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Ana Lucia Brandimarte Déborah Yara Alves Cursino dos Santos LICENCIATURA EM CIÊNCIAS · USP/ UNIVESP OCORRÊNCIA E DISTRIBUIÇÃO DOS SERES VIVOS COMO RESULTADO DAS PRESSÕES AMBIENTAIS 2 História da Vida na Terra e Distribuição Atual da Vida no Planeta 2.1 Introdução 2.1.1 O que é o ambiente de um ser vivo? 2.1.2 Como se define espécie? 2.1.3 Como se configura um processo evolutivo? 2.1.4 O que é desempenho biológico? 2.2 Fatores limitantes 2.2.1 O que é fator limitante? 2.2.2 Como atua um fator limitante? 2.2.3 Quais são os princípios auxiliares à Lei da Tolerância? 2.3 O que é nicho ecológico? 2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho ecológico explicam a distribuição das espécies no planeta? 2.5 Fechando o assunto 2.5.1 O que virá depois Referências

OcOrrência e distribuiçãO dOs v tual da a · A atmosfera ia sendo alterada, surgiam diferentes organismos (procariontes, eucariontes), e os que tinham sucesso naquelas condições

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  • Ana Lucia BrandimarteDborah Yara Alves Cursino dos Santos

    Licenciatura em cincias USP/ Univesp

    OcOrrncia e distribuiO dOs seres vivOs cOmO resultadO

    das presses ambientais2

    Hist

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    vida

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    plan

    eta

    2.1 introduo2.1.1 O que o ambiente de um ser vivo?2.1.2 como se define espcie?2.1.3 como se configura um processo evolutivo?2.1.4 O que desempenho biolgico?

    2.2 Fatores limitantes2.2.1 O que fator limitante? 2.2.2 como atua um fator limitante? 2.2.3 Quais so os princpios auxiliares lei da tolerncia?

    2.3 O que nicho ecolgico?2.4 por que os fatores limitantes e o nicho ecolgico explicam a distribuio das espcies no planeta?2.5 Fechando o assunto

    2.5.1 O que vir depoisreferncias

  • 231Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    2.1 IntroduoDiferentes tipos de organismos vivos no ocorrem homogeneamente nos ambientes terrestres e

    aquticos. Enquanto alguns apresentam ampla distribuio, outros ocorrem apenas em determinados

    locais. Mesmo em uma regio propcia ocorrncia de um determinado tipo de vegetao natural

    possvel perceber que as plantas no se distribuem igualmente, podendo ser observadas manchas

    resultantes da agregao de indivduos de um mesmo tipo ou de diferentes tipos, mas com exigncias

    ambientais semelhantes (Figura 2.1).

    2.1.1 O que o ambiente de um ser vivo?

    Ambiente (do latim ambiens = ao redor) uma palavra empregada rotineiramente,

    adquirindo significados diferentes nas mais variadas situaes. Com o objetivo de facilitar

    a compreenso do que vir a seguir, definiremos ambiente como o conjunto de situaes

    a que um ser vivo est exposto no local em que vive. Assim, sob essa viso, ambiente

    integra os fatores fsicos (tipo de solo e temperatura, entre outros) e biolgicos (indi-

    vduos do mesmo tipo e de outros tipos que vivem no mesmo local). Os primeiros so

    denominados abiticos (no vivos), e os segundos so os biticos (vivos).

    Figura 2.1: Diversas feies observadas em uma regio.

  • 232 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    2.1.2 Como se define espcie?

    Pelo que acabamos de afirmar, as caractersticas biticas de um determinado local nada mais

    so do que o conjunto de diferentes tipos de organismos que nele habitam. Grupos de indivduos

    do mesmo tipo constituem uma espcie (do latim species = tipo ou aparncia), sendo que os

    indivduos de uma mesma espcie que se encontram em um determinado ambiente formam uma

    populao. Neste momento muito importante ter clareza a respeito do conceito de espcie.

    Em primeiro lugar, deve-se salientar que espcie pode ser definida inicialmente de duas

    maneiras: a primeira leva em conta a morfologia e a outra, o conceito biolgico. Como se ver

    a seguir, ambas as vises geralmente, mas nem sempre, so coincidentes. Segundo o conceito

    morfolgico de espcie, uma espcie pode ser definida como um grupo de indivduos que

    apresentam certas caractersticas que os tornam morfologico, fisiologico ou bioquimicamente

    distintos de outros grupos de indivduos. Essa a viso empregada pelos taxonomistas que

    at pouco tempo baseavam-se apenas em caractersticas morfolgicas diferentes para distinguir

    as espcies, no levando em considerao se tais diferenas resultavam em impossibilidade de

    reproduo entre indivduos de espcies diferentes. Chegamos, ento, ao conceito biolgico

    de espcie que foi enunciado por Ernst Mayr, em 1942. Segundo esse bilogo alemo, uma

    espcie formada por populaes cujos indivduos podem intercruzar, produzindo descen-

    dentes frteis. Imagine duas populaes cujos indivduos no intercruzam ou, se isso acontece,

    produzem descendentes infrteis. Nesse caso, dizemos que estas populaes apresentam isola-

    mento reprodutivo, tratando-se, assim, de duas espcies diferentes.

    Como se v, o conceito de espcie proposto por Mayr no se aplica s espcies que apre-

    sentam reproduo assexuada. Portanto, neste caso, a definio taxonmica no coincide com

    o conceito biolgico de espcie.

    H uma terceira definio, o conceito filogentico de espcie, no qual a espcie definida

    como o menor grupo de indivduos que compartilham um ancestral comum, formando um

    ramo na rvore da vida. Uma abordagem detalhada sobre filogenia ser apresentada na disciplina

    Diversidade Biolgica e Filogenia. Por ora basta saber que a filogenia (do grego phylon = tribo,

    raa e genetikos = relativo gnese, origem) se ocupa em determinar as relaes ancestrais/

    descendentes entre as espcies.

    Finalmente, existe o conceito ecolgico de espcie que define uma espcie em funo

    do modo como seus membros interagem com componentes abiticos ou biticos do ambiente.

  • 233Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    2.1.3 Como se configura um processo evolutivo?

    Como foi exposto na introduo desta aula, a ocorrncia e a distribuio atual dos seres vivos

    no planeta resultam de sua adaptao evolutiva s diferentes presses ambientais. Alm disso,

    pelo texto Origem, evoluo e estrutura das clulas anterior, conclui-se que as diversas

    formas de vida no surgiram todas de uma vez, mas no decorrer de um longo perodo de

    tempo. A atmosfera ia sendo alterada, surgiam diferentes organismos (procariontes, eucariontes),

    e os que tinham sucesso naquelas condies iam sendo positivamente selecionados.

    O importante neste ponto saber o que permite que uma espcie tenha sucesso em

    determinados ambientes e outras no. Como acontece com qualquer espcie, os indi-

    vduos que compem suas populaes no so todos iguais, apresentando diferenas na

    composio dos genes. Esse fato faz com que a probabilidade de sucesso diante de uma

    determinada situao ambiental difira entre os indivduos da mesma espcie.

    As diferenas nas caractersticas genticas de indivduos pertencentes a uma mesma

    populao podem surgir por alteraes espontneas na sequncia de bases nitrogenadas

    do DNA (ver texto Origem, evoluo e estrutura das clulas) e pelo rearranjo de

    cromossomos durante a reproduo sexuada.

    As alteraes espontneas que ocorrem no DNA so denominadas mutaes e surgem pela adio

    ou subtrao de bases, ou ainda por alteraes na estrutura dos cromossomos. As mutaes, portanto,

    do origem a diferentes arranjos de bases que podem conferir novas habilidades aos organismos nos

    quais ocorrem. Se tais habilidades vo ser positivas, negativas ou neutras para esses organismos, depende

    das condies ambientais em que eles se encontram. Se tais alteraes ocorrem nos gametas (clulas

    reprodutoras), podem ser transmitidas aos descendentes. Cabe salientar que a frequncia de ocorrncia

    de mutaes naturalmente baixa.

    Quando ocorre reproduo sexuada, os cromossomos presentes nos gametas dos dois indivduos

    envolvidos formam uma combinao diferente daquela encontrada em cada um dos indivduos

    parentais. Assim, como no caso das mutaes, essa combinao pode trazer sucesso ou no para o

    novo indivduo formado, sempre na dependncia das condies ambientais a que estar sujeito.

    Tomemos como exemplo o surgimento dos primeiros organismos resistentes ao enriquecimento

    da atmosfera pelo oxignio produzido pelos primeiros fotossintetizantes. Como exposto no texto da

    aula anterior, esse gs pode ter sido txico para vrios outros organismos e, portanto, o surgimento

    de resistncia possibilitou que estes novos indivduos apresentassem maior sucesso naquela atmosfera.

  • 234 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    Assim, tinham maior chance de sobreviver e de deixar descendentes apresentando as mesmas ca-

    ractersticas genticas que conferiam resistncia gerao parental. Pode-se afirmar que a atmosfera

    rica em oxignio exerceu uma presso seletiva sobre os indivduos ento existentes, selecionando

    aqueles que eram mais aptos a viver naquela situao. Esse processo denominado seleo natural.

    Todas as espcies esto sujeitas seleo natural, assim como aquelas que j esto extintas

    tambm estiveram. As espcies existentes atualmente surgiram em um tempo pretrito, oriun-

    das de outras espcies das quais se separaram por processos de isolamento reprodutivo, e desde

    ento seus componentes tm estado sujeitos a inmeras presses seletivas. Portanto, ao longo

    de sua existncia, tais espcies passaram e continuam passando por um processo evolutivo,

    no qual os indivduos mais aptos so aqueles que apresentam melhor desempenho biolgico,

    permitindo-lhe maior sucesso frente s presses ambientais.

    2.1.4 O que desempenho biolgico?

    O desempenho biolgico um indicativo do

    sucesso do indivduo em um determinado ambiente,

    podendo ser avaliado atravs de medidas da capacidade

    de sobrevivncia, crescimento corporal e reproduo.

    A possibilidade de um indivduo sobreviver, crescer

    e se reproduzir, depende do balano entre a captao

    de energia e nutrientes do ambiente e a perda de

    energia pelo metabolismo. Quanto mais positivo for

    esse balano, mais energia o indivduo ter disponvel

    para os trs processos citados e, portanto, maior ser

    seu desempenho biolgico (Figura 2.2).

    H uma diferena entre a quantidade de energia necessria para que o indivduo consiga

    realizar cada um dos trs processos, sendo que menos energia necessria para simplesmente

    manter-se vivo (sobrevivncia) e maior quantidade necessria para a reproduo (Figura 2.3).

    Figura 2.2: Representao esquemtica do balano entre captao de energia e nutrientes e a perda de energia por um indivduo (clique no cone para iniciar a animao).

  • 235Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    2.2 Fatores limitantes2.2.1 O que fator limitante?

    Qualquer fator ambiental que

    interfira na sobrevivncia, crescimento

    e reproduo dos indivduos de uma

    espcie e, portanto, no seu desempenho

    biolgico um fator limitante.

    No incio deste texto afirmamos que

    o ambiente de um indivduo integra

    os fatores fsicos (abiticos) e biolgicos

    (biticos) aos quais ele est exposto.

    Entre os fatores abiticos existem aque-

    les que interferem no seu metabolismo,

    como a temperatura, a umidade relativa, o pH, a salinidade e a concentrao de poluentes, entre

    outros. Tais fatores, embora afetem os indivduos, no so consumidos ou esgotados por eles,

    sendo denominados condies.

    Figura 2.3: Variao do desempenho biolgico em funo da intensidade de um determinado fator ambiental (ex.: tempera-tura). Observe que a faixa de valores em que ocorre sobrevivncia maior que a da reproduo, sendo que o crescimento ocupa uma posio intermediria. / Fonte: modificado de Begon et al., 2007

    Agora a sua vezAntes de avanar na leitura do texto, acesse o ambiente virtual e realize a atividade online 2.1 para rever os conceitos importantes e avaliar sua compreenso sobre o que foi trabalhado at agora.

    Figura 2.4: Relao entre fatores limitantes e o desempenho biolgico de um indivduo (clique no cone para iniciar a animao).

  • 236 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    Os recursos, por outro lado, so fatores utilizados pelos indivduos. Esses fatores so abi-

    ticos (espao, luz, dixido de carbono, oxignio, nutrientes e gua, entre outros) e biticos

    (organismos que servem de alimento para outros organismos). Quanto aos recursos, cabe dizer

    que podem ter sua disponibilidade afetada pelos organismos, uma vez que so utilizados por

    eles, sendo que em condies de escassez pode ocorrer competio pelo recurso.

    Retomando a Figura 2.2, sobre o balano entre captao de energia e nutrientes, e a perda

    de energia por um indivduo, podemos chegar a um esquema sinttico com o acrscimo das

    condies e recursos (Figura 2.4).

    Alm dos recursos e das condies, as interaes entre as espcies tambm podem atuar

    como fatores limitantes. Por exemplo, os indivduos de duas espcies que competem por um

    determinado recurso tero seu desempenho biolgico diminudo uma vez que cada uma das

    espcies no ter todo o recurso a sua disposio.

    2.2.2 Como atua um fator limitante?

    Depreende-se do que foi visto anteriormente que um fator limi-

    tante afeta o desempenho biolgico do indivduo, interferindo positi-

    vamente ou negativamente na sua capacidade de sobreviver, crescer e se

    reproduzir. Uma das primeiras explicaes sobre a forma de atuao dos

    fatores limitantes foi apresentada em 1843 por Justus von Liebig, um

    qumico alemo. Nesse ano, como fruto de suas pesquisas relacionadas

    Fisiologia Vegetal e ao efeito de fertilizantes sobre o crescimento das

    plantas, cunhou a Lei do Mnimo.

    A Lei do Mnimo estabelece que, em condies de estado constante,

    ou seja, se no houver variao considervel da quantidade disponvel

    no ambiente, o nutriente que estiver presente em menor quantidade e,

    portanto, com uma concentrao prxima ao mnimo necessrio, tender a ser limitante para a planta.

    Agora a sua vezAcesse o ambiente virtual antes de avanar na leitura do texto e realize a atividade online 2.2.

    Figura 2.5: Efeito, sobre a produo mxima de uma planta, de um nutriente cuja concentrao est prxima ao mnimo necessrio / Fonte: modificado de Lepsch, 1977

  • 237Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    Assim, no exemplo da Figura 2.5, percebe-se que a produo mxima de uma planta ser limitada

    pelo potssio, que o elemento presente em quantidade prxima ao mnimo necessrio para a planta.

    Com o passar do tempo, observou-se que no apenas o elemento presente em menor quantidade

    pode ser limitante para o crescimento de um indivduo, mas que seu desempenho biolgico pode

    ser afetado por valores mnimos e mximos de todos os fatores limitantes. A partir do conhecimento

    de que para cada fator limitante existe uma faixa de valores dentro da qual os indivduos podem

    viver, Victor Ernest Shelford, um

    eclogo norte-americano, estabeleceu a

    Lei da Tolerncia, em 1913. Segundo

    essa lei, existem amplitudes de tolerncia

    aos fatores ambientais para cada espcie, as

    quais so determinadas de acordo com as

    necessidades da espcie e dentro das quais

    sua existncia possvel. Tal amplitude ou

    faixa dada pelos valores mximos e

    mnimos de cada fator, que so tolerados

    pela espcie. Esses valores, por sua vez, so

    denominados limites de tolerncia.

    Assim, para cada fator ambiental, cada

    espcie apresenta uma amplitude de tolerncia que determinada por seus limites de tolerncia a

    este fator (Figura 2.6). Se na figura, o fator considerado fosse a temperatura, poderamos dizer que

    h um limite mximo e um mnimo, estabelecendo uma faixa de valores dentro da qual a espcie em

    questo pode viver. Ao analisarmos a curva, possvel observar que h uma faixa de valores na qual

    o desempenho biolgico favorecido, ou seja, uma faixa tima para a espcie. Tanto abaixo como

    acima desta faixa, os indivduos da espcie conseguem viver, mas seu desempenho menor, de modo

    que sob tais valores esto sujeitos a estresse. Neste caso, poderamos concluir que a espcie no vive

    to bem em condies muito frias ou muito quentes.

    Na realidade, a forma da curva de desempenho biolgico de uma espcie varia depen-

    dendo do fator considerado. No entanto, se a resposta da espcie ao fator ambiental for

    como no modelo exposto anteriormente, pode-se dizer que existe um contnuo partindo

    de um nvel adverso ou letal (no caso da temperatura poderia ser o congelamento), pas-

    sando por valores favorveis espcie, e chegando novamente a um outro nvel adverso ou

    letal (no nosso exemplo, danos provocados pelo calor excessivo).

    Figura 2.6: Curva ilustrando o efeito de um fator ambiental sobre o desempenho biolgico de uma espcie (clique na imagem para iniciar a animao)

  • 238 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    Como vimos, o timo a faixa ou

    nvel de um fator limitante que propicia o

    melhor desempenho. Muitas vezes, o timo

    para um determinado fator definido em

    laboratrio. Neste caso, as condies expe-

    rimentais impem a variao dos valores

    da condio ou recurso que se quer avaliar,

    mantendo os demais fatores constantes. Em

    uma situao como esta, determina-se o

    timo fisiolgico para a espcie, o qual

    permitiria que ela atingisse o seu potencial

    biolgico, ou seja, sua capacidade mxima

    de reproduo. Tal situao representaria o

    timo do ponto de vista evolutivo, sendo as condies timas aquelas em que os indivduos deixam

    mais descendentes.

    Na natureza, no entanto, as condies, os recursos e, sobretudo, as interaes biolgicas limitam

    as espcies, impedindo que atinjam seu potencial biolgico. Assim, dizemos que as espcies esto

    em um timo ecolgico, ou seja, uma faixa tima sob influncia principalmente de competio

    e predao. A Figura 2.7 ilustra o deslocamento do timo fisiolgico para o timo ecolgico

    de duas espcies em interao. Neste exemplo, como resultado da interao, as duas espcies

    sofreram deslocamento dos limites inferior e superior de tolerncia, resultando em estreitamento

    de sua amplitude de tolerncia. Como se v, a faixa tima ecolgica mais estreita do que a faixa

    tima fisiolgica para ambas as espcies. No entanto, dependendo da interao, pode acontecer de

    apenas uma das espcies sofrer alterao de sua amplitude de tolerncia, e a outra permanecer em

    seu timo fisiolgico ou muito prximo dele.

    As amplitudes de tolerncia a um determinado fator limitante variam entre as diferentes

    espcies. Existem aquelas que suportam uma ampla variao de muitos fatores, enquanto outras

    so mais exigentes, apresentando amplitudes menores. As primeiras espcies so denominadas

    euriecas (ou euricias) e as segundas so estenoecas (ou estenocias). Se considerarmos

    um determinado fator ambiental, existem espcies estenoecas que apresentam amplitude de

    tolerncia limitada a baixos valores, enquanto outras esto limitadas a altos valores (Figura 2.8).

    Figura 2.7: Deslocamento do timo fisiolgico como resultado e interao biolgica. / Fonte: modificado de Fatores limitantes.

    http://www.ib.usp.br/ecologia/fatores_limitantes.html

  • 239Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    Uma vez que todos os indivduos de uma espcie vivendo em um

    determinado ambiente esto sujeitos ao dos fatores limitantes,

    embora uns possam ser mais afetados do que outros, em funo de

    no serem geneticamente idnticos, toda a populao acaba sendo

    afetada, o que resulta em resposta no nvel populacional (ex. aumento

    ou diminuio do nmero de indivduos).

    A existncia de variao na tolerncia dos indivduos de uma mesma

    espcie aos fatores ambientais pode explicar, por exemplo, as diferenas

    observadas em populaes da mesma espcie vivendo em ambientes

    distintos. Tomemos como exemplo um experimento realizado com

    indivduos de Umbilicus rupestris, uma planta da famlia das Crassulaceae

    (Figura 2.9). Plantas e sementes dessa espcie, que normalmente habita reas litorneas de clima

    ameno na Gr-Bretanha, foram levadas para outra regio do pas, caracterizada por temperaturas mais

    baixas, a uma altitude de 157 m.

    Oito anos aps o incio do experimento, analisou-se o desempenho biolgico da populao

    original e da populao introduzida, medido pela porcentagem de germinao de sementes

    em diferentes temperaturas (o que uma estimativa de reproduo, sendo que quanto maior a

    germinao, maior o sucesso reprodutivo) e pela porcentagem de sobrevivncia de sementes em

    temperaturas abaixo do ponto de congelamento (subcongelamento) (Figura 2.10). Percebe-se

    que a populao do novo ambiente apresenta uma faixa de tolerncia temperatura mais ampla,

    suportando temperaturas mais baixas do que a populao do ambiente original (Figura 2.10a).

    Indivduos provenientes de sementes que suportavam temperaturas mais baixas passaram a ser

    Figura 2.8: Diferentes amplitudes de tolerncia para um ou mais fatores ambientais. / Fonte: modificado de Fatores limitantes.

    Figura 2.9: Umbilicus rupestris.

    http://www.ib.usp.br/ecologia/fatores_limitantes.html

  • 240 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    selecionados no novo ambiente, o que resultou em expanso do limite de tolerncia inferior.

    Percebe-se, ainda, que cerca de 50% dos indivduos da populao introduzida sobrevive na

    temperatura de subcongelamento de 12 C negativos, valor letal para a grande maioria dos

    indivduos da populao original, que a partir da se extingue rapidamente (Figura 2.10b).

    2.2.3 Quais so os princpios auxiliares Lei da Tolerncia?

    So princpios auxiliares Lei de Tolerncia:

    Espcies euriecas provavelmente apresentam uma ampla distribuio geogrfica. Este princpio se baseia no fato de apresentarem uma ampla tolerncia a uma srie de fatores,

    o que as torna mais resistentes s variaes ambientais, possibilitando sua ocorrncia em

    muitos locais diferentes.

    A amplitude de tolerncia de uma espcie aos inmeros fatores ambientais depende do fator considerado, ou seja, uma mesma espcie pode apresen-

    tar ampla tolerncia a um fator e estreita a outro;

    Se as condies para um determinado fator no so timas, pode haver alteraes na amplitude

    de tolerncia para outros fatores. Como exemplo, pode-se

    citar a diminuio da amplitude de tolerncia das larvas do

    caranguejo chama-mars (Uca pugilator) (Figura 2.11)

    salinidade, em relao situao controle, quando expostas

    Figura 2.10: Variao do desempenho biolgico de populaes de Umbilicus rupestris em funo da temperatura no ambiente de origem (1) e no ambiente em que a espcie foi introduzida (2). a.Germinao de sementes (%) e b. Sobrevivncia temperatura baixa (%) (clique no cone para visualizar a animao correspondente a imagem b). / Fonte: modificado de Begon et al., 2007.

    a b

    Figura 2.11: Macho adulto de Uca pugilator.

  • 241Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    a uma concentrao de um ppm de cdmio (Figura 2.12). Percebe-se que, na presena

    do poluente, o desempenho biolgico das larvas, medido como porcentagem de

    sobrevivncia, ocorre em uma faixa menor de salinidade.

    Geralmente, as amplitudes de tolerncias dos primeiros estgios de desenvolvimento e de fmeas no perodo reprodutivo so mais estreitas que as dos demais indivduos da populao.

    2.3 O que nicho ecolgico?Intimamente associado ao conceito de limites de tolerncia est o conceito de nicho ecolgico,

    cuja aplicao cercada de confuso. Em primeiro lugar, em funo do significado original da palavra

    nicho (do italiano antigo nicchio = cavidade em parede ou muro para colocar esttuas), a expresso

    erroneamente empregada para designar o local em que um determinado organismo vive, ou seja, o

    seu habitat. Outra forma imprecisa de definir nicho ecolgico consiste em consider-lo simplesmente

    como o papel que a espcie exerce no ambiente, associando-o com o termo profisso. Na verdade, de

    uma forma bastante simplificada, pode-se afirmar que o nicho ecolgico constitudo pelo conjunto

    de relaes que a espcie tem com o ambiente, ou seja, com o conjunto de limites de tolerncia

    da espcie. Agora que foi apresentado o conceito de nicho, podemos acrescentar que o conceito

    ecolgico de espcie define uma espcie em funo de seu nicho ecolgico.

    Figura 2.12: Amplitude de tolerncia das larvas de Uca pugilator, na ausncia (controle) e na presena de um ppm de cdmio. / Fonte: modificado de odum, 1985.

    Agora a sua vezAcesse o ambiente virtual antes de avanar na leitura do texto e realize a atividade online 2.3.

  • 242 Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    2 Ocorrncia e distribuio dos seres vivos como resultado das presses ambientais

    2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho ecolgico explicam a distribuio das espcies no planeta?

    O desempenho biolgico dos organismos influenciado pelas condies, recursos e inte-

    raes com outros indivduos (principalmente competio e predao), ou seja, pelo conjunto

    de fatores limitantes a que esto sujeitos. Uma vez que o conjunto de limites de tolerncia a

    tais fatores representa o nicho ecolgico da espcie, podemos afirmar que o nicho determina

    a presena e a continuidade dos indivduos de uma espcie no decorrer do tempo, em um

    determinado ambiente. Portanto, a sobrevivncia, o crescimento e a reproduo dos organismos

    dependem dos fatores limitantes e do nicho ecolgico da espcie. Desse modo, fcil concluir

    que, por existirem inmeros tipos de ambientes, cada qual caracterizado por diferentes fatores

    limitantes, um conjunto diferente de espcies ser capaz de existir em cada um desses ambientes.

    2.5 Fechando o assuntoNesta aula vimos que o ambiente pode apresentar um conjunto de fatores que afetam de

    forma desigual as diferentes espcies e tambm os diferentes indivduos de uma populao.

    O efeito desses fatores pode ser medido por meio de avaliao do desempenho biolgico

    dos indivduos, ou seja, por meio de medidas de sobrevivncia, crescimento e reproduo.

    Finalmente, foi explicado que as amplitudes de tolerncia aos fatores limitantes, que por sua vez,

    fazem parte do nicho ecolgico da espcie, juntamente com suas necessidades, determinam a

    presena ou no desta em um determinado ambiente.

    2.5.1 O que vir depois

    Nos prximos textos, entenderemos como os seres vivos esto distribudos no planeta

    e quais os fatores que influenciam essa distribuio, e estudaremos mais detalhadamente os

    biomas brasileiros.

  • 243Licenciatura em Cincias USP/Univesp Mdulo 3

    Histria da vida na terra e distribuio atual da vida no planeta

    RefernciasBegon, M.; Townsend, C. R.; HaRpeR, J. L. Ecologia: De indivduos a ecossistemas. 4. ed.

    Porto Alegre: Artmed, 2007.

    CaMpBell, N.A. et al. Biologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

    FaToRes liMiTanTes. . Acesso em Set. 2013

    FuTuyMa, D. J. Evolutionary biology. 2. ed. Massachusetts: Sinauer Associates, 1986.

    lepsCH, i. F. Solos formao e conservao. So Paulo: Edusp. 1977.

    oduM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Interamericana, 1985.

    GlossrioErnst Mayr: Ernst Mayr foi um bilogo de origem alem que dedicou grande parte da sua carreira ao

    estudo da evoluo, gentica de populaes e taxonomia. Descendente de diversas geraes de mdicos, ele abriu mo da carreira e se voltou para o estudo da Zoologia, concluindo um doutora-do na rea apenas 16 meses depois de formado. Durante os anos 30 tomou parte de uma expedio Nova Guin e s Ilhas Salomo, onde estudou a fauna autctone, especialmente a ornitolgica.

    Justus Von Liebig: Justus Von Liebig foi um qumico e inventor alemo. Filho de um comerciante de anilinas, Liebig tornou-se grande cientista e um dos maiores professores de qumica em todos os tem-pos. Seu legado foi um dos maiores do sculo 19, perdurando at os dias atuais. Seus experimentos possibilitaram a criao de fertilizantes qumicos, sabo, explosivos e alimentos desidratados. Sua con-tribuio para a humanidade foi extraordinria, alm de inmeras frmulas e processos para a qumica orgnica, Liebig criou o conceito do laboratrio de qumica.

    Taxonomistas: pessoas que se dedicam Taxonomia que a cincia que visa identificar espcies.

    Victor Ernest Shelford: Victor Ernest Shelford (1877 1968) nasceu em Nova Iorque e foi um eclogo. Estabeleceu a lei da tolerncia e foi o fundador da Sociedade de Ecologia da America.

    http://www.ib.usp.br/ecologia/fatores_limitantes.html

    2.1 Introduo2.1.1 O que o ambiente de um ser vivo?2.1.2 Como se define espcie?2.1.3 Como se configura um processo evolutivo?2.1.4 O que desempenho biolgico?

    2.2 Fatores limitantes2.2.1 O que fator limitante? 2.2.2 Como atua um fator limitante? 2.2.3 Quais so os princpios auxiliares Lei da Tolerncia?

    2.3 O que nicho ecolgico?2.4 Por que os fatores limitantes e o nicho ecolgico explicam a distribuio das espcies no planeta?2.5 Fechando o assunto2.5.1 O que vir depois

    Referncias

    taxonomistas: ernst nome: taxo box: taxo x: mayr box: mayr x: justus: Just box: just x: victor: victor box: victor x: