p. 03. Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/X5317E/x5317eOO.htm>. Acesso em 21.10.2005.

28. MACINTOSH. Descri i/I cação: uma visão global. Desertijiccu.au. causas e conse-qüências. Henrique de Barros e Ario Loho de Azevedo (Trad.). Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992, p. 23.

Revista cfe Direito Ambiental

O problema da desertificação 137

dossiê voltado á preparação da Conferência dv Nairóbi em 1977 e no posteriorplano de ação global para combater o fenômeno.

3.1 -Ação dos fatores climáticos no processo de desortifícação

Muno embora o homem seja considerado o principal aparelho de desenifi-cação, o conhecimento do processo não deve limitar-se exclusivamente ao ladohumano. Ha fatores naturais relevantes para a identificação das áreas suscetíveisà di/serüficação, dentre os quais o e lima e preponderante.

fim escala global e regional, as zonas áridas são definidas a partir decritérios de drenagem, tipos de vegetação c características climáticas.1' Essesaspectos influenciam o meio ambiente ao ponto de gerar limitações às atividadeshumanas.

Assim, a aridez pode ser simplesmente definida como umdéfici! de umidadedevido ás circunstâncias climáticas, o qual configura a base para a designaçãodas regiões em que ocorre a desertificacão.30

A falta de umidade devido às condições climáticas adversas pode serobservada a partir de quatro situações. A primeira tem em vista a estabilidadeatmosférica que incide, por exemplo, nos desertos tropicais, visto que o ar subsi-denie é relativamente seco. A segunda é denominada continentahdode, na quald distância dos oceanos inibe a penetração dos ventos úmidos. A terceira, porSua vez, e a topografia, quando as montanhas lormam uma barreira às nuvensde chuva. E, finalmente, a quarta situação advém das correntes oceânicas friasque coniribuein para a existência de zonas desertas litorâneas, uma vez que,provocam a redução da evaporação.Y'

A intensidade do índice de aridez varia de região para região em razão dosdiferentes níveis de déficit de umidade. Há na comunidade científica uma acei-tação da nomenclatura utilizada por Thornthwaite f 1948) e Meigs (1953).';

Para esses autores, as áreas subúmidas secas caracterizam-se pelo poten-cial de e vá pó ira nsp i raça o variável entre 0,5 e 0,65. Assim, há configurada umaprecipitação sazonal, ou seja, sujeita á estação. Tais áreas se mostram bastantesuscetíveis ;1 degradação, pois a precipitação sazonal implica em períodos deextrema seca. Além disso, a agricultura t amplamente praticada nessas áreas, oque realça a probabilidade de degradação. As áreas semi-áridas rei ratam-se pelopotência! de evapoiranspiração variável entre 0,20 e 0.50. Trata-se de regiõesque propiciam a pastagem, para que aparentemente são adequadas, porémobviamente firam prejudicadas pelo alto déficit de umidade. Nas áreas áridas, osíndices de evapotranspiração assumem valores em ré 0,05 e 0,2. São regiões ondeo pastoreio ê possível, mas muilo precário, tendo em vísia a vanabilidade climá-tica. Por fim, as regiões hiperáridas que se configuram pelos índices de evapo-transpiração menores que 0,05, são regiões que batem os recordes de períodos

29. MACJNfOSIl. Clima li c Surtaces and Designation of Aridíty Zunes. World atlasof desfrtijtration. 2. ed Unep, 1997, p. 02

30 Idem, ibidem.31. Idem, p. 0532. Idem, ibidem.

DOUTRINA NACIONAL

138 CAMPHI.O O problema da desertific.dt.ao 139

sem precipitação. Nelas se localizam os verdadeiros desertos.>( Contudo, valedizer que há uma diferença entre os desertos extremos e as áreas propicias à

desertificaçâoEm 1992, a Unep - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente -,

publicou no Mapa Mundial de Desertificaçâo a indicação das cinco principaiscimuras de deserto: 1) O deserto de Sonora do México norte-ocidenia! e a suaconiinuação até às bacias de deserto dos Fstados Unidos sul-ocidentais; 2) Odeserto de Atacama, uma estreita faixa litoral a oesie dos Andes, desde o sul doEquador até o Chile central; 3) Uma vasta ciniura desde o Oceano Atlântico atéa China, incluindo o deserto do Saara, o Arábico, do Irã e da URSS, bem comoo deserio de Rajastão, no Paquistão e na índia, os desertos de Takla-Makan e deGobi, na China e na Mongólia: 4) O Kalaari e as sua adjacentes terras áridas, naÁfrica do Sul; 5) A maior parte da Austrália.

Saliente-se, como explica Kenneth Hare,!4 que os climas desérticos colidemseveramente com. o homem, já que a soma da falta de chuva e o excesso de calortorna a superfície terrestre nos desertos, em grande parle ou compleiamenie,

vazia de vida.Hare^ considera como desertas "todas as áreas terrestres, das quais a vida

permanente foi essencialmente excluída por falta de chuva", assim, para esseautor, ''o povoamento de tais áreas está essencialmente confinado a oásis ribeiri-nhos ou de águas subterrâneas."

Constatou-se que o declínio da produtividade biológica - desertihcação- se deve em boa parte ao clima seco que marca as áreas áridas, semi-áridase subúmidas secas. No enianto, cumpre assinalar que os próprios desertosextremos, hiperáridos, não estão sujeitos a posierior degradação, visto que jánão apresemam poiencialidade produtiva.3'' Portanto, pela lógica, as áreas desér-ticas estão excluídas da preocupação mundial, TIO que se refere ao fenômeno dadescri i fi caça o

Ainda quanto à ação dos fatores climáticos, não se pode deixar de mencionaro estudo feilo, em 1996, por Williams e Balling.5' No livro Inleractions betwenclimaie and desertification. produzido pela World Meieorological Organization- WMO -. esses autores notaram que a desertificaçâo pode afetar o clima, assimcomo o clima pode afetar a desertificaçâo

53. MACINTOSH. Cumatic Surfaces and Designation of Aridity Zones. Woild Atlaso\ dês cn\ fica t i (m. 2. ed. Unep, 1997, p. 3

34 HARF, E Kenneth. Clima e desertificaçâo Dc.seni/irutílo: causas e conseqüên-cias. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: FundaçãoCalousti- Gulbenkian, ! 992. p. l 24.

35. Idem, ibidem36. MAC1NTOSH. Dtserlificação: Uma visão global. Dt'serli/iciji;ão: causas e conse-

qüências. Henrique de Barros e Ano Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: fundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992. p. 17.

37 WILLIAMS, M. A. j.; I3ALLINÜ, R. C. JnfiTUdJotn betwrcn dnmificalinn andclimaie. London: Fídward Amokl. 19%, apud MACINTOSH. Climalíc Surfacesand Designation oi Arídity Ztines. World Atlus of desemficalion. 2. ed Unep.1997. p. 8

Revista de Direito Ambientai

Ocorre que a mudança climática induzida pelo homem, em escala global,especificamente pela emissão de gases que provocam o efeito estufa, causa umenorme impacto nas terras secas, alterando os seus regimes climáticos for outrolado, as ações humanas, nessas regiões, alteram a natureza de sua superfície,fato que. também afeta o contrapeso de energia da atmosfera e a ocorrência deprecipitação, provocando mudança climática.1"

3.2 A relação entre o homem e um "meio ambiente difícil"

A interação entre o homem e urn ambiente difícil pode ser explicitada pormeio dos sistemas de vida adotados em ecossistemas secos. Nesse contexto,reflete-se a premissa de que o liomo sapicns e, genética e comportamenialrnente,mais adaptável ao seu ambiente do que qualquer outro animal.'"

Isso se dá a partir dos profundos conhecimentos humanos das ecologíaslocais que fundamentam estratégias mais destras do que seriam capazes outrosanimais. Exemplo é. o fato de que a mobilidade e o conhecimento cio terrenopermnem explorai locais com chuvas apenas ocasionais."' Assim: "são elescapazes de se dispersarem para explorar recursos muito esparsos, já que não selhes depara o obstáculo da propriedade. A sua variada dieta é suficientementenutritiva para lhes permitir que sobrevivam mesmo nos piores tempos. Util izamo fogo para gerir a sucessão das plantas e atrair a caça às boas pastagens e aí acercarem, embora mantenham sob outros aspectos uma relação normal entre opredador e presa.''41

Importante ressaltar que a principal peculiaridade da organização socialdos caçado res-cole t ores é que esses fazem com que o seu número seja compa-tível com os limites dos seus recursos. Assim, para Warren e Maizels," "com apossível excepção do fogo, não parece que estes povos hajam causado grandesdanos à resiliência dos ecossistemas dos quais dependem há milênios."

White,45 por sua vez. esclarece que as origens da agricultura e dos sistemasde criação de gado são controversas, mas, concernente ao inicio da grave alte-ração do meio ambienie pelo homem, não há dúvidas de que ela se deveu ao usodessas técnicas.

Especificamente em ecossistemas caracterizados pela riqueza da terra, oimpacto das atividades humanas é bem menos acentuado do que nos ecossis-temas secos, distintos, pois a desertificaçâo é o resultado habitual. Isso ocorreporque o homem peneira em certos ambientes delicados, como os agravados

38 Idem, ibidem.39. WARREN, Andrew, MA1ZE1.S, Judilh K Mudança ecológica e desertificaçâo.

Desffíi/kflfão: causas e conseqüências. Henrique de Barros e Ario Lobo deAzevedo (Trad.) Lisboa: Fundação Calouste Culbenkian, 1992, p. .304.

40. Idem, ibidem.41. Idem, ibidem42. Idem, ibidem43. WHITE, R. O. Evolurion of land use in soulh-\vestern Ásia. A hiutory iiflai7iiu.se

ii7 aríd rcgions Paris1 Unesco, apud WARREN et ai. {1992). Op. cit., n. 304.

DOL.TKINA NACIONAI

T

140 LÍVIA CjAir.i IE.K fírtsio CAMI-FIIO O problema da dcscrtificação 141

pela seca, e neles ama vislumbrando suprir as suas necessidades de sobrevi-vência, sem a compreensão das sensibilidades e limitações ambieniais do local

As duas principais formas de exploração humana das terras secas são: apecuária (extensiva ou apascentarão de gado) t- a agricultura (de sequeiro oucie regadio).J1

3.2. / Pecuária

Os sistemas pecuários, segundo Rates,*5 caracterizam-se pelo "recurso aanimais não estabulados que colhem uma reduzida proporção da vegetaçãonatural."

Tipicamente, nesse meio ambiente complexo, os criadores de gado enfrentama questão climática de várias maneiras, como, por exemplo, disseminando ogado em grandes áreas de pastagem de modo tal que a pressão da apascentacãoresulte ligeira, to mando-lhe s possível o aproveitamento sem esgotamento dosecossistemas secos.1*1

Ocorre que, ao chegar a seca, observa-se uma natural relutância dos criadoresem reduzir o efetivo de animais possuído durante os anos precedentes, o quepode dar origem à sobre apascenta cão, tomando, com isso, bastante prejudicadasas pastagens já afetadas pela seca. Ademais, quando a seca termina, os criadoresnão hesitam em explorar as pastagens onde não ocorreu a regeneração.4'

No mesmo sentido, Antônio Del Cerro Barja e José Manuel BriongosRabadán4* apontam para uma necessidade de demarcação da área qu« está emprocesso de regeneração, expondo que: "'El número de cabezas de ganado quepuede albergar un determinado espacio natural es un factor decisivo para Iaplaniíicaciõn fo restai. K n numerosas ocasiones, ei ganado es una lierramientacapital para Ia conservación de los ecosistemas, sobre lodo em los denominadosecosistemas agrosillvopasiorales, si hien Ia regeneración de Ias espécies arbóreasexige ei acotamiento ai ganado em Ias zonas que tiençn que ser regeneradas."

Na opinião de Montoya,119 em 1987, ''Ias dehesas em ei momento actual estánmuertas como sistema biológico.'' Essa critica feita em relação aos prados portu-

44. Essas formas são utilizadas desde os sistemas altamente especializados,dependentes de mercados externos, ate aos mais tradicionais que. inventaramestratégias e adquiriram aptidão para enfrentar as pressões e os riscos impostospelos ambientes áridos. Conforme, MACINTOSH Desertlficofãii: Uma visãoglobal. Desertificação: causas e conseqüências. Henrique de Barros e Ario Lobode Azevedo (Trad.). Lisboa: Fundação Calousle Gulbenkian, 1992, p. 44.

45. KATES, R.W; JOHNSON, D.L. and JOHNSON, H. K. Dcmographit, Social andJiehíiviiWíil Review. Unep. 1976, apud WARREN et ai. (l992). Op tit., p. 46

46. ldem,p. 337.47. Idem.p. 47.48. DARJA, Antônio Del Cerro: RABADAN, José Manuel Bnongos. La vegetación

natural. Agricultura y desfn.ijtcut.iun. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A, 2001,p. 213,

49. MONTOYA, J. M. La ordenaciòn forestal de montes de frondosas mediterrâ-neas Conservarirm y desarmüo ite Ias. dehesas portuguesa y espaíwla. Madrid:

gueses e espanhóis lambem conforma para a indiscutível íalta de regeneraçãoque eles têm sofrido, t razendo, como conseqüência, a morte de ecossistemas. Éoportuno acrescer que prados, no dicionário, significam "terrenos cobertos deplantas herbáceas próprias para pastagem."

Assim, é particularmente importante observar quando a deterioração atingeas pastagens, dado que se verifica, segundo Montoya,1"1 pelas condições da vege-tação, "não somente porque as plantas são a base da pastagem, mas lambemporque desempenham papel importante na estabilidade dos ecossistemas dasterras secas."

Há de se ter em vista que as primeiras plantas a serem removidas são as quepertencem às espécies mais apetitosas, deixando no terreno as menos apreciadas.Daí, que essas últimas referidas, em períodos de seca, tornam-se muito valiosas,pois, além de constituírem o único alimento disponível ao gado, funcionamcomo "plantas perenes lixadoras do solo', não podendo ser pastadas até suaextinção, f. notório que a destruição da vegetação somada à pulverização dosolo são efeitos característicos dos locais onde o gado se reúne, tal como nobebedouro, onde o pisoteio é mais intenso.°"'

Corroborando o que foi exposto acima, Andrew Warrenejudilh K. Maizels'1

exprimem que há provas da deseriihcação em relação ao sistema pecuário, sendoapoiadas na observação direta das próprias pastagens, especificamente sobre "acomposição destas, a estrutura da vegetação por idades e as freqüências relativasdas espécies apetecidas e: não apetecidas.''

Nesse ínterim, ecologistas e gestores de explorações pecuárias procederama estudos no intuito de avaliar o seu impacto sohre o meio ambiente em temposde seca. Conlonne Warren e Mayzels." "destes estudos ressalta usualmente umaimagem negra do estado dos recursos forrageiros do mundo seco.'*

Assim, a partir dos inquéritos efetuados nos Estados Unidos, que trouxeramum diagnóstico da condição das explorações pecuárias ocidentais, parece haverum acordo de que os efeitos da sobre apascenta cão, nos finais do século XIX enas primeiras décadas deste século, acabaram por se revelar, como era inevitável,após as secas do ano 1930.

Nesse sentido. Warren e Maizels'1 indicam, como melhores provas da exis-tência dos danos sustentados, os estudos em Utah , "onde um exame cuidadosomostrou que a seca livera pouco efeito sobre determinada área não apascentada,mas que um trecho densamente apascentado sofreia enormes prejuízos."

Ministério da Agricultura. Pesca y Alimentación, 1987, apud BARJA, AntônioDel Cerro; RABADAN, José Manuel Briongos. 1.a vegetación natural. Agriculiuray deícrtificaaón. Madrid: Mundi-Prensa Libros S. A , 2001, p. 214

10. Idem, ibidem.5!. Idem, p. 48.52 WARREN. Andrew; MAI7F.I.S, Judith K. Mudança ecológica e desertilicaçào.

Descri i/icíitão: causas e conseqüências. Tradução de Henrique de Barros e ArioLobo de Azevedo. Lisboa: Fundação C.alousle Gulbenkian, 1992, p. 280.

53. Idem, ibidem.54. Idem, p. 281

(Sf Direito Ambiental DOUIKISA NACIONAL

142 LÍVIA GAHIHFR Bósui CA O problema da doserlrfiraçao 143

;t£&*

3.2.2 Agricultura

Sem dúvida, a agricultura ê tida como a atividade humana de maior inci-dência sobre os solos, principalmente a partir da segunda metade do século XX.que foi marcado pela intensificação das práticas agrícolas e do desenvolvimentotecnológico "

Muito se enfatiza a agricultura de sequeiro como método que expõe eperturba o solo, aumentando o risco de erosão.^ No dicionário, o termo ififucÍTOfigura como "lugar que não tem a umidade suficiente para auxiliar a vegetação."Dessa forma, a agricultura de sequeiro è típica de terras semi-áridas, nas quaisé possível a adoção de técnicas especiais com o objetivo de coletar, armazenar,proteger e aproveitar todas as gotas de água. As culturas resistentes à seca geral-mente são os cereais, tais como: trigo, cevada, centeio, sorgo e milho miúdo."

Um grande problema ocasionado por esse tipo de agricultura ê a tendência,verificada em sucessivas décadas, em produzir uma única cultura especializada,isso posto, causa a depleção e ruptura de muitos solos semi-áridos outroradotados de excelentes estruturas e fertilidade.'11'

Nas regiões semi-áridas do tipo mediterránico. como o su! da Austrália, aProvíncia do Cabo, a sudoeste da África do Sul, e partes da Califórnia, que secaracterizam pela elevada mecanização na produção de cereais para exportação,a dedicação à monocultura originou a falta de leguminosas nas rotações cultu-rais e uma virtual ausCncia de produção pecuária, o que contraria o retorno aosolo da matéria orgânica. Assim, essa circunstância, aliada à remoção da colheitae do cobertor vegetal pela ceifa mecânica, fez com que o solo perdesse os seuselementos nutri ti vos.w

A agricultura de sequeiro também pode ser trabalhada em ambientes ligei-ramente úmidos ou tropicais. Desse modo, Warren e Mayzels™ explicam que"cultivadores indígenas ultrapassaram o problema dos baixos rendimentos doscampos secos e inférteis recorrendo à agricultura itinerante.'' Nesse ponto, valelembrar que a agricultura itinerante é característica predominante na região doSahel, especificamente no Niger, onde uma área de 12 milhões de hectares cercade 8 milhões são cultivados sob esse sistema.1"

Com efeito, os agricultores itinerantes contam com algumas estratégiaspara laborar em terras secas onde poucas culturas são viáveis, que, segundo osautores suprarnencionados, consistem em: {,..| "abater a vegetação não herbácea

55. MARCO et ai. (2001). Op. eit.,p. 114.56. MACINTOSH. Desertifieaçao. Uma visão global. Desertifieaçao: causas e conse-

qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa. FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992, p. 54.

57. Idern, p. 5358. Idem.p. 5459. Idem.p. 5760. WARREN et ai. (1992). Üp. cit., p. 30961. BRAUN, H. ShihingcultivalLon in África (evaluationof questtoimaires). Stúfüng

Cullivation and Soil Conservation In África, líome- FAO, 1973, apud WARHLN etai. (1992). Op. cit.. p 309

fifvfita de Direito Ambientei!

de pequenas parcelas de terra, e em recuperar grande parte dos nutrientes mine-Tais (em especial, o íósforo) nela contidos, quer queimando-a, quer deixando-adecompor-se no local, mantendo o solo revestido e só cavando ligeiramente comenxadas. "llt

Quando se percebe que as produções estão decaindo, impõe-se abandonara terra, deixando-a em pousio61 por alguns anos seguintes, no intuito de serestabelecer a sua fertilidade <* Essa medida funciona como observam Warrene Mayzels'"-1 "Durante este tempo, as árvores e os arbustos voltam a rebentar apartir dos toros e extraem nutrientes das camadas profundas do solo; a vege-tação recuperada adiciona detritos ao solo que assim reconstitui a sua matériaorgânica e o seu leor em azoto; ao mesmo tempo, as raízes das ervas ligam osolo, fazendo com que recupere uma estrutura resistente á erosão "

Um ponto negativo, que pode ser observado em regiões semi-áridas tropi-cais, como ao sul do Sahel africano, ou na orla do deserto de Rajastão, é que assavanas arborizadas são geralmente desbravadas pelo fogo, a rim de oferecercama às sementes, embora muitas árvores sejam deixadas de pé.1* Acontece que,embora as queimadas possam ser úteis no sentido de renovar as ervas e preparara cama para as sementes, elas sào prejudiciais quando uti lieadas excessivamentee fora do tempo oportuno. Assim, expíica-se a assertiva de que as queimadaspodem levar à destruição do húmus e à baixa fertilidade, afetar a estabilidadedo solo e as boas relações com a água da camada superficial onde as sementesgerminam.*1''

Ademais, em vista das presentes pressões populacionais e da conseqüentefome de terra que acelera o processo agrícola, o agricultor que recorre à quei-mada se vê obrigado a retornar com o plantio no mesmo local antes mesmo de aterra estar recuperada, passados 15 anos em vez de, por exemplo, 20.

À medida que a fertilidade declina, as produtividades das culturas dimi-nuem e o impacto adverso auto-acelera-se. Acrescente-se que: "Nestas regiões,a pluviosidade, embora localizada, é freqüentemente intensa, causando a erosãodas superfícies cultivadas, que ficam encharcadas e cuja estrutura é severamentedanificada. Os períodos secos que alternam com a ocorrência das chuvas cozema superfície do solo na qual se formam crostas, atrasando a germinação e desen-volvimento das sementes.''"1

62. WARREN et aí. (1992). Op. cit., p. 309.63. No dicionário o termo pousio figura como repouso periódico, de um ou mais

anos, em que se deixam certas terras de semeadura para recuperarem a fertili-dade, ou então terreno cuja cultura se interrompeu para esse repouso.

64 WARREN et ai (1992). Op. cit., p. 309.65. Idem.p. 309.66. MACINTOSH. Desertifieaçao: Uma visão global. DesertificaLãa: causas e conse-

qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992, p. 59

67. Idem, íbídern08. Idem, íbídem59. Idern, ibídem

DULIKINA NACIONAL

144 LÍVIA GMUILK BDf.io CAVIPFIIO O problema d.i desertificacào 145

l

Como prova da relação entre as culturas de sequeiro e o processo de deserli-ficaeão. Warren e Maizels7i'se referem ao declínio da produtividade em locais doOriente Médio e do Norte da África, onde houve o alargamento da monoculturaem terras secas impróprias, no período entre 1948 e 1964. Também os autorescitam a observação de Williams, quando esse registra o decréscimo da produti-vidade da cultura do trigo na Austrália do Sul até 1900, atribuindo a redução àbaixa fertilidade do solo provocada pelas técnicas de cultivo de sequeiro.7'

Ao lado da agricultura de sequeiro tem-se o sistema agrícola de regadio quese distingue por ser uma operação bem mais dispendiosa e que provoca altera-ções no regime dos principais ecossistemas - solo, água e atmosfera -, porémtambém propicia os efeitos indesejáveis da desertificação, por isso requer umagesião hábil. É interessante acrescentar que o termo regadio figura no dicionáriocomo ''terreno que tem água de rega '"

Em se tratando de agricultura nas regiões áridas e semi-áridas, o regadio, aforma mais produtiva, ocorre em tal grau que ocupa 13% das terras cultivadasno mundo. Salienta-se que, embora nem todos os 250 milhões de hectares deregadio estejam localizados em desertos e terras secas, a maior parte, deles, estáligada a prevalência de condições áridas.1'2

São designados pomos favoráveis apoiados pelo sistema de regadio, visioque a rega fornece água que pode ser usada na beneficiacão de terras desertas,quer porque permite que estas sejam cultivadas, quer porque lava os solos sali-nizados. Entretanto, aleria-.se para que sejam aplicados princípios eficientes degestão da água, porque o fracasso ou desperdício desia pode conduzir ã quedada produtividade. Nesse sentido, explica-se que

A evaporação, o excesso de água e a drenagem inadequada podem produziralagamento do solo, o que reduz a produtividade devido a insuficiente areja-mento e a salinização, conduzindo eventualmente à perda da terra cultiva vê l.73

Saliente-se, ainda, que sempre que se comete, o erro de deixar no solo ossais solúveis contidos na água de rega, o excesso de evaporação e transpirarãoocasiona salinização e alcalinização. Assim, os resultados mais prováveistraduzern-se em quedas na produtividade, restrições às escolhas de culturas e.

70. WARRLN et ai. (1992). Op. cit., p. 283.71. W1LLIAMS, O. B. The perception o f the soil erosion hazard in South Austrália

Canberra: Hazard Symposiu. 1976, apud WARREN et ai. (1992). Op. cit., p283,

72. MACINTOSH. Desemficaçao: Uma visão global. Deseríi/icação: causas e conse-qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo fTrad.).Lisboa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992, p. 60. O autor traça uma interessante comparaçãoentre o regadio e a agricultura de sequeiro aludindf) que: "O regadio conduz aoaumento de seis vezes a produtividade dos cereais e de quatro a cinco vezes adas raízes a li m en l ares. A importância do regadio no desenvolvimento agrícola trevelada pelo facto de que as terras regadas estão a aumentar á taxa anual de 2,9ao ano, a comparar com a de 0.7% para as culturas de sequeiro".

73. MACINTOSH. Dês erti fica cão: Uma visão global. Desertificação: causas e conse-qüências. Henrique de Barros e Ario Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa: FundaçãoCalouste GrJbeukian, 1992, p 62

por f im, em perdas de terras irrigáveis que, em termos monetários, para seremrecuperadas, são muito dispendiosas. Nenhuma outra forma de desertificação émais custosa do que essa.74

Warren e Mayzels7"' lembram que os exemplos mais citados de aumento desalinização e alagamento aparecem nos grandes esquemas de regadio ao longodo rio Indus, no Paquistão. As estimativas são inquietantes, posto que, no totalde 15 milhões de hectares de área regada (09 milhões semeados anualmente), 10milhões estão afetados desta ou daquela maneira pela salinidade ou alagamento,e 02 milhões severamente afetados.

Outros dados foram apresentados por Allison76 no que tange aos danosocasionados em determinada área regada nos Eslados Unidos. Este pesquisadorcalculou que 27% da área regada nesse país estão afetados, de algum modo, pelasalinidade, sendo que, apenas entre 192.9 e 1939, aproximadamente 400.000hectares foram inutilizados.

4. O IMPACTO DA DESERTIFICAÇÃO SOBKE O HOMEM

A desertificação atinge as regiões mais pobres do mundo, afetando, parti-cularmente, aqueles grupos que dependem ainda mais do acesso aos recursosnaturais para a própria subsistência. Assim, identificam-se nestes grupos osrefugiados pela seca e, conseqüentemente pela fome.7 '

Dentro das comunidades, também se verifica a existência de povos rnaisafetados do que outros, tendo em vista a distribuição desigual de renda e riqueza.Desse modo, as conseqüências da desertihcação são mais acentuadas para asmulheres, idosos e crianças, que adquirem responsabilidades com o cultivo nasterras secas, quando os homens saem em busca de outras fontes de renda.™

Tais grupos também são caracterizados pela fragilidade política, nãopossuindo, ainda, um espaço para demonstrar sua habilidade no sentido demitigar os efeitos da desertificação.7^

Com efeito, as regiões secas do mundo tendem a estar geograficamente epoliticamente marginalizadas. Isto é devido, em parte, às dificuldades inerentesà administração que tem de lidar com populações dispersas, ou seja. residentesem regiões muito distantes, e ale mesmo inacessíveis. Ademais, observa-se abaixa prioridade dada a causa, pelos governos.

Destarte, a falta de iniciativa política destas populações lende a desanimaro Estado em seus investimentos, como na provisão dos serviços sociais, taiscomo saiide e educação. Isto porque não há uma compreensão bastante, parao governo, sobre as características originais das comunidades, traduzidas pelos

74. Idern, íbidem, p. 6071. WARREN et ai. (l 992). Op. cit., p. 285.76. ALLISON, L. F.. Saiiiiitv in relation li< itrigation. 1964, apud WARREN et ai.

(1992). Op. cit., p. 285."77. EVERS, Yvette D. Tke social dimetisions of desertification: annoiated bibliography

and literature review Unep, 1996, p. 11-14.78. Idem, p. 31-3279. Idem, p. 31-32.

de Direito Ambientai DOUTRINA N ACIONAI

146 LÍVIA CiALUiFR tiòsiti CAMPII io

salemas sociais de organizarão e de produção de alimentos, e, sobretudo, pelosimpactos ambientais subjacentes aos problemas de saúde.

No México, a pobreza nas áreas rurais gravadas pela seca é o maior fatordeterminante da migração. Tem-se que 75% dos migrantes mexicanos para os[-.stados Unidos saem das zonas rurais áridas. A iniertilidade do solo, conse-qüência da desertiíicaçào, impede o plantio para subsistência, resultando, pois,em pobreza e migração.""

5. A ! CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESERTIFKAÇÂO

Antes de analisar alguns dos prescritos elaborados após a l Conferência daíNações Unidas sobre Desertifitação, seria útil mencionar o processo pelo qualforam criados.

A Assembléia Geral resolveu, através da Resolução 3337, XXIX, de17.12.1974, delegar a responsabilidade de preparar o encontro ao diretor execu-tivo da United Nacions Enviranment Programme - Unep -, na época, MostafaKarnal Tolba, que reuniu um grupo formando o Secretariado da Conferência daONU sobre Desertificação.61

Nas palavras de Mostaía K. Tolba:1" "Tem sido prática das Nações Unidas,ao preparar a documentação para as conferências mundiais, encomendar umasérie de textos, cada ura dos quais respeitarite a um aspecto do tema geral emcausa.'1

Portanto, a recomendação era de que lodo conhecimenio disponível sobredês eri i fica cão tosse inteiramente disponibilizado. Nesse intuito, o referido diretorexecutivo extraiu extensivamente os recursos da comunidade científica mundial

Quatro grupos de revisão da comissão, financiados pelo programa dedesenvolvimento da ONU, observaram a relação existente entre a desertificacãoe clima, desertificacão e mudança ecológica, deseriificação e tecnologia e, porfim, desenificação e a sociedade.fií

Vlostafa K. Tolba04 exprime que ""ao procurar cumprir esta directiva,deparou-se ao Secretariado uma situação curiosa.'' Notou-se que as causas da

80. SCHWARTZ., Michclle Leíghton. Deserlification and Migration in México.World Atlas of desertification. 2. ed. Unep, 1997, p. 161

81. Govemmg Council. 30 (111) Implemmtatiim. of General Assembly resolution3337 (XXIX). International co-operation to tombai deserriíicaüon. Disponívelem <http://www.unep.org/Dncutnents.Multilingiial/Default.asp?DocumentlD=93&ArticleiD=1381&l=en>. Acesso etn 11.01.2006,

82. MACINTOSH, Descrüficacão: Uma visão global. Desertifitação. causas e conse-qüências. Henrique d s: Barros e Á rio Lobo de Azevedo (Trad.). Lisboa. FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992.

83. Unites Nalíons Conference on Deserrificalion (Uncod). Round-up, plari ofaction and resolutions. New York: United Nalions. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.iitml>. Acesso em 16.03.de 200o.

84. MACINTOSH. Deserlificaçãu: Lima visão global. Desemficaçao: causas e conse-qüências. Henrique de Barros e Ário Lobo de Azevedo (trad ). I .i «-boa: FundaçãoCalouste Gulbenkian, 1992

Revista de Direito Amhicntdl

O problema do (lesertlíi ração 147

desertihcação já eram conhecidas, assim como as técnicas para impedir o avançodo processo. Todavia, "todo este saber estava fragmentado entre uma grandevariedade de outras disciplinas: climatologia, agronomia, pecuária, ciência vete-rinária, geografia, ecologia, biologia "

Infere-se que a visão do íenõmeno não foi apresentada tendo em vista nmcenário global, mas sim baseada nos processos reais de deserufieação cons-tatados em cada país. Contudo, foi preparado um dossiê que serviu comu oprincipal documento direcionado aos delegados da Conferência, ressaltandoo terna em quatro assuntos: clima, mudança ecológica, tecnologia e aspectossociais.

Emergiu, de todo esse trabalho de perícia, um retrato fascinante da relaçãofluida entre a humanidade e a biosfera, ficando evideme que a desertificacão nãoera um problema só de alguns países.

Com base em dados climáticos, enfatizou-se que mais de 1/3 (um terço) dasuperfície da Terra é caracterizado por deserto ou semideserto, mais ainda, 15%(quinze por cento) da população mundial vivem nessas áreas33

Também foi destacado que cerca de .30 milhões de quilômetros quadrados,correspondendo a 19% da superfície terrestre, estão ameaçados pelo processode desertificacão, sendo que essa área esiá distribuída entre mais de 2/3 (doisterços) da totalidade de países do mundo.Bf"'

Finalmente, cerca de 500 delegados de 94 países retmiram-se ern Nairóbi,capital do Kenya, África, de 29.08 a 09.09.1977, para discutir os problemas dadesertificacão e elaborar o Plano de Ação para o Combate à Desertificaeão."'

5.! O plano de ação das Nações Unidas para combater 3desenificacão (PACD)

O Plano de Ação para Combater á Desertificacão — PACD - foi promovidona ocasião da I Conferência das Nações Unidas sobre Desenificação.

O objetivo imediato desse Programa é impedir o avanço do processo dedesertíficacão e, quanto as terras degradadas, se possível, recuperá-las para o usoprodutivo. Já o objetivo finai é garantir a sustentabilidade, dentro dos limitesecológicos, das terras áridas, semi-áridas e subúmidas, entre outras que se apre-sentarem vulneráveis ao processo de desenificação, no in tu i to de melhorar aqualidade de vida de seus habitantes.

Nesse sentido, a orientação que se dá é pela promoção de uma campanhaque direcione seus esforços para priorizar o desenvolvimento, a provisão dasnecessidades básicas humanas e a produtividade sustentada

O plano ern tela alena para a relação de interdependência entre o desenvol-vimento, população aietada, tecnologia K produtividade biológica. Diante das

85. Lnites Nations C.onfererice on Desemficatiou (Uncod). Round-up, piau ofacüonandresolutions. New York: United Nalions. 1978. Disponível em: <http://www.ciesin.org/docs/002-478/002-478.html>. Acesso em lo.03.de 2006.

86. Idem, ibidem87. Idem, ibidem

Doi.TRINfl NACIONAL

148 LÍVIA GAiijHiK BOÍIO CAMPLUO O problema da riesertificdcãu 149

aspirações expressas pelas Nações Unidas em sua carta patente,™ no senlidode melhorar a qualidade de vida e prover as necessidades básicas de iodos ospovos, todas essas etapas devem estar presenies nos eslorços dos governos paracombater a desertificação.

Aspecto relevanie, apresentado pelo PACD, e a confirmação cie que as causasda de s e rt i fica cão variam enire as regiões do mundo afeiadas, devido ás dife-renças em suas características ecológicas e suas estruturas sociais e econômicasPor isso, cada região pode requerer uma aproximação distintiva em relação aosproblemas da desertificação. Nesse intuito, o PACD assinalou que a gerência derecursos naturais roga o uso de métodos específicos para combater a desertiii-cação, enfatizando que a determinação real das prioridades será dada às políticase planos nacionais.

Também se reconhece, no plano de ação da ONU, que os países jã afetados,ou com probabilidade de serem afetados pela desertificação, estão em estágiosdiferentes, concernente à apreciação dos problemas causados pelo Fenômeno e àhabilidade em lidar com eles.

Então, tais Estados deverão igualmente seguir urna determinada seqüênciaem seus esforços para combatê-la. Preliminarmente, define-se a magnitude doimpacto do problema e, em seguida, são elaborados e implementados programascom base no que foi esboçado pelo plano da ONU. Vale dizer que nos Estadosonde os programas já foram implementados, deverá ser feito o monitoramentodo seu progresso, bem como a avaliação de sua utilidade para fins de repasse dasinformações à comunidade internacional.

Importante recomendação especifica é a introdução de uma gestão do soloaperfeiçoada e eficaz nas áreas sujeitas à d es edificação. Nos termos do PACD.essa hoa gestão envolve uma larga escala de medidas sociais, econômicas, insti-tucionais, técnicas e legislativas. Para tanto, orienta-se que, nas áreas afetadas ouvulneráveis, a gestão e planejamento do uso do solo sejam baseados em métodosecologicamente sadios e introduzidos em conformidade com a eqüidade social.

6. A CONFERÊNCIA DAS NAÇÕF.S UNIDAS SOBRE o MEIO AMBIENTE EDESENVOLVIMENTO (CNUMAD), A AGENDA 21 : A DESERTIFICAÇÃO

Fm dezembro de 1989, a Assembléia Gerai das Nações Unidas aprovou aResolução 44/22.8 determinando a realização, até 1992, de uma Conferência sobreo Meio Ambiente e Desenvolvimento que pudesse avaliar como os países haviampromovido a proteção ambiental desde a Conferência de Estocolmo de 1972

Na sessão que aprovou essa resolução, o Brasil ofereceu-se para sediar oencontro em 1992. Sobre esse fato, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva*"acrescenta que:

88. Nações Unidas. Carta das Nações Unidas de 26.06.1945. Disponível em.<hllp://www.onu-brasil.org.br/documentus_carta.plip>. Acesso em 16.03.2006

89. SILVA, Geraldo liuláho do Nascimento e. Direüo ambiental internacional: meioambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundialRio de |aneiro: Thex, 1995, p. 35

Numa fase inicial causou espécie o fato de o Brasil haver-se candidatadoa sediar a Conferência, pretensão esta também manifestada pela Suécia. Osmotivos da candidatura podem ser resumidos a dois: provar aos demais paísesque o Brasil participa das preocupações ecológicas, e aproveiiar a oporiunidadepara mobilizar no Brasil a opinião pública em todos os níveis da administração,lederal, estadual e municipal, a fim de criar uma consciência ecológica.

Logo, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvi-mento - CNUMAD - ficou conhecida como Cúpula da Terra (Karih Summit), emarcou-se sua realização para o mês de ]unho de 1992, de maneira a coincidircom o Dia do Meio Ambiente (05 de junho).

Denire os objetivos principais dessa Conleréncia. destacam-se os seguintes:a) examinar a situação ambiental mundial desde 1972 e suas relações com oestilo de desenvolvimento vigente; li) estabelecer mecanismos de transferênciade tecnologias não poluentes aos países subdesenvolvidos; t) examinar estra-tégias nacionais e internacionais para incorporação de critérios ambientais aoprocesso de desenvolvimento; â) estabelecer um sistema de cooperação interna-cional para prever ameaças ambientais e prestar socorro em casos emergenciais;e) reavaliar o sisiema de organismos da ONU, eventualmente criando novasinstituições para implementar as decisões da conferência."1

Tal evenio da ONU propiciou debate e mobilização da comunidade inter-nacional em torno da necessidade de uma urgente mudança de comportamento,visando à preservação da vida na Terra.

Pertinente a o objeto desse es tu do, foi a constatação, em 1991, pelo Programadas Nações Unidas para o Meio Ambiente - Pnuma —, de que a aplicação derecursos e a reversão dos processos de dcsertiíicação, na forma indicada peloPlano de Ação Mundial, haviam sido bastantes modestos, por isso, vários paísescom problemas de desenificação, especialmente a África, resolveram propor,durante a Rio-92, a elaboração de uma Convenção específica sobre o tema, vezque seria um instrumento jurídico mais forte, pois obrigaria os países que aassinaram a assumir, de falo, os compromissos nela prescritos.

A Agenda 21 é um acordo formalizado em um plano de grandeza histórica,resultado do amadurecimento do debate no âmbito da comunidade internacionala respeito da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e a proteçãoambiental e, conseqüentemente, sobre a continuidade e sustentabilidade da vidano planeia Terra.

Geraldo E. do Nascimento e Silva^" sinaliza que se constatou que "muitasdas aluais tendências do desenvolvimento resultam em numero cada vez maiorde pessoas pobres e vulneráveis, alem de causarem dano ao meio ambiente."A partir dessa premissa, o entendimento da Comissão Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento foi no senlido de que era necessário um novo tipode desenvolvimento capaz de manter o progresso humano não apenas em algunslugares por alguns anos, mas em todo o planeta até um futuro longínquo. Essa éa fórmula do desenvolvimento sustentável

90. TULDMANN, 1'abio. Entendendo o meio ambiente. São Paulo: SMA, 1997, p.16.

91. SILVA, Gemido Lulálio do Nascimento (1995). Op. ei t., p. 46

Revista de Direito Ambienta! Dou NACIONAL

150 LÍVIA CI-MC.IIIR BÓÍIO CAMPILIO

A inédita Agenda 2 i , dentre os acordos assinados na Conferência do Rio-Q2,tem particular importância por representar um consenso mundia l e um compro-misso político de alto nível, mais ainda, por constituir o primeiro esforço desiste matiz ação de um amplo programa de ação de transição para o desenvolvi-mento sustentável

Os programas de manejo de ecossistemas frágeis, com foco na luta contraa deseruficação e a seca, estão presentes na II Seção e correspondem ao capí-tulo l 2 da Agenda 21, no qual se assenta o conceito de desertificaçào comosendo "a degradação do solo em áreas andas, semi-áridas e subútnidas secas,resultante de diversos fatores, inclusive de variações climáticas e de atividadeshumanas."

Assim, o foco dos programas que seguem é dado às áreas áridas, semi-áridase subúmidas secas, com prioridade à implementa cão de: medidas preventivasnas áreas ainda náo afetadas ou apenas levemente afetadas peia deseruficação;medidas corretivas para sustentar a produtividade de terras moderadamentedesenificadas; e medidas regeneradoras para recuperar terras secas seriamenteou muito seriamente desertificadas.

Daí, infere-se a preocupação tanto em relação às terras degradadas quantoàquelas consideradas suscetíveis ao processo de deseriificação

7. A CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE COMBATE À DESERTIFICAÇÀONOS PAÍSES AFETADOS POR SCCA GKAVL b/ou DESERTIFICAÇÀO,PARTICULARMENTE NA ÁFRICA.

Ainda duranie a Conferência Rio-92, vános países com problemas dedesertificaçào propuseram à Assembléia Geral que aprovasse a negociação deuma Convenção Internacional sobre o tema da dês ertifi caça o. Por conta disso,a Assembléia Geral, através da Resolução 47/188, aprovou a negociação daConvenção, que foi realizada a partir de janeiro de 1993 e finalizada em Paris,em 17.06.1994, data que se transformou no Dia Mundial da Luta contra aDeser-tificação.*2

A Convenção aos Nações Unidas pira o Combale á Desertijicação - UNCCD- traz uma nova expectativa para aqueles que empreendem seus esforços nocombate a esse problema

Tal instrumento internacional entrou em vigor a partir de 26.12.1996, trêsmeses depois que o qúinquagésimo país a ratificou. Ate setembro de 2005, 190países e a União Européia tinham-na ratificado.y'

Pelo Brasil, a UNCCD loi assinada em 15.10 1994, em Paris. Em seguida, odocumento foi submetido ao Congresso Nacional que o aprovou pelo Dec. Leg.28, de 12.06.1997.

92. Ministério do Meio Ambiente (Secretaria dos Recursos Hídricos). Deserii/i-cação; 111 Conivência das Parles da Convenção das Nações Unida1,.

93. Secretarial of The United Nations Convennon to Combat Desertificatimi. FaciSheets o n UNCCD. Last revised September 200") Publicado em- <hítp //wwwunucd.itii./>. Acesso em 18.01.200o.

í/i? Direito Ambiental

O problerrw da doserti fitarão 151

O governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação da ConvençãoInternacional df Combale ã Desertificação nos Países Afetados por Seca Cravee/ou Deseriificação, Part icularmente na Áfr ica , em 25.06.1997, passando amesma a vigorar, para o Brasil, em 24.09.1997.

Finalmente, o Oec. 2.741, de 20.08.1998, promulgou a Convenção, quefoi apensada ao mesmo, devendo, portanto, ser cumprido em todos os seustermos.

7. J Definição dos termos, objetivos, princípios e obrigações das parles.

A Convenção das Nações Unidas para o Combale à Deseruficação, em seuart. 1.", traz algumas definições dos termos utilizados por ela, tendo em vista,como já foi referido neste estudo, a variedade de conhecimentos científicos quetangenciarn esta matéria.

Nesse sentido, para os efeitos da Convenção, emende-se pordeseniíicação, a"degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e subúmidas secas, resultantesde vários [atores, incluindo as variações climáticas e atividades humanas.'"

O combate à desertificagão compreende "as atividades que fazem parte doaproveitamento integrado da terra", nas zonas descritas no conceito acima, "'comvistas ao desenvolvimento sustentável"' e com o objetivo de prevenir ou reduzira degradação das terras, reabilitai as parcialmente degradadas e/ou recuperar asdegradadas.

A seca também é definida como "fenômeno que ocorre naturalmente quandoa precipitação registrada é significativamente inferior aos valores normais.'" Nessepasso, por mitigação aos efeitos da seca entendem-se "as atividades relacionadascom a previsão da seca e dirigidas à redução da vulnerabilidade da sociedade edos sistemas naturais àquele fenômeno."

No que se relaciona com a terra, a Convenção a descreve como "sistemaprodutivo terrestre que compreende o solo, a vegetação, outros componentesda biota e os processos ecológicos e hidrológicos que se desenvolvem dentro dosistema."' Portanto, nos termos da Convenção, a degradação da terra se carac-teriza pela: |...| redução ou perda, nas zonas áridas, semi-áridas e sub-ürnídassecas, da produtividade biológica ou econômica e da complexidade das terrasagrícolas de sequeiro, das terras agrícolas irrigadas, das pastagens naturais, daspastagens semeadas das florestas e das matas nativas devido aos sistemas deutilização da lerra ou a um processo o combinação de processos, inc lu indo osque resultam da atividade do homem e das suas formas de ocupação do terri-tório, tais como: I) a erosão do solo causada pelo vento e/ou pela água; Ií) adeterioração das propriedades físicas, químicas e biológicas ou econômicas dosolo, e: llí) a destruição da vegetação por períodos prolongados.

As zonas andas, semi-áridas e subúmidas são as encontradas em todas asáreas do planeta, "com exceção das polares e das sub-polares, nas quais a razãode precipitação anual e evapoiranspiração potencial está compreendida entre0,05 e 0,05."

No arl. 2.ü. a Convenção em tela indica como objetivo imediato: "O combateà desertilicação e a mitigação dos eíeitos da seca grave e/ou desertiíicação, parti-

DOIITRINA NACIONAL

152 LÍVIA Oit.iiiR Eiósio CAMHIIO

cularmeme na África, através da adoção de medidas eficazes cm iodos os níveis.,apoiadas em acordos de cooperação internacional e de parceria, em um quadrode uma abordagem integrada, coerente com a Agenda 2 1 , que lenta em vistacontribuir para se atingir o desenvolvimento sustentável nas zonas aletadas.''

Sendo assim, pode-se apreender como objetivo mediato. o qual se considerapara a consecução do objelivo principal, a necessidade de aplicação, nas zonasafetadas, de 'estratégias integradas" em longo prazo, baseadas simultaneamente,no "aumento de produtividade da terra e na reabilitação, conservação e gestãosustentada dos recursos naturais", no propósito de "melhorar as condições devida, particularmente ao nível das comunidades locais."

Já no art, 3.°, a presente Convenção arrola alguns princípios direcionados ásPanes, fundamentais para o combate á deseniíicação:

a) Garantia do desenvolvimento participativo, sendo que, nas balizas daConvenção:

As Partes deverão garantir que as decisões relativas à concepção e imple-mentação dos programas de combate a deserlificacão e/ou mitigação dos efeitosda seca serão tomadas com a participação das populações e comunidades locaise que, nas instâncias superiores de. decisão, será criado um ambiente propicioque facilitará a realização de ações aos níveis nacional e local;

b) Cooperação entre as Partes, na medida em que'As Partes deverão, num espírito de solidariedade imernacional de parceria,

melhorai a cooperação e coordenação aos níveis sub-regional, regional e inter-nacional e concentrar recursos financeiros, humanos, organizacionais e técnicosonde eles forem necessãrLos;

f) Parceria 110 intercâmbio de conhecimento científico, ao passo que:As Partes deverão fomentar, num espírito de parceria, a cooperação a todos

os níveis de governo, das comunidades das organizações não governameniais edos detentores da terra, a fim de que seja melhor compreendida a natureza e ovalor do recurso da lerra e dos escassos recursos hídricos das áreas afetadas, epromovido o uso sustentável;

d) Solidariedade ou mutualidade de interesses e deveres. segundo a qual.As Partes deverão tomar plenamente em consideração as necessidades e as

circunstâncias particulares dos países Panes em desenvolvimento afetados.Em prol dos objetivos e princípios descritos na dila Convenção, as Parles

receberam algumas obrigações gerais, previstas no art. 4.", as quais, podem serrealizadas individualmente ou em conjunto, por meio de acordos bilaterais oumultilaterais

Em geral, as Partes devem: a) Adotar uma abordagem interdisciplinar,considerando os aspectos físicos, biológicos e soeioeconômicos do processo dedesenificação; b) Atribuir uma atenção especial aos países Parles em desenvol-vimento, endividados, no intuito de "criar urn ambiente econômico interna-cional favorável à promoção de um desenvolvimento sustentável"; c) Integrar asestratégias de erradicação da pobreza nos esforços de combate à deserliíicaçâoe de mitigação dos efeitos da seca; d) Promover a cooperação internacional, emmatéria de proteção ambiental, espedficamenie. no que tange à conservação dos

Reviste dt- Dirfito Ambiental

O problema ria ítesertifiraçao 153

recursos em terra e hídricos; e) Reforçar a cooperação sub-regional, regionale internacional; /) Cooperar com as organizações intergoveniamentais compe-tentes; ) Promover a utilização dos mecanismos e acordos financeiros bilateraise multilaterais já existentes, suscetíveis de mobilizar e canalizar recursos finan-ceiros substanciais para o cornbaie à desertificação.

Aos países Partes afetados recaem algumas obrigações específicas, tais como:a) Alocar recursos, dentro de sua capacidade, para combater a desertificaçãoe/ou mitigar os efeitos da seca; b) Formular estratégias, estabelecendo priori-dades, em seus planos ou políticas de desenvolvimento sustentável, visando aocombate à desertificação; c) Atacar as causas da deserlificacão, não desconsi-derando os fatores socioeconômicos que contribuem para o processo; d) Faci-litar a participação das populações locais, incluindo mulheres e jovens e aindarecorrendo ao apoio das ONG's; e) Criar um ambiente favorável, recorrendo aoreforço da legislação pertinente em vigore, no caso de esta não existir, à promul-gação de nova legislação, bem como promoção de novas políticas públicas combase em programas de ação em longo prazo.

Finalmente, aos países Partes desenvolvidos incidem outras obrigações espe-cificas, como: apoiar ativamente os países afetados, disponibilizando recursosfinanceiros substanciais, encorajando a mobilização de tais recursos oriundosdo setor privado, promovendo o acesso à tecnologia, ou outros conhecimentostécnicos adequados.

7.2 Os programas de ação: NAP's, RAP'$ e SRAP'$

A Convenção das Nações Unidas de Combate á Desertificação será imple-mentada pelos programas de ação em nível nacional (NAP), regional I.RAP) esub-regional (SRAP).

Assim, as Partes da Convenção devem consultar os seus respectivosprogramas de ação para que possam realizar uma gestão mais integrada e parti-cipativa sobre os recursos naturais das terras secas.

Tem havido, por parte dos países, um esforço significativo no intuito decriar um programa sistematizado. Nesse ponto, a solidariedade internacionaltem contribuído bastante para o inicio de projetos com o compartilhamento daspolíticas sedimentadas. Isso ocorre de maneira eficaz, mas não completamente,pois os programas, obviamente, necessitam ainda de adaptação às circunstânciasregionais particulares.

Até agosto de 2005, 77 NAP's já haviam sido preparadas e adotadas. Nãocusta enfatizar que a Convenção traz em se.us anexos algumas exigências espe-cíficas de implementação para a África, Ásia, América Latina e Caribe, norte doMediterrâneo e leste europeu.

Os programas são considerados referências para urn processo em andamentoque consiste em planos de redução da pobreza e desenvolvimento sustentáveldas áreas áridas. Assim, das linhas da Convenção, especificamente do art. 10,apreende-se que os esforços em combater a desertificação devem ser inteira-mente integrados com outros programas de desenvolvimento. A Lnversão dadegradação da terra está ligada á diminuição da pobreza, pois ambas as ações

DOUIKINA NAHONAÍ

154 LÍVIA G-MOIILR SOMO ( A

envolvem segurança alimentar, educação, treinamento e retorço da capacidadede comunidades locais, assim como mobilização das ONGs.

Mais ainda, sugere-se o desenvolvi me mo de projetos que viabilizem lorrnasalternativas de subsistência suscetíveis de gerar rendimemos nas zonas maisvulneráveis à seca. Nesse sentido, os programas também devem esboçar estra-tégias em longo prazo, além de serem lonmilados com a participação ativa decomunidades locais. O processo participativo permite que governos possamcoordenar e administrar seus recursos mais eficazmente, dirigindo-se às causassócio-econômicas subjacentes da desertificação. Essas aproximações, por suavez, dão pariicular atenção ás medidas preventivas e incentivam um compro-metimento com práticas sustentáveis. Assim, os programas devem-se mostrarsuficientemente, flexíveis em acomodar novas iniciativas e adaptações locais,especialmente quando as circunstâncias variam.

Ainda no que tange aos objetivos dos programas de ação nacionais, vê-seque dependem imediatamente da identificação dos fatores que contribuem paraa desertificação e das medidas de ordem prática necessárias ao seu combate eã mitigação dos efeitos da seca. Sabendo-se que a desertificacão pode se dara paitir de vários fatores, que variam conforme a região cumpre às Partes daConvenção "reforçar a capacidade de cada país na área de climatologia, mete-orologia e hidrologia e os meios para construir um sisiema de alerta rápido emcaso de seca *

Similarmente, porque a desertificacão aíela e ê afetada por outros interessesambientais, tais como a perda da diversidade biológica e mudança do clima, asNAP's necessitam promover sinergias com programas que tratam de tais ques-tões. Desse modo, as panes têm sugerido a realização de oficinas envolvendopontos focais das três Convenções, a fim de facilitar a execução de trabalhos emconjumo

Paralelamente aos programas nacionais, o a;t. I I da Convenção vigenteestabelece que programas de ação regionais (RAFs) e sub-regionais (SRAPs)podem ser implementados com o intuito de reforçá-los, sendo que tais programasdevem respeitar as disposições previstas no art. 10. que rege os programas nacio-nais. Até agosto de 2005, 03 programas regionais e 09 sub-regionais já haviamsido lançados.

7.3 Desertificacão e desenvolvimento participativo (bottom-upappro,ic.h)

A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificacão enfatiza aforte aproximação das comunidades locais aos processos de lomada de decisão.

Sabendo-se que, tradicionalmente, as comunidades locais foram partici-pantes relativamente passivos em relação aos projetos de desenvolvimento daONU, a referida Convenção as irata como atores de inigualável importância nocombate a desertificacão. As comunidades locais e seus líderes, assim como asorganizações não governamentais deverão trabalhar em conjunto na formulaçãoe execução dos programas de ação. Para tanto, os governos devem promovercampanhas de conscientização, especialmente em relação aos termos propostospela Convenção.

Revista df Direito Ambienta!

O problema da desertifkação 155

Em geral, os peritos do governo iniciam os projetos, definindo imediata-mente, sem consulta, os seus objetivos e as atividades necessárias. As vezes,visiiam as comunidades locais para publicizar seus planos, formulando, assim,um convite para participação dessas comunidades na execução dos seus projetos.No entanto, a Convenção trouxe uma proposta distinta, de baixo para cima. naqual os programas para combater a desertificacão devem originar-se em nívellocal Isso posto, as comunidades diretamente afetadas devem participar detodas as iniciativas para deter ou prevenir a evolução do problema.

A iniciativa de projetos, compartilhada com a comunidade local, é a chavepara a sustentabilidade, porque quando os peritos cultores, dos programas seretiram da comunidade, ê ela quem deve fazer com que os projetos sobrevivam.Alérn disso, quem está de fora não tem a mesma capacidade de identificar aspriondades locais

As comunidades locais possuem uma valiosa experiência e compreensãodo seu próprio ambiente, sendo que, se os projetos de uso da terra, bem comode ouiros recursos naturais (orem elaborados sem a sua participação, correrão orisco de se tornarem ineficientes.

O desenvolvimento participativo posto na Convenção, reconhece osdireitos das populações afetadas sobre os seus recursos naturais. Entretanto,ainda se pergunta: Quem de fato, são atores do desenvolvimento participativo?Os participantes ativos devem ser os envolvidos d i re tamente na gerência e usodos recursos naturais. No caso da desertificacão, os pequenos fazendeiros epastores estão mais intimamente em contato com a terra. Todavia, fia que contartambém com a contribuição dos líderes locais, tidos como representantes dacomunidade, das autoridades regionais ou municipais, dos peritos técnicos, dasONGs. entre outros.

É importante frisar que, depois de planejado o programa de combaie, pelosparticipantes ativos, deverão ser promovidas reuniões com o fim de avaliar oseu progresso. Mais uma vez, a participação de todos, por meio de consulta, éfundamentai para apreciar o resultado obtido, como também, para confabularas etapas seguintes. Nesse ponto, convém reforçar que pode ser muito útil adelegação da tomada de decisão, descentralizando-a da autoridade central oufederal para as autoridades regionais, ou, até mesmo, locais.

Finalmente, para que seja alcançada a participação local, capacitada para aelaboração dos programas, É essencial que haja uma campanha de conscienti-zação forte sobre o que está disposto na Convenção. As ONGs podem exercerum papel fundamental na campanha de capacitação para o planejamento daspopulações locais

8. A PoilTiCA NACIONAL DE CONIKOLL DA DFSFRTIFICAÇÀO: o BRASIL c ASSUAS KBPtCIIVAS ÁRFAS SUSCETÍVEIS À D[SLRI IHCAÇÃO (ASD's)

K incongruência com as definições apresentadas pela Convenção de Combaieà Desertificacão. as Áreas Suscetíveis á Desertificacão - ASO's - concentram-se, em sua maior pane, no nordeste brasileiro, onde predominam os espaçossemi-áridos e subumidos secos Ao lado dessas áreas, também existem outras,

DuurkiNA NACIONAL

156 LÍVIA GAK.IIIK Hrtsin CAMPHIO

de iguai forma, afetadas pelos fenômenos das secas, localizadas, porem, nasregiões adjacentes ao nordeste, especificamente, nos estados de Minas Gerais edo Espírito Santo.

Nos dados apresentados pelo Sumário Executivo do PAN (Brasil) - Programade Ação Nacional de Combate à De s ert i fie a cão e Mitigação dos Efeitos da Seca,ern conjunto, as A.SD's representam 1.338.076 quilômetros quadrados, ou 15,72%do território brasileiro, abrigando uma população de mais de 31.6 milhões dehabitantes, isso corresponde a i 8,65% da população do país.1"1

Acrescente-se aos processos de desertifieacão ocorridos nessas áreas que:"De maneira bem sumaria, pode-se assinalar que sobre uma variada gama deunidades geoambientais, em sua maioria bastante vulneráveis à ação humana,ocorre uma uniforme e inadequada distribuição fundiária, aliada a umaexpansão urbana desordenada, sobre as quais incidem, também uniformemente,a destruição da cobertura vegetal, o manejo inadequado de recursos florestais, ouso de práticas agrícolas e pecuárias ínapropriadas e os efeitos soei oeco nó micosda variabilidade climática."05

Como resultados estampados desse fenômeno no Brasil, têm-se a ampliaçãodas mazelas sociais e s redução da capacidade produtiva, que, de certa maneira,faz com que as ASD's "apresentem, apesar das pressões antrópicas, um quadrode haixo dinamismo ou estagnação da atividade econômica.""6

Nos espaços semi-áridos do Brasil, o fenômeno da deserliíicaçâo foi identi-ficado cientificamente a partir de 1970. Na ocasião, João Vasconcelos Sobrinho1'7

publicou um estudo pioneiro explicando que estava a se formar "um grandedeserto com iodas as características ecológicas que conduziram à formação dosgrandes desertos hoje existentes em outras regiões do inundo." O autor informouque se i raiava de um "deserto atípico, diferenciado do típico deserto saariano,pela incidência de precipitações e natureza do solo, mas com as mesmas impli-cações de inabitabilidade.''

No Nordeste, as áreas mais aletadas pelas secas, reconhecidas oficialmente,foram delimitadas em 1936 sob a denominação de Polígono aos Secas, conformea Eei 175, de 01.01.1936, Importante ressaltar que, naquela época, a área doreferido Polígono compreendia uma superfície de 672 281 098 quilômetrosquadrados. Essa delimitação espacial perdurou até ] 989.m

A figura do Polígono cias Secas foi substituída pela Região Semi-Árida doFundo Constitucional de Financiamento do Nordeste - FNE, em conformí-

94. Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de C.ombaleü Desertificação e Mitigação dos F/ritas da Seca: Pan - Brasil, Firasília: MMA eCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004. p. XXIV.

95. Idnn, ibidem.96. Idem, ibidem.97. VASCONCELOS SOBRINHO, João, O decerto brasileiro. Recife U F PE/l m prensa

Universitária, 1974, p. 07.98 Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combali:

à Dt",ettifiíação e Mitigação dos F.feilos da Seca: Pan - Brasil. Brasília: MMA eCentro de Informação, Documeniação Ambiental e Editoração, 2004, p. 09.

Revista de Direito Ambientai

O problema d,i deserti ri cação 157

dade com a I.ei 7.82;, de 27.09.1989"" Desde então, a Região Semi-Árida doFNF representa a área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento doNordeste - Sudene

Fm 2000, a superfície compreendida como Região Semi-Árida do FNF.correspondia a 895.254.40 quilômetros quadrados, sendo integrada por l.031municípios. Nessa área, viviam 19,326.007 habitantes, desse total, '56,5 % habi-tavam em áreas urbanas e 43,5%, em áreas rurais.

Com efeito, as ações do PAN (Brasil) se inserem nas regiões cl imaticamentecaracterizadas por semi-áridas e subúmidas secas. Saliente-se, portanto, queos estados abrangidos pelo Programa são: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte,Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais.

Convém mencionar que, em 1983, João Vasconcelos Sobrinho1"" observou,como evidência da d ese ri i fixação nos solos nordestinos, o aparecimento dedeterminadas manchas que. p<jr sua vez: (...] "apresentam-se descarnadas, comoespécies de erupções epidérmicas. São áreas de solos rasos, quase que reduzidasao afloramento rochoso, sem capacidade de retenção de água, pois, cessadas aschuvas, elas ficam imediatamente desidratadas. Os solos dessas áreas lambemapresentam deficiências em matéria de nutrientes, que contribuem para poten-cializar sua vocação para a desertificação."

Portanto, com base na ocorrência dessas manchas, Vasconcelos Sobrinhoapontou a existência de Núcleos de Desertificação, sendo locais onde, mesmo emperíodos de chuva, a vegetação pouco ou não se recupera.10'

Com a contribuição de Sobrinho, foi possível identificar as áreas mais atin-gidas pelo fenômeno, como áreas-püoto. Nesse seguimento, a partir de 1990,o Núcleo Desert, da Universidade Federal do Piauí - UFP1 -, produziu novosestudos nessas áreas com vistas à Conferência Internacional e Seminário Latino-Amerteano da Desertificação - Conslad."1!

Entre março e novembro de 1996, foram feitas visitas de campo em quatroáreas, dentre as destacadas como áreas-piloto, para investigação sobre a deserti-ficação no semi-árido brasileiro. Desse fato, constatou-se que a principal causapara a intensa degradação dessas áreas foi a substituição da caatinga pela agricul-

99. Brasil. Lei 7.827 de 27,09.1989. Regulamenta o arl. 159, l, c, da CE/88, instituio Fundo Constitucional de Financiamento do Norte - FNO, o Eundo Consti-tucional de Financiamento do Nordeste - FNE e o Fundo Constitucional deFinanciamento do Centro-Oeste - FCO, e dá outras providências. Disponívelem: <hup://www, planalto.gov,br>. Acesso em 27.03.2006

100.VASCONCELOS SOBRINHO, João, Processos de desertificação no Nordeste doBrasil sua gênese e sua contenção. Recife: Sudene, 1983, p. 2.5-26.

101 Idern, ibidem.102. Vale aditar que, nos lermos do PAN (Brasil): "Este foi um momento importante

do ponto de vista político e de inserção do bloco da América Latina na C.CD,pois havia certo grau de dificuldade em se englobar outras áreas do planeta,além das áreas do continente africano, F.sta situação abriu novas perspectivaspaia que ou ti as regiões, com base no Anexo da América Latina, formulassem einfluíssem seus próprios anexos, como foi o caso do norte do Mediterrâneo e daÁsia ''

DourfíiNA NACIONAI

158 LÍVIA Ü

l u rã e pecuária, bem forno pela mineração, extração de argila de solos aluviais fretirada de madeira para lenha. Desde então, tais áreas íoram identificadas rumode "alio risco a dest-rtificação" ou " núcleos desertilicados", a saber: Gilbuês,Irauçuba, Serulo e Cahroho

9. RESOLUÇÃO CONAMA 238 DF 22.12.1997

O Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama -, conforme as atri-buições que lhe Foram conferidas, pela Lei 6.938/81 e pelo Dec. 99.274, de06.06.1990, aprovou em 22.12,1997, na 49 J Reunião Ordinária do Plenário,através da Resolução 238, a Política Nacional de Controle da Descri i fi f ação

Nesse documento, foram estipulados, como Marcos Referenciais para urnaPolícica Nacional de Controle da Desertificação, o Capítulo 12 da Agenda 21, vezque traz diretrizes específicas para o enfrentamento do problema, e a Convençãodas Nações Unidas para o Combate á Desertificação e à Seca, que enfatizou anecessidade de se tomarem medidas para combater o problema, familiarizadasem programas de ação nacionais.

Como objetivos básicos da Política Nacional em análise, com a finalidadede alcançar o premente desenvolvimento sustentável nas regiões propensas àdesertificação e a seca, incluem-se, entre outros: a formulação de "propostas decurto, médio e longo prazo para a prevenção e recuperação das áreas atualmenteafetadas pela desertincação"; o empreendimento de ''ações de prevenção dadegradação ambiental nas áreas de transição entre o semi-árido, o suhúmido eo tímido, com vistas à proteção de diferentes ecossistemas''; articulação da açãogovernamental, em todas as esferas do governo, aspirando à "implementa cã ode ações locais de combate e controle da descri i fi cação e dos efeitos da seca":contribuição para o ''fortalecimento do município", para que sejam desenvol-vidas estratégias locais de controle da cie certificação; e, finalmente, contribuiçãopara a articulação entre os órgãos do governo e os não governamentais, no intuitode buscar uni ''modelo de desenvolvimento econômico e social compatível comas necessidades de conservação dos recursos naturais e com a eqüidade social."

Para a consecução dos objetivos acima citados, a Política Nacional deControle da Desertificação identifica sete componentes e estabelece algumasações prioritárias, "cuja responsabilidade de implementação alcança váriossetores governamentais", devendo estar assentada em um sólido processo parti-cipativo da sociedade civil e das ONG's.

A seleção desses componentes estratégicos visa à elaboração do PlanoNacional de Combate, à Desertificaçáo, que será analisado no capítulo seguinte.São identificados como componentes: a) Fortalecimento e Interação Institu-cional, com a finalidade de criar uma articulação institucionaf para elaboraçãoe implementação do Plano Nacional de Combate à Desertificação, que dependede cooperação técnica; b) Fortalecimento da comunicação e f luxo de infor-mação sobre a desertifkação, no intuito de se criar uma rede de informaçõese documentação sobre o assunto, em todos os seus aspectos; f.) Capacitaçãogerencia! e técnica de pessoal em gestão de recursos naturais em áreas sujeitasà desertificação, tendo em vista que essas pessoas deverão a tuar em pesquisassobre o controle e recuperação de áreas em processo de desertificação. mciu-

Rcvií.ta de Direito Ambientai

O problpm.i d,i desertificacão 159

sive articuladas com as comunidades locais, para absorverem as suas práticase conhecimentos empíricos; d) Conscientização, sensibilização e mobilizaçãodos atores do desenvolvimento sustentável em áreas sujeitas a risco de deser-lificação. Nesse sentido, a população informada sobre a prevenção, controle erecuperação do fenômeno, se torna apta a participar efetivamente da elaboraçãode projetos e programas de implementação de combate ao problema; e) Criaçãode uma capacidade operacional de controle da desertificação em nível local, paraque haja um contato permanente entre as autoridades locais e a sociedade civilorganizada, capaz de formular as propostas imediatas de ação para combatera desertificação. Sendo assim, a orientação segue também pela necessidade deformação dos Conselhos Municipais nas áreas d ese ri i ficadas ou sujeitas à prohle-mática; f) Elaboração de estratégias de monitoramento, prevenção e recuperaçãodas áreas em processo de deserudoação. para tanto, é extremamente oportunosublinhar a orientação a fim que se realize o zoneamento ecológico-econômico,visando à racionalização do uso dos recursos naturais, em áreas sujeitas ã deser-tificação, bem como se elahore planos diretores municipais que contemplem asvariáveis ambientais que propiciam esse processo; g) Definição de projetos eações prioritárias, no intuito de prevenir, recuperar ou controlar a desertificaçãoem áreas sujeitas a ela.

Outro ponto a ser destacado, na Política Nacional de Controle da Deser-tificação, é a orientação para que se compatibilize a legislação existente, quese refere à conservação de recursos naturais, com as exigências da prevenção,controle e recuperação das áreas suscetíveis ou em processo de desertificação.

Ademais, a Resolução vigente também acentua a necessidade de se insti-tuírem mecanismos, "com vistas à sensibilização dos vários setores de governoe da sociedade quanto à problemática, bem como envolve-los em processosde formulação de novas políticas e estratégias", inclusive incorporando-os àspolíticas setoriais. Ainhui-se a importância desta disposição ao caráter rnulti-disciplinar que esta temática assume, por isso, é indispensável a assimilação detodos os conhecimentos disponíveis sobre o assunto.

Finalmente, enfatiza-se, no documento, que as "diretrizes propostas nãoesgotam a discussão sobre o terna", não obstante configura o início do processode implementação de uma política nacional preocupada com o combate àdescri ificação. em especial, com o "desenvolvimento sustentável na região semi-árida."

1 0. A CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROGRAMA DF AçÃO NAGONAL üt

COMBATE À DESFRIIFICAÇÀO E MITIGARÃO DOS Ef-trros DA SECA (PAN-BRASIL)

O processo de construção do Programa de Ação Nacional de Combate àDese ri ificação e Mitigação dos Efeilos da Seca - PAN (Brasil) teve início em2003.

A part i r de abril de 2003. a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério doMeio Ambiente ~ SRH/MMA - assumiu o papel de facilitadora da interlocuçãonas esferas de maior decisão do governo, assim como nos processos descen-tralizados de tomada de decisão. Nesse âmbito, constituiu-se, portanto, uma

DOUTRINA NACIONAL

160 LlVIA ÜAK.HIK BÓSIO I Kl

Coordenação Técnica de Combate à Desertihcaeão - CTC -, destinada a prestarsuporte técnico aos trabalhos de elaboração do PAN (Brasil).1 '"

Desde então, a CTC cuidou da pane de e s l m m raça o do programa, dandoênfase ao Ponto Focai Nacional. Ao lado dessa coordenação, foi criado, pelaPortaria 265, de 2.Í.06.2003, o Grupo de Trabalho Iriterministenal - GTIM -, noin lu i to de propor mecanismos de elaboração t: implementação do PAN (Brasil),envolvendo, nesse labur, os diversos segmentos governamentais (Federal eestaduais), como lambem, a sociedade civil organizada. Assim, o GTIM contacom o apoio de representantes de sete Ministério s,1'11 seis Instituições Publica?Federais'0^ e quatro instâncias da sociedade civil

Sublinhem-se as instâncias da sociedade civil organizada que contribuíramou vêm contribuindo para o processo de produção e execução do PAN (Brasil).São elas: Rede Imernacional de ONG's sobre Desertifi cação -RIOD-; Articulaçãono Semi-Arido Brasileiro - ASA — lrt) (representada pela Associação Maranhensepara a Conservação da Natureza - Amavida); Fundação Grupo Esquel - FGEB-; e. Rede de tiducação no Semi-Arido Brasileiro - Resab - (representada peloInstituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada - IRPAA).

Dentre elas, destaca-se a participação do Grupo de Trabalho de Combate áDesertííicação da Asa- GT CD -, instituído em junho de 2003, e constituído por28 organizações não governamentais com a missão de articular a rede de organi-zações sociais nas ASD's, que são as áreas suscetíveis à desertihcação. a saber;

As ações do GTCD têm sido importantes no que se refere à ampliação dograu de participação da sociedade civil, com atuação nas ASD, na elaboraçãoe implementação do PAN - Brasil. Suas iniciativas também têm contribuídopositivamente para o fortalecimento das relações com os governos estaduais, desone que as demandas da sociedade reflitam-se nas políticas regionais, e que asações dos govenios locais sejam coneatenadas com as da sociedade civil."'

103.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combateà Desertificaçâo e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN - Brasil. Brasília: MMA eCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 20U4. p. 6i

104. Os Ministérios envolvidos nesse processo são: Ministério do Meio Ambiente— MMA; Ministério da Integração Nacional — Ml; Ministério do Desenvolvi-mento Social e Combate à Fome - MDS; Ministério da Agricultura, Pecuáriae do Abastecimento - Mapa; Ministério do Desenvolvimento Agrano - MDA,Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT; e. Ministério do Planejamento. Orça-mento e Gestão - MPOG.

UT5. As Instituições Públicas Federais que apoiam esse projeto são. Agência Nacionalde Águas - ANA; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis — Ibama; Companhia de Desenvolvimento dos do São Francisco edo Parnaíba - Codevasfi Instituto Brasileiro de Geografia e Fstat.istica - IBGE,Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa; e Banco do Nordestedo Brasil S.A.-BNB.

106.Mais informações sobre a ASA tio sue: <http://www.asabrasil org.hr/>. Acessoem 27,03.2006

107.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combateü Desertificaçao t Mitigação dos Efeitos da Seca. PAN - Brasil. Brasília: MMA eCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 63.

Revista de Direito Ambientei

O problema da d(.'sertificação 161

Nas balizas do Plano Nacional em análise, depreende-se a analogia comas airibuições determinadas na Convenção de Combate á Desert i doação, espe-cialmente no que tange à criação de Pontos Focais Estaduais, pois a S RH/MM Aincentivou a sua criação, em l l Estados brasileiros abrangidos pelo Programa,os quais, por sua vez, são representados pelos governos estaduais (especifica-mente através dos secretários de meio ambiente, ou recursos hídricos), pelasociedade civil (por meio da ASA, cujos membros são escolhidos por eleição noscolegiados estaduais) e Assembléias Legislativas klt>

Os Pontos Focais Estaduais, mantidos pela articulação do governo com asociedade civii, servem para participar as questões ao governo federai, sendoque "essa relação propicia ao governo federal urna interlace/interlocução maisestreita com os govenios estaduais e desses com a sociedade."109

Ainda para fortalecer essa articulação, dentro dos Pontos Focais Hstaduais,loi criada a figura do Ponto K oca! Parlamentar, que é o responsável pela "disse-minação das discussões políticas no âmbito das Assembléias Legislativas e pelasnegociações junto às demais instâncias governamentais."110

A articulação entre as três esferas -governo, sociedade civil e parlamento -érealizada pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente,que, e oportuno repisai, atua como Ponto Focai Nacional.

Saliente-se que a construção do PAN (Brasil) foi caracterizada por umprocesso participativo dividido em dois aspectos fundamentais: a) O aspectotécnico, centrado em estudos e revisão das políticas existentes; b) O aspectopolítico, relacionado ao envolvimento dos diversos atores institucionais, tantogovernamentais contu não governamentais.111

Da interface entre esses dois aspectos, infere-se a busca pela integração entreas propostas emanadas da sociedade civil organizada com as políticas públicasdo governo.

Importante anotar que os aspectos técnicos foram definidos a partir da siste-maiização das propostas advindas da.s dinâmicas estaduais realizadas nos estadosabrangidos pelo Programa, à luz das políticas e programas existentes, para suaanálise e (posterior) adequação aos princípios preconizados pela CCD. Aomesmo tempo, os aspectos políticos também partiram das dinâmicas estaduais,sendo organizados e coordenados pelos Pontos Focais Estaduais, com a partici-pação do governo e da sociedade civil organizada, e lograram êxito de mobilizaruma gama considerável de atores regionais em torno da construção.11'

108.É necessário anotar que em novembro de 2003 Uri realizado um treinamentosobre os conceitos e políticas de combali* à desertiheação, para facilitar a inte-gração das ações entre os governos e os representantes da sociedade civil.

109.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Ação Nacional de Combatea Desertificacão e Mitigação dos Efeitos da Seta: PAN - Brasil. Brasília: MMA eCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 63.

UO.Idem.p. 64lil .ldem, p. 65-66.112.Ministério do Meio Ambiente (SRH). Programa de Acàu Nacional de Combate

ã Desertificaçáo e Mitigação dos Efeitos da Seca: PAN - Brasil. Brasília: MMA eCentro de Informação, Documentação Ambiental e Editoração, 2004, p. 65-66.

Dou i SINA NACIONAL

162 LÍVIA GAIQU.K BÓMO CAMPULO

Caracterizando essa aproximação com a sociedade civil organizada,foram realizadas duas grandes Oficinas Estaduais nos meses de março/abril emaio/junho de 2004, nos 11 estados abrangidos pelos Programas. Nessaexpectativa, delas parliciparani mais de 1.200 representantes de cerca de 400instituições governamentais e não governamentais. F bom diferenciar que, nasprimeiras oficinas estaduais o principal objetivo se ateve a levantar as propostasde ações para o PAN (Brasil), ao passo que nas segundas oficinas, o foco Foidirigido para sistematizar tais ações por eixo temático "!

"lendo em vista a amplitude do problema, dis t r ibuído em diversos temas,foi decidido que os programas de ações do PAN (BrasiP seriam organizadosem quatro grandes áreas temáticas, tal como segue: a) redução da pobreza e dadesigualdade; W ampliação sustentável da capacidade produtiva; c) preservação,conservação e manejo sustentável dos recursos naturais; e, d) gestão democrá-tica e fortalecimento da institucional

Dessa forma, depois de sistematizadas as áreas temáticas por suas respectivasComissões, loi apresentada a primeira versão do Programa, que, por sua vez, setornou o objeto de discussão, durante o mês de julho de 2004, através de umavideoconferência, aberta ao público, a qual envolveu a participação das Assem-bléias Legislativas dos \ l estados, abrangidos pelo Programa. Saliente-se que,por ocasião dessa videoconferência, loi possível promover o primeiro encontroformal entre os três Pontos Focais Estaduais. Ademais, toda a documentaçãorelatada naquela oportunidade foi disponibilizada para consulta e/ou sugestõesna internei, por meio do portal: <http://desertificacao.cnrh-srg.gov.br>

Infere-se que, de fato, o processo de elaborarão do PAN (Brasil) ocorreu deforma participativa, seguindo a orientação dada pela CCI). Particularmente, acriação dos Pontos Focais Govern«mentais e Não Go\ernamenlais nos 11 estadosabrangidos pelo Programa favoreceu o diálogo entre o Governo e a sociedadecivil organizada. Com efeito, a metodologia adotada, caracterizada pela reali-zação dos encontros e/ou Oficinas Estaduais para discutir e/ou sistematizar asáreas temáticas também pode ser considerada bastante satisfatória

11. CONCLUSÃO

O alvo primordial e compartilhado conscientemente nas linhas gerais doPAN (Brasil) é o apoio ao desenvolvimento sustentável nas Áreas Suscetíveis àDesertihcação - ASDs -, por meio do estímulo e da promoção de mudanças nomodelo de desenvolvimento em curso nessas áreas.

Imprescindíveis aliados à meta do desenvolvimento garantidor da susten-tabilidade dos recursos naturais são, nos termos do PAN (Brasil): o combate à

113.Alem dessas Oficinas, não custa ressaltar a realização do II! Encontro Nacionaldos Pontos iocais, em Olinda (Pernambuco), nos dias 22 e 23 de abri! de 2004,no qual "contou-se com a participação da maioria dos atores envolvidos noprocesso: Pontos Focais tstaduais, membros do GTIM, membros das comissõestemáticas e parlamentares"'. Nesta oportunidade, '''forarn discutidas as açõesdemandadas nas primeiras Oficinas Estaduais e analisados os texto= iniciai'.produzidos pelas Comissões Temáticas ''

Revista fie Direito Ambiental

O problema da desertifícação 163

pobreza e às desigualdades nessas regiões, a ampliação da capacidade produtiva,a conservação, preservação e manejo sustentável dos recursos e a gestão demo-crática e fortalecimento ins t i tuc iona l .

Nessa perspectiva, o Programa em curso traça uma estratégia para suaimplementação em torno desses quatro eixos lemálicos, com seus respectivosdesdobramentos. Convém sublinhar que a execução das ações programalicas seencontra a cargo das instituições públicas do governo nos três níveis (federal,estadual e mun ic ipa l ) , bem como das organizações não governamentais, edemais entidades civis organizadas

A intrínseca relação existente entre a pobreza e os processos de desertifi-caeJo é um tema amplamente debatido. O consenso que se desenvolve entreos estudiosos da desernficação, identifica a pobreza como fator resultante dosprocessos de desenificação e, simultaneamente, fato; realimentador. No casobrasileiro, enfatiza-se que a gradaliva perda da capacidade produtiva dos recursosnaturais, inclusive da fertilidade natural dos soleis, reduz de forma inexorável apossibilidade de produção de riquezas, acarretando, emre outras conseqüências,a redução da renda das pessoas.

Nesse contexto, as comunidades submetidas a tais condições tendem,em busca de sua sobrevivência ou da superação de sua condição de fragi l i -dade, a pressionar a base de recursos, na maioria das vezes jã depauperada,aumentando assim os impactos negativos nas esferas ambiental, econômicae social.

Via de regra, o cenário que se apresenta é figurado por uma enorme concen-tração de trabalhadores rurais, pequenos agricultores, que dispõem de pequenasparcelas de terras, pouco ferieis, das quais dependem, sobretudo, para a produçãode alimentos visando á própria subsistência, mas necessitando produzir algoexcedente comercializãvel. Isso implica, naturalmente, em sob ré-utilizar osrecursos naturais, contribuindo, dessa forma, para agravar os processos dedegradação.

Dessa maneira, o PAN (Brasil) reafirma que "a combinação desses elementos(pobreza e desigualdade) promove nas Áreas Suscetíveis à Desertificação - ASDs- uma evidente aceleração dos processos de degradação." Nessa lógica, é vitalque os meios de prevenção e o combate à desertificação sejam implementadossimultaneamente com o combaie à pobreza e à desigualdade."4

Em consonância com a necessidade de ampliação da capacidade produtivanas regiões passíveis de a f ei ação. pode-se afirmar que a sustemabilidade nasÁreas Suscetíveis à Desenificação-ASITs- inexoravelmente é um grande desafioao desenvolvimento do Brasil. F importante repisar que isso ocorre devido àsrestrições que esse ambiente impõe às relações econômicas, sociais e políticasque ali se estabelecem

114 . A partir de tais considerações, e oportuno mencionar que o PAN (Brasii) anunciaalgumas ações políticas correlatas com essa temática, que não podem deixar deser implementadas nas ASDs, tais como. a) Reestruturação Fundiária nas ASDs;b) Educação; c) Fortalecimento da Agricultura Familiar e Segurança Alimentar;d) Seguridade Social (Saúde, Assistência e Seguridade Social)

DOUTRINA NACIONAÍ

164

Vê-se que tais restrições, ou conseqüências, da desertificacão podem levarà crença da impossibilidade de ampliação produtiva sustentável das ASD's.Fatalmente será inviável o desenvolvimento sustentável nas ASDs nordestinas,caso permaneçam imutáveis os padrões e os modelos usuais de crescimento daatividade econômica, Fundados na transposição quase mecânica de modelos e(etnologias de regiões temperadas sujeitas a menores restrições.

Nesse descompasso, as ASD's, realmente, demandam que se amplie a suacapacidade de resposta aos problemas e desafios inaugurados pelo processode desertiíicaçào. Ao mesmo tempo, não há uma polílica íederal unificada,integrada e articulada para a promoção do desenvolvimento sustentável nasASD's.

Pertinente às políticas estaduais autônomas, complememares ou não àspolíticas Federais, essas ainda não foram suficientes para engendrar resultadospositivos, uma vez que fomentam uni processo de desenvolvimento produ-tivo sem, todavia, levar em consideração as condições especiais ou restriçõesimpostas pelo processo de desertificaçào.

Por essas razões, também se fundamenta o movimento da sociedade, qnevem reafirmando enfaticamente, como na Declaração do Semi-Árido, que épossível a "convivência com o semi-árido.'

Tendo em vista a biodiversidade, verifica-se que, em geral, a região brasi-leira afetada pelo fenômeno da desertificação apresenta ums vegetação nativabastante diversificada, composta especialmente, por troncos e ramos tortuosos,súber espesso, apresentando desde formas campestres bem abertas até formasrelativamente densas, florestais denominadas de savana (Cerrado) e savanaestépica (Caatinga).

Vale acrescer que o bioma Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro emárea, caracterizando-se por uma formação do t ipo savana tropical, que ocupa23,9% da superfície do Brasil."5 Estima-se que. nesse bioma, exisiam mais deIO.000 espécies de plantas.

O Cerrado abrange, em sua maior pane, a região central do Brasil, esten-dendo-se pelos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul.entretanto também se assenta no oeste de Minas Gerais e da Bahia, ao sul doMaranhão e parte do Piauí, chegando a Rondônia e ao Pará. Já o bioma Caatingaé uma vegetação típica do Nordeste brasileiro, porém também incluída empartes do Maranhão e de Minas Gerais. Trata-se de um bioma único, exclu-sivamente brasileiro, considerado o quarto maior em área e composto porpelo menos uma centena de paisagens únicas, com predominância da savanaestépica.

Convém destacar que "a caatinga constitui um dos biomas brasileiros maisalterados pelas atividades humanas," sendo que 56% da sua área original, que

115.Cerca de 20% do cerrado brasileiro estão bem conservados, sendo que, emtorno de 2,4^% destes estão protegidos por Unidades de Conservação Federais,conforme Ibama. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma2003 Disponível em: <httpV/www2.íbama.govbr/unidades/geralucs/estat/biomas/ucus0.pdf>. Acesso em 26.03 2006.

Revista (/(' Direito Ambientai

O problema d,2 ríesorlificdcào 165

era de 1.037.517,80 quilômetros quadrado^,"" já l oram modificados em razãoda ocupação com "lavouras permanentes, lavouras temporárias e a ocupaçãopelo chamado 'efeito estrada."'"1

Tais biomas. Cerrado e Caatinga, sofrem uma excessiva pressão sobre seusrecursos naturais, além das "mudanças bruscas do ciclo hidrológico (secas eenchentes)". As tensões englobam a adoção de "estratégias de sobrevivência."1"1

que, sobremodo, exaurem os recursos pelo uso da terra, cujas causas imediatassão a utilização mapropriada e a degradação dos recursos naturais (água, solo,vegetação).

Em suma, a população que habita as ASDs apresenta uma relação de extremadependência dos recursos naturais dessas áreas. Portanto, o corte da vegetaçãosem um determinado plano de manejo florestai, contribui fortemente para aredução qualitativa e quantitativa da cobertura florestal, expondo o solo à erosãoe à perda de sua camada mais férti l (desertificação).

Hnalmente, à luz da Convenção Internacional de Combate à Desertificaçãonos Países Afetados por Seca Grave e/ou Desertificação. o Brasil, ao aderi-la eratificá-la, consolidou o seu compromisso com a democracia participativa, nointuito de garantir os direitos e deveres dos atores envolvidos nos processos decombate ao problema.

Do ponto de vista do Governo Federal, é conditio sine qua non. para a garantiaa todos os brasileiros do s tatus de cidadãos, que se combata à desigualdade sociale econômica. Com efeito, "busca-se estabelecer um novo contrato social quefavoreça o nascimento de uma cultura política de defesa das liberdades civis edos direitos humanos" e, nessa mesma linha, o Estado tem de estar adaptadoàs exigências do desenvolvimento, fundado, não somente na sustentabilidadeambiental, tnas também na sustentahilidade social e econômica.

No âmbito do PAN (Brasil), a estratégia assumida teru caráter participa-tivo e, sobretudo assenta-se no fortalecimento da democracia em todas as suasdimensões. Fsse fortalecimento prevê o desenvolvimento de relações plurais edemocráticas, baseadas na eqüidade.

Assim, atenção especial deverá ser dispensada à formação e habilitação delíderes comunitários, bem como ao envolvimento das sociedades civis organi-zadas, a fim de que esses atores possam efetivamente contribuir para a imple-mentação das políticas públicas diiigidas ao combate à desert i Reação.

116. Conselho National da Reserva da Biosfera da Caatinga. Cenários para o bwmaCaatinga. Recife1 .Sectma, 2004, p. 283.

117. Ademais, a Caatinga é um dos biomas menos protegidos por unidades de conser-vação, lendo privilegiadas somente cerca de 2% da sua área total, conformeIbama. Unidades de Conservação Federais (UCs) no Brasil por bioma. 2003.Disponível em: <hrtp://ww w2.ibama.giw.br/unidades/geralucs/estat/biomas/ueuso.pdf>. Acesso ein 26.03.2006.

f f 8. Incluem-se nessas estratégias as técnicas de "corte raso da vegetação e o uso dofogo, assim como a grande demanda de madeira nativa para o abastecimentoindustrial (pólos de cerâmicas, áreas de earvoarias, pólos gesseiros e caieiros) epara consumo interno (lenha para energia)."

DOLMKINA N ACIONAI

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ü fortalecimento institucional, na linha cia Convenção de Combate aDescri ificação, implica necessariamente "fortalecer os 'atores relevantes',criando condições para ampliar suas capacidades institucionais nas áreas deconhecimento técnico, execução e gestão de iniciativas orientadas para o efetivocombate ã descri i fi cação.'" Desse modo, é indispensável o apoio de novas inst i -mcionalidades com capacidade de contribuir efetivamente para solucionar asquestões adjacentes ao combate à desertificação.

Assim, o PAN (Brasil), em seu escopo, indica, como primeira ação para agestão democrática, o monitoramento e avaliação das atividades. Explica-se, noPrograma, que o princípio que orienta a consolidação e a aplicação do sistemade monitoramento e avaliação é dado pela participação qualificada de todosos atores envolvidos no combate à d esc rti fica cão. Essa premissa vale desde a"elaboração dos indicadores, passa pela coleta de dados e vai até a avaliação dosavanços e impactos, facil i tando o acesso á informação e à democratização dastomadas de decisão.'"

Ao lado do monitoramento e avaliação, têm-se, corno outra orientação, asatividades de melhoria dos conhecimentos, voltadas para superar os limites efragilidades do conhecimento existente no Brasil em torno dos processos dedesertifi cação. Contudo, tais atividades têm de estar de acordo com o novoparadigma estabelecido, que e o de "conviver com o ambiente onde ocorre essefenômeno", e não mais tentar combater a seca.

Nessa perspectiva, devem-se equacionar os desafios do desenvolvimentosustentável, contanto que se proporcionem os instrumentos necessários à infor-mação.

Na verdade, o PAN (Brasil) evidencia a necessidade de fortalecimento dasdinâmicas estaduais, que deverão ser "animadas e articuladas pelos PontosFocais Estaduais (Governamentais e da Sociedade Civil)", os quais, por suavez, conformarão os espaços de participação mais importantes para analisar osproblemas locais causados pela desertificação e para discutir e pactuar possíveissoluções entre os atores.

Dessa foi ma, é de suma importância que esses espaços aconteçam lambemdurante a implementação e. monitoramento do Programa. Associada a isso. aorientação segue para que esse movimento seja alimentado e descentralizadopara o âmbito local, inclusive envolvendo as prefeituras locais.

cie Direito Ambiental