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o PROJETO DE BARRO " UMA EXPERI[NCIA OFICIAL \ DE POPULAR NO ARNO KREUTZ

o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

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o PROJETO JO~O DE BARRO "

UMA EXPERI[NCIA OFICIAL

\ DE EDUCAÇ~O POPULAR NO MARANH~O

ARNO KREUTZ

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,

-o PROJETO JOAO DE BARRO

UMA EXPERI~NCIA OFICIAL DE EDUCAÇÃO POPULAR NO MARANHÃO

ARNO KREUTZ

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o PROJETO JOAO DE BARRO ~ -

UMA EXPERIENCIA OFICIAL DE EDUCAÇAO POPULAR NO MARANHAO

ARNO KREUTZ

Dissertação sub~etida como r~

quisitn parcial para obtenção

do grau de Mestre em Educação,

sob orientação do professor

Osmar Fávero.

Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas

Instituto de Estudos Avançados em Educação

Departamento de Filosofia da Educação

1982

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à minha esposa Maria de Lourdes

Ao meu filho Álvaro.

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R E S U M O

o presente trabalho apresenta uma análise da proposta

do Projeto "João de Barro", elaborada pela Secretaria de Ed~

cação do Maranhão em 1967, destinado às populações rurais do

Estado e que tinha por objetivo: "através de um processo de

educação integral em nível elementar, inserir o homem rural

no processo de desenvolvimento sócio-econômico racionalizado.

o referencial teórico que norteia a análise foi elabo

rado com base, principalmente, na teoria de Gramsci para ex

plicar a dinâmica do processo educativo num Estado capitali~

ta. Leva-se, ainda, em consideração a conjuntura econômica,

social e política da época como pressuposto necessário à an~

lise de um fato social. Com base neste referencial, teórico

e conjuntural, identifica-se, na educação escolar, o seu p~

pel de agente reprodutor da ideologia dominante. Ao mesmo

tempo em que se aponta a educação como um instrumento útil à

sedimentação da hegemonia dos grupos dominantes, enfatiza-se

a contribuição que a escola pode trazer à autonomia das cama

das populares.

Sem chegar a conclusões definitivas, o presente traba

lho sublinha, entretanto, a importância que a educação esco­

lar tem para instrumentalizar as camadas populares para me

lho r apreenderem o complexo de relações sociais em que estão

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envolvidas e, assim, atuarem mais conscientemente em suas lu

tas de libertação. Neste sentido, o surgimento de qualquer

escola, sobretudo da escola "João de Barro", é saudado com e~

perança: que ela seja o germe da verdadeira escola do futuro.

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R E S U M E

Ce travail presente une analyse de la proposition du

Projet "João de Barro" élaboré par la Secretaria de Educação

do Estado do Maranhão en 1967. 11 était destiné aux popul~

tions rurales de l'Etat et avait pour objectif: "par l'inter

mêdiaire d'une dêmarche éducacionnelle totale et a un niveau

primaire, intégrer l'homme de la terre au proces de dévelo~

pement socio-êconomique racionalisé".

Le quadre thêorique qui dirige l'analyse fut élaboré

basiquement et principalement ã. partir de la théorie de Gramsci

pour expliquer la dynamique de la démarche éducative dans un

état capitaliste. Les données êconomiques, sociales et polit~

ques de l'êpoque sont êgalement considérêes comme necessaires

a une analyse d'un fait social. Considérant ce quadre de réfê

rence thêorique et de conjonction on identifie dans l'éduca

tion scolaire son rôle d'agent reproducteur de l'idêologie dQ

minante. De cette maniere est produit un instrument util pour

la consolidation de l'hêgêmonie des groupes dominants et dans

cette même avancée est exaltée la contribution que

peut ~pporter á l'autonomie des couches populaires.

l'école

Sans vouloir concluir d'une maniere définitive, ce

travail souligne, malgrê tout, l'importance que l'éducation

scolaire possede pour que les couches populaires utilisent

Page 8: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

mieux cet instrument de connaissance de la complexitê des re

lations sociales au milieu desquelles elles_.~ont embourbées.

De cette maniere elles pourront agir plus consciemment dans

leurs .luttes pour la liberté. Dans ce sens, la naissance de

n'importe quelle êcole, particulierement de l'êcole "João de

Barro", est saluée avec espoir: qu'elle soit le germe de la

vêritable école de l'av~nir.

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SUMÁRIO

Página

INTRODUÇÃO

CAPITULO I - O MARANHÃO: SUA REALIDADE NOS ANOS 60 ...

INTRODUÇÃO ECONOMIA ......................................... . VIOLENCIA NA ZONA RURAL

8

18

18 18 27

CONDIÇOES HABITACIONAIS ........................... 32 SAODE ............................................. 33 EDUCAÇÃO .......................................... 34

SITUAÇÃO POL!TICA ................................. 40

SINTESE .,........................................... 42

BE LA V I S TA ........................................ 4 3 REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA .......................... 48

CAPITULO 11 - A EDUCAÇÃO NO GOVERNO SARNEy.......... SO

TELEVISÃO EDUCATIVA ........... ~................... 59 PROJETO BANDEIRANTE ................... .... ........ 66 O PROJETO "JOÃO DE BARRO" ......................... 68 REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA .......................... 79

CAPITULO 111 - O ESTADO E A EDUCAÇÃO POPULAR ........ 81

O QUE E O ESTADO .................................. 81 A AUTONOMIA NO ESTADO ............................. 86 O PAPEL DO ESTADO NA EDUCAÇÃO ......... ............ 88 ESTADO E EDUCAÇÃO POPULAR ................. ........ 95 REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA .......................... 108

CONCLUSÃO.:......................................... 112

BIBLIOGRAFIA ........................................ 116

ANEXO:, PROJETO JOÃO DE BARRO 120

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INTRODUÇÁO

Na resposta dada ã questão: Ciço, como é que o povo

daqui aprende? há uma passagem que nos chamou, sobremaneira',

a atenção. E quando o entrevistado Antônio Cícero de Sousa ,

lavrador de.sítio na estrada entre Andradas e Caldas,no sul

de Minas Gerais, afirma:

"Tem vez que eu penso que pros pobres a esco la ensina o mundo como ele não é"l.

E basicamente em torno des~a questão -- relacionamen­

to da educação com o todo da sociedade -- que, nas duas últi

mas décadas, mais que nas anteriores, se intensificaram os

estudos tanto da sociologia quanto da política da educação .

Um dos resultados destes estudos foi o de evidenciar a nao

neutralidade da educação em relação ã estruturação da socie­

dade. Assim, numa sociedade capitalista a educação tem por

função primordial reproduzir a ideologia dominante. Apenas

para lembrar o nome de alguns estudiosos que procuraram evi

denciar esta realidade da educação podemos citar: P.Bourdieu

e J.C. passeron 2, L. Althusser 3

, M. Berger 4, R. Establet e

C. Baudelot 5•

A partir destes estudos, é frequente alguém abandonar

a crença na educação como instrumento mágico de transformação

social, de eliminação dos problemas sociajs, para aderir a

outro mito, talvez mais razoável, mas igualmente simplista

da educação unicamente como mecanismo de reprodução social.

8

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(

9

"Em tais concepções opostas ,dicotômicas ,perde-se o con traditório implícito na educação, como nas demais instI tuições sob o capitalismo. E isto reforça o mito da ed~ cação, quando se deveria compreender que há,educaçãocomo há classes sociais"6. .

Uma destas educações é a educação popular. Mas a pr~

pria "educação popular" não é una. Segundo Luiz Eduardo W.

Wanderley as experiências de educação popular realizadas nas

últimas décadas no Brasil podem ser enquadradas em três cate

gorias distintas:

I. Educação popular com orientação de integração~

2. Educação popular com orientação nacional populista~

3. Educação popular com orientação de libertação.

Na primeira categoria são enquadradas as experiências,

" ... ctija ideologia se expressava no desejo da obtenção da

'democracia' através da difusão da educação para todos"7. A

segunda congregaria as experiências de educação popular do

período populista. Na terceira categoria se situam as experi

ências que objetivavam estimular a povo na marcha de sua au

tonomia, de sua libertação.

o objetivo do presente trabalho é discutir a partici

paçao do Estado na educação popular. Para a sua efetivação

partiremos de uma experiência concreta: o projeto "João de

Barro".

Desde 1956 os destinos políticos do Maranhão eram con

trolados por Vitorino Freire. Nas eleições para Governador,

em 1965, saiu vitorioso o candidato da oposição,José Sarney.

Naquele momento se encerrava a era do "vi torinismo" e um novo

grupo começava a se.impor na política local: um novo grupo

procurava firmar sua hegemonia. Para atingir tal objetivo o

programa de Governo de José Sarney prometia implantar no Es

tado uma nova úrdem econômica e social -- o Maranhão Novo

para, assim, eliminar a estrutura de estagnação implantada

pelo "vitorinismo". Este programa definia metas ambiciosas

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10

como a crlaçao de uma infraestrutura e o incentivo ã prod~

ção para poder integrar o Maranhão no "progresso" que ating~

da ra o resto do Brasil, sobretudo o centro-sul, a partir

década de 1950. Para a consecução destas metas a educação

cupava um lugar de destaque.

o

Dos mGltiplos projetos da irea da educação do Governo

José Sarney sobressaem três: o projeto da "Televisão Educati

vali, o projeto "Bandeirante" e o projeto ':João de Barro".

Pelo primeiro, Televisão Educativa, pretendia o Gove~

no resolver os impasses que a educação enfrentava, principal

mente ao nível do então curso ginasial, em São Luís e progre~

sivamente nos municípios próximos. Com a utilização da tele

visão em sala de aula pretendia-se melhorar o nível de ensi

no na rede -estadual, ampliar a oferta de vagas para que nin

guém ficasse sem frequentar a escola e resolver o problemada

qualificação do pessoal docente.

Como a televisão atingia apenas São Luís e os

pios mais próximos, concebeu-se o· projeto Bandeirante

. , munlCl

para

realizar nas sedes dos demais municípios o que a televisão

pretendia realizar em São Luís e municípios adjacentes.

Mas o ponto de estrangulamento do sistema estadual de

ensino residia e reside mesmo nos primeiros anos de escolari

dade, sobretudo na zona rural. Além do alto índice de analfa

betismo, da quase total ausência de escolas a zona rural do

Maranhão se caracteriza ainda por um grande vazio demográfi­

co. Os pequenos povoados rurais são geralmente muito distan­

tes uns dos outros e de difícil acesso. A implantação de es

colas convencionais nessa realidade, além de requerer o ln

vestimento de urna vultosa quantia de que o Estado não dispu­

nha, enfrentaria outro problema de difícil solução:encontrar

pessoal qualificado disposto a se deslocar para todos os di~

tantes povoados. Concebeu, então, a Secretaria de Educação o

Projeto "João de Barro". Por este projeto,pretendia o Gover

no,atravês de um processo de educação integral ,em nível ele

mentar,

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"despertar no homem rural a consciência de suas reais possibilidades de,através de um esforço comum intelige~ te, mudar este estado de coisas"a. o ••

o processo de educação integral, preconizado no proj~

to "João de Barro" era uma proposta de educação de base que

iria envolver o próprio povoado rural na solução de seus pr~

blemas. O núcleo irradiador deste processo seria a escola

"João de Barro", construída pelo próprio pessoal do povoado

e dirigida por um monitor escolhido pela 'comunidade local e

adequadamente treinado para suas novas funções.

Todos estes três projetos representam marcos importa~

tes na história da educação do Maranhão. Sobre oprimeiro,pr~

jeto da Televisão Educativa, uma série de estudos já foram

desenvolvidos 9• O Projeto Bandeirante, apesar da importância

que teve na mudança do ensino no interior maranhense, prov~

velmente por não representar algo inovador, até o

não atraiu a atenção dos estudiosos. Em relação ao

"João de Barro"nenhum estudo ainda foi concluído. No

presente

Projeto

momento

a professora Claudett de Jesus Ribeiro está desenvolvendo

uma pesquisa sobre a implantação e a prática deste Projeto.

O presente estudo se aterá ã proposta original do Pro

jeto João de Barro. Este projeto nos chamou a atenção por re

presentar uma tentativade um órgão do Estado, Secretaria de

Educação, de realizar na zona rural uma experiência de educa

çao de base. Diante desta situação: o Estado realizar educa

çao popular, uma série de questionamentos podem ser formula­

dos.Num plano geral:

O que se entende, precisamente, por educação

lar? pop~

- Numa sociedade de classes há alternativas para uma

educação que não seja reprodutora dos valores e ln

teresses das .classes dominantes?

- Que papel cabe ao Estado na educação popular?

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E, num plano específico:

- A quem iriam beneficiar as escola$ "João de Barro"?

- Não seria a escola "João de Barro" um instrumento

útil a um grupo que se firmava no poder?

Como já vimos anteriormente, o aparelho escolar nao

tem por função apenas atuar como instância de reprodução

ideológica. Mas a educação escolar deve ser vista, tambem,

como uma instância geradora de condições cle desenvolvimento,

pois contribuir na qualificação de mão-de-obra. Assim, a fo~

mação e importante tanto ao nível da superestrutura quanto

da infra-estrutura. A nível da superestrutura, contribui,além

da difusão da ideologia dominante, na formação dos quadros

dirigentes; a nível da infra-estrutura, concorre para o au

mento da prcidutividade (invenções tecnicas, comercialização,

qualific~ção de mão-de-obra etc).

E a educação popular? Apesar das distintas categorias

nas quais podem ser enquadradas as práticas de educação pop~ I

lar nos a concebemos fundamentalmente como sendo o processo

pelo qual as camadas populares conquistam sua autonomia, sua

libertação. Neste tipo de educação popular não ocorreria,ta~

bem, a reprodução dos valores dominantes? E necessário dife

renciar a educação popular da educação escolar. Aquela difi­

cilmente pode realizar-se na escola. Ela se realiza, sobret~

do, nas lutas constantes que as camadas populares enfrentam

continuamente para reproduzirem suas existências: lutas por

um pedaço de terra, para produzirem o seu alimento;lutas por

um terreno, para construirem o seu abrigo; lutas sindicais

lutas por trabalho etc.

A partir deste conceito, como podemos entender a pa!

ticipação do Estado na educação escolar e na educação pop~

lar?

o Estado, na concepção de Gramsci, e a unlao dialeti

ca da sociedade civil e da sociedade política, sendo da pr!

meira a função de hegemonia e da segunda a função de domina

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ção. Esta última função se caracteriza pela imposição de nor

mas "atraves de um sistema de leis pelo emprego ou possibili­

dade de uso da força.

"A função hegemônica exerce-se, essencia1mente,ao nível da cultura ou da ideologia. E a função pela qual uma classe obtem o consentimento, a adesão ou o apoio das classes subalternas. E a função pela qual uma classe se apresenta como vanguarda e como dirigente da sociedade com o consentimento das outras classes sociais"10.

A hegemonia de uma classe ou fração de classe e alcan

çada, segundo Gramsci, "por uma multiplicidade de iniciati

vas e atividades privadas" dentre as quais se destaca a esco

la 11 . Neste sentido se entende o interesse do Estado pela e

ducação.

Será que o projeto educacional do Governo de Jose Sar

ney deu o impulso à educação na esperança de que a educação

realizasse as funç6es que lhe sao atribuídas?

Para podermos analisar com propriedade o que signifi­

cou o Projeto "joão de Barro" no çonjunto do programa de Go

verno de Jose Sarney procuraremos situá-lo no momento histó­

rico preciso em que o projeto foi concebido.

A preocupação fundamental que transpira do Programa

de Governo de Jose Sarney é com a melhoria das condições 50

cio-econômicas do Estado e em sua "decolada" para o desenvol_

vimento. Estas preocupações só poderiam concretizar-se caso

o novo grupo que assumia os destinos políticos do Estado ti

vessem firmado a sua hegemonia. Dentre a multiplicidade de

recursos utilizados pela máquina estatal para obter o "con

sentimento das outras classes sociais" se destaCél o uso do

aparelho escolar e mais especificam~nte das escolas do Proj~

to "João de Barro".

Mas a proposta educacional do Governo Jos~ Sarney nao

esperava do aparelho escolar apenas a contribuição para fir

mar o novo grupo hegemônico. Esperava dele, tamhém, a prep~

ração dos recursos humanos necessários ao projeto desenvolvi

mentista e modernizante de seu Governo.

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Aquele momento histórico, do Governo de José Sarney

(1966~1970), repete no Maranhão, em proporçoes reduzidas, um

momento passado da história brasileira: o período de Jusceli

no Kubitchek. Para Juscelino.

" ... a situação atual de subdes envolvimento é passível de ser modificada, ainda mais porque a nação é potencial­mente muito rica, quer em Tecursos naturais, quer em re cursos humanos. O futuro de grandezas, que se constituI no objetivo a alcançar pelo esforço coletivo, é de pro gresso em geral, de elevação de vida de todos" 1 2 • -.

Da mesma forma, para Sarney é fundamental acabar com a estaR

naçao, o subdesenvolvimento em que jazia o Estado, e fazer

surgir o "Maranhão Novo", construído com a participação de

todos e trazendo a todos uma melhoria de vida. Para a cons

trução desse "Maranhão Novo" a escola lrla contribuir na pr~

paração dos "recursos humanos necessarlOS.

Para desenvolver o nosso trabalho e, assim, obter res

postas às questões anteriormente levantadas, procuraremos,

inicialmente, caracterizar a conj~ntura maranhense dos anos

60. Abordaremos os aspectos econômicos, demográficos, educa

cionais e políticos daquela década. Num segundo capítulo ana

lizaremos o projeto "João de Barro", situando-o no plano g~

ral de Governo de Josê Sarney, e procurando enfatizar os as

pectos que o relacionam ao Movimento de Educação de Base e a

Campanha de pê no Chão Também se Aprende a Ler. Finalmente

no último capítulo estudaremos as implicações e as relações

entre o Estado, a educação e a educação popular.

Para estudar o projeto "João de Barro" nos ateremos

fundamentalmente à sua proposta original elaborada, em 1967,

por Maria da Conceição Brenha Raposo, Dayse Magalhães Lobão

e Francisco de Assis Castro Gomes.

Em nossa análise nos limitaremos ao período em que o

projeto foi idealizado e implantado: final dos anos 60. Ap~

saT de apresentarmos a conjuntura do Maranhão do final da dê

cada de 60 detalharemos a realidade de um pequeno povoado i~

teriorano - Bela Vista - em 1981,por duas razões principais:

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lS

a inexistência de descrições pormenorizadas da vida rural ma

ranhense no período em estudo e uma melhor visualização da

realidade para a qual o projeto foi concebíclo.

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16

REFERENCIA BIBLIOGRÃFrcA

1. BRANDÃO, Carlos R. (org.). A questão politica da educa

ç50 popular. São Paulo, Brasi1iense, 1980, p.10.

2 • BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean C1aude. A reprodução

Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1975.

3. ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos

Estado. Lisboa, Editorial Presença, 1970.

4. BERGER, Manfredo. Educação e dependência. São Paulo

DIFEL, 1976.

do

5. BAUDELOT, C. e ESTABLET, R. L'école capitalista en Fran

ce~ Paris~ Maspero, 1974.

6. ROSSI, Wagner Gonçalves. pedagogia do trabalho. São Pau

lo, Ed. Moraes, 1981, p.87.

7. WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Apontamentos sobre educação

popular. In: VALLE, E. e outros. A cultura do povo.São

Paulo, Cortez/Moraes e EDUC. 1981, p.7l.

8. MARANHÃO. O Projeto João de Barro. Secretaria de Educa

ção, mimeo, s.d.

9. BOMENY, Helena Maria Bousquet. Paraiso tropical. A Te~

no1ogia do Civismo na TV do Maranhão. Rio de Janeiro,

Achiamé, 1981; ANDRf, Marli E1iza Da1mazo Afonso de

(coord.) Proposta pedagógica da Fundação Maranhense de

Televisão Educativa. Introdução da Tecnologia Educaci~

nal no Brasil. Departamento de Educação, PUC/Rio, dez.

1980, mimeo; OLIVEIRA, João Batista e outros. A análi

se econômica da TVE do Maranhão. Rio de Janeiro, Asso ciação Brasileira de Teleducação, fev. 1977 (Estudos e

Pesquisas, 1).

10. PIOTTE, Jean Marc. O pensamento politico de Gramsci. Por

to, Edições Afrontamento, 1975, p.~82.

Page 19: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

17

11. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a politiaa e o Estado mo

derno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978 ,

P .14 5 .

12. CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento­

Brasil: JK-JQ. Rio de Janeiro, Paz e Terra, Za ed.1978,

p. lZ5.

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CAPrTULO I

O MARANHÃO: SUA REALIDADE NOS ANOS 60

INTRODUÇÃO

A reàlidade é sempre um todo, um todo dinâmico, estr~

turado e qualquer fato determinado desta realidade só assume

um sentido no conhecimento do lugar que ocupa na totalidade l .

Apesar desta totalidade, que o real sempre apresenta, iremos

abordar a realidade maranhense do~ anos 60 sequencialmente ,

iniciando pelo aspecto econômico para concluir pelo poli

tico.

ECONOMIA

Inicialmente, um pouco de história. Até os anos 50, a

característica fundamental da economia do Maranhão,quanto ao

sistema produtivo, era ser um sistema voltado para fora, ex

portador, bem evidenciado pelo peso das culturas de exporta­

ção, principalmente do algodão (61%), sobre o total da prod~

ção do setor primário. A par desta predominância, típica da

tradicional e característica monocultura estadual, pesavam,

também, com pETcentuais baixos, a pecuária e a indústria tê~

til. Entretanto, na década de 1950, vai-se acentuando a de

composição do parque têxtil pela queda da qualidade da prod~

ção algodoeira e, sobretudo, pela ineficiência tecnológica e

18

Page 21: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

19

- . economlca dos equipamentos. A maioria desses equipamentos

foi implantada na década de 1890, sendo que os empresários os

mantiveram obsoletos, preferindo aplicar os· lucros obtidos

em inversões imobiliárias no sul do país2. Como consequência

da decomposição do parque têxtil, a agricultura abandonou

paulatinamente, o plantio de algodão; os gêneros de subsis

tência, principalmente o arroz e o extrativismo (babaçu e

peixe) aumentaram coüsideravelmente o seu peso na produção

do setor primário.

Dois fatos ocorridos na década de 1950 influenciaram

decisivamente o processo de mudanças acentuadas na economia

do Maranhão:

a) a alteração no sistema viário, e,

b) as migrações nordestinas.

Até a década de 50, o sistema de transportes do Esta

do era integrado preponderantemente .' pela navegação fluvial e

costeira em embarcações de pequeno e médio portes, em grande

parte não-motorizadas, e pela fer~ovia São Luís-Teresina que,

com seus 467 km., servia à região produtora, principalmente

de algodão, do vale' do Itapecurú. Os grandes rios maranhen

ses -- Itapecurú, Mearim, Pindaré -- navegáveis em grande e~

tensão, convergindo para São Luís e desaguando nas bacias

que rodeiam a ilha do mesmo nome, favoreciam o comando das a

tividades comerciais do Estado pela Capital, enquanto nao

dispunha o Maranhão de vias terrestres que o interligassem ao

Nordeste e ao Centro-Sul.

Na década de 50 a construção das rodovias federais de

interligação regional permitiu estabelecer os grandes eixos

viários que alteraram profundamente, não apenas o sistema. de

transportes, mas também a ocupação do espaço. As grandes ro

dovias abertas nesta época foram: a ligação São Luís-Teresi­

na, o trecho Peritoró-Pindaré da rodovia São Luís-Belém, o

trecho Caxuxa-Dom Pedro da rodovia São Luís-Porto Franco e a

Belém-Brasília no trecho do território maranhense.

Page 22: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

20

Estes eixos viários complementados posteriormente por

estradas estaduais e vicinais, modificaram por completo o

perfil do sistema de transportes reduzindo-5ubstancialmente

a utilização da via fluvial, retirando de São Luís ~ comando

da vida econômica estadual, diversificando os centros de co

mercialização, facilitando o escoamento da produção agrícola

e reduzindo a utilização da via marítima nas exportações e

importações estaduais.

A grande seca que assolou o Nordeste em 1958 trouxe

ao Maranhão um considerável contingente de migrantes nordes­

tinos. Fundamentalmente foram três as causas que atraiam os

flagelados ao Maranhão para nele se estabelecer: a derrocada

da borracha na Amazônia, região para a qual até então se de~

tinavam; a abertura de rodovias que facilitava a

no Maranhão,· e, as terras devolutas existentes no

(mais de 15 milhões de hectares) .

penetração

Estado

A confrontação dos resultados dos censos demográficos

de 1950 e 1960 permite aquilatar? volume de migrantes que

na década de 1950 se estabeleceram no Maranhão. Em 1950, do

total da população do Estado,1.583.165 habitantes,10,3% eram

não-maranhenses ou 162.977 pessoas. Já em 1960, 18,2% do to

tal da população de 2.477.311 habitantes era constituida por

migrantes, ou. 451.484 pessoas. Em outras palavras, de 1950

a 1960 entraram no Maranhão nada menos do que 288.507 pesso­

as, principalmente nos dois filtimos anos da década. Destes

97,5% eram procedentes do Nordeste. Estes migrantes foram o

cupando, gradativamente, as frentes pioneiras, tornando pr~

dutivas as terras devolutas da margem esquerda do rio Itape­

curu e, posteriormente, ocupando os vales do Mearim,Pindaré,

Turi e Tocàntins.

As consequências da conjugação destes dois fatores

abertura de estradas e migrações, não se fizeram esperar. O

correu o rompimento da rigidez fundiária e, também, o monop~

1io comercial até então exercido pelos magnatas da Praia

Grande - área de São Luís onde se localizavam as firmas de

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21

comércio exportador-importador -- começou a se esfacelar. A

tradicional indústria têxtil começou a arruinar-se, entre

outras causas, devido i concorrência dos artigos trazidos

para o Estado, por via rodoviária, de outras regiões

triais do País.

indus

Em síntese, na década de 1950,0 Maranhão assistiu:

- ao declínio da produção do setor secundário;

à quebra da rigidez do fator terra na ocupaçao de areas

devolutas;

- ã ampliação das fronteiras agrícolas;

- à diversificação da atividade comercial;

- ao decréscimo da importância, inclusive de São Luís,~m

benefício de outros centros de crescimento mais dinâ

mico;

- ao crescimento extraordinário da força de trabalho etc.

O resultado destas alterações se evidencia na eleva

çao da renda per capita que em 1962, segundo dados do Censo

Econ6mico do IBGE, chegou a Cr$ 3]4,10 com um aumento de

67,3% sobre o de 1957, o que representa um acréscimo anual

de 13,45%. Este feito extraordinário deve ser atribuído, qu~

se que exclusivamente à expansão agrícola devido, em grande

parte, aos migrantes nordestinos.

O rítmo migratório para o Estado começou a declinar

a partir de 1962, o que implicou num menor avanço sobre as

terras virgens de maior produtividade. Os resultados não se

fizeram esperar. Em 1967, a renda per capital foi Cr$ 306,10

o que equivale a um decréscimo de 16% sobre o nível de 1962.

O comportamento da economia maranhense, no período

1947-1967, salvo no curto espaço de 1958-62, não apresenta

sintomas de dinamicidade. Ao longo deste vinte anos a renda - . per capital elevou-se apenas 35,1%, com um acreSClmo anual

médio de 1,76%, muito inferior à média do crescimento demo

gráfico no mesmo período (3,8%).

Page 24: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

22

Bastante ilustrativo, para dar uma idéia geral da eco

nomia do Maranhão em 1970, é a tabela abaixo.

ESTADO DO MARANHAO

TABELA I - PESSOAL OCUPADO E RENDA GERADA NOS SETORES DA

ECONOMIA - 1970

SETORES

PRIMÁRIO

Pessoal ocupado Valor da produção (Em cr$)

:)

SECUNDÁRIO

Pessoal ocupado Valor agregado (Em Cr$)

TERCIÁRIO

Pessoal ocupado Receita (Em Cr$)

TOTAL

Pessoal ocupado Renda gerada (Em Cr$)

863.900 478.866.900

49.184 87.918.500

164.076 447.995.500

1.077.160 1.014.780.400

%

80 ,1 47 ,4

4,5 8,4

15,4 44,3

100,0 100,0

FONTES: BRASIL - IBGE. Censos Demogrâfico/Agropecuârio/Indu~ tria1/Serviços. 1970.

Sobressai, de imediato, a irrelevância do setor secun

dârio. Esta irrelevância é manifesta tanto pelo número de

pessoas ocupadas no Estado, quanto pelo valor da riqueza g~

rada: somente 8,4% da renda total do Estado . .

O Plano de Governo para o período 1971/1974, ao fazer

a ana!ise do setor industrial da economia maranhense, aSSlm

o descreve:

Page 25: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

23

"O quadro da indústria, no Maranhão, é forçosamente li mitado, restrito, resumindo-se a unidades beneficiado ~ ras da produção agrícola, pequenas empresas semi-artesa nais e apenas poucas grandes indústrias de beneficiamen to ou transformação, basicamente voltadas para a produ ção de bens semi-elaborados .. 3 • -

Esta fragilidade se deve, em grande parte,ao fato da

concentração do valor produzido pela indústria de transform~

ção em uns poucos produtos. Assim, até a década de 60, a in

dústria t~xtil concorria com 51,3% do valor produzido, e, d~

pois, nos anos 60 foi a vez da indústria de óleos responsabi

lizar-se por 50,7% deste valor. Nesta indústria de óleos, a

principal matéria prima utilizada era o babaçu, para o qual

se desconhecia, no entanto, uma técnica adequada que possib!

litasse o fabrico de óleo alimentar capaz de competir,na pr~

fer~ncia do·público, com os de outra origem.

Acrescente-se a este quadro restrito da indústria,ai~

da a baixa renda per capital da população, em torno de Cr$

340,00 (trezentos e quarenta cruzeiros) agravada pela má dis

tribuiçãoda renda que limita o j~ escasso mercado urbano, a

marginalização da população rural do mercado consumidor e t~

remos um cenário adequado ao não surgimento de um mercado

para os produtos industriais. São eles, portanto, exportados

na depend~ncia total de oscilação dos preços do mercado.

A industrialização do Estado só toma um certo alento

a partir de 1966, devido ao esforço do Governo José Sarney

em dotar o Estado de uma infra-estrutura que possibilitasse

a implantação de grandes projetos industriais. Neste sentido,

uma das primeiras providências foi dotar o Estado do necessa

rio potencial energético. Mas só a partir de 1970 e que pa~

te do Maranhão começou a ser servida pela energia gerada pela

hidroelétrica de Boa Esperança.

O setor terciário, por sua vez, apesar de sua lmpo~

tante participação na renda do Estado, concorre de forma tí

mida na absorção de mão-de-obra. Apenas 15,4% da população ~

Page 26: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

24

cupada exercia atividades relacionadas ao setor terciário.

Dos diversos ramos de atividade deste setor sobressaem, como

mais importantes no emprego de mão-de-obra-;. o comércio e os

serviços propriamente ditos.

Não apenas pelo volume do valor produzido mas sobret~

do por sua importância na absorção de mão-de-obra, ocupa a

agricultura um papel de destaque na realidade maranhense.

Por sua vez, a história agrária do Maranhão do século . xx se confunde ,em boa medida, com a história da ocupação do

seu território a partir dos anos 50. Antes, excluídos os p~

ríodos áureos do algodão dos séculos XVIII e XIX, a economia

do Estado permaneceu estagnada. A partir dos anos 20, com a

derrocada da borracha na Amazônia, os migrantes nordestinos

procuram as.terras virgens do Maranhão. Este fluxo migrat~

rio se intensifica após 1945 e atinge seu ápice com a seca

de 1958 como já haviamos dito. Com estes movimentos migrat~

rios se inicia, no Maranhão, uma economia de pequenos produ­

tores posseiros,predominando a pr?dução para a subsist~ncia.

Como a abundância das terras era uma constante sua ocupaçao

se processou por métodos extremamente predatórios. -As

eram constituídas a partir da destruição da floresta

fogo. Nelas plantava-se feijão, arroz, milho e mandioca

roças

pelo

du

rante dois ou, no máximo, tr~s anos e, depois, voltava-se a

destruir novas florestas para preparar novas roças.

Apesar de, inicialmente, estas culturas estarem com

prometidas com a subsist~ncia, sua vinculação crescente com

o mercado vai tornando a economia, em parte, mercantil prl~

cipalmente através do arroz. Os intermedi~rios interessados

no arroz adiantam aos pos~eiros determinadas mercadorias,con

tra o direito de comprar toda a produção ou mesmo comprando­

a "na folha". E redundante lembrar que, nessas condições,

os preços pagos aos posseiros por seus produtos ficavam mUl

to aquem dos mínimos definidos pelos órgãos oficiais comp~

tentes.

Page 27: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

15

Gradativamente, entretanto, vai-se substituindo a

mercantilização dos produtos da terra pela mercantilização da

própria terra. Aos poucos, os posseiros das. áreas mais anti

gas, já desmatadas, vão sendo expulsos para liberar a terra

para0 capital. Os expulsos tentam se reestabelecer, atrav6s

de novas posses, em terras novas mais distantes, ampliando

assim as fronteiras agrícolas. E o processo de aproprlaçao

privada das terras, conhecido como grilagem, que sempre en

volve os interesses do capital contra o d9s pequenos traba -

lhadores rurais sem terra. Esta apropriação vai assumindo,

paulatinamente, um caráter especulativo. E nestas condições

quanto mais limpas as terras, sobretudo de posseiros ,mais va

lorizadas se tornam.

"O interesse maior dos proprietários não reside na pro dução agrícola em sí, mas na possibilidade de se utill zar do trabalho dos pequenos arrendatários como uma for ma barata, ou quase gratuita, para desmatar o terreno e formar pastos para colocar gado. Mais do que renda-pro duto, interessa-lhes a renda-trabalho"4. -

E quase desnecessário afirmar que este processo de

grilagem não se realiza pacificamente. Os confrontos entre os do

nos do capital e os posseiros são frequentes, como veremos a

diante.

Mas como se apresentava a agricultura no Maranhão ao

final da d6cada de 60? Pela Tabela I, podemos deduzir que a

produtividade, por pessoa ocupada, era muito baixa.Basta ver

que enquanto 80,1% da população ocupada exercia suas ativida

des na agricultura ela só concorria com 47,4% da renda do Es

tado. Duas as causas principais concorrem para esta baixa

produtividade: o próprio sistema de propriedade da terra e

os processos artesanais utilizados nas lavouras. Podemos,ta~.

vez, acrescentar mais uma terceira, responsável por boa par­

te da perda das safras: a insuficiência de um sistema viário

para o escoamento da produção.

Conforme o Censo Agropecuário de 1970. havia no Mara

nhão naquela ano 396.761 estabelecimentos agrícolas assim

Page 28: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

26

distribuídos quanto ã condição legal das terras ocupadas:

- Próprias

- Arrendadas

- Ocupadas

- Próprias e arrendadas

- Próprias e ocupadas

- Arrendadas e ocupadas

46.943

153.809

190.413

802

845

949

Quanto ã condição do responsável pela área cultivada . a situação era a seguinte:

- Proprietários (cultivavam) 7.101.383 ha

- Arrendatários (cultivavam) 357.458 ha

- Ocupantes (cultivavam) 1.070.605 ha

- Administradores (cultivavam) 2.265.466 ha

Confrontando-se os dados referentes a condição legal

das terras ocupadas com os das áreas cultivadas,chegamos as

seguintes conclusões:

a) Os 11% dos estabelecimentos que ocupam terras pr~

prias cultivam 65% do total das terras cultivadas

do Estado;

b) ~nquanto 48% dos estabelecimentos como meros ocu

pantes das terras cultivavam apenas 9% do total de

terras cultivadas.

As grandes propriedades, em número reduzido e na maior

parte improdutivas, contrapõem-se ã situação instável dos p~

quenos lotes apenas ocupados por trabalhadores agrícolas sem

a posse da terra. Esta realidade é a grande responsável pela

baixa produtividade da agricultura no Maranhão. Aliás,

"E nisso que consiste essencialmente a nossa questão agrária: ( ... ) que a grande maioria da propulação rural brasileira,a sua quase totalidade,com exclusão unica mente de uma pequena minoria de grandes proprietários e fazendeiros, embora ligados ã terra é obrigada a nela exercer sua atividade e tirando daí seu sustento,se en contra privada da livre disposição da mesma terra em quantidade que baste para lhe assegurar um nível adequa do de subsistência.Vê-se assim forçada a exercer sua

Page 29: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

27

atividade em proveito de empreendimentos agromercantis de iniciativa daquela mesma minoria privilegiada que de tém o monopólio virtual da terra"s.

A segunda causa é praticamente uma consequência da

primeira. Em 1970, existiam no Maranhão 168 tratores, em 112

propriedades. Em 93 propriedades, havia 114 arados de tração

animal e em 60 propriedades, 87 de tração mecânica. Também

93 propriedades possuiam 66 colhedeiras. Em todo o Estado do

Maranhão havia, em 1970, 46 silos com capacidade de armazena ,

mento de 2.057 toneladas e 63.810 depósitos de 2.083.095

metros cúbicos.

VIOLENCIA NA ZONA RURAL

Às causas da baixa produtividade descritos, deve-se

acrescentar ainda o clima de intranquilidade que vai asso

lando aos poucos grande parte do interior maranhense. Na dé

cada de 60 o isolamento de São Luís em relação ao interiordo

Estado era muito grande. Entretan!o, apesar deste isolamento,

eram frequentes as denúncias publicadas em jornais da cap~

tal sobre o clima de instabilidade e terror que atingia gra~

desáreas interioranas. Vejamos apenas algumas manchetes p~

b1icadas pelos jornais de 1968 (ano da implantação do Proje­

to "João de Barro", como veremos mais adiante):

"O IMPARCIAL"

16.07.68 - "Orientação deturpada cria conflito entre

lavradores". A matéria fala sobre líde

res camponeses que teriam orientado la

vradores a se apoderarem de terras.

26.07.68 - "Presidente de Sindicato, em depoimento:po

lícia atirou-me um balaço no pé". Relata

o depoimento do presidente do sindicato

dos trabalhadores rurais de Pindaré.

Page 30: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

28

27.07.68 - "Polícia foi injusta com Manoel da Concei

çâo: Tenho dois filhos e estou sem um pé".

Depoimento do camponês Manoel da Concei

ção,relatando sua prisão.

JORNAL PEQUENO

10.07.68 - " Grilagem no Vale do Grajaú". São citados

os nomes de grileiros ~ problemas com cer

cas no município de Pio XII.

20.07.68 - "Em pânico a população de Pindaré e Santa

Inês". A \.-ausa: o dono de grandes exten

sões de terra ameaça vendê-las e o novo

proprietário pretende expulsar os possei

ros nelas residentes.

23.07.68 - "Truculências Policiais". Narra arbitrarie

dades policiais sofridas por Manoel da

Conceição.

24.07.68 - "Retrocesso ou Feudalismo". Narra arbitra­

riedades cometidas em Imperatriz, Santa

Luzia e Pindaré contra trabalhadores ru

rais.

15.08.68 - "Terrorismo invade o Vale do Pindaré". Tex

tualmente se lê no noticiário;" a pers~

guição a humildes lavradores na região do

Pindarê vem se intensificando nos últimos

dias ... "

JORNAL DO MARANHÃO

21.04.68 - "O trabalhador rural em situação de abando

no".

Page 31: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

29

16.06.68 - "Campanha pede Justiça Rural".

28.07.68 "Clero denuncia injustiça e violências p~

liciais contra campesinós".

15.12.68 - "Pressões dos donos de terra e o maior obs

táculo ã reforma agrária".

Estas denúncias através dos meios de comunicação de

massa não são características exclusivas daquele ano. Nos

dias de hoje,parece que a situação se encontra agravada,se a

julgamos pelas notícias publicadas pelos jornais, por exem

pIo, durante alguns dias de f~vereiro de 1980:

o JORNAL

28.02.80 "Lavradores de Santa Luzia pedem garantia

de vida". O motivo de s ta petição seriam as

arbitrariedades policiais comandadas pelo

delegado contr~ os lavradores.

29.02.80 - "Sindicatos denunciam discriminação no cam

po". Esta discriminação se verificaria a

todos os níveis em benefício dos grandes

proprietários.

O IMPARCIAL

26.02.80 - "Grileiros ameaçam família em Turiaçu".

26.02.80 - "400 famílias despejadas".

27.02.80 - "Agrimensor da COTERMA apóia grilagem no

Maranhão". Um funcionário da Companhia de

Colonização e Terras do Maranhão estaria

beneficiando grileiros no município de

Paulo Ramos.

27.02.80 - "Igreja e Problemas da Terra".

28.02.80- "Político de Grajaú nega ser grileiro".

Page 32: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

30

ESTADO DO MARANHÃO

26.02.80 - "Falam mais Alto".

E apontada a estrutura fundiária e nao a

seca como causa da miséria do campo.

DIÁRIO DO POVO

26. O 2.80 - "Povo enfrenta jagunço que queria matar sin

dicalista". E contada a reaçao popular

contra jagunços que tentam matar um sin

dicalista rural em Santa Luzia.

26.02.80 - "Canoa destruída por fazendeiro de Coroa

tã".

A causa principal desta violência que se instalou na

zona rural foi a gradativa transformação da terra em mercado

ria e mercadoria cada vez mais cobiçada.

"A transformação da terra em mercadoria -- ou, em âmbi to mais geral, a metamorfose da natureza em história ~ não é um processo pacífico. Ele envolve tanto a violên­cia dos homens contra a natureza como dos homens entre si"6.

O processo de aproprlaçao privada e legitimada da te~

ra foi o fator que provocou o desenvolvimento de pendências

e disputas, ou tensões e conflitos em quase todo o interior

maranhense. Estas tensões e conflitos pelas terras fazem a

gravar e explodir as contradições entre os posseiros, grilei

ros e fazendeiros,

"Contradições essas que envolvem varlas modalidades de violência: tanto a violência privada, praLicada por pis toleiros ou jagunços a mando de grileiros e fazendeiros, como a violência estatal, legitimada, praticada por po liciais, ou outros segmentos do poder público. Em geral, a grilagem ~póia-se na violência privada;mas com fr~ quencia ela põe em ação também a violência estatal. Em certas ocasiões, as duas modalidades de violência sao postas em ação por grileiros e fazendeiros, a fim de a celerar a apropriação privada da terra, a fim de acele

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31

rar a metamorfose da terra em mercadoria, segundo as e xigências da acumulação do capital"7.

Nada mais eloquente, neste sentido, -do que o depoime!!.

to de quem sofreu na própria pele os resultados da metamorfo

se da natureza em história. Falando sobre o gado que invade

as roças:

"Se o camponês matasse o gado, ele estava sujeito a pa gar esse gado e ainda ser preso. Foi aí que o zé Bezer~ ra massacrou muitos camponeses, porque eles não tinham como pagar o gado. zé Bezerra mandava seus jagunços.Che gavam lá e o que encontravam de mobília de casa -- que vem desde os potes -- botavam no carro e iam levando. O que não dava dinheiro nenhum, eles quebravam. Depois to cavam fogo no resto da casa e levavam o camponês preso~ Muita gente ficou sofrida desse jeito"s.

"

E ainda, a polícia, quando chegou, nao conversou:

Quem é que tá nessa organização?

- Sou eu.

O senhor saia aquI para falar com nos. E nao bole . -nInguem.

E eu vi todo mundo de braço cruzado. Não podia mesmo bolir, porque as armas estavam em cima. Ora eu já sabendo do massacre de Pirapemas - lá nin guém se boliu e a polícia fez fogo, só porque ninguém se rendeu ... Sabendo também lá do Bacabal do Mearim: o pessoal ninguém se boliu e porque não se rendeu a po lícia meteu fogo ... O que eu vou fazer? Ou 'vou sair da qui e morrer sozinho ou vão matar a massa, se eu fi car aqui dentro. Não tinha alternativa. Fui saindo Foi chegar na porta e fogo! Deram cento e tantos ti ros,,9.

Estes fatos ocorreram em meados de 1968. De lá para

ca, a atração e a cobiça pelas terras do Maranhão se intensi

ficaram, sobretudo pela chegada de grandes grupos do sul do

'país, trazendo como consequência o acirramento de tensões e

conflitos. Consequência normal da expansão capitalista pois,

"0 processo que cria o sistema capitalista consiste ape nas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produ ção e converte em assalariados os produtores diretos"l-C:

Page 34: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

32

Esta retirada nunca se processa pacificamente e tem

como produto vencedores e vencidos. Os vitoriosos se trans

formam em propriet~rios de terras, latifundi~rios, pecuari!

tas, capitalistas. E os vencidos? São pessoas que, daí por

diante, só dispõem "livremente" de sua força de trabalho.Mas

aonde vendê-la, se todas as terras estão ocupadas esendo de!

tinadas para a pecu~ria pouco empregadora de mão-de-obra? O

destino ~ rumar, inicialmente, para a periferia das pequenas

cidades mais próximas, depois para outras 'maiores e, final

mente, para o Rio e São Paulo inchando cada vez mais as suas

favelas e periferias.

CONDIÇOES HABITACIONAIS

Os reflexos de uma economia desarticulada se evidenci

am em todos os níveis. Mas ~ sobretudo nas condições habita

cionais que esta precaridade se mostra mais gritante.Atrav~s

do Censo Demogr~fico de 1970, podemos ter uma id~ia das con

dições de moradia de grande parcela da população do Maranhão.

Em 1970, viviam no Maranhão 2.992.686 pessoas residin

do em 570.593 domicílios. Destes, apenas 5,72%, ou seja,

32.661 eram abastecidos de ~gua pela rede geral. Somente

35.592 domicílios, 6,23% do total, consumiam luz elétrica. O

número de domicílios cujas instalações sanit~rias estavam li

gadas ã rede geral de esgotos era de 5.336 ou 0,93%. 8.827

(1,54%) domicílios possuiam fossa s~ptica e 70.752 (12,39%)

possuiam fossa rudimentar. Havia, portanto, em 1970 no Mara

nhão, nada menos que 85,14% dos domicílios sem instalações

sanitárias. O fogão ã gás era utilizado em 43.197 domicilios

(7,57%): somente 19.348 domicílios (3,39%) possuiam geladei

ra.

Se sao dramáticas as deficiências no-tocante ã dispo­

sição das condições fundamentais de habitabilidade: ~gua, es

goto,iluminação,a caracterização física dos domicílios a

grava ainda mais essas deficiências: em 1970, mais da metade

Page 35: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

33

dos domicílios recenseados no Estado tinha apenas um dormitó

rio, para uma m~dia de 5,2 pessoas por domicilio. Somando-se

os domicilios de um e dois dormitórios, obiinham-se 87% do

total de domicilios do Estado.

o "Levantamento Sócio-Econ6mico da Cidade de São Lui~'

realizado pelo Departamento Estadual de Estatistica em 1969,

apresenta os seguintes dados: 53% das unidades domiciliares

do centro urbano de São Luis eram construídas de taipa, 35% I

com piso de soque e 27% cobertos de palha. Existiam, no ano

do levantamento, 7.000 sub-habitações ou barracos de palha

erguidos sobre estacas em áreas alagadiças às margens dos

rlOS que banham a cidade.

SAODE

o reflexo das precárias condições domiciliares exis

tentes se faz sentir na saúde da população. A quase inexis -

tência de água tratada para consu~ir, de instalações sanitá­

rias para usar e de abrigos para se proteger tornam quase

normal a ocorrência de 113 óbitos de crianças de menos de um

ano para cada mil nascidas vivas em São Luís no ano de 1968,

conforme dados oficiais fornecidos pelo Departamento Estadu­

al de Estatística. Quanto à taxa de mortalidade infantil pa

ra todo o Estado ~ impossível defini-la por falta de dados

confiáveis mas, ao certo, seu índice ~ bem superior ao de

São Luís.

Ãs precárias condições domiciliares acrescentam-se p~

co numerosas e deficientes instalações hospitalares existen

tes no.Maranhão. Existiam, em 1968, 30 hospitais, 4 materni­

dades, 12 ambulatórios, 13 postos de saúde, 3 pronto-socor

ros e 13 outros estabelecimentos para-hospitalares, segundo

dados do IBGE. A maioria destes estabelecimentos funcionavam

em São Luís: do total de 1.555 leitos hospitalares existen

tes no Estado, 1.170, ou seja, 75% estavam nos hospitais da

Capital e somente 3SS nos do interior. Isto dá a diminuta

Page 36: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

34

proporçao de um leito para cada 10.000 habitantes, no inte

rior do Estado, e em São Luís, 54 leitos para cada 10.000

dos seus habitantes.

Quanto aos profissionais da saúde, existiam no Mara

nhão, em 1968, sempre segundo dados do IBGE, 330 médicos,158

odontélogos e 87 enfermeiras diplomadas, a maioria deles

exercendo suas atividades em São Luís. No interior,apenas 11

municípios contavam com médicos.

EDUCAÇÃO

A desorganização de espaço econômico, segundo Bandei

ra Tribuzi, não se reflete apenas na saúde e moradia da pop~

lação, mas, se evidencia também na educação ll•

Em 1968, existiam 4.698 unidades escolares frequenta­

das por 310.367 alunos matriculados no ensino primário.Desse

total de unidades escolares, nada menos de 3.929, ou seja

mais de 83%, pertenciam ã rede municipal e, sua quase totali

dade, 96,7%, estavam localizadas na zona rural. Mas não se

pode concluir que a população rural estivesse melhor assisti

da pelo sistema educacional que a urbana. Do total de alunos

matriculados, 135.511 residiam na zona urbana e 171.894 na

rural. Em outras palavras: do total de alunos matriculados,

56% era da zona rural. Ora, proporcionalmente este percentu­

al é muito baixo pois 75% do total da população residia na

zona rural.

Considerando-se a faixa etária de 7 a 11 anos, havia

no Estado, em 1968, um total de 508.000 menores que obrigat~

riamente deveriam cursar o ensino primário. Entretanto,deste

total apenas 174.379, ou 34,2%, frequentavam a escola. Logo,

sobre o total dos alunos matriculados apenas 56,1% estavam

na faixa etária adequada ao curso que fre9uentava. Havia, pois,_

um elevado contingente de crianças que não frequentava nenhu

ma escola. As causas apontadas para a não-escolaridade deste

Page 37: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

35

elevado número sao apresentadas na tabela abaixo.

ESTADO DO MARANHÃO

TABELA 11 - CAUSAS ALEGADAS DE NÃO-ESCOLARIDADE - 1964

CAUSAS DE NÃO-ESCOLARIDADE 1 TOTAL

!Abso1uta I URBANA RURAL

o ó

Deficiência física ou mental 3.143 1,1 738 2.405 . Falta de escola ou vaga 162.922 59,2 87.871 159.926

Conclusão do - - - 1.434 0,5 219 1.215 curso prImarIo

Por trabalho 18.147 6,6 1.325 16.822

Por pobreza 48.277 17,5 5.605 42.672

Por outro motivo 35.120 12,8 5. 768 29.352

Não declarou 6.181 2,3 1.477 4. 704

T O T A L 275. 224 1 100,01 18. 128 1 257.096

FONTE: MARANHÃO - Plano de Governo 1971/74. p.l07.

Diante desta tabela,era o seguinte o diagnóstico do

Plano de Governo 1971/74:

"O déficit no ensino primário não é, como se verifica, devido somente ã falta de escolas.Outros fatores de mais difícil e lento controle interferem para sua existência. O problema aí escapa, em sua maior parte, ã área da edu cação e se situa no âmago do com~lexo sócio-econômico dõ desenvolvimento"12.

E interessante observar que os elaboradores do Plano

em vez de se aterem a causa principal da não-escolarização :

falta de escolas pu vagas, parece que a minimizam, remetendo

esta situação ao "âmago do complexo sócio-econômico do sub

desenvolvimento".

Sobre os dados da Tabela 11 vale r~ssaltar o peso da

área rural no número de causas alegadas de não-escolaridade:

93,4% do total. E digno, também, de nota a elevada incidên

cia do fator pobreza entre os motivos da não frequência ã es

Page 38: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

36

cola. Este fator é proporcionalmente maior nas areas urbanas

do que nas rurais. A explicação provável é que a frequência

à escola em cidades implica uma série de dispêndios com rel~

ção ao vestuário, transporte etc., que já não ocorre com tan

ta intensidade no meio rural. Por outro lado, no melO rural

dificuldades como: as grandes distâncias até a escola, a fal

ta de escolas, a necessidade de trabalhar etc., são as cau

sas comuns da não-escolaridade.

o corpo docente do ensino primário do Estado,em 1968,

era de 9.136 professores. Deste total, apenas 26,3%,ou 2.401,

eram normalistas. Destas normalistas, nada menos que

exerciam suas atividades em São Luís.

1.000

Na análise dos diversos aspectos da estrutura do ensi

no primarlo- 'do Estado, cabe ainda fazer menção ao total de

alunos que, em tempo normal, alcança a terceira série -- li

mite fixado porque a duração do curso primário da malorla

das escolas da zona rural geralmente só vai até a terceira

série do curso primário. Assim:

la série - 1965 - 109.763 alunos

2a série - 1966 - 30.799 alunos

3a série - 1967 - 29.970 alunos

Logo, dos alunos que iniciaram em 1965 a primeira se

rie, apenas 27,1% conseguiam alcançar a terceira. Estes da

dos nos dão uma idéia do elevado índice de evasão e lou rep~

tência, evidenciando o ponto de estrangulamento em que se a

chava a base do sistema educacional do Maranhão.

A realidade do ensino médio não diferenciava muito da

do ensino primário. Tomando-se como fonte o Anuário Estatís­

tico do Brasil, em 1967 o ensino médio compreendia, no Mara

nhão, 131 cursos. Destes 86 eram a nível ginasial e 45 a ní

vel colegial. Dos cursos ginasiais, 80 eram da rede particu­

lar e apenas 6 da pública: 2 da federal, 3 da estadual e 1

da municipal. A participação majoritária da iniciativa parti

cular repete-se a nível colegial: 38 da particular, 1 da fe

Page 39: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

37

deral, 4 da estadual e 2 da municipal, evidenciando o desca

so do Estado, até aquele ano, em relação ao ensino médio.

Em 1967, a matrícula inicial nos cursos médios era de

34.965 alunos, dos quais 28.529 no ginasial e 6.437 no cole

gial. Neste mesmo ano, a população do Maranhão na faixa et~

ria de 11 a 21 anos estimada a partir do Censo Demogr~fico

de 1960, era de 760.000 pesspas. Logo, do total de pessoas

que normalmente poderiam frequentar o ensino médio

4,6% o cursavam.

apenas

o corpo docente do ensino médio era constituído por

2.444 professores, sendo 1.710 do ciclo ginasial e 734 do co

legial. Em 1967, com base nos dados do Anu~rio Estatístico,

havia em todo o Estado do Maranhão apenas 409 pessoas porta­

doras de diploma conferido por Faculdade de Filosofia Ci~nci

as e Letras. Apesar de existirem, então, mecanismos outros

para a habilitação, como por exemplo os cursos da CADES, p~

de-se concluir que a grande maioria do professorado de ensi

no médio não possuia a devida habilitação para lecionar.

A evasão e a repetência, apesar de não tão acentuadas

como no ensino primário, mesmo assim apresentavam-se bastan

te elevadas, como se pode ver na Tabela 111.

ESTADO DO MARANHÃO

TABELA rII - TAXA DE CONCLUSÃO DE CURSO NO ENSINO MBDIO

1963-67

MATRrCULA CONCLUSOES I o

ANO I i> I

INICIAL (A) DE CURSOS (B) I (B/A) I

1963 16.948 2.609 15,3

1964 18.213 3.075 16,8

1965 21.907 3.202 14 ,6

1966 27.361 3.575 13, O

1967 34.965 4.668 13,3

FONTE: Anuário Estatístico do Brasil - 1968.

Page 40: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

38

Os seguintes três aspectos: baixíssima taxa de escol~

ridade no ensino m~dio (4,6%), elevada taxa de-repetência e

evasão escolar (em torno de 85%), e, o alto índice de profe~

sores sem a devida habilitação (próximo dos 80%) evidenciam

o impasse em que se encontrava o ensino m~dio no Maranhão.

E o ensino superior? Um dado relevante: em 1970,segu~

do o Censo Demográfico, residiam em todo o Estado do Maranhão

apenas 2.844 pessoas com ensinQ superior completo. Em 1967 ,

havia oito escolas de ensino superior em funcionamento no Ma

ranhão, todas elas em São Luís. A matrícula total, naquele

ano, era de 1.139 alunos. Os percentuais da matrícula por

curso eram os seguintes:

Ciências Econômicas

Direito

Enfermagem

Serviço Social

Filosofia Ciências e Letras (correspondendo os cur sos de Filosofi a, Geografia,História, Le tras e Pedagogia)

Farmácia

Medicina

Odontologia

9 ,7%

17,9%

2,5%

6,3%

28,2%

7,6%

20,5%

7,3%

Naquele mesmo ano, apenas 128 estudantes

concluir os estudos em todos os cursos existentes.

conseguiam

Page 41: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

39

ESTADO DO MARANHÃO

TABELA IV - TAXA DE CONCLUSOES NO ENSINO SUPERIOR-1958-67

MATRTcULA CONCLUSOES ~

ANO o

INICIAL (A) (B) (B/A)

1958 494 83 1 7 , O 1969 558 109 19,5 1960 601 130 21,6 1961 668 132 19,7 1962 697 147 21,0 1963 675 171 25,3 1964 714 120 16,8 1965 807 98 12,1 1966 897 81 9,0 1967 1.139 128 11,2

FONTE: Anuário Estatístico - 1968.

Pela Tabela IV pode-se concluir que a evasao escolar

nao é atributo exclusivo dos ensinos primário e médio. Ocor

re também no ensino superior e co·m índices bem elevados, con

tribuíndo,

" ... entre outros pontos, para a elevação do custo de for mação do aluno, tornando, por conseguinte, altamente im produtivos os investimentos efetuados pelo Poder Públi~ co neste setor"13.

Para um Governo como o de José Sarney, marcado pela

ideologia do desenvolvimentismo e da modernização, como vere

mos mais adiante, em que a educação, fundamentada na teoria

do capital humano, ocupa um lugar de destaque, o quadro que

se apresentava era realmente nada animador. Urgia a implant~

ção de mecanismos capazes de re~uperar esta situação.Foi ne~

ta perspectiva que surgiram os projetos "João de Barro","Ba~

deirante" e "Televisão Educativa" que serao apresentados de

talhadamente no próximo capítulo.

Page 42: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

40

.SITUAÇÃO POLITICA

De 1956 a 1966 o Maranhão foi dominado politicamente

pelo Partido Social Democratico e, neste período, ocorre o

apogeu da liderança de Vitorino Freire no Estado. A identifi

cação do "vi torinismo" com o pessedismo era tal que, na ex

pressão de José de Ribamar Chaves Caldeira apresentavam um

"relacionamento simbiótico" e pOSSUlam "existência

mas" no Maranhão 14•

sinonl

A característica básica do estilo político de Vitori

no Freire era o conservadorismo. Corno consequência, urna es

trutura de estagnação, tanto política quanto econômica, foi

se implantando no Estado. Isto era evidenciado por:

um.contingente de 60% da população não votava por

ser analfabeta;

um diminuto número de instituições e associações o

perantes, tanto no ~eio rural corno no urbano, po~

suia condições de funciopar corno veículo próprio da

reivindicações de parcelas importantes da população;

inexistiam órgãos públicos assistenciais e coopera­

tivos locais, o que formentava a mais variada inte~

mediação do produtor ao consumidor: político-eleitQ

ral, financeira, técnica etc.;

- grande número de lavradores, ocupantes de terras de

volutas, não tinham acesso ao crédito bancario, por

não dispor de instrumentos legais de propriedade da

terra;

- uma geral deficiência na estrutura política-admini~

trativa dos governos municipais;

- a inadequação da máquina adminis tra ti va dOo Governo

Estadual; - a inexistência de planos de desenvolvimento estadu

aI completos e integrados.

Nesta conjuntura, as dificuldades para o exercício da

oposição são quase intranspcníveis. E fréquente a passagem

Page 43: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

.41

de oposicionistas para a situação, mormente a nível munici

paI, como recurso de sobrevivência política. Deste modo, e

o partido do Governo que controla os recursos estratégicos

destinados aos chefes políticos locais, como: subvenções, n~

meações, remoções etc.; e, de certa forma, que mantém o mon~

pólio da violência. E fácil deduzir que a corrupçao campeas­

se. Apenas um exemplo.

"A revolução de sessenta e quatro faria comprovar a e xistência da fraude. A revisão então 'mandada fazer no cadastro eleitoral reduziria o número de eleitores ins critos nas folhas de votação de 497.496 para 291.230 Isto é: desapareceram nada menos de 206.206 fantasmas" 1 5

A ação conjugada de todos estes fatores:1imitada pa~

ticipação da população na vida e organização sociais, estru­

tura políticD-administrativa deficiente, inexistência de pl~

nos de desenvolvimento integrados na região e a fraude e cor

rupçao campeando, freavam o desenvolvimento do Estado.

Em sua "Mensagem à Assembléia Legislativa" apresenta­

da por ocasião da abertura da sessão legislativa de 1966, o

Governador José Sarney assim descrevia a situação existente

no Estado:

"A administração pública no nosso Estado continua presa a padrões antiquados, despreparada para atender is ne cessidades prementes de um programa de desenvolvimento: A criação de novos órgãos sem adequado aparelhamento tem ocasionado apenas a dispersão de recursos,frustrando os fins a que se destinam. Essa desorganização administra­tiva deixa o Governo sem elementos objetivos indispensá veis para a coordenação de suas atividades e o controle dos resultados. O atraso da escrituração do Tesouro, a ausência de elementos estatísticos, a falta de um cadas tro do funcionalismo, as precárias condições materiais das repartições não permitem fazer, nos primeiros meses de Governo; um levantamento exato de situação da admi -nistração pública, que em setores vitais permanece em brionária ou, não raro, ociosa, sem aproveitamento para o Estado .. 16

Foi necessário que ocorress~ uma alteração profunda

no quadro dominante da política nacional para que o Maranhão

vislumbrasse perspectivas de mudança. O movimento armado de

Page 44: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

42

1964 foi quem propiciou esta oportunidade. A nova realidade

daí decorrente ensejou a reaglutinação das forças políticas

e no pleito de novembro de 1965, para governador, saiu vi to

rioso pela oposição, José Sarney, então deputado federal pela

União Democrática Nacional.

Em sua campanha ao Governo do Estado, José Sarney a

presentava um programa sintetizado na expressão "Maranh~o

Novo". Prometia implantar no Estado uma nQva ordem social e

econômica apregoando um futuro melhor pois que o progresso

se estenderia a todos com abundância de oportunidade e a g~

ração de riquezas. "DesenvoJvimento e Modernização" é o binô

mio que traduz as promessas eleitorais de José Sarney.

SINTESE

Para sintetizar este relato sobre a realidade do Mara

nhão nos anos 60 nada melhor do que transcrever trechos de

uma conferência proferida por Bandeira Tribuzi em novembro

de 1970:

"Mas o que é este Maranhão? S o Estado que tem o malor número de analfabetos do Brasil: 74% da população e 70% das crianças em idade escolar estão fora das escolas. O ensino médio é um privilégio e o universitário o seu re quinte.

Com seus privilegiozinhos, o Maranhão tem, também,na Ca mUl

para cada 11

dois

pital, um médico para cada 706 habitantes. S media to boa, porque a média satisfatória é um médico 500. No interior, entretanto, há um médico para mil e, note-se, que só existiam médicos, já com anos do novo governo, em trinta municípios.

Em 1965 só existia médico em 11 municípios, ou seja, vá rias regiões do Estado só viam médico em política. Não tem sequer enfermeira formada. Em todo o Estado a média é a de um médico para 10 mil habitantes: é a pior do Brasil, e, quando digo pior do Brasil, digo: das piores do mundo.

o Maranhão tem menos estradas que o Pi~ui. E o Piaui é o Estado mais pobre do Brasil. No Maranhão não se abri ram estradas, porque abrir estradas é fator de pulveri~ zaçao de latifúndios ... Há uma super-concentração fundiâ

Page 45: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

43

rla no Maranhão. 1.400 proprietários possuem mais ter ras do que ZOO mil pequenos proprietários ... A economia do Maranhão repousava e repousa na agricultura, na p~ cuária e no extrativismo vegetal ... As···estatísticas rev~ Iam que quando uma criança nasce no Maranhão, hoje,deve esperar viver 30 anos, essa é a es~erança de vida ao nascer. A vida média é de 32 anos" 7.

Esta a representação amarga da vida como ela transco~

ria para a grande maioria da população do Maranhão ao final

dos anos 60, principalmente para os pequenos agricultores sem

terra. E esta realidade será o quadro de referência do estu

do que iremos prosseguir.

BELA VISTA

Nesté primeiro capítulo apresentamos alguns aspectos

gerais da realidade do Maranhão ao final da década de 1960 ,

sem entrar em detalhes quanto a vida em pequenos povoados

rurais. Em virtude do Projeto João de Barro, objeto básico

do presente estudo, se destinar e~pecificamente aos povoados

da zona rural acreditamos ser útil relatar alguns aspectos

de sua vida. Para tanto selecionamos o povoado de Bela Vista

e o descreveremos como ele se apresentava em 1981. A partir

desta descrição é possível imaginar como nele transcorria a

vida há 14 anos, quando da implantação do Proj eto João de Bar

ro.

Bela Vista é um povoado de posseiros, situado a l4km.

da cidade de Bacabal que, por sua vez, dista 236 km. de São

Luís ,no vale do Mearim. Este povoado foi fundado em 1959 por

migrantes cearenses para cá tangidos pela seca de 1958.

As 106 casas que constituem o povoado espalham-se ao

longo dos dois lados de uma rua de mais ou menos 300 metros

de comprimento. As casas são de taipa e, em sua maioria, co

bertas de palha; há apenas 12 cobertas d~telha. O solo onde

as casas são construídas não pertence aos donos das mesmas e

sim a fazendeiros. Num dos lados da rua, "bem pr6ximo a uma

Page 46: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

44

das casas, há um piquete indicador de divisa das fazendas.

o povoado . - foi maior atualmente de Ja e o numero casas

nao pode crescer. Há uns cinco anos aproximadamente 30 casas,

situadas em parte de uma das fazendas, foram derrubadas e

seus ocupantes tiveram de abandonar o povoado, porque nao

obtiveram autorização de outros fazendeiros para levantar

suas casas em outro lugar. Quando um filho se casa, abandona

o povoado ou fica morando na casa dos pais. Por isso o núme-. ro de pessoas por residência, em Bela Vista, é muito grande.

Há uma escola municipal com duas salas, três profess~

res e nela funcionam as quatro primeiras séries do primeiro

grau sendo duas pela manhã e duas pela tarde. Quase todas as

crianças em idade escolar a frequentam. Entretanto, havia

neste ano apenas dois meninos naturais de Bela Vista conti­

nuando os estudos em Bacabal na quinta série.

Os depoimentos dos moradores indicam que nao estão sa

tisfeitos com a escola:

- "Passam de ano sem saber".

"Só aprendem a a!:isinar o nome".

"Não tiram uma conta".

- "Não sabem fazer uma carta".

- "Não sabem inventar uma história".

"Conta das quatro espécies, nenhum menino sabe fa

zer".

As causas deste pouco aproveitamento, segundo os ln

formantes, são duas: o despreparo das professoras e a baixa

remuneração das mesmas. Realmente, em 1980, uma professora re

~ebia, por dois turnos de trabalho, Cr$ 576,00 descontado o

INPS, e as três só haviam "cursado a escola até o exame"

isto é, até o antigo exame de admissão.

Todas as famílias do povoado reproduzem sua existên

cia através do trabalho agrícola.Como isto é possível, se nao

tem terra nem para construir suas casas e todas as terras prQ

Page 47: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

4S

ximas se destinam ã crlaçao extensiva de gado?

No periodo de preparação das roças,~ chefe de cada fa

milia vai ã casa dos proprietários de terras e pede autoriz~

ção para cultivar determinada área. De acordo com as suas

possibilidades ele solicita entre 5 a 10 linhas. (Três li

nhas quase equivalem a um hectare). Caso ele seja atendido ,

fica estabelecido que o pagamento, pela utilização da terra

por um ano agricola, será de três alqueires de arroz por li

nha ou seu equivalente em dinheiro na epoca da colheita. Uma

linha dá entre 4 a 12 alqueires de arroz sendo que cada aI

queire equivale a 30 kg.

Acertada a área a ser cultivada e a forma de pagamen­

to, inicia-se o trabalho, com a broca do mato. Quando o mato

brocado (derrubado) está seco e queimado. Nos meses de novem

bro e dezembro é feita a plantação. Os principais produtos

cultivados nesta área são a mandioca, o arroz, o feijão e o

milho. A dominância fica com a mandioca para o fabrico da fa

rinha d'água. Depois de 14 meses ·de plantada a mandioca está

boa de ser arrancada. Por vezes, quando a necessidade aperta,

é arrancada mais cedo. Inicia-se então o processo de fabrica

ção da farinha d'água. Este trabalho tem três momentos bem

distintos e realizados por- grupos de pessoas diferentes.

1 9 • A raspagem - E a tarefa feita sempre por duas mu

lheres. Uma raspa a metade de cada mandioca e

vai passando para a outra que raspa a outra metade: "uma dá

o capote ã outra". Fazem esta troca para sujar o menos poss~

vel a mandioca raspada.

29 • A prensagem - Uma vez raspada o "prenseiro", sem

pre um homem, coloca a mandioca num tanque· com

agua, onde fica submersa por quatro dias. Depois o "prensei­

ro" a retira do tanque e a coloca no banco do "cevador". Ce

var a mandioca é ralá-la; hoje já a ralam num apa~elho movi­

do a motor. Depois de ralada a puba é prensada. Para isto

não é mais usado o tradicional "tipiti",- de origem indigena,

Page 48: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

mas uma engenhoca rudimentar que se aperta aos poucos até

puba ficar mais ou menos seca. Retirada da prensa, a puba

peneirada e esti pronta para ser torrada .. --

46

a -e

3 9 • A torra - O "forneiro", tamb ém es te sempre homem,

pega a puba peneirada e a coloca num amplo tacho

sob o qual hi um fogo não muito intenso (o forno). Durante

mais ou menos uma hora e meia o "forneiro" fica mexendo e re

mexendo a farinha até ficar bem torradinha. Uma vez torrada,

é retirada do "forno" e colocada num depó~ito (coxo) para es

friar; depois de fria e ensacada para ser vendida.

Em Bela Vista existem cinco "casas de forno" para fa

zer farinha d'igua. Os não-proprietários para usarem estas

casas pagam aos donos delas 30 kg. de farinha por cada "ar

ranca". Uma-"arranca Jl é a quantidade de mandioca que normal­

mente três homens arrancam num dia, ou seja, 16 jacás. Um

jacá -- cesta feita de taboca -- quando cheio de mandioca p~

sa 70 kg. Os 16 jacás dão entre 4 e 6 sacos de farinha d'

igua de 60 kg. Uma linha de mandiDca di entre 4 a 6 "arran

cas" .

O arroz, feijão e milho, quando maduros, sao colhidos

e trazidos das roças ao povoado no lombo de pequenos burros,

para serem secados e preparados para o consumo.

Até chegar a colher o produto do seu trabalho os mora

dores de Bela Vista enfrentam uma série de obstáculos. O prl

meiro é encontrar terra onde fazer a roça. Num raio de seis

km. de Bela Vista ê muito difícil encontrar qualquer tipo de

terra para cultivo, pois atualmente so existem fazendas de

criação de gado. Logo, é necessário lr procurar para além

destes.6 km. Outro problema é que os donos das terras, todos

pecuaristas, só esperam que as plantações tenham mais ou me

nos um palmo de aI t.ura para semear capim. Em outras palavras :

o· trabalhador rural sem terra prepara a terra para a sua ro

ça e o dono da terra a ~proveita, uma vez preparada,para se

mear capim para os seus bois.

Page 49: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

47

Ainda outro problema: frequentemente os donos das ter

ras pressionam os trabalhadores a colherem seus produtos an

tes do tempo para poderem soltar seus bois~·Multas vezes nao

ficam só nas pressoes mas soltam efetivamente o gado antes

da colheita ter sido efetuada. Conclusão: "o campones fraco

nada pode contra o fazendeiro rico", segundo o depoimento

de um trabalhador rural sem terra de Bela Vista.

Além destas vicissitudes, há ainda a obrigatoriedade

do pagamento pelo uso da terra independenie de a colheita

ter sido boa ou nao e nenhum proprietário de terras faz con

tratos de uso da terra por mais de um ano.

Page 50: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

48

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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e Terra, 1976, p.4l.

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Luis, FIPES, 1981, p.27.

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po: o arroz no Maranhão. Dissertação de mestrado,UNI~,

1977, p.6l.

S. PRADO JUNIOR, Caio. Contribuição para a an~lise da que~

tão agrária do Brasil. Revista Brasiliense~ (28),

mar/abr, 1960, p.165.

6. IANNI, Oct~vio. A Zuta pela terra. 2a edição,Petrópolis,

Vozes, 1979, p.164 .

7 . --------- . Op. cit., p.164.

8. CONCEIÇAO, Manoel da. Essa terra é nossa. Depoimento, Pe

trópolis, Vozes, 1980, p.102.

9 • . Op. c i t., p. 1 56- 6 O • -------------------10. MARX, Karl. O capital. Rio de Janeiro, Civilização Bra

sileira, vol. 11, p.830.

11. TRIBUZI, Bandeira, Op. cito p.S6.

12. MARANHÃO. Plano de Governo 19?1-?4~ op. cito p.l08.

13. Idem, p.124.

14. CALDEIRA, José de Ribamar Chaves. EstabFl-idade social e

crise politica: um cetudo de caso. São Luis,

mimeo, p.30.

1977

15. MEIRELES, M~rio M. Hi2T6ria do Maranh5o. São Luis, Funda

ção Cultural do Maranhão, 1980, p.39l.

Page 51: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

49

16. SARNEY, José. Mensagem a Assembléia Legislativa.São Luís,

1966, p.3.

17. ThIBUZI, Bandeira. Realidade maranhense. São Luís, 1970,

IDlrneo.

Page 52: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

CAPITULO 11

A EDUCAÇÃO NO GOVERNO SARNEY

O I PROGRAMA DE GOVERNO DO MARANHÃO

Em sua campanha ao governo do Estado, José Sarney a

presentara um programa que prometia implantar no Maranhão um

nova ordem economlca e social - "O MARANHÃO NOVO" - elimi

nando, assim, a estrutura de estagnação implantada, de long~

data, pelo vitorinismo. Para ilustrar as promessas eleito

rais de José Sarney nada melhor do que o depoimento de um

dos seus eleitores: Manoel da Conceição l, que descreve, num

linguajar simples, a "história do Maranhão Novo" apresentada

por Sarney num comício realizado no interior do município de

Pindaré, durante sua campanha como candidato ao governo do

Estado: Soerguiria os sindicatos rurais, puniria os explora­

dores dos camponeses, faria justiça, o gado dos grileiros

não comeria mais as roças dos posseiros etc., tudo isto com

o povo em benefício do própTio povo. Com estas promessas,José

Sarney apregoava um futuro melhor uma vez que o progresso do

Estado se estenderia a todo5 com abundância de oportunidades . e geraçao de riquezas.

Em sua Mensagem ã Assembléia, pOT ocasião do início

dos trabalhos do Legislativo, em 1966, o Governador José Sar

ney, alegando o caos: adminitrativo encontrado, justifica-se

por ainda não apresentar o Plano de Governo, documento que

só surgiria no ano seguinte.

so

Page 53: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

51

o l Programa de Guverno do Maranhão, - 1967/71, real

mente foi o primeiro programa de governo do Maranhão pois os

governos anteriores, apesar de possuirem 05· seus planos, co~

tidos nas mensagens anJais ã Assembléia Legislativa, nunca

os haviam formulado em documentos pr6prios. Este J Programa

inicia com urna I~TRODUÇÃO - redigida pelo próprio José Sar

ney, onde o governador aborda o problema da intervenção cres

cente do Estado no domínio econômico necessitanJo, por isso

mesmo, de uma racionalização maior do Setor Público. Enfati

za a precariedade de dados e/ou informações disponíveis e in

dispensáveis ao planejamento, assim como a importância cres

cente destes. Afirma ser o I Programa um "instrumento" em

que se fixam as diretrizes da política de investimentos do

Estado, os programas setoriais a executar de acordo com es

tas pOlíticas e as linhas segundo as quais o Setor Público

procurará orientar os investimentos privados. Finaliza con

clamando o concurso não só das autoridades, mas também de

todo o "Povo do Maranhãú" para que o auxiliem a cumprir in

tegralmente os objetivos propostos no I Programa.

As metas básicas do I Programa estão sintetizadas em

CInco expressoes:

- Criação da infra-estrutura;

- Estímulo ã produção;

- Adequação dos recursos humanos;

- Promoção da justiça social;

- Mobilização administrativa.

Do total de recursos estimados para a execuçao do I

Programa, (Cr$ 594.877.200,00), nada menos que 56,3% eram

destinados ã criação da infra-estrutura. Para esta meta esta

vam previstos os seguintes programas:

- Energia;

- Transportes;

- Comunicações;

- Urb anismo ;

- Saneamento.

Page 54: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

52

No programa Energia estava prevista a participação do

Estado na geração de energia pela hidroelétrica de Boa Esp~

rança, a distribuição desta energia em 25 municípios e a ins

tal ação de geradores Diesel em mais 20 outros. No programa

Transportes previa-se a pavimentação de 700 km de estradas e

a abertura de 1.200 km de rodovias; a construção do porto de

Itaqui, com 1.000 metros de cais; a dragagem de vários rios;

a construção de aeroportos em 30 municípiós e melhoramentos

em outros; e a construção do ramal ferroviário Maracanã-Ita

qui. No programa Urbanismo, planejava-se a instalação da

infra-estrutura do distrito 'industrial do Itaqui (São Luís)

e convênio com 25 municípios para a implantação da infra-es

trutura urbana nos polos de desenvolvimento do Estado.No pr~

grama Saneamento previa-se a construção de 36 sistemas de a

bastecimento de água, assim como a construção de 12 sistemas

de esgotos sanitários e de 38.000 fossas.

Pelo alto percentual de recursos alocados e pelo vol~

me de realizações programadas evidencia-se que a Criação da

Infra-estrutura era a meta prioritária do Governo Sarney VI

sando não só dinamizar a economia durante o seu governo mas,

também, possibilitar a sua dinâmica expansão para o futuro 2

Na meta Estímumã Produção, que contava com 17,7% do

orçamento total do I Programa, é estabelecida uma vasta pr~

gramaçao para um levantamento exaustivo de todos os recursos

naturais existentes no Estado. Também nesta meta sao defini

dos os projetos que visam dar assistência aos produtores ru

rais, ã mecanização da agricultura, ã colonização, ao apOlO

ã média e pequena empresa, ao crédi\o, à comercialização e

ao cooperativismo.

Na meta Adequação dos Recursos Humanos, para a qual

eram destinados 16,9% do orçamento, os programas básicos

eram assim inti tulados: Ensino Primário, Ensino l\lédio e Ensi

no Superior. No primeiro são apresentados projetos como:cons

Page 55: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

53

trução de 1.600 salas de aula; implantação de escolas "João

de Barro"; qualificação de professores; instalação de Regiões

Escolares; preparação profissional, etc. NO "Ensino M~dio des

tacam-se: ampliação de ginásios, inclusive escolas vocaClO

nais; qualificação e aperfeiçoamento do magist~rio e cursos

de madureza. No Ensino Superior são enunciados dois projetos:

a) Construção, equipamento e manutenção da

Universidade do Maranhão e,

Fundação

b) Construção, equipamento e manutenção das Escofas

Superiores do Maranhão.

Ainda na meta "Ad~quação de Recursos Humanos", há,

ainda, um subprograma intitu~ado Cultura em que sao defini

dos projetos de: instalação de arquivo público e museu, bi

bliotecas, academia de música, pesquisas culturais etc., e

outro chamado Unidades Hospitalares em que são definidas a

ções para a recuperação, construção e equipamento de

des hospitalares.

unida

Na meta Promoção da Justiça Social, que contava com

6,3% do orçamento, há o programa Habitação pelo qual se pr~

ve a construção de 7.000 moradias populares. No programa Pre

vidência Social e programada a assistência médico-hospita -

lar e amparo à economia familiar dos servidores do Estado e

no programa ~ão Social define-se a Fundação do Bem Estar So

cial.

Finalmente na meta Mobilização Administrativa,para a

qual eram destinados apenas 2,3% do orçamento, eram defini

dos três programas: Reforma Administrativa, Estatística e Mu

nicipalismo. No primeiro está previsto a adequação dos " -Imo

veis oficiais e o treinamento dos servidores do Estado. Pelo

segundo, Estatística, foi estabelecido o projeto para a ela­

boração do plano para a produção das "Estatísticas Básicas".

No programa inti tulado "Municipalismo" ê definido o apoio às

administrações municipais.

A esquematização deste I Programa de Governo do Mara­

nhão - 1967/7l,ê apresentada na Tabela V, que se segue.

Page 56: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

-----------------------------------------------------

ESTADO DO MARANHÃO

TABELA V - I PROGRAMA DE GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO - ADMINISTRAÇÁO JOSE SARNEY - 1967-1971

M E.T A S

I. DA CRIA~~O DA INFRA-ES TRUTURA --

I I. IX1S ESTIMULOS À PRODU Ç]\O

11 I. DA ADEQUAÇÃO DOS RECURSOS HlJi'.1ANOS

IV. DA PRa10ÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL

C PROGr~

Energia Transporte

Comunicações Urbanismo Saneamento

Recursos Minerais

Agropecuária Indústria Serviços

Cooperativismo

Educação e Cultura

Habita<ião Previdencia Social

Ação Comunitária

• SUBPROGRArvIAS

Geração, Transmissão e Distribuição Transporte Rodoviário ,Ferroviário ,Marítimo e Flu vial,Aéreo Telecomunicações Distrito Industrial,Polos de Desenvolvimento Sistema de Distribuição de Água e Esgoto Sanitá­rios

Cartografia - Recursos Minerais - Solos e Flores tas - Estudos e Pesquisas - Pesca

Reflorestamento Agricultura - Pecuária Industrialização Crédito - Transporte - Comercialização de Produ­tos Regionais Estímulo à Atividade Cooperativista

Ensino Primário - Ensino Médio - Ensino Superior J\1 fabetização - Cultura - Reestruturação Técnica Administração - Unidades Hospitalares - Campa nhas Extensivas --

Residências Populares Ampliação dos Benefícios do Instituto de dência do Estado do Maranhão FW1dação do Bem Estar Social

Previ

lr1 +:-

Page 57: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

METAS L.. ..-------- .-. - ------j . PROGRAMAS

----~_._~ ----- .. ~.~_._._----

V. DA MOB1l:IZAÇÃO ADMINIS~ Refoma Administrativa TIVA

Estatística

Mrnücipalismo

FONTe: I Programa de Governo do Maranhão, 1967/71

SUBPROGRAMAS

Racionalização do Espaço de Trabalho e Equipame!!. tos Meios tvlateriais e Pessoal para Programas Estatís ticos Apoio às Administrações Mlmicipais

NOTA: Foi obedecida a nomemclatura utilizada no I Programa. Este desdobra-se em 5 Metas, a serem realizadas por Programas ~ Subprogramas (que por sua vez são detalhados em Projetos e/ou Atividades) .

VI VI

Page 58: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

Alguns dos projetos enunciados no I Programa nunca fo

ram executados como, por exemplo, a instalação de regiões es

colares e a academia de mGsica. Entretanto,.virios projetos

desenvolvidos durante o Governo José Sarney não constavam de

seu I Programa. Apenas na área de educação podemos citar~omo

exemplo deste fato, a implantação dos ginásios "Bandeirantes"

e a Televisão Educativa.

No seu todo, o I Programa estava integrado na planifi

cação da Região Nordeste elaborada pela SUDENE e sintetizada

em seus Planos. O Governo José Sarney e abrangido, em parte,

pelo 111 Plano Diretor da SUDENE, mas e sobretudo com o IV

Plano que se evidencia maior integração do I Programa. Isto

não é de estranhar; embora o IV Plano atingisse o período

1969-73, a sua elaboração vinha sendo preparada hi bastante

tempo e sua 'definição baseou-se na experiência adquirida na

execução dos planos anteriores. Por isso, confrontando-se a

programação do I Programa com a do IV Plano nota-se grande

identidade entre ambos. Provavelmente por causa desta identi

dade e do respaldo que teve da SUDENE, o Governo José Sarney,

conseguiu, pelo menos em parte, mudar o panorama do Estado.

A administração de Sarney foi marcada, efetivamente ,

por seus aspectos modernizantes. A partir da grande ênfase

dada ao estabelecimento da infra-estrutura, como a geração e

distribuição de energia elétrica, ã abertura de estradas e

aos transportes, assim como o estímulo ã produção fez comque

ocorresse no Estado sensível ampliação do mercado de traba

lho, melhores salários e, como consequência, melhoria do ní

vel de vida.

Mas, como Ja vimos, o Maranhão apresentava um percen-

tual muito elevado de analfabetismo, um índice m~ito baixo

da população em idade escolar frequentando as escolas e um e

norme percentual de professores sem qualificação ensinando

no reduzido número de escolas existentes: Por tudo isso,gra~

de parte da população se sentia impossibilitada de prestar

seu concurso ã execução do I Programa,apesar do expresso con

Page 59: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

57

vi te formulado pelo próprio Governador na referida Introdu

çao. Grande parte da população estava sem condições de se be

neficiar da ação empreendida pelo Estado. Por isso, concomi­

tantemente â ênfase dada â implantação da infra-estrutura e

do estímulo â produção foram desenvolvidas, com muito desta

que, novas experiências na área da educação: o Projeto Ban

deirante, o Projeto João de Barro e a Televisão Educativa

Através destas experiências, pretendia o Governo José Sarney

nao só o concurso do povo na execução do seu I Programa mas

que todos se beneficiassem do desenvolvimento resultante.

Este incentivo a educação escolar por parte do Gover

no José Sarney denota a concepção da Escola como instância

geradora de condições de desenvolvimento.

"Estas 'condições de desenvolvimento, aqui entendido como expansão dos benefícios sociais gerados em função da ex pansão do setor industrial da economia, ... ,postulam,não apenas mão-de-obra disponível e de baixo custo,matérias primas baratas, mercado consumidor potenc;.almente diver sificado, mas exigem a possibilidade de produção e re produção de mão-de-obra, assim como sua qualificação,ca paz d~ incorporar novos recursos e técnicas produtivas: e de absorver as condições necessárias para o aumento da produtividade"3.

Neste sentido a função geradora de condições de desen

volvimento iria concorrer, fundamentalmente, para a expansao

da produção, atuando assim diretamente no processo de acumu­

lação do capital. Mas a educação escolar não iria atuar ap~

nas neste sentido. Concorreria, também, para ampliar e dive~

sificar o mercado consumidor pela inculcação de novas expec­

tativas.

Apesar do comprometimento da educação escolar com o

processo de acumulação do capital, presente no I Programa,

não podemos esquecer outro papel da educação, não explicita­

do no documente oficial, qual seja o da formação da consciên

cia. O sistema c~colar é particularmente fitil na difusão de

uma nova ideo}ugia: "o Maranhão Novo". Através desta ideo-

Page 60: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

ss

logia pretendia o Governo José Sarney estabelecer. novas rela

ções do homem com a natureza e com os outros homens.Estas no

vas relações deveriam abranger todos os níveis da vida SOCI­

al; o econômico, o político, o artístico, o científico etc.O

aparelho escolar e um dos aparelhos do Estado que se presta

para realizar esta função.

Mas qual seria o obietivo do Governo ao difundir a

sua ideologia? E através da ideologia que uma classe ou fra -çao de classe consegue exercer sua hegemonia sobre as demais

classes. E isto para Sarney era fundamental. Pois,eleitopela

oposição, tinha necessidade, para administrar o Estado, 1m

por a sua autoridade e com o novo grupo no poJer exercer a

sua hegemonia.

Além.disso, a ênfase dada ao incremento do sistema e

ducacional está inserida num contexto marcado pela ideologia

do desenvolvimentismo e da modernização, características do

Governo José Sarney. De acordo com Miriam Limoeiro Cardoso 4

o projeto desenvolvimentista propõe a união das diversas ca

madas sociais na luta contra a miséria existente. E isso que

Sarney Propunha:

1' •.• para o que se torna necessário o concurso não só de todas as autoridades públicas, mas, também, das classes di re tamen te vi nculadas ao processo de produção e do Povo do Ma ranhão ... ,,5 •

Esta luta contra a miséria só poderia chegar a bom

termo através de um esforço comum para alterar a estrutura~

produção: trata-se de aumentá-la, diversificá-la, enfim, am

pliar a capacidade produtiva do Estado. Para isso a ênfase

nos programas de infra-estrutura e estímulo ã produção.A étl

ca do trabalho é uma dimensão fundamental dessa ideologia

a ascensão social é possível a qualquer indivíduo desde que

trabalhe dedicadamente e com perseverança.

E neste quadro que se insere a decísâo política do G~

verno José Sarney em incrementar substancialmente o sistema

educacional, principalmente pela criação da Televisão Educa-

Page 61: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

59

tiva e pela implantaçio dos Projetos Bandeirante e Joio de

Barro.

Aliás, esta preocupaçao em destacar a importância da

educação no desenvolvimento econômico não era característi

ca apenas do Governo Jos€ Sarney. Todos os planos govername~

tais elaborados após 64 enfatizam a importância de projetos

educacionais específicos necessários na soluçâo dos probl~

mas sócio-econômicos ó•

A seguir, detalharemos cada um dos três projetos edu

cacionais anteriormente citados.

TELEVISÃO EDUCATIVA

Os últimos anos da década de 50 e os primeiros da dé

cada de 60 assistiram ao surgimento de uma variedade' de pr~

postas novas na área da educação visando a renovação da esco

la secundária. Falava-se em ginásios industriais. ginásios

da comunidade, ginásios vocaciona~s, ginásios orientados p~

ra o trabalho etc. Todas estas propostas distintas possuiam,

entretanto, pontos de vistas comuns: criticavam a intelectua

lização infrutífera da escola secundária, defendiam o acesso

de todos a esse nível de ensino e propunham a inclusão de

práticas de trabalho no currículo escolar.

Neste espíri to de renovação da escola secundária pode­

se situar a experiência desenvolvida em Colinas.

Em 1959, na cidade de Colinas, interior maranhense,um

grupo de educadores liderados pelo então padre José Manuel

de Macedo Costa fundou o Centro Integrado de Educação de Co

linas - CINEC - englobando um conjunto de escolas desde o

jardim de infância até o ensino normal. Para definir a pr~

posta pedagógicJ do CINEC o grupo inspirou-se,

" ... nos mais revolucionários sistemas educacionais euro peus - priIl,::ipalmente nas teorias de Piaget - e segundo as interpretaç6es mais arrojadas de Lauro de Oliveira Lima,,7.

Page 62: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

bO

Tentativas como esta eram incentivadas pela CADES-Com

panhia de Aperfeiçoamento de Docentes do Ensino Secundário -

no final dos anos 50, at€ sua extinsão em 1963, com vistas i renovação da escola secundária. No Nordeste teve destaque e~

pecial a atuaçio de Lauro de Oliveira Lima quando responsá -

vel pela Inspetoria Seccional do Minist€rio de Educação e

Cultura no Ceará. As idéias de renovação do ensino secundá

rio de Lauro de Oliveila Lima eram largamente difundidas nos

cursos promovidos pela CADES e, depois, pelo seu livro liA E~

cola Secundária Moderna", cuja primeira edição foi feitapela

própria Diretoria do Ensino Secundário do MEC.

A proposta pedag6gica de Lauro de Oliveira L~ma pode

ser sintetizada na filosofia dos "Ginásios da Comunidade"que

enfatiza a

" ... relação escola-comunidade, a formaçio para o traba­lho com aproveitamento de profissionais em exerC1ClO,as atividades extra-curriculares exercidas em clubes e vol tadas para a formação de líderes, o regime didático cen trado nos trabalhos em equipe e a participação ativa dOs alunos e das famílias na dinâmica escolar"s.

A experiência de Colinas situa-se nessa linha: prom~

çao do homem para o trabalho e a vida comunitária.

O CINEC contava, al€m das salas de aula convencionais,

com oficinas de artes industriais, de artesanat0, de econo

mia dom€stica, de técnicas comerciais e, ainda, com vastas

áreas para as práticas agropecuárias onde os alunos eram ini

ciados no trabalho, fora do horário normal de aulas.

O Grêmio Pio XII, orgão estudantil, era o responsável

pela iniciação na atividade política dos alunos do CINEC. Os

representantes e dirigentes do Grêmio eram escolhidos pelos

alunos atrav€s de processo eleitoral.

Dentro desta mesma linha de renovação da escola secun

dâria, só que num momento histórico diferente, podemos si

tuar os três projetos básicos da política educacional do Go

verno Sarney.Pela Televisão Educativa pretendia o Governo sa

Page 63: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

61

nar os impasses da Educação à nível do antigo curso ginasial,

inicialmente apenas em São Luís. Iria atender as pessoas das

classes menos favorecidas já que as de algumas posses eram

razoavelmente atendidas pela rede particular de ensino. Pelo

Projeto Bandeirante pretendia-se a mesma coisa do que com a

Televisão Educativa, 56 que nos municípios do interior do Es

tado. Por este Projeto se beneficiariam sobretudo as camadas

sociais melhor situadas pois é delas que saem geralmente os

concludentes do curso primário. Finalment'e, pelo Projeto João

de Barro pretendia o Governo ampliar as oportunidades de es

colarização na zona rural, atingindo principalmente os pequ~

n~s povoados rurais do Estado.

Mas detalhemos cada um destes três projetos.

A grande causa da não-escolarização de muitos mara

nhenses em idade escolar, conforme já foi visto, era a lne

xistência de escolas e/ou a falta de vagas. EntreTanto, a

simples construção de prédios escolares não resolveriR outro

impasse da educação no Maranhão: .a fal ta de professores qu~

lificados. Para resolver, simultaneamente, estes dois probl~

mas o Governo José Sarney decidiu criar a Televisão Educati

va.

"Fundamentalmente preocupado com a modernização do Mara nhão e com sua "decolada" para o desenvolvimento, o Gü verno Sarney via na Teleducação um projeto viável e bas tante promissor. Dentro da ideologia do li Maranhão Novo" que personalizava sua gestão governamental, era bastan­te coerente a opção por uwa alternativa até certo ponto incongruente com aquela estrutura social dominada pelo tradicionalismo e pelo atraso econômico e social"9

Para operacionalizar esta decisão política o profe~

sor José M~ria Cabral Marques, então Secretário de Educação

do Estado, criou em 1968 o Centro Educacional do Maranhão

CEMA - que iria funcionar em barracões cedidos pelo Depart~

mento de Estradas de Rodagem localizados no bairro do Cavaco,

na periferia de São Lu]s. As aulas deveriam iniciar em come

ços de 1969 e teriam como instrumento didático

o uso da televisão em 5~la de aula.

fundamental

Page 64: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

62

Para elaborar o plano pedagógico do CEMA o professor

José Maria Cabral Marques convocou, em novembro de 1968, o

professor José Manuel de Macedo Costa, dire~or do CINEC.

Para a elaboração do plano pedagógico do Centro Educ~

cional do Maranhão o professor José Manuel de Macedo Costa e

sua equipe valeram-se da experi€ncia por eles vivida em Col~

nas. Mas, é bom salientar que o plano pedagógico do CEMA não

foi mero transplante da experi€ncia de Colinas, pOIS os ela­

boradores jamais se esqueceram que a realidade de São Luis

era bem diversa da de Colinas e o uso da televisão no proce~

so educativo, bastante inovador. Entretanto, no que se refe­

re ã "filosofia de trabalho", houve uma continuidade em rela

ção ã experi€ncia de Colinas: "fazer escola de comunidade".

Dentro desta linha, os objetivos propostos no

pedagógico do CEMA são:

plano

- preparar o aluno para sua integração na comunidade

de São Luis e sua preparação no processo de trans

formação sócio-cultural aa sociedade maranhense;

.- integrar o aluno na conjuntura tecnológica atual p~

ra o emprego correto e inteligente dos modernos

meios de comunicação social e dos demais instrumen

tos cientificos postos ã disposição do homem;

- despertar e desenvolver nos alunos o gosto pela pe~

quisa e pelo estudo, fornecendo-lhes técnicas ade

quadas a seu correto emprego em função de sua ini

CIaçao para o trabalho;

- despertar os alunos para a

leira, pela compreensao do

instituição no processo de

vida democr~tica brasi

papel de cada pessoa e

desenvolvimento nacional.

Estes objetivos podem ser assim sintetizados: "O CEMA

procurará, sobretudo, dotar o aluno dos instrumentos e das

fórmulas capazes de conduzi-lo ã sua realização como pessoa

livre, autônoma e como cidadão participante e atuante na co

Page 65: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

munidade sócio-política do seu país". Dito de outra forrr.a: o

CEMA tera por função concorrer para a formação de homens li

vres e atuantes na vida democrática brasileira

assim para o desenvolvimento nacional .

concorrendo

. Se relacionarmos estes objetivos com o momento his

tórico para o qual foram concebidos,levanta-se um problema,

pois

" ... convêm ter presente uma contradição fundamental: a proposta se situa num contexto sócio~político estadual que é marcado, de um lado, pela ideologia desenvolvimen tista e populista, típico do Brasil no final dos anos 50, e de outro lado, comprometida em âmbito nacional com o autoritarismo e a centralização que se a~entua no final dos anos 60"10.

Contradições a parte, os princIpIos filosóficos do

CEMA se inspiram no movimento da "Escola Nova". Nesta per~

pectiva a escola devera ser um meio integralmente educativo

e não um simples lugar de instrução. Educar-se, pela ótica

da "Escola Nova", é socializar-se sem deixar apagar-se em s':'

essa espontaneidade, essa cria ti v·idade, essa disponibilidade

que caracterizam a infância. A partir deste conceito o papel

do mestre não é mais apresentar ã criança os modelos do mun

do dos adultos e servir de mediador entre a criança e esses

modelos. O mediador entre a criança e ela mesma sera o con

junto das outras crianças: o grupo-classe. Neste ambiente

"a criança dara livre curso a sua espontaneidade, con frontara sua personalidade com a das outras crianças e manifestara as ricas possibilidades de sua natureza, to mara consciência delas e as cultivara no contacto com as demais crianças" 1 1 •

Na "Escola Nova" a rclação da criança com o real nao

passa pela mediação do mestre. E a própria criança que deve

relacionar-se diretamente com a própria realidade e resolver

os problemas que afronta apelando apenas para as suas possi­

bilidades. Todo o seu trabalho e urna atividade de pesquIsa

sempre em contacto com o real.

Page 66: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

."

b4

Com base nestes principios e que no CEMA se enfatiza,

em todas as atividades curriculares, um constante relaciona­

mento com a comunidade circundante e que f-selecionada a di

namlca de grupo cúmo processo fundamental da socialização. A

partir daí o conceito tradicional de "aula" f substituído p~

lo de "ciclo de aprendizagem". A primeira fase deste ciclo é

chamada de situação problema. Ela f apresentada pela televi­

sao durante 10 a 20 minutos aproximadament~ e visa aprese~

tar uma situação problema provocadora de todo o processo de

aprendizagem, sempre diretamente relacionado com a realida­

de dos alunos. O segundo momento f de reflexão individual e

coletiva intImamente articulados. Depois vem a resposta, pr~

duto da reflexão ao desafio apresentado. Uma vez concluido o

estudo da situação-problema, a nivel de pequeno grupo, reali

za-se o debate em plenirio com todos os alunos da classe.

Cada telessala (classe) é composta de 42 alunos e e

organizada em equipes de 6 a 7 alunos. Para coordenar as ati

vidades do ciclo de aprendi zagem havia em cada telessala três

orientadores de aprendiagem cuja função era de orientar, ani

mar e auxiliar os alunos em suas atividades e nunca ensinar.

Um orientador era responsivel por ciências (matemática e ci

ências naturais), outro por linguas (português, francês e In

glês) e um terceiro por estudos sociais (hist6ria, geografia,

organização social e política do Brasil).

Cada telessala gozava de grande autonomia no seu fun

cionamento. Além das equipes de estudo, que desenvolviam as

atividades inerentes ao ciclo de aprendizagem d~ disciplinas

curriculares, havia em cada telessala uma série de centrosde

trabalho: clube de ciências, de artes, de serviço, cívico-re

ligioso, de ação social,de ação política e de ação comunitá­

ria, cada um deles assumido por uma equipe de alunos.

Para o desenvolvimento da vida democrática, em cada

telessala havia um conselho de classe do qual participava um

representante de cada equipe de estudos. Este conselho, por

sua vez, escolhia um representante dentri os seus membros

Page 67: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

65

para integrar o Conselho de Líderes da Comunidade Estudantil

do CEMA. A Comunidade Estudantil do CEMA, por sua vez ,era di

rigida e representada pelo Prefeito eleito por todos os alu

nos. O Conselho de Líderes era o órgão deliberativo e modera

dor da Comunidade Estudantil.

Até agora relatamos apenas as características do CEMA

que o identificam com a "Escola Nova". Entretanto, o que ca

racteriza efetivamente o CEMA e ter sido o primeiro caso no

Brasil em que uma instituição de ensino r~gular utiliza a te

levisão como meio didático indispensável no processo ensino­

aprendizagem. Com a utilização desse recurso pode a Secreta­

ria de Educação, ampliar rapidamente o numero de vagas e ofe

recer ã comunidade um ensino satisfatório.

Em 1969, funcionou apenas a primeira série ginasial

com 35 telessalas e 1.304 alunos. Já em 1970, em circuíto a

berto, a TVE atingia dois municípios; funcionavam as duas

primeiras séries ginasiais em 161 telessalas, com 6.251 alu

nos. Por problemas financeiros, o numero de orientadores por

telessala, foi reduzido de tres para um, o que permanece ain

da hoje.

Em 1980, a Televisão Educativa do Maranhão,atingia 25

municípios, com um total de 522 telessalas e 20.620 telealu­

nos distribuídos pelas quatro últimas séries do prlIDelro grau.

A perspectiva atual é de sua ampliação para que possa atin

gir todo o Estado.

Provavelmente por seu aspecto inovador e por ser tal

vez a experiência única no Brasil do uso direto da televisão

no ensino regular a Televisão Educativa do Maranhão tem a

traído a atenção dos estudiosos da área da educação. Até o

presente uma série de estudos foram realizados1 2 ,cujos prod~

tos tem contribuído para a melhoria do desempenho da Televi­

são Educativa do Maranhão que gradativamente vai atingindo um

maior número de municípios do Estado.

Page 68: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

66

PROJETO BANDEIRANTE

Em 1968,a televisão não atingia o vasto território do

Maranhão e, naquele ano, apenas 37 dos 130 municípios do Es

tado possuiam cursos ginasiais. Foi então idealizado o "Pro

jeto Bandeirante" que possuia como objetivo primeiro:

"Levar às zonas de necessidade e clientela comprovadas, a educação integral, através do ensino médio .. 13

Já naque]e mesmo ano de 1968 eram instalados 33

sios em 33 municípios do interior.

As bases d~ proposta pedagógica dos ginásios Bandei

rantes podem ser encontrados no movimento nacional de renova

ção da escola secundaria e mais precisamente nos GinásiosOri

entados para o Trabalho (GOTs) e no Centro Integrado de Edu­

cação de Colinas. Em paginas anteriores já falamos do Centro

Integrado de Colinas. Quanto aos GOTs, foram criados pelo

Diretor do Ensino secundário do Ministério de Educação e Cul

tura, Gildásio Amado, em 1965 14. Com esta iniciativa prete~

dia o Diretor do Ensino Secundário:

" ... tornar o ginásio secundário menos pretensioso,menos preso à sua velha armadura intelectualista, e, portanto, mais prático, mais diretamente ligado à vida e,pela pri meira vez, entrosando-se com os problemas e as ativida~ des da produção, ... "15.

Apesar desta preocupação com as atividades de produção,

na perspectiva da teoria do capital humano, os GOTs não p~

dem ser identificados com os ginásios vocacionais que Vlsa

vam,

" ... preparar o aluno, na estri ta medida de seus interes ses e aptjdões, para uma ocupação remunerada,,15.

Com os GOTs deveria, entretanto, criar-se uma

mentalidade:

nova

" .•• 0 ginásio não deveria treinar diretam~nte para oc~ pações em circunscritos setores da economla, mas prepa­rar elementos que apresentassem as condições de cultura e de habilitação prevocacional que os tornassem facil -

Page 69: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

mente "treináveis", neste ou naquele campo, pelas prias empresas"17.

67

-pr~

A proposta curricular dos GOTs se caracterizava lega!

mente pela reunião das peculiaridades dos diversos tipos de

ginásios previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação:

o ginásio secundário, o comercial, o industrial e o agrícola.

Dentro deste clima: renovação da escola secundária,d~

fusão dos GOTs e sucesso do CINEC é que, em 1968, foi ideall

zado, pela Secretaria de Educação, o projeto Bandeirante. Os

ginásios "Bandeirante li nao eram propriamente Ginásios Orie~

tados para o Trabalho e nem Ginásios da Comunidade. Entretan

to, como no GOT e no CINEC,' neles se realizava uma iniciação

ao trabalho e a comunidade era envolvida em seu funcionamen­

to.

O currículo dos Ginás ios "Bande i ran te" era pol i valen te,

constando de: "matérias básicas", "matérias optativas", "ma

térias optativas profissionais" e "práticas educacionais"

Era efetuada a iniciação em técnicas comerciais, industriais,

em puericultura, metodologia de ensino etc. Nas técnicas co

merciais e industriais eram abordados, principalmente,os as

pectos relacionados com a realidade local. Mas o destaque en

tre as "matérias optativas profissionais", nos ginásios "Ba~

deirante", ficava para as "técnicas agrícolas". As aulas de~

sas técnicas eram, principalmente, práticas, havendo em cada

ginásio hortas cultivadas pelos alunos e atividades que 1am

desde a preparaçao ao consumo dos alimentos pToduzidos.

A comunidade local era envolvida em todas as ativida­

des do ginásio "Bandeirante" e a prefei tura con~ribuia, emb~

ra com pequeno percentual, no pagamento do corpo docente. E~

tretanto, um dos grandes beneficiados com a implantação des

tes ginásios foi o ensino primário. Em vários municipios, em

1968, não havia nenhuma prQfessora normal~ita. PaTa a impla~

tação de um ginásio "Bandeirante" era exigência que a Prefei

tura conseguisse contratar, pelo menos, cinco normalistas.Es

Page 70: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

68

tas professoras normalistas,geralmente, ensinavam num turno

no ginásio "Bandeirante" e nos demais no curso primário.

Em 1970, no terceiro ano de existência do Projeto Ban

deirante, não havia mais nenhum município no Maranhão que

não possuisse, pelo menos, um curso ginasial em sua sede. Du

rante estes três primeiros anos: 68,69 e 70 foram instalados

ao todo 78 ginásios "Bandeirante " atingindo uma matrícula

de 10.326 alunos. A grande maioria destes alunos teria en

cerrado sua vida escolar ao término da quárta série primária

não fosse o Projeto Bandeirante.

o PROJETO 'JOÃO DE BARRO

Tanto o Projeto Bandeirante quanto o Televisão Educa­

tiva eram experiências pelas quais os responsáveis pelo ens~

no público pro~uravam sanar os impasses da educação a nível

ginasial. Mas o maior ponto de estrangulamento residia no en

sino primário, principalmente na zona rural. Para tentar mo

dificar esta situação foi concebi~o o Projeto João de Barro,

pela equipe de assessoramento do Governador, destacando-se ~

figuras do poeta Bandeira Tribuzi, hoje já falecido, e do e~

tão Secretario de Educação Prof. José Maria Cabral Marques.

Parece que a idéia original do "João de Barro" teria partido

do primeiro, tendo sido de imediato entusiasticamente aprova

da pelo Governador José Sarney. Mas para concretizar uma

idéia nao e suficien~e apenas uma decisão política; é neces­

sario gente capaz para tal. Em agosto de 1967, o Secretário

de Educação constituiu uma equipe de cinco pessoas com esta

tarefa. Destas cinco pessoas nada menos que quatro haviam a

tuado no Movimento de Educação de Base - MEB, que encerrara

suas atividades no Maranhão em junho deste mesmo ano. Esta

experiência vivida pela quase totalidade dos membros desta

equlpe marcou-os profundamente ao ponto de elaborarem a pr~

posta do Projeto "João de Barro' dentro das mesmas linhas

que orientavam a atuação do MEB, como veremos adiante.

Page 71: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

69

E de se ressaltar esta atitude do Governo Sarney em

convidar pessoas que haviam atuado no MEB para trabalhar num

dos mais importantes projetos de sua administração na area

da educação, sobretudo, considerando-se as condições em que

o MEB deixou de atuar no Maranhão.

As estrat€gias do Movimento de Educação de Base, para

atingir seus objetivos de conscientização, mudança de atitu

des, formação, instrumentação e organização das camadas pop~

lares como fator de mobilização para reformas estruturais

eram: a alfabetização, o treinamento de líderes, o sindica -

lismo rural e a animação popular. Um dos meios importantes

para o desenvolvimento destas es}rat€gias era a escola radio

fõnica. Como a arquidiocese de São Luís nao possuia,na ep~

ca, uma emissora de rádio, a atuação do MEB no Maranhão as

sumiu características próprias. Sua ação aqui se desenvolvia

numa linha de mobilização e organização dos camponeses orie~

tando-os para o sindicalismo como um canal de representação

dos mesmos. Simultaneamente a este trabalho de mobilização o

MEB realizava a "conscientização". Esta era desenvolvida de

forma lenta e, basicamente, através da análise crítica da

realidade. Os municípios onde a atuação do MEB no Maranhão

era mais expressiva foram:Viana, Pirapemas e Pindaré, no p~

ríodo de 1962 a 67.

A parti r de abri 1 de 1964, o MEB começou a sofrer pre~

soes do Governo Federal que se evidenciavam, principalmente,

na redução e nas condições impostas para a liberação de ver

base Disto resultou a gradativa diminuição do nfimero de pe~

soas envolvidas no Movimento, acarretando o encerramen~o de

atividades dos grandes "sistemas estaduais" do MEE, EO final

de 1966. Além destes fatores influiu, também, no ence:l'Yamen­

to das atividades do MEB no Maranhão, em 1967, a hostilidade

das classes dirigentes, inclusive pessoas ligadas à Igreja e

do próprio clero e, em consequência, a repressão desencadea­

da. A conjugação destes fatores fez com que paulatinamentedi

minuisse a atuação do !vIEB no Maranhão para, finalmente ,em j~

Page 72: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

70

nho de 1967 encerrar totalmente as suas atividades.

o convite feito pelo Governo Sarney aos ex-integra~

tes do MEB levanta uma outra questão. A perspectiva ideológi

ca de Sarney era bem distinta da perspectiva do MEB. E certo

que a primeira considerava a educação como peça indispensá -

vel ao desenvolvimento do Estado.

"Entre os mais sérios impedimentos que obstaculizam a marcha do Maranhão para o desenvolvimento estão os defi cientíssimos índices de escolarizaçã0 quer no nível ele mentar quer no nível secundário e ainda no nível sup~ rior"18

Também o MEB enfatizava, para a educação, um papel re

levante na dinâmica social, postulando, entretanto, para a

transformação social a mudança das estruturas fundamentais

em conformidade com a doutrina social da Igreja. No MEB, a

ação pedagógica ia além do processo pedagógico e assumia,cl~

ramente, uma dimensão sócio-política. Havia, pois, um ponto

comum as duas propostas: a valorizaç~o da educação, e uma di

ferença fundamental: a perspecti v.a ideológica.

Para a escolha destes antigos militantes do MEB foram

esquecidas as divergências, enfatizadas as convergênciàs e,

sobretudo, considerada a aptidão dos convocados demonstrada

em sua atuação no MEB.

Uma vez definidas as linhas básicas, partiu-se,imedi~

tamente, para a execução do Projeto João de Barro. lnicial

mente. no segundo semestre de 1967, em fa~e experimental, fo

ram atingidos 05 municípios de Itapecuru, Vargem Grande e

Chapadinha, situados em duas micro-regi6es distintas: Chapa­

dinha e Vargem Grande na de Alto-Monim;e Itapecuru,no do Ita

pecuru, mas relativamente próximos uns dos outros e de fácil

acesso por são Luís.

Para a experiência piloto foram selecionados 49 povoa

dos c treinados 52 monitores. A matrícula, neste primeiro se mestre, chegou a 2.799 alunos, sendo 657 adultos e 2.142 j~

vens (menores de 14 anos). Todos os trabalhos, desde a sele

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71

çao e preparaçao dos povoados até das escolas em funcioname~

to, foram feitos pela equipe inicial que, a partir desta ex

perlencia formalizaria a idéia da educaçã~'popular no meio

rural na proposta contida no documento intitulado "Projeto

João de Barro".

Para o desenvolvimento do presente trabalho nos atere

mos, exclusivamente, ã proposta original, observando que to

das as citações aqui apresentadas joram extraídas do referi­

do doctnnento (Anexo 1). Esta limi tação à proposta inicial se

deve a duas razões básicas:

a) Durante a vigência do Projeto "João de Barro" nao

foram produzidos documentos que acrescentassem algo

relevante ao primeiro nem que contestassem as li

nhas básicas definidas no mesmo; e

b) nosso objetivo, como já foi dito, é analisar o p~

pel do Estado em educação popular. Para esta análi

se tomaremos como referência principal a proposta

inicial do Projeto João de Barro na qual o Estado,

através da Secretaria de Educação, define sua po~

tura frente ã educação popular.

o objetivo geral do Projeto João de Barro e assim e nunciado:

"Através de um processo de educação integral, em elementar, inserir o homem rural no processo de \Tol\:-inlento sacIo-econômico racionalizado".

o que os autores da proposta entenderiam por

nível desen

"educa

çao integral"? A unidade intitulada "Material Didático" lnl

Cla ass im: "Par a um t rab alho de Educação de Bas e a que se

propõe o Projeto "João de Barro" torna-se ... "! Logo, por edu

cação integral era entendida a educação de base,implicitame~ te, na concepção do MEB.

Segundo Carlos Rodrigues Brandão a educação de base

nao era entendida pelo MEB como uma educação pela qual as

pessoas adquirissem conhecimentos básicos, tal como na defi-

Page 74: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

72

nição tradicional da UNESCO, mas como

" ... uma educação que conduzisse pessoas e comunidade a: a) tomarem consciência das dimens6es riiturais e hist6ri

cas, e da dignidade essencial do ser humano e de seu destino;

b) estabelecerem formas de mobilização populares que produzissem aç6es de mudança da sociedade capazes de estabelecerem as bases sociais da afirmação e da rea lização e dignidade da pessoa humana"19.

Logo, para o MEB, educação de base .englobava conscien

tização,motivação de atitudes e instrumentalização,sendo que

"Conscientização significa fornecer noç6es fundamentais para um conhecimento do home~,que ~ o homem e do quesig nifica para o homem o mundo, os outros homens e Deus . Por motivação de atitudes entendia-se fornecer os dados essenciais para a compreensão crítica da realidade, pos sibilitando uma ação consciente e livre diante das mGI tiplas formas de ação. A instrumentalização consistia em fornecer os instrumentos básicos de ação diante da realidade,,2 o •

Através de uma s~rie de passagens da propc3ta do Projeto'~oão

de Barro" se evidencia a intenção dos elaboradores em desen

volver uma ação educativa que tivesse as três característi -

cas acima mencionadas. Os objetivos específicos do "João de

Barro", neste sentido, são bem eloq:lentes:

" Levar a população rural ~ participação ativa na solu ção do problema educacional;

- Alfabetizar e dar rudimentos de cálculo ao homem ru ra}, considerando a alfabetização sempre como etapa­instrumentc par8 a educação integral (intelectual,po IÍtica, artística, religiosa, física, cooperativist~ antezanal, doméstica, agrícola, sanitária, e para ou~ras atividades que capacitem);

- Despertar no homem rural a consciência das condições do subdesenvolvimento e a consciência de suas reais possibilidades de, através de um esforço comum inte­ligente, mudar esse estado de coisa,,21.

No TlP.dro síntese, ao final do documento, este Gltimo

objetivo 6 explicitado com mais ênfase:

Page 75: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

"Despertar, no homem, a consciência de suas subhumanas de vida e de suas capacidades de, mente, trabalhar para mudar e modific.<H essa

73

condições coletiva -situação"22.

Por outro lado, para a efetivação destes objetivos

como o MEB, a equipe inicial não julgava suficiente a escola

"João de Barro" ser apenas uma escola convencional mas,

" ... ser o centro animador da comunidade dispondo de uma pessoa COTI. função de moni tor, oriundo da própria comuni dade ou comunidade vizinha, com as mesmas característi~ caso Esse monitor da escola será principalmente um lí der da comunidade que a motivará para o desenvolviment~ de outros trabalhos, para a implantação de al~uns serv~ ços em busca de um maior bem estar imediato"2 .

Nesta tentativa de integração da esc01a à comunidade

o trabalho era desenvolvido a partir do treinamento da lide

rança local~ Este processo de integração das comunidades VI

sava desenvolver, conjuntamente, a reflexão e a ação com vis

tas a transformação da realidade. Era a tentativa de utili

zar a "Animação Popular" cuja metodologia havia sido desen

volvida pelo MEB no período imediatamente posterior a 1964.

A integração da escola à vida da comunidade iniciava

com a sua construção. A caracterização da estrutura física

da escola "João de Barro" foi concebida a partir dos padrões

de construção das moradias vigentes nos povoados. Assim o

prédio escolar seria uma construção barata, que poderia ser

feita em mutirão e, não se apresentaria como algo estranho no

povoado. Por tude isso, o prédio escolar seria feito de tai

pa e palha e o piso de chão batido, como as demais moradias

locais. O engajamento da população local na construção da es

cola era para evidenciar desde logo,

" ... c<2mo aspecto fundamen!al: o esforço da popu~ação que se reune para com seus proprIos recursos e capacidades desenvolver um serviço comunitário para seu benefício imediato,,24.

O aspecto físico das escolas "João- de Barro", o eng~

jamento da população local em sua construção e a integração

da escola ã comunidade são aspectos que tanto o MEB quanto a

Page 76: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

74

Campanha "De pé no Chão" também apresentavam. Esta Campanha

era um movimento de educação popular desen~?lvida em Natal -

RN --- durante a administração do Prefeito Djalma Maranhão,de

1961 a 1964 25• Este prefeito, angustiado pelo elevado número

de crianças sem escolas e pelos parcos recursos de que disp~

nha, procurou engajar a população de Natal na solução de seus

problemas. A solução do impasse escolar surgiu das próprias

camadas populares: construir elas próprias escolas de palha.

A partir desta idéia surgiu a Campanha "De pé no Chão Também

se Aprende a Ler". Esta Campanha influenciou a equipe inici­

al do Projeto João de Barro principalmente na concepçao do

aspecto físico das escolas "João de Barro" quanto na particl

paçao da população em sua construção.

Mas detalhemos mais a fase preparatória da implant~

çao da escola "João de Barro". A "Preparação" constava de

tr~s momentos: levantamento, motivação e seleção dos povo~

dos e de pessoal. O levantamento dos diversos a~pectos da

realidade dós povoados dos municípios selecionados seria fei

to na primeira visita da equipe aos povoados, orientada por

um guia designado pelo prefeito local. Simultaneamente ao

levantamento era feita

" ... a motivação para o trabalho que não deverá ser algo de "cima para baixo" mas sim corresponder a uma aspira­ção e necessidade da população"26.

Além das ~tividades de levantamento e motivação da fa

se preparatória eram, ainda, selecionados as "comunidades e

o pessoal" par3 as escolas "João de Barro". Esta seleção de

veria sempre obeciecer à seguinte sistemática:

. "A escolha das comunidades deverá cair nos povoados cen trais de maneira que atinja pequenos povoados circunvi~ zinhos que 5erão mobilizados pelas "João de Barro"a ser radicada nos primeiros. As pessoas selecionadas para m~ nitores de\'crão ser pessoas da própria comunidade; deve rão ser lideres capazes de provocare dirigir os trabi lhos comuni:ârios, bem como de realizar atividades dife rentes das ,-',e ensinar a ler e escrever,,27.

Page 77: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

75

A seleção dos líderes deveria ser feita a partir da

indicação da população dos povoados. Era exigida apenas urna

condição: o indicado deveria saber ler e escrever. Por vezes

em determinados povoados esta exigência não podia ser satis­

feita. Recorria-se, então, a um povoado vizinho que apresen­

tasse os mesmos aspectos do primeiro, ou seja, era seleciona

do para ser o moni tor alguém "oriundo de Comunidade vi zinha

com as mesmas características".

A utilização de líderes, após adequado treinamento

era urna das estratégias fundamentais de atuação do MEB em

trabalhos comunitários tanto nas escolas radiofônicas quanto

em trabalhos no sindicalismo rural. Nesta mesma linha o Pro

jeto João de Barro se propunha, também, orientar as lideran­

ças locais em atividades de alfabetização e outros trabalhos

comunitários.

Urna vez concluída a fase preparatória, cuja tônica bá

sica era a mobilização da população, iniciava-se a fase de

construção das escolas.

"Serão construídas com os próprios recursos ~xistentes na Comunidade dentro de um modelo padrão, num esforço de ajuda mútua com a colaboração da Prefeitura, cabendo ainda ao Projeto colaborar com uma parcela a ser defini da no orçamen to,,2 B.

Esta parcela era fixada em Cr$ 200,00 (duzentos cru

zeiros) por escola e se destinava a custear a produção dos

bancos escolares. O modelo padrão das escolas "João de Barro"

era um barracão coberto de palha com meias paredes de taipa

e chão batido. O mobiliário era o mínimo possível :alguns ba~

cos compridos, um pequeno quadro de giz e uma carteira para

o monitor.

O treinamento básico dos monitores era realizado, em

geral, ao mesmo tempo em que se construia a escola. Entretan

to, ele só ocorria,

" Após a escolha do monitor pela comunidade;

- Com monitores que representem as lideranças da comu-

Page 78: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

nidade;

No município-centro escolhido na primeira etapa;

- Com duração de 20 a 30 dias;

76

- Com a possibilidade de participação (de mais alguém)de

uma mesma comunidade, além do monitor,que

a liderança 10cal,,29

represente

Este treinamento, segundo depoimento de um dos elemen

tos da equipe inicial, era orientado em duas linhas princi

pais: treinamento no manejo de classe e na iniciação em tra

balhos de comunidade. A maior ênfase era dada ã formação do

monitor. Para esta formação havia, diariamente, aulas de po~

tuguês e de matemática, enfatizando-se, além dos conteúdos

fundamentais destas duas disciplinas, a parte didática. Para

a alfabetização, em particular, os monitores eram treinados

na metodologia utilizada por Paulo Freire. Na iniciação em

trabalhos comunitários, eram desenvolvidas"aulas" de educa -

ção sanitária que visavam, sobretudo, o desenvolvimento po~

terior de campanhas pela utilizaç~o do filtro, pela constru­

ção de fossas, e outras medidas de higiene. Ocorriam, também,

informaç6es sobre a prestação de primeiros socorros.

Durante o treinamento havia, diariamente, oito horas

de atividades. À noite, com o objetivo de os monitores pod~

rem concorrer para tornar as horas de lazer em seus povoados

mais animadas, eram desenvolvidas atividades como: jogos, e~

cenaç6es, declamaç6es. cantos etc. Por esta descrição pode­

se deduzir que era re~li:ado não propriamente um treinamento

mas, sim, um "curso de treinamento" intensivo de formação de

professores e animadore5 de comunidade. Por isso justifica­

se este dilatado prazo de 20 a 30 dias previsto para o trei­

namento básico, sobretudo, se atentarmos ao fato de que, se

gundo o depoimento cclhido, a maioria dos selecionados para

o treinamento era semi-analfabeta.

Uma vez conclufdo o treinamento,o monitor voltava a

seu povoado e, caso ~ escola estivesse construída, iniciava

Page 79: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

77

logo as suas atividades específicas. Essas atividades nao de

veriam limitar-se, meramente, ao aprendizado da leitura, es

crita e rudimentos de cálculo, nem deveriam- ser um trabalho

isolado:

"As escolas "João de Barro" serão o centro de partida para muitas outras realizações que deverão surgir do in teresse e necessidade das comunidades e executadas num trabalho conjunto com órgãos técnicos existentes na á rea,,30

Dentre estes órgãos sao citados nominalmente o Depa~

tamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), a Campanha ~

Erradicação da Malária (CEM), a Companhia de Águas e Esgotos

do Maranhão (CAEMA) e a Associação de Crédito e Assist~ncia

Rural (ACAR).

Era prevista uma remuneração para o monitor, que deve

ria estar de acordo com o nível econômico da comunidade e

com o volume de trabalho a ser por ele realizado.Apesar de

definidos estes dois critérios, afirma-se também, (no ítem

"Base dos Cus tos"):

"A remuneração do monitor foi estabelecida levando-seem conta evitar desníveis com os salários pagos pelas pr~ feituras as professoras leigas municipais".

Talvez as prefeituras considerassem os critérios apo~

tados; o certo e que no quadro da previsão orçamentária,para

1968,0 salário dos monitores foi fixado em Cr$ 30,00 (trinta

cruzeiros) ;

Mensalmente o monitor receberia a visita de um supe!

visor, em sua escola.Nesta visita era efetuado o pagamento

do salário e eram realizadas reuniões com os alunos e com

Ressoas do povoado. Nestas reuniões eram debatidos os probl~

mas atinentes ã escola inclusive: a quem competiria comprar

o querosene para as lamparinas, quem ficaria responsável pela

limpeza da escola etc.

Come f:ü dito, a fase -experimental do Projeto 'João de

Barro"iniciol1-sc em agosto de 1967. Ao final daquele ano, os

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7B

resultados alcançados foram considerados plenamente satisfa­

tórios e partiu-se imediatamente, para a consolidação do Pro

jeto. A Tabela VI, a seguir, mostra como foi rápida a expan­

são do "João de Barro", sobretudo nos três primeiros anos.

ESTADO DO MARANHÃO

TABELA VI - EXPANSÃO DAS ESCOLAS IlJOÃO DE BARRO"-1967-l972

ESPECIFICAÇÃO 1967 1972

Municípios atingidos 3 13 34 34 41 77

Escolas funcionando 49 291 852 835

Monitores trabalhando 52 344 1.002 88b'

Matrícula de adultos 637 7.495 27.872 21.955 79.750

Matrícula de .crianças 2.142 12.925 48.020 37.424 35.251

. Matrícula total 2.779 20.420 75.892 59.379 52.779 115.021

FONTE: Coordenação do Projeto de Educação Rural do Maranhão (antigo IlJoão de Barro") - Secretaria de Educação - 1980

Após o crescimento vertiginoso dos três primeiros anos,

quando a matrícula total passou de 2.779 para 75.892 alunos,

iniciou-se, em 1970, um declínio nas ativiiades do Projeto.

Provavelmente isto ocorreu como reflexo do fim do Governo

Sarney e das inevit5veis mudanças que sempre ocorrem nos qU!

dros dirigentes dos 6rgãos administrativos estaduais por oca

sião das trocas dos governantes.

Em 1972,ocorTeu uma extraordin~yia reativação do Pro

jeto, mas foi também neste ano que se verificou a primeira

alteração em sua concepçao original sem afetar, entretanto,

substancialmente sua prática já consagrada. Por determinação

do Conselho Estadual de Educação, daí por diante, o Projeto

João de Barro iria denominar-se "Projeto de"Educação Rural

do Maranhão" e estenderia suas atividades exclusivamente aos

alunos na faixa etária de 7 a 14 anos.

Page 81: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

79

REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

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tiva. Introdução da Tecnologia Educacional no Brasil.D~

partamento de Educação, PUC/Rio. dez.1980,mimeo, p.lO.

9 • ___________________________________________________ . A proposta

pedagógicc. Op. cit., p.14.

10. BOMENY, Helena Maria Bousquet. Paraiso tropical. A Ideo

logia do Civismo na TVE do Maranhão. Rio de Janeiro

Achiamé, 1981, p.22.

ll~ CHARLOT, Bernard. A mistificação

ro, Zahar, 1979, p.169.

7 pCQagog~ca. Rio de Janei

12. BOMENY, Helena Maria Bousquet. Paraíso tropical. A Ideo

logia do civismo na TVE do Maranhão; Rio de Janeiro

Achiarné, 1981; ANDRE, Marli Eliza Dalmazo Afonso de

Page 82: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

00

(coord). Proposta pedagógica da Fundação Maranhense de

Televisão. Introdução da Tecnologia Educacional no Bra ...

silo Departamento de Educação, PUC/Rio, dez. 1980,mimeo;

OLIVEIRA, João Batista e outros. Análise econômica da

TVE do Maranhão. Rio de Janeiro, Associação Brasileira

de Teleducação, fev./77. Série de Estudos e Pesquisas,l.

13. MARANHÃO. Projeto Ba~1.deirante. Secretaria de Educação

s.d., mimeo, p.2.

14. AMADO, Gildásio. Educação média e fundamental. Rio de Ja

neiro, José Olympio, 1973.

15. AMADO, Gildásio. Op. cit., p.165.

16. I de m., p. 1 5 O •

17. Idem., p .. 166.

18. COSTA, José Sarney. Mensagem à Assembléia Legislativa.São

Luís, março/1968.

19. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Da educação fundamental ao fu~

damental da educação. In: Cadernos do CEDES, Ano I,n.l,

1980, p.

20. KREUTZ, Lúcio. Os movimentos de educação popular no Bra

sil~ de 1961-64, Dissertação de mestrado apresentado ao

IESAE-FGV, 1979, mimeo, p.69.

21. MARANHÃO. O projeto João de Barro. Mimeo, s.d.

22. Idem

23. Idem

24. Idem

25. GOES, Moacyr de. De pe no chão també~ se append~ a lep

Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980.

26. MARANHÃO. Projeto João de Barro. Op. cito

27. Idem

28. Idem

29. Idem

30. Idem

Page 83: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

CAPrTULO rrr

o ESTADO E A EDUCAÇÃO POPULAR

O QUE E O ESTADO

Um dos caminhos para se compreender os fenômenos da

realidade é examinâ-10s a partir de suas origens. Para compr~

endermos, entretanto, a origem e a gênese do Estado é preciso

conhecer a forma completamente desenvolvida do Estado capita­

lista moderno, pois é a partir da anatomia do homem que pode­

mos chegar ã anatomia do macaco 1• Foi assim que Engels proce

deu: a partir do conhecimento do Estado capitalista buscou,na

história, sua origem e gênese 2• Para a elaboração desse seu

trabalho Engels se baseou, principalmente nas anotações que

Marx fizera ao ler uma obra do etnólogo norte-americano Lewis

Morgan (1818-1881) e no próprio livro deste: liA Sociedade An

tiga". A partir desta fundamentação, Engels mostra a conexao

existente entre a família, a propriedade privada e o Estado ,

identificando assim a orlgem do Estad0 3•

A partir da dissolução das gens, Engels identifica as

três formas principais das quais surgiu o Estado. Em Atenas,

o Estado nasceu direta e fundamentalmente dos antagonismos de

classes que se desenvolviam no seio mesmo da sociedade gentí-

1ica. Em Roma, a vitória da plebe destruiu a antiga constitui

ção da gens e sobre os escombros instituiu o Estado, onde não

tardaram a se confundir a aristocracia gentílica e a p1ebe.Fi

na1mente, entre os germanos, o Estado surgiu como conseque~

81

Page 84: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

82

cia da conquista de vastos territórios estrangeiros que o

reglme gentílico era incapaz de dominar 4 •

Como consequ~ncia desta anilise hist6rica,Engels con

clui que:

"O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs â sociedade de fora para dentro; tampouco é a"rea lidade da idéia moral ',' nem"a imagem e a realidade da ra zão" como afirma Hegel. E antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvi -mento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está di vidida por antagonismos irreconciliáveis que não conse~ gue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com antagonismos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se ne cessário um poder colocado aparentemente por cima da so ciedade, chamado a amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da "ordem". Este poder, nascido da socieda­de, mas posto acima dela se distancia cada vez mais, em determinado momento histórico, para manter a "ordem",ou seja, para manter o sistema de classes vigentes.

Nesta conclusão, Engels sintetiza a origem do Estado

e o conceitua como sendo um poder: surgido dentro da socieda­

de, em determinado momento histórico, para manter a "ordem" ,

ou seja, para manter o sistema de classes existente. Também

para Luiz Carlos Bresser Pereira,

"O Estado é uma parte da sociedade. E uma estrutura ju rídica e organizacional que se lhe sobrepõe -dela fazendo parte. Quando determinado sistema social passa a produ zir um excedente econômico, a sociedade divide-se e~ classes. Para que a classe dominante, que então surge, tenha condições políticas de exercer seu domínio e apro priar-se do excedente econômico ela institucionaliza o Estado. A partir desse momento a sociedade, além de ser dividida em classes, passa a se compor de urna sociedade civil e do Estado" b

Há, entretanto, autores que contradizem esta conce~

çao da origem do Estado a partir da divisão da sociedade em

classes. Entre estes situa-se, por exemplo, Pierre Clastres ,

citado por Poulantzas 7•

Para aquele, a passagem das "sociedades sem Estado as

Page 85: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

83

sociedades de Estado" se faria com a emergência do poder poli.

tico precedendo a divisão em classes nas relações de produção.

Logo, seria o Estado que teria um papel funa~mental e determi

nante em relação ã divisão da sociedade em classes. Assim:

" ... ê portanto o extrato político que é decisivo, e não a mudança econômica ... E se se deseja conservar os con ceitos marxistas de infra-estrutura e superestrutura, e necessário, então, reconhecer que a infra-estrutura ê o político, que a superestrutura é o econômico ... A rela ção política do poder precede e fundamenta a relação e conômica de exploração. Antes de ser econômica a aliena ção ê política, o poder está antes do trabalho, o econõ mico ê derivado do político, a emer~ência do Estado de termina o aparecimento das classes" .

o próprio Poulantzas faz a crítica do raciocínio de

Clastres:

"Trata-se de exemplo brilhante de raciocínio historieis ta de causalidade linear" 9

Em síntese, do exposto até aquI podemos dizer que o

Estado nasce da sociedade, nasce a partir do surgimento das

classes, ê a expressão da luta de 'classes e da dominação de

uma delas. Além de tudo isso, o Estado é, também , expressão da

necessidade de regulamentar juridicamente a luta de classes

para manter certo equilíbrio entre as ~lasses, em conformida­

de com a correlação de forças existentes, para que a luta ae

classes não se torne dilacerante. O Estado é pois expressa0

da dominação de uma determinada classe, mas também momento

de equilíbrio jurídico e político, momento de mediar;ão. Pare

ce, pois, correto dizer-se que o Estado nasce da sociedade e

é parte desta: mas também é correto dizer que

" ... 0 Estado vai-se constituindo semrrE maIS como um or ganismo com suas leis internas, com ~ua burocracia, com sua estrutura, ao ponto de que parec~ ser uma coisa ln dependente ll10

Aliás, Luiz Carlos Bresser Pereira É de mesma opinião,

ao afirmar que o Estado Moderno,

" ... deixa de ser um mero instrumento 03 classe dominan­te, nos termos de Marx e Engels, para se transformar em

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84

uma estrutura de poder relativamente autônoma, em uma organização política que se separa e se sobrepõe à so ciedade,,11.

Nesta concepçao revela-se a separaçao entre Estado e

povo sobre o qual exerce o poder e do qual o mesmo poder deri

va. Em função desta separação: Estado e povo, alguns autores

enfatizam, na análise do Estado, estas duas instâncias como é o caso de Gramsci. Para ele o "Estado Integral" e:

"Todo o conjunto de atividades teóritas e práticas com as quais a classe dirigente justifica e mantém não so mente sua dominação, mas tamb~m consegue obter o conse~ so dos governados" 1 2 • -

Gramsci subdivide o Estado de classes em duas instân­

Clas: a sociedade política e a sociedade civil, dialeticamen­

te unidas, competindo à primeira a função de dominação (coe~

ção) e a segunda a função de hegemonia.

"A funçao de dominação caracteriza-se pela imposição de normas e pelo emprego da força ou pela possibilidade de utilizar meios de coerç~o. A imposição de normas expri me-se através dum sistema de leis às quais o indivíduo se tem de submeter. Os meio~ de coerção disponíveis sao o exército, a polícia, os juízes etc.

A função hegemônica exerce-se, essencialmente, ao nível da cultura ou da ideologia. E a função pela qual uma classe obtém o consentimento, a adesão ou o apOlO das classes subalternas. E a função pela qual uma clas se se apresenta como vanguarda e como dirigente da so ciedade com o consentimento das outras classes sociais 1 3-:-

Num regime liberal, os meios de legislação e os meca

nismos de repressão são controlados pelo Estado e a função e

conômica é realizada pelos organismos "privados".

"O Estado tem e pede o consenso, mas também "educa" es te consenso utilizando as associações políticas e sindl cais, que. por~m, são organismos privados~ deixados i iniciativa particular da classe dirigente"l:

Estes organismos privados são o conjunto de organis

mos não estatais responsáveis pela elaboração e difusão / da

ideologia para "perpetuar" a hegemonia das camadas dominantes. ~

Apesar de o Estado ter sido concebido como um organismo pr~

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85

prio de um grupo da sociedade, as camadas dominantes, no seu

funcionamento mesmo deve sempre estar atento aos grupos domi

nados.

"O grupo dominante coordena-se concretamente com os in teresses gerais dos grupos subordinados, e a vida esta­tal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no âmbito da lei) entre os in teresses do grupo fundamental e os interesses de grupos subordinados; equilíbrios em que os interesses do gru po dominante prevalecem até um determinado ponto,excluí do o interesse econômico-corporativo,estreito"15. -

Neste sentido e importante que o Estado seja sempre

visto como um organismo de todo o povo: a coerção deve trans

formar-se em consentimento, a força ,em ideologia.

Mas para que as camadas dominantes consigam manter a

sua hegemoni~ é necessário que elas convençam

li ••• as outras classes que elas são as mais aptas a as segurar o desenvolvimento da sociedade, é necess'ário que elas favoreçam, no seio mesmo da estrutura econômica, o crescimento das forças produtivas e a elevação de vida das massas populares" 16 .

A hegemonia que, por exemplo, a burguesia norte-ameri

cana mantém sobre as camadas subalternas repousa na política

de altos salários e no crescimento econômico de toda a socie-

dade. Logo,

"Mesmo se a hegemonia é um fato essencialmente ideológi co, ela é condicionada pela política do Estado e pelas decisões dos dirigentes de empresa. As palavras não são suficientes para convencer as classes subalternas a se guir a classe dirigente: é necessário que os fatos fav~ reçam a direção ideológica desta"17.

o consenso entre o Estado (classe dominante) e 3 es

trutura econômica (relações de produção e de troca) ou entre

a superestrutura e a infra-estrutura é um "b"loco-histórico" .

Este "bloco-histórico" se mantém coeso numa sociedade através

da ação da ideologia dominante. E ela que obtém o consenso e~

tre as camadas dominadas e os dirigentes da sociedade cauita­

lista. O produto desta situação conduz a

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S6

" ... um processo pelo qual as camadas populares, embora tenham interesses antagônicos ao sistema, são basicamen te subordinadas; porque não tem sua própria concepção de mundo, sua cul tura, mas absorvem a_-cul tura das clas ses dominantes de maneira heterogênea, desorganizada , passiva. De maneira que a maneira de pensar das classes 'subalternas é destituída de organicidade, de capacidade crítica"lB.

Um dos mecanismos de que dispõe o Estado para difun

dir a ideologia e prolongar a hegemonia das camadas dominan

tes é a escola. Através dela é espalhada a.ilusão de que o Es

tado está fora e e o árbitro da luta de classe.

Em função da vinculação existente entre a organização

escolar e a consolidação da dominação das classes dirigentes

optamos pelo conceito de "hegemonia" para estudar as relações

entre Estado e educação escolar, inclusive a popular.Este co~

ceito, segundo Macciochi, propicia uma contribuição original

para o estudo da atual realidade histórico-política,principa!

mente no que se refere ã construção de uma nova sociedade p~

las camadas populares 19•

A AUTONOMIA NO ESTADO

A tendência hodierna do Estado de Classe e tornar­

se cada vez mais centralizado e autoritário, em função de

regular as principais variáveis econômicas e de manter a

dominação e a direção sobre a sociedade crescentemente diver

sificada, cujas desigualdades e injustiças provocam reaçoes,

em vários niveis. dos diversos setores alijados dos beneficí

os econômicos e das possibilidades de participação tornados

possíveis, contraditoriamente, pelo progresso das forças pr~

.dutivas e dos meios de comunicação. Essas reações contribuem

não só para que as classes governadas p~ulatinamente desven

dem os mecanismos de manipulação a que estão sujeitas, mas

busquem conquistar a sua autonomia, entendida corno o movimen

to de negação da dominação. Este movimento tem como ponto de

partida e de chegada a ação local, direta, dos próprios inte

ressados. Mas não ê qualquer decisão tornada por um grupo so

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87

cial que contribui para o processo de sua emancipação, da con

quista de sua autonomia. Esses grupos sociais podem manter-se

subordinados à dominação ideológica e, em sua prática, refor

çá-la ao invés de destruí-la. Entretanto, mesmo enquanto ex

pressão de uma "falsa consciência", sua prática pode levá-los

a um processo de tomada de consciência real.

Na prática 0as classes dominadas existe sempre um as

pecto que significa a reiteração da submis~ão e um aspecto que

implica na revolta contra esta. Todo momento de luta traz

consigo uma negação da ideologia dominante; traz uma desesta­

bilização da dominação, uma afirmação da autonomia. Mas as

lutas de classe sofrem reflexos, descontinuidade~. A reprodu­

ção do sistema traz consigo a retomada da dominação, a neutra

lização, a divisão, a desmoralização ou dispersão dos domina-

dos. Daí a necessidade de dirigentes, "intelectuais

cos", no sentido de Gramsci, entendidos como sendo

organ~

aqueles

que asseguram a continuidade dos movimentos, elaboram as ex

periências, articulam os diversos ~ovimentos e dão respostas

mais abrangentes às formas de luta em cada conjuntura.

Existem vários níveis de autonomia. A autonomia de um

movimento local, parcial, constitui o primeiro nível, o mais

elementar. A autonomia só se desenvolve à medida em que esses

movimentos locais se articulam com outros, porque só é possí­

vel afirmar uma plena autonomia ao nível de toda a sociedade.

Por lSSO a luta pela autonomia envolve um empenho de partici­

paçao em todos os níveis, dos indivíduos e, principalmente,da

comunidade, ou dos individuas nas comunidades, em luta por um

desenvolvimento alternativo, baseado nas necessidades sociais

e que concebe um processo de libertação social a partir do

espaço local.

A medida que estes movimentos de autonomia ampliam

perder sua atuação articulando-se com outros movimentos. sem

sua identidade, vai-se constituindo uma nova hegemonia. Isto

nao ocorre de modo espontâneo, mas decorre da paciente elabo-

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raçao de uma nova ideologia. A elaboração desta nova

gia se processa da seguinte forma:

88

ideolo

liAs classes sociais têm uma filosofia real, que é a de sua ação, do seu comportamento. E elas têm também uma "filosofia declarada, que vive na consciência, a qual está em contradição com a filosofia real. f preciso jun tar esses dois elementos através de um processo de edu~ cação crítica, pela qual a filosofia real de cada um , sua política, se torne também a filosofia consciente, a filosofia declarada. O fim é chegar a esse processo de unificação de teoria e prática, de cQnstrução de uma cultura nova, revolucionária, de reforma intelectual e moral,,20.

A nova hegemonia assim emergente,

li ... hegemonia exercida enquanto função de direção sem domínio, mostra a possibilidade e sugere a força da ideo logia dominada, quando ela consegue Eonstituir-se de forma autônoma face à ideologia dominante, ou melhor quando conseguiu romper com está, rompimento que não se dá independentemente das transformações econômicas p~ las qU21S a sociedade esteja passando, mas que, por ou tro lado, não é inteiramente dependente delas. AreIa ç~o entre economia e ideologia se esclarece, na concep~ çao gramsciana, quando se adota a tese de que é no cam po ideológico que os homens tomam consciência dos con flitos do seu mundo econômico"21.

O PAPEL DO ESTADO NA EDUCAÇÃO

Qual o objetivo do Estado em procurar implantar o

malor numero possível de escolas por toda a parte?

Nas primeiras p~glnas deste capítulo vimos que o Esta

do é um poder surgido dentro da sociedade para manter a "or

dem". Esta "ordem", segundo Luiz Carlos BTesser Pereira, e a

que permite assegurar 2 classe economicamente dominante perm~

necer também politicamente dominante 22 .

O Estado através de um conjunto de atividades, nao

procuram apenas manter ~ dominação econômica e política da

classe dirigente, mas procura também conseguir obter o conse~

so ativo das camadas subordinadas. Esta dominação e este con

senso ativo o Estado procura conseguir tanto pelo aparelho

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89

repressivo quanto pelos aparelhos ideológicos; a dominação é

especialmente garantida pelo primeiro enquanto que o consenso

pelo segundo.

Um dos aparelhos ideológicos mais eficientes de que o

Estado dispõe é o escolar, pois, mais que qualquer um dos de

mais, está sujeito diretamente à ação do Estado através da le

gislação educacional, da educação estatal e do planejamento ~

ducacional. O Estado se utiliza, pois, da ~scola para fortal~

cer economicamente a classe dominante e conseguir o consenso

ativo dos governados para que ela permaneça politicamente do

minap te.A escola contribui ao fortalecimento econômico da clas

se dominante ao concorrer para a melhoria da qualificação pr~

fissional gerando, assim, um maior montante de mais valia.Tam

bém, através da escola, a classe dominante mantém a sua h~ge­

monia, o consenso ativo dos governados, pela inculcação ideo

lógica. Tanto este papel econômico quanto ideológico estão di

retamente lirados ã própria gênese da escola.

"Por toda a parte onde ela (a educação) deixa de ser to talmente livre e comunitária (não escrita) e é presa na escola, entre as mãos de educadores a servico de senho­res, ela tende a inverter as utilizações de~seus frutos: o saber e a repartição do saber. A educação da comunida de de iguais que reproduzia em um momento anterior a igualdade,ou complementariedade social, por sobre dife renças naturais, começa desde quando aos poucos usa a escola, os sistemas pedagógicos e as "leis de ensino " para servir ao ~ºder de uns poucos sobre o trabalho e a vida de muitos" ".

Dito de outra forma: desde o momento em que a educa

çao se institucionaliza, reproduz as desigualdades sociais.No

caso particular da escola, nesta função de reproducão das de

sigualdades, está servindo "ao poder de uns poucos sobre o

trabalho e a vida de muitos". Esta função reprodutora se efe

tua no conjunto de todo o processo de socialização: desde a

disciplina escolar ao livro didátic0 24, da relação professor­

aluno ao cultivo de valores, na farda como' camuflagem das de

sigualdades sociais, enfim, ao longo de todas as atividades e

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90

ducativas.

A reprodução ou difusão da ideologia da classe domi

nante (de uns poucos) se efetua por uma série de organismos

sociais. Entretanto, para Gramsci, a organização escolar é o

primeiro dentre eles e para evidenciar esta importância cons~

gra vários escritos aos diversos tipos de escola que o prole­

tariado deveria organizar assim que tivesse conquistado o PQ

der. Enfatiza, sobretudo, a academia como organismo-chave da

organização escolar, que deveria:

"a) Aumentar as possibilidades de reflexão na vida do trabalhador manual e permitir aos mais talentosos de entr; eles o acesso às funções intelectuais;

b) Sensibilizar os universitârios aos problemas concre tos dos trabalhadores manuais; -

c) Favorecer a integração da herança intelectual das gerações precedentes à cultura presente;

d) Elaborar uma cultura nacional homogênea e unitária estreitamente ligada à vida coletiva e ao unIverso da produção;

e) Unir estreitamente os intelectuais aos não intelec­tuais .. 25

Nesta proposta percebe-se a preocupaçao de Gramsci em

promover na academia a unidade entre escola e vida e entre ins

trução e educação, unidade esta que não existia na escola 26

Esta unidade não poderia efetivamente existir já que a função

básica da 8scola era a difusão da ideologia dominante.

Este tema referente ao papel ideológico que a escola

cumpre no processo de reprodução 6as desigualdades sociais

foi ultimamente retomado com insistência e já é bem ampla a

bibliografia produzida sobre o tema. Para exemplificar,citare

mos apenas: "Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado" de

Louis Althusser e "A ~eprodução"de Pierre Bourdieu e Jean

Claude Passeron.

A critica que é feita a estas duas obras é que seus

autores apontam como ~nica função Ca escola a reprodução das

relações de produção (Althusser) ou do arbitrário cultural

(Bourdieu-Passeron) .

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91

Não se pode negar esta função reprodutora primordial

das escolas. Entretanto, além dela as escolas concorrem para

a formação da consci~ncia crítica dos alunoi: Gramsci eviden

cia bem estas duas funções ao apontar a dupla função estraté­

gica que a escola, como as demais instituições da sociedade

civil, possui: conservar e bloquear as estruturas capi talistas.

Conservar: reproduzindo os valores das camadas dominantes, e,

bloquear: preparando uma nova ordem social. Esta preparaçao

de uma nova ordem social se processa na formação de uma cons

ci~ncia critica nos alunos.Um dos processos utiliz~veis na

formação da consci~ncia crítica e a constante confrontação en

tre o conteúdo enfocado em sala de aula e a realidade vivida

pelos alunos tunidade entre escola e vida, instrução e educa­

ção). A importância em estabelecer a correlação entre o traba

lho (realidade vivida) e a educação (atividade escolar) e en

fatizada vor Marx quando afirma:

"A associação entre trabalho produtivo e educação desde tenra idade constitui-se num dos mais ~oderosos melOS para transformação da sociedade atual" 7.

Assim, o trabalho é visto simultaneamente como,

" ... um instrumento epistemológico, um instrumento de mediação com o mundo, um objeto de estudo e um meio pa ra a integração da teoria e prática, trabalho intele~ tual e manual, no limite, crítica e transformação do mundo"2B.

Sintetizando podemos dizer que, além de a escola ser

o principal organismo na difusão da ideologia ela é igualmen­

te um mecanisTIo para a preparação da mão-de-obra qualificada

necessária à expansão econômica. Ao realizar esta dupla fun -

ção, a escola concorre, "também, para desvendar as contradições

existentes numa sociedade de classes.

Como se situa o Estado diante destas funções da educa

ção?

o Brasil, segundo Luiz Carlos Bresser Pereira,desde a

sua independ~ncia política passou pelos est~gios de Estado

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92

Oligárquico Mercantil, Estado Populista e Estado Tecnoburocrá

tico-capitalista Dependente. Este último estágio começou a

formar-se na segunda metade deste século em ,nosso país que

passou

" ... por um processo capitalista de industrialização subs titutiva de importações e corresponde, no plano econô~ mico, ao modelo de subdesenvolvimento industrializado,,29.

Este Estado tecnoburocrático-capitaliJta tem um papel

estratégico fundamental no sistema econõmico. Além de conti

nuar a ser o instrumento fundamental de acumulação capitalis­

ta privada agora se torna também o Estado planejador e inves­

tidor.

Esta intervenção crescente do Estado em todos os as

pectos da vida economlca não é algo novo na história do cap~

talismo. Mesmo nos países mais apegadosao "laissez-faire" sem

pre o Estado deteve um papel primordial, inclusive em relação

a esfera econômica.

Embora a característica fundamental do Estado tecnobu

rocrâtico seja a acentuada intervenção estatal na economia, a

sua função econômica articula-se sempre com o seu papel poli

tico. Dito de outra forma: a intervenção estatal não se limi­

ta ao econômico mas incorpora também o social. E isto se eVl

dencia claramente na educação:

"A intervenção do Estado em educação nas formaçôes so ciais capitalistas,justificada com base nas funções ma nifestas de sociali:ação, coesão social. diferenciação e formação profissional, tem como finalidade real im plantar'uma política educacional estabelecida com a fi~ nalidade de levar o sistema educacional a cumprir o seu papel na reprodução da formação social do capitalismo, pela reprodução das forças produtivas e das relaçôes de produção,,30.

Para que o sistema educacional cumpra este papel,o E~

tado estabelece uma política de educação e procura implantá­

la por três mecanismos básicos: a legislação educacional, a

educação estatal e o planejamento educacional. Esta política

da educação se insere na política global do país, definida

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pelos que detêm a hegemonia no Estado. Por isso,

"A política educacional estatal procur:~rá alcançar a he gemonia, sempre na defesa dos interesses da classe doml nante ... O Estado, através de sua política educacional só é ator e a causa central do funcionamento do moderno sistema de educação capitalista, aparentemente.Em verda de seu papel é o de mediador dos interesses da classe dominante,,31.

A Introdução do I Programa de Governo do Maranhão,

como afirmamos, foi escrita pelo próprio José Sarney. Nela

ele aceita que era o Estado tecnoburocrático-capitalista que

vigia no Brasil, pois enfatiza, por exemplo "a crescente ln

tervenção do Estado no domínio econômico"; por esta razão o

Estado se torna "regulador e agente de atividades produtivas",

e, em função deste papel há necessidade de ser "racionalizada

a atuação do setor público". Nos governos centrais, sempre se

gundo Sarney, esta racionalização "se tem consubstanciado na

elaboração de planos de desenvolvimento", justificando-se a

elaboração de um plano de desenvolvimento global do Maranhão

integrado nos planos nacionais e regionais de desenvolvimento

economlCO do país.

Em consequência desta Vlsao de Estado e dessa integr~

çao dos diversos planos de desenvolvimento econômico, e natu

ral que na administração de José Sarney a ênfase maior fosse

dada ao econômico: ~ infra-estrutura, ao incentivo ~ produção

e aos recursos humanos para "capacitar a mão-de-obra para me

lhor utilizaç~o dos instrumentos de produção". Esta preocup~

ção fundamental com o econômico está bem presente- na meta "Re

cursos Humanos" e. em especial nos proj etos que j á apresenta­

mos: Bandeirante, Televisão Educativa e "João dê' Barro".

o Projeto Bandeirante se enquàdra perfeitamente den

tro das especificaç6es do Programa Estratégico de Desenvolvi

mento, elaborado pelo Governo Central para o período 1968-70,

que, dentre outras metas, previa a reformulação do ensino me

dio ~

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" ... para constituir, com o prlmarlo, um instrumento fundamental que, atendendo a elaboração do padrão qualitativo, assegurasse a formação bisica do educan­do e sua preparação para atividades ~con5micas na in dústria, agricultura e serviços .. 32.

A finalidade do Proj eto Bandeirante na preparaçao dos

alunos "para atividades econômicas" é bem evidenciada em seus

objetivos como também em seu currículo, como enfatizamos ante

riormente. Também o projeto "João de Barro" se situa dentro

desta mesma ótica, evidenciada, desde logo,' em seu ob jeti vo

geral: "inserir o homem rural maranhense no processo de desen

volvimento econômico racionalizado". Na própria Televisão Edu

cativa, apesar de não tão explícito, um dos objetivos era con

tribuir para tornar os alunos úteis economicamente às famí

lias e à sociedade.

Mas será que na perspectiva de Sarney a escola tinha

por função apenas esta linha economicista? O "vitorinismo" im

perava no Maranhão desde 1956. Com a vitória de José Sarney,

vitorioso pela oposição ocorreu uma renovação geral dos qu~

dros políticos e administrativos no Estado. Para que esta no

va fração de classe que se tornava dominante se tornasse tam

bém dirigente era necessirio difundir sua ideologia, a ideol~

gia do "Jvlaranhão Novo". Nada melhor para esta difusão e para

sua inculcação do que as escolas.

Já nos tempos do Governo Jose Sarney os confrontos en

tre posseIros e latifundiários/grileiros, como foi visto,eram

constantes. A atuação do Estado, como orgão mediador, se rea

lizava tanto pele· aparelho Tepressjvo-policial -- quanto p~

lo .aparelho ídeológico-escolar.O "João de Barro" teria t.am

bém este papel de mediação.

A educação escolar no Governo Jose Sarney era, porta~

to, vjsta como um instrumento de produção de recursos humanos

necessários à implantação de uma "nova ordem econômica"; era

vista como um meio eficiente para a difusão e inculcação da

ideologia do "Maranhão Novo" e era vista como o recurso mais

adequado para diminuir os conflitos de terras no meio rural.

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_~S_TADO E ED_UCAÇÃO POPULAR

Antes de analisarmos as correlações entre Educação Po

pular e Estado vamos conceituar educação popular.

Marilena Chauí, ao falar sobre o popular, aponta a

frequente confusão que se faz em torno da noção de camadas

populares ao se lhes atribuir características como: passivid~

de, imaturidade, desorganização, violência etc. Esta conce~

çao justificaria a necessidade de

" ... educá-Ias e controlá-las para que subam "corretamen te" ao palco da histôria,,33.

Para evitar esta confusão, e necessarlO preclsar o

que entendemos por camadas populares.

Pelas denominações: camadas populares, classes popul~

res ou classes subalternas são abrangidos todos aqueles que

vivem uma condição de exploração e de dominação no capitalis­

mo, sob suas mfiltiplas formas. Est~ exploração e dominação

está ligada tipicamente à atividade produtiva. No entanto ela

nao se limita exclusivamente à atividade produtiva,

!I ••• mas se produz e reproduz também em outras dimensões do processo econômico como um todo. E dominação nos pIa nos social e político, vinculada à exploração econômic~ que por seus efeitos acaba identificando as distintas categorias existentes na vida social concreta, nos bair ros, homofeneizando-as em atitudes e comportamento c~ muns. ainds que analiticamente devam ser distinguidas. Classes populares, pois, serão entendidas no plural,com preendendo o operário industrial, a classe trabalhadora em geral, os desempregados, os indígenas, os funcion~ rios. os nrofissionais e alguns setores da burguesia.,34 -

Uma vez definido o que entendemos por cama~as popula­

res podemos conceituar educação popular. Segundo Carlos Rodrl

gues Brandão, em sentido bem amplo, educação popular pode ser

vista como sendo a totalidade de práticas pedagógicas dirigi­

das i sujeitos jovens ou adultos pertencentes is camadas pop~

lares 35. Neste sentido tanto os programas do MOBRAL quanto

do MINERVA poderiam ser considerados como educação popular.E~

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96

tretanto, segundo Júlio Barreiro,

"O denominador comum-entre todas (as ~9.rmas de educação popular) ê a oposição entre as propostas educativas da ideologia das classes dominantes e a busca de uma verda deira ciência das classes dominadas que possa servir com maior eficácia para a sua tradução em forma de uma ação política transformadora"36.

Neste enunciado está claramente evidenciado que o fu~

damental da educação popular deve ser a produção de um saber,

pelas camadas populares, que sirva eficazme~te de instrumen -

tos no processo de sua libertação, de sua autonomia. Produzir

este saber ê adquirir consciência das relações sociais de que

as camadas populares fazem parte.

"Ter consciência mais ou menos profunda delas (isto ê , conhecer mais ou menos o modo pelo qual elas podemse mo dificar) já as modifica. As próprias relações necessá ~ rias, na medida em que são conhecidas em sua necessida­de,mudam de aspecto e de importância. Neste sentido, o conhecimento é poder" 37 .

E esta a característica que diferencia a educação p~

pular das propostas educativas das classes dominantes. A fin~

lidade última destas e a reprodução enquanto que a primeira ê

sua própria libertação. Neste sentido, a educação popular se

rla a açao educativa que cria situações para uma permanente

reflexão - revisão de dois polos: realidade existente -- açao

necessarla a sua mudança. Em outras palavras, a educação pop~

lar deve ser claramente compreendida corno

" ... um instTdmento de contribuição imediata a uma efeti­va transfo~maç~o da sociedade classista e opressora"38.

Antes de definirmos as correlaçôes entre Estado e edu

caça0 popular, torDa-se necessário retornar ao Projeto "João . de Barrd! A questao que se impôe ê esta: a proposta pedagógi-

ca do "João de Ba 1'1-0" e ra uma propos ta de educaç ão popula r no

sentido anteriorme~te definido?

Ao apresentarmos, no capítulo anterior.a proposta in!

cial do Projeto 'Uo~o de Barrd: enfatizamos os aspectos que a

identi ficavam ao J'.1c\'imen to de Educação de Bas e. Vimos então

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que efetivamente os elaboradores daquela proposta pretendiam,

através das "escolas João de Barro", desenvolver um trabalho

de""educação de base" na concepção do MEB. Umá série de passa­

gens do documento analisado reforçam esta disposição da equi­

pe, sobretudo na definição dos objetivos do "João de Barro" .

Entretanto, ao mesmo tempo em que é explicitada esta opçao

pela educação popular, há outras passagens que tornam presen­

te a ideologia do desenvolvimentismo, característica do "Ma

ranhão NovC)" do Governo José Sarney. A presença desta ideolo­

gia desenvolvimentista surge logo na "Apresentação" do "João

de Barro". Nela é definido, como já vimos, o objetivo geral

do projeto: inserir o homem rural no processo de desenvrlvi -

mento. Também na "Justificativa" há referência à

desenvolvimentista:

ideologia

liA perspectiva do desenvolvimento que se descortina no Estado exige a preparação e participação do homem no seu processo evitando a sua marginalização.

O homem rural, em grande maioria isolada em seu meio, marginalizado dos recursos culturais e econ5micos exis tentes encontra-se incapaz de" por si inserir-se no pr~ cesso de desenvolvimento global do Estado,,39.

Esta ideologia desenvolvimentista

" ... se propõe a despertar a consciência da necessidade do desenvolvimento, construíndo uma nova mentalidade e promovendo o espírito do desenvolvimento. Na verdade, o que ela deseja é criar uma aspiração nova dirigida para o aumento da prosperidade. Ou melhor, o que pretende é generalizar esta aspiração como necessidade. Para tanto se apóia

1 antes de tudo, na imagem de um futuro promis

"L U -sor ...

Este despertar do homem rural marginalizado para o de

senvolvimento, este anúncio de um futuro promissor que a per~

pectiva de desenvolvimento faz descortinar no Estado são os

discursos característicos da ideologia desenvolvimentista, em

geral e da ideologia do "J--laranhão Novo", em particular.

Há, portanto, na proposta do Projeto "João de Barro I'

a presença da intenção de se fazer educação de base -- educa

ção popular - e a de ser útil à ideologia desenvolvimentista.

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A presença do desenvolvimentismo no Projeto "João de Barro "

não ê de se estranhar pois era um tema que, ao final da déca­

da de 50 e começos de 60, estava presente em-·todos os movimen

tos de educação popular daquele período. Hoje em dia poderi~

mos-nos indagar quanto da possibilidade de realizar simulta­

neamente estas duas aspirações: concorrer para a autonomia

das camadas populares e contribuir ao desenvolvimento econômi

co. Talvez a resposta esteja na questão: a quem serve o desen

volvimento? Com o desenvolvimento o que se objetiva fundamen­

talmente ê a expansão e o crescimento do capital.

"O desenvolvimento social ê encarado como consequência do desenvolvimento do capital, de sua expans~o diferen ciada e ilimitada. A possibilidade de distribuição das novas riquezas geradas no processo de produção ficam re duzidas aos excedentes da acumulação, auando estes des pejam pelas bordas das vasilhas e~ que 'estã contida a acumulação ",+ 1 •

As consequências sociais da expansao do capital sao

bem evidentes na violência gerada na zona rural, conforme vi

mos anteriormente.

Voltemos i questão inicial: Qual o papel do Estado na

educação popular?

"Se vemos o Es tado como um ins t rumento nas mãos das cl as ses dominantes, que atua de maneira a assegurar a repro dução das relações de produção e de exploração, e se se define a educação popular como somente aquela que estã voltada para os interesses Gltimos das classes a que se destina, parece consesuente considerar que somente es tas classes podem rea~izar su~ educação ... e que ao Esta do não cabe nenhum p2pel"42.

Aliis, Marx ~ tamb~rr taxativo ao afirmar:

"Es o de educación p;J::-;ul a r a cargo deI Es tado e5 ab s o lu tamente i.nadmisibÚ,,·4 J.

A partir destas colocações parece claro que :

se considerarmos o ES-;-;-tdc como sendo "uma estrutura de

dominação que permite ~ classe economicamente dominante

tornar-~ também poli~jcamente dominante;

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- se considerarmos a educação popular como sendo um "ins

trumento de contribuição imediata a uma efetiva trans

formação da sociedade classista e opressiva";

- então, é evidente que ao Estado não cabe papel

em educação popular.

nenhum

Seria, entretanto, muito apressado deduzir-se, a pa~

tir desta conclusão que ao Estado não cabe função nenhuma na

escolarização das camadas populares e que as açoes que o Est!

do empreende neste setor redundam sempre em maior dominação

das camadas dirigentes. E se assim ocorresse, como entender

as ~ampanhas em prol da escolarização obrigatória e gratuita

para todos? E qual seria a razão do interesse das populações

rurais em possuir a sua escolinha nos povoados mais remotos?

Impõe~se, inicialmente, um esclarecimento. Não se de

ve confundir a educação popular, como a definimos, com a edu­

caça0 escolar do sistema formal de ensino, ministrada geral -

mente pelo Estado às camadas populares. Aquela se processa,em

geral, fora deste sistema e atinge basicamente os adultos em

suas lutas sociais: lutas pelas terras a cultivar; lutas pelo

lote urbano para morar; lutas sindicais; lutas por trabalho;e,

mesmo,lutas pelas escolas para seus filhos etc. Parece uma

contradição: a luta por escolas pode ser útil ã libertação das

camadas populares, pode ser educação popular.

As lutas sociais concorrem para a formação da conSC1-

~ncia politica pela descoberta das relações que envolvem as

classes populares. Através destas lutas as camadas populares

vão tomando conhecimento das contradições que existem na 50

ciedade em que Vlvem: se lutam por terra para cultivar ~ por

que existem os proprietários que a possuem para especula~; se

lutam por terreno para construir sua casa é porque há muitos

que, alem de possuirem sua moradia ainda, têm terrenos para

negociar; se participam das lutas sindicais por melhores salá

rios e condições de trabalho é porque os patrões exploram o

seu trabalho; se lutam por trabalho é porque o trabalho é uma

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necessidade básica e um direito universal; se lutam por esco

las para seus filhos é porque nelas eles

li ••• podem aumentar a capacidade de resistência as deter minações do Estado"44.

Somente ao conhecermos as contradições existentes na

educação escolar podemos perceber que a escola nao procura a

penas inculcar nos alunos a ideologia dominante mas lhes ofe

rece, também, instrumentos úteis à sua sobrevivência, como a

iniciação ao trabalho. Na escola ocorre efetivamente a in:::ul

caça0 ideológica, corno foi dito, mas ela também instrumentali

za os alunos das camadas populares que assim terão melhores

condições para conhecer as contradições da sociedade e eng~

jar-se mais consequentemente nas lutas populares. Mesmo a pr~

pria inculcação pretendida se torna superficial nas escolas das

camadas populares pela dissonância existentes entre a real ida

de vivida por estas camadas e a ideologia que a escola prete~

de inculcar. Seria muito ingênuo negar às camadas populares a

capacidade de perceberem estas con~radições. Antonio Cícero

de Sousa o confirma:

"Tem vez que eu penso que pros pobres a escola enSlna o mundo corno ele não é,,45.

A percepção destas contradições concorre ao surgime~

to da consciência crítica necessária à libertação. Mesmo que

a escola consiga apenas que seus alunos aprendam a ler, escre

ver e fazer as quatro operações, par2 alguns isto estara sen

do um instrumento útil ã sua sobrel'ivência. Pois, com estes

conhecimentos, sobretudo na cidade. ( mais fácil

trab alho cio que sem ele 5 .

encontrar

Para ilustrar o papel que uma escola pode desempenhar

junto às camadas populares, nada melhor que o fato ocorrido

com uma escola "João de Barro" e que nos foi relatado por uma

supervisora diretamente ligada ao .r ...... + .-' J... ... 1. ~ U ..

Em meados de 1968 chegava à Coordenação do Projeto

"João de Barro" reclamações contra a ::loni tora de uma escola

situada num povoado do município de Bocabal. A Coordenação

8IBLlOTECA l"JtlWACAO GETULIO vARGAlt

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para lá enviou uma equipe para resolver o problema. Lá chega~

do, a equipe logo descobriu que as reclamações contra a moni­

tora partiam do dono das terras nas quais a escola fora cons

truída. A monitora, segundo depoimentos prestados por todos

os alunos, era muito esforçada, realizando, inclusive,reuniões

aos domingos com os alunos para com eles discutir seus probl~

mas. Insatisfeito com esta atuação da monitora, o dono das

terras a denunciara por incompetência e falta de "moral"e su

geria que fosse substi tuída por sua sobrinh'a - o que realmen

te, após algum tempo, conseguiu.

Este r.aso mostra como uma escola, por malS simples que

seja, dirigida por uma monitora sem a devida qualificação le

gal pode, assim mesmo, se tcrnar incômoda para os donos do p~

der.

Outra indagação que havíamos levantado era em torno

da razão do interesse de todos os povoados em possuirem a sua

escola. Segundo Anton~o Lettieri, a razão da exist~ncia do e

levado contingente de

tI ••• trabalhadores que frequenta cursos noturnos é sinal de uma aspiração de massa: fugir à condição operáriavo! tando à escola" 46 .

E claro que esta aspiração raramente é satisfeita

pois nao h~ vinculo entre escola e trabalho. Gramsci e mals

enfático sobre esta desvinculação ao afirmar que nao há "uni

dade entre escola e vida"47. Logo, a procura de escolas pelas

camadas populares e, em geral, causada pelo fa~o destas cama

das conceberem a escola como um meio de evadir-se de sua con

dição, para ohter uma poslçao mais elevada, melhor. Entretan­

to, a maioria das pessoas que entrevistamos em Bela Vista nos

afirmaram não acreditar que a escola pudesse ser-lhes ainda

muito fitil. Mas acreditam nela para seus filhos. O proprlo

Gramsci já observara esta esperança do campon~s italiano de

que um de seus filhos chegasse um dia a "tornar-se senhor" e

assim facilitar a sua própria vida 4B• Esta esperança de p~

der obter uma melhoria econômica através dos filhos pela esco

la, leva muitas famílias de agricultores sem terra, uma vez

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·102

que um filho conclui a escola local, a abandonar o pouco que

possuem para se mudar para a periferia urbana para propiciar

ao filho a oportunidade de prosseguir seus estudos.

Esta concepção de escola como "meio de evadir-se de

sua condição" também a constatamos entre a população do povo§:.

do de Bela Vista. Falando com um grupo de moradores daquela

localidade, numa casa de farinha, perguntamos a opinião deles

sobre a escola lá existente. Todos os prese~tes se mostraram

insatisfeitos com o que seus filhos lá aprendiam. As coi3as

que realmente sao necessários para a vida deles eles o apre~

dem no convívio com os adultos. Na escola "aprendem nada de

útil". Indagamos, então, o que a escola deveria ensinar. O de

poimento de um deles:

"A escola deveria preparar para viver na cidade pois o caboclo quando se muda para a cidade fica totalmente a bestalhado".

Este depoimento nos surpreendeu. Continuando a conver

sa constatamos que está bem claro na consciência dos morado

res de Bela Vista que as possibilidades de lá reproduzirem a

sua existência, como agricultores sem terra, são cada vez

maIS exíguas e dentro de um curto espaço de tempo, 3 a 5 anos,

isto se tornará praticamente impossível. Realmente, com a ocu

pação das fronteiras agrícolas do Maranhão, com a rápida ex

pansão da pecuária e, como consequência, as dificuldades cada

vez maiores em conseguir terra para o cultivo,indicam que a

vida do agricultor sem terra, neste Estado, bem proximamente

sera impossível. E os moradores de Bela Vista estão conscien­

tes desta realidade e veem na Escola uma possibilidade para

evadir-se, pelo menos os seus filhos,desta situação. Para um

outro informante a escolà deveria preparar os alunos em uma

profissão. Indagamos em quais. Dentre os vários que ele men

Clonou (mecânico, técnico de rádio, técnico de desenho) nao

estava a de técnico agrícola.

Outra razão que pode explicar 3 luta de cada povoado

interiorano em prol de sua escola pode ser a descoberta da 1m

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portância da leitura e da escrita que estas populações do in

terior realizam ao longo de suas lutas por terra. A experiê~

cia lhes ensinou que, cada vez mais, as pendências por terra

sao resolvidas, não mais pela força, mas sim por intermédio

de documentos escritos. Quem possui documentos e sabe utili

zá-los está sempre mais próximo do direito do que aqueles qUé

nao os possuem ou nao sabem manipulá-los. Em geral sao os ad

vogados, do Sindicato ou da Pastoral da Terra, que tentam re

solver os problemas de terras dos posseiros' e estes,sentindo­

se impotentes em suas maos, descobrem a importância da leit~

ra e da escrita para as suas lutas. Esta razão está diretamen

te associ~da ~ anterior.

Mas voltemos ao Estado, entendido como a união dia

lêtica da sociedade política e sociedade civil (coerção mais

hegemonia). Uma classe ou fração de classe antes de se tornar

dominante deve ser dirigente. Ou, uma determinada classe so

cial só se tornará hegemônica quando conseguir' o consenso ati

vo das demais classes. Este consensp é obtido, essencialmente,

ao nível da cultura ou da ideologia. Neste sentido a classe

dominante se utiliza de todos os mecanismos da sociedade Cl

vil para a difusão de sua ideologia. Um destes mecanismos e

o aparelho escolar. Este aparelho se torna singularmente efi

cienté em seu papel de inculcacão ideológica quando possibil~

ta

n ••• oferecer condições sc1periores de trabalho e de ga nhos a parcelas das classes baixas que ascendem a condI ções superiores de trah2111G. através de sua formaçãopro fission~l realizada pelé... escola ... ", 9. -

Se o sucesso da esco12 na formação da consciência, ln

culcação ideológica, está relacionado ã efetivação das expec­

tativas que ela desperta, a n50 concretização dos mesmos con

corre igualmente para a formação da contra-consciência, da

contra-ideologia. Neste sentido, quanto mais eficiente for

uma escola mais condições possui de produzir resultados con

traditórios. Isto propiciar5 a segmentos das camadas popul~

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res a verem. com malS evidência, a contradição entre a "teo

ria" e a "prática". A contra-hegemonia começa a surgir a medi

da que as camadas populares começam a criticar a concepção de

mundo que lhes é imposta tendo em vista a construção de uma

concepçao nova na qual se estabeleça efetivamente a unidade

entre teoria e prática, ou segundo Gramsci, entre política e

filosofia. A construção desta nova concepção de mundo,da uni­

dade entre teoria e prática, as camadas populares a realiza

rão através de sua5 lutas. A escola, por suas contradições

contribui para melhor instrumentalizar as camadas populares

para a construção desta nova concepção de mundo.

Há autores, Vanilda Paiva por exemplo, que acreditam

que o Estado pode oficialmente patrocinar programas de educa­

çao popular n6 sentido de libertação das camadas populares.V!

nilda Paiva cita, expressamente, os exemplos do Movimento de

Cul tura Popular e da Campanha "De pé no Chão Também se Aprende

a Ler", vinculados o primeiro ao Governo do Estado de Pernam­

buco e o segundo ao do Rio Grande do Norte 50• Realmente num

Estado capitalista podem ocorrer momentos em que é possível

realizar-se oficialmente movimentos de educação popular. Mas

isto só ocorre em momentos históricos bem específicos.Um des

tes momentos é o momento de crise de hegemonia. Esta crise da

hegemonia ocorre em virtude do agravamento das contradições

pela evolução da estrutura e a ausência de evolução paralela

da superestrutura 5l• Ou então:

" ... a crise de hegemonia da classe dirigente, que ocor­re ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento polítjco pelo qual pediu ou impôs pela força o consentimento das grandes massas, ou porque amplas massas passaram de repente da passividade políti ca a certa atividade e apresentaram reivindicações que~ no seu complexo desorganizado, constituem uma revolu ção" 52

A crlse de hegemonia ocorre quando a ideologia das

camadas dominantes tende a desagregar-se. E o que ocorreu no

Brasil nos primeiros anos da década de 60. Foi exatamente na

quela época que ocorreram as experiências do Movimento de Cul

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lOS

tura Popular e da Campanha UDe pé no Chão Também se Aprende a

Ler", citados por Vanilda Paiva e outros, como o MEB por exem

pIo.

Em 1968, ano da implantação do Projeto "João de Bar

ro", quando o autoritarismo já havia se implantado no Brasil,

é impensável acreditar queo Estado pudesse patrocinar proj~

tos de educação popular no sentido de libertação das camadas

populares. Então, o Projeto "João de Barro" " que em sua pr~

posta e um misto de educação popular e de instrumento da ideo

logia desenvolvimentista, poderia ser fitil para que? Poderia

concorrer para despertar no homem rural a "consciência d..:

suas condições subhumanas de vida" e fazê-lo sair delas como

rezam seus objetivos? Ou meramente t1 a lfabetizar e dar rudimen

tos de cálculo"? s6 uma avaliação cuidadosa do desenvolvimen­

to das atividades do Projeto nos poderá dar respostas a estas

indagações. Entretanto, na realidade do Maranhão do final dos

anos 60: um Estado pobre, em que predominava a população ru

ral analfabeta, regido por um governo com prop6sitos desenvol

vimentistas e necessitando firmar a sua dominação, é difícil

pensar-se que, através de um projeto de educação para a zona

rural, como o Projeto "João de Barro", o Estado pudesse real-

mente conseguir ajudar o homem rural a sair de sua

"subhumana" de vida.

condição

Esta conclusão se lmpoe pelo ~irnples fato de que a

proposta educacional do Governo Jos€ Sarney n~o vir acompanh!

da de outras propostas para contribui:: a sanar as causas da

vida "subhumana" do homem rural: (> l'y'cblema da terra. Realmen

t 1 d t d r I PRnGn"~I", T', '~/"-'Fn,'r DO t-j"RA"-L1!i'" An e, ao ongo e o o L' L f\_i'.J'ir\ lJ":" ,-"-' \ ~.h._\,-) .'~';. J\U.'-\.U - ~~

MINISTRAÇAO JosE SARNEY, ~ão há uma únida referência ao pr~

blema da terra no Maranhão. E. como j~ vimos, enquanto não se

resolver o problema da terra, o agrlcLl tor sem terra terá sempre

uma condição "subhumana" de vida. Aliás, o confronto que fize

mos entre o noticiário dos jornais de 1965 e de 1980, ares

peito das questões envolvendo problemas de posse e uso da ter

ra, nos mostra que o problema s6 fe:: recrudescer' no decorrer

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dos anos. E este problema nao se resolve apenas com a

çao.

106

educa

Mas se as escolas "João de Barro" nao poderiam, por

causa da conjuntura daqueles anos, contribuir diretamente

para a libertação do homem rural, seriam elas, então totalmen

te infiteis? Como ji afirmamos antes, uma resposta objetiva a

esta interrogação só poderá advir de uma avaliação cuidadosa

de todo o desenvolvimento do Projeto "João de Barro". Entre - . tanto, qualquer escola por pIor que seja, por suas proprlas

contradições sempre libera maIS possibilidades nos alunos do

que as desejadas (conformidade e resignação) pelas camadas

dirigentes.

Al~m da liberação dessas possibilidades a escola, num

povoado rural, traz outros beneficios ~ sua população. Em pri

meiro lugar, a escola contribui para aumentar o nfimero de e

leitores. "Pelo menos na escola os meninos aprendem a assinar

o nome e com isso m,~is tarde podem tirar o título de elei tor~'

foi o depoimento de um dos moradores de Bela Vista.

Para um povoado da zona rural e muito importante que

um nfimero elevado de pessoas tenha o seu título de eleitor.

Quanto mais eleitores um povoado possuir mais atrai

mente a visita de políticos a cata de votos.

sazonal

Falar em voto de cabresto no interior maranhense nos

parece não retratar bem a realidade. O melhor seria falar em

voto "mercadoria", com valor de troca. O homem simples troca

geralmente o seu voto por algo concreto que o candidato lhe

dã ou promete dar. Também é muito importante o número de elei

tores no povoado pois, obras públicas como: postos de saúde,

escolas. estradas só são feitas pelas prefeituras em povoados

onde o número de eleitores é significativo. E o papel da esco

la na formação de eleitores é fundamental.

Em segundo lugar, a escola "João de Barro" deveria ser

um lugar de encon:ro de todas as pessoas do povoado para, co

letivamente, iniciarem a solução de seus problemas comunitâ -

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rios. Isto deveria ocorrer desde a construção, feita por todos

os moradores locais, até o funcionamento da escola. E claro

que esta dinâmica no funcionamento da escola "João de Barro "

dependia da atuação do monitor. Neste sentido a escola "João

de Barro" poderia se constituir, simultaneamente, num instru

mento de libertação ou de alienação, útil a autonomia ou re

forço ao "status quo".

Em terceiro lugar, concomitantement~ ao aprendizado da

leitura e da escrita deveriam ocorrer discussões sobre o con

teúdo dos termos empregados na escrita e na leitura, pois, como

vimos, os monitores eram treinados na metodologia utilizada

por Paulo Freire. Caso esta metodologia funcionasse efetiva -

mente as escolas "João de Barro" poderiam contribuir no desen

volvimento da consciência crítica de seus usuarios e leva-los

a descobrir os tipos de relações sociais em que se acham en

volvidos.

Caso todas estas expectativas que acompanharam a im

plantação das escolas "João de Barr'o" nao se realizassem, as

sim mesmo o Projeto "João de Barro" deveria ser saudado como

uma conquista das populações rurais do Maranhão pOIS,

"A escola (ao mesmo tempo) que prepara um trabalhador mais submisso ã exploração pelo capital e, em casos es­pecíficos mais produtivo, traz em si mesma o germe de uma nova e mais alta forma de organi:acão educacional,a

~ 3 ~ escola do futuro"" .

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REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

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15. GRAMSCI, Antonio. Idem, p. 50 .

16. PIOTTE, J. M. Op. ci t. , p.188.

17. PIOTTE, J. M. Idem, p.lSS.

18. GRUPPI, Luciano. Op. ci t. , p. S 2.

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litica da educação popular. Op. cit., p.80.

43. MARX, Karl. Op. cit., p.31.

44. PAIVA, Vanilda. Op. cit., p.83.

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47. GRAMSCI. Antonio. Os ,:nteZectuais e a organização da cuL­

tura. Op. c i t ., p. 131 .

48. I de m, p. 1 3 .

49. RODRIGUES, Neidson. Op. cit., p.162.

50. PAIVA, Vanilda. Op. cit., p.S5.

51. PORTELLI, Hugues. Gramsci e bloco histórico. Rio de Janei

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111

52. GRAMSCI, Antonio. Maquiavel~ a politica e o estado mo der

no. Op. cit., p.55.

53. ROSSI, Wagner Gonçalves. Op. cit., p.122.

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CONCLUSÃO

A análise da proposta do Projeto "João de Barro" pe!:.

mite algumas conclusões em torno do Que se poderia esperar

desta iniciativa do Estado em relação ã formação de uma con

tra-hegemoniano sentido de transformação da sociedade, como

objetivava o Projeto.

Como VImos, a proposta pedagógica do Projeto "João de

Barro" foi elaborada basicamente por pessoas que haviam atua

do no Movimento de Educação de Bas~ e a sistemática definida,

em linhas gerais, se pautava pela dinâmica desenvolvida pelo

MEB particularmente a partir das escolas radiofõnicas. Esper~

va aquela equipe desenvolver, com base nas escolas "João de

Barro", o mesmo trabalho que havia realizado no MEB: mobiliz~

ção e organização dos camponeses e, como consequência, a sua

"conscienti::.ação". Logo a equipe descobriu, entretanto, que

isto era praticamente impossfvel, pois, desde as atividades

de seleção dos povoados para a implantação de escolas ate o

funcionamenTo das mesmas as influencias político-partidárias

sempre estavam presenTes.Houve,inclusive,casos em que elemen

tos da equlpe eram consTrangidos a participar ativamente em

palanques nos comícios promovidos pelo partido que estava no

poder. A descoberta da utilização das escolas "João de Barro"

para fins OULTOS que nao os estabelecidos na proposta orig~

nal levou ;aulatinamente a que todos os da equipe inicial,que

haviam atua~o no MEB, a abandonar os trabalhos do Projeto

112

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113

"João de Barro". Em fins de 1968 nenhum deles mais trabalhava

no Projeto.

Se desde o começo as escolas "João de Barro" se des

viaramdos objetivos estabelecidos, quais seriam os reais ob

jetivos de sua implantação?

Com a vitória de José Sarney, nas eleições para gove~

nado r em 1965, chegava ao fim a era do "vitorinismo" e um

grupo emergente assumia o controle da máquina governamental

A esse grupo emergente, que pretendia prolongar a sua domina­

ção por longos anos, era fundamental conseguir o consentimen­

to ativo dos governados. Para isto nada melhcr do que prop~

gar a eficiência de sua administração. Esta propaganda, para

ser eficaz, deveria fundamentar-se em realizações concretas e

precisava atingir amaior parcela possível da população.Em mea

dos da década de 60 a maior parte da população do Maranhãoresi

dia na zona rural. Desenvolver uma ação governamental que ~

tingisse esta população rural, até então quase totalmente d~

sassistida pelo Estado, serIa o meio mais eficaz para obter o

seu consentimento ativo. A escola foi o meio utilizado. Com

as escolas "João de Barro" funcionando em grande número o gr~

po dominante podia apregoar: nunca governo anterior nenhum

fez pelas populações rurais o que o atual está fazendo. Foi

assim que estas escolas foram usadas como instrumento eficaz

para sedimentar a hegemonia do novo grupo dominante. E a heg~

monla deste grupo, comandado por Sarney, perdura até hoje.

Mas para que a escola seja um instrumento eficaz ~ di

fusão ideológica, ~ hegemonia do grupo dominante, é necessá -

rio que ela seja considerada útil pelos seus usuários. Ela so

cumpre bem esta função na medida em que vai satisfazendo as

expectativas das camadas populares. Nesta perspectiva, pelo

menos nos anos iniciais do Projeto "João de Barro", as esco

las "João de Barro" parece que atendiam às aspirações das p~

pulações a que se destinavam: alfabetizavam e ensinavam os ru

dimentos de cálculo. E caso alguém não conseguisse alfabeti

Page 116: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

114

zar-se ou fazer contas a culpa nao era da escola mas da pe~

soa, por não "ter cab eç a" .

Será que a atuação da escola "João de Barro" se limi

tava, apenas, a esta função de reprodutora, contribuíndo para

a hegemonia do grupo do poder, e a de propiciar a oportunida­

de de aprendizagem de rudimentos de leitura, escrita e cálcu

lo?

Apenas três fatos já parecem indicar que as escolas

"João de Barro" seriam úteis para algo mais do que a reprod~

çao ideológica e o ensino da escrita, leitura e cálculo.

Primeiro fato - Narramos o caso da monitora de uma es

cola "João de Barro" que, por sua açao docente, tornou-se ln

cômoda ao proprietário da terra em que a escola estava cons

truída.

Segundo fato - Relatamos a insatisfação existente no

povoado de Bela Vista com a atual escola lá existente.

Terceiro fato - Num confronto de noticiários de jO!

nals evidenciamos que, de 1968 para 80, ocorreu no Maranhão

um incremento da violência envolvendo questões de terras.

o caso da monitora denota a dinâmica da escola quando

nela o professor consegue realizar a sua unidade com a vida.

A partir desta unidade é que os alunos vão conhecendo o siste

ma de relações em qu~ VIvem. Esta descoberta não pode ,natural

mente, ser tolerada pelos donús do poder, pelos donos da ter­

ra.

Em Bela \'iSt2. conforme relatamos, era unanlme a insa

tisfação em relaç~o ~ escola lá existente. O interessante e

que havia"também unanimidade entre os informantes em afirmar

que antigamente a esc21c era bem melhor. Será que o ensino re

almente piorou ou sc~~ que o povo aprendeu, a partir da esco

la, a ser malS exigente? Das três professoras que, no momento

da coleta dos dados. trabalhavam na escola uma delas nela tra

balhava desde a sua :::;'~lc1::-iÇão. E segundo esta, o ensino atual

Page 117: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

115

é bem melhor do que no início.

Sem dúvida uma das principais causas do aumento de

conflitos na zona rural, causados pela disputa em torno do

uso e posse da terra, é resultante da rápida penetração do ca

pital no campo. A simples penetração do capital não explica,

por si só, a violência resultante. E que esta penetração en

controu resistência por parte de posseiros que nunca haviam

se preocupado em legalizar a posse da terra que cultivavam. A

escola "João de Barro" se destinava basicaménte ã posseiros e

tinha por objetivo contribuir para facilitar a penetração do

capital e de ajudar na sua reprodução. Entretanto,parece que

a ampliação da atuação das escolas "João de Barro" foi a"omp~

nhada pelo crescimento das violências pela terra.

Os três fatos apresentados podem nos conduzir a se

guinte conclusão: quanto mais eficiente for uma escola, a

tlJoão de Barro" por exemplo, na função que lhe foi atribuída

(inserir o homem rural no desenvolvimento) menos se torna ne

cessária pois mais concorre para a ~xpansão de tensões produ­

zidas pela descoberta das relações (de exploração) em que se

encontra o homem rural.

Em decorrência desta conclusão podemos afirmar que ao

Estado, "como instrumento nas mãos das classes dominantes"

não cabe nenhum papel na educação popular, entretanto,cumpri~

do a sua obrigação de proporcionar escolaridade para todas as

camadas populares, por maior inculcação ideológica que se pr~

cesse nas escolas, ele concorre para instrumentalizar estas

camadas tornando-as mais eficientes em suas lutas de liberta

ção. Neste sentido. o surglmento de qualquer escola. por malS

simples que ela seja, uma escola "João de Barro" no povoado

mais esquecido do interior maranhense, deve ser sempre sauda­

da com esperança: que ela seja o germe da verdadeira escola

do futuro.

Page 118: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

116

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Page 122: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

A N E X O

PROJETO "JOÃO DE BARRO"

(Cópia do original)

120

Page 123: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

121

SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGOCIOS DE EDUCAÇÃO E CULTURA

PROJETO "JOÃO DE BARRO"

, ~PRESENTAÇÃO

A denominação do Projeto e da escola "João de Barro"en

contra suporte alegórico no nome do passaro construtor muito

conhecido nesta região.

O Projeto visa, através de um processo de educação In

tegral em nível elementar, inserir o homem rural maranhense

no processo de desenvolvimento sócio-econômico racionalizado.

E como finalidade imediata visa obter a participação ativa

das Comunidades Rurais na solução do problema educacional a

partir da construção de uma escola.

A execução do Projeto prev§ a utilização de todos os

recursos institucionais existentes no Estado para um plano ln

tegrado de trabalho atendendo gradativamente todo Estado.

Na perspectiva do presente Projeto, a "Escola João de

Barro" caracteriza-se por:

- Ser uma construção de baixo custo, feita com material

local (taipa e palha), com a mesma fisionomia das mo

radias da Comunidade.

- Ter, como aspecto fundamental, o esforço da popul~

Page 124: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

122

çao que se reune para com seus próprios recursos e

capacidades desenvolver um serviço comunitário para

seu benefício imediato.

- Ser centro animador da Comunidade dispondo de uma

pessoa com a função de monitor, oriundo da própria

Comunidade ou Comunidade vizinha, com as mesmas ca

racterísticas. Esse "monitor da escola" será princi­

palmente um líder da Comunidade qu~ a movimentará p~

ra o desenvolvimento de outros trabalhos, para 1m

plantação de alguns serviços em busca de um malor

bem estar imediato.

- Desenvolver dentro da escola atividades diferencia

das partindo da alfabetização para outros aspe~

tos educativos, ligados diretamente às necessidades

básicas da Comunidade: saúde, trabalho etc.

1 - JUSTIFICATIVAS

A perspectiva do desenvolvimento que se descortina no

Estado exige a preparação e participação do homem no seu pr~

cesso evitando a sua marginalização.

o homem rural, em grande maioria isolado no seu melO,

marginalizado dos recursos culturais e econômicos existentes,

encontra-se incapaz de por si, inserir-se no processo de de

senvolvimento global do Estado.

Os poderes públicos não têm podido atender suficiente­

mente as necessidades no campo da educação. O incremento de

matricula, nos últimos cinco anos·C62 a 67), foi da ordem

global de 40,5\; todavia, mais da metade da população em ida

de escolar (66,8%) não foi absorvida pelo sistema educacional,

nao tem escola.

A Rede Escolar, por mais intensificada que seja na área

oficial, segundo os esquemas clássicos de ainda será

Page 125: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

123

muito desproporcional às necessidades, considerando-se o alto

índice de crescimento demográfico. A população em idade esco

lar estimada para os próximos cinco anos esta assim distribuí

da:

1967

1968

1969

1970

1971

607.322

658.337

713.637

773.582

840.110

Em 1966, de 560.261 crianças em idade escolar apenas

194.477 foram atendi~as (34%) do total. Desse total de atendi

mento apenas 31,0% foi serviço oficial do Estado, (60.565 ma

trícu1as). Para o quiquênio 67-71 um aumento de 100.000 novas

matrículas significa apenas o necessário para manter o índice

de escolarização atual. Estaria, pois fora das possibilidades

do Estado atender a demanda de escolas a curto prazo e com os

recursos financeiros disponí\ies.

Convém notar que para conseguir um total de 100.000

novas matrículas já se supõe um desenvolvimento intensivo das

escolas "João de Barro".

De um total de 5.348 professoras existentes no Estado,

em 1964, de 3.919 eram professoras leigas, em sua maioria sem

nenhuma preparação ou assistência, não apresentando resulta -

dos satisfat5rios e não havendo possibilidades, a curto prazo

ter uma instrução de boa qualidade segundo os programas nor­

mais para o curso prim~rio.

A "Escola João de Barro", nao se enquadra nos padrões

já viciados de (escola) como simples lugar de instrução, vaI

possibilitar uma preparação de monitor e um acompanhamento dos

trabalhos e das outras atividades da Comunidade. Entretanto

esta transformação não será automática: será dentro do traba­

lho concreto a ser iniciado e desenvolvido; que uma nova fi

sionomia será criada. Quanto mais noções básicas e as ativida

des desenvolvidas forem ligadas a vida e às necessidades ime

Page 126: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

lZ4

diatas da Comunidade. Por iss'o, as campanhas e empreendimentos

de Educação Sanitária, Saneamento Básico, Educação Doméstica,

Agrícola, política e Econômica, terão muito mais função eficá

cia e significação a um serviço mais real ã população.

E preciso, pois um trabalho de valorização das Comuni­

dades que não permita ã população alimentar uma atitude de

passivismo: ficar esperando tudo dos poderes mais altos ou da

descrença: afirmar que nada se pode fazer p~ra mudar a situa­

ção mobilizando-se para uma participação mais ativa no proce~

so de desenvolvimento de Estado e fornecendo-lhes o mínimo do

instrumental necessário.

o Projeto "João de Barro" pretende a curto prazo,e com

uma perspectiva de economia, implantar uma rede escolar que

nao seja totalmente estadual, mas possibilite um trabalho con

junto entre Poderes Públicos e Comunidades de Base.

2 - OBJETIVOS

~ Levar a população rural ã participação ativa na solu

ção de problema educacional.

- Alfabetizar e dar rudimentos de cálculos ao homem

rural considerando a alfabetização sempre como etapa

instr~mento para educação integral.

jntelec::ual;

política;

artística;

religiosa;

física;

cooperativista; 3.Ttezanal;

doméstica;

agrícola;

s~nitária, e para outras atividades que cap~ citem.

Page 127: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

125

Construir escolas que sejam centro de interesses co

muns da Comunidade e ponto de partida para múltiplas

atividades comunitárias.

Despertar no homem rural a consciência das condições

de subdesenvolvimento e a consciência de suas reais

possibilidades de, atravfs de um esforço comum inte

ligente, mudar esses estado de cousas.

3 - METAS IMEDIATAS

1. O Projeto pretende dar continuidade aos trabalhos do

seu Plano Experimental iniciados nos municípios de Ita

pecuru, Vargem Grande e Chapadinha, e atingir nos próximos 8

meses com um número de escolas não inferior a 120 e nao sup~

rior a 240, mais quatro novas áreas, sendo cada urna composta

de três municípios.

Os turnos das escolas serao estabelecidos de acordo

com o número de alunos matriculados, sendo que cada urna fun

cionará com um mínimo de 30 alunos, assim sendo pretendemos

atingir este ano mais 3.600 alunos no mínimo e 7.200 no maXl

mo.

Escolha de Áreas - Esta sera feita dé acordo com os

4 - ETAPAS

critfrios estabelecidos pelo 'grupo

de trabalho do projeto.

Preparação - Nesta fase serao realizadas viagens aos-muni

cípios, quando será desenvolvido um trabalho que possibilite conhecimentos indispensáveis

da área e compreenderá simultaneamente 1m

plantação do Projeto, levantamento,motivação

e seleção do pessoal a ser treinado para as

sumir o trabalho.

Page 128: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

126

Levantamento' - O levantamento constará de visitas aos povoa

dos possíveis de serem atingidos pelo tra

balho.

Motivação -

- Levantamento de características da

constando de conhecimento do regime

-area

das

terras, produção agropecuárias e industri­

al, serviços existentes, estradas e trans­

portes.

- Existência nas Comunidades

. associações

gremios, etc.

- Descoberta de grupos de vizinhança - varl

os povoados vizinhos de pequena distância

com um povoado central que apresente po~

sibilidade de localização do "João de Bar

ro".

Simultaneamente fto levantamento os conta

tos diretos com as Comunidades deverão pr~

porcionar uma descoberta de interesses e

motivação para o trabalho que não deverá

ser algo de "cima para baixo", mas Slm

correspondera uma aspiração e necessidade

dã população.

Seleção das ComuLidades ~ de pessoal - Esta terceira pa~

te da preparação dar-se-á ao mesmo tempo

que as duas primeiras, caracterizando-se

como fase seletiva das Comunidades onde

serão instaladas as "João de Barro", bem

como do pessoal que coordenará as escolas.

A escolha eb.5 Comunidades deverá cair nos povoados

centrais de manejra que atinja pequenos povoados circunvi

zinhos que serão mobilizados pelas "João de Barro" e ser

radicada nos priD~iros. As pessoas selecionadas para monl

Page 129: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

117

tores deverão ser pessoas da própria Comunidade; deverão

ser líderes capazes de provocar e dirigir os trabalhos co

munitários, bem como de realizar atividaé:fes diferentes das

de ensinar a ler e escrever.

Construção - A etapa de preparação proporcionará a mobi­

lização das Comunidades para construção das

escolas. Serão construídas com os próprios

recursos existentes na Comunidade dentro de -um modelo padrão, num esforço de ajuda mu

tua, com colaboração das Prefeituras,caben­

do ainda ao Projeto colaborar com uma parc~

la definida no orçamento.

Treinamento Básico - Será realizado:

- após a escolha do monitor pela Comunidade;

- com monitores que representem as lideran-

ças das Comunidades;

no município-centro escolhido na prlmelra

etapa;

- com uma duração de 20 a 30 dias;

- com possibilidade de participação de uma

mesma Comunidade, além do monitor que re

presente a liderança local.

Funcionamento - Supondo-se que as escolas estejam pron-

Supervisão

tas depois do treinamento, o seu funciona

menta dar-se-á de imediato.

Quanto a remuneração do professor, deverá

estar mais ou menos de acordo:

- com a remuneraçao da localidade;

- com o nível econômico da comunidade; e

- com o volume de trabalho do monitor.

Será realizada apos o treinamento, inicia

do no primeiro mês de atividade do monl

tor;

Page 130: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

128

Inicialmente mensal, obedecendo depois, as neces

sidades naturais da Comunidade.

Ter como objetivos principais levar mais recursos

e motivação para a Comunidade e possibilitar um acompanh~

mento sistemático do trabalho.

Engloba três momentos conjugados:

a) Contato direto com as Comunidades em reuniões

comunitárias ou através das líderanças locais

despertando-as para outras atividades comuns.

b) Reabastecimento dos monitores para uma boa con

tinuidade do trabalho.

5 - A "JOÁO DE BARRO" COMO PONTO DE PARTIDA DE REALIZAÇOES

COMUNITÁRIAS

As escolas "João de Barro" serao o centro de partida

para muitas outras realizações que deverão surgir do interes

se e necessidades das Comunidades e executadas num trabalho

conjunto com os órgãos técnicos existentes na área,como ACAR,

DENER, CEM, CAEMA, etc.

Page 131: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

129

BASE DOS CUSTOS

DESPESAS CORRENTES

1 - PESSOAL

Partindo para uma ampliação o Projeto instalar um nume

ro de escolas não superior a 240 o número de professoras pr~

vistas no orçamento foi de 500, isto justifica-se:

1. Pela inclusão neste orçamento do pagamento das profes­

soras das escolas instaladas no plano experimental des

te Projeto.

2. Pelo possível funcionamento de dois ou três turnos em

muitas escolas.

2 - REMUNERAÇÃO DO MONITOR

Remuneração do monitor foi estabelecida levando-se em

conta evitar desníveis com os salirios pagos pelas

ras is professoras leigas municipais.

3 - MATERIAL DIDÃTICO

Prefeitu

Para um trabalho de Educação de Base a que se propoe o

Projeto "João de Barro" torna-se indispensivel um equipamento

diditico que possibilite uma aprendizagem malS objetiva além

de maior rentabilidade do trabalho.

4 - INVESTIMENTOS

Equipamento Escolar: Cada escola receberi uma ajuda de

NCr$ 200,00 (duzentos cruzeiros novos) para confecção de ban

cadas escolares.

Page 132: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

l3Q

5 - OUTRAS DESPESAS

Programa radiofônico - para dar uma assistência mais

constante aos professores e orientar-vos os trabalhos Comuni­

tários. Pretende-se fazer uma experiência com um programa ra diofônico semanal.

Page 133: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

POPULAÇÃO ATENDIDA NOS ULTIMOS CINCO ANOS

ANO

1962

1963

1964

1965

1966

1967

TOTAL ...

141.903

162.552

176.272

182.388

194.477

225.675

DEP.DO . ESTADO

37.967

43.499

43.095

48.205

56.434

72.429

ZONA URBANA

52.359

76.183

83.355

88.41S

131

ZONA RURAL

72 .486

83.369

92.910

93.975

FONTE PARA CONSULTA: Grupo de Estatística e Controle da SENEC

1. Dados do Departamento Estadual de Estatística 2. Anuário Estatístico do Brasil 3. Estimativa do G.E.C.

/

Page 134: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

132

% INCREMENTO DE MATRIcULAS

1962 11,8

1963 14,5

1964 8,4

1965 3,5

1966 6,6 1

1967 16,0

TOTAL 60,0

(1) 196~ - Estimativa - Grupo de Estatística e Controle da

Assessoria de Planejamento

Page 135: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGOCIOS DA EDUCAÇÃO E CULTURA

ORÇAMENTO DO PROJETO "JOAO DE BARRO" PARA 1968

QUANTI PREÇO UNITA RIO -ESPEFIFICAÇAO DADE--

(NCr$)

1 - PESSOAL Docente 500 30,00 Técnico 15 350,00 Gratificação Coordenador 2 100,00 Datilógrafo 1 150,00 Escriturário 1 200,00 Motoristas 2 150,00 Diárias 2.000 15,00

2 - MATERIAL DIDÁTICO

Rádios 100 350,00 Cartilhas 15.000 0,80 Audio Visual Máquina Fotográfica 3 200,00

3 - INVESTIMENTOS

Ajuda equipamento escolar 300 200,00 Conservação de bens Rural Wi11s 2 12.000,00

4 - SERVIÇOS

Manutenção de veiculo

5 - OUTRAS DESPESAS Treinamentos 3 12.000,00 Programa Radiofônico 1

6 - OUTROS MATERIAIS 7 - DIVERSOS

TOTAL PAR TOTAL CIAL -(NCr$) (NCr$)

90.000,00 43.500,00

2.000,00 1.500,00 2.000,00 3.000,00

30.000,00 172.000,00

15.000,00 12.000,00 11.000,00

600,00 38.600,00

60.000,00 .1.500,00 24.000,00 85:'.500,00

7.000,00 7'.000,00

36.000,00 3.000,00 39.000,00

4.400,00 4.400,00 f-I t".l

8.500,00 8.500,00 c".J

355.000,00

Page 136: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

JUSTIilCATJ:vA~--- ··~~~l--- OBJETIVOS 1. O desenvolvimento que se desco 1. Levar a população asstunir tun tra

tina no Estado exige a particI balho conjunto dentro de um pro pação 'do homem rural que estã cesso de Educação Connmitária. -marginalizado.

2. O "defici tI! de salas de aula no Estado mostra que os Pode -res PÚblicos não têm podido a tender a população em idade es colar.

3. Escola Primária, nos moldes atuais simples,local tradicio­nal de instrução não atendendo aos interesses e necessidarles dos alunos,das famílias e das Comw1idades Rura is .

2. Dar ao homem do campo condições básicas para sua promoção: alfa­betização e elementos de cálculo como meios para uma educação in tegral.

3. Construir escolas que sejam cen tro de Comunidade e ponto de par tida para outras atividades comu nitárias.

4. Despertar, no homem a consciên -cia de suas condições sub-huma nas de vida o de suas capacida ::­des de, coletividade, trabalhar para mudar e modificar essa si tuação.

METAS lMEDITAS

1. Dar continuidade aos trabalhos do plano experimental deste Projeto iniciados nos municípios de Ita­pecuru-Mirim, Vargem Grande e Cllapadinha.

2. Atingir nos próximos 8 meses 4 áreas sendo com tun número de es colas não inferior a 120 e nao superior a 240 em 4 novas áreas sendo cada tuna composta de 3 mu nicípios.

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Page 137: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

1. LOCALIDADE · .2 •. ETAPAS 3. ATIVIDADES - - - - - ._--_ .. _~- .. --

1. Povoados dos Municípios 1. Preparação 1. Levantamento da Jtrea

- Escolhidos de acordo com os critérios estabelecidos pelo grupo de trabalho

- Proj eto

2. Grupos de Vizinhanças Seleciona 2. Construção dos

3. ~runicípio - Centro da Área 3. Treinamento

4. Escolas Construídas 4. Funcionamento

5. Escolas em Funcionamento 5. Supervisão

- Motivação das Comunidades - Seleção de pessoal para treina

mento

2. Visitas periódicas ao local da construção

3. Realização do treinamento com o pessoal selecionado.

4. Início do período Escolar

- Reuniões de Grupo

5. Avaliação dos Trabalhos - Reabastecimento dos Monitores - Motivação para outros trabalhos

comunitários .

...... tN VJ

Page 138: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

.. ...

4. MEIOS

- observação - Contato Direto - Discursão

- Observação - Contato Direto - Reuniões - Discursão

- Observação - Entrevista - Trabalho do Grupo - Reuniões - D.iscurs5o - Assembléia

- Aplicação dos conhecimentos adquiridos no treinamento

- Observação Reuniões

- Discurssão - Contato Direto

.. ~

5. RECURSOS . . . . .j

A. Humanos: Equipe 18 pessoas B. Materiais: Recursos audiovisuais

Transporte

A. Humanos: Equipe 18 pessoas B. Materiais: Recursos Audiovisuais

Transporte

A. Hl~anos: F4uipe treinador B. Materiais: Recursos aidiovisuais

- duplicador - diversos

A. Humanos - monitores - alunos - equipe supervisora

B. Materiais': Recursos audiovisuais

A. Ht.onanos: - equipe supervisora

B. Materiais - recursos audiovisuais

_ .... "'.

6. DURAÇÃO

45 dias

20 a 30 dias

20 a 30 dias

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Page 139: o PROJETO JO~O DE BARRO UMA EXPERI[NCIA OFICIAL DE

Nome dos

Componentes da

banca examinadora

Tese apresentada aos Srs.:

'r ' ! i / \I )'1,. ( ,;; i. -;-' I, I" . ; .... 1 ~'"' L'~' l\. j' (" -, "

Visto e permitida a impressão

Rio de Janeiro, ~/ __ c __ / .;~:

--- )

Coordenador Geral 'de Ensino

I, /~ ~- -

----~----~~~----------~------~--.~._.~~ Coordenador Geral de Pesquisa