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1 O Proletariado Como Sujeito e Como Representação na Sociedade Do Espetáculo de Guy Debord John Karley Sousa de Aquino¹ [email protected] Universidade Estadual do Ceará (UECE) GT 5 - Socialismo no século XXI A II Internacional foi a Internacional social-democrata e a instituição que representava a ilusão de uma esquerda reformista que acreditava que a revolução seria possível mediante a mais ‘legítima’ arma política: o voto. Os partidos e sindicatos fundados autonomamente pelos trabalhadores em suas lutas logo foram apropriados por oportunistas e se tornaram entidades autônomas frente aos sujeitos. Agora o proletariado servia as suas instituições e não o contrário. O proletário é des-subjetivado e tornado o militante, mais um silenciado que não fala ou faz, mas dar esse poder a outro, o seu representante. O movimento dos trabalhadores é derrotado com sua vitória nas urnas. O presente artigo toma as proposições de Guy Debord sobre a condição do proletariado como sujeito ativo e vivo e como figura morta representado no jogo político parlamentar e sindical. A questão é: há espaço para revolução na democracia burguesa representativa? O proletariado deve ser conduzido ou é senhor de seu caminho? O artigo fará uma exposição do momento histórico das lutas proletárias até sua derrota em meio a suas vitórias políticas e as teses de Debord sobre a alternativa da participação direta do operário mediante conselhos para se contrapor ao oportunismo da esquerda oficial. A obra principal é a Sociedade do Espetáculo de Debord. O artigo concluirá que as ásperas críticas de Debord a esquerda stalinista continuam válidas, principalmente no Brasil e sua escalada de protestos fora do controle ideológico e legal da esquerda oficial partidária. PALAVRAS-CHAVE: GUY DEBORD. PROLETARIADO. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA. “Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de que seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que o representa por ele” Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo 1. Das lutas operárias a II Internacional Nos séculos XVII e XIX ocorrem alterações profundas na organização econômica da sociedade. Parece que enfim o homem poderia vencer a carência e a necessidade e desenvolver suas possibilidades humanas sem limitações materiais. A indústria parece à personificação da razão ao domar a natureza aos desígnios humanos e levar ao progresso e a riqueza que parece sem limites, porém essa mesma situação trai uma grande parcela da humanidade, o proletariado fabril, há a generalização do trabalho assalariado a apropriação privada dos meios de produção e suas consequências, o capitalismo e a luta de classes entre 1 Graduando em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará/Bolsista PIBID – UECE – Centro de humanidades. Professor Doutorando Alberto Dias Gadanha.

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O Proletariado Como Sujeito e Como Representação na Sociedade Do

Espetáculo de Guy Debord

John Karley Sousa de Aquino¹

[email protected]

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

GT 5 - Socialismo no século XXI

A II Internacional foi a Internacional social-democrata e a instituição que representava a ilusão de uma esquerda reformista que acreditava que a revolução seria possível mediante a mais ‘legítima’ arma política: o voto. Os partidos e sindicatos fundados autonomamente pelos trabalhadores em suas lutas logo foram apropriados por oportunistas e se tornaram entidades autônomas frente aos sujeitos. Agora o proletariado servia as suas instituições e não o contrário. O proletário é des-subjetivado e tornado o militante, mais um silenciado que não fala ou faz, mas dar esse poder a outro, o seu representante. O movimento dos trabalhadores é derrotado com sua vitória nas urnas. O presente artigo toma as proposições de Guy Debord sobre a condição do proletariado como sujeito ativo e vivo e como figura morta representado no jogo político parlamentar e sindical. A questão é: há espaço para revolução na democracia burguesa representativa? O proletariado deve ser conduzido ou é senhor de seu caminho? O artigo fará uma exposição do momento histórico das lutas proletárias até sua derrota em meio a suas vitórias políticas e as teses de Debord sobre a alternativa da participação direta do operário mediante conselhos para se contrapor ao oportunismo da esquerda oficial. A obra principal é a Sociedade do Espetáculo de Debord. O artigo concluirá que as ásperas críticas de Debord a esquerda stalinista continuam válidas, principalmente no Brasil e sua escalada de protestos fora do controle ideológico e legal da esquerda oficial partidária.

PALAVRAS-CHAVE: GUY DEBORD. PROLETARIADO. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA.

“Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de que

seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que o representa por ele”

Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo

1. Das lutas operárias a II Internacional

Nos séculos XVII e XIX ocorrem alterações profundas na organização econômica da sociedade. Parece que enfim o homem poderia vencer a carência e a necessidade e desenvolver suas possibilidades humanas sem limitações materiais. A indústria parece à personificação da razão ao domar a natureza aos desígnios humanos e levar ao progresso e a riqueza que parece sem limites, porém essa mesma situação trai uma grande parcela da humanidade, o proletariado fabril, há a generalização do trabalho assalariado a apropriação privada dos meios de produção e suas consequências, o capitalismo e a luta de classes entre 1

Graduando em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará/Bolsista PIBID – UECE – Centro de humanidades. Professor Doutorando

Alberto Dias Gadanha.

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a burguesia e o jovem proletariado. O proletariado é vítima da divisão social do trabalho e se submete aos caprichos das leis do mercado. O trabalho, e consequentemente o trabalhador, se torna outra mercadoria no livre mercado, mas com a qualidade especial de ser uma mercadoria que produz outras mercadorias.

As lutas do trabalho contra o capital podem remontar ao ano de 1724, quando os chapeleiros de Paris declararam greve contra a injustificada redução súbita dos já miseráveis salários determinados pela burguesia. Os chapeleiros criaram um “caixa de greve” para suportar as penúrias de uma luta desigual. Na Inglaterra a luta social se iniciou como luta política por liberdades civis negadas aos trabalhadores. Ainda na década de 70 do século XVIII um líder democrático em Londres foi preso por exigir reformas políticas e os trabalhadores saíram às ruas para exigir sua libertação e as reformas, houve repressão ao movimento com mortos e feridos. Na Inglaterra a luta política era acompanhada da luta direta dos trabalhadores contra o capital, como greves de categorias unificadas e a destruição das máquinas (principalmente os teares mecânicos), esse movimento de quebra as máquinas chegou a tal nível que o parlamento britânico decretou como pena para a destruição de uma máquina a pena de morte, onde muitos trabalhadores foram condenados, mas mesmo assim o movimento “luddista” persistiu até ser disperso. Devido ter que enfrentar muito cedo as lutas operárias, a Inglaterra logo criou leis anti-trabalhistas e usou o exército para reprimir as greves, manifestações ou passeatas, por sua vez os trabalhadores se organizaram em trades unions e organizaram a primeira greve (1810) moderna do movimento proletariado. Assim “Resulta incorreto, portanto, como fez o historiador francês Edouard Dolléans, datar o nascimento do movimento operário na França e na Inglaterra entre 1832 e 1836”(CAGGIOLA, http://www.pucsp.br/cehal/downloads/textos/ATT00599.pdf).

O proletariado britânico venceu politicamente a burguesia quando na década de 30 do século XIX derrubou as leis anti-trabalhistas conseguiu a livre organização dos trabalhadores e conseguiu a regulamentação da jornada de trabalho diária de no máximo 10 horas. Na França, onde demorou um pouco mais a revolução industrial, quando esta veio destruiu a economia artesanal e submeteu os franceses ao trabalho assalariado, fez com que os trabalhadores franceses respondessem com violência, a resposta do governo, democrático ou monárquico, foi à repressão violenta do exército. Em janeiro de 1834 os tecelões de Lyon se uniram para exigir um salário mínimo e o governo enviou tropas para reprimir o início de uma greve geral, por incrível que pareça os primeiros soldados se solidarizaram com os trabalhadores republicanos e se uniram a eles no levante das barricadas, a revolta só foi esmagada em abril pelas tropas de elite do exército francês. Na França a luta operária se manteve na clandestinidade com destaque para o líder trabalhista Auguste Blanqui, e ao invés de organizações defensivas e reivindicatórias, como as inglesas, as organizações francesas se preparam politicamente para uma tomada de posição política e lutas radicais pelo poder por parte dos trabalhadores.

“A reivindicação da igualdade não se limitava aos direitos políticos, mas também às condições sociais de vida de cada indivíduo. Já não se tinha em mira abolir apenas os privilégios de classe, mas acabar com as próprias diferenças de classe” (CAGGIOLA, http://www.pucsp.br/cehal/downloads/textos/ATT00599.pdf).

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Ainda no início do século XIX com as incipientes lutas proletárias se desenvolveu no plano das idéias o socialismo utópico que se propunha a resolver os problemas sociais a partir de um conhecimento racional que descobria as leis ‘naturais’ que regeriam a sociedade e organizar a conduta humana de acordo com tais leis. Mas enfim, muitas vezes os utópicos se limitavam a uma crítica moralista do capitalismo, fazendo apelos ao bom senso e a bondade humana pervertida. Mas mesmo com suas limitações os socialistas utópicos conseguiram organizar os trabalhadores e iniciar as lutas operárias, como Robert Owen que ajudou na criação da primeira Central Sindical do mundo.

O movimento cartista britânico e as conquistas políticas na Inglaterra significou um importante momento histórico. Os operários deixaram de se organizar em ‘sociedades secretas’ não reconhecidas e ilegais e por isso mesmo, vítimas da arbitrariedade policial e se tornaram agentes políticos legais com participação das massas. A partir dessas conquistas efetivas, os operários perceberam sua força e passaram a pleitear não só reformas, mas o próprio poder político, pois ficou claro para as organizações dos trabalhadores que o real problema não eram as máquinas, as leis ou a imoralidade, mas o inconciliável interesse de classes. As lutas dos trabalhadores passaram a ser chamadas de socialistas, mas “O termo socialismo inicialmente englobava todos aqueles que acreditavam na origem contratual de uma sociedade de homens livres e iguais. Contraposto a "individualismo", era frequentemente utilizado como sinônimo de ‘cooperativismo’.” (CAGGIOLA, http://www.pucsp.br/cehal/downloads/textos/ATT00599.pdf). Os ‘socialistas’ logo passaram a se solidarizar com todas as lutas de trabalhadores e a levantar a bandeira do Internacionalismo. Foi na luta que os trabalhadores tomaram a consciência de sua situação de classe universal não limitada por fronteiras. Se o capital unificava o mundo como “mercado mundial”, a luta dos trabalhadores não podia se limitar a fronteiras nacionais. Em 1848, as revoluções burguesas sacudiram a Europa, era a “primavera dos povos” que só obteve sucesso com o apoio dos trabalhadores, que, no entanto foram vencidos politicamente, sendo o 18 de Brumário de Luís Bonaparte na França o golpe ‘final’ contra as exigências proletárias. Mas foi nessa época em que o movimento socialista ganhou seu manifesto político máximo: O manifesto do partido comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. A liga dos Justos fundada em 1836 se tornou a liga Comunista em 1847.

Após as derrotas políticas do proletariado nas revoltas de 1848, Karl Marx e Engels escreveram a circular a liga dos comunistas de 1850, em que alertavam dos riscos de se confiar nos democratas pequeno-burgueses, que segundo a circular abandonam os trabalhadores quando suas limitadas reivindicações são atendidas.

Em 1864, os operários deram um passo decisivo. Uniram suas forças além das fronteiras nacionais e se uniram em torno da I Internacional, a Associação Internacional dos Trabalhadores, com sede em Londres. Mas em 1871 os trabalhadores de Paris em plena a guerra do Império Francês contra a Prússia, se rebelaram e tomaram o controle político da capital no que ficou conhecido por Comuna de Paris, o primeiro governo efetivo dos trabalhadores. Infelizmente a comuna durou apenas três meses e custou a vida de 30.000 trabalhadores franceses. A derrota da Comuna enfraqueceu a posição francesa na Internacional, assim como a própria internacional se enfraqueceu devido às divergências internas entre os anarquistas e comunistas, o que marcará profundamente o movimento dos

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trabalhadores. A Internacional se dissolveu em 1876. Uma nova Internacional só foi possível em 1889, em Paris para comemorar os 100 anos da revolução francesa, quando os operários socialistas se reuniram e criaram a II Internacional. Ao contrário da I Internacional a II era unicamente marxista e contava com trabalhadores de 19 países. Apesar de formalmente a II Internacional se propor derrubar o capitalismo, os líderes sociais da II eram em sua maioria reformistas e possuíam uma visão determinista da economia, segundo essa visão a economia é regida por leis próprias e inevitavelmente o capitalismo entraria em uma crise em que era este o momento do trabalhador tomaria o poder, agora cabia esperar, esperar as condições se tornarem maduras e propícias, até lá os operários se organizavam em sindicatos e partidos sociais-democratas que se limitariam a obter reformas. Os partidos sociais-democratas obtiveram significativas vitórias eleitorais. Foi o início da derrota do proletariado. Reféns de um kautskismo o proletariado alemão, o mais desenvolvido não cumpriria sua “missão histórica”. Ao invés de fazer a revolução, a II Internacional traiu a revolução.

2. A derrota do proletariado: burocracia e ideologia na esquerda do Século XX

"há derrotas que constituem vitórias e vitórias mais vergonhosas que derrotas."

( Karl Liebknecht na véspera do seu assassínio)

A Revolução Russa de 1917 inicia um novo momento para o movimento comunista. A jovem União Soviética era um exemplo a ser seguido, um modelo de estado socialista onde se realizariam todas as propostas marxistas. Esta era a promessa bolchevique, porém, nunca cumprida. O partido bolchevique trazia em si a semente da derrota do proletariado, primeiramente por apelar a idéia de ‘vanguarda’ revolucionária que supostamente representaria os verdadeiros interesses dos operários e camponeses. Vanguarda essa organizada de tal modo hierárquico que facilmente o aparelho burocrático foi montado e criou-se a nova ideologia revolucionária, isto é, a justificação a posteriori das medidas políticas dos bolcheviques, se iniciava a ditadura do partido (representação) sobre a classe (sujeito).

As críticas de Debord a II internacional de um marxismo vulgar, moralista, economicista e fatalista são aplicáveis aos Bolcheviques. Debord chama Lênin de “kautskista fiel e consequente” (DEBORD, pág. 67, 1997) que apenas radicalizou a tomada do poder porque as condições na Rússia czarista não suportavam reformas sociais-democratas. Mas este também criou a rígida separação e hierarquização do partido. Afirma sabiamente o crítico social que após a vitória bolchevique e a ‘luta vitoriosa’ dos sociais-democratas para salvar o Estado, tem o início “de uma ordem de coisas que está no âmago do espetáculo moderno: a representação operária opôs-se radicalmente a classe” (DEBORD, pág. 68, 1997). Debord apoiando-se em Rosa Luxemburgo afirma que após a 1° Guerra Mundial, não mais ocorre uma luta entre classes diretamente a vista, agora são os partidos de esquerda (principalmente os sociais-democratas) que fazem a defesa do estabelecido, ironicamente em nome do trabalhador, em uma palavra, o compromisso da esquerda oficial é com o Estado, não com o proletariado.

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Segundo Debord as condições sociais na Rússia eram inadequadas para (1) a revolução burguesa e (2) a revolução operária; a primeira devido à fraqueza da classe que era submetida a uma aristocracia brutal e a segunda devido a um proletariado, que apesar de combativo e concentrado, era minoritário, cabendo então à burocracia modernizar a Rússia. A burocracia da esquerda são (pretensiosamente) os proprietários do proletariado. A conclusão do poder burocrático se dar no período stalinista em que a economia está tão independente que o mercado e a mercadoria podem existir sem a burguesia, isto é, há um capitalismo de estado, em que o Estado é um ‘empresário universal’, responsável pela gerência política das “leis” econômicas, isto é, do planejamento.

Debord denomina o stalinismo de “ideologia revolucionária, a coerência do separado” (DEBORD, pág. 72, 1997). Segundo Debord, esta ideologia é totalitária e tem como princípio a máxima: “tudo o que ele diz, é o que é” (DEBORD, pág. 72, 1997), e que essa ideologia totalitária antes de mudar economicamente o mundo, altera a percepção política. E a burocracia stalinista é um poder ambíguo, para ser efetiva deve parecer não existir, isto é, apesar do autoritarismo burocrático e das autoridades burocráticas estarem aí, essa mesma burocracia se nega, por trás de uma ideologia totalitária. Cito: “a classe ideológico-totalitária no poder é o poder de um mundo invertido: quanto mais forte ela é, mais afirma que não existe e sua força serve-lhe em primeiro lugar para afirmar sua inexistência” (DEBORD, pág. 72, 1997). E mais, a burocracia só o é mediante a coletividade. Como é uma classe invisível (isto é, publicamente existem, legalmente não), essa classe só possui sua garantia quando se apoia entre si, não há opção para um burocrata se não encabeçar um grupo dentro da burocracia.

Diz Debord que quando a burocracia elimina os vestígios burgueses na economia ela adquire enfim seu intento, o domínio totalitário sobre a produção. Assim a Rússia tornou-se ‘moderna’ e desejou seu lugar ao sol na partilha do mundo espetacular, e assim como o capitalismo renega toda sua ‘acumulação primitiva’ e seu passado de barbárie descarada, a burocracia russa recusou seu passado stalinista, mas com limitações, pois sem a sombra de Stalin não se mantém a burocracia, e então se renega formalmente o terror, mas mantém-se o terror. E assim “a burocracia está ligada a uma ideologia na qual ninguém acredita” (DEBORD, pág. 76, 1997).

Porém em um dado momento o monopólio a ideologia se rompe. Dentro de cada país os partidos da esquerda se enfrentam pela posse da “pureza ideológica”, para se legitimarem como únicos ‘representantes’ do proletariado. E vai além, os países de ‘esquerda’ concorrem entre si pela posse da ideologia internacionalmente. Diz Debord que a mentira que era única se divide em várias, uma querendo desmentir a outra.

Para Debord não há alternativas se o movimento revolucionário se mantém dentro destes estreitos limites ‘representativos’, isto é, com o princípio ideológico do centralismo-democrático, da necessidade da liderança e etc. Sua crítica é tão feroz que não poupa nem mesmo os pretensos críticos da burocracia stalinista. Debord com sua impiedosa e lúcida crítica acusa tanto Trotsky quanto Lukács, cada um a seu modo. De Trotsky afirma que a oposição de esquerda é apenas a de um burocrata contra outro grupo de burocratas, Debord afirma então para fundamentar sua crítica a Trotski que este foi fiel a burocracia soviética até 1927. Sobre Lukács afirma que este mesmo com seu profundo trabalho teórico se

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enganou ao acreditar no bolchevismo como um partido participativo e não representativo e o fim do proletariado como espectador nessa organização.

A esquerda amotinada em partidos e sindicatos são a herança de uma derrota que persiste em sua aliança com o atual sistema produtor de mercadorias, e acredita ingenuamente (ou finge acreditar) no Estado como instância ética capaz de regular o s excessos do mercado, isto é, identifica-se socialismo com o planejar da produção de acordo com o domínio político (burocrático) das leis econômicas.

Conclusão

As arcaicas práticas da esquerda, como o novo leninismo, frutificam nos países do “terceiro Mundo”, onde para se desenvolver, as classes dominantes facilmente se organizam em uma burocracia estatal com uma ideologia nativa (o islamismo, por exemplo) a ideologia do desenvolvimentismo. Assim, diz Debord, pode-se formar uma burocracia agrária em países atrasados, uma burocracia militar ou uma burocracia tribal. Já nas nações superdesenvolvidas o proletariado perdeu todas as suas ilusões, mas não seu ser, a sua realidade ainda é a negatividade radical do capitalismo. Desiludido com os PC’s e demais sindicatos e órgãos representativos da classe trabalhadora, Debord resgata como forma de luta política os conselhos operários, órgão de participação direta onde o trabalhador tem voz e vez. Segundo Debord a forma política de luta do proletariado no século XX (e porque não XXI) é a dos conselhos dos trabalhadores, órgãos esses contrários a toda vanguarda separada. Perante os conselhos e assembleias é necessário que qualquer órgão representativo do proletariado se dissolva, pois “no momento revolucionário em que a separação se dissolve, essa organização deve reconhecer sua própria dissolução como organização separada” (DEBORD, pág. 84, 1997). Em suma, não se pode combater a alienação sob formas alienadas.

Debord faz um apaixonante apelo ao proletariado, estes ‘homens sem qualidades’, é a eles que cabe a emancipação da humanidade, seus esforços são maiores do que os dos homens de qualidade da burguesia do século XVIII e XIX, estes eram homens particulares em uma parte da sociedade, lutando por poder. O proletariado luta contra tudo e tem como fim apenas a emancipação.

Referências Bibliográfica

Debord, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro, Editora Contraponto, 1994.

Sobre Osvaldo Coggiola: http://www.pucsp.br/cehal/downloads/textos/ATT00599.pdf Título Original: “O movimento operário nos tempos do manifesto comunista”.