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o que ler na ciência social brasileira 2

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jio Miceli org.

snio Sérgio Guimarâes 2Maria

Maria Filoména Gregori

Antonio Flavio Pierucci

Maria da Gloria Bonelli EDiTORA SUMARÉ

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“O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995) reúne análi­ses reflexivas inéditas a respeito da produção intelectual substantiva num conjunto de áreas temáticas relevantes, redigidas por cientistas sociais qualificados, eles mesmos especialistas reconhecidos por sua contribuição original e inovadora no conhecimento desses objetos de estudo. A equipe convidada de autores se caracteriza pela diversi­dade de orientações teóricas, pela variedade de concepções e modelos a respeito do q u e s e ja o trabalho intelectual nas diferentes disciplinas da ciência social, mesclando homens e mulheres, pesquisadores jovens e tarimbados, no intuito de suscitar a prática responsável de uma voz autoral criativa. Os textos aqui impressos exprimem o confronto de perspectivas teóricas e meto­dológicas pulsantes de vida na comunidade de cientistas sociais e, ao mesmo tempo, constituem indi­cadores eloquentes de experiências radicalmente distintas de vida e trabalho na história recente das ciências sociais no país. Quer sob a forma de balanços, quer no feitio de resenhas bibliográficas, quer nos moldes de ensaios, os trabalhos coligidos oferecem um painel com­preensivo dos autores e correntes- chaves da produção intelectual con­temporânea no campo das ciências sociais brasileiras.”

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O QUE LER NA C IÊ N C IA S O C IA L BRASILEIRA

(1 9 7 0 -1 9 9 5 )

S o c io l o g ia (v o l u m e II)

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ED ITO RA S U M A R É

R u a D esem b argad o r G u im arães , 21

T c le lo n c : ( 0 1 1) 2 6 3 -3 2 5 9

F ax : (0 1 1 )2 6 3 -1 6 0 5

C E P 0 5 0 0 2 -0 5 0 - Á g u a B ran ca - S ã o P au lo

C o p yr igh t © 2 0 0 2 - A n p o cs

I a e d iç ã o : 1999

1'- re im p ressão : 2 0 0 2

C o o rd en ação E d ito ria l

C ap a

C o m p o s iç ão

R e v is ão

C ris t in a F ino

G erm ana M onte M ór

S i lv a n a B ira l

A lic e K yo ko M iya sh iro

D ados In tern ac io n a is d e C a ta lo g aç ão na P u b licação (C IP ) (C âm ara B ra s ile ira do L iv ro , S P , B ra s il)

O Q ue lev un c iê n c ia so c ia l b ra s ile ir a(1 9 7 0 -1 9 9 5 )/ S é rg io M ice li (o r g .) . - 2 . c d . - S ã o

P au lo : E d ito ra S u m a ré : ANPOCS ; B r a s í l ia , DF : CAPES, 1999.

V ário s au to res .C onteúdo : V . 1. A n tr o p o lo g ia -v . 2 . S o c io lo g ia - v . 3 . C iên c ia p o lític a .B ib lio g ra f ia .ISB N : 8 5 -8 5 4 0 8 -2 9 -4

1. C iê n c ia s s o c ia is - B ra s il - B ib lio g ra f ia I. iV lic e li,S e rg io .

9 9 -4 1 3 4 C D D -300 .981

ín d ic e s para c a tá lo g o s is tem á tico :

1. B ra s il : C iê n c ia s s o c ia is : B ib lio g ra f ia 3 0 0 .9 8 1

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0 Q U E LER N A C I Ê N C I A S O C I A L B R A S I L E I R A ( 1970- 1995)

S o c i o l o g i a ( v o l u m e II)

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S u m á r i o

A prhsuntação

9

1 . A n t o n i o S k r g i o A i . f r k d o G u i m a r à i ;

Classes Sociais 13

2 . N k i .s o n d o V a i .i .k S ii .v a

Mobilidade Social .5 7

3 . S o n i a M . G . L a r a n g k i r a

M o b i l i d a d e S o c i a l ( c o m e n t á r i o c r í t i c o )

9 5

4 . S k r g i o M i c i ci .i

Intelectuais Brasileiros 10 9

5 . L ú c i a L ip p i O u v i u r a

Interpretações sobre o Brasil 14 7

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6 . M a r j a L u j z a H k ji .b o r n k B ii.a S o r j

Estudos de gênero no Brasil 183

7 . M a r i a F i i . o m k n a G r k g o r i

Estudos dc gênero no Brasil (comentário crítico)223

8 . A n t ô n i o F i . á v i o P i k r u c c i

Sociologia da religião - área impuramente acadêmica237

9 . M a r i a d a G l o r i a B o n m . i . i

Iistudos sobre profissões no Brasil287

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A presentação

Os três volumes da série O Q/te L er na C iência S ocia l Brasi­leira (1970-1995) resultaram de uma iniciativa da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) que se viabilizou por meio do patrocínio da Coorde­nação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Ca­pes). Tendo-se iniciado na gestão de Elisa Reis e concluindo-se na gestão subseqüente de Olavo Brasil de Lima Jr. na presidên­cia da Anpocs, tratava-se de um projeto inovador no campo de avaliação das ciências sociais. Em lugar de buscar critérios de interpretação de indicadores institucionais de desempenho (tempo de titulação, volume da produção acadêmica, grade curricular etc.), pretendia-se encomendar análises reflexivas a respeito da produção intelectual substantiva num conjunto de áreas temáticas relevantes, a serem desenvolvidas por uma equipe de cientistas sociais qualificados, eles mesmos especialistas reconhecidos por sua contribuição original e inovadora ao conhecimento desses objetos de estudos. A preocupação em garantir uma participa­ção equilibrada por gênero e por idade constituiu critério com­

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10 A p r k s iín t a ç à o

plementar na seleção dos componentes do grupo. Pretendia-se estimular o acesso de jovens pesquisadores ao exercício pleno cie uma voz autoral responsável e criativa, incentivar o confron­to de perspectivas teóricas e metodológicas e, sobretudo, colher depoimentos contrastantes de experiências radicalmente distin­tas de vida e trabalho na história recente das ciências sociais no país.

Os cientistas sociais convidados a participar do projeto ti­veram ampla liberdade para definir os recortes que lhes parece­ram adequados e capazes de dar conta da substância intelectual das áreas temáticas sob sua chancela. Alguns preferiram realizar balanços exaustivos da produção na área, numa linha de trata­mento idêntica àquelas resenhas bibliográficas compreensivas a que já n o s a co s tu m a m o s n o Boletim Informativo e Bibliográfico (BIB); outros optaram pelo aprofundamento de questionamentos estra­tégicos, buscando firmar um diálogo centrado em certas corren­tes e autores; houve ainda aqueles que focalizaram os trabalhos representativos dos principais modelos de interpretação numa dada área de estudos, ou então os poucos que buscaram apreen­der a agenda de tópicos relevantes a partir de espaços institucionais estratégicos para um mergulho na agenda de trabalho de um campo de estudos em particular.

Uma primeira versão dos trabalhos em andamento foi dis­cutida por ocasião do seminário “As Ciências Sociais no Brasil: tendências e perspectivas (1970-1995)”, realizado na cidade de São Pedro (SP), em novembro de 1998. Após a exposição a cargo do autor, o trabalho foi comentado por um colega da área, fican­do a critério de cada debatedor a decisão de firmar suas opiniões num comentário escrito que seria então incorporado à edição dos textos em livro. A maioria dos trabalhos passou por uma extensa revisão após os calorosos debates havidos na reunião, podendo- se afirmar que nenhum deles permaneceu impermeável às críti­cas e reservas então formuladas. Os textos foram distribuídos em

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A p r k s k n t a ç A o 11

três volumes de perfil disciplinar, no intuito de facilitar a leitura e o manuseio das referências crítico-bibliográficas.

Nesta oportunidade, quero registrar meus agradecimentos aos dirigentes da Anpocs — em especial, Elisa Reis, Olavo Brasil de Lima Jr., Sergio Adorno e Argelina Figueiredo - pelo empe­nho e interesse com que participaram das diversas etapas do projeto, desde o momento de identificação dos autores e debate- dores, passando por sua contribuição ao longo do seminário, até a fase de acabamento do trabalho editorial. Logo após ter sido eleita presidente, Elisa convidou-me para integrar o comitê aca­dêmico junto com Olavo e Eduardo, formulando em seguida o convite para coordenar o projeto. Fico-lhe reconhecido pela pro­va de confiança e amizade. Olavo presidiu as reuniões do semi­nário, em cuja sessão de encerramento proferiu sua última fala pública, meses antes de falecer, no exercício do primeiro ano de mandato como presidente da Anpocs. Quero dedicar esta série de livros à sua memória, num gesto de saudade e homenagem ao mérito das suas atividades institucionais e intelectuais à frente da Anpocs, até hoje o único secretário-executivo que também ocu­pou o cargo de presidente. O projeto não teria prosperado sem o aval financeiro e institucional da Capes, na pessoa de seu diretor, o professor e colega Abílio Baeta Neves, o qual soube discernir cle imediato a contribuição que este projeto estava em condições de oferecer aos programas vigentes de avaliação do sistema de pós-graduação no país.

Sergio M ice l i (org.)

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C lasses S o ciais

Antonio Sergio A lfredo Guimarães

Central para os estudos de estrutura, organização e estratifica­ção social, o conceito de “classes sociais” emerge com a nascente academia brasileira. Em 1942, Donald Pierson caracteriza o Brasil como uma “sociedade multirracial de classes”, ou de grupos sociais abertos — ao contrário de sociedade de castas, que são grupos fecha­dos, ou de “estados” , grupos mais comunais que societários (Pierson 1942, 1945). Estas distinções, introduzidas por Tonnies (1966) e Weber (1968), foram posteriormente reelaboradas pela sociologia americana c popularizadas em manuais de sociologia.

Nos anos 40, a revista Sociologia, editada pela Escola de Socio­logia e Política de São Paulo, serviu de veículo para o primeiro debate teórico sobre classes sociais, na nascente sociologia brasilei­ra (Pierson 1945, 1948; Pinto 1946; Fernandes 1948; Willems 1948).

De um modo geral, o debate opôs, de um lado, aqueles que, como Pierson e Willems, viam as “classes” como meros estratos sociais, dotados de consciência e sociabilidade próprias1 e, de ou-

1. Seguindo as orientações traçadas nos estudos de Yankee City por Lloyd Warner. Ver Gordon (1950).

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14 A n t ô n i o SÉRGIO Al.PRKDO GUIM ARÀKS

tro lado, aqueles que, como Pinto e Fernandes, viam as classes como estruturas sociais que condicionavam as ações coletivas nas sociedades capitalistas. Para os primeiros, “classe social” era um conceito aplicável a qualquer sociedade humana, um simples sinô­nimo para “camada social”, distinguindo-se apenas de outros tipos de estratos pelo grau de mobilidade ou solidariedade que proporci­onava.2 Para os segundos, as economias ocidentais capitalistas te­riam se encarregado de destruir as sociedades de castas e de esta­dos, anteriormente existentes, de tal modo que a sociedade de classes passou a condicionar a sociabilidade própria à modernida­de e ao capitalismo ocidentais.

Em jogo, estavam mais que as concepções de duas tradi­ções disciplinares — a antropologia versus a sociologia — ou meto­dológicas — os estudos de comunidade versus os estudos históri- co-estruturais. Tratava-se de definir o objeto mesmo da reflexão sociológica no Brasil. No dizer de Florestan, a sociologia tinha “como objeto fundamental, o conhecimento da origem, da estru­tura e da dinâmica de sociedades de classes” (Fernandes, 1948: 93). No Brasil, o objeto da sociologia seria, pois, fundamental­mente, o desenvolvimento de uma sociedade capitalista entre nós, ou — o que vem dar no mesmo — o desenvolvimento de uma sociedade de classes ou, simplesmente, o desenvolvimento.

O debate entre estas duas formas de compreender e utilizar o conceito de classes sociais (como conceito descritivo, por um lado, ou como conceito explicativo, por outro) entra os anos 60 com o claro predomínio daqueles que consideram a análise de classe central para a explicação sociológica . A análise de classe é um estilo de explicação sociológica que se fundamenta no princípio de que a estrutura social e sua reprodução dependem, fundamen­

2. Podemos subdividir esta corrente cm duas: havia os que prescindiam de problematizar as classes, e havia os que buscavam, em seus trabalhos de campo, compreender a organização social através da estratificação em clas­ses das comunidades estudadas (Cândido, 1947; Willems, 1948a).

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C i .a s s k s S o c i a i s 15

tal mente, da ação das classes. Tal esdlo de fazer sociologia con­siste, basicamente, em interpretar e explicar um fenômeno social qualquer a partir do comportamento e das atitudes de atores coletivos, referidos, direta ou indiretamente, às classes sociais, prescindindo ou não de atores individuais.

0 GRANDE CO N SEN SO DOS ANO S 6 0 : IN D U STRIA LIZA ÇÃ O E M ODERNIDADE

Se a sociologia brasileira, em seus primeiros anos, principal­mente na década de 30 e 40, era ainda uma sociologia tributária daquela feita em Chicago, cuja força se mostrava nos estudos de comunidade, logo em seguida, a partir dos meados dos 50, for- mar-se-á um grande consenso teórico, que transformará o pro­cesso de industrialização em explanandum onipresente de todos os fenômenos sociais brasileiros. Tal paradigma se consubstancia na idéia de transição, seja do tradicional para o moderno, seja do patrimonial para a ordem social competitiva, seja do escravismo para o capitalismo, seja do capitalismo mercantil para o capitalis­mo industrial.

Neste contexto teórico, serão as classes sociais os principais agentes e o seu conceito a principal ferramenta da sociologia. A própria idéia de sociologia passa a ser associada ao conhecimen­to de uma estrutura (a estrutura social) regida por leis científicas e, portanto, racionalmente compreensível, mas totalmente opaca ao entendimento dos indivíduos qua atores sociais. As relações sociais engendradas pelo processo de industrialização serão alça­das, portanto, à principal objeto da pesquisa sociológica, mas também — numa petição de princípios evidente — à condição de explicação mais plausível para os fenômenos mais diversificados.

Os anos 60 assistiram ao avanço da teoria das classes e à consolidação da influência do marxismo, e de todas as formas de explicação estrutural, na Sociologia brasileira.

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16 A n t o n i o S k r g i o A i . i; r i ; d o G u i m a r A h s

A vontade de desenvolvimento econômico e social passou, cada vez mais, a vincular-se a uma expectativa de que as classes so c ia is ( fosse o empresariado industria), fosse o operariado nas­cente, fossem as classes médias) adquirissem a consciência de classe necessária para assumir o que se pensava ser seu papel histórico: quer a superação das oligarquias agrárias no poder, quer a implantação do socialismo.

Esta problemática será expressa, sob a forma de análise de classes, em três movimentos teóricos:

1. O de uma Sociologia Econômica. Trata-se dos estudos de desenvolvimento econômico-social que culminam com as análises de dependência (Fernandes 1968, 1975; Cardo­so e Falettol 969). Nesse caso, as análises macrossociais abandonam o estilo metodológico individualista das aná­lises anteriores para enfocar a articulação entre a dinâmi­ca interna de classes, o estado nacional e a ordem capita­lista mundial. Serão a transformação do estado e as pos­sibilidades de bem-estar social o objeto; a ferramenta, a análise de classes.

2. O de uma Sociologia Política. Principalmente os estudos sobre patrimonialismo, clientelismo, populismo e, recen­temente, democracia. Os autores de tais estudos, ainda tributários de uma análise de classe, focalizarão as insti­tuições e o sistema políticos, o estado e o seu contexto societário.

3. O dos estudos de formação das classes sociais brasilei­ras. Estes se ramificam em cinco: de formação de um empresariado nacional, de formação de burocracias ou elites dirigentes, de formação de classes médias, de for­mação de uma classe operária industrial e de formação de um proletariado rural.

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Ci.Assus S o c i a i s 17

0 ESTADO E OS EM PRESÁRIOS COM O A G EN TES SO C IA IS

A nascente sociologia brasileira se atirou à análise dos agen­tes do processo de industrialização3, procurando explicar a ação (ou inação) de seus sujeitos/agentes: o estado'1, a classe operária, o campesinato, a classe média e a burguesia.

O pape) do Estado no processo de d e s en v o lv im en to capitalista brasileiro foi sempre um elemento inesperado, para os esquemas teóricos mais rígidos e desafiador e instigante, para novos esque­mas interpretativos. A tal ponto o Estado esteve presente, no ima­ginário acadêmico, que Cerqueira e Boschi (1977: 9)5 observam:

(...) no caso dos países de desenvolvim ento tardio, parece-nos que a tentativa de captar a com plexidade do processo político subjacente à con­solidação do capitalism o industrial não se furtou de um certo viés, na

m edida cm que, invariavelm ente, salientou-se o papel determ inante do Es­tado c o m o m a t r iz geradora dos processos sociais. E m bora historicam ente

esta preponderância do E stado com o núcleo vital do sistema seja inquesti­onável, questionável é, isto sim, o pequeno espaço que as -análises co n feri­ram ;\ possibilidade de atuação autônom a de grupos sociais.

A princípio, para dar conta da importância do Estado, de­senvolveu-se, entre nós, um estilo de análise, às vezes por demais

3. “Por industrialização, a partir de 1930, não se entende somente o desenvol­vimento das forças produtivas e da mecanização, mas também o aceleramento da divisão social do trabalho, a dominação crescente do capital sobre o trabalho, a submissão da economia agrária às necessidades industriais e a imposição ao conjunto da sociedade de critérios capitalistas de ‘racionali­dade’” (Pinheiro 1975: 125).

4. Sader e Paoli (1986: 51) assim explicam a percepção do Pastado enquanto agente: “(...) segundo a versão dominante do imaginário sociológico e polí­tico dos anos 60, o Estado é que torna a classe dominante apta à sua tarefa histórica quando disciplinou as relações entre as classes sociais.”

5. As citações de textos publicados nos 19 primeiros números dos b o le t im Bibliográ fico 737/3 serão feitas de acordo com a paginação dos 737/3 - 0 q u e se d eve 1er em ciên cia s so cia is no B ra sil, ns. 1, 2 e 3.

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18 A n t o n i o S h r g i o A i .f r k d o G u i m a r à k s

culturalista, de procura de um ethos nacional, outras vezes por demais estruturalista, no qual as variáveis causais ganhavam, quase sempre, o estatuto de agentes, substituindo-os.6 Este estilo tem raízes, sem dúvida, nas análises clássicas de Gilberto Freyre (1933)— que abandonou o determinismo racial e climático do fim de século em troca do desvendamento de uma matriz cultural fun­dadora; de Sérgio Buarque de Holanda (1936) - que introduziu a noção de patriarcalismo c dc patrimonialismo7 entre nós; c de Caio Prado ju n io r (1942) - que teorizou as determ inações sistêmicas e as restrições exógenas ao nosso desenvolvimento nacional. Em cada uma destas matrizes, as classes sociais, qua agentes, estiveram em segundo plano.

Tal tradição de análise teve continuidade com o clássico de Raymundo Faoro (1958) e levou um tempo esquecida, apenas para ser retomada, com toda a força, nos anos 70, por Schwartzman (1970, 1973, 1982). Tanto em Faoro quanto em Schwartzman será uma camada dirigente, os donos do poder, portadora do ethos patrimonialista que dará os rumos à sociedade brasileira. Tal pers­pectiva, discutida ã exaustão em Dados, número 14,1977, e criticada em seu culturalismo implícito, foi, invarivelmente, substituída por conceitos mais dialógicos, que permitiam tratar melhor a articu­lação entre Estado e classes da sociedade civil, tais como os conceitos de populismo (Ianni 1963, 1975, 1988; Camargo 1974, 1976), de autoritarismo (Martins 1973; Reis 1974; Velho 1976; Cardoso 1975; Linz 1975; Stepan 1973 ) e de corporativismo (Erickson 1972; Malloy 1976; 0 ’Donnel 1976).

Concomitantemente, desenvolveram-se algumas perspecti­vas teóricas que procuraram teorizar o estado, enquanto ator, através de categorias sociais plenas, tais como a tecnoburocracia

6. Na verdade, o nacionalismo de listado foi, entre nós, uma forte ideologia.Ver a respeito: (Reis 1990).

7. Sigo, aqui, a interpretação de Antonio Cândido (1994), contrária à deRaymundo Faoro (1993).

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C i .a s s k s S o c i a i s 19

(Martins 1974; Pereira 1978; Suarei 1986) ou a burguesia de Estado (Pereira 1977, 1978 e 1985). Apenas nas análises marxis­tas mais ortodoxas, mais próximas do PCB que da academia (Sodré 1968, 1976), o Estado será teorizado como aparato apro­priado por uma classe (a oligarquia rural e os setores agro-expor- tadores ligados ao capital estrangeiro) e, portanto, quase como instância epifenomênica.

O empresariado nacional mereceu uma atenção especial de nossos analistas, principalmente depois de frustradas as esperan­ças de uma revolução burguesa nacionalista, ou mesmo socialis­ta. (Martins 1968; Faria 1971; Cardoso 1972; Cerqueira 1976; Guimarães 1977; Santos 1977; Gomes 1979; Boschi 1979). Tais análises desmentiram expectativas nutridas pela teoria das classes então vigente, que procurava encontrar, na burguesia, o principal ator da revolução burguesa. A conclusão, ao contrário, foi a de uma revolução sem ator (Fernandes 1974) e de uma burguesia politicamente inexpressiva. No dizer de Cerqueira e Boschi (1977: 15): “(...) consolidou-se a idéia deste setor social como ator polí­tico de pouca relevância, o que de certa forma deslocou o foco da atenção, na produção das ciências sociais, para outros grupos tais como tecnocratas, militares e burocráticos.”

A tradição dos estudos sobre o empresariado e as elites empresariais têm continuidade, nos anos 80, deixando para trás tanto as expectativas normativas sobre o papel político e histórico das classes, como as visões dicotômicas simples, que opunham um estado controlado por um estamento burocrático a um estado con­trolado por uma classe dominante. Assiste-se, primeiro, a um gran­de desenvolvimento conceituai (populismo, anéis burocráticos, neocorporativismo etc.); segundo, a um reforço da pesquisa empírica. Foi através de pesquisas bastante inovadoras que a ciência política explorou as análises de representação de interesses, de disputas por recursos de poder, de formação de opinião pública e de opinião de grupos dirigentes, de formação de elites e de lobbies

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20 A n t o n i o S h r g i o A i .f r k d o G u i m a r A ks

congressuais etc., ampliando o universo da análise de classes. Muito representativos desta nova postura foram os trabalhos de Diniz e Boschi (1978, 1993); Diniz (1978, 1984, 1986, 1992); Boschi (1979, 1983); Cheibub (1995); Reis e Cheibub (1995); Lima e Boschi (1995); Pereira (1994); Minella (1988).

O S ESTU DO S SOBRE A FO RM AÇÃO D A C LA SSE TR A BA LH A D O R A BRASILEIRA

No começo dos 60, o diagnóstico consensual, nas ciências sociais, era o de que os anos 30 haviam marcado uma ruptura no processo de desenvolvimento brasileiro com o esgotamento da economia agroexportadora. No desenvolvimento da nova econo­mia urbano-industrial, novas classes sociais teriam sido geradas, que se tornariam, daí em diante, os agentes (ou referentes) prin­cipais da mudança social e política: o operariado, as classes médi­as urbanas e a burguesia industrial.

Ainda nos anos 60, aparecem os primeiros estudos socio­lógicos sobre a classe operária brasileira, principalmente paulis­ta. Estes estudos podem ser agrupados em: (1) estudos sobre o sindicalismo e a organização operária (Simão 1966; Rodrigues, J. 1968; Rodrigues L. 1966, 1968) e (2) estudos sobre as atitu­des e os valores da classe operária nascente (Cardoso 1961; Tourraine 1961; Lopes 1964, 1967; Pereira 1965; Rodrigues, L.1970). Todos eles estão referidos à problemática maior da in­dustrialização e da transformação da estrutura social brasileira no pós-30; mais especificamente, buscam avaliar a ação, a força e o potencial político dos trabalhadores industriais brasileiros. São, pois, estudos que procuram situar e analisar a classe operá­ria qua agente coletivo. Escritos e publicados entre o final dos anos 50 e o começo dos 70, o móvel político e a perspectiva de análise que os alimentam esgotam-se com os golpes de 1964 e 1968, quando fica clara a impossibilidade de uma ação coletiva

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C i .a s s k s S o c i a i s 21

da classe operária no futuro imediato. Na avaliação crítica da geração que os sucede,

Os ensaios (...) pecaram p o r um a leitura demais sociologizante: p reo­cupou-se mais com a estrutura e a com posição da classe operária. Aqui o prato de resistência foi a questão d o peso dos im igrantes estrangeiros na

form ação da classe operária [antes de 1930], Em seguida sublinharam -se as conseqüências da imigração rural na com posiçãso da classe operária, res­saltando-se os seus valores tradicionais, a sua dificuldade em aderir a orga­nizações políticas, seu pro jeto de ascensão social. (Pinheiro 19 7 5 : 123)

Os anos 70, já no clima de resistência democrática à ditadu­ra, assistem ao ressurgimento dos estudos de formação da classe trabalhadora, agora sob uma nova ótica: trata-se de reavaliar criti­camente a estrutura sindical brasileira e as relações entre sindica­lismo e Estado; trata-se de explicar os limites estruturais da ação transformadora da classe operária no Brasil, e não sua suposta falta de consciência política. Quem desencadeia este novo ciclo é, sem dúvida, Weffort (1972), em seu estudo sobre as greves de1968, em Osasco e Contagem. Seguindo a trilha de Weffort, floresce uma grande produção sobre a formação da classe traba­lhadora no Brasil, tanto entre historiadores (Fausto 1974, 1976; Pinheiro e Hall 1982; Carone 1974, 1989; Hall 1971, 1984) quanto cientistas políticos (Andrade 1974; Almeida 1975, 1978, 1978a, 1981, 1988; Moisés 1977) e sociólogos (Humphrey 1979, 1982).

Discutem-se as restrições estruturais, históricas, à ação da classe trabalhadora no Brasil, e as condições, objetivas e subjeti­vas, para o surgimento cle uma nova classe operária e de um novo sindicalismo a partir das condições materiais e políticas dadas pela grande indústria brasileira. Importante salientar que estes estudos já passam a usar ou referir o instrumental concei­tuai e analítico desenvolvido por Antonio Gramsci (a teoria da hegemonia) e Poulantzas (a teoria das classes), bastantes debati­dos, então, nas ciências sociais brasileiras.

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22 A n t o n i o S k r c i o A i .p r k d o G u i m a r A k s

De fato, um segundo debate importante sobre as classes so­ciais, no Brasil, tem lugar nas páginas da Estudos Cebrap (n.3, jan. 1973) dedicada à discussão das idéias de Poulantzas. Os frutos mais importantes deste debate foram a crítica ao excesso de formalismo teórico dos marxistas franceses (Cardoso 1973), o re­torno aos termos clássicos de pensar a mudança social como resul­tado da lutas de classes, e não da ação dos Estados-Nação (Weffort1971), c a incorporação das categorias de análise althusserianas e gramscianas — frações de ciasse, categorias sociais, grupos sociais, sobredeterminações, hegemonia, bloco histórico, consentimento etc.— ao vocabulário sociológico brasileiro.

Sintomaticamente, tanto o primeiro balanço crítico da pro­dução brasileira sobre o movimento operário, feita por Pinheiro (1975), como os ensaios de Weffort (1972, 1973, 1975, 1978, 1979) estão calcados na análise gramsciana da hegemonia.

Conceitualmente, a teoria das classes, na sociologia brasileira, estivera presa, até então, a algumas grandes tradições teóricas: a sociologia da USP (nascida da confluência da Escola de Chicago com a escola de sociologia francesa), a socio logia nacional- desenvo/vimentista do ISEB, a ortodoxia marxista, vigente nos partidos de esquerda, e a sociologia latino-americana, desenvolvida na FLACSO, sob a influência de Germani e dos desenvolvimentistas da Escolatina e da CEPAL. A novidade dos anos 70 é o surgimento, no Brasil, de um novo núcleo de pensamento, em torno do CEBRAP, que se debruça sobre uma nova exegese marxista, nos moldes, aliás, do que já acontecera na França (Althusser 1965; Althusser et aí. 1968, Poulantzas 1965; Balibar 1973) e na Itália (Delia Volpe 1969; Colletti1969, 1973). Nomes decisivos deste marxismo acadêmico serão Weffort, na corrente de análise política inspirada pelos escritos políticos de Marx e Gramsci, José Arthur Giannotti (1966), na corrente de análise da dialética marxista, e Francisco de Oliveira (Oliveira 1972; Oliveira e Reichstul 1973), na corrente de análise macroeconômica inspirada por O Capital.

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As análises de classes que se desenvolverão nos 70 refarão diagnósticos e interpretações do que foram a Revolução de 30, o Estado Novo e o intervalo democrático de 1945-1964. O estilo é, portanto, histórico-estrutural, interpretativo, de grandes teorias sobre os constrangimentos estruturais internos e externos, mas, nelas, já despontam, como sujeitos da história, os atores coletivos (os governos, as classes e os estamentos) que fizeram o Brasil.

Nos estudos sobre a classe operária, nessa época, havia os que, apoiados nas análises de conjuntura, atribuíam o fracasso operário, em 1964, á falta de autonomia das organizações operá­rias frente aos velhos partidos e ao Estado (Weffort 1972, 1975,1978, 1979; Moisés 1978, 1979, 1982; Andrade 1974), e aqueles que, escudando-se (Víanna 1978a)K na “crítica à razão dualista”, proposta por Oliveira (1972),

(...) sublinha[va]m sobretudo que a ordem corporativa e mais tarde a co n serva ç ão das in stitu ições c o rp o ra tiv a s sindicais na época liberal corresponderam a uma prática intencional para a desmobilização dessa classe, numa intervenção sobre o m ercado de trabalho cujos fins foram os dc

viabilizar, pelo recurso à violência - institucionalizada ou não - a acum ula­ção primitiva de capital. (Vianna, 19 7 8 : 86)

Francisco de Oliveira produzirá, além de dois ensaios mar­cantes, em termos de interpretação das restrições estruturais às ações de classe (Oliveira 1972, 1973), duas obras primas de aná­lise histórica e conjuntural, respaldadas em suas leituras dos tex­tos políticos de Marx (principalmente O 18 de Brumário): refiro- me ao seu Elegia pa ra um Re(l)igião e O Elo Perdido, que deixarão marcas no marxismo dos anos 80.9

8. Antunes (1982, 1986) e Boito (1991) darão continuidade a esta linha de análise.

9. No Nordeste, estudos como o dc Guimarães (1982) , Guimarães e Castro(1989) e Lima (1996) são alguns exemplos da influência que Oliveira exer­ceu na discussão sobre as classes sociais.

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De fato, na década seguinte, ampliar-se-á a ênfase na inves­tigação dos condicionantes subjetivos da ação de classe e da formação de uma cultura operária no Brasil. Muito importante para este movimento teórico-metodológico foi a influência dos intelectuais marxistas ingleses, principalmente E.P. Thompson (1958, 1978) e Raymond Williams (1977, 1981), em sua reação ao marxismo estruturalista francês.10

No Brasil, os anos 80 foram uma época de enorme euforia nas esquerdas, nutrida pela expectativa do modo como os movi­mentos populares e o movimento operário seriam capazes de se expressar politicamente, através de um novo partido — o PT. Seguindo o debate anterior, na ordem do dia esteve a discussão sobre a possibilidade da formação de aristocracias operárias no Brasil (Humphrey 1982; Almeida 1981; Jellin e Torre 1982; Gui­marães e Castro 1986). Em termos acadêmicos, a relação entre operários c o movimento social mais amplo já era tratada desde os 70 (Moisés 1979; Moisés e Alier 1978), mas, em 1980, uma coletânea organizada por Singer e Brant (1980) marcou, definiti­vamente, a incorporação dos movimentos populares aos estudos de classe. Seguiram-se várias coletâneas e resenhas sobre o tema (Jelin e Calderón 1987; Larangeira 1990; Cardoso 1987; Gomes e Ferreira 1987; Diniz et a i 1994).

O tom da revisão", contudo, foi dado por dois artigos: um de autoria de Sader, Paoli e Telles (1983), e o outro de Sader e Paoli (1986). De início, nota-se, logo, uma mudança conceituai:

10. Cardoso (1987: 27) tem o seguinte diagnóstico: “A desilusão com os esque­mas globalizantes passou a alimentar a busca de explicações qualitativas para os novos problemas que se colocavam e que diziam respeito ao siste­ma de dominação e seu modo de operar. A progressiva rigidez da teoria marxista, tal como vinha sendo usada, abriu caminho para novas formas de investigação”.

11 . A fórmula cunhada por Emilia Viotti (1990) “estruturas versus experiência” sintetiza o que estava em jogo na revisão.

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os novos estudos usarão sistematicamente conceitos como “ex­periência”, “imaginário”, “cotidiano”, “cidadania”, originários da história social e da filosofia política, ao invés dos conceitos acade­micamente consagrados pela sociologia. Tais conceitos expressam a preocupação em tratar os dominados como criadores de seus próprios mundos, comprometendo a análise com a emergência da consciência de direitos, individuais e coletivos, por parte não ape­nas dos operários, mas das camadas populares. Neste sentido, tão importante quanto as organizações políticas serão as práticas cole­tivas. Ao nível da classe trabalhadora, o enfoque será mais voltado às fábricas que aos sindicatos (Frederico 1978; Maroni 1982; Abramo 1988; De Decca 1981), mais aos bairros de moradia que aos mer­cados de trabalho (Sader, 1988; Telles 1988, 1992, Bava 1988; Martins 1991). Mas, com o tempo, este novo enfoque criará seus vícios. Acabará por fazer, entre outras coisas, com que boa parte da produção sociológica sobre os trabalhadores urbanos se desvie das preocupações teóricas clássicas, ficando prisioneira das teori­as emergentes sobre “novos movimentos sociais” .12 Essa tendên­cia foi argutamente notada por Sader e Paoli (1986: 39):

(...) ao narrar o que anda acontecendo com os trabalhadores e seus m ovim entos sociais, parte desta produção sociológica recente parece ques­tionar profundam ente o co n ce ito de classe social com o paradigma teórico

instituído e adquirido pelas ciências sociais (...)

Mas será, justamente, o alargamento do conceito de classe social para além de Tònnies13, para significar mais que organiza­

12. Os novos movimentos sociais eram geralmente caracterizados pela “sua independência com relação aos políticos profissionais e aos partidos, bem como sua capacidade de expressar os desejos de base da sociedade.” (Car­doso 1987'. 28) Eram vistos, pois, como atores sociais, com o mesmo estatuto teórico das classes.

13. “ Uma classe é tentativa de desenvolver poder efetivo através da força das massas, i.e., através do grande número daqueles que pertencem a esse

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ção coletiva e ação política - sindicato e partido —, incorporando práticas culturais e sociais de enfrentamento cotidiano, que pos­sibilita a Sader e Paoli (1986:46-7) fazer a crítica do conceito de classes, usado antes, implicitamente, na sociologia brasileira:

Assim , as práticas culturais diferenciadas dos diversos grupos sociais populares, isto é, sua inserção real em um m undo de relações sociais h isto­ricamente form ado (...), foram banidas do m undo da ‘verdadeira’ classe

social, fazendo-se ver com o algo que divide e conspira contra a unidade, a coesão e o poder coletivo.

Sader e Paoli (1986: 59) procuram ampliar o conceito de classe social para nele incluir o movimento social, ou seja, o processo de formação das classes a partir das práticas dos atores sociais, nas diversas esferas da vida cotidiana, produtiva ou não.14 Nesse sentido, preferem mesmo falar de ciasses populares, posto que tal termo indica “que o esforço do analista desloca-se do campo da delimitação das fronteiras entre classes, frações, cate­gorias sociais, para o campo da compreensão específica da práti­ca dos atores sociais em movimento”. As classes, para Sader e Paoli (1986: 61), seriam:

(...) um coletivo presente duplam ente: 1 — na experiência única com

aqueles que se identificam com e em cada uma dessas situações e 2 — na elaboração mais geral de todos, reconhecendo algo em comum entre exp e­riências distintas.

O que estes autores vêem de novo, teoricamente, é a possi­bilidade de redefinir o conceito de classe, com a “descoberta da multiplicidade de espaços onde se faz a classe”, “a existência de

coletivo; depende cm menor medida das qualidades dos indivíduos.” “En­caro o partido político como o tipo ideal de um coletivo so cietá rio”.(Tönnies1966; 1 2 4 4 ).

14. Também Cardoso (1987) anota a ação comunitária como sendo o que os distingue dos novos movimentos sociais.

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práticas que criam novos lugares sociais”, “a alteração das pró­prias instituições no curso das experiências coletivas”. No entan­to, como eles mesmos reconhecem, muitos outros autores, que trabalhavam com o cotidiano das “classes populares”, perderam toda e qualquer consciência, ou preocupação teórica, em seu es­forço de “dar voz” aos dominados e visibilidade às suas práticas de resistência. A verdade é que, na maioria das vezes, tal tendên­cia intelectual rejeitou as teorias de classe sem mesmo as ter submetido à crítica teórica.

Paralelamente, os estudos de formação da classe trabalha­dora ganham uma nova vertente e um redobrado interesse pelas análises do processo de trabalho, antes restrito à sociologia in­dustrial (que nunca formou uma tradição forte entre nós), agora retomados sob a ótica marxista, dada por Braverman (1974). Ao encerrar a sua resenha, Vianna (1978: 90) anotara:

Registre-se, entretanto, que mal com eçaram as investigações sobre o trabalho e a vida operária nas unidades fabris. Ritm o de trabalho, relações com o sindicato, com o departam ento de pessoal da em presa, lazer, siste­mas de interação horizontais e verticais, etc. são temas que ainda fazem

p a tte de um te n itó tio a set descobetto e exptotado.

De fato, todo um grupo de pesquisadores (sociólogos e antropólogos) procurarão articular as condições do processo de trabalho às condições extrafabris, para dar conta da formação dos trabalhadores em c/asse, quer como grupos identitários de status, quer como coletivos políticos (partidos, sindicatos, associ­ações). Estudos como os de Vera Pereira (1979), José Sérgio Leite Lopes (1976) e jo h n Humphrey (1979, 1982), realizados na segunda metade dos 70, foram pioneiros e emblemáticos deste novo modo de analisar a classe operária, fosse industrial ou rural.

Forma-se na ANPOCS, paralelamente ao já tradicional Grupo de Trabalho “Classe Operária e Sindicalismo”, um outro GT sobre “Processo de Trabalho e Reivindicações Sociais” . Em 1984,

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um pequeno e seminal estudo de Nikon Vargas (1985) reavalia a história das relações de trabalho no Brasil (relações entre burgue­sia, Estado e operariado) a partir do conceito de taylorismo. O texto é importante porque, ao periodizar a história brasileira con­temporânea, a partir do novo conceito, oferece uma versão brasi­leira para as novas teorias sobre o processo capitalista de traba­lho. A partir daí, não cessam de crescer os estudos de “processo de trabalho”, modo como eram referidos os estudos de caso em unidades fabris. Em 1986, duas resenhas já haviam sido escritas sobre o tema: Sorj (1983) e Abreu (1986). Mas o problema com a maioria de tais estudos cedo foi apontado, aliás inutilmente, por um observador arguto, como Vianna (1984: 228):

A fraqueza de grande parte dessa literatura tem consistido num certo form alism o, derivando daí, com freqüência, um tratam ento da dim ensão da política apenas com o um elem ento estrutural - por exemplo, nos estudos

que se limitam a dem onstrar que a política se encontra em butida no p ro ­cesso de trabalho através do sistema de máquinas e no controle social da

produção -, c não na riqueza das suas determ inações concretas no plano da conjuntura.

Parte da riqueza dessa vertente entretanto, foi a de pôr os estudos da classe trabalhadora em contato com tradições discipli­nares, não apenas diversas, mas, no Brasil, inusitadas, tais como a administração (Fleury e Fischer 1985), a antropologia urbana (Pe­reira 1979; Lopes 1978 e 1988) , a engenharia de produção (Fleury e Vargas 1983) e , principalmente, os estudos feministas (Rodri­gues 1978; Abreu 1980; Pena 1981; Githay 1982; Humphrey e Hirata 1984; Hirata 1988; Souza-Lobo 1991). Os estudos de pro­cesso de trabalho foram, também, segundo Bruschini (1993:2 apud Castro e Leite 1994), “a porta de entrada dos estudos sobre a mulher na academia brasileira”. Para Castro e Leite (1994: 42), “a crítica das relações sociais tecidas na produção e das formas simbólicas de opressão teve, então, a virtude de vivificar tanto os

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estudos feministas sobre mulher e trabalho, quanto o ‘núcleo duro’ dos estudos de fábrica

No que toca à teoria das classes, em nível internacional, os estudos sobre processo de trabalho ganham virtuosidade formal e teórica com os estudos de Adam Przeworski (1977, 1979) sobre a formação de classes e de Michael Burawoy (1979, 1985) sobre regimes fabris. A partir deles, foi possível revigorar a teoria marxista das classes, integrando formalmente as esferas cotidianas de constru­ção de interesses, valores e identidades ao mundo da produção, ou seja, articulando “estrutura” e “experiência”. O impacto destes conceitos sobre os estudos da classe trabalhadora brasileira, se não foi direto, nem imediato, foi, sem dúvida, crescente.15

Outra vertente importante, nestes anos, foi a derivada dos estudos sobre trajetórias operárias, muito influenciada pela pro­dução acadêmica francesa e pela reconstrução da teoria das clas­ses e da ação coletiva (Bourdieu 1974, 1979). Autores como Lopes (1987, 1988) e Guimarães e t a í (1995) documentam, também, esta tendência nos estudos sobre os trabalhadores urbanos.

Sintetizando, os estudos sobre a classe operária apresenta­ram quatro vertentes principais, nesses ú ltim os 25 anos, identificáveis a partir da teoria de classe que os orientaram:

1. Foram estudos sobre o sindicalismo, ou centrados na análise da ação sindical, quando as associações políticas foram vistas como as representantes, p a r excelence, da clas­se, à maneira da conceituação de Tònnies. Neste caso, tivemos seja uma análise sociológica das determinações estruturais, seja uma análise política das conjunturas, seja a conjugação de ambas;

2. Foram estudos de valores e atitudes, quando se acredi­tou que a classe era uma associação e não necessariamente

15. A produção da sociologia do trabalho baiana é tributária desta corrente. Ver Guimarães (1988, 1991, 1998), Castro (1990), Guimarães e Castro(1990) e Castro e Guimarães (1996).

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uma comunidade, e que, portanto, a identidade operária e sua eventual ação política dependiam das características sociais de seus membros;

3. Foram estudos do processo de trabalho e do mundo fa­bril, quando a classe foi vista como determinada, em última instância, pelo mundo da produção, e a organiza­ção política, como tocus de alianças classistas espúrias, ou de tutelagem;

4. Foram estudos de cidadania, quando se pensou que a classe era o modo como os indivíduos realizavam, e atu­alizavam, direitos civis de natureza coletiva.

Ao mesmo tempo, essas vertentes corresponderam a pro­blemáticas sociais inscritas no mundo político brasileiro. Nos anos 60, tratava-se de avaliar a continuidade das instituições cor­porativas do Estado Novo, no processo de industrialização do pós-guerra (democrático e liberal, até 64, e ditatorial, depois), e explicar a ausência de atuação política do operariado, nos moldes do capitalismo europeu. Nos anos 70, tratava-se de explicar o caráter autonomista das reivindicações operárias emergentes. Nos 80, buscava-se compreender, seja a força das “bases”, i.e., dos trabalhadores do chão-de-fábrica, nos destinos sindicais, seja as reivindicações de direitos subjetivos e coletivos pelo conjunto das organizações populares.

O S ESTUDOS SOBRE A S C LA SSES M ÉDIAS

A recepção das idéias de Poulantzas no Brasil e até mesmo o grande debate internacional16 sobre o estatuto das classes mé­dias (a nova pequena burquesia e os trabalhadores não-produti-

16. Para acompanhar este debate ver PouJantzas (í 973, í 977, í 978, 3 983), Carchedi (1977), Wright (197 7 ,19 7 8 ,19 8 5 ), Ehrenreich e Bhrenreich (1979), Abercombie e U try (1983) e Simões (1992).

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Ci.ASSiiS So c ia is 31

vos) não foram capazes de fazer com que os estudos sobre as classes médias ganhassem, entre nós, o estilo de uma análise de classes m arxista'7 (Simões, 1992). As teorizações sobre o papel das classes médias, em termos marxistas, ficaram na forma incipiente de anotações (Oliveira 1988), sem grande respaldo empírico.

A produção acadêmica brasileira sobre as classes médias pri­vilegiará três temas: primeiro, estudos sobre categorias sociais de­cisivas, em algumas conjunturas históricas, tais como os estudan­tes ou os militares. No caso dos últimos, a sua persistente impor­tância na vida nacional fará com que uma nova área temática, a dos estudos militares, ganhe autonomia na academia brasileira (Co­elho 1976, 1985; Martins 1974; Oliveira 1976; Stcpan 1971; Goes 1986; Zaverucha 1994; Leirner 1997). Segundo, estudos sobre a mudança na situação de classe das camadas médias, que transitam da autonomia para o assaiariamento (Evers 1982; Saes 1984). Tam­bém importantes são os estudos sobre a relação entre camadas sociais específicas (bacharéis, intelectuais etc.) c o poder político no Brasil (Adorno 1988; Micelli 1979; Pinheiro 1974; Martins 1987). Ainda nessa tradição, aparecem os estudos sobre categorias profis­sionais específicas, como advogados, médicos e engenheiros (Bar­bosa 1985; Kawamura 1981, 1986), que também acabam por criar uma nova tradição de análise, diferente da análise de classe — a sociologia das profissões (Bonelli e Donatoni 1996). Terceiro, e principalmente, as análises sobre classes médias que se concen­tram no estudo do associativismo e do sindicalismo (Almeida 1988; Boschi 1987, 1989; Saes 1985) dessas camadas. Mais recentemen­te, boa parte dos autores passa a dedicar-se ao estudo das condi­ções de trabalho, das formas de organização sindical e de luta política de segmentos das classes médias, tais como bancários, professores e profissionais diversos (Blass 1992; Segnini 1998).

17. A exceção fica por conta da tese de doutorado de Simões (1989), defendi­da em Londres.

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A parte mais inovadora, em t e r m o s teóricos, dos estudos sobre as classes médias ficou por conta da grande proximidade dos pesquisadores do IUPERJ com a produção contemporânea da sociologia e da ciência política americanas, principalmente no que concerne às teorias de ação coletiva, movimentos so­ciais e de mobilização de recursos (Melucci 1981; Offe and W iesenthal 1979; Olson Jr. 1965; Piven and Cloward 1.979; Oberschall 1973; Pizzorno 1976; T illy 1978). Esses autores (Boschi 1984,1986,1987 e 1990; Saes 1984) trazem, portanto, para os estudos de classe novas influências teóricas, através da análise do associativismo e do sindicalismo de classe média em sua relação com o poder político. Ademais, o IUPERJ foi uma das poucas instituições brasileiras que preservou (através dos estudos de Nelson do Valle Silva e Carlos Hasenbalg) a tradi­ção dos estudos de estratificação social iniciados, no Brasil, por Hutchinson (1960), o que ofereceu aos seus projetos de pesqui­sa, tanto sobre as classes médias quanto sobre o empresariado, uma sólida base de dados estatísticos sobre mobilidade ocupa- cional e mudanças na estrutura social.

O S ESTU DO S SOBRE O CAM PESINATO E 0 PROLETARIADO RURAL

O clima político que, nos anos 60, informava o debate inte­lectual sobre a natureza das classes sociais no campo brasileiro foi muito bem sintetizado por Gnacarini e Moura (1983: 12) do seguinte modo:

Polemizava-se se a noção de feudalismo não escondia um bias refor­mista de certa corrente que propugnaria, coerentemente, uma etapa bur­guesa necessária e dominante — aí incluída a agricultura - de organização da sociedade. Inversamente, a rotulação de capitalista, conferida ao conjun­to das relações de produção no campo, parecia uma forma apressada de frisar a desnecessidade de uma reforma agrária.

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De fato, o debate acerca da natureza da formação social brasileira, se feudal ou capitalista, assim como do caráter da re­volução brasileira, se burguesa ou socialista (Wagley 1951; Prado Jr. 1966; Frank 1969; Fernandes 1974), marcaram os rumos dos estudos sobre a estrutura e as classes agrárias (Palmeira 1971; Oliveira 1975; Sá Jr. 1973; M artins 1973, 1979, 1980, 1981; Gnaccarini e Moura 1983; Sallum 1979; Santos 1991). Do mes­mo modo, para a esquerda brasileira, as lutas de classe no campo, principalmente as famosas Ligas Camponesas, foram historica­mente um objeto privilegiado de reflexão.

A tradição de trabalhos empíricos sobre as classes sociais no campo remonta aos trabalhos pioneiros de Antonio Cândido (1964), Maria Isaura de Queiroz (1967 e 1973) e ao programa de pesquisa coordenado por Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e Davi d Lewis, no Museu Nacional, a partir de 1968 (Gnaccarini e Moura 1983). O fato, entretanto, c que, independentemente da filiação, em termos teóricos, tais estudos permaneceram em diá­logo constante com a teoria marxista sobre a renda da terra, e com as teorias sociológicas sobre as classes sociais.18 O seu obje­to teórico próprio, o campesinato, foi construído nos anos 60, de modo a traçar a especificidade da teoria que se fará no Brasil. No dizer de Gnaccarini e Moura (1983: 14-15), a pequena produção camponesa, no Brasil,

seria produto da ocupação dc terras livres ou do fracionam ento das fazendas que, num sistem a colonial, prim eiro e de expansão capitalista posterior, se m antém ou se recria na estrutura agrária com o uma form a que luta pela sua perm anência, ao m esm o tem po que dela se vale o sistema

18. Exemplo disso é o sumário que Gnaccarini e Moura (1983: 17) fazem da persistente análise da relação entre campesinato e capitalismo: “(...) po­dem-se destacar dois tipos de trabalhos: os estudos onde a ênfase é posta nas formas de subordinação do trabalho camponês ao capital e os estudos das estruturas internas da produção familiar, interessados ambos nos diver­sos planos de dominação-resistência que vivenciam os atores sociais.”

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34 A nTO M O SH RCIO A J.FRJiDO &U1MARÃHS

dom inante para extração e captação de seu sobretrabalho (...) [e] seria tam ­bém gerada na ocupação da fronteira agrícola.

A realidade dos anos 70, principalmente o destroçamento das organizações camponesas, o recrudescimento da urbanização e das migrações rurais-urbanas retiram, por um brevíssimo tem­po, a centralidade do mundo rural para a intelectualidade brasi­leira. Passa-se então por uma espécie de superação da divisão empiricista entre rural e urbano (Martins 1981). Tal tendência já estava presente num conjunto de estudos sobre o mercado de trabalho rural que insistiam na unificação dos mercados de traba­lho urbano e rural (Brant 1977) e na formação de uma classe operária no campo (Ianni 1976; Mello 1971).

Entretanto, ainda que teoricamente superada a divisão rural- urbana, impor-se-ão, empiricamente, certos temas específicos ao meio rural: 1) Os camponeses sem-terra, ou bóias-frias, e o sindi­calismo rural (D’Incao 1984; Ferrante e Safiotti 1986/1987; Sigaud 1986, 1989); 2) a modernização da agricultura e as políticas públi­cas voltadas para a agricultura (Heredia 1988; Lewin 1985); 3) os efeitos sociais das barragens hidroelétricas e as lutas que desenca­deiam (Sigaud 1986a); 4) a expansão da fronteira agrícola (Martins1979, 1980); 5) as lutas pelo acesso à terra (Martins 1973, 1981); 6) a violência no campo (Porto 1992; Martins 1994).

O mainstream desta produção, sem deixar dc introduzir no­vos temas e novos “olhares” sociológicos, i.e., sem deixar de renovar-se teórica e metodologicamente, permanece firmemente filiado aos estudos de classe. Ainda que, quando malfeita, possa resvalar para a falta de criatividade de análises ortodoxas e ideo­lógicas, além de contaminar-se pelo novo empiricismo das des­crições sem autoria — a monótona repetição das falas dos entre­vistados — que vicia atualmente todas as ciências sociais. Em seus melhores momentos, esta produção é extremamente inova­dora e refinada, como quando se dedica ao cotidiano familiar

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camponês (Martins 1998; Gracia Jr. 1983, 1989). O fato é que a relação teórica entre campesinato e capitalismo continuou a ser problematizada em termos da luta de classes e da formação de sujeitos, quer na linha do neo-marxismo, quer na linhagem bourdieusiana, quer na nova tradição da história social.

À GU ISA DE C O N CLU SÃ O : PARA NOVOS ESTUDOS DE C LA SSE

As análises de c/asse não esgotam, como vimos, a problemáti­ca das classes sociais brasileiras. Por isso, certamente, muitos estudos que têm como objeto de reflexão as classes sociais não se vêem a si mesmos como estudos de classe, mas como estudos de “classes populares”, “violência”, “cidadania”, “movimento negro” etc. etc.

O termo estudos de classe, portanto, c mais adequado para referir um universo mais amplo, de estudos e ensaios, que utiliza o conceito classes às vezes de um modo mais descritivo, mas sempre com um sentido “nativo” 19, seja na própria análise, seja na referência ao seu objeto.

Retomemos o fio teórico.A teoria das classes surgiu com Marx como uma teoria da luta

de classes e da mudança histórica. O sucesso científico da teoria deveu-se, em grande medida, à articulação que ela propunha entre as esferas sociais — a economia, a sociedade, a política e a cultura — de

19. “Classe” pode ser referida com o sentido de um carisma ou estigma, significando o prestígio social associado a uma pertença grupai. Neste sentido, classe é muito próximo de sta tu s, liste c o modo como é usado vulgarmente em expressões como “fulano tem classe”, ou “um desclassifi­cado”, popularizadas a partir do sentido do term o inglês cleus. Nas ciências sociais, tal sentido foi recuperado pelos estudos de comunidade feitos em Chicago, nos anos 20 e 30, para os quais a classe era, antes de tudo, um grupo de convivência c comensalidade possíveis.

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tal modo que uma certa ordem prevaleceria sempre entre elas: o segredo de tal ordenamento devendo-se à produção da vida mate­rial (à economia em última instância). Por muito tempo, a industri­alização capitalista, na Europa, nos Estados Unidos e no resto do mundo, pareceu dar razão a Marx, no sentido de que uma classe emergente de trabalhadores industriais parecia ter interesses opos­tos (do ponto de vista de um observador racional) à classe capita­lista e vontade política de impor à sociedade um novo ordenamento econômico. A teoria de Marx, entretanto, não dava conta da com­plexidade da articulação entre economia, cultura e política.

O aprimoramento da teoria marxista foi, primeiramente, feito por seus críticos, principalmente os cientistas sociais alemães, que introduziram uma certa flexibilidade e contingência no modo como tais esferas poderiam se articular, ou não. Conceitos como o de associação, comunidade, classe, status e partido procuravam, justa­mente, tornar analiticamente separáveis, e historicamente contin­gentes, as diferentes esferas — a economia, o poder e o prestígio social - , a organização de interesses racionais e o sentimento de pertença comunitária. Tal revisão devia-se tanto à oposição ideo­lógica quanto às crescentes dificuldades empíricas de demonstra­ção da teoria marxista no O c id en t e (Kautskí 1971), n o que pese o seu sucesso político na Rússia.

Por dentro do marxismo acadêmico, só no começo dos 60 deste século a teoria marxista das classes veio a sofrer alterações sign ificativas. Isso ocorreu tanto nas proposições de E.P. Thompson — em sua bem sucedida tentativa de fazer da expe­riência coletiva e do sentimento comunitário os núcleos da for­mação das classes trabalhadoras — quanto nas proposições de Althusser e Poulantzas, que reconstruíam a teoria marxista em seu feitio estru tura lista (do ponto de v ista conceituai) e funcionalista (do ponto de vista da lógica de explicação).

No Brasil, a teoria das classes teve uma carreira interessan­te. Do final dos anos 40 até o final dos 60, a teoria gozou de

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invejável e uníssono prestígio. Foi introduzida na academia, como vimos, por Costa Pinto e Florestan Fernandes contra a resistên­cia de sociólogos e antropólogos, como Emilio Willems ou Donald Pierson. Sofreu seus primeiros sinais de esgotamento apenas nos anos 70, depois da derrota da esquerda e das forças populares, em 1964 e 1968, e a emergência crescente, na última metade da década, de movimentos sociais, inclusive operários, por fora do sistema político e associativo de representação de interesses. Os vícios que a teoria ganhou no Brasil, tornando-se uma simples análise abstrata dc categorias rei ficadas, foram muito criticados em alguns trabalhos da época, entre os quais salienta-se o artigo de Cardoso (1975).

Do ponto de vista empírico, a crise da teoria de classes reflete o desenvolvimento capitalista recente, que dissociou, em grande parte, a economia e sua gestão, da política e da represen­tação de interesses, mantendo o hiato, já existente, entre ambos e as formas culturais. A sociabilidade inerente ao grande capital (o individualismo, o universalismo de valores e a formalidade das regras), longe de se impor ao conjunto da sociedade brasileira, ficou prisioneira de um círculo restrito e internacionalizado de pessoas, não chegando nem mesmo a atingir o conjunto das clas­ses médias. Por outro lado, o sistema político foi mais facilmente vulnerável à representação dos interesses e dos valores dos diver­sos grupos sociais, incluindo as classes típicas do capitalismo, mas não se restringindo a elas no que pesem os intervalos perió­dicos de anulação da ordem democrática.

De fato, enquanto a sociabilidade burguesa clássica — muito bem apreendida por Marx em seus traços mais gerais — tende a internacionalizar-se, buscando esferas transnacionais de repre­sentação de interesses, inclusive instâncias reguladoras autôno­mas, como o FMI, o Banco Central americano, o Parlamento Europeu etc., os Estados nacionais tornaram-se mais vuneráveis à penetração dos valores e dos interesses das camadas subalter-

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nas, ou não hegemônicas economicamente, sem, contudo, conse­guir impor-lhes a forma de sociabilidade do grande capital. Isso fez com que os grupos sociais — etnias, comunidades e associa­ções diversas — c não apenas as classes típicas do capitalismo, passassem a ter uma importância crescente para a análise socio­lógica e política.

As tentativas de reconstrução da teoria das classes marxis­tas, feitas, primeiro, por Poulantzas e, depois, pelos marxistas analíticos (Wright 1977, 1978,1985), apesar de introduzirem fle­xibilidade e clareza à análise, mantêm ainda um organicismo pré- estabelecido entre as esferas sociais, que não parece viger na prática. Por conta disto, a corrente crítica liderada por E.P. Thompson, desde 1958, quando do aparecimento do seu The Formation o j the Eng/ish Working C lass, parece cada vez mais hegemônica na academia.

* * *

Para ser preciso, o term o “classe” começou a ser utiliza­do nos estudos da sociedade (pela filosofia moral, principal­mente) associado aos privilégios e ao sentimento de honra social, próprios ao domínio aristocrático e ao ancien régime. M arx tem certamente razão quando reivindicou ter retirado do term o este sentido subjetivo e valorativo para referi-lo a posições objetivas na estrutura social, às quais corresponderiam interesses e orientações de ação similares. Foi com este senti­do propriam ente sociológico que o term o foi incorporado às modernas ciências sociais.

Max Weber, ao separar analiticamente as dimensões econô­mica, política e social da distribuição do poder nas sociedades foi mais longe: deu um sentido mais preciso ao termo “classe”, dis- tinguindo-o dos fenômenos ligados à distribuição da honra e do prestígio sociais. Tal separação analítica permitiu que se pudesse

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problematizar, desvinculada da distribuição econômica de rique­zas, a continuidade, nas sociedades modernas, dos fenômenos de distribuição da honra e do prestígio sociais.

No entanto, prevaleceu, no pensamento sociológico, a asso­ciação das “classes sociais” a ordens competitivas, a relações sociais abertas, ao capitalismo e à modernidade. O sentido inglês, ancien régime, do termo permaneceu apenas no uso vulgar, princi­palmente nos Estados Unidos e Inglaterra.

No Brasil, onde as discriminações raciais (aquelas determi­nadas pelas noções de raça e cor) são amplamente consideradas pelo senso comum como discriminações de classe, o sentido pré- sociológico do termo nunca deixou de ter vigência. Este sentido ancien do termo “classe” pode ser compreendido como perten­cendo à ordem das desigualdades de direitos, da distribuição da honra e do prestígio sociais, em sociedades capitalistas e moder­nas, onde permaneceu razoavelmente intacta uma ordem hierár­quica de privilégios, e onde uma middle class não foi capaz de desfazer os privilégios sociais e de estabelecer os ideários da igualdade e da cidadania.

Preencher o vazio teórico ocupado pela referência vulgar à “classe” talvez seja a grande tarefa da sociologia dos anos 90. Boa parte da produção sociológica no Brasil, a partir dos 80, a começar pelos ensaios seminais de Roberto DaMatta (1984, 1985, 1990), apontam nesta direção: a chamada sociedade de classes, no Brasil, não pressupõe uma ordem social igualitária e relações sociais abertas.

Em Relativi^ando, por exemplo, DaMatta (1984) retoma uma interpretação clássica de Marvin Harris, reelaborando-a a partir das idéias de Dumont sobre a relação entre racismo e igualdade, para colocar a hipótese de que teria sido a “quase rígida estrutura de classes” brasileira a responsável pela relativa ausência de dis­criminação racial no país. Ora, parece-me que a confusão brasi­leira tradicional entre discriminação de classe e discriminação

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racial se deve tanto a uma postura ideológica quanto à confusão e ao constante deslizamento semântico entre os três significados do termo “classe” — grupo identitário, associação de interesses e sujeito político e histórico.

Assim como o termo cidadania traz implícito o sentimento de nacionalidade comum, pressuposto não problematizado nor­malmente pelos teóricos, o termo classe, mesmo quando emprega­do em seu sentido sociológico, que explicitamente o relaciona a uma ordem de igualdade de direitos, pressupõe, de fato, os privi­légios e, portanto, a desigualdade de direitos que o termo vulgar e pré-sociológico sugere. A guisa de exemplo, dizer que não é racial a discriminação que, no Brasil, sofrem os negros, equivale a silenciar o que deveria ser dito: que se encontra ativo, na nossa ordem de classes, o princípio de desigualdade de direitos indivi­duais. No mesmo diapasão, José Murilo de Carvalho (1998) cha­mou a atenção para o fato de que a noção de cidadania, no Brasil, refere-se mais propriamente à igualdade de direitos políti­cos que à igualdade de direitos civis.

Se estou certo, pois, boa parte da literatura sociológica con­temporânea, que toma como tema central a exclusão e a limitação de cidadania d as classes populares, está realmente referida ao campo temático das classes sociais no que tange à ordem estamental, à ação de grupos, à sua hierarquia e à formação de comunidades, mesmo quando distante da problemática econômica das c/asses.

O desafio teórico do presente é, justamente, fazer confluir os estudos sobre a desigualdade dos indivíduos e das classes (no sentido de produto de classificações identitárias). Isso significa fazer dialogar tradições que refletem sobre (a) as tradições patrimonialistas e autoritárias ; (b) a ideologia da desigualdade brasileira, sob a forma mitológica de democracia racial, (c) a prática cotidiana da desigualdade, através da violência física e simbólica; (d) a formação de atores coletivos e sua política; (e) a inserção econômica destes atores e a sua dinâmica produtiva.

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M o b i l i d a d e S o c i a l

N e Iso n do Valle Silva

Como sabemos, o termo “mobilidade social” se refere ao movimento, norm alm ente de indivíduos (mas, por vezes, de gru­pos sociais), entre posições diferentes dentro de um sistema de estratificação social em uma sociedade qualquer. Assim, o estudo da mobilidade social enfoca um processo, um movimento que reflete a distribuição de oportunidades. Embora seja um dos elementos que conformam o sistema de desigualdades, a mobilidade social não deve ser equacionada com este último. Dessa forma, análises sobre a extensão, grau e o escopo das desigualdades sociais, ou sobre a formação de classes ou grupos sociais específicos (tais como os pobres, os trabalhadores por conta própria, os bóia-frias, a classe média etc.), por mais meritórios e interessantes que possam ser, não constituem o objeto dos estudos de mobilidade social propria­mente dita e, como tal, não serão tratados nesta resenha.

Possivelmente o fato mais notável a respeito da literatura sociológica brasileira sobre o tema da mobilidade social é a rela­tiva escassez desta produção, fato surpreendente num país que reivindica para si a duvidosa distinção de “cam peão mundial de

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d esigu a ld ad es” . C ertam en te este fato não é exp licável pela irrelevância do tema.

A m agreza da produção nacional contrasta vivam ente com0 quadro que se obtém quando exam inamos a literatura interna­cional, especialm ente com aquela produzida nos países de língua inglesa (para uma análise quantitativa desta tem ática na produção sociológica am ericana, veja-se, por exemplo, Burton e Grusky, 1992). Acredito que se pode dizer que o tema da estratificação social de forma geral, e em particular a análise da mobilidade social, tipificavam a produção am ericana nas décadas de 70 c 80, c o m o ainda hoje parece dom inar a produção no main-stnam da sociologia inglesa. D ificilm ente folheamos um número da Sociology ou da British Jou rna l o f Sociology sem encontrar pelo menos um artigo nessa temática.

Como a produção brasileira segue no geral os ciclos da pro­dução internacional — com crescente defasagem , como veremos —, talvez valha a pena com eçar com um quadro muito sumário da literatura internacional. É o que tentarei fazer na seção seguinte. Antes disso, porém, é conveniente alertar para um ponto impor­tante, que é o da íntima relação existente entre a pesquisa sobre estratificação e mobilidade social e as inovações metodológicas em análise quantitativa na Sociologia. Como tentarei mostrar a seguir, essa área de pesquisa sempre foi a porta de entrada dos métodos quantitativos em nossa disciplina, definindo sempre a fronteira de sua aplicação. A crescente sofisticação metodológica que pode ser observada nos estudos de mobilidade das últimas décadas pode provavelmente , assim acredito, ser uma das explicações da tam­bém crescente defasagem da produção nacional.

1 - B r e v í s s i m o R e s u m o d o s C i c l o s I n t e r n a c i o n a i s

Seguindo uma recom endação do Com itê de Pesquisa sobre Estratificação Social da Associação Internacional de Sociologia

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(ISA) posta adiante cerca de 1950, urna série de países realizaram estudos nacionais sobre a m obilidade social entre gerações. Na esteira do estudo pioneiro de R ogoff (1953) sobre a cidade am e­ricana de Indianápolis, G lass (1954) publica seu im portante estu­do sobre a G rã-Bretanha, Carlsson (1958) sobre a N oruega e, já na década seguinte, Svalatoga (1965) com pleta sua análise sobre a D inam arca. Estes são apenas os levantam entos de m aior fôlego de um ciclo que perm itiu a -análise com parativa de M iller (1960) e a contribuição fundam ental de L ipset e Bendix (1959), que form ula a hipótese da sim ilaridade básica dos padrões de m obili­dade nos países industrializados.

As análises deste ciclo possuem algumas características bá­sicas comuns, que estabeleceram o formato, o conteúdo e as principais questões que nortearam os trabalhos futuros na área. Em prim eiro lugar, mobilidade social é essencialm ente tratada com o m obilidade ocupacional, as ocupações sendo mensuradas através de uma escala categórica ordinal, norm alm ente seguindo um critério de prestígio ocupacional, e cm que as dim ensões de diferenciação rural/urbana e manual/não-manual representam os pontos de corte fundamentais. Tanto assim que, dadas as d iferen­ças nas escalas adotadas nos diversos levantam entos, as análises com parativas internações tiveram que adotar com o estratégia ana­lítica a redução das escalas ocupacionais à tricotom ia rural/m a- nual urbano/ urbano não-manual.

A m obilidade ocupacional é então entendida com o um a re­lação de fluxos entre os estratos ocupacionais, podendo ser re­presentada por uma tabela de contingência bidim ensional em que um a das dim ensões representa a origem social dos indivíduos (norm alm ente a ocupação de seu pai no m om ento de sua entrada no mercado de trabalho) e a outra dim ensão representa a sua posição de destino (isto é, seu estrato ocupacional atual ou o de sua prim eira ocupação). Dada a baixa participação fem inina na força de trabalho, as análises se restringiram ao exam e da popula­

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ção m asculina adulta, adotando-se a cham ada “visão convencio­nal” em que a situação da família seria determ inada pela de seu chefe (ou seja, o m arido/pai), sendo a posição feminina subordi­nada à dele.

E ste tipo de abordagem se baseou num tipo de inovação m etodológica que era a aplicação do m odelo dc independência estatística (hoje totalm ente familiar àqueles que já aplicaram o conhecido “ teste do Q ui-quadrado”). M ais especificam ente, in­troduzido de forma independente e sim ultânea por R ogoff e por G lass, dos dois lados do Atlântico, a independência estatística entre origem e destino social é concebida com o base analítica — com pondo o m odelo de “M obilidade Perfeita” - sendo o padrão da m obilidade analisado pela d iscrepância entre os fluxos obser­vados e aqueles esperados no caso de total igualitarism o de opor­tunidades. Para isto, foi inventado pelos autores citados o que se denom inou de “ razão de mobilidade”, consistindo esta na razão entre a freqüência (fluxo) observada na célula específica da tabe­la e a freqüência esperada naquela m esm a célula no caso de M obilidade Perfeita (independência entre origem e destino), esta representando a com pleta igualdade de oportunidades.

A lém disso, como a escala ocupacional tem uma ordinalidade im plícita, pode-se falar em mobilidade “ascendente” ou “descen­dente”, além , obviam ente, de “im obilidade” em relação ao total observado. Com isso, podia-se inferir se a sociedade analisada estava tendo uma trajetória global predom inantem ente positiva (mais gente m elhorando de situação social) ou negativa.

F inalm ente, uma im portante questão que surge neste ciclo de pesquisas é a tentativa de distinguir em piricam ente a cham ada “m obilidade de circu lação” ou “por trocas” — indicativa do nível de fluidez/rigidez intrínseca ou de com petitividade m eritocrática característica da sociedade em análise, ou seja, o quão socialm en­te “dem ocrática” ela é — da mobilidade “estrutural” ou “induzida”, resultado das mudanças nas distribuições ocupacionais de pais

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(origem) e de seus filhos (destino). Por exemplo, quando as ocu­pações de m aior j'tatus se expandem num ericam ente e as cie baixo status se contraem , como ocorre em períodos de industrialização e de crescim ento econôm ico, um nível considerável de m obilida­de ascendente se dá, inevitavelm ente, a despeito do nível de rigi­dez estrutural, isto é, de quanto a origem social influencia o sucesso ocupacional. O peracionalm ente, a intensidade da m obili­d ad e e s tru tu ra l é m ed ida pe la d ife ren ça (pelo “ ín d ice de d issim ilaridade”) percentual entre as d istribuições de origem e de destino, sendo o com plem ento desta diferença em relação ao total de indivíduos “m óveis” a m edida da intensidade da m obili­dade “de circulação” .

Este ciclo de pesquisa se encerra quando D uncan (1966) publica seu ensaio sobre questões metodológicas destas análises de m obilidade social. A crítica é profunda e extensa. A credito que as principais observações que levaram ao abandono relativo da tradição anterior são duas: em prim eiro lugar, em term os da interpretação das inform ações contidas na tabela de m obilidade, a m obilidade era conceitualizada com o uma transform ação po­pulacional que levava à substituição da estrutura ocupacional da geração dos pais (um dos m arginais da tabela) pela estrutura ocupacional da geração dos filhos (a outra m arginal). Duncan observa que, se este último termo de fato representa o perfil ocupacional da geração atual de filhos, não se pode dizer do prim eiro termo, aquele referente à suposta geração dos pais. Aqui, não só temos uma com binação de pais de diversas gerações dife­rentes (por exemplo, numa tabela de m obilidade, com o a unidade de observação é o indivíduo participante no m ercado de traba­lho, podem os ter nesta tabela indivíduos que estão representados tanto na geração de filhos como, duplam ente, na de pais), com o a fecundidade diferencial faz com que pais sejam representados repetidas vezes, de acordo com o número de filhos que tiveram. Além do que, indivíduos que não tiveram filhos nas gerações

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anteriores não são representados na tabela na geração de “pais” . Portanto, o marginal correspondente não representa qualquer perfil ocupacional de qualquer geração anterior que possa ter existido, o que invalida a interpretação da m obilidade como uma transfor­mação populacional intergeracional.

O segundo ponto, de natureza mais propriam ente estatísti­ca, diz respeito à precariedade técnica da “razão de m obilidade” . Por se basear no modelo de independência, o qual notoriam ente não se ajusta adequadam ente a qualquer tabela de mobilidade conhecida, o denom inador daquela razão (a freqüência esperada) não controla, conform e pretendido, os efeitos das distribuições m arginais, prejudicando desta form a as estim ativas dos padrões de circulação. Em outras palavras, os efeitos das mudanças estru ­turais (indicados pelos marginais) só podem ser corretam ente estim ados e controlados a partir de um m odelo que se ajuste adequadam ente aos dados observados, o que nunca é o caso do modelo de M obilidade Perfeita.

N ão apenas D uncan faz a crítica metodológica da pesquisa de m obilidade então dom inante, como propõe uma nova e revo­lucionária abordagem . Em seu trabalho em colaboração com P. B lau (Blau e Duncan, 1967) é feita um a análise de dados oriun­dos de uma am ostra nacional dom iciliar em term os de um novo arcabouço conceituai, por ele denom inado de “modelo de reali­zação de s ta tu s” . O m odelo de “ re a liz ação de s ta tu s” reconceitualiza a m obilidade em term os das influências que as origens sociais e outros atributos do indivíduo tem em suas chances de vida, mais especificam ente em seu status ocupacional. E pro­posto um modelo básico que disseca os efeitos sobre a realização ocupacional da educação e do status no prim eiro em prego, bem com o do status paterno (por sua vez m ensurado pela educação do pai e do status ocupacional paterno). A análise inclui ainda a influência de outros fatores nas carreiras individuais, tais com o raça e situação migratória.

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De um ponto de vista metodológico, o m odelo de realiza­ção de status representou a prim eira aplicação sociológica de rele­vo de um método im portado da bioestatística denom inado “aná­lise de trajetórias” (path analysis), cujos parâm etros básicos po­dem ser estim ados pelos agora familiares métodos de regressão linear. A lém disso, no cerne do modelo de realização está a escala de status ocupacional, que necessita ser m étrica e baseada na classificação ocupacional a mais detalhada possível. O método de “análise de trajetórias” em modelos causais gozou a partir daí de im ensa voga, que dura até o início dos anos 80, constituindo durante este período, sem a menor dúvida, o m étodo quantitativo por excelência de análise sociológica.

C uriosam ente, enquanto D uncan prom ovia a revolução parad igm ática nos estudos de m ob ilidade, o esta tístico Leo Goodm an prosseguia em seus objetivos de desenvolver m étodos para análise de dados categóricos em geral e, em particular, para tabelas quadradas (aquelas em que se utiliza a mesm a classifica­ção nas duas dim ensões, como é o caso da tabela de m obilidade, em que tanto a variável de origem com o a de destino são m ensuradas pela m esm a escala). Um prim eiro avanço alcançado por Goodm an foi o desenvolvim ento da idéia de quase-indepen- dência: a possibilidade de que o caso de independência estatística fosse aplicável a parte da tabela apenas, c não a seu todo. No caso da tabela de m obilidade, esta seria um a aplicação interessan­te, dado que, com a ubiqüidade da herança social, estas tabelas sistem aticam ente apresentam discrepância m aior em relação ao caso de independência pelo fato de que as células ao longo da m arginal principal apresentam uma freqüência observada muito acima do esperado. Com isso seria possível pensar num novo modelo em que a independência entre origem e destino se ap li­casse apenas nas células fora da diagonal principal. Ou seja, po­deria se pensar num modelo em que a sociedade seria com posta por dois tipos de indivíduos: os móveis e os herdeiros (stayers).

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Para os móveis se especificaria que, um a vez abandonado o es­trato de origem (pelo bem ou pelo mal), o seu estrato de destino seria independente do estrato de onde ele veio. Este, obviamente, é um modelo bem mais plausível que o de independência simples para o caso de estudos de mobilidade, uma vez que incorpora a universalidade da herança social, tendo então sido denom inado neste contexto de modelo de “M obilidade Q uase-Perfeita” .

O trabalho de formalização dos modelos de quase-indepen- dência levou Goodm an a desenvolver métodos que perm itissem prever as freqüências observadas numa tabela. A generalização destes procedim entos foi possível a partir da observação de que este tipo de modelo im plica na fixação a p rior i de alguns m argi­nais da tabela que deverão ser respeitados na obtenção das fre­qüências esperadas (no sentido em que, por exemplo, no modelo de independência, as som as das freqüências esperadas têm que reproduzir os totais m arginais de linha e coluna observados). A d isponibilidade de um procedim ento de ajustam ento proporcio­nal das células para quaisquer m arginais fixos a priori, devido aos estatísticos D ening e Stephan, e que têm a propriedade de obter as estim ativas de m áxim a verossim ilhança das freqüências espe­radas dadas estas restrições, perm itiu a G oodm an desenvolver um a classe de modelos adequados ao tratam ento de dados cate­góricos que recebeu a denom inação genérica de “M odelos Log- lineares” . O impacto tecnológico destas inovações foi tremendo, elevando a análise de dados categóricos ao mesmo nível de sofis­ticação e versatilidade dos métodos já disponíveis para o trata­m ento de dados quantitativos.

N o âm bito das análises de m obilidade social a m odelagem log-linear caracteriza um novo ciclo que, no entanto, representa em certa m edida um retorno às preocupações do prim eiro ciclo. A m obilidade entendida com o uma relação entre estratos so ­ciais (e não com o um processo individual) vo lta a constitu ir o cerne das análises. Para isto contribuiu tam bém uma crescente

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dom inância do paradigm a teórico w eberiano na análise da es­tratificação social, que acom panha a crise do estru tura lism o m arxista ao longo da década de 80. Com o se sabe, para W eber a m obilidade represen ta o próprio processo estru turador do que ele cham a de “classes sociais” . Assim , em bora o novo ciclo tenha pontos em com um com a prim eira fase dos estudos de m obilidade, o enfoque explícito agora é a relação da m obilidade com a estrutura de classes. N essa linha, o principal program a de pesquisa é aquele liderado por G oldthorpe que, após um a pesquisa de fô lego sobre a G rã-Bretanha (G oldthorpe, 1980), deslanchou um projeto m ultinacional envolvendo a m aior parte dos países industrializados, cujo re latório com parativo foi re­centem ente publicado (E fikson e G oldthorpe, 1992). N ote-se a inda que um program a m ultinacional de pesquisa sobre a es­trutura de classes nas sociedades industriais, este de inspiração neo-m arx ista e liderado por E. O. W right, tam bém envolveu análises de m obilidade social (e utilizando as m esm as técnicas Log-lineares) e tam bém teve seu relatório com parativo ainda m ais recentem ente publicado (W right, 1997).

Este ciclo dominado pela m odelagem log-linear ainda não se e s g o t o u , c o m d e s e n v o l v im e n t o s t é c n i c o s m a is r e c e n t e s q u e utilizam eventuais propriedades ordinais das escalas ocupacio- nais, e, ainda mais recentem ente, com técnicas que prom etem a incorporação e avaliação de efeitos de variáveis quantitativas so­bre os padrões e níveis de m obilidade. A inda existe bastante espaço para análises inovadoras dentro deste paradigm a técnico. D e outro lado, há um reconhecim ento geral de que esta área de pesquisa desenvolveu um forte paradigm a dom inante, o que, na­turalm ente, tem tido como conseqüência, na opinião de alguns críticos, o c u s t o de restringir as p o s s ib i lid a d e s de inovação e reconceitualização do processo de mobilidade. Uma revisão críti­ca recente da literatura sobre mobilidade social pode ser encon­trada em M iller (1998).

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II - A P r o d u ç ã o s o b r e M o b i l i d a d e n o B r a s i l

Os estudos em píricos de m obilidade social no Brasil têm um a história tão antiga quanto aquela d iscutida para outros paí­ses na prim eira seção deste trabalho. Já em meados da década de 50 o inglês B. H utchinson, em colaboração com diversos soció lo­gos brasileiros, levou a cabo um estudo sobre este tema na cida­de de São Paulo, sob o patrocínio do Centro Brasileiro de Pes­quisas Educacionais, tendo relatório desta pesquisa sido publica­do em livro (H utchinson, 1957; Hutchinson, 1960). A pesquisa sobre a m etrópole paulistana teve im portante impacto na literatu ­ra sociológica internacional, alim entando o debate sobre a re la­ção entre desenvolvim ento econôm ico e m udanças sociais. De tal form a este im pacto foi relevante que o Centro Latino A m e­ricano de Pesquisas Sociais, sob o patrocín io da UNESCO , es­tendeu este esforço de pesquisa a outras m etrópoles latino- am ericanas; a saber, M ontevidéu , Buenos A ires, Santiago de Chile e Rio de Janeiro (CLACS, 1958; H utchinson, 1962; 1963; Iu taka, 1962). A lém de contribu ir para o debate socio lógico substantivo, o trabalho de H utchinson e seus co laboradores teve im pacto im portante ainda na verten te m etodológica, constitu in ­do referência obrigató ria no que se refere ao desenvolvim ento de alguns conceitos fundam entais dos estudos de mobilidade, até hoje pertinentes, com o os de m obilidade “estrutural” e “de trocas” (H utchinson, 1958).

Durante um bom período o tema da m obilidade continuaria a m erecer a atenção das análises acadêm icas, especialm ente em São Paulo. D iversas dissertações e teses foram defendidas em que a m obilidade social de grupos específicos era enfocada, sen­do exem plos deste tipo de análise a dissertação de m estrado de Durhan, Mobilidade e Assimilação: a história do imigrante italiano mim município paulista (D urhan, 1964); a tese de doutorado de Pereira, Cor\ profissão e mobilidade: o negro no radio de São Pait/o (Pereira,

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1966); e o trabalho de doutorado de Ruth Cardoso sobre os japoneses, intitulado Estrutura fam ilia r e Mobilidade social: estudo dos japoneses no Estado de São Paulo (Cardoso, 1972), todos defendidos na USP.

No entanto, mais de uma década iria se passar depois da análise pioneira de Hutchinson, até que novos dados gerais e novos estudos fossem feitos. Apenas em 1973, em pleno auge do “m ilagre econôm ico” brasileiro, a Fundação IBG E tom ou a in i­ciativa de realizar um levantam ento nacional sobre a questão da mobilidade social, o que foi feito através de um questionário suplem entar à Pesquisa N acional por Am ostragem D om iciliar (PNAD) daquele ano. A análise dos dados desta pesquisa propi­ciou a publicação, já no final da década, da contribuição funda­m ental de Pastore (1979).

Apesar de incluir um capítulo final em que se avalia um modelo de “ realização de status”, o trabalho de Pastore se inscre­ve essencialm ente naquele que dom inam os o prim eiro ciclo dos estudos sobre mobilidade. A preocupação substantiva é com a articulação entre desenvolvim ento econôm ico e mudanças so­ciais e, m etodologicam ente, a ênfase é dada na quantificação da intensidade e direção da m obilidade ocupacional, bem com o na avaliação do peso relativo de m atrizes de mobilidade.

Pastore utiliza em sua análise uma escala ocupacional pura­m ente ordinal, com posta de seis estratos obtidos por critérios baseados essencialm ente na sim ilaridade da posição socioeconô- m ica destas ocupações. As clivagens rural/m anual/não-m anual são m antidas e constituem distinções substantivas fundamentais. Nesse sentido, um problem a que surge com esta escala é o de em que m edida as ocupações próximas da fronteira estão subm etidas a uma ordenação hierárquica consistente. Em outras palavras, a situação sócio-econôm ica de boa parte das ocupações dos dois lados da fronteira rural/m anual e da fronteira m anual/não-m a­nual são ou indistinguíveis ou eventualm ente com posição hierár-

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quica invertida, colocando em questão a possib ilidade de se ca­racterizar a m obilidade entre estas ocupações com o “ascendente” ou “descendente” . Este fato im plica em que , possivelm ente, a quantificação destes tipos de m obilidade esteja superestim ada, dada a predom inância da m obilidade de curta distância em torno destes pontos de corte. De qualquer form a, observe-se que Silva (1979), reanalisando os dados de Pastore, confirm a a significância cie barreiras à m obilidade social nestes pontos de clivagem, espe­cialm ente no que diz respeito à m obilidade descendente.

A disponibilidade posterior de dados sobre mobilidade nas PN AD ’s de 1976, 1982 e 1988 deram margem a que novos estu­dos fossem realizados. Pastore, com diferentes colaboradores, re­plicou seu estudo com dados de 1982 e de 1988 (e.g. Pastore e Zylberstajn, 1993; Pastore e Haller, 1993) perm itindo uma análise evolutiva dos níveis e padrões de mobilidade, pondo em relevo os possíveis efeitos da crise dos anos 80. Estas análises foram, no en tan to , feitas a inda no m esm o arcabouço substan tivo e metodológico do trabalho anterior, isto é, daquele que dominei de primeiro ciclo. Observe-se, adicionalmente, que os dois únicos tra­balhos que tratam das diferenças raciais no processo de m obilida­de no Brasil, o de H asenbalg (1988) e de Caillaux (1994), também se localizam na tradição do prim eiro ciclo, em bora utilizem esca­las ocupacionais d iferentes daquela em pregada por Pastore.

As atualizações que Pastore prom oveu de seu estudo pare­ciam indicar um forte aum ento na mobilidade descendente ao longo do tempo, fato que estaria em concordância com a crise cíclica que o país enfrentou durante a cham ada “década perd i­d a”. Lam entavelmente, estas conclusões se baseavam num erro fatual derivado de um engano nas alocações dos títulos ocupa­cionais aos grupos (estratos) agregados utilizados. D evido ao fato de que a classificação ocupacional detalhada em pregada pelo IBG E nas PN AD s da década de 80 diferir da escala em pregada no estudo original (como vimos, baseado na PNAD de 1973), foi

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necessária um a com patib ilização entre as duas classificações ocu- pacionais. A contece que na classificação de 1973 a categoria de “produtores agrícolas p o r conta própria'’ se encontrava codificada na mesma categoria de “ trabalhadores agrícolas (empregados) ” e, como tal, alocados ao estrato mais baixo da escala utilizada por Pastore. Nesta úllima, os “produtores agrícolas {proprietários/empregadores)” se encontravam alocados ao 4.° estrato da escala. J á na classifica­ção da década de 80, “produtores agrícolas p o r conta própria” e “trabalhadores agrícolas empregados” haviam sido separados em ca­tegorias distintas. Aparentemente por um engano de codificação ocasionado por documentação original deficiente, os “produtores agrícolas p or conta própria ’ nestas análises foram alocados ao 4.° estrato, juntamente com os “proprietários/empregadores agrícolas” , e não ao primeiro estrato, como deveria ser para ficar compatível com a classificação de 1973. Ou seja, os produtores rurais autôno­mos, que de fato tem perfil sócio-econôm ico muito sim ilar aos trabalhadores rurais empregados, foram “promovidos” ao estrato de “proprietários/empregadores rurais”, do que resultou uma significati­va superestim ação da m obilidade intergeracional descendendo (artificialm ente) do estrato 4 para o estrato 1.

O desenvolvim ento das escalas m étricas para m ensurar o status socioeconôm ico das ocupações (Silva, 1974; Bilis e t a í , 1985; Haller e Bilis, 1979; H aller e Saraiva, 1972) perm itiu que uma série de estudos inseridos no segundo ciclo, o dos modelos de realização de status, fossem feitos. O pólo dinâm ico desta produção estava localizado no exterior, mais precisam ente na universidade de W isconsin, onde sob a liderança de A. O. Haller, mas com a colaboração de pesquisadores brasileiros, foi condu­zido um im portantíssim o program a de pesquisa sobre a estrutura da mobilidade social brasileira (e.g. H aller e Saraiva, 1991; H aller, 1998). O principal foco deste program a de pesquisa tem sido o da relação entre desenvolvim ento econôm ico e as estruturas de realização de status (em especial, no teste da hipótese de que o

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desenvolvimento induz a desestratificação: B ilis et a l y 1985; Haller, 1992; H aller, Sharda e M iller, 1997) e nos processos de alocação de status no Brasil, onde se mostra que variáveis indicativas de classes no sentido m arxista e variáveis usuais de status tem efeito sobre o nível de rendimentos mas que estas clivagens são quase que não-relacionadas e que funcionam de m aneira diferente (Bilis e t a l , 1984; K elley e Haller, 1999; Haller e Pastore, 1983; H aller, 1982; Haller, 1983; B ilis e H aller, 1984; Haller e t a l , 1996). Ob- serve-se que este program a de pesquisa, que já dura 35 anos e dem onstra grande produtividade e sofisticação analítica, é basi­cam ente produzido no exterior e quase que ignorado no Brasil.

Recentemente, Andrade utiliza a m esm a escala ocupacional de Pastore para analisar dados da PNAD de 1988, prim eiram ente restringindo o foco nos dados relativos à Região M etropolitana de Belo H orizonte (Andrade, 1995) e, posteriorm ente, estenden­do o escopo para incluir as demais regiões m etropolitanas do país (Andrade, 1997). A qui, duas im portantes inovações são in­troduzidas: em prim eiro lugar, dados relativos às mulheres são analisados, creio que pela prim eira vez no Brasil, rom pendo com a tradição de se restringir a análise a hom ens adultos (a “visão convencional”), que caracteriza toda a produção anterior sobre este tem a; em segundo lugar, o trabalho de A ndrade lança mão de m odelos Log-lineares para m ostrar a im portância da d istân ­cia social na regulação do regim e de m obilidade ocupacional no B rasil, ponto que já havia sido posto em relevo no trabalho clássico de Pastore. F inalm ente, um aspecto tam bém im portan ­te no trabalho de A ndrade (1997) é o de que, também lançando m ão de m odelos de tipo log-linear, foi possível m ostrar que o m odelo de padrões de m obilidade ocupacional constante no tem po sc ajusta bem aos dados, confirm ando os resu ltados o b ­tidos em Silva e Roditi (1985) no sentido de que a m obilidade de circulação no Brasil tem perm anecido inalterada (em seu p a ­drão) nas últimas décadas.

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No entanto, se o trabalho de Andrade (1997) pode ser ins­crito no terceiro ciclo no que diz respeito ao aspecto metodológico, no que tange aos aspectos substantivos ele pode ser considerado uma análise típ ica do prim eiro ciclo, dado o seu foco nas diferen­ças regionais de desenvolvim ento e seus eventuais impactos nos níveis e padrões de mobilidade. Nesse sentido, ele contrasta com o trabalho mais recente na área, o de Scalon (1997). Este último se inscreve plenam ente no terceiro ciclo, levando a cabo um a análise de m obilidade dentro do paradigm a substantivo em que se tenta articular o processo de m obilidade à estruturação das classes sociais. Tanto pelo tipo de escala ocupacional adotada, partindo explicitam ente de um esquem a de estratos adequados à análise de classes, quanto pela opção metodológica de trabalhar com modelos Log-lineares do tipo “topológico” a análise de Scalon aproxim a-se das análises de G oldthorpe e de seus associados. Adicionalm ente, Scalon também inclui uma análise da m obilida­de ocupacional feminina, rom pendo com a “visão convencional” . O bserve-se, no entanto, que em term os de resultados substanti­vos, apesar das taxas de m obilidade absoluta registrarem desvan­tagens para mulheres, não se verificam diferenças de gênero no que diz respeito às chances relativas (ou seja, na m obilidade de circulação). Registre-se ainda que, também relativam ente aos re­sultados substantivos, a análise de Scalon indica o extremo iso la­m ento dos estratos rurais pela predom inância da mobilidade de curta distância e pela tendência tripartida da estrutura de classes (rural/m anual/não - manual), confirm ando o que já havia sido observado em Pastorc (1979) e Silva (1979).

III - O b s e r v a ç õ e s F i n a i s

Com o conclusão, acredito que a produção sociológica feita no Brasil sobre o tema da m obilidade social se caracteriza pela

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pouca visib ilidade e escassez (relativam ente ao padrão interna­cional, mesmo àquele dedicado à análise da situação brasileira), bem com o pela crescente defasagem técnica em relação à produ­ção internacional. Q uanto a este último aspecto, note-se que m es­mo a produção mais recente, datando do final do ano de 1997, ainda se utiliza de técnicas que já haviam sido cristalizadas e codificadas em livro no início dos anos 80 (veja-se Hout, 1983). E mesmo técnicas já disponíveis naquela época ( por exemplo, m odelos ditos “de associação”) ainda não foram utilizados para analisar os padrões de m obilidade brasileiros.

Quanto à virtual invisibilidade do tema no panoram a da sociologia brasileira, creio que existem duas explicações p lausí­veis que se adicionam . Em primeiro lugar, a predom inância que a perspectiva marxista historicam ente usufruiu na produção cientí­fica nacional. Esta inclinação teórica tipicam ente não se preocu­pou com o tem a, considerando-o (erroneam ente) com o uma “problem ática burguesa” (e.g. Poulantzas, 1975: 33), que , como objeto de estudo, problem atizava e obscurecia a análise de clas­ses. Dado que o conceito de classe é central na análise m arxista, tornava-se difícil sua conjugação com estudos que pareciam p ri­v ileg iar a noção de posição ocupacional na conform ação da es­trutura social. Só em meados dos anos 80, com as contribuições de W right e de outros neo-m arxistas (às vezes cham ados de “li­near regression m arxists”), é que esta visão foi superada.

Em segundo lugar, e talvez o fator mais determ inante, é a nossa histórica rejeição por análises quantitativas nas ciências sociais, identificadas (de novo, erroneam ente) com a “sociologia am ericana” . Como tentei m ostrar acima, o em prego de técnicas estatísticas tem se sofisticado de forma aceleradam ente crescen­te, e os estudos de m obilidade tem sempre cumprido o papel de porta de entrada destes métodos na sociologia. Assim , o abando­no em que se encontra o estudo da m obilidade social no Brasil é, a m eu ver, em larga m edida um mero reflexo da incapacidade ou

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da inapetência de nossos profissionais da sociologia em acom pa­nhar a produção internacional nessa temática. Felizm ente, como os recentes estudos de A ndrade e Scalon referidos acim a pare­cem indicar, existem evidências de que este panoram a pode estar- se alterando.

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APÊN D ICE

Principais Trabalhos Publicados sobre Mobil idade no Brasil:

Resumos.

Texto: “D esigualdade e M obilidade Social no Brasil”Autor. José PastorePub/icação-. T.Q. Q ueiroz/Editora da USP

Resumo: Entender como ocorre a desigualdade social no Brasil, sua natureza, sua variação no tempo e no espaço e suas freqüên­cias; analisar a m obilidade social brasileira através das transfor­m ações sociais no país ao longo do século XX, relacionando-as com as m odificações ocorridas em nível individual.

O livro está organizado em 10 capítulos e apresenta análise sobre os seguintes temas: desigualdade e m obilidade social; m o­delos explicativos da m obilidade social; m etodologia da m obili­dade; oportunidades ocupacionais no Brasil; o início da carreira no Brasil; m obilidade intergeracional brasileira; mobilidade e d is­tância social; m obilidade e desenvolvim ento social.

• E o 1. estudo sobre m obilidade social no Brasil e cobre toda a sociedade, tendo como base para análise os dados da PNAD (1973).

• “As sociedades hum anas se desenvolvem na m edida em que elevam o padrão de vida de sua população e equalizam sua estrutura social, sendo que a mobilidade social cons­titui o principal mecanismo dessa equalização.” (p.3)

• A ssim , a m ob ilidade social pode se r usada, segundo Pastore, com o um indicador dc desenvolvim ento social em que a m obilidade social vertical desempenha melhor esta função.

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O autor ressalta que a m obilidade reflete a d inâm ica in­terna da sociedade e associa-se diretam ente com o de­senvolvim ento econômico, sendo ao mesmo tempo seu efeito e sua combinação.No estudo da mobilidade o conceito de j 'tatus é central, sendo considerado como a posição que o indivíduo ocu­pa na hierarquia social de um dado sistem a de estratifica­ção social.Os critérios/regras de estratificação social variam em de­corrência do tipo de sociedade: nas sociedades dinâmicas ten­de a basear-se em critérios adquiridos pela profissão/edu­cação; em sociedades mais estáticas e menos industrializadas baseia-se em critérios atribuídos como a cor, a religião. Pastore destaca que a m obilidade social depende de m u­danças: (1) estruturais — volum e de em prego, surgim ento de novas ocupações, transform ações na econom ia; (2) individuais: educação, experiência, inform ação, relacio­namento.A m obilidade social é também influenciada pelo número e pelo tipo de em pregos disponíveis, dependendo ainda das transform ações dos setores econôm icos e da dinâm i­ca dos m ercados de trabalho.O autor aponta que nos estágios iniciais de desenvolvi­mento, grande parte da m obilidade depende de m odifi­cações na estrutura de ocupações.“A m obilidade sintetiza um conjunto de mudanças que ocorrem no sistem a social e nos indivíduos, ao longo do tempo, com o fruto e com o determ inante do desenvolvi­mento.” (p. 13)A com preensão do fenôm eno da m obilidade social rela­c iona-se com a com preensão dos padrões de estratifica­ção social, uma vez que eles explicam as principais ca­racterísticas da diferenciação social e os fatores econô-

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m icos/sociais que os influenciam . N este sentido, per- cebe-se que a m obilidade pode ocorrer através de dois m ecanism os: mobilidade estru tura l — com a abertura de novas oportun idades de em prego e a possib ilidade de status ocupacional mais alto serem ocupados por ind iv í­duos de status ocupacional inferior - e mobilidade circu lar- troca de posições praticadas pelos indivíduos via com ­petição.

• Os tipos de em p rego podem ser fac ilitad o res ou bloqueadores da m obilidade social, sendo a questão do em prego dependente em grande parte da sociedade e não do indivíduo.

• A base para os estudos de m obilidade e desigualdade é a com paração de status ocupacionais. No caso de Pastore, entre o status ocupacional do pai quando o filho com e­çou a trabalhar, o do filho no início da carreira e no mom ento atual. Estes três status foram medidos por uma única escala de posição social das ocupações de m odo a perm itir a com parabilidade dos três pontos no tempo. Base da escala: ocupação, educação e renda.

• A pesquisa orienta-se pela corrente sociológica que con­sidera as mudanças estruturais com o im portantes forças propulsoras da mobilidade social.

• N o caso brasileiro, Pastore ressalta que a m aior parte da m obilidade foi estrutural como um reflexo da expansão e da diferenciação de novos status ocupacionais:a) d écadas de 20 e 30 a g e ração de em p rego s foi

concetrada no setor prim ário/agrícola (60%);b) nas décadas de 40 e 50, 40% dos novos em pregos

ainda foram criados pelo setor agrícola;c) décadas de 60 e 70 as mudanças estruturais foram

mais claras, com o setor terciário passando a ser fonte de oportunidades no mercado de trabalho.

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Segundo o autor, a estrutura social brasileira caracteri­zou-se por elevadas taxas de m obilidade social entre duas gerações, com m ovim entos de ascensão social, sendo que a concentração da mobilidade ascendente de curta d is­tância na base da pirâm ide social refletiu as transform a­ções sociais do mercado de trabalho — migração, rápida expansão do em prego e posterior redimensionamento para o setor terciário.O autor destaca também que a aceleração da industrializa­ção e o complexo de empregos que ela gerou introduziram no país inúmeras novas ocupações de slalns mais elevados no país, permitindo ainda a mobilidade de distâncias maio­res para aqueles provenientes dos estratos médios.Apesar de em países de industrialização tardia, como o Brasil, os fatores estruturais terem função predominante no condicionamento da mobilidade social, esta influência depende também da atuação de fatores individuais. Assim aponta Pastore, se de um lado, o montante e o tipo de oportunidades ocupacionais foram determ inados pela tra­jetória de desenvolvimento que o país percorreu, de outro, a forma do seu aproveitamento se deveu em grande medi­da ao recursos individuais que a determinaram.O autor analisa ainda a relação entre a entrada precoce no m ercado de trabalho e o status do indivíduo. S egu n d o ele, “ (...) a entrada precoce no m ercado de trabalho tem um duplo efeito negativo. De um lado, determ ina um mau início de carreira; de outro, dificulta o acesso a posi­ções sociais mais altas.”Além disso, a entrada precoce está diretam ente relaciona­da com a educação e com as perspectivas futuras dos indivíduos. A educação influencia a m obilidade, uma vez que os indivíduos com mais alto nível de escolarização têm, em geral, melhor início de carreira e m elhor trajetó-

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ria de m obilidade, e vice-versa. M esm o não sendo perfei­ta, nem isolada, a relação educação/ascensão social, já constitui importante mecanismo de mobilidade ascendente, especialm ente quando educação e ascensão social são as­sociadas a tantas transform ações estruturais.

Texto: “As Duas Faces da iYíobilidade” in Dados (21)Autor. Nelson Valle SilvaPublicação: IUPERJ, 1979, Rio

Resumo: reavaliar as inform ações apresentadas por Pastore (1978), com o intuito de m ostrar alguns padrões de m obilidade social q u e n ã o foram apresentados — analisando inform ações so­bre a mobilidade especificam ente intergeracional.

• O artigo apresenta quatro pontos de análise: tendências gerais da m obilidade intergeracional; fluxos de entrada e de saída das ocupações; efeitos estruturais e mobilidade de circulação; impacto da mudança estrutural.

• Dados da PNAD possibilitam estudo em nível nacional dos padrões de m obilidade no Brasil.

• Aponta a m obilidade um tema central na Sociologia C on­tem porânea, em função da desigualdade social e de sua transm issão intergeracional.

• N esta análise considera a m obilidade social como m obi­lidade ocupacional — mudança na posição dos indivíduos ao longo de uma classificação ocupacional.

• O foco de an á lise é a estru tu ra ocupacional b rasile ira - ‘sistem a de re lac ionam ento dos subgrupos que a co m ­põem ’ - em que os subgrupos ocupacionais são co n s­titu ídos de un idades próprias de análise e não de in d i­víduos.

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Ressalta que uma análise sobre estrutura ocupacional deve partir de uma classificação ocupacional que perm ita a identificação dos subgrupos que a com põem.U tiliza a mesma categoria de Pastore que é com posta por uma escala de 6 grupos de status\ trabalhadores ru­rais não qualificados; trabalhadores urbanos não qualifi­cados; trabalhadores qualificados e sem i-qualificados; tra­balhadores não m anuais , profissionais de nível baixo e pequenos proprietários, profissionais de nível médio e médios proprietários; profissionais de nível superior e grandes proprietários.D estaca que os estudos de m obilidade social consistem , basicam ente, na com paração da posição do indivíduo na hierarquia ocupacional em diferentes m om entos e que a mobilidade intergeracional seria a com paração da posi­ção dos pais - status adscrito — com a posição do filho — status adquirido - em um dado momento.Baseado na análise dos dados o autor percebe que para o conjunto da população brasileira é clara a im portância do processo de urbanização na determ inação dos pa­drões de m obilidade social, na medida em que é conside­rável a % de casos de m obilidade ascendente de traba­lhadores rurais que se deslocaram para outras categorias. Ressalta que é evidente a extensão da m obilidade social no Brasil, mesmo quando predom inam fluxos de curta distância percebe-se a ocorrência de movim entos relati­vam ente longos.D estaca que a mobilidade ascendente é relativam ente ex­tensa para todos os estratos sociais, contudo mais larga para os estratos mais altos da pirâmide.O bserva que a m ovim entação na base da pirâm ide social brasileira é intensa e que em relação à classe m édia os m ovim entos são menos significativos, contudo não cies-

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prezíveis quando se considera que o espaço para tal m o­vim entação era limitado.

• D estaca que quanto mais elevada é a posição do pai na hierarquia ocupacional, maiores são as chances relativas do filho ocupar uma posição m elhor ou superior que a de seu pai.

• Segundo o autor, tais observações podem ser explicadas “(...) pelas substanciais diferenças entre as distribuições ocupacionais de origem e de destino, reflexo das im por­tantes m udanças na estrutura produtiva brasileira e de significativos diferenciais dem ográficos.” (p.65)

• A ssim , como Pastore, Silva ressalta que a m obilidade ocupacional na sociedade brasileira ocorreu em grande m edida por mudanças estruturais, em bora a mobilidade de circulação tenha um papel relevante (44%).

• O autor observa que a mobilidade circular se tornará ainda mais dom inante e tenderá a delinear a estrutura de classes que a caracteriza , uma vez que a análise da m o­bilidade de circulação indica que a e s tru tu ra ocupacional brasileira tende a estruturar-se em classes sensivelm ente fechadas. N este sentido, observa que com “duas barrei­ras estruturais à mobilidade, a saber as d im ensões rural/ urbano e manual/não manual, geram a nítida estruturação em três classes, sendo as chances de m obilidade dentro dessas classes muitas vezes m aiores que as de m obilida­de entre as classes.” (p.65)

• O autor conclui que a mobilidade social no Brasil revela duas faces:1) a do dinam ism o e abertura social, com largas chances

de m obilidade para a m aioria de seus m embros;2) a falta de abertura em uma sociedade estrutura em clas­

ses, que se torna mais óbvia na medida em que se com­pletam os processos de urbanização/industrialização.

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Texto: “Et pius ça change... tendências históricas da fluidez social no Brasil” in Dados

Autor. N elson do Valle Silva e D eborah RoditiPublicação-. Revista de Ciências Sociais, IUPERJ, vol. 29, n.3,

1986

Resumo-. E xam inar as tendências históricas da fluidez social no Brasil, especificamente a mobilidade ocupacional intergeracional dos homens que com eçaram a trabalhar entre 1914 e 1973.

• O artigo explora; 1) os principais elementos da chamada “ tese do industrialism o” ; 2) baseado no caso brasileiro, exam inar a possib ilidade em pírica da idéia de que o de­senvolvim ento industrial leva a uma m aior abertura na estratificação social.

• Segundo os autores: a) apesar das altas taxas de urbani­zação e industrialização que caracterizaram a sociedade brasileira neste período, os resultados mostram claramente que não há variação tem poral na m obilidade ocupacio­nal, ou seja, no efeito da origem social sobre a realização dos indivíduos socialm ente móveis; b) não existe varia­ção tem poral no p adrão de h eran ça o cup ac io n a l intergeracional.

• Assim , “(...) não parece existir qualquer mudança de monta na distribuição de chances relativas entre os diversos es­tratos sociais que possa ser atribuída ao crescimento eco­nômico, pondo em questão, portanto, as prescrições que seguem da “tese do industrialism o”.

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Texto: “D esigualdade e M obilidade Social : dez anos de­pois” in A Transição incompleta — Brasil desde 1945

Autor. José PastorePublicação: Paz c Terra, 1986, SP

Resumo: A nalisar o paradoxo brasileiro de grande m obilida­de ascendente e aum ento da má distribuição de renda — desigual­dade social.

O artigo dc Pastore tem como base seu estudo “D esigual­dade e M obilidade Social no Brasil” (1979), que indica que a sociedade brasileira teve, no geral, neste século mobilidade as­cendente em sua estrutura — mobilidade esta acom panhada de desigualdade social.

O trabalho divide-se em duas partes centrais: (1) resumo das tendências de longo prazo observadas na sociedade brasileira ao longo deste século e considerações referentes ao período 1973- 83 - recessão - e após a retomada do crescim ento em 1984.

A questão centra l do artigo é: quais seriam os im pactos da recessão sobre a m obilidade e a desigualdade social no Brasil?

O texto apresenta um panorama da m obilidade social no Brasil, o papel das m udanças no mercado de trabalho, o papel dos recursos individuais, um panoram a do crescim ento durante a crise no período 1973-80 e a relação recessão/ mobilidade social (1981-83).

• Pastore ressalta que mesmo em períodos de crise inter­nacional o Brasil continuou oferecendo oportunidades de ascensão social para boa parte da população através do seu crescimento.

• Com a inflação e o endividam ento externo houve uma recessão que atingiu o quadro de em pregos: neste perío ­do o país apresentou déficit com relação ao emprego, o que significou redução na m obilidade social estrutural. Houve, segundo o autor, uma desaceleração da ascensão

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social, especialm ente nas regiões industrializadas. Perío­do marcado não apenas pela redução de oferta de traba­lho como também pelo desem prego e rotatividade.

• No período da recessão a m obilidade social foi marcada- m ente circular, uma vez que o desem prego atenua a as­censão social e o reemprego estim ula este tipo de m obili­dade.

• O autor ressalta que a rotatividade sem pre foi alta no Brasil. Ele supõe que em mom entos de crise, desem pre­go e excesso de oferta, as empresas praticam a rotatividade buscando m inim izar salários e m axim izar a qualificação de sua mão-de-obra.

• Pastore assinala que houve, neste período, um a com bina­ção da contração da indústria de transformação e da cons­trução civil c o m n ex pan sã o de n o v o s s e t o r e s n o in te r io r do país, o que provocou três fenôm enos: a) desccnsão social para grande núm ero de trabalhadores nas grandes cidades; b) redirccionam ento dos fluxos m igratórios; c) ascensão social para trabalhadores engajados nos novos m ercados de trabalho do interior do Brasil.

Conclusões:

• O autor conclui através dos dados relativos à m obilidade social baseada em mudança de status ocupacionais que, neste século, o Brasil teve um dinam ismo considerável, uma vez que a m aior parte da PEA realizou m obilidade ascendente — status sociais dos indivíduos freqüentem en­te superiores ao dos pais.

• No conjunto o Brasil m anteve o dinam ism o da m obilida­de social. Tal mobilidade foi estrutural se deveu à indus­trialização, à am pliação dos setores de com ércio e serv i­ços, à urbanização e à m igração rural-urbana. Apenas

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durante a recessão os dados dem onstram mobilidade cir­cular, em função da rotatividade e do desemprego.

• O autor destaca que não há um a relação direta entre mobi­lidade social e igualdade, já que a mobilidade pode conduzir à desigualdade como no caso do Brasil. A mobilidade pode apenas indicar um padrão de crescimento e desenvolvimen­to em que alguns ascendem mais do que outros, mas a maioria modifica pouco sua posição na estrutura social.

• Segundo ele, “ (...) os estudos de m obilidade objetivam sim plesm ente identificar o volum e e a direção do trânsi­to que os indivíduos realizam em relação a seus pais e dentro de sua própria trajetória de vida.” (p.54)

• N este sentido, seria ilusório explicar a igualdade social a partir de estudos de m obilidade, uma vez que as variá­veis que a explicam são outras.

• Pastore destaca que no estudo de m obilidade a única variável dependente é o trânsito de uma posição para outra e a partir da qual se identifica: grau de fluidez/ rigidez da estrutura social, em que nível de pirâm ide so­cial a perm eabilidade é maior e com o a fluidez redunda em equalização ou desigualdade.

• Assim os estudos de m obilidade são inadequados para explicar o bem -estar ou a pobreza. “Em princípio, o bem- estar geral do povo ou a pobreza são independentes da fluidez da sociedade.” (p.54)

• Ressalta ainda que a mobilidade não deve ser considera­da uma solução anestésica para a sociedade ou, ainda, um m ecanism o de cooptação entre as classes e m anuten­ção da ordem social.

• O autor conclui que a sociedade brasileira é dinâmica, mas observada a qualificação deste dinamismo percebe-se que ele conduz, no conjunto da sociedade, a uma estrutura social desigual.

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Texto: “M odernização Tecnológica e M obilidade Social” in Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Autor. R iedl, M.; Tourinho, M.; G asparetto, A.Publicação: UFRS, Porto A legre, 13, 1985

Resumo: A nalisar as conseqüências do processo de m oderni­zação da lavoura cacaueira sobre a estrutura de classes e de estra­tificação social daquela região da Bahia, particularm ente em ter­mos de m obilidade social.

• O trabalho apresenta um quadro de referência teórico sobre: m odernização tecnológica do processo produtivo agrícola; desigualdade social, estrutura de classes e estra­tificação social. M ostra também os conceitos fundam en­tais ao desenvolvim ento da análise, os aspectos metodo­lógicos, as variáveis e indicadores sociais e uma análise dos resultados.

• As unidades de análise deste estudo foram os produtores capitalistas, os produtores familiares e os trabalhadores rurais da região cacaueira. Tais grupos configuram, segun­do eles, os elementos humanos participantes do processo de produção: proprietários dos meios de produção, propri- etários-trabalhadores e força de trabalho assalariada.

• “ (...) a partir dos resultados analisados, pode-se inferir que o processo de m odernização tecnológica da lavoura cacaueira da Bahia resultou numa sociedade rigidamente estruturada, ou, em outras palavras, a estrutura social rural dessa região im perm eabilizou-se.” (p.267)

• Os autores ressaltam que não se observou uma m obili­dade social interclasse ascendente por m em bros da clas­se dos trabalhadores assalariados, mas observaram -se ca­sos de m obilidade no sentido contrário.

• Já na classe dos produtores fam iliares observou-se uma m obilidade principalm ente descendente, explicitada pela

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perda da condição de produtores por integrantes da m es­ma, não tendo o mesmo ocorrido com os membros da classe dos produtores capitalistas.

• “D essa form a, confirm a-se a hipótese de que a m obili­dade social interclasse resultante do processo de m oder­nização caracterizar-se-ia, principalm ente, por um m ovi­mento vertical descendente no interior da pequena pro­dução fam iliar c por uma ausência de mobilidade a partir da classe dos trabalhadores assalariados.” (p.268)

Texto: “Operários e m obilidade social na Bahia — análise de uma trajetória individual” in R evista B rasile ira de C iências Sociais

Autor. Antônio Sérgio A lfredo GuimarãesPublicação-. AN PO CS, RBCS, n. 22, ano 8, junho de 1993

Resumo: construir teoricam ente uma hipótese sobre a form a­ção de uma parcela do operariado industrial e com preender a teia de significado cultural e sociológico que a sustenta.

• artigo apresenta uma avaliação do desem penho ocupaci- onal de um dos operários do pólo petroquím ico de Camaçari com parado a outros para, em seguida, analisar: 1) a estratégia de mobilidade social de sua fam ília de origem ; 2) as razões de fracasso da sua estratégia de “atalho”; 3) as opções possíveis para as pessoas que u ti­lizaram essa mesma estratégia; 4) sua transform ação em lideranças operárias.

• O autor tem como hipótese que durante um período de tempo preciso — anos 70 e 80 — os indivíduos que com ­põem as classes baianas passam a defin ir suas ocupações preferenciais induzidos pela criação de novas oportuni-

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dades de em prego e renda abertas pela industrialização em curso; algumas dessas escolhas individuais, inform a­das a) por variadas personalidades, b) por um mesmo habitus de classe e c) por uma mesm a situação de m erca­do, levam um grupo de pessoas de pequena classe média a constitu ir o operariado industrial moderno, em prestan­do a essa nova classe algumas de suas disposições origi­nais.Esta hipótese somava-se ainda à obtenção de um título universitário, estratégia popularizada pela expansão dos serviços públicos na Segunda República, e o com ércio varejista, estratégia muito mais com petitiva e difícil de ser im plem entada por famílias numerosas.O autor considera que houve no pólo petroquím ico de Camaçari — até 1985 — um tipo de política de pessoal e gestão do trabalho que perm itiu o desenvolvim ento de um a estratégia de “atalho” por parte deste grupo, bus­cando alcançar no espaço social a classe média assalaria­da de um modo mais rápido e sem muito investim ento em educação.Foram vários os aspectos/elem entos da gestão que sus­tentaram essa estratégia, contribuindo para seu sucesso ou seu fracasso:a) positivos-, uma política de recrutam ento que privilegia­

va aqueles de m aior educação forma) e m ais jovens; o pagam ento de salários superiores à média regional; a oferta de inúm eros benefícios não-monetários.

b) negativos-, a h ierarquia e as form as de dom inação v i­gentes no processo de trabalho; o hiato entre a vida social aspirada pelos trabalhadores e o regim e de tra­balho; a falta de perspectivas de progressão.

O autor dem onstra as condições em que um indivíduo de uma fam ília de classe média, no curso de uma estraté-

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gia de m obilidade tradicional, opta por uma estratégia de, a curto prazo, alcançar um ponto no espaço social.

• O autor traça quatro diferentes cursos de trajetória a partir da m aterialização dessa opção e d iscute as caracte­rísticas d isposicionais que as sustentavam.

• Guim arães ainda apresenta as diferentes formas de so­ciabilidade - seja a convivência fam iliar extensiva, seja a formação de grupos de lealdade no trabalho — capazes de influ ir nos diferentes cursos.

• F inalm ente, conclui sobre a im portância “(...) da influên­cia que indivíduos com essa trajetória tiveram para o padrão de form ação da classe operária baiana daquele período, seja como lideranças ‘técnicas’, seja como ativistas sindicais.”

Autor. Caillaux, E lisa L.Título-. “Cor e M obilidade Social no Brasil”Periódico: Estudos A fro Asiáticos — n. 26, 1994

Resumo (da autora): A mobilidade social no Brasil é extensa do ponto de vista dos padrões de m obilidade ocupacional. Na década de 70, são significativas as proporções de filhos que ex­perim entaram uma mobilidade ascendente ou perm aneceram nas m esm as ocupações de seus pais. Nos anos 80, há um aum ento da m obilidade total, mas é a mobilidade descendente a que mais cresce em term os relativos.

Nos períodos estudados, a abertura de m elhores oportuni­dades beneficia os grupos sociais segundo o critério cor, ou seja, são os homens e m ulheres brancos os prim eiros a usufru ir a ascensão ocupacional. No entanto, a clivagem da m obilidade des­cendente obedece, principalm ente, a divisão dos grupos por sexo,

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atingindo prim eiro as mulheres e depois os homens. Entretanto, para se avaliar o grau de abertura da sociedade brasileira é neces­sário distinguir a m obilidade decorrente de fatores conjunturais (circular) daquela inerente à estrutura social.

A tendência de aum ento da m obilidade circular é influenci­ada pelo com portam ento dos homens brancos e, secundariam en­te, pelo com portam ento dos hom ens pretos e pardos. Para as m ulheres brancas, pretas e pardas, tanto em 1976 quanto em 1988, a m aior mobilidade é de tipo estrutural. Nesse sentido, a sociedade brasileira experim enta o seguinte paradoxo: se o cres­cimento da m obilidade circular significa o alcance de patamares razoáveis de desenvolvim ento, o crescim ento da m obilidade des­cendente reflete a estagnação do crescim ento e consolidação da crise econôm ica.

Autor. A ndrade, F lávia Cristina Drum ond Título-. “N íveis e padrões de m obilidade social em cinco

regiões m etropolitanas.”D issertação de M estrado apresentada ao CED EPLA R/

U FM G - 1997

Resumo (da autora): O trabalho apresenta os principais con­ceitos e diversas possibilidades de análise da m obilidade social, destacando as principais variáveis utilizadas e os resultados obti­dos nos principais estudos realizados no Brasil. Em seguida são m ostrados os principais resultados acerca dos níveis absolutos da m obilidade intrageracional, intergeracional e intergeracional total segundo o sexo, o grupo etário e a região m etropolitana. D iferen­tem ente do que ocorre com a m aioria dos estudos, a nossa am os­tra é constituída por homens e mulheres; além disso, optamos por apresentar os resultados de cinco regiões metropolitanas (Belo

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H orizonte, Porto A legre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo) visando caracterizar diferentes realidades nacionais. Por últim o, procedem os à análise dos padrões de m obilidade observados e das tendências da m obilidade circular intergeracional a p artir da aplicação de modelos Log-lineares. Ficou evidenciado que boa parte da mobilidade intergeracional total advém de movimentos ao longo da carreira, e que existem diferenças significativas entre hom ens e mulheres não apenas nos níveis, mas também nas asso­ciações contidas nas m atrizes de mobilidade. O controle por re­gião m etropolitana m ostrou que áreas mais dinâm icas proporcio­nam, via de regra, uma m aior m obilidade ascendente e um a m e­nor d escen são so c ia l para seus re s id en te s (m o b ilid ad e intrageracional e intergeracional total). A utilização do instru ­mental de modelos Log-lineares possib ilitou-nos verificar que o sentido do m ovim ento (ascendente ou descendente) e o afasta­m ento à diagonal principal eram fatores im portantes para a con­figuração do padrão de mobilidade. Encontram os indícios de que o modelo de padrões de m obilidade ocupacional constante ao longo do tempo se ajusta bem aos dados, ou seja, ao aceitarm os este modelo podem os dizer que a m obilidade de circulação per­m aneceu inalterada durante o período analisado.

Autor. Scalon, M aria CeliTítulo: “M obilidade Social no Brasil: Padrões e Tendências”Tese de D outorado apresentada ao IUPERJ em 1997

Resumo (da autora): Esta tese analisa os padrões de m obili­dade e flu idez, com a finalidade de desenvolver um m odelo que retrate as características da estrutura social brasileira. A lém disso, aborda a questão de gênero que pontua os estudos atuais sobre estratificação, a fim de avaliar se a estrutura de classes no Brasil é d iferenciada para hom ens e mulheres.

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O prim eiro capítulo introduz o debate em torno dos esque­mas de classe e a teoria que os inform a, baseada nos conceitos da sociologia clássica de Marx e Weber. O segundo capítulo trata da definição de uma classificação desenvolvida especificam ente para este trabalho e, portanto, discute o processo de construção deste esquem a que se inscreve cm fundam entos m etodológicos e opções teóricas. O terceiro capítulo retoma a tradição dos estu­dos de mobilidade no Brasil, fazendo um a análise descritiva de tabelas e índices, utilizando o corte de gênero. O quarto capítulo é um a revisita a três teses clássicas de m obilidade, visando deter­m inar os principais padrões da estratificação dc classes também confrontando diferenças dc gênero. O quinto, e último, capítulo define, finalm ente, o m odelo de m obilidade social brasileiro, e, a partir dele, d iscute a estrutura dc classes e o impacto da variável gênero sobre ela.

A conclusão é que o modelo de m obilidade brasileiro de­monstra significativo grau de fecham ento no topo, extrem o iso la­mento do setor rural e caracteriza-se, basicam ente, pela m obilida­de de curta distância. D em onstra, ainda, que a estrutura de classe é tripartida, d ividindo-se cm três grandes grupos: não - manual, manual e rural. A lém disso, não está perm eada pela desigualdade de gênero no que diz respeito âs chances relativas que definem o m odelo de fluidez social, em bora taxas absolutas de m obilidade registrem desvantagens na estrutura de em prego para mulheres.

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( c o m e n t á r i o c r í t i c o )

Sônia M. G. La rangeira

Foi para m im uma grande satisfação poder com entar o tex­to de Nelson Valle e Silva, uma vez que, d iferentem ente do usual, ele exam ina a produção da Sociologia no Brasil, não por suas realizações, mas pela ausência, omissão, no caso em exam e, do tema mobilidade social, que deveria, por inúm eras razões, ter m ere­cido m aior atenção de nossos estudiosos. A estratégia de realizar um a análise da disciplina tentando m ostrar a escassez da produ­ção brasileira num a determ inada área, com parando-a à pujança da produção internacional, pareceu-m e fecunda: primeiro, por­que parte de um parâmetro comparativo — o que perm ite visualizar as características da Sociologia no Brasil vis-à-vis ao contexto de discussão internacional; segundo, porque, como sabemos, as la ­cunas são plenas de significados. Ao explorar essa v ia, podería­mos, talvez, refletir sobre os lim ites da discip lina, que o exam e das realizações nem sempre evidencia.

Silva destaca a relevância do tema mobilidade socia l na Socio­logia internacional e o papel essencial que tem cumprido no refi­namento m etodológico da disciplina. Poderíamos, ainda, acres­

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c e n ta r que a referida temática está intim am ente relacionada às rápidas e profundas mudanças econôm ico-estruturais por que têm passado a sociedade brasileira nos últim os 25-30 anos, con­siderando-se, por exemplo, o processo crescente de urbanização e industrialização que transform ou o país agríco la dos anos 60, em país de industrialização com plexa e diversificada com signifi­cativa participação da indústria de transform ação de bens de con­sumo duráveis dos anos 80, garantindo o oitavo lugar na classifi­cação internacional das econom ias mais poderosas do p laneta.1 E sse processo de transform ações que, praticam ente, inverte o grau de participação dos setores econôm icos na form ação do Produto Interno Bruto tem im pactos sociais expressivos, provo­cando mudanças significativas no mercado de trabalho, tanto no cam po quan to nas c id ad es, com acen tu ad a am p liação cio assalariam ento, característica das econom ias tipicam ente capita­listas. Am plia-se o núm ero de novas ocupações, criadas a partir da rápida transform ação industrial, com presença expressiva de indústrias m odernas; verifica-se significativa transform ação na com posição por sexo da população econom icam ente ativa brasi­leira, com a crescente participação da mulher no mercado de trabalho. Por outro lado, o processo de m odernização e reestru ­turação agrária, com a crescente presença de agro-em presas, a lte­ra a natureza das relações entre o s g rupos sociais no campo.

1. Hm 1968, 79 .3% das exportações brasileiras eram constitu ídas por p rod u­tos p rim ários e apenas 20 .2% de produtos industria lizados; em 1980, os p rim eiro s caem para 42% , enquanto os segundos se elevam para 56 .5% , no to tal das exportações. E m 1960, o percen tual da população urbana em re lação à popu lação total era de 44 .7% ; em 1980 acjuele p ercen tua l atinge 67% , passando para 74 .1% em 1990 e 77 .5% em 1995. O país transfor- m ou-se, a partir dos anos 80, cm predom inan te urbano. (Os dados re feren ­tes ao período 60-80 foram extraídos do artigo de W. G. dos Santos, “A pós-revo lução b rasile ira” , em Jaguaribe , H. et a i B rasil sociedade democrática, Rio de Jan e iro : Jo sé O lym pio , 1985; os dados referentes aos anos 90 encontram -se nos A nuário E statísticos do B rasil do IB G E , 1993 c 1995.)

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Outro fator im portante que integra o conjunto dessas mudanças é o acesso da população brasileira ã educação, prom ovendo a elevação da escolaridade em todos os níveis. Na área da educa­ção, elim inam -se, tam bém , barreiras sexuais, facilitando o acesso das m ulheres a conquistas no m ercado de trabalho.

Além dos im pactos gerados pelas mudanças sociais acima referidas, dever-se-ia, também , considerar o fato de existir, no Brasil, fonte sistem ática de dados estatísticos, com o a Pesquisa Nacional por Am ostragem D om iciliar (PNAD), suporte im por­tante para o desenvolvim ento dc estudos sobre o tema em ques­tão. Dessa form a, tanto a realidade quanto as estatísticas pode­riam ter-se constituído em elementos motivadores para a realiza­ção de estudos sobre mobi/idade social. Nesse sentido, a preocupa­ção de Silva ultrapassa a simples preocupação com a ausência (ou escassez) de uma determ inada temática na Sociologia no Bra­sil, mas obriga-nos a refletir sobre o carácter dessa Sociologia e as razões que o justificariam .

Ao apontar a im portância da literatura internacional sobre o tema, Silva refere-se, principalm ente, à literatura norte-am ericana e inglesa. Mas todos sabem os que a expressão do tema é bem mais ampla. Como exemplo, há que referir ao trabalho profícuo que realiza o Research Committee 28, da International Sociological A.ssociation (ISA), dedicado aos estudos sobre estratificação so­cial. A relevância do tema em term os internacionais fica evidente ao exam inar-se a listagem dos cerca de 70 trabalhos apresentados em reunião do referido Research Committee, realizada em Zurich, em maio de 1995, constatando-se a presença de pesquisadores de instituições de diferentes países, além dos Estados Unidos e da Inglaterra, tais como, Itália, países nórdicos, países do leste euro­peu, Espanha, A ustrália, Suíça, Israel, Turquia, índ ia , Holanda, Canadá. Caberia registrar que havia um único trabalho de origem francesa, curiosam ente realizado por pesquisadores do instituto de estatística, Insee.

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A ausência do tema no Brasil não pode deixar de surpreen­der. Por que isso?

Em sua exposição, Silva apresenta-nos dois fatores como responsáveis por essa (quase) ausência: de um lado, segundo o autor, estaria a histórica predom inância do m arxism o na Socio lo­gia no Brasil; de outro, a incom petência m etodológica dos soció­logos brasileiros.

Em relação ao marxismo, o argum ento poderia ser conside­rado verdadeiro, mas parcialm ente. E inegável que o m arxismo foi uma perspectiva relevante na análise sociológica brasileira, especialm ente nos anos 60 e 70. Bastaria referir à im portância da discussão sobre a presença ou ausência de revolução burguesa no Brasil, que ocupa boa parte da literatura sociológica desse período, preocupada em defin ir o caráter de classe dos agentes sociais, por excelência — a burguesia e o proletariado. Todo o conhecim ento que ultrapassasse tal lim ite e que estivesse relaci­onado à perspectiva de análise dc estratificação social deixava de constituir-se em objeto de interesse. Exemplo dessa perspectiva seriam os famosos artigos de Rodolfo Stavenhagen, “E stratifica­ção e estrutura de classes (um ensaio de interpretação)” , publica­do em 1966, pela Zahar editores do Rio de Janeiro, integrando a coletânea Estrutura de Classes Estratificação Social, e Sete teses equivocadas sobre a A mérica Latina, publicado no Brasil em 1967, pela mesm a editora, com o parte da coletânea Sociologia do D e­senvolvim ento, os quais tiveram significativa influência entre estudiosos da época no Brasil e que desqualificavam análises em nível da estratificação social. É interessante c itar algumas passa­gens dos referidos artigos à guisa de ilustração de com o eram avaliados os estudos sobre m obilidade e estratificação social:

(...) na prática, os estudos sobre mobilidade tem por objeto, geralmente, a mobilidade ascendente, e ignoram a mobilidade descendente. Isso contribui para uma visão falsa da realidade (...) tem uma tendência nitidamente psicológi­ca (...) contribuem pouco para o estudo das estruturas sociais.. A estratificação

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d esem p en ha, pois, um papel em inen tem en te co n servad o r na soc iedade , ao passo que as o posições e os conflito s de classes constituem um fenôm eno de

o rdem d inâm ica, p or excelência (S tavcnhagen , 1966 :127-8 , 141).

Por m uito ace lerado que seja o crescim ento desses estra tos m éd ios, na

A m érica L atina em con jun to é m uito m aio r (...) o cresc im ento d o s estratos de baixas rendas, seja no cam po ou na c idade (...) O s setores que in tegram a “ classe m éd ia” (...) dependem econ ô m ica e soc ia lm en te dos estratos a lto s; es­

tão ligados po liticam en te à c lasse d o m inan te , são conservado res em seus g o s ­

tos e op in iões, defensores do sta tu s quo e só buscam p riv ilég io s ind iv iduais. C om o classe, en riqueceram m ais na A m érica L atina m ed ian te co rru p ção que

através do trabalho (...) A s cham adas classes m édias estão estre itam ente v incu ­ladas à es tru tu ra econ ô m ica e po lítica v igen te e não têm d in âm ica p róp ria que

pudesse transfo rm á-las em p rom otoras do d esenvo lv im en to econ ô m ico in d e­penden te (...)” (S tavcnhagen , 1967:131-3).

Entretanto , caberia tam bém lem brar que, no in ício dos anos 70, o m arxism o rende-se à realidade dos fatos, e o livro dc Poulantzas, A s classes no capitalismo de hoje, publicado na Fran­ça em 1974 c traduzido, no Brasil, no ano seguinte, também pela Z ahar ed itores, é exem plo disso, abrindo uma porta, se não aos estudos de estratificação social à m oda norte-am ericana, pelo m enos aos estudos sobre classe m édia, g rupos sociais que Poulantzas denom inou de noua pequena burguesia. E studos sobre as “novas classes m édias” , sem adotar uma perspectiva pura­m ente m arxista , mas procurando prom over o casam ento teórico entre M arx e W eber, foram m uito profícuos, especialm ente na Ing laterra (vide Urry, J & A bercrom bie, N. Capital, labour and middle class. London: G. A llen & U nwin and editors, 1984), per­m itindo o levantam ento e a d iscussão de um a série de questões relativas às m udanças ocorridas nas últim as décadas na estru tu­ra social, com o a cham ada proletarização de profissionais de nível superior.

A ausência de interesse pelo tema entre os sociólogos brasi­leiros é realm ente surpreendente, considerando-se que o país atravessava período cle intensa transform ação social que repercu­

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100 S o n i a M . G . L a r a n g i u r a

tia de forma evidente na com posição dos estratos sociais. As cham adas novas classes médias ocupando postos gerenciais ou técnicos criados com a expansão das grandes em presas m oder­nas nacionais ou estrangeiras, privadas ou estatais, substituíam setores da classe m édia tradicional, ocupadas, principalm ente, na burocracia.

Presenciava-se, também no Brasil, a proletari^açao das clas­ses médias, fenômeno que descrevia as transform ações por que passavam profissionais como médicos, engenheiros, advogados, que até então haviam atuado como profissionais liberais desfru­tando de alto prestígio social e que, transform ados em assalaria­dos, experim entavam rebaixam ento das condições de trabalho e de j'tatus social, o que os levava a engajarem -se em lutas sindi­cais, típicas da classe operária.

Parece estranho que os soció logos brasileiros não te­nham se sensib ilizado intelectualm ente com realidade tão ex ­p ressiva — com exceção de uns poucos. E n tre estes, estão G uilhon de A lbuquerque, com o cooordenador de uma co letâ­nea (Classes médias e p o lítica no Brasil. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977), Décio Saes (C.lasses média e sistema político no Brasil, São Paulo: T. A Q ueiroz, 1985J, Renato Boschi (A abertura e a nova classe média na política brasileira: í 977-1982. Revista B rasile ira de C iências Sociais, 1(1), junho, 1986), Francisco de O liveira (M e­dusa ou as classes médias e a consolidação democrática. In Reis, F. W. & 0 ’D onnel, G, (org.) D ilemas e Perspectivas. São Paulo: V értice, 1988, e Os protagon istas do drama: Estado e sociedade no Brasil. In L arangeira S. (org.) Classes e movimentos sociais na A mérica Latina. São Paulo: H ucitec, 1990).

Igualm ente surpreendente é o fato de que a ANPO CS, es­pelho do que de mais representativo se produz nas Ciências Sociais brasileiras, ao longo de seus m ais de 20 anos de existên­cia, não tenha abrigado g r u p o s de trabalho sobre o tema das classes sociais e da estratificação social.

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Voltando ao argum ento sobre a responsabilidade do m ar­xism o na explicação do fenôm eno em discussão, d iria que tal responsabilidade deveria ser relativizada, tendo em vista que o próprio m arxism o seria fortem ente criticado e praticam ente aban­donado no Brasil (seguindo tendência internacional, nas C iências Sociais, especialm ente na França) a partir do início dos anos 80, o m esmo ocorrendo com o conceito de classe social, o qual se poderia dizer, praticam ente, desaparece da Sociologia no Brasil — a despeito da crescente im portância do fenôm eno das classes na realidade brasileira.

A importância das classes sociais torna-se evidente, por exem­plo, na conjuntura de realização da Assem bléia Constituinte, em que os grupos políticos que ali sc constituem o faziam em dispu­ta pelo conteúdo dos princípios que deveriam ou não integrar a nova Carta. Tal disputa poderia ser claram ente definida por seu corte de classe. A com plexidade e a força econôm ica da burgue­sia no Brasil nos anos 80 e 90, principalm ente, considerando-se as frações ligadas às grandes em presas industriais m odernas, ao setor bancário, às em presas de agrícolas, às grandes cadeias de com ercialização, nacionais e estrangeiras, expressam -se através de uma bem articulada e sofisticada atuação política que se tra­duz não apenas nos eficientes lobbies atuantes junto ao Parlam en­to, e junto a órgãos de decisão do governo, mas, também , através de uma rede de associações civis representando interesses de classe. A eficiência dessa atuação se m anifesta na capacidade de conduzir o processo político e econôm ico, que em nada se altera com a dem ocratização do país, iniciada em meados dos anos 80. N esse sentido, cabe lem brar o artigo já citado de Francisco de O liveira, “Os protagonistas do drama: Estado e sociedade no Brasil”, em que argum enta e dem onstra que a burguesia brasilei­ra nunca se m ostrara tão atuante e agressiva politicam ente, o que fazia diante de um adversário, igualm ente afirm ativo, o novo sindicalismo. E absolutam ente incom preensível que, apesar da

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1 0 2 SONIA M . G . LARANGElRA

existência e nitidez de tal fenômeno e de suas desastrosas conse­qüências político-sociais, as investigações não tenham persegui­do tal direção. D iante desse quadro, não me parece que o argu­m ento de que a tradição marxista tenha sido responsável pela ausência/debilidade de temas nas C iências Sociais brasileiras se sustente; o argum ento deve ser relativizado, uma vez que o pró­prio marxismo foi fortem ente rejeitado, pelo menos, consideran­do-se os últim os 15 anos.

Outro fator indicado por Silva como "talve% mais determi- nante” para explicar a ausência da tem ática mobilidade social seria “reflexo da incapacidade, também crescente, de nossos profissionais da socio­logia” no que se refere ã metodologia quantitativa, dom inante nos estudos da área. Concordo com o autor que há entre os cientistas sociais brasileiros “crescente incapacidade” no que se refere à m etodologia quantitativa, no entanto, por si só, esse fator não seria suficiente para explicar o fenôm eno em discussão, tendo em vista que: a) por m aior que fosse tal incapacidade, tenho certeza, considerando-se os inegáveis m éritos já dem onstrados pelas C iên­cias Sociais brasileiras em diferentes aspectos e m om entos, a mesm a teria sido debelada tivessem havido reais incentivos para tanto. Esses, se os houve, foram débeis e não foram capazes de sensibilizar a com unidade, diante dos fortes estím ulos às aborda­gens, digamos, “ flexíveis” — mais descritivas do que propriam en­te qualitativas, em que a Sociologia parece ceder lugar à literatu­ra. Por outro lado, o despreparo em relação à m etodologia quan­titativa entre sociólogos brasileiros decorreu, em grande parte, da identificação estabelecida entre métodos quantitativos e funcio­nalism o que, segundo alguns, caracterizariam a Sociologia norte- am ericana, também dedicada aos estudos sobre desenvolvim en- tism o e, como tal, rejeitada, por constituir-se em real expressão do imperialism o. Entretanto, essa talvez tenha sido uma realidade caraterística dos anos 70. Na década de 80, a opção pela Sociolo- g ia-literatura, ao invés da Sociologia científica, resultou muito

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mais de uma opção m etodológica cujos fundam entos estão asso­ciados a perspectivas epistem ológicas que expressam um desen­canto em relação às possibilidades científicas das C iências So­ciais, aproxim ando-se, portanto, de um certo irracionalism o. Há, pois, na pretensa incom petência m etodológica cios sociológos brasileiros um a opção m etodológica que desdenha das possib ili­dades de conhecim ento da realidade.

A hipótese de Silva sobre a “incom petência m etodológi­ca” , ainda que real, não parece, por si só, ser capaz de explicar a escassez de estudos sobre mobilidade, também porque o tema poderia ter sido perfeitam ente abordado a partir de um a perspec­tiva qualitativa como, aliás, o foi no artigo citado por Silva, de A. S. Guim arães, “Operários e m obilidade social na Bahia — análise de uma trajetória individual” (Revista Brasileira de Ciências Sociais, n.22, ano 8, junho, 1993), em que a m obilidade social é analisada utilizando-se de conceitos de Bourdieu e de recursos m etodoló­gicos como a trajetória de vida.

N ão sendo o m arxism o e a “incom petência m etodológica” suficientes para explicar o fato em exam e, o que m ais se poderia apontar?

Creio que, por sua importância, não s e poderia deixar de considerar a malfadada “crise dos paradigm as”, que foi, sobretu­do, um fenômeno francês, em grande medida sustentada pelos argum en tos dos cham ados “nouveaux p h ilo sh o p h es” (A. Glucksmann, La cmsinière et le mangeur d ’hommes, 1975, e Les maítres penseurs, 1977; B.H. Lévy, La barbarie à visage htimain, 1977; J.P. Dollé, Le désir de rêvolution, 1972), que estiveram entre os primeiros a abertamente proclamarem-se anti-marxistas, dirigindo crítica vio­lenta ao marxismo, responsabilizando-o pelos insucessos e distorções do socialismo real, cuja origem, segundo os mesmos, estaria conti­da nas próprias premissas marxistas. Em suas análises, a c iên c ia - “ fetichismo do conhecimento” — seria o instrumento da opressão, já que a razão seria totalitária. Nesse sentido, o papel do verdadei­

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ro intelectual seria não o de produzir conhecimento, teoria, mas, ao contrário, o de desmascará-los, mostrando o “ fracasso das C iên­cias Humanas” . Os novos filósofos tiveram grande influência na definição de uma nova Sociologia, especialmente na França, forte­m ente marcada por traços irracionalistas e anarquistas.

A s teses p ó s-m o d ern as que en fa tiz am o asp ec to de pluralidade, da diferenciação e da fragm entação do social, contri­buem para reforçar tal perspectiva, criticando, sobretudo, a “ilu ­são” do estudo da realidade social baseada na idéia de agregados e de coletivos, e dos aspectos recorrentes. Tal postura tende a desdenhar de esforços objetivistas, sob o argum ento de que os fenôm enos sociais são socialm ente construídos, expressando, por­tanto, realidades que se explicariam muito mais por fatores sim ­bólicos do que por fenôm enos estatísticos.

O predom ínio dessa perspectiva na Sociologia praticada no Brasil, principalm ente a partir dos anos 80, altera a análise da realidade social: tende-se a rom per com as explicações de carácter estrutural do tipo “desenvolvim ento econôm ico, mudanças so­ciais e m obilidade social”, referido por Silva, para assum ir uma abordagem de carácter político que privilegie a perspectiva de “politização do social” — o social percebido com o o campo de resistência e de lutas contra o poder que se espraia extensivam en­te (a realidade política do país, sob a d itadura m ilitar, favorecia a ênfase nos aspectos políticos). Entretanto, com o bem o ilustra o livro de Dollé (.Désir de rêvolution\ vide também Sartre et al. On a raison de se révolter, 1974, ambos citados por Peter Dews, The nouvelle philosophie andFoucault. In M. Gane, Toimrds a critique o f Foucault, London: Routledge, 1986), que utiliza c o n c e i t o s lacanianos, par­te-se de uma perspectiva subjetivista de revolução com o ob jeti­vo de realizar a autonom ia radical, para o que se valorizava o aspecto do imediato e espontâneo em relação à revolta, como form a de escapar à opressão. A revolta contra a sociedade seria uma forma de afirm ar e satisfazer desejos individuais.

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D e outro lado, a perspectiva pós-m oderna destaca o papel dos signos nas sociedades atuais, ou seja, a super-produção de sím bolos associada à dim ensão do consum o cap italista; dessa form a, os “estilos de vida” (e o correspondente crescim ento do setor de serviços) tornar-se-iam fatores muito mais abrangentes na definição dos estratos sociais, em oposição ao industriaJism o e produtivism o do passado. N esses term os, a construção das identidades é concebida com ênfase nos aspectos culturais; no lugar das fábricas, os shoppings centers.

De outro lado, critica-se a noção de sociedade porque esta expressaria a idéia de número, de hom ogeneidade, o que suprim i­ria as possibilidades de ação e, supostam ente, levaria ao confor­m ism o, à notm atização . A idéia de igualdade seria , tam bém , criticada por induzir ao conform ismo. D aí a necessidade de subs­tituir a idéia de igualdade pela de liberdade. N esses term os, as relações não estariam estruturadas sobre o trabalho, a econom ia, já que a base de estruturação das relações sociais estaria na ação, no discurso, perm itindo a construção de um modo com um atra­vés de uma sociabilidade, de com unicação intersubjetíva(H anna Arendt, condição humana).

A lteram -se os conceitos e a idéia do que deveria ser a boa sociedade. Conceitos com o os dc movim entos sociais, socieda­de civil, cidadania, poder local, descentralização, autonom ia, pas­sam a dom inar Sociologia dos anos 1980, no Brasil. O conflito Estado versus sociedade civil assum e centralidade na explicação de lutas sociais. Privilegiando-se o pólo sociedade civil, busca-se m ostrar as suas virtudes, capacidade de ação e de autonom ia e, principalm ente, seu potencial à em ocra trz a à or .

E stabelece-se a convicção de que as desigualdades não são apenas de ordem econôm ica, e passa-se a p riv ileg iar as desi­gualdades referidas a sexo, etn ia, cor, idade. A consideração dessas outras form as de desigualdades coloca um certo p rob le­ma às análises sobre estratificação , cujos estudos tradicionais

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pautavam -se pela unidade padrão de fam ília patriarcal, crítica, a liás d irigida ao estudo de J.H . G oldthorpe e t al. (Socia l mobility and c/ass structure in m odem Britain , 1980) cujas conclusões base­avam -se na posição de hom ens, chefes de fam ília, sendo as m ulheres inclu ídas com o esposas. N aturalm ente, isso não che­go u a constitu ir-se em obstáculo aos estudos sobre m obilidade social, uma vez que as análises se com plexificaram , introduzin- do-se as variáveis correspondentes.

A Sociologia no Brasil foi fortem ente influenciada pela cri­se da Sociologia francesa, que, por sua vez, coincide com a crise dos valores econôm icos (esgotam ento do modelo de crescim ento econôm ico do pós-guerra), crise dos valores políticos (crise da dem ocracia representativa), crise dos valores sociais (eclosão dos m ovim entos e lutas sociais) e crise dos valores culturais (afirm a­ção de princípios individualistas, a revolta da subjetividade). Es­tabelece-se grande influência da teoria da linguagem , da fenome- nologia e da herm enêutica. Há um claro afastam ento das aborda­gens abrangentes em direção às analíticas, em consonância com a preferência política que privilegia ações espontancístas, imediatistas e anti-intelectualistas. Valoriza-se as iniciativas da ação, enfatizando a capacidade dos sujeitos de “constitu ir” o social, negando-se que as estruturas sejam pre-existentes ã ação e, dessa form a, relativizando-se o peso das instituições.

Sem dúvida, tais perspectivas contribuíram ao m elhor en ­tendim ento da realidade social. E ntretanto, ju lgo que, tam bém , houve perdas nesse processo : a Socio logia, seguindo os p rinc í­p io s do novo in d iv id u a lism o , to rn o u -se , ex ce ss iv am en te , sub jetiv ista. N um m undo cada vez mais globalizado, com plexo e dom inado de form a arrogante pelos atores econôm icos, a S o c io lo g ia ren u n c ia à an á lise dos p ro ce sso s so c ia is m ais abrangentes, iso lando-se nas análises sim bólicas e subjetivas, m uitas vezes, puram ente descritivas. D eixa à E conom ia um a tarefa que a m esm a não pode cum prir, já que se trata da ncces-

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sidade de abordar, na esfera econôm ica, fenôm enos que são essencialm ente socio lógicos, com o, por exem plo, os da estratifi­cação e da m obilidade social.

Entretanto, com o tentei m ostrar com o exem plo do Research Committee 28, da ISA , isso não ocorreu em outros países e, p rincipalm ente, cm países com forte tradição teórica com o os E stados U nidos e Inglaterra. Por que a Socio logia no Brasil seguiu aquela d ireção? Essa parece ser um a questão que m ere­ce ser investigada.

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In telectu ais B ra sileiro s

Sergio M iceli

Os ú ltim os v inte anos foram m arcados por um a fornada exp ressiva de obras de fô lego a respeito dos in te lectua is b rasi­leiros. T alvez se possa recuperar as linhas de força dessa nova frente de estudos e pesqu isas pelo confronto dos argum entos esboçados naqueles trabalhos que m ais con tribu íram para m ol­dar o esp aço de d eb ates e exp licaçõ es , sa lien tan d o o ra a m orfo logia e a com posição in terna do cam po in te lec tua l, suas in stitu ições e organ izações, o peso relativo da catego ria dos in te lectuais no in terio r dos grup o s d irigen tes, ora p referindo esquad rinhar as m odalidades de sua con tribu ição para o tra­balho cu ltu ra l e po lítico . Os textos foram selecionados para um a avaliação m ais detida e circunstanciada em função, é c la ­ro, de sua p ró p ria qualidade in te lectual e c ien tífica , mas tam ­bém por con ta de serem bastan te represen tativo s de um a co r­rente re levante de exp licação , ou m elhor, por terem logrado m o b ilizar 2n o d e lo s com preensivos e em p iricam en te co n sisten ­tes das p ráticas sociais, po líticas e cu ltu ra is dos in te lectuais. O utros trabalhos de grande m érito , ancorados num a a rticu la ­

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ção provocativa de cond ic ionan tes, m uitos deles considerados m o nografias exem plares, não foram inc lu ídos nesta d iscussão porque não tinham a p retensão de e labo rar m odelos gera is de exp licação .

Embora meus trabalhos sobre o assunto fossem tomando feição nítida e acabada ao longo do período aqui exam inado, tratarei com mais vagar da tese de doutorado publicada em 1979- Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945) 1 - pela simples razão de que a m aioria dos textos subseqüentes nesta área de estudos estabelece alguma form a de diálogo com os argum entos aí desenvolvidos. No intuito de aclarar os passos desta avaliação da produção acadêm ica dos cientistas sociais sobre os intelec­tuais e a vida intelectual no país, talvez se possa com eçar por um a caracterização sucinta dos três modelos de apreensão desse objeto: (a) o argum ento sociológico com tinturas culturalistas, de m inha autoria; (b) o argum ento doutrinário-politicista, form ula­do pelo sociólogo francês e latino-am ericanista Daniel Pécaut; (c) o argum ento organizacional e institucionalista, concebido pelo sociólogo brasileiro Simon Schwartzman. A com preensão dos andaim es dessas variantes argum entativas escora-se, em am pla m edida, no exam e dos graus variáveis de im pacto exercido pelos tipos de fontes m obilizadas sobre o teor substantivo desses m es­mos modelos de interpretação histórica.

A celeum a susc itada pelo meu p rim eiro livro deveu-se em boa m edida às m ediações de gênero que faziam a ponte en tre a força determ in an te das o rigens sociais e a p o sterio r reo rien tação desses herdeiros dos ‘ram os p o b res ’ das o ligar-

1. M IC E L I, Serg io , Poder, sexo e leiras na República Velha-, estudo clín ico dos anato lianos, São Paulo, Perspectiva, 1 9 7 7 ;_________ , Intelectuais e classe d iri­g en te no B rasil (1920-1945), São Paulo, Oi fel, 1979.

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IN TK I .K CTUAIS B R A S II .K IR O S 1 1 1

quias para as carre iras in te lectuais. Em lugar de ado tar uma perspectiva derivada da socio log ia das idéias ou do pen sam en ­to, nos term os da trad ição inaugurada po r M annheim , ou, en ­tão, de buscar defin ir as m odalidades de con tribu ição dos in ­te lectuais ao trabalho po lítico num a sociedade a braços com um tum ultuado e descom passado p rocesso de transform ação , b u sq u e i e la b o ra r um m o d e lo de a rg u m en tação cap az de com patib ilizar cond ic ionan tes ligados às o rigens sociais àque­les desencadeados pelas m udanças em curso no m ercado de trabalho in te lectua l, uns e outros tom ando feição e sen tido no con texto po lítico -in stitu c io n al da época.

Os três capítulos do livro cobriam os principais setores em expansão no mercado de trabalho onde concorriam os postulantes às carreiras intelectuais: partidos c instituições culturais da o li­garquia paulista, frentes de m obilização po lítico-ideo lógica de organizações integralistas, católicas e de esquerda, a indústria editorial alavancada pelo surto do rom ance, o serviço público. Esse levantam ento perm itiu reconstruir, para cada segm ento de intelectuais e escritores analisados, o agenciam ento cruzado de condicionantes sociais ligados às estratégias assum idas pelas suas fam ílias aos fatores de im pulsionam ento exercidos pelas m udan­ças em curso nos diversos setores dos m ercados de postos que lhes eram destinados. O futuro social desses intelectuais ia sendo moldado em meio às circunstâncias de suas orientações e repre­sentações de gênero, expostos às marcas neles instiladas por toda sorte de estigm as, às quais se acresciam as injunções de sua posição na linhagem , na fratria, em fam ílias de “parentes pobres” da oligarquia, incentivados pelas oportunidades de aquisição de capital escolar e cultural que dariam acesso preferencial àquelas posições profissionais conquistadas por força do cabedal de rela­ções sociais. As margens de causação sociológica eram , por sua vez, am pliadas ou contraditadas em função dos processos de transform ação cm curso, tanto em nível dos m ercados de traba-

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lho intelectual com o no interior das organizações (partidos, as­sem bléias, associações patronais etc.) especializadas no trabalho político.

Afora as considerações m etodológicas sobre as fontes utili­zadas, apenas o segundo capítulo, centrado na expansão do mer­cado ed ito ria l, recu p erava o tec ido n a rra tiv o dos re la to s m em orialísticos no intuito de construir a trajetória social e literá­ria característica dessa geração pioneira de rom ancistas sociais, convertidos em cronistas profissionais da “casa assassinada”, con­form e o título da crônica ficcional em preendida por Lúcio Car­doso a respeito do processo de decadência de sua família. No entanto, o fato de haver utilizado exaustivam ente memórias, vo­lum es de correspondência, biografias, depoim entos, entrevistas, d icionários biográficos, como repositórios privilegiados de infor­mações ‘objetivas’ e representações ‘subjetivas’ no processo de elaboração do perfil dos intelectuais analisados, acabou com o que plasm ando certas feições inarredáveis na feitura do retrato sociológico de corpo inteiro desses escritores. Apenas a título de exemplo, poder-se-ia averiguar a estreita ligação entre as evidên­cias contidas nessas fontes literárias acerca das identificações ope­radas por esses autores em relação às figuras centrais de sua história afetiva e fam iliar e a possibilidade m esm a de reconstruir as orientações que foram internalizando a respeito do que fos­sem m odelos fem ininos ou masculinos de com portam ento se­xual, de padrões de gosto e sensibilidade, inclusive de carreiras profissionais. Nesse rumo, outros registros traum áticos, com o por exem plo as experiências associadas a estigm as físicos, os s e n t im en to s v in cu la d o s à vivência de posições em falso no espa­ço familiar, esses e outros transes em ocionais pungentes, de so­bejo impacto na h istória pessoal, também foram se revelando im pregnados por fortíssim a carga sociológica.

As fontes ajudaram ainda a pontuar os lineam entos em que se assenta a reconstrução da vida intelectual na sociedade brasi-

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leira, p ropiciando a inteligibilidade dos critérios, indicadores e juízos, po r m eio dos quais os escritores avaliam seus padrões de reconhecim ento e consagração, bem com o o de seus pares e co n ­correntes. O em penho em avaliar as fontes utilizadas, em term os d o sen tido p ro p riam en te sociológico desse m anancial para os co n to rn o s adquiridos pelo argum en to interpretativo , com o que con tribu iu de algum m odo para atiçar as reações às teses expos­tas e o rien ta r os rum os da recepção acadêm ica e jornalística do livro. C om efeito, quase todas as fontes aí utilizadas eram am pla­m ente conhecidas, ao alcance dos estudiosos, sem jamais terem sido alvo de um a reflexão historiográfica ou sequer subm etidas à análise sistem ática em preend ida nesse trabalho. E m lugar de se­rem encaradas apenas com o depositárias de in fo rm ações a res­peito dos escritores, p ro po rc ionando m assa crítica ao anedo tário de que se nutre o trabalho dc canonização biográfica, caracterís­tico de toda um a vertente prolixa da história e da crítica literárias, tais fon tes foram apreciadas um as em relação às outras, enquan ­to gestos de um a prática social significativa e, po r conseguinte, guardando as m arcas existenciais de seus autores, ou então, no caso de biografias de au toria de terceiros, de seus ob jetos de reverência. A s fontes foram consideradas m ateriais expressivos, p ro n to s a o fe recer um a restituição cifrada das condições mais gerais dc gênese e operação do cam po intelectual no país, p ro p i­ciando um a visão com preensiva das relações de força em que se alicerça a hierarquia de legitim idades capaz de d a r sen tido às posições institucionais disponíveis, às práticas sociais, in te lec­tuais e políticas de seus ocupan tes e, p o r que não, até m esm o às obras po r eles produzidas.

M esm o as reações m enos hostis às teses centrais do livro traíam certa dificuldade em adm itir que os intelectuais pudessem ser objeto de um a visada sociológica. A am bição heurística do trabalho se havia cum prido, ou seja, os term os de equacionam ento dos intelectuais a partir das origens e da posição social ocupada

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no in terio r dos g ru pos dirigentes serviram para questionar os m odos dc apreensão e sob retudo os sistem as classificatórios de que se valiam a história e a crítica literária de feitio tradicional.

Poder-se-ia talvez distinguir três o rien tações críticas peran te as propostas interpretativas do trabalho. A prim eira delas resulta­va de dissensões teóricas no in terio r d o cam po das ciências so ­ciais, refletindo-se, de um lado, nas ressalvas form uladas quan to aos tipos de m ateriais e instâncias privilegiados pela análise e, de outro , nas restrições feitas às posturas m etodológicas adotadas. A queles estudiosos resistentes à perspectiva sociológica insistiam quan to à necessidade de dar m aior atenção às obras desses escri­tores, com o se as evidências coligidas sobre as condições sociais de sua existência pudessem co m p ro m eter ou tu rvar a análise centrada sob re o valor estético do trabalho literário.

O utra form a de resistência consistia no pleito de um a estra­nha partição entre as diversas frentes de atuação dos intelectuais e esc rito res , em especial nos m o m en to s da análise em que se explicitavam os ligam entos entre o trabalho intelectual propria­m ente dito e as tom adas dc posição que assum iam por força de seu envolvim ento com facções e g rupos políticos den tro e fora do serviço público. Havia ainda a postura idealista, assum ida pela m aioria dos jornalistas ou com entaristas de fora do m undo acadê­mico: ora invocavam supostas evidências de com prom etim ento dos intelectuais com m andachuvas políticos para justificar suas denúncias m orais contra as arbitrariedades do regime Vargas, ora preferiam converter suas próprias vivências ou as de outros con­tem porâneos em provas irrefutáveis de uma visada afetiva e apolítica das práticas, obras e tom adas dc posição, dos m esm os intelectuais.

O livro de D aniel Pécaut2 busca m inim izar o com ponen te classista na determ inação do perfil dos intelectuais em favor do

2. PÉC A U T , D aniel, Os intelectuais e a política no Brasil (Futre o povo e a nação), São Paulo, Ática, 1990.

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privilegiam ento das m otivações políticas de sua presença na so ­ciedade brasileira. A despeito dos laços que m antêm com os g ru pos dirigentes e de num erosos indícios dos interesses co rp o ­rativos que foram consolidando em m eio às reform as em preen ­didas pelo regim e Vargas nos dom ínios da educação e da cultura, a a tenção de Pécau t se voltou para a aliança dos intelectuais com o E stado , ou, m ais precisam ente, para as feições do p ro je to de m odern ização e desenvolvim ento social que eles pareciam dis­postos a im plem entar. Para tanto, o au to r converteu em foco de sua argum entação os conteúdos e as idéias dos grupam entos e lideranças intelectuais em sucessivas conjunturas políticas. A reite­rada retom ada de um projeto político por parte dos intelectuais, habilidosos em ajustar os contornos doutrinários de seus progra­mas ao receituário de prioridades da coalizão de forças no poder, constitu i um dos traços de sua prática social partilhado com ou tro s setores politicam ente atuan tes das elites civis e militares.

Esse envolvim ento incontornável dos intelectuais pelas e n ­grenagens da m ilitância política, ou m elhor, pelos g rupam entos o u organizações políticas com petindo pelo con tro le d o E stado , parecia consolidar-se com o um padrão estru tural de com prom e­tim ento que tendia a enrijecer-se tan to mais p o r con ta de um incipiente e pouco diferenciado sistem a de institu ições culturais. N a falta de um a vida cultural pujante, que fosse tão vigorosa a p o n to de suscitar um cam po p ró p rio de concorrência , em cond i­ções de prop iciar gratificações m ateriais e sim bólicas, os intelec­tuais estariam quase sem pre p ropensos a redefin ir e reo rien tar seus investim entos e p ro jetos na direção da atividade política. Eis a m oldura interativa responsável pela subaltern ização da ativida­de intelectual, segundo as lentes dessa abordagem .

A abertu ra do texto enuncia de chofre os dois postu lados centrais da análise. O prim eiro deles liberta os intelectuais de quaisquer constrições sociais não im ediatam ente conversíveis em pedágio político. A despeito dos seus laços com as elites, os

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in telectuais brasileiros se enquadrariam , com o que po r encanto , nos requisitos da definição de M annheim de “um a cam ada social sem vínculos” : livres da canga oligárquica do passado, de seu enraizam ento clientelístico e depen den te na estru tu ra social e, p o r esses m otivos, ap tos a form ular e a assum ir um “pro je to” de com ando do Estado. O segundo m odo de enxergar essa vinculação m atricial consiste em salientar as m odalidades precisas p o r in ter­m édio das quais os intelectuais vao arm ando m últiplas redes no in terio r do setor público onde se alicerçam as instituições, os n ichos organizacionais, as redes de com prom isso e os anéis b u ­rocráticos que os acolhem .

D e início, o au to r ten ta desqualificar os trabalhos elabora­dos co n fo rm e os parâm etros de um a “ sociologia dos in telec­tuais” , no tadam ente aqueles de m inha autoria, ou en tão de um a “ história das idéias” de perfil tradicional. O foco de sua análise prio riza a influência efetiva dos intelectuais no sistem a político e, ao m esm o tem po, as estratégias coletivas adotadas para fazer valer seus in teresses e sua contribuição com o categoria social específica. D e um a perspectiva histórica, tudo se passa com o se tal p ro je to afirm ativo dos intelectuais fosse se viabilizando, p au ­latina e d ilatadam ente, desde os anos 20 até a abertu ra do regim e m ilitar na década de 70.

O argum en to do livro vai adquirindo feições sem dar conta dos aspectos considerados centrais em sua conceituação de cul­tura política. A posição social dos intelectuais logo se esvazia de qualquer teo r significativo de determ inação sobre suas práticas políticas, tendência que se reforça ainda m ais diante do v igor das estratégias de m obilidade social de que são beneficiários. Pelo fato de terem logrado ascender ao s'tatus de elite dirigente, os intelectuais teriam condições de se posicionar, tal com o o p ró ­p rio E stado, acim a do social. N essa chave, as representações dos intelectuais sobre o fenôm eno político não poderiam se esquivar, n o caso brasileiro, a essa tendência a um cancelam ento do social.

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E m m eio a esse diapasão destituído de um a tessitura apropriada de m ediações derivadas da prática intelectual, acabam se estiolando as relações en tre um cam po intelectual frágil, p recariam en te institucionalizado, e um a esfera política tão adensada a p o n to de fazer valer seus constrangim entos sobre as dem ais instâncias da form ação social.

Seja com o for, o equacionam ento da inserção social dos intelectuais a partir de suas próprias perspectivas, com o se eles m esm os pudessem dizer o que são e a que tarefas (reform istas, m odern izadoras ou revolucionárias) se sen tem im pelidos, de que perspectivas se d ispõem a falar e quais as concepções do univer­so político com que justificam suas tom adas de posição, essa sucessão de posturas identitárias esvazia a credibilidade histórica dos ingredientes políticos da argum entação e converte o livro num a com pilação cerebrina de opiniões e juízos dos intelectuais invocados, co m o se fosse possível torná-los m en to res de suas racionalizações.

E m lugar de p onderar o im pacto das experiências de declínio social sob re as famílias dos intelectuais, Pécaut p referiu subli­nh ar o sen tido de m issão de que estavam im buídos, m obilizando recursos em m eio a estratégias ofensivas coletivas que viriam com pensar o eventual descenso individual ou familiar. A té m es­m o a gênese d o p rocesso de conversão dos intelectuais em atores políticos, nas décadas de 20 e 30, parece então explicar-se em função das pressões exercidas p o r g ru pam en tos políticos radicais (nacionalistas, católicos etc.). N um a fórm ula, os intelectuais b ra­sileiros constitu iriam um a categoria social específica porque eles m esm os se vêem com o tal, quer dizer, de lam bujem , enquan to elite dirigente.

O s elem entos de prova de sua dem onstração em pírica co n ­sistem , no m ais das vezes, em idéias pinçadas em textos dos intelectuais dos períodos e gerações exam inados. A reciclagem de retalhos de textos redunda na prática de um a peculiaríssim a

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“história das idéias” , onde as opiniões dos autores são tom adas pelo valor de face, pelo sentido literal, com o indícios de verdade de sua posição e p ro jeto sociais. E m b renhand o-se p o r esses a ta­lhos de m étodo bricoleur; reitera-se a tese sub jacen te de que os intelectuais devem , a exem plo dos tenentes, ser considerados ca­tegorias “ socialm ente sem vínculos” , habilitados a superar de te r­m inações particulares e p ro n tos a agir corno avalistas da unidade nacional. N a ausência de um cam po intelectual do tado de hierar­quias e valores au tóctones, a legitim idade dos intelectuais estaria escorada nos saberes que possuíam a respeito da dinâm ica das “ m assas cegas” , da form ação da cu ltura e da organização da atividade política.

O trabalho dos intelectuais fazendo as vezes de co rre to res da dem anda alheia — ou seja, advogando os pleitos da sociedade jun to aos governantes e, vice-versa, a tuando com o porta-vozes dos p ro jetos do E stado jun to aos m ovim entos sociais — seria bastan te facilitado pela freqüente coincidência de suas atitudes e in tervenções com as tom adas de posição assum idas pelas elites políticas e militares. A força política dos intelectuais se reforçaria sobrem aneira num a sociedade com o a nossa, desprovida de a to ­res sociais com expressão própria, independen tes do Estado.

N a geração de intelectuais do pós-guerra, em especial no g ru po carioca do In s titu to Superior de E studos Brasileiros (Iseb), essa vocação on ip o ten te de liderança política teria se radicalizado e adquirido feições de um linguajar técnico. O exem plo acabado dessa m utação seria a abrangência dos con teúdos en tão atribuí­dos à noção de ideologia: explicação do real, credo político re­den to r, p ro jeto vo lun tarista de transform ação, racionalidade tec- nocrática. O u então, parafraseando o léxico da época, a elabora­ção ideológica teria o condão de m obilizar d iagnósticos de um a “ ciência nacional” , que serviriam ao receituário prescrito pelo “planejam ento econôm ico” , na esperança de liberar o d inam ism o das forças econôm icas e em ancipar o povo e a nação. O Iseb

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seria quase um equivalente civil da Escola Superior de G uerra, am bas institu ições rivalizando pela prim azia no trabalho de fo r­m ação das elites.

Pécaut identificou diversos m om en tos na história dos in te­lectuais à testa do Iseb, logo de saída com o um a elite de poder “ m odern izadora” que buscava se firm ar com o “rep resen tan te” da nação, passando em seguida a pleitear o status de intelectuais m ilitantes e “engajados” ao lado das classes populares. A o que tudo indica, o Iseb seria um a organização particu larm en te ajusta­da às pré-defin ições dos intelectuais com o m ilitantes, estando, com o se sabe, apartada do espaço institucional universitário que en tão se form ava no eixo Rio-São Paulo, e con tando com poucos cientistas sociais nas instâncias de direção. N o limite, as rep re­sen tações que os intelectuais com unistas possuíam a seu próprio respeito - enxergando-se com o parte do povo e, ao m esm o tem ­po, com o sua consciência — m ostravam -se bastan te receptivas às teses de Pécaut no sentido de politizar extrem adam ente seu argu­m ento acerca dos intelectuais brasileiros. D ece rto ele enfrentaria dificuldades quase insuperáveis ao lidar com aqueles setores e g ru p o s da inteligência brasileira m enos perm eáveis à absorção de representações tão idealistas com o aquelas presentes na m ilitância partidária de esquerda ou de direita.

Ao exam inar a experiência dos C entros Populares de C ultu­ra no com eço da década de 60, Pécau t re tom ou adiante essa questão do relacionam ento p rob lem ático dos intelectuais com as classes populares, ou m elhor, da distância en tre as cam adas in te­lectuais e o povo visado com o seu público preferencial. Todavia, nessa con jun tu ra histórica, não existia m ais a possibilidade de idealizar o com ponen te classista que m odelou p o r in teiro as co n ­cepções voluntaristas de ‘cultura popu lar’ com que lidavam os participan tes desse m ovim ento de renovação cultural e ativism o político. T endo de driblar tal im passe, Pécaut não conseguiu se fu rtar ao reconhecim en to dos C PCs com o veículos de expressão

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da classe m édia universitária, d istante objetiva e subjetivam ente das classes populares e, não obstante, inclinada a se ver e a agir com o p ro tagon ista político.

T udo se passa com o se a m esm a toada argum entativa se reaprum asse a cada novo m om ento histórico, encon trando guarida e alento nas atividades, idéias e projetos dc m ovim entos em ergen­tes de vanguarda, todos eles capazes, cada um a seu m odo, de m an ter acesa a cham a de uma vocação política originária p o r parte dos intelectuais. Por ou tro lado, Pécaut tam bém pareceu em penha­do em sinalizar os “erros” de leitura dos intelectuais a respeito dos even to s no terreno político, com o se estivesse ao seu alcance deslindar, ao fim e ao cabo, um cam inho acertado de diagnóstico e interpretação. Com vistas a superar essa dificuldade, ele m esm o acaba sugerindo um m odelo de análise calcado em pactos de for­ças sociais distintas no eixo Rio-São Paulo: as corporações do E stado em sintonia com as forças sindicais na capital federal, em con fron to com os setores sociais (em presariado e operariado) m ol­dados pela industrialização que haviam dado alento a um a nova instituição universitária. A tendência obstinada à “politização” do raciocínio transparece tam bém na contram ão do argum ento, a sa­ber, na ênfase conferida ao im pacto exercido pelos partidos ou g rupam entos políticos e confessionais sobre os intelectuais.

As fragilidades da contribuição de Pécaut têm m uito m ais a ver com o conhecim en to perfunctó rio da história intelectual bra­sileira do que com os partidos m etodológicos ou com as pers­pectivas de análise adotados. A o invés de buscar lastro em pírico num a investigação sistem ática dos grupos e m ovim entos políti­cos e intelectuais focalizados, baseando-se em inform ações p ri­m árias ou de prim eira m ão, Pécaut coligiu a m aioria de suas evidências em obras de referência, perdendo-se, em vários m o­m en tos da progressão narrativa, os ligam entos dos fatos nom ea­dos com o determ inantes aos seus respectivos contextos. A dotou p ro ced im en to sim ilar em relação às idéias ou às interpretações,

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às quais confere um a força explicativa desm edida, retalhando, com o vim os, os textos e livros dos pensadores citados, num a técnica expositiva algo rem iniscente à m ontagem do “ re tra to do Brasil” de Paulo P rado a partir d os excertos com pulsados em relatos e testem unhos dos viajantes.

O s trechos selecionados pelo au to r assim o foram com vis­tas a escorar o teor e a direção de seus argum entos, sem que o leitor tenha acesso àqueles elem entos extra-discursivos relevan­tes para a com preensão circunstanciada das tom adas de posição aludidas no co rp o do texto. E x tensos arrazoados se apóiam em “histórias das idéias” e ou tras obras de referência cujas in te rp re­tações são incorporadas na íntegra, sem quaisquer m enções às fon tes prim árias pertinen tes a respeito , seja do p ró p rio au to r cita­do nessa chave ‘dom esticada’, seja da posição de um a dada publi­cação ou texto no con jun to de sua atividade intelectual, ou , en­tão, da con jun tu ra intelectual ou política em que tais idéias foram tom ando corpo, das condições de sua recepção nos círculos in te­lectuais e políticos, de sua fo rtuna crítica, e dos dem ais ingredi­entes que dão sen tido ao fazer intelectual.

Já os dois livros de autoria de Sim on Schw artzm an3 privile­giam os aspectos ligados à construção p ro p riam en te institucional da atividade científica e intelectual no país. Sua h istó ria da com u­nidade científica procura discernir as possibilidades dos diferen­tes p ro jetos disciplinares a partir das m odalidades organizacio­nais adotadas (institutos, escolas, m useus etc.). C om base no rela­cionam ento desses profissionais com a sociedade m ais ampla, procura-se averiguar o m ontan te de recursos alocados, os pa­drões de avaliação e de valorização do trabalho científico, as

3. SC H W A R T Z M A N , S im on, Formação da comunidade científica no Brasil, São P au lo /R io dc Janeiro, C om panhia E d ito ra N ac io na l/F inanc iad o ra de E stu ­dos e P rojetos, 1979; SC H W A R T Z M A N , S im on; B O M E N Y , H elena M aria B ousquet; C O STA , V anda M aria Ribeiro, Tempos de Capanema, R io de Janei­ro /S ã o Paulo, Pa7. e T e rra /E d u sp , 1984.

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expectativas dos p ró p rio s cientistas e, ao m esm o tem po, dar co n ­ta das ligações en tre a atividade intelectual e científica e o siste­m a educacional onde as novas institu ições especializadas foram tom and o lugar e se viabilizando.

Seu prim eiro livro n o tem a — Formação da comunidade científica no Brasil — constitu i um roteiro didático esclarecedor a respeito das variáveis privilegiadas nessa argum entação institucionalista. A pós os dois capítulos de abertura sobre o precaríssim o legado científico da experiência colonial portuguesa no Brasil, incapaz de gerar um a institu ição universitária arejada, a transferência da co rte de term ino u o estabelecim ento das prim eiras institu ições de tipo técnico-científico (por exem plo, o M useu N acional e o Ja r­dim B otânico), sem sc chegar, até a R epública, ã consolidação de um sistem a organizacional adequado à atividade científica.

A partir de um a reconstrução m inuciosa da história de algu­m as disciplinas e especialidades (geologia, astronom ia, quím ica, m edicina etc.), o au to r p ro cu ro u averiguar o im pacto setorizado das variáveis explicativas identificadas com o de fortíssim o teor de constrangim ento , a p o n to de se m ostrarem capazes de m ode­lar o perfil institucional em ergente. A presença decisiva de cien­tistas e pesquisadores estrangeiros, trabalhando quase sem pre em instituições “fora do sistema de educação superior”, associar-se- ia à ênfase crescente em pesquisa aplicada, a cujo sucesso estive­ram ligadas as poucas instituições bem sucedidas na atividade científica, fo rtem ente dependentes de lideranças carism áticas e com sólido (astro de conexões políticas. E m m eados da década de 30, aos sinais de declínio do Institu to M anguinhos, esboçam - se as prim eiras dificuldades para a continu idade do trabalho cien­tífico no Rio de Janeiro e a progressiva ascensão das institu ições científicas em São Paulo, cujo alento decisivo foi dado pela cria­ção da universidade estadual em 1934.

O s anos 30 constituem p o rtan to um m om en to decisivo de inflexão, na m edida em que o regim e fo rte vigente no p lano

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federal teria paralisado o m ovim ento de criação de um sistem a universitário baseado em um a com unidade científica organizada em bases au tônom as. O b loqueio da atividade científica e o desm antelam ento da institu ição universitária evidenciaram -se e n ­tão, quer p o r con ta da ausência de tais p reocupações na sub stân­cia da reform a Francisco C am pos, quer pelo encerram ento das atividades da recém -fundada U niversidade do D istrito Federal.

M esm o no caso das ciências biológicas e m édicas, em que a penúria de recursos públicos obrigou os pesquisadores a busca­rem abrigo institucional fo ra da universidade, logrando apoio privado jun to à família G uinle ou à Fundação Rockfeller, o au to r não chegou a explicitar o caráter dessas ligações, sequer as co n ­dições que teriam propiciado o acesso e a proxim idade de um g ru p o de cientistas bem nascidos, do tados de um elevado capital d e relações sociais, com m odalidades pouco usuais de patrocín io privado no país.

N o s te rm os dessa lógica organizacional c institucionalista, a criação da U niversidade de São Paulo constitu iu o m arco d ivisó­rio no processo histórico cie fo rm ação da com unidade científica brasileira. A pós um apanhado sucinto dos setores das elites pau­listas responsáveis pela form ulação e im plem entação do projeto, Sim on contrasta a nova organização ao m odelo de instituição universitária prevista na refo rm a Francisco C am pos, ressaltando os veios e traços doutrinários herdados dos m odelos europeus que lhes serviram de inspiração. N ão obstan te , esse con fron to en tre os m odelos carioca e paulista de fazer ciência parece se explicar apenas em parte em função do grau de proxim idade dos pesquisadores em relação à universidade.

E n q u an to em São Paulo a atividade científica vai se co n so ­lidando n o in terio r do recém -aberto espaço universitário, a ciên­cia carioca tom ou im pulso nos institu tos, m useus, serviços g o ­vernam entais e laboratórios particulares, sem que a análise se detenha a explorar as razões que dariam con ta das linhagens

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familiares de cientistas no Rio de Janeiro (famílias O sw aldo C ruz, Carlos Chagas, os irm ãos O sório de A lm eida etc.). D aí p o r d ian­te, a história dessa com unidade científica, im pelida pela dinâm ica de um a profissionalização crescente, vai sendo cada . vez mais e q u a c io n a d a em fu n ç ã o de b a lizas p re d o m in a n te m e n te institucionais, poden do-se m apear a instauração de um cam po científico a partir de um a sucessão de iniciativas de “ construção institucional” (Sociedade Brasileira para o P ro gresso da C iên c ia / S bpc/1948 ; C onselho N acional de P esq u isas/C n p q /1 9 5 1 ; F u n ­dação de A m paro à Pesquisa do E stado de São P a u lo /F a p e sp / 1960; F inanciadora de E studos e P ro je to s /F in e p /1 9 7 1 etc.), da expansão do sistem a de educação superior e dos program as de pós-graduação.

A outra contribu ição nessa verten te institucionalista, desta feita em obra coletiva sob orientação de Sim on Schw artzm an, buscou recuperar a experiência dos intelectuais ao longo do pe­ríodo Vargas pelo exam e das m atrizes políticas e ideológicas n o rte a d o ta s do s p ro je to s educacionais e cu ltu rais da ges tão C apanem a, bem com o das condições em que sucedeu sua im ple­m entação. E m lugar de explorar os padrões de recru tam ento e ressocialização dos intelectuais e de seus m en to res políticos, os au to res preferiram tra ta r pro jetos e realizações na área educacio­nal e cultural 110 con tex to de um processo de “ m odernização conservado ra” , en tendendo-se p o r isso a substitu ição de um a elite política tradicional p o r ou tra m ais jovem , mais com peten te , do tada de um cabedal técnico atualizado, decidida a instilar m aior racionalidade e eficiência no sistem a político.

O foco da análise logo adquire os con to rno s de um enfrenta- m en to entre representantes de instituições e anéis burocrático-po- líticos em com petição pela chancela doutrinária dos projetos em pauta. A o invés de indagar acerca das circunstâncias que presidi­ram à em ergência histórico-social de um a intelectualidade profissi­onal, Simon balizou as expectativas e veleidades literárias do cír­

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culo de intelectuais da rua da Bahia, em Belo H orizonte , pelo m ercado de oportunidades políticas, den tro e fora do Estado. As obras literárias de um D rum m ond , po r exem plo, acabam não en­contrando chão próprio, afirm ando-se com o exceção ‘pessoal’ se com parada às trajetórias políticas de seus pares de geração.

A carreira política dessa coo rte geracional converte-se então em padrão dom inan te de m obilidade ocupacional no in te rio r da elite, esvaziando a vida intelectual da substância irredutível de suas próprias m otivações e constrangim entos. Já no capítulo de abertu ra consagrado à trajetória política de G ustavo C apanem a, sua condução ao p osto de m inistro parece explicar-se, em últim a análise, pelas condições do pacto celebrado en tre o novo regim e Vargas e a Igreja Católica, em p arte viabilizado pelos esforços de in term ediação desenvolvidos p o r seu m en to r F rancisco C am pos cm arreglo com Alceu A m oroso Lima. A parceria C apanem a- A lceu, m ote da argum entação central do livro, daria o tom , os princípios doutrinários, os conteúdos técnicos e os rum os políti­cos das principais iniciativas do m inistério nos cam pos da educa­ção e da cultura.

D esta vez, constata-se um a certa politização do argum ento institucionalista , buscando-se dar con ta das possib ilidades de m anejo do E stado po r parte da Igreja Católica, cada um a das facções atuando na m ediação desse acordo dc interesses. M esm o as iniciativas de o u tro s setores intelectuais, com o po r exem plo a experiência frustrada da U niversidade do D is trito Federal, ou então as p ro postas de lideranças leigas prestigiosas (Anísio Tei­xeira e Fernando de Azevedo, entre outros), acabam sendo aferidas pelo crivo dos in teresses do núcleo dom inan te expresso na alian­ça M inas G erais-Igreja Católica. As dem ais iniciativas alternati­vas, inclusive o pro jeto educativo das forças arm adas, são anali­sadas a reb oque da aliança principal. A tese central do livro em - penhou-se assim em qualificar os esforços desenvolvidos pela alta hierarquia eclesiástica e leiga da Igreja Católica, desejosa de

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am pliar os espaços dc influência no in te rio r daqueles setores governam entais capazes de in terv ir nos dom ínios de atividades (educação, saúde, filantropia, cultura etc.) onde se concentravam os investim entos confessionais.

N ão estou questionando a relevância e o peso da Igreja C atólica na m ontagem do cam po intelectual brasileiro nas déca­das de 30 e 40. E n tr e ta n to , c o n v iria d is tin g u ir e n tre o privilegiam ento do papel da Igreja com o p ro tagon ista político, im pond o-se nesse caso com o variável explicativa decisiva, e o m ero reco n h ec im en to de sua p resença e im pacto com o um co nd ic ionan te organizacional en tre o u tro s de esta tu ra similar. E n q u an to a prim eira abordagem transfo rm a a Igreja Católica em alicerce do cam po intelectual em processo de constitu ição, a ar­gum entação institucionalista lhe confere statns idêntico àquele concedido às ou tras instâncias em com petição pela prim azia dc legitim idade cultural. E xam inando-se a questão apenas nesses term os, com o se fora m atéria de preferência estritam ente teórico- m etodológica, corre-se o risco de deixar de lado ou tra o rdem de considerações. O fato de se conceder um papel p ro tagon ista a um a instância organizacional tão com plexa com o a Igreja C ató li­ca (ou a quaisquer g ru pos de interesse possuidores de lastro, luz e voz institucional própria) talvez se explique, em alguma m edi­da, pela tendência a confinar o papel dos intelectuais ao im pacto político e institucional p o r eles exercido, em de trim en to das ins­tâncias e frentes de atuação p o r onde transitam os p ro du tos do trabalho intelectual (revistas, editoras etc.).

D c o u tra p arte , tão ou m ais im p o rtan te s do que essas constrições de o rdem m etodológica, derivadas da ó tica analítica assum ida, são as injunções resultantes do tipo de m aterial em pí­rico utilizado. O fato de a obra em questão estar lastreada p o r m ateriais com pulsados nos arquivos dos p róprios líderes das fac­ções políticas e ideológicas envolvidas to rn a a leitura in terpreta ti- va das evidências com o que pré-orientadas pelas esferas de juris-

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dição organizacional no in terior das quais se m ovim entam os personagens, pro tagon istas e coadjuvantes, relegando a segundo plano outras d im ensões de sua experiência familiar, afetiva, ed u ­cacional e política.

Um teste banal do tipo de “arm adilhas” contidas nessas fontes arquivísticas é o sentido m esm o das experiências vivenciadas pelos personagens, com o, po r exem plo, o episódio das atribulações enfren tadas p o r M ário de A ndrade para dar um p ru m o a sua vida pessoal, literária e funcional, na cidade do Rio de Janeiro. As cartas citadas m encionam as variações de hum or, algum as tom a­das de posição, suas preferências em m atéria de cargos públicos no in terio r d o M inistério da Educação, deixando em suspenso, com o não poderia deixar de ser, ou tro s aspectos relevantes de suas dificuldades de adaptação na capital federal.

O esquem a narrativo da argum entação é p ra ticam en te idên­tico em relação aos principais tóp icos enunciados, tom ando-se com o p o n to de partida o posic ionam ento da Igreja e de suas lideranças peran te qualquer litígio ou contencioso , buscando-se, na seqüência, reconstru ir as opiniões dos dem ais g ru pos ou fac­ções conco rren tes, tal com o oco rreu , p o r exem plo, em relação às políticas do E stad o N o v o concernentes à família, à juventude, às m ulheres ou à nacionalidade.

O u tro s q u a tro livros publicados nos ú ltim os anos trouxe­ram um a co n tribu ição significativa e inovadora aos paradigm as de análise já com en tados, ora recuperand o d im ensões da ativi­dade intelectual que não haviam m erecido tra tam en to adequa­do, com o p o r exem plo as revistas de cu ltu ra , o ra b uscando restitu ir a lógica in te rna de constitu ição de um a categoria de especialistas, co m o no caso dos estud iosos do fo lclore , o ra en ­fim p ro cu ran d o rec o n stru ir os m últip los e com plexos laços de sociabilidade envo lvendo os in tegran tes de um g ru p o de in te ­lectuais. E sses trabalhos se em penharam em m o ld ar um a análi­se em que esses objetivos se m isturavam em dosagem variável,

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num a tentativa original de flagrar os in telectuais em m eio às c ircunstâncias de seus am bien tes de origem , ju n tan d o a isso a com preen são dos veículos sob sua responsabilidade ou das obras de sua autoria.

O livro Guardiães da ra^ão/ modernistas mineiros (1994), de H elena B om eny4, exam inou a atuação da prim eira geração de m odern istas m ineiros no am bien te u rbano da Belo H orizon te , em ritm o de construção com o a nova capital do E stado nas duas prim eiras décadas do século 20, con trastando os anseios co sm o ­politas e universalistas desses jovens escrito res e po líticos às constrições inescapáveis da experiência de vida na província de horizontes lim itados.

O prim eiro capítulo vai sendo a rm ado a partir de um en fo ­que sócio-estru tural que logo adiante é deixado de lado. N esse passo, a autora qualifica a com posição in terna da elite m ineira, apoiando-se nas teses do h isto riador A m ilcar M artins a respeito d o papel subalterno do se to r exportad or estadual, com o que ten ­tando delinear um terreno seguro de com paração com o que se passa à m esm a época em São Paulo. As ligações dos grupos m odern istas em am bos os E stados com suas respectivas elites dirigentes seriam pois o alicerce explicativo para se en tender os sen tidos da in teração e das diferenças de postu ra intelectual e política entre intelectuais m ineiros e paulistas da prim eira g e ra ­ção m odernista.

A ntes m esm o de chegar a ex trair o m áxim o de rend im ento analítico e explicativo desse con trad itó rio relacionam ento entre intelectuais e setores oligárquicos, a au tora logo in troduz um a segunda articulação no argum ento ao explorar um a definição da nova capitai m ineira com o “espaço n eu tro ” , idealizado no co n ­texto de um a trabalhosa engenharia política sob re um tum ultua­

4. B O M EN Y , H elena, Guardiães da Ra%ão: Modernistas Mineiros, R io de Janeiro, E d ito ra U F R J/T em p o Brasileiro, 1994.

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do pano de fundo de tensões e p ro fundas rivalidades intra-oligár- quicas, envolvendo as distintas e inconciliáveis regiões do E sta­do. T endo sido pro jetada com um a finalidade adm inistrativa e cultural, os intelectuais m ineiros teriam de encontrar m eios de com patibilizar projeto literário e participação política nesse am ­biente urbano, derivando desse rep to um cabedal p róprio de pres­tígio e influência. O s desafios postos a essa geração de m odernis­tas, no sentido de conciliarem literatura e política, tam bém reper­cutiriam sobre a bandeira tem ática de “política e cultura” tão ca­racterística do perfil de suas revistas e suplem entos literários.

B aseando-se no diálogo m antido en tre M ário de A ndrade e Carlos D ru m m o n d de A ndrade, a au tora explora os p o n to s de aproxim ação e tensão entre m odernistas m ineiros e paulistas, co n ­trastando o ho rizon te provinciano e paroquialista dos prim eiros, im ersos nesse cultivo da “m ineiridade” com o estilo de condu ta, jeito de ser e categoria de pensam ento , à convicção paulista de um novo ideário da história e da sociedade brasileira, ancorada em posturas científicas de apreensão, classificação c análise. A pli­cando ao desdobram ento da carreira política e intelectual de D ru m ­m ond as m esm as constrições que pesavam sob re o itinerário de seu m en to r e p ro te to r político, G ustavo C apanem a, num a clara alusão à abordagem de Sim on Schw artzm an, o texto situou o poeta-funcionário num a encruzilhada, p rensado en tre as exigên­cias de um a ob ra de criação pessoal e a prestação de serviços políticos. D ru m m o n d teria sofrido na pele as conseqüências dos conchavos negociados p o r C apanem a, m orm en te a aliança com a Igreja Católica, sem d ispo r de recursos políticos que lhe garantis­sem o espaço de au tonom ia indispensável à feitura de sua obra literária. E le não teria tido ou tra saída senão partic ipar do “m i­nistério da geração m ineira” , envolvido p o r in teiro com os pro je­tos políticos nas áreas de educação e cultura.

E m retrospecto , o trabalho de H elena B om eny explorou diversos veios de argum entação sem com prom eter-se a fundo

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com nenhu m deles. Tratava-se, à prim eira vista, de um a discus­são acerca dos teores de “m odern idade” arraigados no universo político e ideológico da prim eira geração de m odernistas m inei­ros, junção de escritores e políticos, ou m elhor, de escritores- funcionários com políticos que escrevem . A análise logra seu in ten to ao aquilatar esse estoque de idéias, m odelos, p ro jetos, em função do im pacto exercido pela construção da nova capital do E stado , pelas relações conturbadas que os m odern istas m ineiros m antinham com seus colegas e con tem porâneos paulistas, pelas in terferências de suas atividades políticas sobre sua p ro dução propriam ente literária.

Todavia, ao invés de deslindar todo esse caldo de cu ltu ra , em cuja tram a se m esclavam ingred ien tes derivados de d ife ren ­tes instâncias da experiência social — expansão urbana, p ro je to literário, trabalho jornalístico , m ilitância política, credos re fo r­m istas etc. —, a au to ra p referiu en cam inhar o fecho de sua a rg u ­m en tação num a direção teórica m ais am biciosa e, ao que tudo leva a crer, im próp ria ao m anejo das variáveis m encionadas. N o lim ite, p re tend ia -se c o n fro n ta r as realizações prá ticas desses in­telectuais aos teo res de racionalidade e de “ m o d ern id ad e” re­queridos pelos p ad rõ es usuais das teorias sob re o p ro cesso de racionalização no m undo ocidental. P o s to s nessa enrascada, se lhes aplica um d iagnóstico idêntico àquele receitado nas g ra n ­des explicações da socio logia h istó rica (B arring ton M o ore Jr., B endix etc.) para as in telectualidades elitistas e titubean tes das cham adas “ revo luções pelo a lto ” . A ssim m esm o, o desfecho do livro não deixa de p ro vocar espan to , d ian te d o descom p asso en tre as d im ensões salientadas pela análise e a altitude da g e n e ­ralização v isada pelo trabalho. A au to ra concluiu o livro afir­m ando que os in telectuais m odern istas m ineiros possu íam um a m en talidade conservado ra , tão característica ao arreglo de elites trad icionais que teriam p erp e trad o a “m odern ização conserva­d o ra” da R evolução de 30.

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O livro de Angela de C astro G om es, História e historiadores: a política cultural do estado novo 5, exam ina duas publicações ligadas aos serviços de p ro paganda do regime Vargas - o sup lem ento “A utores e L ivros” do jornal A Manhã e a revista Cultura Política —, com vistas à recuperação da “cultura h istórica” do período, ou seja, quem estava sendo considerado histo riador, o que era então en tendido com o saber h istó rico e o lugar da história no discurso estado-novista.

O s vinte “h isto riadores” consagrados en tre 1941 e 1945 pelo sup lem ento “A utores e L ivros” , nascidos no últim o terço do século 19 e falecidos nas décadas de 20 e 30, eram , em sua m aioria, bem -nascidos e bem -educados, originários de famílias p ertencen tes às frações políticas e não aos setores proprietários. O retrato sociológico do g ru p o se faz em cores berrantes, b o r­rando diferenças esclarecedoras, e sob re tudo deixando de exp lo ­rar o caráter de suas ligações com os g ru pos dirigentes, ou m e­lhor, o im pacto de pelo m enos algum as dessas características sob re os gêneros e m odelos de p rodução intelectual em que se especializaram ou sobre a m arca da inequívoca independência intelectual perm eando os p ro jetos coletivos da geração de 1890.

A fora a exceção de Rocha P om bo indicada no texto, aliás a contrapelo dos indicadores biográficos disponíveis a seu respei­to, o g ru p o analisado inclui alguns poucos intelectuais de origens m odestas que lograram um cam inho pessoal de au tonom ia social e profissional às custas de com padrio e de ou tras form as de clientelism o. Talvez fosse p ro fícuo exam inar tais trajetórias e ave­riguar o im pacto dessas experiências atípicas, em vez de desbas­tar a variedade de ocorrências com vistas à ob tenção de um perfil sociológico uniform e. Foi justo essa geração de intelectuais-jor- nalistas — tão caudatários de suas atividades na im prensa num

5. C A STR O G O M E S , Angela de, História c historiadores: a política cultural do Estado Novo, R io de Janeiro, F undação G ctúlio Vargas, 1996.

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m om en to de restritas oportun idades de publicação - que fun dou a A BL em 1899, fazendo com que algum as de suas figuras de p ro a pudessem converter-se em m odelos de excelência em diver­sos gêneros do trabalho intelectual.

Além de haver propiciado parâm etros in ternos originais aos profissionais da atividade intelectual, essa m esm a geração alcan­çou um patam ar de m aior independência cm relação aos padrões dc legitim idade im portados dos países centrais. A m aioria desses histo riadores desenvolveu uma carreira política expressiva, to r­nando praticam ente indissociável a atividade intelectual do seu desem penho com o m inistros, governadores, parlam entares e d i­plom atas. Tais padrões vinham atender às necessidades de justifi­cação das práticas político-ideológicas dos intelectuais atuantes n o E stado N ovo, não sendo de su rp reen der que tenham reveren­ciado esses p recurso res de um a tradição de dependência insubor­dinada em relação aos deten to res do p o d er político.

Se “a idéia que o sup lem en to deseja passar é ju stam en te a da com patib ilidade en tre esses desem p en h o s (...) sem m ácula para a cond ição de in te lec tu al”, talvez se devesse re fle tir acerca d o te o r n o rm ativo que inspira esse m o d elo de inteligibilidade do trabalho intelectual na sociedade brasileira. D isfarçado num a roupagem de v isto so relativism o, esse m odelo foi em algum a m edida in co rp o rad o pela autora. As obras “h istó ricas” p ro d u z i­das pela m aio ria desses h is to ria d o re s fo ram quase se m p re redigidas no aceso da lu ta política, não se p o d en d o invocar tal c ircunstância para inven ta r um a tradição nacional d o ofício de h isto riador. O esfo rço de co n stru ção social e intelectual desse pan teão nativo de sum idades da h isto riografia se enquadrava n um p ro je to de p ro p ag an d a política, d im ensão p ra ticam en te si­lenciada pela análise.

Já a propaganda veiculada pela revista Cultura Política assu­m ia um tom mais escancarado de proselitism o. A m ontagem des­sa “cu ltu ra” épico-nativista fez-se sob re tudo p o r m eio da seção

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“ H istória” , para a qual escreviam intelectuais de p o u co renom e e destitu ídos de um a obra inovadora. O s co laboradores habituais eram quase todos professores secundários, m em bros dos institu ­tos históricos e geográficos estaduais, funcionários públicos de certa nom eada e m ilitares intelectualizados, categorias em am pla ofe rta no m ercado de bicos culturais na capital do país. O s exem ­plos transcritos no livro confirm am o quan to estavam dispostos a redigir m atérias ajustadas às diretrizes pautadas pelos responsá­veis editoriais.

M inhas restrições ao m odelo de análise e argum entação ado­tado têm a ver sob re tudo com certas posturas de m étodo que foram m oldando o teor c a direção das conclusões. A prim eira delas se p rende ao fato de se haver procedido com as fontes selecionadas para análise com o se fossem textos de um a dicção culta, para cujo esclarecim ento não se faz m enção, seja às carac­terísticas sociais do público-alvo, seja a um a etnografia, ainda que sum ária, das trajetórias de seus m entores. Esse cardápio de sociologia dietética traria subsídios indispensáveis à com preen ­são do objeto, perm itindo, p o r exem plo, correlacionar as d im en­sões já m encionadas de sua inserção social, educacional, profissi­onal e institucional, aos padrões recorren tes da cantilena autori- tário -preservacionista do regime.

P o r o u tro lado, a despeito da relutância da au tora em adm i­tir os textos selecionados com o indicativos de um a política o rien ­tada pelos interesses do governo Vargas, talvez tem endo a pecha de desatenção à “m ajestade” da ob ra intelectual, teria sido preci­so deslindar os p rocedim entos adotados p o r esses intelectuais- funcionários para a versão culturalista e folclórica da sociedade brasileira aí veiculada.

As duas publicações analisadas deram sua contribu ição ao esfo rço publicitário desencadeado junto aos m eios de com unica­ção de m assa em ergentes pelos serviços do D ep artam en to de Im prensa e P ropaganda (D IP), sujeitando obras, au tores e co n ­

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ceitos “ h istó ricos” a um tratam ento diluidor, de form a que pu ­dessem atender funções em inentem ente práticas de convencim ento e persuasão. A despeito das discordâncias, o livro cm pauta é um trabalho adm irável de in terpretação que, no lim ite, dispensaria o recurso a fatores ex ternos àqueles equacionados p o r sua consis­ten te argum entação.

O livro de Luís R odolfo Vilhena, Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro 1947-1964 6, exam inou a ascensão e o declínio do m ovim ento que abrigava essa nova categoria de “ intelectuais de província” , os folcloristas. A pós dialogar com estudos recen­tes nos cam pos do pensam ento social brasileiro c da história das ciências sociais, os capítulos pares reconstroem os cam inhos de institucionalização do m ovim ento e os ím pares exploram as p o ­lêmicas envolvendo folcloristas e sociólogos da escola paulista.

O p o n to alto do trabalho é a reconstitu ição do processo de construção institucional e política d o m ovim ento folclórico, m os­trando as oscilações de prestígio e influência ao longo dos suces­sivos governos do pós-guerra, os espaços institucionais criados na adm inistração pública federal e estadual e, em m eio a tudo isso, a fo rm ação de um a rede nacional de folcloristas do tada de um a hierarquia, de um a subeultu ra intelectual e, sobretudo , de um a ativa e poderosa liderança. A o carregar nas tintas das causas responsáveis pelo desm oronam en to institucional do m ovim ento , V ilhena correu o risco de despolitizar seu ob jeto de análise, rele­gando a segundo p lano a fragilidade dos tru n fo s intelectuais dos folcloristas.

A perda de te rren o e o conseqüente esvaziam ento do m ovi­m en to têm m uito m ais a ver com a natureza das suas bandeiras em prol de um a cultura popu lar “ incontam inada” num m om en to de expansão acelerada da indústria cultural. O s focos de tensão

6. V IL H E N A , Luís R odolfo , Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro (1947- 1964), R io dc jan e iro , F u n arte /F u n d açã o G etúlio Vargas, 1997.

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en tre os foleloristas e os cientistas sociais universitários auxiliam a desvendar o debilitam ento intelectual e o progressivo iso lam en­to político do m ovim ento folclórico.

N um m o m en to de a firm ação de m odelo s soc io lóg icos nucleados nas conexões en tre as fo rm as de organização da socie­dade e suas expressões nos dom ínios da atividade política e sim ­bólica, o em baço analítico dos foleloristas prendia-se ao enfoque exacerbadam ente culturalista dos seus objetos e não às instâncias p o r eles privilegiadas. Esse desacerto en tre tradições teóricas e disciplinares estava ancorado em concepções distintas quan to à fecundidade explicativa da estru tu ra social. Por exem plo, em vez de se lim itar a en x erg ar os fo lg u ed o s co m o m an ifestaçõ es “m estiçadas” , Bastide preferia in te rp re ta r o cateretê e a dança de Santa C ruz com o form as de catequese dos jesuítas em relação aos indígenas de suas m issões, ou en tão definia os folguedos de influência africana com o estratégias de dom inação de senhores de escravos e do clero, em penhados em incentivar as m anifesta­ções musicais dos negros para “ m anter a rivalidade en tre na­ções” . E m lugar de realçar os aspectos de congraçam ento co m u ­nitário com o faziam os foleloristas, Bastide m ostrou que o fol­clore não m isturava nem as cores nem as classes num a sociedade fo rtem en te estratificada com o a nossa.

V ilhena tam bém exam inou as estratégias de que se valeram as lideranças do m ovim ento com a finalidade de convertê-lo num a política cultural preservacionista das m anifestações de “cultura p o p u lar” . Essa incapacidade de in co rp o ra r as transfo rm ações desencadeadas pela expansão da indústria cultural, resistindo a qualquer indício de reprodutibilidade técnica, to rn o u os foleloristas defensores de um a arte popular tradicional, cu ltuando a “aura” de um passado arcaico a que estariam associados o “espontaneís- m o ” e a “pureza” da criação coletiva c anônim a de cultura. Esse universo dou trinário acabou o rien tando os foleloristas para uma política ferozm ente preservacionista, poden do-se m encionar en-

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tre seus pro jetos os m useus de artesanato, os festivais e g rupos de brincantes, os estudos c inquéritos sobre folguedos.

V ilhena iniciou a caractetização dos folcloristas p o r m eio de um a análise do ethos in teriorizado pelos participan tes do m ovi­m ento , ou seja, a partir daqueles traços em que eles m esm os se reconheciam . O elem ento central de coesão derivava de um sen ­tim ento de m issão, perm eand o o engajam ento nesse cam po de estudos e m ilitância. O clima de cam aradagem , de hospitalidade, p o r ocasião de seus encon tro s, nutria-se de sen tim entos idênticos àqueles partilhados pelos “hom ens sim ples” . O m odelo vivo do m ovim en to folclórico consistia nas práticas caipiras de auxílio- m ú tuo dos lavradores e indígenas brasileiros. E ssa prim eira ca­racterização p o r m eio de um a recuperação das suas rep resen ta­ções e valores, en fatizando a subeultura doutrinária, não im pediu que o au to r esboçasse um perfil sociológico de sua tríplice inser­ção, a saber, no espaço dos grupos dirigentes, no in terio r dos m ercados de trabalho cultural e político.

A parcela m ajoritária dos secretários das com issões estadu­ais de folclore eram advogados ou m édicos de profissão, com incursões pela im prensa, docência e política, quase todos polígrafos com um a p rodução intelectual in term iten te , declicando-se à pes­quisa folclórica de m aneira bastante irregular. N a m aioria dos E^stados, o serviço público era o principal m ercado de trabalho para um con tingen te expressivo de folcloristas. As ligações es­treitas de m uitos deles com os institu tos h istóricos e as academ i­as de letras estaduais com pletavam as am arras institucionais des­ses “ intelectuais de província” , a m eio cam inho en tre o exercício de seus pendores literários e as exigências de rigor científico cobradas em seu trabalho etnográfico.

O livro Destinos mistos1 {1998), de H eloísa Pontes, em p reen ­deu a reconstrução da trajetória de vida e trabalho da tu rm a de7. P O N T E S , H eloísa, Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Pauto (1940-

1968), São Paulo, C om panh ia das Letras, 1998.

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in telectuais e am igos que fundaram a revista Clima na década de 40, em que se incluíam alguns m odelos de excelência da crítica cultural no país: A n ton io C ândido (literatura), D ecio dc A lm eida P rado (teatro), Paulo E m ílio Salles G om es (cinem a), Lourival G om es M achado (artes plásticas), Ruy G alvão de A ndrada C oe­lho (sociologia) e Gilda de M ello e Souza (estética). A pós um capítulo in tro du tó rio onde exam ina o universo de idéias e in flu ­ências que estavam con tribu indo para m odelar a construção do ob jeto e os m étodos de análise daquela geração em ergente de críticos da “cultura brasileira” , em suas principais m anifestações e gêneros, valendo-se para tan to de um a leitura a ten ta da obra prem iada de Lourival G om es M achado, Retrato da arte brasileira, a au to ra efetua um histórico transado das condições que presid i­ram ã criação da revista Clima, os esquem as de financiam ento, a divisão d o trabalho editorial, a hierarquia in terna do grupo , as relações com a con juntura política in terna (crise e deterioração da ditadura Vargas) e externa (últim os anos da segunda grande guerra), os núcleos tem áticos coberto s pelo veículo.

Esses variados tóp icos de aproxim ação acabam p o r tradu­zir-se em p o n to s de vista com plem entares, num esforço de ap re­ensão diferenciada do perfil intelectual da revista, ou m elhor, de sua posição no universo das revistas literárias e de cultura, do im pacto e da originalidade de suas propostas inovadoras na área da crítica de cultura, frente instigante do trabalho intelectual na época. E p o r m eio dessas m ediações que se viabiliza a intenção dc conhecer as expectativas, as m entalidades, as alternativas de carreira e de p rodução intelectual que então foram se abrindo aos in tegrantes da turm a idealizadora de Clima.

O exam e caprichado da substância intelectual da revista, ob jeto do terceiro capítulo, constitui aliás um dos grandes acer­tos do trabalho. A o invés de se lim itar a um rastream ento dos núcleos tem áticos, ou então de se con ten ta r com o m apeam ento das tom adas de posição intelectuais ou políticas desses jovens

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intelectuais am biciosos, a au tora procura en tender a divisão do trabalho intelectual em função das diretrizes im postas pela lide­rança exercida no in terio r do g ru po e, num a passagem esclarece­dora, esm iuça as relações de gênero no in te rio r daquele círculo de sociabilidade.

A o m esm o tem po que evidencia os tem as en tão considera­dos “nobres” , na prática quase m onopolizados pelos hom ens, trazendo à baila lances rep letos de sinais excludentes que se efe­tivam a despeito de qualquer in ten to deliberado , H eloísa vai destrinchando os m ecanism os de relegação a que estavam sujei­tas m uitas jovens intelectuais de talento, com freqüência im possi­bilitadas de se desgarrar, com algum a au tonom ia, dos p ro jetos e d iretrizes im postos pelos hom ens da turm a. Esse foco prioritário da análise, voltado para a contribu ição intelectual das m ulheres, trouxe ao cen tro daquele experim ento renovador de p ro dução cultural as realizações autorais de G ilda de Mello e Souza, quer através de seus escritos com o ficcionista, quer pelos fru tos in te­lectuais característicos de suas atividades com o pro fessora un i­versitária.

O perfil social, intelectual e m esm o institucional desse g ru ­po de universitários congregados em to rn o da revista Clima, elucida-se de m odo ainda m ais com pleto p o r con ta do contraste, quase con trapon to , en tre a trajetória de seus in tegrantes e a so fri­da experiência de vida de F lorestan Fernandes, o jovem e b ri­lhante sociólogo dessa geração que se alçou à posição de cate­drático e líder incon teste de toda um a escola de pensam ento e pesquisa im plantada na U niversidade de São Paulo sob seu co ­m ando e orientação.

O “co n fro n to ” analítico entre o soció logo de origem social m odesta e os rapazes e m oças bem nascidos, cultos, sofisticados e c o sm o p o lita s , do g ru p o Clima, in tro d u z um in g re d ie n te provocativo na construção de um argum ento sociológico calibra­do pela com paixão etnográfica, em cujos andam entos narrativos

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e explicativos reconhece-se a inspiração de au tores tão diversos com o N o rb e r t Elias e Raym ond Williams. O s contrastes deriva­dos dessas trajetórias típico-ideais perm item identificar, de um lado, as m atrizes e os m odelos de crítica cultural adotados pelos in tegrantes do grupo Clima e, p o r ou tro , as características da dicção autoral que estavam cm condições de assum ir naquela con jun tura do cam po intelectual, tão condicionada pelas exigên­cias do trabalho acadêm ico tal com o se m anifesta nas etapas sucessivas cie um a carreira universitária.

O con trapon to m encionado in troduz no coração d o argu­m ento sociológico, burilado em suas m últiplas faces e aspectos, a força irreprimível de uma dinâmica institucional conducente à trans­form ação das condições de acesso à vida intelectual e, po r conse­g u in te , a m u taçõ es p ro fu n d a s nas in stân c ias in s titu c io n a is especializadas, a com eçar pela consolidação da própria universida­de. Salvo engano, para além do registro m acro-histórico, a autora valeu-se desse con trapon to para deslindar, em filigrana, o em bate de energias sociais concorrentes em meio a esses fluxos de m udan­ça social e intelectual. Talvez se possa form ular alguma reserva diante dos poucos trechos onde se m anifesta a excessiva em patia da autora em relação aos integrantes do círculo Clima, fazendo com que, p o r vezes, ela pareça ter-se deixado im pregnar, no plano heurístico, pelas representações racionalizadoras contidas em de­poim entos e entrevistas referidos no texto. O u seja, a m esm a sin­tonia afetiva que propicia a im ersão sensível capaz de garantir uma leitura fecunda das inform ações coletadas pode, a partir de certo m om ento, b o rra r certos m atizes da visada analítica.

Q ualquer um dos trabalhos aqui d iscutidos poderia servir à dem onstração do am plo espectro de m odelos dc análise, nos d o ­m ínios das ciências sociais e hum anidades, a que estão expostos os estudiosos brasileiros nesse cam po de um a sociologia h istó ri­ca da vida intelectual. P ierre B ourdieu, N o rb e r t Elias, R aym ond W illiam s, R o b e rt D a rn to n , C ario G in zb u rg , A rn o ld H auser,

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H ow ard Becker, F ritz Ringer, W olf Lepenies, E. P. T h o m p so n , G eorges Duby, Cari Schorske, encre as principais influências teó ­ricas nesse período, são autores de ensaios sem inais e m onografi­as exem plares sob re intelectuais e artistas em outras form ações sociais, ora analisando autores, obras e corren tes de pensam ento , o ra buscando apreender as m entalidades e o im aginário cultural de um período em particular, ora focalizando a gênese e o desen­volvim ento dos intelectuais, artistas e cientistas com o categorias sociais, ora enfim apreendendo os padrões de criação e d iferen­ciação das atividades intelectuais, artísticas e científicas, p o r m eio da em ergência de novas disciplinas, de m odelos estéticos o u cien­tíficos contestatários, de paradigm as inovadores de análise e in­terpretação. A qualidade do trabalho de qualquer um desses au ­tores com prova os ganhos heurísticos trazidos pela confluência de um a gam a diversificada de disciplinas c tradições intelectuais— desde a sociologia e a an tropologia, passando pela h istó ria social, intelectual e das m entalidades, pela crítica literária, pela filosofia, até as diversas orientações teóricas no in terio r da h istó ­ria da arte —, bem com o pelo reconhecim ento das vantagens m etodológicas associadas à exploração de fontes, m odelos, co n ­ceitos e abordagens de enfoques disciplinares com plem entares.

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In t e r p r e t a ç õ e s so b r e o Br a s il *

Lúcia LJppi Oliveira

Sabem os que de tem pos em tem pos volta-se a in terp retar e a re ín terp re tar o Brasil. Km alguns m om en tos cruciais de sua h istória o país m ereceu a atenção dc pensadores, rom ancistas, juristas, m édicos, engenheiros, ou seja, diversas categorias p ro fis­sionais que produziram um a plêiade de d iagnósticos e terapias capazes de solucionar seus males. E ste processo , m arcado pela busca das raízes da nacionalidade e pelo esforço para inserir o país na m odern idade, foi atividade de diversas gerações de in te­lectuais que se detiveram na “m issão” político-ideológica de co n s­tru ir um a identidade para o Brasil.

A vida acadêm ica no Brasil lidou com este passado de, pelo m enos, duas form as. E m sua origem p ro cu ro u dem arcar sua di-* In tegra o p ro jeto “A s ciências sociais no Brasil: balanço e perspectivas

(1970-1995)” desenvolvido pela A N PO C S sob coordenação de Sergio Miceli. A g rad eç o a le itu ra de H elen a B om eny , M arcos C h o r M aio, R icardo Benzaquen de A raújo e C harles Pcssanha que con tribu íram para o “c o n ­trole da sub jetiv idade” necessário à apresentação desta m inha versão. Angela de C astro G om es fez com entários pertin en tes à versão prelim inar que, na m edida d o possível, foram inco rp o rad o s ao texto.

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ferença d izendo estar p ro duz in do “ciência” e p o rtan to algo dis­tin to desse com prom isso com a construção de identidades. E m sua m aturidade, se é que podem os considerar com o tal a p ro d u ­ção no âm bito dos cursos de pós-graduação e de cen tros de pesquisa afiliados à A N PO C S, procurou realizar um a análise de autores e livros situando-os histórica e sociologicam ente e reali­zando uma in terlocução com as leituras já consagradas no fim dos anos 70.

Vou m e deter em um a experiência particular — o G ru p o de T rabalho Pensam ento Social no Brasil da A N PO C S - ao longo dos anos 1983-1995, arrolando inform ações capazes de qualificar o balanço substantivo dessa área. Sei que a p rodução acadêm ica na área de pensam ento social no Brasil é mais am pla do que a do GT; entretanto , este recorte pode oferecer um exem plo significativo e relevante. Estarei apresentando dados e fazendo reflexões sobre um espaço da vida acadêm ica do qual faço parte e que poderá receber outras interpretações diferentes das aqui apresentadas. T ra­te-se, fora de dúvida, de um caso de história com partilhada.

E m 1981 foi encam inhada ã direção da A N P O C S pro posta de constitu ição de um G rupo de T rabalho sobre Pensam ento Social Brasileiro. Sob a coordenação de Luiz A ntonio Castro Santos e M atiza Peirano, o g ru p o apresentava com o objetivo criar espa­ço para a reflexão sob re o pensam ento social brasileiro. Suas perspectivas eram cobrir estudos de natureza teórica e histórica “ fug indo de esquem atizações rígidas” e “assum indo d ian te delas um a atitude crítica” . O leque de tem as a serem abordados deve­ria cobrir “ literatura e cultura brasileiras, história do pensam ento social, im aginação sociológica, política e histórica no Brasil (por exem plo: pro jetos de construção ideológica da nação)” , com o consta do prim eiro relatório de atividades, de m arço de 1984.

U m prim eira indagação poderia nos levar à questão: o que seria pensam ento “ social” e qual a distinção em relação a ou tros pensam entos não sociais? Pensam ento social p ro cu ra designar a

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produção intelectual em sen tido m ais abrangente e não som ente aquela gerada no espaço das ciências sociais. D aí ser igualm ente relevante a análise da p rodução de literatos, de críticos da litera­tura, de folcloristas entre outros. E m segundo lugar: pensam ento social “brasileiro” ou “no Brasil”? Vale n o ta r que no prim eiro encon tro do GT, em 1983, seu nom e já deixava de lado a prim ei­ra opção para adotar a segunda. H á pensam ento social, ou seja, estudos e /o u ensaios que procuram in terp re tar a vida social em todas as sociedades. H á pensam ento social na Argentina, na França, nos E stados U nidos, assim com o no Brasil. Cada um pode ser visto com o caso particular e não com o singularidade histórica.

A o longo dos anos, nas reuniões anuais do G T , foram ap re­sen tados textos que analisavam obras de pensadores, de ensaístas, de rom ancistas e literatos, de cientistas sociais, fazendo-se uso, assim , de um a definição larga do que seja pensam ento social no Brasil. P rocurou-se rever leituras consagradas, qualificar m ais e m elhor análises já realizadas, operar com novas questões e /o u re to rn a r a antigas, desde que ancoradas nas tradições disciplina­res que m arcam a form ação dos participan tes do GT. N esse sen ­tido o G T foi efetivam ente um grupo de trabalho e um espaço in terdiscip linar p o r excelência.

P rocurou-se in tegrar autores e obras investigando traje tóri­as, escolas, debates, divergências, polêm icas, enfim , todos os ele­m en tos que perm item o conhecim ento de “cam pos intelectuais” , ou seja, explorar os “ lugares de fala” , os m ecanism os de p restí­gio e de “d istinção” existentes no Brasil principalm ente a partir dos anos 20. C ientistas sociais e ensaístas m ereceram tratam ento similar, ainda que o tem a da criação do cam po das ciências so­ciais e de suas institu ições tenham recebido atenção especial.

Pode-se dizer que o G T procedeu a uma revisão do cânone (se é que isto existe no Brasil), na m edida em que realizou um a reinterpretação dos clássicos ou tirou d o esquecim ento autores e obras consideradas “perdedoras” e que não faziam parte do panteão

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consagrado. D a m esm a form a, foi feita um a releitura das in terp re­tações sobre o Brasil ocupadas com a construção simbólica da nação no espaço do m odernism o. Fez-se um a crítica da tradição en tendendo p o r tradição exatam ente a form a de ler o passado.

O s sucessos e as lim itações das realizações do G T podem ser conhecidos e avaliados com base nos dados apresentados ao final do texto; a saber:

- A utores e títu los dos trabalhos apresentados 110 G T p o r ano;

- Participantes do G T po r form ação, institu ição e núm ero de vezes que apresen tou texto;

- Publicações dos participantes relacionadas aos tem as apre­sen tando no GT.

A lista dos trabalhos apresentados e do s pesquisadores que participaram do G T nos perm ite observar que m uitos textos fi­zeram parte de pesquisas de tese de do u to rad o dos m em bros do G ru p o , com o nos casos de Angela de C astro G om es, Fernanda P e ix o to , G láucia Vil las B oas, H e lo ísa P o n te s , Leila M aria H ernand ez , Lúcia Lippi Oliveira, Luís R odolfo V ilhena, M aria A rm inda A rruda, M arcos C hor Maio, N ísia T rindade Lim a, Regi­na A breu, R icardo B enzaquen de A raújo, en tre outros.

A lguns pesqu isadores freqüen taram o G T du ran te certo tem po e deixaram de com parecer às reuniões anuais. Podem os especu lar as razões: alguns m udaram de linha de pesquisa; o u ­tro s acabaram suas teses e não con tinuaram na m esm a linha; o u tro s ainda não se sen tiram in tegrados à fo rm a de trabalho do grupo . Podem os in ferir daí que as tem áticas relacionadas ao es tu d o do P ensam en to Social n o Brasil en co n tram recep tiv idade nos alunos de dou to rado . N este sen tido os p ro fesso res da pós- g raduação são os m aiores responsáveis, na m edida que abrem espaço para estes trabalhos, em garan tir a con tinu idade da linha de pesquisa.

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O G T passou a incluir em suas reuniões anuais a figura do debatedor, norm alm ente um pesquisador de m aior senioridade que participa dos debates e contribui para o andam ento da pes­quisa apresentada. Essa fo rm a de participação perm ite abrir es­paço para a presença e incorporação dos m ais jovens.

D os 61 pesquisadores que participaram do G T , tem os a seguinte d istribu ição segundo a form ação: sociólogos, 22; an tro ­pólogos, 19; cientistas políticos, 9; h istoriadores, 7; o u tro s (geó­grafos, filósofos) 3; sem inform ação, 1. A distribuição da partici­pação segundo o núm ero de vezes que cada um apresentou paper no g ru p o assim se apresenta: 1 vez, 32; 2 e 3 vezes, 17; 4 e 5 vezes, 9; sem paper, 3 (debatedores).

O bservando o que foi apresentado no G T podem os m apear os tem as fundam entais e os principais autores :

T EM A S:

Q u e s t ã o n a c i o n a l /v i s õ e s d o B r a s i l

N esta categoria se incluem trabalhos sobre: sertão, m ovi­m en to sanitarista, cartilhas de civismo, centenário da In d ep en ­dência, ecologia política, representações do espaço territorial, anti- sem itism o, populism o , cosm opolitism o, identidades nacionais, h istoriografia nacional.

M o d e r n i s m o /m o d e r n i d a d e

T rabalhos sob re m e tró p o le e individualism o, m úsica no m odern ism o, m ovim ento m odernista em São Paulo, m odern ism o no Rio de Janeiro , m odern ism o em Minas Gerais, en tre outros.

C i ê n c i a s s o c i a i s

E scola paulista, ciências sociais no Rio de Janeiro, ciências sociais em M inas G erais, sociologia no Brasil e na A rgentina, Sociedade de sociologia, p rodução estrangeira sobre o Brasil.

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In s t i t u i ç õ e s e m o v i m e n t o s c u l t u r a i s

E studo sobre folclore, Sociedade de etnografia e folclore, patrim ônio histórico, m useus, com em orações, rep resen tações es­téticas.

O elenco de au to res m encionados no s títu los dos textos foi co m p o sto por: Von M artius, José Bonifácio, Joaquim N abuco, José de A lencar, M achado de Assis, A raripe Jun io r, Euclides da Cunha, Silvio R om ero, A rtu r A zevedo, G ustavo B arroso, G ilber­to Freyre, Cassiano R icardo, Oliveira Viana, Sergio Buarque, Caio Prado, Jo ã o do Rio, M onteiro Lobato, M ário de A ndrade, Carlos D ru m m o n d de A ndrade , Lourival G o m es M achado, A n to n io Cândido, F lorestan Fernandes, D onald P ierson, G uerre iro Ra­mos, Roger Bastide, H élio Jaguaribe, O racy N ogueira, Lévi-Strauss, en tre outros.

D ois g ru p o s form aram , p o r assim dizer, a base do G T de 1983 a 1995, um no Rio de Janeiro e o u tro em São Paulo. O de São Paulo teve com o m atriz o p ro je to de H istória das Ciências Sociais desenvolvido no ID E S P sob coordenação de Sérgio Miccli e gerou , en tre ou tro s p rodutos, os dois volum es de História das ciências sociais (1989,1995). N ucleando pesquisadores que estavam realizando seus dou to rad os — Fernanda Peixoto, H eloísa Pontes, Maria A rm inda A rru d a , Silvana R ubino e Lilia Schw arz (esta últim a não apresen tou trabalhos no G T ) —, Sérgio Miceli deu continu idade a sua trajetória acadêm ica o rien tada para a pesquisa de letrados, políticos e artistas nas décadas de 20, 30 e 40. M aria Tereza Sadek e F ernando Lim ongi, en tre outros, fizeram tam bém parte do g ru p o do ID E S P que originalm ente participou do G T e m udaram de linha de trabalho.

O p ro jeto H istória das Ciências Sociais n o Brasil (1987- 1990) sob coordenação de Sérgio Miceli reafirm a e acentua a m atriz institucional na análise do pensam en to brasileiro na m edi­da em que as institu ições são mais do que os elem entos causais

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decisivos, são o que define o recorte d o objeto (Vilhena, 1997). As ciências sociais em São Paulo (a USP), no R io de ja n e iro (a U D F ), em M inas G erais e em Pernam buco, assim com o outras institu ições de antes da fundação dos prim eiros cursos universi­tários (os m useus enciclopédicos e os institu tos históricos) for­m am a universo estudado.

O s textos de Sérgio Miceli, “C ondicionantes do desenvolvi­m ento das ciências sociais no Brasil” (1989: 72-110), e de M aria H erm ínia Tavares, “D ilem as da institucionalização das ciências sociais no Rio de Janeiro” (em M iceli,1989: 188-216), podem ser tom ados com o exem plo de atualização da m atriz institucional. E reafirm ada a descontinuidade en tre o pensam ento político social brasileiro produzido pelos egressos dos cursos de ciências so­ciais nas Faculdades dc Filosofia das recém -inauguradas univer­sidades e aquele p roduzido em passado p róxim o pelos au tod ida­tas. A institucionalização é vista com o fundam ental já que, para Sérgio Miceli, “a inexistência de um a institu ição universitária ope­rando com o o cen tro da vida intelectual e científica na cidade do Rio de Janeiro, em condições dc im por requisitos acadêm icos m ínim os de acesso, p rom oção e desem penho na carreira, está na raiz da fragm entação de iniciativas, todas elas envolvendo quase sem pre os m esm os em presários” (p.96).

A m arca da institucionalização tam bém se faz presente na análise da história das ciências sociais dos anos 70 e 80 com o p ode ser observado no texto in tro du tó rio ao volum e 2 de História das ciências sociais (1995). O grau de institucionalização aparece com o co rrespo ndendo a “etapas da divisão do trabalho político e intelectual” , o que perm ite apon tar atrasos e avanços em um a escala ascendente, indicando um a certa m atriz evolucionista que perm eia a análise. E sta m atriz, entretanto , não se faz presen te da m esm a m aneira em ou tro s textos dos participantes do projeto.

R eunindo pesquisadores com form ação em sociologia e an ­tropologia o pro jeto teve com o perspectiva com um fazer um a

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sociologia da v ida intelectual no cam po das ciências sociais no Brasil, seus “ pais fundadores” e descendentes, a p rodução in te­lectual e, com o já dissem os, analisar o processo de institucionali­zação das ciências sociais no país. A partir de 1993 novo p ro je to sob coordenação de Sérgio IVliceli passou a investigar a H istória Social das A rtes Plásticas no Brasil.

O Rio teve com o base principal o g ru p o do C P D O C da F undação G etú lio Vargas, que tem , en tre suas linhas de pesquisa, o estudo do pensam ento social brasileiro. Angela de C astro G o ­m es, H elena Bom eny, Lúcia Lippi O liveira, M ônica P im enta Velloso e R icardo B enzaquen de A raújo (este ú ltim o até 1987), en tre outros, estiveram envolvidos com pro jetos relacionados ao tem a. E sta linha de pesquisa iniciou-se em 1973 com o p ro jeto denom inado Brasiliana, ocupado em fazer o levantam ento e a análise da bibliografia sobre a Revolução de 1930. Teve con tinu i­dade com ou tro p ro je to relativo à ideologia do E stado N ovo c se d esdobrou em trabalhos sobre a sociologia e a história no B rasil1.

1. P od em o s cita r co m o resu ltados relacionados ao tem a pen sam en to socialbrasileiro:- D issertação de m estrado de M ônica P im enta Velloso,” ü m ito da o rig i­

nalidade: a traje tória intelectual de C assiano R icardo”, ap resen tada à P U C /R J, 1983.

- D issertação de m estrado de E du ardo R odrigues G om es, “C am po co n ­tra cidade: o ru ra lism o e a crise oligárquica no pen sam en to político brasileiro (1910-1935)” , apresentada ao IU P E R J, 1980.

- O livro Estado Novo: Ideologia e Poder (Zahar, 1982) reun indo artigos de Lúcia Lippi Oliveira, A ngela de C astro G o m es e M ônica P im enta Velloso sobre A lm ir de A ndrade, A zevedo A m aral, as revistas de p ropaganda do regim e, a co n strução do hom em novo, o redescobrim en to do Brasil.

- A rtigo de R icardo B enzaquen sobre a co n strução do m ito Vargas e livro sobre ideologia totalitária de P línio Salgado.

- Livro de H elena B om eny sobre m ineiridade (originalm ente tese de d o u ­torado) e artigos sob re P atrim ônio H istórico.

- Livros de Angela C astro G o m es sobre a invenção do trab alhado r (origi­nalm ente sua tese de dou to rado ) e sob re a H istó ria e os h istoriadores do E stad o N ovo.

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E m suas origens o g ru p o do C P D O C esteve ocupado em analisar a p rodução intelectual dos anos 20, 30 e 40 e se organi­zou principalm ente em to rn o de questões relacionadas ao pensa­m ento político: o liberal, o católico, o conservador, o integralista. O s tem as eram convergentes mas as leituras seguiam rum os es­pecíficos, ancoradas na form ação em curso de cada um dos pes­quisadores (história, sociologia, antropologia).

D ois artigos de W anderley G uilherm e dos Santos, “A imagi­nação político social brasileira” . Dados, n. 2 /3 , pp. 182-193, 1967, e “Raízes da im aginação política brasileira” , Dados, n.7, pp.137- 161, 1970, podem ser considerados com o a m atriz do que veio a ser pesquisado pelo g ru po do Rio. Igualm ente relevante foi seu artigo “A ‘práxis’ liberal no Brasil; propostas para reflexão e pes­quisa” , que integra o livro Ordem burguesa e liberalismo político (São Paulo, D uas Cidades, 1978). W anderley G uilherm e dos Santos apre­sentava três m atrizes de análise do pensam ento social brasileiro: a ideológica, a institucional e a sociológica. A m atriz ideológica, p re­ocupada em reconstituir a lógica in terna do discurso, entretanto , não foi assum ida pelos pesquisadores do C P D O C com o incom pa­tível com as demais, já que o g ru po social e a instituição funcio­nam com o mediação entre o intelectual e a sociedade. Processos sociais e políticos tam bém interferem na form a pela qual a institu­cionalização se processa. O s artigos de Wanderley abriam espaço para a recusa de um a separação abissal entre a p rodução pré- científica e científica. O pensam ento social no Brasil - m esm o aquele produzido antes e fora da U niversidade — podia e devia ser objeto de análise e era tão relevante conhecê-lo com o a qualquer outro. Isto se contrapunha ao cânone dom inante até então.

- L ivros de M ônica P im enta Velloso sobre tradições populares e m o der­n ism o no R io d e Janeiro ( o rig inalm ente sua tese de dou to rado ).

- L ivros de Lucia L ippi O liveira sob re a questão nacional na Prim eira R epública ( orig inalm ente sua tese de d ou to rado ) e sob re a sociologia de G uerre iro Ram os.

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O estudo do pensam ento ou da im aginação político-social brasileira estava condicionado p o r um livro cânone, o de D an te M oreira Leite, 0 caráter nacional brasileiro (3. ed. rev. São Paulo, P ioneira, 1976). O que se dizia, ou m elhor, o que se podia dizer estava condicionado ao ângulo in terpretativo deste im portan te trabalho2. Podem os citar com o exem plo o que era d ito sob re G ilberto Freyre e O liveira Vianna.

N o capítulo 15, denom inado “E m busca do tem po perd i­d o ” (p. 268-285), D an te M oreira Leite com para Casa grande <& senzala a 0 / sertões. D eseja apon tar as diferenças en tre as duas obras. Euclides da C unha, em bora aceitando teoria errada, nem p o r isso defo rm a os fatos que observa, em contraposição a G il­berto Freyre, que d ispõe de um a teoria co rre ta mas ignora os fatos e acaba po r d efo rm ar a realidade. G ilberto baseou suas afirm ações em in tu ições da realidade, desprezou a cronologia e o espaço geográfico dos fatos descritos. As lim itações teóricas e m etodológicas seriam graves, já que falta com provação objetiva, há ausência de provas para suas afirm ações. E m todo o capítulo, D an te M oreira Leite p re tende provar estas inconsistências de G il­be rto Freyre e conclui: “ com o não utiliza dados quantitativos, nem p re tende fazer levantam entos am plos de um período, G il­be rto Freyre lim ita-se à história anedó tica” ; com pleta adiante: “não é apenas anedótica. E tam bém escrita e in terp re tada do p o n to de vista da classe dom inan te” ( p.250 e 251).

A gora vejam os o que o au to r nos diz sobre O liveira V ianna (p.220-231) no capítulo sobre “ Raças e seus m itos” . O ex traord i­2. E ste livro foi o rig inalm en te tese de d o u to ra d o d o au to r em 1954. D o

prim eiro ao sex to cap ítu lo o au to r vai ap re sen tar a rgum en tos teóricos que definem os critérios de cientificidade necessários à análise. N a ap resen ta­ção das obras brasileiras que tratam do “ caráter nacional” , D an te M oreira Leite realiza u m im pressionante m ap eam en to d o s principais au tores e suas obras. Sua tese é que estaríam os no fim do pen sam en to ideológico e início de nova fase das ciências sociais valendo com o exem plo Caio P rado Jun io r, q ue em vez de traços psicológicos estava tra ta n d o da econom ia.

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nário êxito de suas obras só se to rn a com preensível po rque elas satisfaziam os p ru ridos de nobreza rural de p arte da população brasileira. D an te M oreira Leite considera que a obra de Oliveira V ianna não resiste a qualquer crítica, p o r m ais benevolente que o leitor procure ser, p o r mais que deseje com preendê-lo em sua época e seu am bien te. Oliveira V ianna não tinha dotes de obser­vado r ou de teórico. O que nele parece teoria é im aginação g ra­tuita, g rosseira deform ação de fatos c teorias alheias. C entrando sua análise em Populações Meridionais, D an te M oreira Leite consi­dera que os docum entos são desprezados e deturpados, m esm o a docum entação já utilizada p o r ou tros au to res com o A lcântara M achado. E n u m era as contradições do au to r para concluir: “ Fi­nalm ente, O liveira V ianna revela o sen tido de toda essa elabora­ção confusa e contrad itó ria , fru to de um a fantasia um pouco desordenada, que se aproxim a de certas fo rm as de doença m en­tal: o Brasil precisa de um governo forte , autoritário, que ponha o rdem na casa. As nuvens do fascismo com eçavam a rondar o Brasil” (p.228).

D epo is de ler estas páginas dificilm ente um jovem chegaria perto das obras de O liveira Vianna, m esm o de seus livros p o ste ­riores com o Instituições políticas brasileiras ( 1949). Foi necessário m uito tem po para que fosse possível voltar à Oliveira V ianna, não para negar o racism o de seus livros, mas para reafirm ar a im portância da leitura e da análise de sua ob ra3.

E ste livro de D an te M oreira Leite e o de Rubens B orba de M oraes & W illiam Berrien ( orgs.), Manual Bibliográfico de estudos brasileiros (Rio de Janeiro, Souza, 1949), definiam o que deveria ser conhecido, lido e rein terpretado, e o que deveria ser aband o­nado p o r ser irrelevante, inadequado, equivocado e errado. Foi,

3. E m 1991 foi realizado um sem inário da U N IC A M P sobre a obra do au lo r que deu origem ao livro organizado por E lide Rugai Bastos e jo ã o Q uartim de M oraes, 0 pensamento de Oliveira Vianna, UN IC A M P, 1993, reun indo os trabalhos apresentados.

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assim , frente a este cânone que a p rodução dos anos 70 e 80 se rebelou e reviu a literatura dos anos 20 e 30 guiada pelos artigos de W anderley G uilherm e dos Santos, acim a citados, assim com o pelo artigo de Bolivar L am ounier, “Form ação de um pensam ento político autoritário na Prim eira República: um a in terp re tação” , publicado in Boris Fausto (org.) O Brasil republicano, t. III, v. 1 (História geral da civilização brasileira) São Paulo, D ifel, p.360-364, 1977. C ertam ente foram as questões intelectuais e políticas dos anos 70 e 80 que possib ilitaram a p rodução de um a releitura do período autoritário anterior.

O pensam ento político brasileiro expresso em obras, a rti­gos, revistas foi ob jeto cle pesquisa que procurava dar con ta não só da sua lógica in te rna (seu conteúdo), m as tam bém da com ple­xa e m ultifacetada relação en tre os intelectuais e a política no Brasil dos anos 20 e 30.

A análise da produção dos intelectuais, dos ideólogos, dos letrados que sugeriam m udanças na política e na sociedade brasi­leiras foi inform ada pelas questões que a m oderna ciência política indicava; entretanto , m uitas questões ficavam de fora. As transfor­m ações sugeridas, as utopias sonhadas não se referiam exclusiva­m ente ao universo das instituições políticas. O u tros autores e ou ­tras perspectivas de análise passaram a ser fonte de nossas indaga­ções. Vale no tar a im portância da obra de M annheim , principal­m ente seu artigo sobre o pensam ento conservador; os textos de Raymond Williams, crítico literário e histo riador da cultura, assim com o os de N o rb e rt Elias, perm itindo um alargam ento de hori­zontes. Igualm ente relevante foi a incorporação dos trabalhos e das questões presentes nas obras sobre cam po intelectual de Pierre Bourdieu, p ro pondo um a análise sociológica da vida intelectual.

O pensam ento social faz parte da cultura, tem historicidade, está radicado na vida social e tem tam bém significado político. N este sen tido tan to a p rodução cham ada de pré-científica com o a científica podem ser exam inadas em sua história, estão ligadas

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a instituições e seus p ro du tos (cursos, livros, revistas) seguem cam inhos que podem ser observados e analisados. A produção, divulgação e recepção de bens culturais depen dem de in junções sociais (grupos, escolas, gerações) com o qualquer o u tro bem . A perspectiva h istórica foi fundam ental para to rn a r possível a supe­ração do que deve ou não deve ser considerado ob je to de análise, para vencer a dicotom ia rígida en tre o pré-científico e o científico e para a aceitação do ensaio com o gênero legítim o sem a pecha m alévola do “ensaísm o” . A revista Estudos Históricos, criada em 1988, foi espaço para a divulgação dessa perspectiva analítica que se desenvolveu no C P D O C . E sta revista tam bém foi instân­cia de divulgação de inúm eros artigos apresentados no G T , com o se pode verificar na lista de publicações dos m em bros do G ru p o apresentada ao final deste texto.

Assim no g ru po originário no C P D O C m igrou-se de uma análise das idéias políticas para o estudo de questões p erten cen ­tes ao universo da cultura, universo este já en fren tado p o r d ife­ren tes cam pos — história cultural, an tropologia histórica, socio lo­gia da cultura, cultura política — quase sem pre gêneros de fro n ­teira entre as disciplinas. Inco rp o ro u -se um a critica à cham ada “ história das idéias” que retirava as idéias de seu con tex to e /o u as reduzia a de term in ism os socioeconôm icos. A ssum iu-se a his­tória cultural que recusa a expulsão do indivíduo com o sujeito de suas ações e que acata a fecundidade m etodológica do qualitati­vo. Passou-se a fazer um a “história da cu ltu ra” ou um a “história dos intelectuais” centrada nas elites culturais c em sua dinâm ica de sociabilidade ( Lynn H unt. A nova história cultural. São Paulo, M artins Fontes, 1992, p.1-29)4.

E n tre os trabalhos apresen tados no G T há os que acentuam a diferença en tre a p rodução das ciências sociais e aquela p rove­

4. Ver também A letta Biersack, “S aber local, h istória local: G eertz e além ” , em Lynn H u n t (1992, pp. 97-130).

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nien te do pensam ento social, assim com o há ou tros que tratam da vida intelectual brasileira independen tem en te dessa d ico to ­mia. As diferenças do “estágio” da institucionalização das c iên ­cias sociais - em particu lar entre São Paulo e Rio de Jan eiro até os anos 70 —, ou os diversos enfoques analíticos, propiciaram m esm o a reedição de um a polêm ica antiga en tre Rio e São Paulo. M as os m em bros d o G T sabem que esta questão tem história. A polêm ica ideológico-sim bólica, institucional e sociológica aco n ­tece n o tem po e agrega ou perde ingredientes ao longo do tem ­po. E sta polêmica teve com o antecedente o debate entre F lorestan F ernandes e G uerreiro Ram os, e m esm o este teve com o an teces­sor m aior aquele acontecido nos anos 20 en tre o papel das cida­des do Rio de Janeiro e São Paulo com o m atrizes da identidade nacional desejada. O s artigos de M enotti dei Picchia nas páginas do Correio Paulistano já tratavam deste tem a5.

Saber da duração h istó rica da questão e da variedade de suas form ulações não traz a dissolução das diferenças m as possi­bilita certa m aturidade no debate e a convivência com o d iferen­te. Is to talvez seja tam bém fru to da institucionalização das c iên ­cias sociais no âm bito da pós-graduação e da A N PO C S. R efle­tindo sobre isto agora penso com o hipótese que a presença e im portância dos an tropó logos no G T, mais acostum ados a lidar com questões do relativism o, poderão ter favorecido a prática acadêm ica d o grupo. A com posição da equipe do ID E SP, in te ­g rada p o r jovens pesquisadoras, m uitas fazendo sua form ação no cam po da antropologia na U NICAM P, facilitou o intercâm bio en tre os dois g rupos, quebrando possíveis posições bipolares e n ­tre Rio e São Paulo. Vale no tar a im portância da figura e da p rodução de M ariza C orrêa, em sua análise da história da a n tro ­

5. Lúcia Lippi O liveira, A Sociologia do Guerreiro, Rio de Janeiro ; UFRJ, 1995, e M ônica Pim enta Velloso. A brasilidade verde-am arela: nacionalism o e regi­onalism o paulista, Estudos Históricos, R io de Janeiro. Vol. 6, n. 11, pp. 89- 112, 1993.

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pologia n o Brasil6, exercendo influência no G T m esm o que a au tora não fizesse parte fo rm alm en te do grupo. Essa pode ser um a hipótese para fu tura análise sociológica da vida intelectual d o G ru p o de T rabalho Pensam ento Social no Brasil.

M as essa é um a reflexão posterior. N o G T p o u co se d iscu­tiu dessas querelas, e os trabalhos procuraram analisar, in te rp re ­ta r e re in terp re tar autores, obras, questões. E preciso lem brar que os tem as e autores tiveram tratam ento m ultifacctado dependendo da form ação e da habilidade pessoal dos pesquisadores em fazer funcionar o instrum ental de análise à disposição. A capacidade de os textos apresen tados contribu írem para o avanço do conhe­cim ento do que já se disse sob re o Brasil pode ser auferida pelo núm ero de publicações relacionadas aos trabalhos apresentados, co m o se verá ao final deste texto.

Vam os explorar, com o exem plo privilegiado das questões subjacentes aos textos apresentados ao longo das reuniões do G T, o capítulo do livro de Luiz R odolfo V ilhena (1997: 44-74) denom inado “A m arginalização dos estudos de folclore no Bra­sil” . Seu trabalho tem com o ob jeto analisar o m ovim en to do folclore que reuniu figuras intelectuais as mais variadas e foi “ p erdedor” no p rocesso de luta pela constituição do cam po in te­lectual das disciplinas.

A trajetória dos estudos de folclore no Brasil (principalm en­te no período em que esta área foi prestigiada passando depois a ser periférica), apresen tada pelo autor, auxilia-nos a com preender o cam po intelectual da época. D escrevendo o m ovim ento folcló­rico - sucesso na criação de agências estatais dedicadas à preser­vação da cultura popu lar e fracasso na criação de espaço univer­sitário dedicado ao estudo do tem a - Luiz R odolfo m ostra-nos,

6. P odem os citar sua tese de dou to rado , defend ida em 1982, e finalm ente publicada sob o título A s ilusões da Uberdade, Bragança Paulista, E D E S F , 1998, e seu tex to “Traficantes do sim bólico” , in trodução à História da A n ­tropologia no Brasil ( 1930-1960).

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com o no com bate intelectual da época o folclorista passou a ser o paradigm a do intelectual não acadêm ico, do colecionador des­contro lado. T om ando diferen tes fontes docum entais (obras, co r­re s p o n d ê n c ia , d e p o im e n to s ) o a u to r m o s tra -n o s c o m o os folcloristas perderam a guerra para seus colegas das disciplinas das ciências sociais, principalm ente os an tropó logos, em bora te­nham ganho inúm eras batalhas.

Im p o rta destacar que esta trajetória não se deu da m esm a m aneira em ou tro s con tex tos nacionais e que estudos de folclore obtiveram em alguns países a respeitabilidade acadêm ica não o b ­tida aqui. A descrição da luta política, institucional e sim bólica que m arcou a com petição com as ciências sociais p ro duziu a exclusão desse ram o de estudo no universo acadêm ico nacional.

A form ação antropológ ica de Luiz R odolfo V ilhena o faz navegar p o r questões que m arcaram e m arcam a disciplina. O cam po intelectual no qual ele se m ove pode ser apreciado se levarm os em con ta a bibliografia in ternacional citada: G eorge S tock ing ; Jam es C liffo rd , C liffo rd d G e r tz , M arshall Sahlins, N o rb e r t Elias, Lionel Trilling. Vale n o ta r que os au tores mais citados nas publicações originárias dos trabalhos apresentados no G T incluem os au tores acim a m encionados e tam bém R obert D a rn to n , N atalie Z em on Davis, C arlo G inzburg , R oger C hartier, W olf Lepenies, E dw ard Said, Pascal O ry, Jean-François Sirinelli, T erry Clark, Fritz Ringer, P ierre B ourdieu en tre outros.

A revisão da e na antropologia teve lugar desde o início do grupo . Um a dos fundadoras do G T, M ariza Peirano, ali ap resen­to u um trabalho sob re a A ntropologia esquecida de F lorestan Fernandes e sua tese de dou to ram en to foi sobre a fo rm ação do ca m p o a n tro p o ló g ic o n o B ras il (T h ; A n th ro p o lo g y o f A nthropology: T h e Brazilian Case, H arvard University, 1981). M ariza Peirano enfatiza a existência de um a antropologia made in Brazil na qual o “ o u tro ” foi aculturado. Is to tornava as fronteiras en tre a antropologia e a sociologia difíceis de serem observadas.

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A antropologia no Brasil distinguia-se da norte-am ericana e da européia onde, desde suas origens, a pesquisa se voltou para um “o u tro ” situado em espaço e tem po distin tos7. A revisão na an ­tropologia ainda que p o r cam inhos d istin tos aconteceu aqui e em nível internacional. Sua conexão com a história tem sido m enos questionada, ou m elhor, a história da an tropolog ia tem feito par­te in tegran te da agenda de pesquisa da disciplina. N a sociologia, ainda que se tenha trabalhos de análise in te rna da disciplina, assim com o textos de sociologia histó rica, este espaço é bem m enor. A sociologia, d iferen tem ente, foi m arcada pelas questões de sua própria sociedade, dita m oderna. N o m áxim o a disciplina tem investigado a sociedade im ediatam ente an terio r àquela na qual tiveram origem seus pressupostos. Se tom arm os com o exem ­plo um a das m atrizes d o pensam ento das ciências sociais — a tradição durkeim niana — verem os os diferentes cam inhos dela derivados. O s sociólogos lêem Regras do método sociológico, Divisão do trabalho, talvez O suicídio. O s an tropó logos ficaram com as Formas elementares da vida religiosa. Cada um a dessas obras foi recu­perada p o r au to res diversos c deu origem a descendências diver­sas ainda que, vez p o r outra, haja au tores que co rtam diferentes disciplinas e tangenciam cam pos intelectuais diversos exercendo um papel eurístico fundam ental que se espraia pelo cam po das ciências hum anas.

A incidência de trabalhos que abordam G ilberto Freyre é notável, com eçando pelo texto do tam bém fundador do G T, Luiz A nton io de C astro Santos. Freyre, consagrado desde a época de lançam ento de seu prim eiro livro, Casa grande & senzala (1932), tem estado no cen tro das atenções da crítica acadêm ica e literária o ra com o gênio criador, ora com o vilão da construção da identi­dade nacional resultante da “dem ocracia racial” à brasileira.

7. A gradeço a leitura a ten ta de M arcos C h o r M aio que ap o n to u este aspecto na in terp retação de M am a Peirano.

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A pesquisa de tese de doutorado de Ricardo Benzaquen de Araújo foi sendo apresentada no grupo e deu origem a seu livro sobre Casa grande & senzala (1994). O trabalho procura enfrentar críticas antigas e recentes, principalmente aquela que, m esm o reco­nhecendo que G ilberto Freyre opera uma distinção entre raça e cultura, o aponta com o criador de “uma imagem quase idílica da nossa sociedade colonial, ocultando a exploração, os conflitos e a discriminação que a escravidão necessariam ente implica atrás de uma fantasiosa ‘democracia racial’, na qual senhores e escravos se confraternizam embalados por um clima de extrema intimidade e m uita cooperação” (p.3l). Ricardo B enzaquen vai qualificar o con­ceito de raça, a noção de m estiçagem, a questão da escravidão entre outras na obra do autor, buscando elucidar o significado da expressão “antagonism o em equilíbrio” que define o m odelo de in terpretação da vida social no BrasiJ apresentado p o r Freyre. P ro­cura cobrir a vasta literatura que já se deteve em Casa grande & senzala, entretanto , creio que sua m aior interlocução é com o texto de Luiz C osta Lima, “A versão solar do patriarcalismo: Casa grande & senzala” em Aguarrás do tempo (Rio de Janeiro, Rocco, 1989). Ricardo, em sua form ação de antropólogo c historiador, tem com o inspiração m aior os textos da crítica literária, ou m elhor, aqueles textos que trabalham a conexão entre as ciências sociais e as p ro ­postas m odernistas em suas sugestões de renovação estética. Sua tese, cujos argum entos estão ao longo de todo o livro, é que G il­berto Freyre e Casa grande <& senzala apresentam um a versão distin­ta da identidade nacional, fora da obsessão com o progresso e com a razão; um outro m odernism o distinto da m atriz nacionalista e m odernizadora que predom inou no pensam ento social no BrasiJ. Assim, ainda que analisando obra consagrada de autor consagrado, Ricardo Benzaquen de Araújo foge de um a perspectiva reducionista e simplificadora da crítica que ora acusa, ora defende G ilberto Freyre.

Podem os dizer que parte dos trabalhos apresen tados no G T se caracterizou p o r analisar au tores m enos consagrados ou obras

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esquecidas de autores consagrados. G uerre iro Ram os, um outsider do panteão oficial das ciências sociais, m ereceu espaço no grupo. Tam bém O racy N ogueira, ainda que não fosse um outsider, era pouco valorizado e foi recuperado. M esm o R oger Bastide, que teve reconhecim ento de seus pares, não freqüenta hoje em dia as bibliografias dos cursos de sociologia. A análise dos m arginaliza­dos e a com preensão dos debates e do s processos pelos quais foram colocados à m argem inform a m uito sob re os padrões d o ­m inantes e as regras im plícitas que regem as consagrações e transfo rm am au to res em clássicos. As circunstâncias sociais que m arcam a e laboração de obras e as relações de p o d er que guiam sua circulação se con trapõ em à crença do intelectual, assim com o do artista, que tende a considerar seu sucesso com o resultado da qualidade in trínseca de sua ob ra e /o u de sua pessoa.

O s tex tos que se dedicaram a autores, obras e g ru pos in te­lectuais consagrados procuraram igualm ente realizar um trabalho de análise da vida intelectual, de desvendam ento da lógica sim ­bólica e social. Podem os citar os diversos textos abo rdando Ser­gio Buarque, au to r consagrado e p o u co conhecido, en tre eles o artigo de Angela C astro G om es, “D ialética da tradição ”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.5, 11.12, 1990, que faz um a aproxi­m ação nada o rtodoxa entre Sergio B uarque e O liveira V ianna.

Pesquisadores que participaram do G T produziram e con ti­nuam a p ro d u z ir textos de análise do pensam ento social com o o livro Leituras brasileiras, itinerários no pensamento social e na literatura, de M ariza Yeloso e Angélica M adeira (São Paulo, Paz e Terra, 1999). E ste pode ser tom ado com o um exem plo do trabalho de leitura crítica da tradição ao apresen tar para um público am plo o m odo de constitu ição das narrativas e im agens que têm servido para rep resen tar o Brasil e os brasileiros. C onsiderando que o Brasil foi constitu ído pelo “o lhar estrangeiro” , as autoras vão apresen tar as “narrativas fundadoras” e as transfo rm ações que sofreram ao longo do tem po. C om eçam o “ roteiro de estudos”

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166 L Ú C I A L l P P I O l . l V K I R A

na segunda m etade do século X IX , abordam a transição para o século XX, passam pelas décadas do M odernism o, anos 20, 30 e 40 e analisam as questões de engajam ento e contracu ltu ra que se fazem presentes nos anos 50, 60 e 70. A o p rocurarem constitu ir um “m apa” da cultura brasileira abordam tendências atuais quando os processos de troca se generalizam e se intensificam no espaço da cultura de m assa. A pontam o enfraquecim ento das identida­des nacionais, o surgim ento de novas estratégias de pertencim cn to com a h ibridaçao e reciclagem de m odelos culturais.

O G rupo de T rabalho tem sido espaço relevante de ap re­sen tação e debate de textos de pesquisa, m uitos deles em anda­m ento , perm itindo um intercâm bio poucas vezes observado no espaço da universidade ou m esm o em institu ições de pesquisa. As diferentes linhagens disciplinares, longe de dificultar essa tro ­ca, têm perm itido a circulação de autores, tem as e perspectivas de análise. Para além ou aquém de d iscussões epistem ológicas e / ou teóricas sob re a validade intrínseca dos conceitos, procedeu- se a análises de autores, obras e tem as que perm item avançar o conhecim en to sobre as in terpretações do Brasil. E stivem os m e­nos preocupados com a questão da validade intrínseca das for­m ulações e m ais com a capacidade das representações p ro duzi­das pelos intelectuais narrarem a vida social no Brasil.

O G T p ro cu rou abandonar - e creio que conseguiu - um a visão substancialista na análise do pensam en to social sob re o Brasil. Sua questão não foi “o que som os” mas “o que já foi dito que som os” . T ratou de identidade nacional e de m odern ism o porque foram estas as principais questões abordadas pelos in te ­lectuais que se ocuparam em pensar, refletir e p ro p o r soluções para a sociedade brasileira. M esm o os intelectuais que tentaram escap ar dessa agenda, su b stitu in d o -a pelo esfo rço teó rico e m etodo lógico de institucionalizar as ciências sociais, re to rnaram ao grande tem a já que os processos sociais e políticos interferem na form a pela qual a institucionalização se processa.

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O s intelectuais brasileiros, p rodutores das interpretações que foram objeto de análise, estiveram prisioneiros das questões de identidade - quem som os nós - e procuraram constru ir retratos de si próprios e do país que respondessem a essas questões. Igual­m ente se detiveram na produção de projetos com prom etidos com o dever ser e que garantiriam o penencim ento à m odernidade.

Assim , a “ jaula de fe rro” , cujos parâm etros são m odern is­m o e identidade nacional, delim ita a p rodução dos au tores nacio­nais e o escopo possível das in terpretações. O utras in te rp re ta ­ções e tendências com eçam a aparecer no m undo intelectual b ra­sileiro e a fazer sua en trada na agenda d o G ru p o de Trabalho.

A o longo dos anos 1983-1995 inúm eros trabalhos ap resen­tados no G T foram divulgados em livros e revistas acadêm icas. A circulação desse conhecim ento pode ser avaliada pela listagem apresentada ao final.

A UTO RES E TÍTULO DOS TRA BA LH O S A PRESENTAD O S

NO GT POR ANO

1 9 8 3E d u ard o Ja rd im d e M oraes: “A an trop o log ia dos m o d ern is ta s”Luiz A n tô n io de C astro Santos: “ G ilb erto “Freyre: um a visão do passa­

d o senho ria l”Luís H enrique D ias Tavares: “O p ensam en to de C ip riano B arata” M ariza Peirano: “A an tropo log ia esquecida de F lo res tan F ern an d es” F e rn a n d o C orre ia Dias: “ U m m o m en to de Ilustração e a universidade

de M inas”Lúcia Lippi O liveira: “A sociologia co m o sab er de salvação: um estudo

sobre G u erre iro R am os”L úcio C astelo B ranco: “ O teo rem a de E uclides e o p rocesso de co n s ­

trução do h om em e do espaço po lítico brasile iro ; co n trib u ição ao e s tu do d o s lim ites do liberalism o em um a fo rm ação despó tica”

**Angela de C astro G om es: “A invenção d o traba lh ism o”

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168 L Ú C I A L l P P I O l . l V I . i l RA

1 9 8 4*Luís H enrique D ias T avares: “ U m a p ro p o sta de regim e rep resen ta ti-

vo-federa tivo para o Brasil: a C on federação d o E q u a d o r”Luiz A n tô n io d e C astro Santos: “ O m ov im en to sanitarista e o p e n sa ­

m en to social na P rim eira R epública”Lúcia L ippi O liveira: “ C artilhas d e civ ism o”* F ern an do C orre ia D ias: “ P en sam en to político e fo rm as de Ilustração

em M inas G era is”M ariza P eirano: “ O an tro p ó lo g o co m o cidadão: Louis D u m o n t e o

caso brasile iro”M aria T ereza Sadek: “ P ro je to s políticos co nse rv ad o res no Brasil re p u ­

blicano: um a p ro p o sta com baixo grau de eficácia na p rá tica p o lí­tica”

A ngela d e C astro G o m es: “A hora e a vez d os traba lhado res: R epúb lica e socialism o na virada do século X IX ”

**Jorge Z averucha: “A questão do in tegra lism o d ian te da herança fas­cis ta”

**Lúcio C astelo B ranco : “A lógica do p en sam en to e da ação social da classe d o m in an te no B rasil”

**M arcos Veneu: “As am bigüidade da utopia: A rtu r A zevedo e as m u­tações d o p ro g resso ”

1 9 8 5M arcos Veneu: “A s n o ç õ es de tem po e de H is tó ria n o co n flito de

C an ud os”Luiz A n tô n io de C astro Santos: “ C iência Social e políticas sociais no

Brasil: um a reflexão prelim inar”Sônia L arangeira : “ In telectuais e o pov o no Brasil: an ti-po pu lism o ou

an ti-p o p u la r”Leila H ernandez: “A questão do CPC: O C PC p o s to em questão” jo rg e Z averu cha: “ M o v im en to o pe rá rio p e rn a m b u c an o na P rim eira

R ep úb lica” ngela de C astro G o m es: “As idéias an arquistas em versão cario ca” **R icardo B enzaquen de A raújo: “ N o tas sob re a im agem do p o d er no

m ito Vargas”**G láucia Villas Boas: “N o ta s sob re o p en sam en to de G ilb erto F reyre”

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I N T K R P R l i T A Ç Ò K S S O B R K O B R A S H . 169

A n g ela d e C a s tro G o m e s : “ O s an o s 2 0 : co m p e tiç ã o c d eb ate n o m o v i­

m e n to sin d ical ca r io c a ”

Jo s é A ugu sto P ádua: “N atu reza e p ro je to n acio n a l: as o rig en s da e c o lo ­

gia p o lític a n o B ra s il”

M a rco s V en cu : “O flân eu r e a v ertig em : m e tró p o le e ind iv id u alism o na

ob ra de J o ã o d o R io ”

*R ic a rd o B e n z a q u e n de A raú jo : “ M o d e rn ism o e m od ern id ad e em G il­

b e rto F re y re ”

H e len a B o m e n y : “ C id ad e, R ep ú b lica , m in eiridad e”

L eila I Ie rn a n d ez : ’’O n a c io n a lism o e o I S E B : n o ta s para d eb a te”

M aria L ú c ia M a c ie l: “T e n d ê n c ia s d as C iên cia s S o c a is n o B ra s il : do

au to ritar ism o à re d em o cra tiz a çã o ”

L ú cia L ippi O liv eira : “ D o n a ld P ie rso n e a so c io lo g ia n o B ra s il”

1986

1 9 8 7

* * G e o r g e A velino F ilh o : “S é rg io B u arq u e de H o land a e R etires do Brn- s i f

* * L u iz A n tô n io de C a stro S a n to s : “ Sérg io B u arq u e de H o lan d a e V isões do paraíso'''

Paul F re s to n : “A carre ira de G ilb e r to F rey re”

C é sa r Paiva: “G ilb e r to F rey re e a R ev o lu ção bu rguesa: n o ta s para um a

p esq u isa ”

*M ariza P eiran o : “ O plu ralism o d e A n to n io C ân d id o”

F e rn a n d o P ap aterra L im o n g i: “ C aio P ra d o e a R evista B ra s ilie n se ”

L e ila H e rn a n d e z : “ S o b r e H é lio Ja g u a rib e ”

B ila S o r j: “A s C iên cia s S o c ia is n o R io de Ja n e iro no s an o s sessen ta : o

In s titu to d e C iên cias S o cia is da U niv ersid ad e d o B ra s il”

G láu cia V illas B o a s : “V isõ e s do P assad o : co m e n tá r io so b re as C iên cias

So cia is n o B ra s il de 1 9 4 5 a 1 9 6 4 ”

S ô n ia L aran g eira : “ E s tu d o s so b re a id eo lo g ia n o B rasil ( a n o s 7 0 ): um a

a p re c ia ç ã o ”

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170 L ú c i a L i p p i O i . i v k i r a

1988U m b e r to G u a tim o z im A lv im : “ C o n c e p ç ã o de H is tó r ia em O liv e ira

V ia n n a ”

B e re n ic e C av alcan ti: “ D isc u rs o h is to rio g rá fico de C aio P ra d o J ú n io r ”

G e o r g e A velino: “ C o rd ia lid ad e e civilidade em R aives do B ra s il’A n a M aria F ern a n d es: “A s c iên c ia s h u m anas na So cied a d e B ra sile ira

para o P ro g re sso da C iên cia (S B P C )”

M aria A rm in d a do N a sc im e n to A rru d a : “A c o n stitu içã o das C iên cias

So cia is em M in a s G e ra is ”

E n z o D . L ied k e F ilh o : “S o c io lo g ia e so cied ad e: B rasil e A rg en tin a (1 9 5 4 -

1 9 8 4 )”

1989* C u stó d io Se lm a Sen a: “ S a b e r e sab eres nas C iên cias So cia is : S é rg io

B u arq u e e M ário de A nd rad e”

* M argarida M o u ra : “F ra n z B o a z e as in te rp re ta ç õ e s d o B ra s il”

M aria L aura V. de C a stro C avalcanti e L u ís R o d o lfo V ilh en a : “T ra ç a n ­

d o fro n te ira s : o fo lc lo re na d écada de 1 9 5 0 ”

H e len a B o m e n y : “ G u a rd iã es da razão : o d iá lo g o en tre C arlo s D r u m ­

m on d d e A n d rad e e M á rio d e A n d rad e”

Silvan a B . R u b in o : “ C lu b e de p esqu isad o res: a S o cied a d e de E tn o g ra fia

e F o lc lo re e a S o cied a d e de S o c io lo g ia ”

G láucia V illas B o a s : “ O sen tid o das m u d an ças e as co n tro v érsia s da

S o c io lo g ia d os an o s 5 0 ”

H e lo ísa P o n te s e F ern an d a P e ix o to M assi: “ B rasil c o m z: análise da

p ro d u çã o estran g eira so b re o B rasil, editada aqui, s o b a fo rm a de

livro, en tre 1 9 5 0 -1 9 8 8 ”

R ica rd o B en z a q u en d e A raú jo : “ O jard im d as d elícias: um a leitu ra de

Casa grande & senzala”.V â n ia M aria R am o s de A zev ed o : “ E s p a ç o e m o v im e n to : n u clean d o

v isõ es d o B rasil: F rey re , R ica rd o e M o o g ”

**L u is A n tô n io de C a s tro S a n to s : “A h, yes, fro m B raz il? Id en tid ad e,

vaidade e o rg u lh o ( ferid o ) em G ilb e r to F rey re”

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I N T K R P R K T A Ç Ò K S S O B R I i O B R A S I L 171

1991F ern an d a P e ix o to M assi: “L é v i-S tra u ss e o B ra sil”M aria A rm in d a d o N a scim e n to A rru d a : “A c o n stru ç ã o da S o c io lo g ia

acad êm ica n o B rasil: F lo re s ta n F ern a n d es e a E s c o la P a u lis ta ”

L u ís R o d o lfo V ilh e n a : “ O s estu d o s d e F o lc lo re : o s im p asses na c o n s t i ­

tu ição d c um a ciên cia b rasile ira”

R ica rd o B e n z a q u e n de A ra ú jo : “O e lo g io da lo u cu ra : am big ü id ad e e

ex ce sso em C asa-grande c senzala d e G ilb e r to F re y re ”

Is id o ro M aria S. A lves : “ M o d elo p o lité c n ic o e p ro d u ção de sab eres na

fo rm a çã o d o ca m p o c ie n tíf ic o n o B ra s il”

N ara B ritto e N ísia T rin d ad e L im a : “ Saú de e nação : a p ro p o s ta do

sa n e a m e n to ru ra l”

M a rco s C h o r M aio : “N e m R o tsch ild n em T ro ts k y : o p e n sa m e n to anti-

sem ita d e G u sta v o B a r r o s o ”

Regina A b reu : “ O cu lto da saudade: m u seu , h is tó ria e nacio nalid ad e

em G u sta v o B a r r o s o ”

A n tô n io C a rlo s R o b e r t d c M o ra e s : “ N o ta s so b re iden tid ade n acio n a l e

a in stitu c io n a liz a çã o da g e o g rafia n o B ra s il”

1992M arly Silva da M o tta : “A n a çã o faz cem an o s: o ce n te n á rio d a in d e p e n ­

d ência n o R io d e Ja n e ir o ”

F ed e rid o G . N e ib u rg : “A p u n tes para una h is to ria social d e la S o c io lo g ia

cien tifica cn la A rg en tin a ”

L u is D o n is e te B e n z i G o n g io n i: “ C o le ç õ e s e tn o g rá fica s so b su sp eita :

n o ta s so b re as ex p e d içõ es d o casal L é v i-S tra u ss ao B rasil c e n tra l”

Regina A b re u : “ E m b le m a s da n acio n a lid ad e: o c u lto a E u c lid e s da

C u n h a ”

M aria A rm in d a d o N a s c im e n to A rru d a: “ S o c io lo g ia d o d iscu rso acad ê­

m ic o ”

M aria C ecília Sp in a F o r ja z : “ R e la tó r io de p esqu isa : h istó ria da C iên cia

P o lítica no B ra s il”

Silvana R u b in o : “O p a trim ô n io h is tó r ic o e a rtís tico d o S P H A N ”

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172 L Ú C I A L l P P I 0 1,1 V H IR A

1994C e le ste C o rd e iro : “ P o d er da razão ou razão do p od er? ‘O a lien ista ’ de

M ach ad o de A ss is”

H e lo isa Starlin g : “A in v en ção da p o lítica em G rande sertão: veredas”C h ris tin e de A le n c a r C h a v e s : “ P o lít ic a e so c ie d a d e em R a íz es do

B ra s il”

A n g ela M . A lo n so : “ E m to rn o da p o lêm ica N a b u c o -A le n c a r”

N ísia T rin d a d e L im a : “O p assad o no s co n d en a ? Im ag em da fo rm a ç ã o

h is tó rica d o país n o p e n sa m e n to social b ra sile iro ”

E d u a rd o Ja rd im de M o raes : “A esté tica de M á rio de A n d rad e e o re tra ­

to d o B ra s il”

L u cia L ip p i O liveira : “B ra s il e E s ta d o s U n id o s : um a análise co m p a ra ti­

v a?”

M arly Silva da M o tta : “ C id ad e-cap ita ! e n a ç ã o ”

M yriam Sep úlved a d o s S a n to s : “M em ó ria e cidad ania n o R io de Ja n e i­

r o ”

F ern an d a P e ix o to : “ O B rasil m e stiç o de R o g e r B a stid e : a a rte , a litera ­

tura, a re lig ião ”

L u iz R o d o lfo V ilh en a : “ O s estu d o s d e fo lc lo re n o B ra s il ( 1 9 4 5 -1 9 6 4 ) :

en tre a m issão e a in s titu c io n a liz a çã o ”

Regina A b reu e J o s é R eg in a ld o G o n ç a lv e s : “ O s m useu s e a crise da

rep resen ta çã o n a c io n a l”

M ariza V e lo so M o tta S a n to s : “A p rodu tiv id ade p o lítica da re p re se n ta ­

ção e sté tica ”

H e lo ísa P o n te s : “ B io g ra fia e tra je tó ria : o s c r ític o s de arte n o s an o s 3 0 ,

4 0 e 5 0 ”

S e rg io M ice li, M aria A rm in d a do N a sc im e n to A rru d a , H e lo ísa P o n te s ,

S ilvana R u b in o : “R e tra to s n e g o cia d o s: resu ltad o da p esqu isa so b re

a rtistas, le trad o s e p o lític o s nas d écadas de 2 0 , 3 0 e 4 0 ”

1995P e d ro R . B . de M o ra e s : “ M o n te iro L o b a to e o ca m p o ed itorial b ra sile i­

r o ”

R ica rd o B e n zaq u en de A ra ú jo : “ S u n set B o u le v a rd : au to ria , g enealidad e

e m ela n co lia em G ilb e r to F rey re”

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I N T K R P R H T A Ç Ô R S S O B R H O B R A S I I . 173

M aria L au ra V iv e iro s de C astro C avalcan ti: “ O ra c y N o g u eira e a a n tro ­

p o lo g ia n o B rasil: e s b o ç o d e um a b io g ra fia in te lectu a l”

A na L aura F a y et Sallas: “V is õ e s d o B ra s il : C arl F re d e rich v o n M artiu s

e S ilv io R o m e ro ”

A ngela de C a s tro G o m e s : “ O s h is to riad o res de A utoren e IJv ro s”

G laucia V illas B o a s : “T ro c a n d o idéias: n o tas so b re a re c e p çã o da s o ­

c io lo g ia a lem ã n o B ra s il”

C h ristin a de R ezen d e R u bim : “A an tro p o lo g ia na era da p ó s-g ra d u a ­

ç ã o ”

L u ís R o d o lfo V ilh en a : “E n tr e o reg ion al e o n acional: fo lc lo ris ta s na

d écada de 5 0 ”

M ô n ica P im en ta V e llo so : “ O m o d e rn ism o ca rio ca na sua v erten te hu ­

m o rís tica ”

San tu za C . N a v e s R ib e iro : “ M o n u m en ta lid ad e e sim p licid ade na m ú si­

ca d o p e r ío d o m o d ern ista ”

F ern an d a P e ix o to : “O B rasil m e stiç o de R o g e r B a stid e : as m a n ife sta ­

ç õ e s a rtís tica s”

* * l I e lo is a P o n te s : “S o b r e o liv ro Retrato da A rte M oderna do B rasil de

L ourivaJ G o m es M a ch a d o ”

**S ilv a n a R u b in o : “ L in a B o B a rd i e o m o d ern ism o na B a h ia ”

* * M a r c u s C h o r M a io : “ O dram a de ser m u lato : raça , in te lectu a is e

n a çã o na so c io lo g ia de G u e rre iro R a m o s ”

O BS.(*) Papers registrados no Programa do E ncontro Anual mas que, segundo os

relatórios dos cooordenadores, não foram apresentados.(**) Papers não registrados nos Program as mas que foram apresentados.

Em 1989 o G T Pensam ento Social no Brasil fez reunião

intermediária junto com o G T Sociologia da Cultura Brasileira.

E m 1990 e 1993 o G T não se reuniu. E m 1993, o encontro da A N PO C S foi temático.

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1 PARTICIPANTES DO GT PENSAMENTO SOCIAL NO BRASIL - DE 1983 A 1995

N O M E A R E A D E FO RM A Ç A O IN S T IT U IÇ Ã O N D E PA PERS O B SE R V A Ç O E S N O G T

Angela de Castro Gom es C. Política/História C P D O C / U F F 5 Coord. e debatedoraAngela Maria Alonso Antropologia U SP / C E B R A P 1Ana Maria Fernandes Sociologia U N B 1Ana Luiza Fayet Sallas História U F P R 1A ntônio Carlos R. de Moraes C. Sociais/Geografia USP 1Berenice Cavalcanti História PUC /RJ 1Bila Sorj Sociologia U FR I 1Celeste Cordeiro Sociologia U FC e 1Cesar Paiva Sociologia U N IC A M P 1Christina de Rezende Rubim Antropologia U N IC A M P 1Christine de Alencar Chaves Antropologia U N B 1Eduardo Jardim de Moraes Filosofia PU C /RJ 2 D ebatedorE n n o D Liedke Filho Sociologia U FR S 1Federico G. Neiburg Antropologia PPG A S 1Fernanda Peixoto Antropologia ID E S P 4Fernando Correa Dias Sociologia U N B 2Fernando Limongi C. Política ID E S P 1G eorge Avelino C. Política C E B R A P 2Glaucia Vilas Boas Sociologia U F R J 4Helena Bousquet Bomeny Sociologia C P D O C / U E R J 2 Coord. e debatedoraH eloisa Pontes Antropologia U N IC A M P -ID E SP 4H eloisa Starling C. Política U F M G 1

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2 PARTICIPANTES DO GT PEN SA M EN TO SO C IA L NO BRA SIL - DE 1983 A 1995

N O M E A REA D E FO RM A Ç A O IN ST IT U IÇ Ã O N ° D E PA PERS N O G T

O B SE R V A Ç O E S

Isidoro M. S. Alves Antropologia M. Q./ CN Pq 1

Jorg e Zaverucha C. Política U F P E 2

José Augusto Pádua Sociologia U FR R J 1

Jo sé Murilo de Carvalho C. Política/História U FR J D ebatedor

José Reginaldo Gonçalves Antropologia U FR J 1 Coord. e debatedor

Leila Maria Hernandez Sociologia U SP 3

Lucia Lippi Oliveira Sociologia C PD O C 4 Coord. e debatedora

Lúcio Castelo Branco Sociologia U N B 2

Luís Antônio Castro Santos Sociologia U E R J 0 Coordenador

Luís D onisete Benzi Gongioni Antropologia 1

Luís Henrique Dias Tavares História U F B A 1

Luís Rodolfo Vilhena Antropologia U ER J/P U C 3 V ice-coordenador

M arcos C hor Maio C. Política Casa Oswaldo Cruz 2

Marcos Veneu História FCRui Barbosa 3

Maria Alice Resende de Carvalho Sociologia Iuperj Debatedora

Maria Arminda Arruda Sociologia U SP 4

Maria Cecília Forjaz C. Política FG V -SP 1

Maria Lucia Maciel Sociologia U N B 1

Maria Laura V. de C. Cavalcanti Antropologia U FRJ 2

Maria Teresa Sadek C. Política U SP / ID E SP 1 Coordenadora

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3 PARTICIPANTES DO GT P EN SA M EN TO SO C IA L NO BRASIL - DE 1983 A 1995

N O M E A REA D E FO RM A Ç A O IN ST IT U IÇ Ã O N° D E PA PERS O B SE R V A Ç O E S N O G T

Marl)' Silva da M otta H istória C P D O C 2Mariza Correia Antropologia U N I CAM P D ebatedoräMariza Peirano A ntropologia U N B 2 Coordenadora e debatedoraMariza Veloso M otta Santos A ntropologia U N B 2Mônica Pimenta Velloso H istória C P D O C 1Myriam Sepulveda dos Santos Sociologia U E R J 1N ara Brito C. Política Casa Oswaldo Cruz 1Nísia Trindade de Lima Sociologia Casa Oswaldo Cruz 2Paul Freston ID E S P 1Pedro R. B. Moraes A ntropologia U FPR 1Regina Abreu Antropologia I. Folclore/FU N A RTE 3Ricardo Benzaquem de Araujo Antropologia/história Iu perj/PU C -R j 4 Coordenador e debatedorRuben Oliven Antropologia U FRS 1Sérgio Miceli Sociologia U SP / ID E SP 1Silvana B. Rubino Antropologia U N IC A M P /ID E SP 4Santuza Naves Ribeiro Sociologia PUC-RT 1Sônia Laranjeira Sociologia U FRS 2U m berto G. Alvim Sociologia IU P E R J 1Vania M aria Ram os de Azevedo Geografia U F R j 1

176 LÚCIA

LlPPl O

l.lVKIRA

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INT KRPRKTAÇÔKS S O B R E O BR ASIL 1 7 7

Publicações dos pesquisadores cujos temas foram apresentados noGT Pensamento social no Brasil nos Encontros da ANPOCS de 1983 a 1995.

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i N T I i R P R K T A Ç Õ K S SO U RH O B R A S I I . 181

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R U BIM , Christina de Rezende. 1996. Antropólogos brasileiros e a antropologia no Brasil a era da pós-graduação. São Paulo: UNICAMP. Tese de doutorado.

V IL L A S BO AS, Glaucia. 1992. A vocação das ciências sociais (1945(1964)-, um

estudo da sua produção em livro. São Paulo: FFLC H -1JSP. Tese de dou­

toramento.

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E s t u d o s d e G ê n e r o n o B r a s i l

Maria Lui%a Heilborn Bi/a Sorj

N este trabalho não pretendemos realizar um balanço deta­lhado e exaustivo da produção acadêmica na área dc relações de gênero.1 Tal objetivo tem sido regularmente atendido por inúme­ros balanços parciais em diferentes áreas temáticas.2 Nossa inten-

1. Este trabalho contou com a participação dc Mocma Vergara na qualidade dc assistente de pesquisa.

2. Esses balanços podem ser encontrados especialmente no Boletim Informati­vo Bibliográfico, ver, entre outros, PEN A , Maria Valéria J ., “Mulher na força dc trabalho” , B IB , n. 9, 1980; FU K U I, Lia, “Estudos e pesquisas sobre a família no Brasil”, B IB , n. 10, 1980; A G U IA R, Neuma, “Ensaio bibliográfi­co: mulheres na força dc trabalho na América Latina”, B IB , n. 16, 1983; C O llR E A , Mariza, “Mulher c política. Um debate sobre a literatura recen­te” , B IB , n. 18, 1984. O s artigos de L O B O , Elisabeth, S., “ O trabalho com o linguagem: o gênero no trabalho” ; C A STR O , Mary G. e LAVINAS, Lena, “D o feminino ao gênero: a construção de um objeto” ; H E IL BO R N , Maria Luiza “Fazendo gênero? A antropologia da mulher no Brasil”; P IN TO , Céli Regina Jardim “Movimentos Sociais: espaços privilegiados da mulher en­quanto sujeito político”, cm C O STA , Albertina O. e BR U SC H IN I, Cristina (orgs.), Uma questão de gênero São Paulo, Rosa dos Tempos/Fundação Carlos Chagas, 1992. C O STA , Albertina; B A R R O SO , Carmen e SA R T I, Cynthia,

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1 8 4 M a r i a i .u j x a h k j j .b o r n h B j j .a S o j í j

ção é sobretudo refletir sobre três aspectos do desenvolvimento

destes estudos no país: 1) os caminhos da institucionalização dos estudos de gênero no país; 2) as contribuições que o desenvolvi­m ento do conceito de gênero nas ciências sociais vem oferecen­do para a com preensão da organização da vida social; 3) através da seleção de algumas áreas temáticas (trabalho, violência, sexua­lidade e família) procurarem os avaliar as inovações cognitivas que a utilização deste conceito promove.

A In s t i t u c i o n a l i z a ç ã o d o s E s t u d o s d e G ê n e r o

Contrariando reputadas análises da história da sociologia, como a construção de um discurso à parte, cumulativo e puramente aca­dêmico (Bottom ore e Nisbet, 1979)3, a consolidação dos estudos de gênero nas ciências sociais indica que o discurso sociológico é permeado e reformulado por novas reflexões e entendimentos que se originam fora de seus limites organizacionais.

Se o caráter “ parasitário” da sociologia4 parece ser constitu­tivo da sua própria prática, a maneira pela qual as ciências sociais irão incorporar e elaborar discursos originados fora dela depen-

“ Pesquisa sobre mulher no Brasil: do limbo ao gueto?” , São Paulo, Cadernos da Fundação Carlos Chagas, n. 54, ago./1985. O s artigos de: C O STA , Ana Alice A. e SA R D E N B E R G , Cecília Maria B. “Teoria e práxis feministas na acade­mia: os núcleos de estudos sobre a mulher nas universidades brasileiras”; S A F F IO T I, Heleieth I. B. “Violência de gênero no Brasil atual” ; G R O SSJ, Miriam Pillar “Novas/velhas violências contra a mulher no Brasil” - todos se encontram na Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, C IEC /EC O /U FR J, número especial, 2. semestre, 1994; ROZP2M BERG, Fulvia, “Estudos sobre mulher e relações de gênero", cm M IC E L I, Sérgio (org.) A fundação ford no Brasil.\ São Paulo, Sumaré/FAPESP, 1993.

3. B O T T O M O R E , T . B. and N IS B E T , R. A. (eds.), A bistory o f sociological analysis. London, Heincm enn, 1979.

4. Para uma visão da sociologia nestes term os ver U RRY, Jo h n , Consuming places. London and New York, Routledge, 1995.

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[ iS T U D O S DH G HN HRO NO BRASH. 185

derá simultaneamente da organização interna da comunidade de cientistas sociais, mais ou menos permeável a inovações, e da capacidade desses discursos ganharem reconhecim ento no meio acadêmico.

Para que as peculiaridades da institucionalização dos estu­dos feministas no Brasil se tornem mais claras vale a pena determo- nos um pouco no caso norte-americano. Nos Estados Unidos, a origem dos estudos feministas, juntam ente com a dos estudos raciais, encontra-se nos m ovimentos de protesto ocorridos nas

universidades americanas ao longo da década de sessenta. E ste m ovim en to insp ira o qu estion am en to da visão e prática despolitizada do establishment profissional e acadêm ico das ciên­cias sociais. As feministas estarão à frente da crítica à organiza­ção científica c profissional dominante, suas divisões disciplina­res, seus critérios de autoridade científica, hierarquia e deferência acadêmicas e dos fundamentos científicos sobre os quais repou­savam as correntes dominantes da sociologia. D enom inando-se feminist ou women 's studies, é principalmente na docência, através da criação de novos cursos universitários, que as acadêmicas fe ­ministas pretendem impulsionar a reflexão sobre a experiência das mulheres e as aspirações feministas.5

N o Brasil, as relações entre o movim ento feminista e a aca­demia ocorrem em cenário distinto. E m primeiro lugar, o movi­mento feminista brasileiro nunca teve a inspiração radical presen­te na contraparte norte-americana ou européia.6 O s problemas sociais em sociedade altamente desigual impuseram ao feminis­

5. Para uma história dos “W om en's Studies” nos Estados Unidos ver, B O X E R , Marilyn, J.. “Por and about women: the theory and practice o f w om en's studies in the united state” , em K E O H A N E , N. O .; R O SA L D O , M. Z e G E L P I, B ., Feminist theory. A critique o f ideology, T h e University o f Chicago Press, 1982.

6. G O L D B E R G , Anette, “Fem inismo no Brasil contem porâneo: o percurso intelectual de um ideário político” , B IB , n. 28, 1989.

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186 M a r i a L u i /.a H i ü i .b o r n k B i i .a S o r j

m o brasileiro uma orientação muito mais moderada no que diz respeito ao confronto entre os sexos e mais articulada ao discur­so dominante nas esquerdas. Em segundo lugar, o feminismo

contou desde a sua origem com expressivo grupo de acadêmicas, a tal ponto que algumas versões de sua história consideram que o feminismo apareceu primeiro na academia e, só mais tarde, teria se disseminado entre mulheres com outras inserções sociais.7 As aca­dêmicas, por sua maior exposição a idéias que circulam internacio­nalmente, estavam numa posição privilegiada para receber, elabo­rar e disseminar as novas questões que o feminismo colocara já no final da década de sessenta nos países capitalistas avançados. A s­sim, quando o movimento de mulheres no Brasil adquire visibili­dade, a partir de 1975, muitas das suas ativistas ou simpatizantes já estavam inseridas e trabalhavam nas universidades.

A diferença do que ocorreu nos Estados Unidos, as femi­nistas da academia não desenvolvem estratégias de enfrentam en- to com as organizações científicas e com os departamentos a que estão vinculadas e concentram os seus esforços, quase que exclu­sivamente, na área da pesquisa, social. Por certo, a o lon g o d o tem po foram criados núcleos de estudo em muitas universidades

7. O interesse acadêmico em pesquisar a situação das mulheres no país já se manifesta no início dos anos 70. Zahidé Machado N eto leciona, na Univer­sidade Federal da Bahia, disciplina sobre família e relações entre os sexos cm 1973; várias pesquisadoras brasileiras participam da Conferência sobre Perspectivas Fem ininas nas Ciências Sociais Latino-Am ericana realizada em Buenos Aires em 1974; acadêmicas brasileiras estarão presentes, tam­bém, na Welsley Conference on Women and Developm ent em junho de 1976; o Coletivo de Pesquisa sobre Mulher da Fundação Carlos Chagas organiza um seminário, “A Contribuição das Ciências Humanas para a Compreensão do Papel das A'lulhcres” , na reunião da SBPC em 1975 e publicado no m esm o ano com o um número especial do Cadernos do Pes­quisa. Algumas pesquisadoras já haviam publicado trabalhos tratando da questão das mulheres: Heleieth Saffioti, Carmen Barroso, Neuma Aguiar e Eva Blay entre outras.

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[ Í S T U D O S m ; G k n h r o n o B r a s i i . 18 7

e em centros de pesquisa do país, mas nenhum deles se transfor­mou em uma unidade própria de ensino.8 Assim , a diferença

fundamental entre a institucionalização dos estudos feministas nos Estados Unidos e no Brasil é que aqui as acadêmicas, ao invés de construírem espaços alternativos, procuraram integrar- se à dinâmica da comunidade científica nacional mediante a ob­tenção do reconhecim ento do valor científico de suas preocupa­ções intelectuais pelos profissionais das ciências sociais.

O s Estudos sobre Mulher, Estudos de G ênero ou de Rela­ções dc G ênero foram as fórmulas encontradas para instituciona­lizar a reflexão impulsionada pelo diálogo com o fem inism o na academia brasileira. A escolha dc uma ou outra dessas denom i­nações não é ingênua nem arbitrária, pelo contrário, remete às

controvérsias sobre a natureza e os limites dessa área de estudos. N a década de setenta, “estudos sobre mulher” foi a denominação mais comum utilizada para caracterizar essa nova área. Livros, artigos e seminários fazem constar de seus títulos o term o mu­lher e pretendem, principalmente, preencher lacunas do conheci­m ento sobre a situação das mulheres nas mais variadas esferas da vida e ressaltar/denunciar a posição de exploração/subordina­ção/opressão a que estavam submetidas na sociedade brasileira.

A partir da década de oitenta observa-se uma gradativa subs­tituição do term o mulher, uma categoria empírica/descritiva, pelo term o gênero, uma categoria analítica, com o identificador de uma determinada área de estudos no país. Em termos cognitivos essa mudança favoreceu a rejeição do determinismo biológico implí­cito no uso dos term os sexo ou diferença sexual e enfatizou os aspectos relacionais e culturais da construção social do feminino

8. G rupos dc trabalho sobre gênero estão presentes nos encontros da A N PO C S desde a sua origem; disciplinas tratando dc questões de gênero estão pre­sentes nos curricuta de vários programas de pós-graduação; revistas femi­nistas acadêmicas são produzidas em estrita vinculação com programas de pós-graduação no âm bito dos institutos universitários.

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e masculino. Os hom ens passaram a ser incluídos com o uma categoria empírica a ser investigada nesses estudos e uma abor­dagem que focaliza a estrutura social mais do que os indivíduos e seus papéis sociais foi favorecida.

Gênero, com o uma categoria de análise, também foi usado pelas acadêmicas feministas para criticar os pressupostos que inform am os principais paradigmas da teoria social. Em outras

palavras, não se trataria apenas de entender a relevância das rela­ções de gênero na organização da vida social mas com o o gênero afeta o próprio conhecim ento produzido pelas ciências sociais. As versões mais radicais dessa crítica, com o aquelas que postu­lam uma epistemologia feminista e desqualificam a teoria socio ­lógica com o androcêntrica, tiveram pouco impacto no Brasil. Tal­vez essa seja mais uma evidência da pouca disposição das acadê­micas feministas em assumir uma posição de confronto ou de

isolam ento na academia.Para além da relevância cognitiva, a adoção do conceito de

gênero em substituição aos termos m ulher e feminismo favore­ceu a aceitação acadêmica dessa área de pesquisa, na medida em que despolitizou uma problemática que, tendo se originado no m ovim ento feminista, mobilizava preconceitos.

N o Brasil, novamente contrastando com os Estados Unidos, esta passagem foi realizada sem grandes traumas. N o melhor dos casos, “gênero” foi adotado de uma maneira consensual; no pior

dos casos, optou-se por um compromisso simbolizado pela adoção de ambos termos, mulher e gênero, separados agora por uma barra.

O esforço em construir uma problemática sociológica dife­renciada do problema político trazido pelo feminismo caracteriza boa parte dos esforços de institucionalização desta temática.9 E n ­

9. Este esforço parece ter sido muito bem sucedido, haja vista a crítica que as pesquisadoras mais bem integradas, digamos assim, ao mainstream acadêmi­co brasileiro, sofreram em recente consultoria solicitada pela Fundação Ford a Navarro e Barrig (Consultants’ Report on the Status o f W omen’s

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tretanto, esta associação original ainda continua produzindo efei­tos sobre a organização do campo de estudos de várias maneiras. Primeiramente, a despeito de mudanças recentes, ainda é notório o

fraco interesse que o tema tem despertado entre profissionais ho­mens, fenôm eno observado internacionalmente. Por um lado, isto reflete o peso que a hierarquia de prestígio entre os sexos tem em ordenar objetos científicos e cientistas; por outro, a percepção de que existe uma forte associação entre a área de estudos de gênero e movimentos de mulheres dificulta a incorporação de pesquisado­res homens. Segundo, os temas favoritos dessa área continuam a ser aqueles mais próximos da experiência das mulheres com o fa­mília, sexualidade, trabalho, educação, o que acaba por reforçar a imagem que esse é um assunto sobre c para mulheres.

O apoio institucional e financeiro da Fundação Ford de­sempenhará papel relevante na legitimação desta área de estudos no Brasil. As acadêmicas feministas apresentam, na década de oitenta, o que se poderia chamar do tipo-ideal de novo cliente para o qual a Fundação Ford procurava orientar seus investimen­tos no Brasil. Além de disporem de um perfil que correspondia às novas prioridades de investimento da F ord 10 — isto é, articula­ção entre trabalho acadêmico especializado e preocupações de

intervenção social através de políticas públicas de correção de desigualdades sociais —, elas atendiam, tam bém, às prioridades temáticas desta agência.

Com efeito, a percepção do papel crucial que as mulheres desempenham na modernização das sociedades latino-america-

Studies in Bra7.il for thc Ford Foundation, 94) sobre os estudos de gênero no Brasil. As consultoras consideram que os estudos de gênero no Brasil teriam perdido o seu viés militante e seriam acríticos às regras de hierar­quia de uma academia, em suas percepções, seriam androcêntricas.

10. Para uma análise da atuação da Fundação Ford no país ver M IC ELI, Sérgio, “Aaposta numa comunidade científica no Brasil, 1962-1992”, em ______ (org.),História das ciências sociais nu Brasil, vol. i l, São Pauio, Editora Sumaré, 1995.

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nas, especialm ente no que diz respeito ao controle populacional, teve grande apelo a partir da década de setenta e passou a orien­tar as políticas de investim ento de muitas agências internacionais, entre elas, a Fundação Ford. O feminismo em geral, e aquele que com eçava a se manifestar na América Latina, foram percebidos com o fortes aliados na construção de um modelo de feminilida­de que relativizava a m aternidade co m o ideal exclusivo e

encom passador das mulheres.Já nos anos 70, o Brasil foi identificado pela Fundação Ford

com o o país onde o interesse pela pesquisa e a variedade de pes­quisadores voltados ao estudo das mulheres estavam mais desen­volvidos do que nos outros países da América Latina." A Funda­ção Carlos Chagas, C EBRA P, 1U PERJ e U SP abrigam muitos des­

ses pesquisadores, alguns tratando especificamente da temática, outros inserindo-a no contexto de pesquisas mais amplas.

Dentre as diferentes possibilidades de investimento na época, a Fundação Carlos Chagas parecia oferecer as melhores condições de aproveitamento dos recursos da Fundação Ford. Além da desta­cada reputação e boa infra-estrutura organizacional e de comuni­cação, era a instituição mais bem informada sobre as pesquisas que estavam sendo realizadas no país nessa área temática. Ade­mais, em consonância com as novas orientações da Fundação Ford — de substituir o apoio ao desenvolvimento institucional pelo fo­mento direto à pesquisa, à formação de redes e comunicação entre pesquisadores —, a Fundação Carlos Chagas, através do programa de dotação de bolsas para pesquisa, entrou para o seleto círculo dos maiores beneficiários das dotações desta agência.'2

11. G E R M A IN , A drienne, C onsultancy on brazilian w o m en 's ro le in development, T h e Ford Foundation, 1976. (mimeo.)

12. D e fato, a Fundação Carlos Chagas, com o seu programa “G ênero e Edu­cação” , é a segunda maior instituição donatária da Fundação Ford na área de ciências humanas no período de 1962 a 1992, ver G E R M A IN , Adrienne, op. cit., p. 393.

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Esse e outros apoios que se seguiram a vários programas e pesquisadores foram decisivos para legitimar projetos de pesqui­sa e resultados científicos, sobretudo, em um ambiente acadêmi­co muito sensível ao reconhecim ento adquirido mediante a o b ­tenção de financiamentos junto às agências de apoio externas.

Identificar o grau de institucionalização da área de estudos de gênero e seu im pacto sobre o conjunto das ciências sociais do país é uma tarefa difícil. A incorporação da categoria de gênero nas disciplinas que com põem as ciências sociais — antropologia, sociologia e ciência política — é bastante desigual. Num exercício de exemplificação, utilizando as instituições de pós-graduação no Rio de Janeiro13, observa-se no período considerado que o núme­ro de dissertações e leses é significativamente maior na área da antropologia e nulo na ciência política. Tal característica não nos deve surpreender. P or um lado, a antropologia historicamente debruçou-se sobre temas que o olhar instaurador do debate havia eleito: a visibilidade das mulheres e dos domínios sociais correlatos à sua presença mais evidente. Assim, família, papéis sexuais, divi­

são do trabalho e organização do cotidiano sempre integraram o elenco de preocupações da disciplina. Por outro lado, com o bem assinala Céli Pinto, a ciência política não teve a sua disposição uma entrada expressiva da mulher no mundo tradicionalmente

13. A escolha do R io de Janeiro justifica-sc pela impossibilidade de acessar por m eio eletrônico bancos de dissertações e teses nas demais instituições brasileiras que facultassem a leitura dos seus resumos, o que permitiria uma avaliação acurada da proposição dos trabalhos. A distribuição obser­vada é a seguinte: Mestrado em Antropologia do Museu Nacional, período de 1971 a 1996, total de dissertações defendidas: 53, número de disserta­ções versando sobre gênero: 12, percentual: 23% ; D outorado - período de 1983 a 1998, total de teses defendidas: 74, numero de trabalhos sobre gênero: 7, percentual: 9 ,4% . Programa dc Pós-Graduação em Sociologia do IU P E R j, período de 1993 a 1996, total de dissertações defendidas: 42; total de teses defendidas, doutorado: 31, número de dissertações e teses versando sobre gênero: 6, percentual de 8,2% .

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en ten d id o com o p o lítico com o tam b cm , em função do privilegiamento de certas searas da vida social, peculiar à trajetó­ria do despertar do interesse pelo gênero, o político foi freqüen­tem ente tomado com o alheio à condição feminina (Pinto, 1992: 128). Se por um lado isso aponta para um esforço auto-reflexivo, por outro sinaliza a preferência das pesquisadoras por temas cen­

trados na experiência mais imediata das mulheres.'4 Contudo, cabe assinalar uma profusão de pesquisas sobre o movim ento feminista ou de mulheres. Alguns deles permitindo uma reavaliação das forças sociais que estariam em jogo na redemocratização do Brasil nos anos 80 .15

Se tom arm os alguns indicadores com o a freqüência de arti­gos em periódicos nacionais de maior circulação entre os cientis­tas sociais, a conclusão é que esta questão ainda é m arginal.16

Isto contrasta com o aporte significativo de recursos institucionais intelectuais de que dispõem a área de estudos de gênero. Além de financiam entos específicos17, grupos de trabalho voltados a essa

14. P IN T O , Céli Regina Jardim, “Movimentos sociais: espaços privilegiados da mulher enquanto sujeito político” , em C O STA , Albertina e B R U SC H IN I, Cristina (orgs.), Uma questão de gênero, Rio de Janeiro/São Paulo, Rosa dos Tem pos/Fundação Carlos Chagas, 1992, pp. 127-150. Há ainda o trabalho inaugural de C A L D E IR A , Teresa, A política dos outros, São Paulo, Brasilien- se, 1994, que trata da percepção da esfera política por parte de mulheres da periferia paulistana.

15. Á LV A REZ , Sonia, Engendering democracy in Brazil: women's movements in transition politics, Princeton University, Princeton, 1990.

16. D o s 342 artigos publicados nos 57 periódicos da revista Novos Estudos C EBR A P no período de 1975 a 1996, apenas 9, ou seja, 2 ,6% são dedica­dos à temática de gênero. D o s 277 artigos publicados na Revista Brasileira de Ciências Sociais, entre junho de 1986 a fevereiro de 1998, apenas 9 ou 3,25% trataram de questões de gênero. Na revista Dados, do total de 285 artigos publicados, entre 1975 a 1997, apenas 7 ou 2 ,5% tratam de assuntos relaci­onados ao gênero. N o BIB encontramos 24% dos artigos voltados ao tema.

17. Refirim o-nos especificam ente aos Concursos de D otação para a Pesquisa sobre Mulher e Relações de G ênero promovidos periodicamente pela Fun­dação Carlos Chagas.

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tem ática reúnem -se regularm ente nos en co n tro s anuais da A N PO C S, bem com o duas revistas acadêmicas são publicadas: Estudos Feministas e Cadernos Pagu.[S

Se a problem ática das relações de gênero tem encontrado nos espaços acadêmicos auto-organizados um im portante meio de desenvolvimento, ela não se limita apenas àqueles espaços.

É visível a maior atenção e im portância que as ciências sociais no país têm dado às relações de gênero em um amplo espectro de temas pesquisados e apresentados, por exemplo, nos encontros anuais da A N P O C S.19 N ota-se, tam bém, que o interes­se pelo tema já não depende, com o antes, de motivação política, haja vista a proliferação de teses de mestrado e doutorado de jovens pesquisadores sem qualquer vínculo militante com o m o­vimento feminista. D a mesma forma observa-se que homens vêm sendo atraídos pelas questões relativas à masculinidade e sexuali­dade, alterando a com posição sexual do campo, e, ainda, que os

18. Estas duas revistas estão diretamente ligadas a programas dc pós-gradua­ção em ciências humanas. A Revista de listudos Feministas criada em 1992, foi a princípio sediada no C IE C da Kscola de Comunicação da U FRJ, transferindo-se a partir dc 1995 para o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da mesma universidade, na época em convênio com Programa de Ciências Sociais da U F R J, hoje estando apenas no IFC S/U FR J. A idéia fundadora da revista, que conta com o apoio da Fundação Ford, era a dc instaurar um modelo de rotatividade tanto do corpo editorial com o de sua sede institucional. O próprio nome da publicação reflete mais os com pro­missos com o perfil da clientela alvo da agência financiadora (“ativistas”) do que propriamente com a auto-perccpção do grupo gestor da publicação sobre sua inserção acadêmica. A revista Pagu integra-se ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da U N IC A M P e foi criada em 1993, sendo uma publicação mais claramente vinculada à sua instituição sede.

19. Neste sentido destaca-se a experiência do G T da A N PO C S ‘Sociologia do Trabalho’ que substituiu o G T ‘Processo de Trabalho e Reivindicações Sociais’. Desde sua fundação, contou com um número expressivo dc pes­quisadoras voltadas ao estudo das relações de gênero. Mas que, no entanto, optaram por desenvolver as suas preocupações em diálogo estreito com as disciplinas que compõem as ciências sociais.

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estudos passaram a incorporar uma perspectiva mais relacional das identidades masculinas e femininas.

N esse sentido, podemos concluir que a área dos estudos de gênero, na medida em que desenvolve o seu potencial analítico e convence sobre relevância dos seus achados, prescinde das m oti­vações políticas que marcaram sua origem e a primeira geração de pesquisadoras. Esse movimento já vem sendo sinalizado na ampliação, ainda que lenta, da pauta de pesquisas dessa área, do aumento da audiência acadêmica interessada e na mudança da com posição sexual e etária dos pesquisadores.

Finalm ente, vale a pena lembrar que sob o título e abrigo dos estudos sobre a mulher, ou, com o se quer agora, do gênero20, aglutinam-se os mais distintos e contrastantes graus de com pe­tência acadêmica. Esses contrastes são inerentes ao meio intelec­tual e não destoam do conjunto das ciências sociais no país.

É na medida em que se pode acompanhar as discussões teóricas e em cam pos tem áticos específicos que se pode avaliar com o tais estudos forneceram , de fato, elem entos para sofisticar a investigação sociológica.21 E o que procurarem os fazer, a se­guir, a partir da seleção de algumas áreas temáticas.

O C o n c e i t o d e G ê n e r o : e m b a t e s t e ó r i c o s

D eve-se salientar que o conceito em pauta pertence clara­m ente a uma tradição anglo-saxã. A linha de investigação fran­

20. Começam a surgir os estudos sobre masculinidade e, em parte, replicam os problemas detectados nos estudos sobre mulher. Ver para uma avaliação crítica - O L IV E IR A , P.P., “Discursos sobre a masculinidade” , Revista Estu­dos Feministas, vol. 6, n. 1. R io de Janeiro, IFC S/U FR J, 1998, c a coletânea organizada por C O R N N A LL, Andrea e L IN D ISF A R N E , Nancy, Dislocating masculinity, New York/Londres, Routledgc, 1994.

21. Os estudos de gênero também tiveram significativo impacto extra-acadê- mico. Um desses pode ser observado nas alterações procedidas em muitos

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cesa jam ais incorporou essa categoria, consagrando em seu lu­gar o term o relações sociais de sexo (rapports sociaux de sexe). E sse modo de cunhar a expressão tem uma inequívoca ascen­dência marxista, oriunda do term o relações sociais de produ­ção. N o contexto francês faz pouco sentido usar a expressão gênero, sobretudo pela crítica que as cientistas sociais dessa nacionalidade fazem ao term o, assinalando laivos por demais culturalistas nessa escolha e por sustentarem que qualquer di­mensão da vida social implica sua modelização, isto é, seu afasta­m ento de um quinhão natural que porventura pudesse manter. Vale m encionar a existência de uma distinção pertinente ao debate francês sobre o assunto, que opõe diferencialistas e igualitaristas. E ssa segm entação do cam po tem repercussões em diferentes nichos disciplinares/políticos: a saber, a psicaná­lise, a filosofia, história etc., e para o caso que aqui nos interes­sa, as ciências sociais com o um todo, faz sentido ao incluir no prim eiro grupo as antropólogas Françoise H éritier e N ico lc- C laude M athieu e, no segundo, o u tras pesquisadoras. As diferencialistas sustentam que a diferença sexual é uma marca universal de alteridade, por oposição às igualitaristas que, guar­dadas as devidas ressalvas, derivam a condição subalterna do fem inino de uma condição histórica, não estrutural.

N o Brasil, em decorrência de nossa múltipla exposição às influências desses dois grandes centros, os debates, em torno do que hoje consensualm ente se denomina gênero, com eçaram pelo

aspectos da sistemática oficial de coleta de dados. O s estudos sobre gênero colaboraram, por exemplo, para a ampliação do conceito de trabalho adota­do pela PN A D , que a partir de 1992 passa a incluir as atividades para o autoconsumo, a produção familiar, o trabalho não-remunerado para insti­tuições religiosas ou beneficentes, realizadas sobretudo por mulheres, com o trabalho. Ver a este respeito, 13RUSCHINI, Cristina, “ Fazendo as pergun­tas certas: com o tornar visível a contribuição econôm ica das mulheres para a sociedade?,” V III Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, Brasí­lia, ago./1997.

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genitivo “da mulhet” . Durante um certo período, a marca france­sa do termo relações sociais de sexo esteve muito presente, so­bretudo na sociologia do trabalho. Contudo, paulatinamente e em acordo com as mudanças mais gerais e talvez por uma certa

antropologização das ciências sociais no país22, o uso da catego­ria gênero tornou-se hegemônico. É bem verdade que a situação atual aponta para transform ações nesse cenário. A denominada crise de paradigmas que afeta as ciências sociais e principalmente a crítica às denominadas metateorias sobre o social ( e aí se incluem as teorias pós-modernas) com eçaram minar a confiança que se depositava sobre a capacidade heurística do conceito de gênero. O modo com o Mariza Correa (1998) define o uso que pretende dar conta à noção em pauta com o “ relações construídas a partir de identificações ou atribuições de masculinidade ou femini­lidade a todos os seres humanos, isto é, “mulheres”, entre “ ho­mens” e entre “mulheres c homens” - se é que essas designações ainda podem ser usadas num universo tão semioticamente carrega­

do” é particularmente reveladora da dificuldade de mencionar- se a corporeidade com o um elemento de atribuição de diferença.23 E sse trecho ilustra o esfacelam ento do acordo que havia há al­guns anos atrás de que gênero era a distinção entre os atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres humanos. Voltarem os a esse debate posteriorm ente.

A principal referência sociológica dos estudos de gênero particularmente nos Estados Unidos foi dada pelos conceitos e teorias funcionalistas, seja com o fonte de inspiração para a com ­preensão das diferenças entre papéis masculinos e fem ininos,

seja com o crítica dessa interpretação.

22. Refiro-m e ao d eb a te tratado na AN PO CS há alguns anos atrás e qu e pode ser acompanhado pela argumentação de Mariza Peirano em “O s antropó­logos e suas linhagens” , A favor da etnografia, Relume-Dumará, 1995.

23. C O R R E A , Mariza, “Uma pequena voz pessoal” em Cadernos Pagu (11) 1998.

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Parsons e Bales24, que tiveram impacto considerável sobre a sociologia dos anos 50 c 60, conceberam a diferença de gênero no interior da família nuclear moderna em termos de papéis “ ex­

pressivos” (fem inino) e papéis “instrum entais” (m asculino).

Enfatizando as funções socializadoras da família (e do gênero) esta foi com preendida com o uma instituição fundamental na m anutenção do funcionamento regular da ordem social.

Tal maneira de pensar as relações entre os sexos deixou forte marca na sociologia do gênero em pelo menos três aspectos. Pri­meiro, forneceu conceitos básicos, com o papel sexual e status, atra­vés dos quais as diferenças entre homens e mulheres foram estu­dadas. Segundo, supriu os estudos de gênero com a hipótese de

que as diferenças sexuais são mais centrais na instituição familiar do que em qualquer outra instituição social e que os arranjos de gênero funcionam primordialmente para assegurar a reprodução social. Finalmente, as análises sociológicas das relações de gênero, sustentadas no conceito de papéis sexuais, desafiaram as visões essencialistas da biologia e da psicologia sobre as identidades hu­manas na medida em que facilitou o reconhecimento de que os indivíduos se constroem por intermédio da vida social.25

A teoria funcionalista foi, entretanto, uma referência mais negativa do que positiva para a sociologia de gênero. Inúmeras pesquisadoras influenciadas pelos trabalhos pioneiros de feminis­tas norte-americanas que criticaram Parsons26 por tacitamente legi­timar a subordinação feminina e encerrar a problemática das mu­

24. PARSO N S, T alcott and B A L ES, Robert F., Family, sociali^ation and interaction process, New York, Free Press, 1955.

25. Para uma apreciação positiva da contribuição de Parsons para a sociologia de gênero ou para a sociologia feminista ver Johnson, Miriam M., “ Feminism and the theories o f Talcott Parsons”, em WALLACH, Ruth (ed.), Feminism and sociological theory, Newbury Park, Sage Publications, 1989.

26. Ver especialmente FR IE D A N , Betty, 'l'befeminist mystique, New York, N orton, 1963.

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lheres ao âmbito da família, distanciariam-se daquele modelo pro­curando conferir ao conceito de gênero um estatuto teórico mais ambicioso. Argumentaram que considerar gênero com o pape) so­cial limitava o foco da análise ao com portam ento individual e di­minuía o seu poder de explicação da dinâmica social mais ampla. E , ainda, que conceber gênero em termos de diferenças sexuais

seria reduzi-lo a uma variável empírica ao invés de um princípio de organização social. A noção de gênero passou a ser desenvolvida, então, com o uma categoria de análise teórica mediante a qual seria possível dar conta do conjunto da vida social.27

A segunda grande referência teórica que contribui de forma complexa e contraditória para moldar a sociologia do gênero foi o marxismo. Se, por um lado, as categorias centrais do marxismo focalizadas na produção, trabalho e classes sociais são mais androcêntricas do que as noções de papel sexual apresentada pelo

funcionalismo, por outro, o debate em torno do “trabalho domés­tico” e da participação das mulheres na força de trabalho estimula­das pelo marxismo permitiram, embora de form a parcial, estabele­cer relações entre a família, o trabalho e a política a partir de uma perspectiva das relações de gênero. D esta form a o marxismo con­tribuiu para que as análises de gênero saíssem dos limites da famí­lia, embora seus conceitos tivessem pouca capacidade de dar conta das relações de gênero no interior das demais instituições sociais.

É importante assinalar que os principais desenvolvimentos da sociologia das relações de gênero concentraram -se particular­m ente nas análises da esfera “privada” ou das instituições associ­adas às mulheres. Mais recentem ente essa sociologia tem procu­rado mostrar as im plicações teóricas disso para outras arenas da vida social mediante um esforço de reconceituação das definí-

27. Para um balanço da relação entre pensam ento feminista e sociologia ver STA C EY, Judith and T H O R N E , Barrie, “T h e misssing feminist revolution in sociology”, em K A U FFM A N , Linda (ed.), American Feminist 'Thought at Century's End. A Reader, Cambridge, Blackwell, 1993.

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liS T U D O S Dl- G fiN liR O NO B R A S II. 199

çõ es convencionais cia política, da econ om ia , cias relações cie po­der e dos processos de mudança.

Acom panhar as sucessivas etapas de formulação do concei­to na antropologia ajuda a esclarecer os embates, suas modula­ções e as presentes críticas que enfrenta. Inicialmente postulou- se a idéia de sistemas de sexo-gênero (Rubin,l 975)28 com o intui­to de demarcai: os dois níveis diferenciais que a condição sexual com porta. O term o mantinha a referência direta ao dimorfism o sexual da espécie humana, ao m esm o tempo que salientava o plano de elaboração cultural de atribuição dc significados a essa descontinuidade inscrita nos corpos. O ponto crucial desse m o­mento da reflexão era justam ente o papel que a reprodução ocu­pa com o elem ento estruturador ou não dc significados e de posi­ções sociais atribuídos diferencialmente aos dois sexos.

Se o debate sobre a reprodução era im portante, também se salientava a articulação desse sistema classificatório com outras estruturas sociais tais com o a diferenciação etária, esquema de privilégios, ordenação cosm ológica.29

O argumento central à idéia dc sistemas de sexo-gênero é a

transform ação da diferença sexual operada pela cultura numa relação de opressão (denominada por Rubin de dom esticação da mulher).30 A proposta perseguida por várias autoras é de situar o

28. R U BIN , Gaylç. “T h e traffic in women: notes on lhe ‘political econom y’ o f sex”, em R E IT E R , R. Towards an anthropology o f women, Nova York, Monthly Review Press, 1975.

29. Ver O R T N E R , S.; W H ITE H E A D , H. (cds.), Sexual meanings: the cultural construction o f gender and sexuality, Cambridge, Cambridge University Press, 1981; C O L L IE R , Jane e RO SA LD O , Michelle, “Politics and gender in simple societies” , cm O R T N E R , S.; W H ITEH EA D , H., Op. cit., e em uma direção um pouco distinta, H E R IT IE R , Françoise, Masculino e feminino. Enciclopédia Einaudi, vol. 20, Lisboa, 1980, e “Symbolique de l’inceste et de sa prohibition” , em ISARD, M .; SM ITH , P. (cds.), Im fonction symbolique, Paris, Gallimard, 1979.

30. Rubin, em sua análise, destaca que apenas algumas grandes teorias sobre o social concedem à sexualidade um lugar de destaque em suas explicações, a teoria da aliança lévi-straussiana e a psicanalítica de Freud e Lacan.

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gênero com o um “modelo de com o as desigualdades entre os sexos figuram e podem ser entendidas pela referência a desigual­dades estruturais que organizam uma dada sociedade” (Colier e Rosaldo, 1980: 275). O gênero integra um esquema cle explica­ção sobre o social que funciona com o um idioma refletindo de­

terminadas estruturas de prestígio. Assim “qualquer manifesta­ção do sexo está enraizada num conjunto mais amplo de prem is­sas cosm ológicas e num padrão particular cle privilégios e obriga­ções sociais que dividem categorias sexuais e de idade” .1'

Existem variedades de interpretações sobre a posição da mulher nas diferentes culturas que lidam com o conceito de gê­nero, de acordo com teorias sociológicas. Há matizes entre as distintas perspectivas, marxista, funcionalista ou estruturalista. D esse modo, formula-se a idéia de assimetria (mas tam bém si­

metria) sexual, subordinação ou ainda a de opressão. O uso de cada uma dessas expressões indica a vinculação a um estilo de form ulação do problem a e a uma dada teoria do social (às vezes, mas não obrigatoriamente, a uma posição política). Contudo, há um acordo generalizado de que a origem da situação feminina peculiar (ressaltando-se a natureza ocidental desse olhar que pri­vilegia essa particularidade)32 se localiza na instituição do paren­

tesco com o lugar socialm ente sancionado de encontro entre os sexos e que o gênero enquanto princípio classificatório opera em

outras instâncias do social.H á determ inadas p o sições teó ricas que qu estionam a

pertinência de um uso generalizado do conceito, sobretudo quando ele é estendido às sociedades e aos processos de construção da pessoa não ocidentais. Essa tem sido a posição de Strathern, que

31. W H IT E H E A D , Harriet. “T h e bow and the burden strap: a new look at institutionalized homossexuality in native N orth America” , em O R T N E R , S., W H IT E H E A D , H., Op.cil, p. 80-115.

32. FR A N C H E T T O , Bruna et a i , Antropologia e feminismo, em Perspectivas antropológicas da mulher, n. 1, Rio de Janeiro, Zahar, 1981.

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K S T U D O S D H G k n k r o n o B r a s h . 201

questiona o projeto acadêmico feminista de tom ar o gênero com o um idioma estruturante das relações sociais. Nessa empreitada, ela também problematiza, ao estilo antropológico, as próprias categorias analíticas da ciência produzida no O cidente em con­traste com o sistema de classificação nativo (no caso melanésio, a noção de dádiva, de bens e de produção). As identidades de gênero no caso melanésio não seriam unívocas; a pessoa seria uma espécie de andrógino, um perm anente vir a ser.33

Essa formulação mais usual de gênero, qual seja a distinção

entre o plano dos atributos culturais alocados a cada um dos sexos em contraste com a dimensão anátomo-fisiológica dos seres hu­manos, está no entanto sob cerrado ataque. A definição, que tinha oferecido uma espécie de conforto temporário contra o atavismo biológico que se insinuava sob a terminologia dos papéis sexuais, titubeia diante de críticas. E m particular aquelas que se perguntam se o próprio termo sexo, sobre o qual um dos seus pólos se apóia, fornece algum tipo de auto-cvidência (cf. Butler, 1990)34 que per­

mita contrastá-lo ao gênero. O gênero, segundo esses novos olha­res, incide em falácia, pois sustenta-se sobre um pilar problemáti­

co: “natureza” ; também ela uma idéia historicamente produzida.35N o final da década de 80 a proliferação de estudos sobre

sexualidade levou a distinguir o que se tratava propriamente de gênero daquilo que designava o plano das escolhas eróticas e da

33. STRA TH ERN , Marilyn, The gender o f the gift. Berkeley e Los Angeles, University o f California Press, 1988. Ver também a resenha ck- P ISC ITE LL I, Adriana: publicada em Cadernos Pag/i. n. 2, São Paulo, IFC I I/Unicamp, 1994, pp. 211-219. Um argumento semelhante no que toca à impossibilidade do gênero servir de metáfora para outros planos classificatórios já havia ocorrido a O V E R IN G , Joan, no artigo “Men control women? T he Catch 22 in the analysis o f gender” . International journal o f Mora/ and Social Studies, vol. 1, n, 2, Summer, 1986.

34. B U T L E R , Judith. “G ender trouble and the subversion o f identity”, (mimeo.)35. Assinala-se que este termo refere-se ao dimorfismo sexual da espécie huma­

na e tão-som ente a ele. A questão em jogo é evidentemente da aposta teórica na existência ou não de realidades extra-lingüísticas.

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identidade sexual (não a de gênero). O s Estados Unidos, em particular, viram disseminar-se os chamados Gay and Lesbian Studies e a queer theory, que justam ente colocam em cheque a relação

entre o plano corpóreo e a identidade de gênero. Essas tendên­cias, também impulsionadas por m ovimentos sociais de afirma­ção identitária, com eçaram a colocar em questão a relação entre construção cultural c diferença anatômica. Esta última passou a ser desconstruída, leia-se desnaturalizada, com o veremos a se­guir. O debate mais pertinente ao estudo da sexualidade gira em torno de posturas designadas com o essencialistas, que, via de regra, assumem a idéia de uma universalidade de um instinto e/ ou desejo sexuais em contraste com assertivas de que tais entida­

des são efeitos de contextos históricos e culturais específicos. Mais do que uma oposição fixa, esta classificação apresenta-se com o um gradiente em que argumentos essencialistas podem ser mais substantivos ou estratégicos em contraste com perspectivas construtivistas mais amenas ou mais radicais (Cf. V an ce ,l995).36

A diferença entre os sexos é uma invenção historicamente datada dos finais do século X V II I , segundo Thom as Laqueur.37 Não se trata de dizer que diferenças entre os corpos não eram de todo percebidas antes desse período, mas que na virada entre o

século X V II I e o X I X delineia-se uma nova concepção sobre os sexos que passaram a ser concebidos com o opostos e incom en­suráveis. Apesar da empresa científica ter-se lançado a perscrutar os corpos, tais concepções antecedem em muito às “descober­tas” científicas, articulando-se com o estabelecim ento de uma nova ordem social relativa ao gênero e a sexualidade, que se apresenta sob o liberalismo político. Uma série de transform a­ções na ordem política e ideológica das sociedades ocidentais

36. VA N C E, Carole, “A antropologia redescobrc a sexualidade: um com entá­rio teórico” , Phjsis, vol.5, n. 1, 1995.

37. L A Q U EU R , Thom as, M aking sex. Cambridge, Harvard University Press, 1990.

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está na origem dessa mudança de percepção dos sexos, o que veio a construir a problemática da diferença sexual. Esta passou a ser concebida com o inscrita nos corpos e percebida com o fundacional da distinção entre os gêneros. Segundo Laqueur, é o gênero que inventa o sexo. Se os setes hum anos passaram a ser decla­rados com o iguais, diz o autor, era necessário buscar na natureza a base para a introdução de uma desigualdade.

O exercício analítico de Laqueur tem por conseqüência dissol­ver o pólo “sexo” a partir do qual a categoria de gênero foi construí­

da, uma vez que sua análise histórica questiona a imutabilidade do sexo. Nessa mesma direção colocam-se Judith Butler (1990) e Strathern (1988), problematizando a oposição natureza/cultura.

Uma outra possibilidade analítica é oferecida pela conjuga­ção da teoria da hierarquia de Louis D um ont com o conceito de gênero.38 Baseada nessa premissa, Heilborn buscou construir o porquê da classificação do gênero necessariamente com portar hie­rarquia, ou seja, que razões há que expliquem a constante estrutu­ral de assimetria na montagem das relações entre os gêneros.

A partir do princípio de que tudo que é da ordem do huma­no é marcado, sendo a significação instaurada pelo Valor, trata-se de salientar que a instituição do masculino está comprom etida com uma dada operação sim bólica que marca sua distinção pe­rante o outro gênero. Institui-se uma relação marcada pelas pro­priedades de englobante e englobado. O s conteúdos específicos que adquirem as categorias de gênero nos diversos contextos

culturais manteriam este princípio de ordenação, embora possam em substância ser diferentes. Essa interpretação depende da ad­

missão de uma distinção lógica entre natureza e cultura. Ainda que diversos sistemas culturais possam não admitir uma radical separação entre o que no O cidente denominamos de natureza e

38. D U M O N T , Louis. Homo hierarcbicus, Paris, Gallimard, 1979. Postface à édition Tel: Vers une théorie de la hiérarchie.

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cultura ou sociedade, isso não descarta a possibilidade de se operar com esse patamar de raciocínio. O estatuto que a natureza retém numa explicação desse estilo é de ordem lógica, e não se

trata de um postulado sobre uma distinção absoluta entre os dois níveis que todos os sistemas representacionais deveriam expres­sar. D a mesma maneira acolher a idéia de que existe o dimorfism o sexual da espécie não impede de que se reconheça que o sexo possa ser uma categoria historicam ente datada. As concepções sobre a diferença sexual não abolem o fato de que existe uma diferenciação nos corpos e que ela im porta até o presente m o­m ento no modo com o a humanidade se reproduz.39

A problemática do gênero pode ser lida nos term os de do­minação masculina, segundo a interpretação de Bourdieu.40 Sem se utilizar da categoria em exame, sua abordagem converge para uma mesma leitura, qual seja a de que as relações entre hom ens c mulheres se ordenam por princípios de diferenciação assimétrica. Trata-se de um princípio geral que integra e organiza a econom ia das trocas simbólicas, instituindo uma dissemetria fundamental entre os sexos na qual homens são equacionados à posição de sujeitos e mulheres na de objetos/instrum entos. Tal condição (já assim descrita por Lévi-Strauss41) é da ordem de uma violência sim bólica, term o que se propõe superar a dicotomia entre dom i­nação e consentim ento e que atua por meio de uma internalização por parte dos sujeitos, constituindo uma dimensão pré-reflexiva, manifesta nas posturas dos corpos socializados.

A partir dessa breve história do desenvolvimento do concei­to de gênero fica clara a constante interlocução que ele mantém

39. S T O L K E , Verena, “Mães para uma nova pátria européia” , Cadernos Pag», n. 2, São Paulo, IFCH /Unicam p, 1994.

40. B O U R D IE U , Pierre, “ La domination m asculine” , A ctes de la recherche en sciences sociales, Paris, n. 84, pp. 3-31 , 1990.

41. L ÉV I-ST R A U SS, Claude, A s estruturas elementares do parentesco, Petrópolis, Vozes; São Paulo, ED U SP, 1976.

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com o conjunto da teoria social, inscrevendo-se no cerne dos debates sobre a natureza da cultura, os critérios de classificação social, as relações entre sistemas de práticas e sistemas de valo­res. A trajetória dos em bates revela a qualidade heurística do conceito no sentido de propor-se a criticar/superar dualidades que caracterizam a tradição ocidental e a própria teoria sociológi­ca mais geral.

A seguir selecionarem os algumas áreas temáticas nas quais a aplicação do conceito dc gênero rendeu inovações significativas para o conhecim ento da vida social.

G ênero e Trabalho

Não pretendemos realizar neste texto um levantamento am ­plo e detalhado do conhecim ento produzido pelos estudos de gênero na área do trabalho. N ossa intenção é, sobretudo, fazendo referência a algumas obras, ilustrar diferentes visões da relação entre gênero e trabalho.

O trabalho feminino foi um dos primeiros temas através dos quais as feministas marcam presença na vida universitária no final dos anos sessenta e inícios dos setenta.42 Vários fatores contribuíram para que este fosse o tema privilegiado. N o movi­mento feminista internacional, à época, predominava a visão de que a exclusão das mulheres do mercado de trabalho estava na raiz de sua subordinação social. O tema do trabalho feminino

42 . Ver IU P E R J, Instituto Universitário cie Pesquisa do Rio dc Janeiro, Rela­tório geral do sem inário “A m ulher na força cle trabalho na América Latina” , R io de Janeiro, 1979; B R U SC H IN I, Cristina, “T rabalho femini­no: trajetória de um terna, perspectiva para o futuro” , Revista Estudos 'Feministas, Rio de Janeiro , C IE C / U F R J, vol. 2, n. 3 , 1994, e "Fazen d o as perguntas certas: com o tornar visível a contribuição econôm ica das m u­lheres para a sociedade” , cm II Congresso Latino-am ericano de So cio lo ­gia do trabalho, dez. 1996.

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integrou-se inicialm ente na tradição da sociologia do trabalho no Brasil, área respeitável e consolidada nas ciências sociais.43 C on­

tudo, uma motivação central das acadêmicas brasileiras para trans­form arem esse assunto em objeto de investigação sociológica se encontra em boa medida no fato de a temática do trabalho apre­sentar im portantes afinidades eletivas com o debate intelectual

daquele momento dominado pela teoria marxista. Esta, enfatizando a problem ática das classes sociais e da exploração, oferecia o marco teórico de referência para os trabalhos feministas daquele período. O marxismo era tanto um denom inador com um que legitimava as tem atizações feministas frente ao público não fem i­nista, bem com o funcionava com o “ponte” intelectual para mui­tas cientistas sociais se aproximarem do feminismo.

O s estudos feministas na área do trabalho, sobretudo desse período, estão fortem ente marcados por referências internacio­nais que podem ser sentidas pela im portância conferida à pers­pectiva comparativa e pelo uso que fazem de metodologias quan­titativas baseadas em fontes censitárias. E sta preocupação con­trasta com o perfil mais geral das ciências sociais no país que passam, crescentem ente, a adotar metodologias de natureza qua­

litativa, estudos de caso e metodologias de observação partici­pante, que só mais tarde irão impactar os estudos de gênero.

Sob influência do marxismo procurava-se explicar a partici­pação das mulheres no mercado de trabalho a partir dos efeitos do desenvolvimento industrial e tecnológico sobre as condições de inclusão e exclusão das mulheres na força de trabalho. C ons­

43. D ois dos prim eiros estudos sobre mulher e trabalho são apresentados com o teses de livre-docência e de doutorado defendidas no Departam ento de Ciências Sociais da USP (área de sociologia) por Heleieth Saffioti e Eva Blay orientadas por Florestan Fernandes e Asiz Simão, respectivamente. Ver BLA Y, Eva. A mulher e o trabalho qualificado na indústria paulista, São Paulo, USP, D C S/FFLC H , 1972, e S A F F IO T I, H, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, São Paulo, Livraria Q uatro Artes, 1969.

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HSTUDOS D li G K N liR O NO BR ASII. 207

tatando uma queda acentuada da participação feminina na força de trabalho industrial evidenciada no Censo de 70, os diagnósti­cos, entretanto, divergem entre uma visão que considerava esta situação com o transitória e que novas oportunidades de trabalho iriam surgir com o desenvolvim ento de setores correlatos à industria, com o o de serviços, mais adequados a incorporar mu­lheres (Madeira e Singer, 1 9 7 5 ),e uma visão pessimista que con­siderava que a modernização tecnológica expulsava as mulheres do emprego, relegando-as à posição de exército industrial de re­serva (Saffioti, 1981).44

Essas duas perspectivas comungam a com preensão do em ­prego fem inino com o variável que depende quase que exclusiva­m ente de fatores de ordem econôm ica, de tal form a que as pecu­liaridades da mão-de-obra feminina não eram integradas no qua­dro explicativo oferecido.

A partir da década de oitenta os estudos de gênero e traba­lho recebem grande im pulso em função, por um lado, de trans­form ações sociais expressas no notável crescim ento do em pre­go fem inino industrial a partir dos anos 70 e, por outro, do desenvolvim ento das análises de gênero, sobretudo aquelas ins­piradas nas teorias do patriarcado, que defendem o poder explicativo da dom inação masculina e das desigualdades de gê­nero sobre o con junto da vida social. Apesar das dificuldades desta conceituação, largam ente debatida na literatura fem inista,

seu im pacto sobre as investigações acerca do trabalho fem inino perm itiu questionar a auto-suficiência com que as explicações econôm icas operavam nesse cam po tem ático. Em piricam ente e no contexto brasileiro, tratava-se de com preender o ingresso

4 4 .Ver M A D E IR A , Fclícia R. e S IN G E R , Paul I., “Estrutura de emprego e trabalho feminino no Brasil: 1920-1970” , Cadernos CEBR A P, São Paulo, n.13, 1975; S A F F IO T I, H ., Do artesanal cio industriai A exploração da mulher, Hucitec, 1981; A G U IA R , Ncum a, Mulheres na força de trabalho na Am é­rica Latina, E ncontro Nacional da A N PO C S, 1979.

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em larga escala de m ulheres na força de trabalho industrial e, ao m esm o tem po, o seu confinam ento às posições m enor rem u­neradas e de m enor qualificação.

Assim, a participação das mulheres no mercado dc trabalho passou a ser analisada a partir dos condicionantes im postos pelo ciclo de vida familiar reprodutivo (idade, situação conjugal, nú­mero e idade dos filhos) e pelas responsabilidades domésticas e cuidados com os filhos c demais familiares. A condição familiar, diferenciada por gênero, seria apropriada pelo mercado de traba­lho que designaria lugares distintos e hierarquicamente dispostos para hom ens e mulheres determinando o acesso diferencial às ocupações, tarefas, perspectivas dc prom oção e treinamento, ní­vel de rendimento e outros.45

U m a terceira perspectiva de análise oferecida para explicar a quantidade e qualidade dos empregos femininos evita situar na divisão sexual do trabalho dom éstico a origem do perfil dos pos­

tos de trabalho designados às mulheres.46 Os mesmos empregos ou postos, quando destinados aos homens, adquirem outras ca­racterísticas, são m elhor remunerados e maiores oportunidades de prom oção e treinamento são oferecidas. A discriminação das mulheres seria, então, explicada pela presença de ideologias de gênero que se inscrevem também no sistema produtivo e oríen-

45. Nesta perspectiva ver, A BR EU , Alice R . de P., O avesso da moda. Trabalho a domicílio na indústria de confecção, São Paulo, H U C IT E C , 1986; B R U SC H IN I, Cristina, “O trabalho da mulher brasileira nas décadas recentes”, Estudos Feministas, C IE C / E C O / U FR J, n. especial 1/2. scm ./l 994; A B R E U , Alice R . D e P. e SO R J, Bila. “Trabalho a dom icílio e relações de gênero: as costureiras externas no R io de Janeiro” , em A B R E U , Alice R. P. e SO R J, Bila (orgs.), O trabalho invisível: estudos sobre trabalhadores a domicílio no Brasil Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora, 1993.

46. Algumas pesquisas começaram a mostrar que a posição das mulheres na família já não dava mais conta do novo quadro da participação das mulhe­res no m ercado de trabalho, haja vista o aum ento da atividade de mulheres mais velhas, casadas e mães na última década.

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tam práticas de gestão diferenciadas.47 Assim, as relações de gê­nero estruturam tanto a família com o a produção sem se fixar em um lugar original a partir do qual todas as interações sociais

seriam analisadas apenas com o decorrências da dominação mas­culina no âm bito doméstico.

Além da crítica à adoção de causalidades fixas, esta última abordagem estimula a pensar o gênero com o um sistema sim bó­lico que organiza relações de poder, igualdades c desigualdades no mundo do trabalho e fora dele. D ecorre daí que uma das contribuições mais im portantes dos estudos dc gênero para a sociologia do trabalho é a de atentar para a dimensão da cultura de uma maneira mais séria do que geralmente foi feito no passa­do. A im plicação mais inovadora e am biciosa das análises de

gênero para a sociologia do trabalho reside, todavia, na crítica que eJa con tém do paradigma econ ôm ico , dc indivíduos movidos por interesses racionais. As análises de gênero são as que mais consistentem ente têm reivindicado o lugar da cultura, da história e do poder na sociologia do trabalho.

A V i o l ê n c i a c o m o á r e a d e In v e s t i g a ç ã o

A contribuição relevante que a perspectiva d egenero trouxe para o estudo do fenôm eno da violência é a de salientar, enrique­cendo a tradição do pensamento sociológico brasileiro, que ela não se origina exclusivamente das desigualdades de classe; ela se expressa em relações que recortam o conjunto de todos os seg-

47. Ver nesta linha, R O D R IG U E S , Arakcy M , “Lugar e imagem da mulher na indústria” , em C O STA , Albertina O. e B R U S C IIIN I, Cristina, Uma questão de género, Rio de Janeiro, Rosa dos Tem pos/Fundação Carlos Chagas, 1992; H IRA TA , Helena e H U M PH R E Y , Jo h n , “O emprego industrial feminino e a crise econôm ica brasileira”, Revista de Economia Política, n. 4, out./dez., 1984; SO U Z A -L O B O , E lisabeth, A c/asse operária tem dois sexos. Trabalho, dominação e resistência, São Paulo, Brasiliense, 1991.

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2 1 0 M A R IA L lJ IZ A HKII .BORN K B ll .A SOR J

m entos da sociedade e que escapa à esfera de atuação do Estado. O tema da violência sempre ocupou um lugar im portante na sociologia nacional, ao enfocar o tema da distribuição e do exer­cício do poder numa sociedade em que o Estado se apresentava a princípio enfraquecido frente ao poder local. D e certo modo, a análise sobre o fenôm eno da violência correlata ao gênero acom ­panhou a que se produziu sobre relações raciais no país.

A investigação sobre a violência na área em consideração

nasce sob a inspiração das questões colocadas pelo movimento feminista, ocupando uma posição especial entre os estudos de gê­nero aqui realizados. Tal destaque resulta do fato de a violência doméstica ou conjugal ser um dos elementos catalisadores da iden­tidade do feminismo nacional, diferentemente de outros enfoques com o o do assédio sexual, que marcou de modo intenso o novo alvorecer do movimento feminista na França (anos 60) e hoje gal­vaniza a opinião pública norte-americana. O lugar estratégico da

violência no feminismo brasileiro deve-se em grande medida ao fato de ele ter sido o tema, dentro da larga agenda do movimento, que permitiu ampliar a audiência do seu discurso para além das suas fronteiras militantes.48 Som e-se a isso que aqui se produziu uma fórmula de certo modo original (quando comparada a de outros países) de enfrentamento da questão: a criação das delegaci­as especializadas de atendimento à mulher, que foram alvo de uma série de pesquisas a respeito de seu funcionamento.49

48. O s famosos assassinatos de mulheres (de camadas médias), no início dos anos 80, assinalaram transform ações no âm bito da família e no m odo com o os julgamentos de legítima defesa da honra eram considerados pela justiça. Ver A RA G Ã O , Luiz Tarlei, “O sacrifício da mulher”, Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 6, 1980, pp. 91-8. Nesse artigo é argumentado que a com oção social cm torno dos crimes sinaliza para o caráter de transgressão ao sagrado presente na atitude feminina (desejo de autonomia).

49. Entre muitos trabalhos, destacamos B R A N D Ã O , Elaine, N os corredores da D EA M : um ensaio etnográfico sobre mulheres e violência conjugal, D issertação de mestrado, Instituto de Medicina Social/U ERJ, 1997.

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Podem os agrupar os trabalhos arrolados sob essa rubrica em três linhas. Um primeiro grupo orienta-se para o modo com o

a justiça opera nos casos em que a classificação violência contra a mulher pode ser acionada. Mariza Correa50 representa o eco inaugural que poderia ter na academia a discussão empreendida no meio feminista. Procedendo a uma leitura de processos judici­ais de homicídio (e tentativas de) ocorridos em Campinas (SP), a autora demonstra com o a igualdade legal entre homens e mulhe­res é dissolvida pela preeminência da lógica de gênero nos julga­mentos dos crimes. A análise da justiça permite elucidar a manei­ra com plexa pela qual as classificações dc gênero podem atuar no benefício das mulheres ou no agravamento de sua avaliação moral, segundo a tipologia do crime. As análises que se seguiram ajudaram dem onstrar que a homogeneidade da “opressão” fem i­nina nas diferentes searas sociais sustentada pelo discurso mili­tante estava muito longe de scr verdadeira. ( ) estupro, por exem ­plo, aparece com o o tipo dc delito que abriga as penas mais duras contra os agressores toda vez que a conduta da vítima aparentar honra feminina.’’1

Um segundo conjunto de pesquisas diz respeito às repre­sentações femininas acerca da violência.52 O debate entre cum pli­

cidade para com a violência ou vitim ização recorta o cam po desses estudos e nele se exprime uma das tensões constitutivas desse diálogo: a maior ou m enor proximidade com o discurso militante. C om o assinala G rossi, os estudos voltados para este

50. C O R R E A , Mariza. Os atos e os autos, Dissertação de mestrado, UNICAM P, 1975, mais tarde transformada no livro Morte em Família, São Paulo, Brasi- liense, 1983.

51. A R D A ILL O N , Danielle e D E B E R T , G uita,Q uando a vítima émulher, B rasí­lia, Conselho Nacional dos D ireitos da Mulher, 1987. Cf. também o traba­lho coordenado por Sérgio Carrara - Violência contra a mulher no Rio de Janeiro, Núcleo dc Pesquisas do IS E R , 1996.

52. Cumpre notar que não existem pesquisas que abordem as representações masculinas sobre esse fenômeno.

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tema se preocupam em desnaturalizar a violência doméstica, ocor­rendo um gradativo afastamento das form ulações acadêmicas das militantes no sentido de salientar a não universalidade de uma

experiência feminina diante das agressões masculinas.53 M achado e Magalhães54, por exemplo, assinalam a existência de uma nova perspectiva na literatura que abandona a polarização entre víti­

mas femininas e algozes masculinos para a formulação de “ ca­sais violentos”.

Finalm ente um terceiro núcleo de trabalhos enfoca as agên­cias que atuam nesse campo, seja as organizações não governa­mentais — os já extintos SO S Violência — ou as delegacias de polícia e equipamentos sociais pertinentes com o os abrigos.55 Um bom exemplo, que se insere nos dois subgrupos m enciona­dos, é a reflexão empreendida por Maria Filom éna G regori56, que se debruçou sobre as então nascentes organizações de apoio às

53. G R O S SI, Myriam Pilar, Représentations de ta violence: discours sur ta violence contre les femmes cw Rio Gronde do S n lDoutorado, Université de Paris V, 1988. Ver ainda “Vítimas ou cúmplices? D o s diferentes caminhos da produção acadêmica sobre violência contra a mulher no Brasil” , X V E ncontro Anual da A N PO C S, Caxambu - MG, out./1991; “Novas/velhas volências contra a mulher no Brasil.” , Revista Estudos Feministas, n. especial, Rio de janeiro , C IE C / E C O / U FR J, 1994; “Lutas feministas, violência conjugal e novas violências contra as mulheres no Brasil” , PPG A S/U FSC . Seminário vio­lência contra a mulher, São Paulo, 30 e 31 de maio, 1994, todos de G R O S SI, M. P. Destaca-se na direção apontada o trabalho de F O N SE C A , Claudia. “La violence et la rumeur: le code d’honneur dans un bidonville brésilien” , Les Temps Modernes, n. 455, 1984, pp. 2193, 2235.

54. M A C H A D O , Lia e M A G A LH Ã ES, Maria Teresa, Violência conjugal: os espelhos e as marcas, Série Antropológica, n. 240, Brasilia, UN b, 1998.

55. G R E G O R I, M aria Filom éna. “Cenas e queixas: mulheres e relações vio­lentas”, Novos Estudos CEBRA P, n. 23, São Paulo, março, 1989, pp. 163-75. P O N T E S , Heloisa, A fam ília, a violência e feminismo. São Paulo, 1983, mimeo. (Comunicação apresentada ao 7. Encontro Anual da A N PO C S, Aguas de São Pedro.]

56. G R E G O R I, Maria Filoména, Cenas e queixas. Um estmlo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista, São Paulo, Paz e Terra/A N PO CS, 1993.

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vítimas da violência conjugal. A autora explode os limites do objeto empírico - o atendimento proposto pelos SO S - V iolên­cia - e propõe uma interpretação que reverte as expectativas do diálogo am eno com as crenças arraigadas do feminismo: a condi­ção de vítima das mulheres. Nesse sentido seu trabalho é indicativo do modo com o as acadêmicas “ feministas” buscaram no âm bito dos estudos de gênero encontrar a legitimidade dos objetos e das perspectivas de análise comprom issadas com a do gênero com o vetor de organização social, sem, no entanto, perderem de vista que o seu com prom isso maior era com o fazer ciência social.

O ponto crucial a ser enfatizado é que coube a esses estu­dos dem onstrar a existência de uma modalidade específica de violência, aquela que se origina no modo com o se armam as relações entre homens e mulheres no âm bito dom éstico e fami­liar. As mulheres, quando alvo de agressões, o são por parte de homens (parentes ou afins) que integram o seu grupo dom ésti­

co/ familiar: maridos, ex-com panheiros, pais e padrastos e na­morados. As estatísticas de vitimização feminina57 são contun­dentes no sentido de assinalar de que m odo a estrutura da

conjugalidade em particular, e a da família em geral, no que implicam uma ordenação de gênero, abriga uma virtualidade de violência (simbólica ou física). As relações de gênero fornecem a moldura que dispõe homens e mulheres em certas posições es­truturais, a despeito deles m esm os (Bourdieu,1990), que enseja essa modalidade específica de dominação. Heleieth Saffioti pro­põe a expressão “violência de gênero” e parece concordar com a

57. As estatísticas assinalam que, no Rio de Janeiro, nos casos de agressão notifi­cados em quatro delegacias especializada de atendimento à mulher, 73,8% dos delitos foram perpetrados por maridos c companheiros; 3,8% por ex- maridos e ex-companheiros; 9 ,4% por parentes; 4 ,8% por vizinhos/as; e 5,8% por estranhos. Tabela 17 - grau de afinidade vítima-agressor, p. 82, em SO A RES, Luiz Eduardo et. a i, “Violência contra a mulher: as D EA M s e os pactos domésticos”, cm SO A RES, Luis Eduardo (org.), Violência e Política no Rio cie Janeiro, Rio de Janeiro, ISER/Relum e Dumará, 1996, p. 65-105.

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214 M a r i a L u i z a H i í i i .b o r n k B i i .a S o r j

perspectiva presente no trabalho de Nicole-Claude M athieu58 de que as relações sociais de sexo sempre apontam para um hori­zonte de coerção física no modo com o se estruturam. A literatu­ra indica que a irrupção da violência física, em alguns casos, contribui para a restauração de papéis de gênero, o que é alm eja­

do do ponto de vista das mulheres (G regori, 1994), podendo se explicar sociologicam ente porque os sujeitos femininos podem administrar a violência por longos períodos e utilizar determ ina­dos mecanism os com o a denominada retirada da queixa para alcançarem a reorganização do vínculo conjugal (Brandão, 1997).59

Novas leituras e tendências com eçam a aparecer nessa te­mática: a investigação sobre os agravos à saúde produzidos pela experiência da violência doméstica, assim com o pesquisas que inquirem sobre a chamada violência institucional, em particular a

que se faz presente no sistema de saúde; tais pesquisas visam introduzir um olhar que resgate as diferenças de atendimento segundo o sexo da clientela e as ideologias de gênero que m ode­lam a relação m édico-paciente.60

E s t u d o s s o b r e S e x u a l i d a d e

Já havíamos mencionado no com eço desse artigo de que maneira a antropologia pela sua própria história havia sempre se

interessado pelos temas que o olhar feminista teria vindo desper­tar dentro da academia. Certam ente este é o caso dos estudos

58. S A F F IO T T I, Heleieth I. B. e A LM EID A , Suely Souza, Violência de gênero: poder e impotência, Rio de Janeiro, Revinter, 1995; M A T H IE U , Nicole-Claude,“Quand céder n’est pas consentir” , em ______ (éd.), Uarraisonement desfemmes; essais en anthropologie des sexes. Paris, E co le des Hautes Études en Sciences Sociales, Cahiers de l’homme, n. s. X X IV , p. 169-245, 1985.

59. B R A N D Ã O , E ., Op. cil.60. Ver G IF F IN , Karen. Violência de gênero, sexualidade e saúde, 1994. (mimeo.)

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l i S T u n o s o i - G k n k r o n o B r a s i i . 215

sobre família, área tradicional dentro da disciplina. Parece-nos que a grande contribuição tributável à perspectiva do gênero está ao avaliar o im pacto que as transform ações associadas à dissemi­

nação da ideologia feminista tiveram sobre a instituição família. O feminismo aparece com o um desdobramento da ideologia igua- litária-individualisla61, associado a um com plexo conjunto de trans­form ações nos costum es que ocorreu a partir da década de 60. N o caso brasileiro, tem-se assinalado, de um lado, que essa m o­dernização teve com o palco privilegiado as camadas médias e superiores da sociedade, e, de outro lado, sustenta-se que tais mudanças não foram exclusivas desses segmentos, manifestando-

se sua disseminação também nos setores populares62, onde supu­nha-se prevalecer modelos de organização familiar mais tradicio­nais. A avaliação desse gradiente m oderno-tradicional tem inspi­rado fortem ente o debate nessa área, visto que seu lugar mais

evidente seria a alteração do papel feminino dentro da instituição familiar. É o abalo da divisão nítida entre as esferas do masculi­no e do feminino, associadas à entrada expressiva da mulher no

mercado de trabalho, à redução do tamanho da família (queda vertiginosa da taxa de fecundidade), que uma vasta literatura busca descrever e analisar.63

61. F R A N C H E T T O , Bruna et. a i “Antropologia o feminismo”, Perspectivas A n ­tropológicas, n. 1. Rio de janeiro, Zahar, 1981. A R D A ILLO N , Danielle e C A L D E IR A , Teresa, “Mulher: indivíduo e família”, Estudos CEBRA P, vol.2. n. 4, 1984, pp. 2-10.

62. Cf. V A ITSM A N , Jcni. “Pluralidade de mundos entre mulheres urbanas de baixa renda” , Estudos Feministas, vol. 5, n. 2, 1997.

63. SA LEM , Tania. Sobre o casa! grávido: incursão em um universo ético, Tese de doutorado, Rio de Janeiro, U FR J/ P P G AS/MN, 1987. V A ITSM A N , Jeni, Flexíveis e plurais — identidade, casam ento e família em circunstâncias pós- modernas, Rio de Janeiro, RO CCO , 1994. D A U STE R , Tania, Nome da fam í­lia: maternidade fora do casamento e o princípio de filiação patrilinear, Tese de doutorado, M N /PPG A S/U FRJ, 1995; H E IL B O R N , Maria Luiza, Dois é par: conjugalidade, gênero, identidade sexual. Tese de doutorado, PPGAS/M N / U FR J, 1992.

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216 M a r i a L u i z a H k i i .b o r n h B i i .a S o r j

Na vertente de estudos sobre família e gênero nos setores populares, a proposição da matrifocalidade estrutural dividiu opi­niões diante da clássica definição da prevalência da organização familiar de tipo patriarcal.64 Estam os diante de um aparente dile­

ma: a matrifocalidade, estampada na proliferação do fenôm eno “ mulheres chefes de família”, falaria de princípios ideológicos subordinados ou secundários e “a relativa ‘autonom ia’ da mulher seria expressiva de uma instrumentalidade pragmática de sua fun­ção biológica e social, do que propriamente locus fortem ente valorado em relação a outras categorias de parentesco (...)” (Aragão, 1983: 135).65 É a partir deste quadro interpretativo que Parry Sco tt (1990) realiza sua pesquisa sobre as percepções masculinas relativas ao espaço doméstico. O autor define as relações de gê­nero com o ordenadas pela mesma lógica de todas as relações sociais: o poder, supondo que ao hom em estaria destinada uma condição de “patriarca potencial” (1990: 40), posição que, entre­tanto, não lhe é possível alcançar devido à impossibilidade de preencher o papel de provedor. A análise do desenvolvimento do ciclo dom éstico permite salientar essa flexibilização d os valores

64. A RA G Â O , Luiz Tarlei, “Em nome dfl mãe” , em Perspectivas antropológicas da mulher, 3, R io de Janeiro, Zahar, 1983, pp. 109-45; SA R T I, Cynthia “A família patriarcal entre os pobres urbanos”, Cadernos tie Pesquisa, n. 82, São Paulo, ago. 1992, p. 37-41 ; SA LEM , Tania, “Mulheres faveladas: com a venda nos olhos” , em PRA N C H E TT O , B. e H E 1L B O R N , M. L. (orgs.), Perspectivas antropológicas da mulher; /, Rio de Janeiro, Zahar, 1981, pp- 49-99 ; S C O T T , R. Parry, “O Homem na matrifocalidade: gênero, percepção e experiências do domínio dom éstico” , Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 73, 1990, pp. 38-47, SA R TI, Cynthia, A fam ília como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres, Campinas, Autores Associados, 1996.

65. SM IT H , Raymond, The Negro fam ily in British Guiana, Londres, RoutJedge & Kegan Paul, 1956, forjou o ter m o matrifocalidade nos anos 50 para o estudo da organização familiar no Caribe. Lá com o aqui, em certos seg­mentos sociais observa-se que os casam entos ou parcerias sexuais são instáveis; a ênfase ideológica e normativa não está colocada na família nuclear, mas na relação mãe-prolc.

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I iS TU D O S D li GfCNIiRO KC) B k ASII. 217

em termos da im posição (dura) da realidade prática, ainda que, em termos ideais, o “ herói da casa seja o hom em ” (fala de entre­vistado citada por Scott, 1990: 45). Tania Salem (1981)66 descre­ve a situação social de mulheres chefes-de-fam ília. Apesar de serem responsáveis quase que integrais pela manutenção dos fi­lhos, não valorizam a importância de sua posição no grupo d o­mestico. O valor masculino está, entretanto, sempre presente apesar da ausência física do homem. A constância dessa não-presença ressalta não apenas a transitoriedade do hom em , a não-valoriza- ção da paternidade, mas, sobretudo, passando dos efeitos à ori­gem, a quase impossibilidade de realização dc um ideal identitário. N o entanto, articula-se uma tal investidura simbólica — de um papel basilar ancorado na representação de provedor do lar e dc articulador do dom éstico com o público — que ela é transferida para um filho varão.

O debate assinala a permanência dc um m odelo familiar nas camadas trabalhadoras urbanas em que a figura masculina detém a posição de articulador com o mundo extra-dom éstico. A proli­feração dc famílias chefiadas por mulheres não aponta para mu­danças significativas no nível representacional.

N o que toca ao universo das camadas médias, a discussão sobre individualismo torna-se mais nítida.67 O s aspectos tratados desfilam entre a “carreira solo no tocante à procriação” (Dauster, 1990) ao papel que a profissão ocupa na nova definição de gêne­ro. A análise aponta na direção do contraponto entre o discurso

liberal, individualizante, e uma série de inconsistências e ambiva-

66. S A L E M , T an ia , “M ulheres faveladas: com a venda nos o lh o s” , em F R A N C H E T T O et a i (orgs.), Perspectivas antropológicas da Mulher, n. 1, Rio de Janeiro, 1981, pp. 49-99.

67. A R D A IL L O N , Danielle, O cotidiano de mulheres profissionais: o engodo do individualismo, São Paulo, 1989. Dissertação de mestrado Ciência Política/ U SP; RO C H A , Ana Luiz.a C., A dialética do estranhamento: a reconstrução social de mulheres separadas em Porto Alegre, Mestrado, U FRG S, 1985.

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lências relativas à almejada autonom ização feminina (Salem, 1987; Lins c Barros, 1987).68

Q uanto à seara dos trabalhos versando sobre sexualidade, é

necessário indicar que eles começaram a desenvolver-se de modo paralelo aos estudos de gênero, dentro da rubrica de “com porta­m ento desviante” e “desvio social”, que integravam tradicional­mente o elenco de questões sobre o qual a sociologia e a antro­pologia urbana se interessavam. Assim, estudos sobre prostitui­ção feminina69 (e depois a masculina) e homossexualidade70 co ­meçaram a surgir. N a verdade, tratavam da problem ática das rela­

ções de gênero sem que pudessem ser definidos com o integran­tes exclusivos dessa área. O s trabalhos sobre homossexualidade, em particular, contribuíram para uma m elhor distinção entre o

68. D A U ST E R , Tania, “ Filho na barriga é o rei na barriga: mitos de poder, destino e pro jeto nas relações entre os gêneros nas camadas médias urba­nas” , R e vis ta de Cultura Vosçes, Petrópolis, vol. 84, n. 2, 1990 ; SA L E M , Tania, “Sobre o casal grávido: uma incursão em um universo ético ” . Tese de doutoram ento. P PG A S/M N /U FRJ, c L IN S e B A R R O S, Myriam, A u ­toridade e afeto, Rio de Janeiro , Jorg e Zahar E ditor, 1987.

69. Sobre prostituição feminina: G A SPA R, Maria Dulce, Garotas de programa, Rio de Janeiro, Jorg e Zahar Editor, 1985; M A Z Z A R IO L , Regina Maria, M al necessário: ensaio sobre o confinamento cla prostituição na cidade de Campinas, Mestrado UNICAM P, 1977; FR E IT A S, Renan, Bordel, bordéis: negociando iden­tidades, D issertação de mestrado (sociologia), IU P E R J, 1983; F O N SE C A , Cláudia, “A dupla carreira da mulher prostituta” , Revista Estudos Feministas, vol. 4 , n. 1/1996, pp. 7-34.

70. G U IM A RÃ ES, Carmen D ora, O homossexual visto por entendidos. Dissertação de mestrado, PPGAS/M N/UFRJ, 1977; FRY, Peter, “D a Hierarquia à igualda­de” , em Para inglês ver: identidade política na cultura brasileira, Rio de Janeiro, Edito­ra Zahar, 1982; P ER LO N G l I ER, Nestor, O negócio do michê, São Paulo, Brasi- liense, 1984; P A R K ER , Richard. Corpos, properes epaixões: a cultura sexual no Brasil contemporâneo, São Paulo, Best-Seller, 1991; PO R TIN A R I, Denise, Discurso da homossexualidade feminina, São Paulo, Brasiliense, 1989, e M UN IZ, Jacqueline, Mulher com mulher dá jacaré: uma abordagem antropológica da homossexualidade feminina, Dissertação de mestrado, PPGAS/M N/UFRJ, 1989. CARVALHO, Tamara, Caminhos do desejo: uma abordagem antropológica das relações homoeróticas femininas em Belo Horizonte, Dissertação de mestrado, UNICAMP, 1995.

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Ii S TU D O S D li G í iN K R O NO BR ASII. 219

plano da elaboração da identidade de gênero e o da orientação sexual. E justam ente nessa dimensão que se pôde desenglobar a sexualidade da p e rfo rm an ce de gênero, assinalando a não univocidade entre estas duas esferas (Rubin, 1984).71

Há uma discussão alentada sobre esse tema, que entremeia tanto a literatura internacional quanto a brasileira. EJa diz respei­

to ao m odo de se operacionalizar as estratégias de recorte sobre o que denominamos sexual e sexualidade considerando-se a tra­jetória particular do ocidente nessa área, tão bem argumentada por Michel Foucault (1977).72 Na modernidade ocidental ocorreu uma dissociação de diversas esferas do mundo social, prom oven­do uma com partim entação do sexual. E ste desenglobou-se da esfera conjugal e familiar mais ampla, instituindo-se a sexualida­de com o domínio portador de sentido em si mesmo. Parte do

debate que marca a literatura antropológica nacional exprime-se na oposição entre duas perspectivas interpretativas— a sexualida­de autonomizada seria apanágio de determinados grupos sociais (Duarte, 1986)7Í ou seria uma condição generalizada das socieda­des (pós-) modernas (Giddcns, 1993).7,1

A com paração entre a homossexualidade masculina c a fe­minina (H eilborn, 1992) reveste-se de especial interesse para ilu­

71. R U BIN , Gayle, “Thinking sex: notes for a radical theory o f th c polities o f sexuality” , em Vance, C. S. (org.), Pleasnre and danger: cxp/oringfewale sexuality, Boston , Routledge and Kcgan Paul, 1984.

72. H E IL B O R N , Maria Luiza, Dois é Par: Conjuga/idade, gênero e identidade sexual, Tese de D outorado, Rio de Janeiro, PPG A S/M N /U FRJ, 1992; V A N C E, Carole. “Social Construction T heory and Sexuality” , em B E R G E R , Maurice et a l Conslrnciing Mascuiinity, London and N ew York, Routledge FO U C A U LT, Michel, História da sexualidade: a vontade de saber, Rio de Janeiro, Graal, 1977.

73. D U A R T E , Luiz Fernando Dias, “Pouca vergonha, muita vergonha: sexo e moralidade entre classes trabalhadoras urbanas” , em L O P E S , José Sérgio Leite (org.), Cultura e identidade operária: aspectos da cultura das classes trabalhadoras, Rio de Janeiro, U FRJ/M arco Zero, 1987, pp. 203-226.

74. G ID D E N S , Anthony, A transformação da intimidade, São Paulo, U N ESP, 1993.

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2 2 0 M a r i a L u i z a H i u i .b o r n k B i i .a S o r j

minar que se sexualidade e gênero são dimensões relativamente autônomas, elas apresentam pontos c\e interconexão que decerto variam coming-out, de outro lado, as formas de gestão da vida sexual e am orosa indicam a influência do gênero na estruturação dessas práticas: seja na diferença entre as form as de sociabilida­de, de estruturação das redes de parceiros (sexo anônim o ou não) ou a prevalência do modelo da conjugalidade para os pares de mulheres e a sua pouca representatividade para os homens gays.

A em ergência da epidemia H IV / A ID S e a necessidade de com preensão da sua articulação com o domínio da sexualidade para a formulação de políticas de saúde trouxeram um fluxo expressivo de recursos para o financiam ento das pesquisas nessa área. N ota-se também que, mais recentem ente, ocorreu a intro­dução da perspectiva de gênero nessas investigações, em parte decorrência do fenôm eno da chamada feminilização do perfil epidemiológico da A ID S 75 e também da atenção suscitada pelos aspectos relativos à reprodução.76

7 5 . G U IM A R Ã ES, Carmen D ora, “ Mas eu conheço ele: um m étodo de pre­venção do H IV / A ID S”, em G A LV Ã O , J.; P A R K ER , R. (orgs.), Quebrando o silêncio-, mulheres e A ID S no Brasil, Coleção História Social da A ID S, vol. 7, R io de Janeiro, A BIA /IM S-U ER J/R elum e Dumará, 1996, pp. 169-179; K N A U T H , Daniela R ., A ID S, reprodução e sexualidade: uma abordagem antropo­lógica, Porto Alegre, U FRS, 1995; L O Y O L A , M. “A. A ID S e prevenção da A ID S no Rio de Janeiro” , em L O Y O L A , M. A. (org.), A ID S e sexualidade: o ponto de vista das ciências humanas, Rio de Janeiro, Relume D um ará/U ERJ,1994, pp. 19-72; M A RTIN , D enise, Mulheres e A ID S : uma abordagem antropo­lógica, D issertação de mestrado defendida no Departam ento de A ntropolo­gia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1994.

76. L E A L , Ondina Fachei (org.), Corpo e significado: ensaios de antropologia estrutu­ral, Porto Alegre, Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,1995.

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HSTUDOS D li G K N K R O NO B R Á S ! !. 221

C o n c l u s õ e s

Buscam os inventariar nesse trabalho quais foram as reper­cussões da trajetória dos estudos de gênero no país para o conhe­cim ento sociológico no país. Procuramos destacar as peculiarida­des da institucionalização de uma área de estudos que mantém

uma forte afinidade com problemas formulados pelo campo po­lítico. E ntre as estratégias de legitimação acionadas pelas pesqui­sadoras envolvidas nesse tema encontram -se a substituição do recorte empírico mulher para o conceito de gênero e também a recusa de auto-exclusão do establishmentacadêmico. Evidentemente seria ingênuo supor que esta postura teria garantido automatica­

mente o reconhecim ento e a respeitabilidade por parte dos de­mais atores que definem o campo intelectual. Mas certam ente

este é um dos traços característicos da institucionalização dessa área temática no Brasil. E também evidente que para ganhar posição no cam po acadêmico é necessário dem onstrar o valor cognitivo da reflexão empreendida. Procuram os m ostrar então através de alguns exemplos, onde tal contribuição pôde m elhor se destacar no sentido de refinar a com preensão da vida social.

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E s t u d o s d e G ê n e r o n o B r a sil

( c o m e n t á r io c r ít ic o ) 1

Ma riu Filomena Grego ri

“Kstudos de gênero no Brasil” representa mais do que uma síntese de encomenda dc vinte anos da investigação c tia reflexão empreendidas peíos estudiosos dedicados à problemática da mu­lher. Constitui um esforço de análise e um balanço inteligente, imprescindíveis para dar maior visibilidade e consolidação à área de gênero, uma das mais inovadoras e im portantes das ciências s o c i a i s c o n t e m p o r â n e a s.

Além de ser de agradável leitura, este texto oferece a opor­tunidade clc nos atualizarmos sobre os novos desdobram entos do conceito de gênero, de conhecerm os as novas temáticas abertas ao campo e de avaliarmos com o os temas já tradicionais trazem

desenvolvimentos alternativos. Sobretudo, estimula a pensar as conexões entre a natureza desses estudos e uma peculiar forma

1. E ste com entário foi elaborado para a discussão da primeira versão do texto cie Maria Luiz a Heilborn e Biia So rj, reaii'/.ada no dia 18 de novem ­bro de 1998. M uito do que esteve cm debate foi incorporado pelas auto­ras n o texto finai, cie m odo que mantive nestas notas apenas algumas ponderações gerais.

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224 M a r i a F i i .o m k n a G r h g o r i

de institucionalização desta área no país. Conexões certam ente particulares se comparadas com outras áreas de investigação, dada sua articulação capilar com os m ovim entos fem inistas. E ssa capilaridade, antes de representar — com o às vezes está implícito em ponderações positivistas — o desenvolvimento de noções que serviriam para sofisticar uma ideologia, tem potencial crítico: os estudos de gênero têm demonstrado que posições políticas, éti­cas e morais podem estimular um diálogo profundam ente rico com as noções arraigadas na vida social e, também, com aquelas elaboradas pela produção acadêmica.

Ao apontar as tendências e perspectivas dos estudos de gê­nero, Bila Sorj e Maria Luiza H cilborn buscaram um recorte que

organizasse a reflexão em meio à característica diversidade e descontinuidade dos estudos nesse período. A tarefa certam ente não foi fácil e exigiu uma dose considerável de coragem em enfrentar críticas num campo que, por sua peculiaridade, é tam­bém um cam po de tomada de posições políticas. Chamam a aten­ção, em particular, os insights sobre a institucionalização da área nas ciências sociais.

A tarefa que me cabe não é certam ente a de argüir. G ostaria que as im pressões ou ponderações que se seguem fossem antes

tomadas com o sugestões para balanços futuros, sob duas pers­pectivas: com o leitora com afinidade e alguma proximidade com esses estudos, fiquei instigada a aprofundar algumas das conside­rações elaboradas, ao passo que fiz também o esforço de ler o texto com o se fosse uma leitora de fora da área, de m odo a tornar mais acessíveis àqueles que têm pouco contato com esta problemática alguns dos pontos apresentados.

* * *

Em vez de desenvolver o texto sobre as relações entre os conceitos de classe, gênero e etnia — com o proposto no título do

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I í s t u d o s d k G k n k r o n o B r a s i i . ( C o m k n t á r i o C r í t i c o ) 2 2 5

projeto geral e divulgado no prospecto da A npocs —, as autoras circunscreveram seu foco de observação aos estudos de gênero e sua interface com temáticas com o trabalho, violência, família e sexualidade, o que constitui uma opção compreensível. Ainda que o conceito de classe tenha sido im portante nos primeiros estudos sociológicos sobre o trabalho feminino no início da década de 70, os quais tentaram articular a teoria marxista e a variável m ulher (destacando-se o estudo da professora Heleieth Saffioti), não há dúvida de que o rendim ento do conceito marxista de classe é baixo cm se tratando da perspectiva de gênero. Km outros term os: as teorias de inspiração feminista que vieram a form ular ou consagrar o gênero com o categoria analítica problem atizaram a validade ou centralidadc do conceito de classe na produção de conhecim ento sobre a vida social c as relações dc poder.

Hmbora essa ponderação pudesse ser mais bem esclarecida no texto — de form a a qualificar m elhor os interlocutores c o diálogo teórico com o marxismo na década de 70 - , esta seria uma tarefa que, sem dúvida, limitaria o propósito das autoras, que con­sistiu em tom ar com o recorte de avaliação justam ente a transição de um a perspectiva de investigação que visava preencher as lacunas do conhecim ento sobre a situação das m ulheres nas várias esferas da vida social (p. 4), e que, nesse sentido, tomava a variável m ulher com o recorte em pírico (os cham ados “estudos sobre m ulher”), para um a abordagem que com eça a desenhar gênero com o concei­to, a partir da década de 80. Essa tom ada de posição — enfrentar essa passagem — foi m uito pouco enfatizada ou tratada nos levan­tam entos sobre m ulher em vários cam pos temáticos (como, por exemplo, nos vários levantam entos publicados no BIB). Nesse sen­tido, a opção tem m érito e é inovadora. Creio, apenas, que poderia ser estratégica a m enção mais explícita sobre o uso e o sentido problem áticos do conceito de classe nos estudos de gênero.

O conceito de etnia, po r sua vez, não foi contem plado. E en tendo que nào o foi pelo fato de que no Brasil — diferen tem en­

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226 M a r i a F u .o m k n a G r k g o r i

te dos E stados U nidos, p o r exem plo - os estudos de gênero têm incorporado, e apenas m uito recentem ente, não a perspectiva ét­nica propriam ente dita, mas a racial2. M uito em bora tenham p ro ­liferado, nos últim os cinco anos, estudos que ten tam abordar diferentes problem áticas sobre as m ulheres negras, principalm en­te nos cam pos do trabalho e da violência, eles ainda não enfren­taram a discussão teórica sobre a articulação possível en tre os conceitos de gênero e raça, que em si, com o sabem os, já repre­senta desafio. D esta form a, trata-se de pesquisas que procuram investigar a variável em pírica m ulheres negras nas diversas esfe­ras sociais, mas que ainda não fizeram a transição para a discus­são sobre categorias analíticas — ponto , com o já disse, estratégico do balanço.

Esclarecida essa dim ensão do recorte, passem os a ou tro ponto. Já m encionei a im portância da prim eira parte do texto, que objetiva form ular hipóteses sobre a institucionalização dos estudos de gênero no Brasil. Por que essa dim ensão é im p o rtan ­te? Além da relevância de descrever a form ação de um cam po de estudos e estudiosos e suas im plicações no desenvolvim ento de conceitos e escolhas temáticas, no caso da área de gênero é preci­so realçar a sua capilaridade com o desenvolvim ento do fem inis­m o com o m ovim ento social. Se há essa particularidade, ela preci­sa ser exam inada, e foi justam ente a isso que as autoras se p ro p u ­seram , tom ando com o referência com parativa a relação en tre m ovim ento e academ ia aqui e nos E stados Unidos. C om parado aos fem inism os norte-am ericanos, os m ovim entos no Brasil nu n ­ca tiveram a m esm a inspiração radical. Tiveram orientação mais “m oderada” , ou seja, mais articulada aos discursos e in terven­ções da esquerda. E significativa, nesse sentido, a relação ainda não inteiram ente resolvida entre m ovim entos de m ulheres e m o ­

2. Ilustrativo, nesse sentido, o g rupo “G ênero e raça” reunido no E ncontro da A N PO CS de 1992.

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vim entos dc consciência feminista. Q uais os efeitos desse fato sobre a institucionalização da área de estudos? N esse pon to , o texto traz um dado im plícito: da m esm a form a que o fem inism o aqui en trou no cenário político sem enfren tar radicalm ente as esquerdas, os estudos de gênero foram incorporados pelo âm bito acadêm ico em meio a um exercício m enos tum ultuado e, de certa form a, despolitizado. C om o afirm am as autoras, aqui as fem inis­tas acadêm icas não desenvolveram estratégias dc cnfren tam ento diante das organizações científicas, o que de certa form a facilitou sua incorporação, mas esse procedim ento resultou, por ou tra parte, num a espécie de apaziguam ento do seu potencial crítico, tanto em relação a não se criticar divisões disciplinares, deferências acadêmicas e hierarquias, quanto ao potencial crítico vigoroso que a teoria fem inista tem dem onstrado fora do Brasil em rela­ção aos fundam entos científicos e teorias consagradas. C) argu­m ento é forte e, sem dúvida, verossímil. A penas incom oda um certo pressuposto im plícito que supõe o criticism o ou radicalidade am ericanos com o m odelo de explicação, sem fazer um exame mais detalhado das particularidades da relação que aqui se esta­beleceu e se estabelece en tre a m ilitância c a área de estudo e estudiosos.

H eloísa Pontes, em um interessante artigo intitulado “ Pai­xão e com paixão: militância e objetividade na pesquisa a n tro p o ­lógica”3, conta um pouco das vicissitudes enfrentadas na expe­riência dc ter sido “dublê” de m ilitante e pesquisadora, relato com o qual me identifico inteiram ente. Essa relação levou, em m uitos casos, a um a situação de lim inaridade, em virtude dc pelo m enos duas resistências. D e um lado, um a certa concepção, m ui­to em voga nos g rupos fem inistas da década de 80, de que qual­quer apropriação individual de conhecim ento é indevida, pois se acreditava que o conhecim ento deve ser gestado na prática cole-

3. Revista de Antropologia, vol. 36, 1994, pp. 123-135.

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tiva e autônom a. Tal concepção fez de nosso reconhecim ento pelo g ru p o um reconhecim ento pela m etade: lá éram os tom adas e tra tad as c o m o “ as acad êm icas” , co m to d a a d is tân c ia e com edim ento que esse rótulo implica. A outra resistência vinha da academ ia, cujas concepções mais objetivistas do conhecim en­to sem pre afirm aram o risco de que a identificação com o objeto nos transform asse em “pesquisadoras pela m etade” , e que o pa­pel do intelectual estaria sendo reduzido a instrum entalizar trans­form ações sociais c, quando-muito, a organizar ou divulgar teori­as nativas. N ão e s to u e n tre aq u e les que ac red itam que a capilaridade entre o m ovim ento e pesquisa to rne vulneráveis ou m enos científicos os estudos dessa área. Mas essa capilaridade já p roduziu criticas no cam po acadêm ico, ainda naquela década, com o a de que os estudos da área estariam p o r demais im pregna­dos pelas m arcas ideológicas do m ovim ento, ou sobre o risco de se transfo rm ar a observação participante (instrum ento da pesqui­sa qualitativa) em participação observan te4 — críticas que, a m eu ver, deveriam ser agora enfrentadas, nom eadas e debatidas.

E ssa dupla resistência levou as estudiosas do cam po a um a situação de lim inaridade, e explica, em parte, a incorporação m o ­derada dessa área de estudos pelas ciências sociais: sem a aliança do m ovim ento e sem o total reconhecim ento pela academia.

C olocar esse problem a parece in teressante para qualificar um a outra sensação que tive ao 1er o texto. O balanço tom a com o foco (talvez de form a m uito rigorosa) os estudos p roduzi­dos p o r autores participantes da área — dos grupos de discussão, dos núcleos ou cen tros de pesquisa —, não havendo preocupação em escru tinar as contribuições que os estudos de gênero tiveram e têm para outros estudos em outras áreas das ciências sociais.

4. Sobre essa questão, consultar o artigo de Eunice D urham “A pesquisa antropológica com populações urbanas: problem as e perspectivas”, em Car­doso, Ru th (org.), A aventura antropológica, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

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l i S T U D O S o i ; G k n i - r o n o B r a s i i . ( C o i M i í n t á r i o C r í t i c o ) 229D e fato, as autoras têm razão ao afirm ar que ainda hoje é lim ita­da e desigual a incorporação das perspectivas de gênero nas dis­ciplinas. N a antropologia a in terlocução é mais intensa — o que seria relativo a certa afinidade en tre cam pos tem áticos há algu­ma incorporação pela sociologia (principalm ente a sociologia do trabalho); e na ciência política a penetração é quase nula. E las m ostram essas limitações e irregularidades, apresentando dados sobre teses produzidas cm diferentes departam entos. E m bora esse levantam ento tenha se restringido ao M useu N acional e ao luperj, creio que, de m odo geral, o argum ento vale. E ntre tan to , consta­tar essa limitação não é suficiente. Seria valioso buscar nos estu ­dos que não são de gênero stricto sens/i o im pacto de algumas form ulações da área. H á estudos (vou citar poucos, talvez os mais óbvios) que pressupõem a im portância de um a certa con ­cepção de gênero, com o os de Teresa Caldeira, Alba Zaluar e Sonia Alvarez5, que enfren taram a problem ática e tentaram esta­belecer diálogos. São abordagens que tangenciam a antropologia e a ciência política (esses trabalhos versam sobre os m ovim entos sociais, tem a im portan te para a form ação do cam po de investiga­ções da cultura política) e que não foram incorporadas na análise. Tentei pensar o m otivo disso e cheguei a um a hipótese: será que o balanço não pecou p o r excessiva endogam ia? E com o se aquela lim inaridade im posta pelas duas resistências fosse sendo trans­form ada em fronteira e, num a expressão mais tola, em “ panela” . Se os estudos têm baixo im pacto nas dem ais áreas de conheci­m ento p o r um a desvalorização m eio difusa daquilo que se consi­dera estudos de m ulher, é preciso trazer com o hipótese um p ro ­

5. Além do estudo de Teresa Caldeira de 1984 (citado no texto das autoras), há o artigo “Mujeres, cotidianeidad y política” , cm jelin , Elizabeth (org.), Cindeidciiiiei e ideutidad., G enebra: Unrisd, 1987; o livro de Alba Zaluar, Condo­mínio do diabo, Rio de Janeiro: UFRJ, 1994; o livro organizado por Sonia Alvarez, Evelina Dagnino c A rturo Escobar, Ciillirres o f polities, polilics of cultiires, Colorado: Westview Press, 1998.

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vável isolam ento da própria área e um paralelism o em suas rela­ções com as ciências sociais com o um todo. Talvez p o r isso eu tenha achado tão sintom ática essa nao-incorporação, no texto, de estudos de gente que não freqüenta sistem aticam ente os g rupos de discussão m as que com eles dialoga.

Vale a indagação sobre um a o u tra hipótese: a de que a antropologia brasileira das últimas décadas é p rodu to ra de rico material descritivo sobre a sociedade brasileira. Mais do que nos em penhar na tarefa d e ‘buscar os desdobram entos conceituais e fazer crítica teórica, usam os conceitos com o m etáforas explicati­vas de um a realidade a ser interpretada. O p róprio m odo de constru ir nossos objetos e nossas in terpretações carece de um esforço teórico mais consistente. Podem os até dizer que a força do nosso conhecim ento está em p ro p o r novas form as de o lhar para a realidade, sem , no entanto, discutir quais as im plicações dessas novas form as de o lhar sobre o conhecim ento produzido e com o tem sido produzido. N ão é o caso aqui de sofisticar essa análise sobre as particularidades da antropologia. C ontudo, que­ro salientar que en tender o im pacto diferencial que as teorias fem inistas têm nos E stados U nidos e no Brasil tem a ver tam bém com um a particularidade de cam pos da antropologia brasileira, sua tradição e seus desenvolvim entos recentes.

Uma outra questão: fiquei m uito bem im pressionada com a segunda parte do texto, intitulada “ O conceito de gênero — em ­bates teóricos” . Mas tive algumas dificuldades de en tendim ento , principalm ente com a parte referente ao debate sobre o gênero na antropologia. C om o imaginei que essa discussão tinha sido elaborada p o r M aria Luiza H eilborn , fui reler seu artigo “A n tro ­pologia e fem inism o”6, onde propõe, em conjunto com Bruna Francheto e M aria Laura Cavalcanti, pensar as conexões entre antropologia e fem inism o, e o artigo publicado na revista Estudos

6. Perspectivas antropológicas cia Mulher '/, Rio de Janeiro: Zahar, 1981

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I i S T U D O S D l i G l i N l i R O N O I iR A S l I . ( C o . M l i N T Á R I O C R Í T I C O ) 231Feministas em 1993, intitulado “G ênero e hierarquia - a costela de A dão revisitada” . Reconheci nesse segm ento um esforço de con ­densar as discussões desenvolvidas nos artigos m encionados. Mas m uito da elaboração que justifica a escolha de determ inadas teo ­rias em detrim en to de outras e a discussão teórica com aqueles conceitos se perdeu nesse esforço de síntese.

Creio que o texto deveria ser am pliado para to rnar mais claro a um leitor de fora da área qual é o sentido mais fundo desses em bates e, fundam entalm ente, qual a im portância que esse debate tem nas discussões em preendidas pelos estudos de gênero no Brasil, tan to na perspectiva de um a reflexão teórica, com o em que m edida o acom panham ento ou a leitura desses em bates entre as teóricas fem inistas têm influenciado os trabalhos em píricos, a form ulação de novas áreas tem áticas para investigação etc. A cho que a estratégia do tipo “breve panoram a” para expor discussões difíceis do p o n to de vista conceituai não favorece o leitor. Senão vejamos, e é só um exemplo.

Para o conjunto de cientistas sociais brasileiros, ainda é m uito vigorosa a noção de que gênero im plica a distinção en tre os atributos culturais alocados a cada um dos sexos e a dim ensão diferencial em term os, digam os, biológicos dos seres hum anos. Penso que in troduzir os novos questionam entos e implicações dessa distinção tratada ora com o um a polaridade, ora com o críti­ca ao p róprio em prego do conceito de gênero, necessitaria um m aior cuidado na enunciação do trajeto da discussão, com o foi feito no artigo de 1981 e, tam bém , no de 1993. N o prim eiro, depois de se circunscrever os principais eixos de discussão das teóricas do fem inism o (Simone de Beauvoir, Shulam ith F irestone e Evelyn Reed) e discutir diferentes abordagens para o pressu­posto que identifica a condição da m ulher com o a de opressão, H eilborn , F ranchetto e Cavalcanti rastreiam a incursão da p ro ­blem ática fem inista na antropologia, a partir da década de 70. Selecionaram -se autoras com o Gayle Rubin, M ichele R osaldo e

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A tkinson. D e uni Iado, Rosaldo e A tk inson problem atizam a de­term inação biológica da condição fem inina m ediante a discussão sobre a assim etria sexual entre os ilongot das Filipinas — o in teres­sante é que as au toras não em pregam o term o “opressão’', mas “assim etria” , com o diferença sem um a implicação necessária de subordinação. E mais: as autoras, sem falar em subordinação, consideram um a distinção que é culturalm ente hierarquizada e que pode ser encontrada cm grande parte das sociedades tribais. Gayle Rubin (citada no texto de balanço) retom a o prob lem a dá opressão com sua idéia de sistemas sexo-gênero. Sua hipótese é a de que a subordinação fem inina deve ser explicada com o p ro d u ­to das relações pelas quais os sistemas sexo-gênero sao p roduzi­dos e organizados. A frase do texto-baíanço “o argum ento cen­tral à idéia de sistem as de sexo-gênero é a transform ação operada na ordem da cultura pela transform ação num a relação de o p res­são (denom inada p o r Rubin de dom esticação da m ulher)” (p. 13) só é passível de com preensão (para quem nào é e tnó logo ou não está p o r den tro da discussão das teorias de gênero) se en tender­m os que o diálogo de Rubin é com Lévi-Strauss (com o está salientado no artigo de 1981) e a noção de que a m ulher, m esm o de tendo um a posição privilegiada no conjunto dos bens troca­dos, erigida em signo cultural, sím bolo da luta do hom em contra a N atureza, perm anece dádiva trocada en tre grupos m asculinos, sob a tutela dos quais está tanto antes quanto depois do casa­m ento. For não considerar esse fado da questão, a teoria sociaí de Lévi-Strauss seria um a teoria implícita da opressão feminina.

A questão nova que esse em bate traz — e isso tem a ver com as publicações dos finais da década de 80 — é a do questionam ento da validade do p róprio uso do conceito de gênero. Judith Butler se pergunta se o sexo fornece alguma auto-evidência que perm ita contrastá-lo ao gênero, de m odo que esse conceito é falacioso na m esm a m edida em que o que caracteriza é o contraste com catego­rias que foram gestadas com o se fossem a-históricas.

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IiSTUDOS Dl- G fiN liRO NO BRASII. (COMKNTÂRIO CRÍTICO) 2 3 3

Creio que a contribuição de M aria Luiza H eilborn ao re to ­m ar o conceito de gênero para pensar p o r que a classificação p o r gênero com porta hierarquia - e à luz das teorias de Louis D um ont— poderia passar p o r um a explicitação mais clara com o no a rti­go de 1993, a fim de m elhor esclarecer o leitor. N o texto, a única contribu ição relevante sobre essa discussão parece ser a feita p o r esta au to ra , não se fazendo m enção a nenhum ou tro au to r nacional. A título de exem plo, recom endo o artig o de A driana Piscitelli, “A m bivalência sobre os conceitos de sexo e gênero na p ro d u ção de algum as teóricas fem inistas” , no livro Gênero e ciências humanas, de 1997, o rganizado p o r N eum a Aguiar. Além de ser um com entário in teligente, Piscitelli in co rp o ra o u ­tras au to ras d o debate in ternacional, com o D o n n a Havaway e C arole Patcm an, que tiveram e têm tido im pacto sobre alguns estudos desenvolvidos no Brasil.

C om o essas críticas ao conceito de gênero têm sido lidas no Brasil? E m que m edida esse em bate está abrindo perspectivas de novas tem áticas de investigação? Levanto essas questões p o r o b ­servar um gap en tre essa parte m ais teórica, cm que diferentes noções sobre o gênero são tratadas, e o escrutín io dos tem as nos estudos brasileiros, tom ados com o exem plos para pensar as ino­vações cognitivas que a utilização do conceito prom ove.

N o item “G ênero e trabalho” há um a periodização clara articulada à relação en tre certos paradigm as explicativos e a defi­nição de cam pos em píricos e a crítica a esses paradigm as, co rres­ponden te à definição de novos referentes em píricos. As autoras m ostram com o na década de 70 o m arxism o m arcou a análise da participação da m ulher no m ercado de trabalho, m om en to em que o em prego fem inino era mais um a variável que dependia de explicações de o rdem econôm ica e ainda sem fornecer um qua­dro explicativo sobre as peculiaridades da m ão-de-obra feminina; na década de 80, as autoras salientam os novos im pulsos sofridos pela subárea, a partir da crítica da auto-suficiência das explica­

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ções econôm icas e, em particular, pelos estudos que estabelece­ram um a conexão analítica entre a situação das m ulheres no m er­cado de trabalho com variáveis decorren tes de sua situação na esfera da família; e, finalm ente, os estudos da década de 90, que buscam conhecer com o as ideologias de gênero se inscrevem no sistem a fabril e orientam práticas de gestão diferenciadas, a fetan­do desigualm ente hom ens e mulheres.

M as g ênero nesse segm ento não é expressão afetada pelo em bate sobre o conceito , tal qual foi desenvolvido no segm ento anterior. Aliás, é tom ado , se eu bem in te rp re te i, com o conceito que ainda guarda v igor e relativo a experiências em que a d is­tinção sexo-gênero serve para pensar desigualdades na e s tru tu ­ra social.

Esse m esm o gap está presente no segm ento sobre a violên­cia com o área de investigação. Talvez os últim os estudos desen­volvidos pela p ro fessora Saffioti tragam alguma articulação mais vigorosa com o teo r das discussões sobre o conceito de gênero, na m edida em que afirm am que as relações sociais de sexo sem ­pre apontam para um horizon te de coerção física no m odo com o se estru turam . A sugestão que faço sobre esse segm ento é a de incorporar um a dim ensão tem poral no balanço sobre as d iferen­tes abordagens. N ão são apenas linhas distintas de investigação nessa subárea da violência. As datas das obras im portam . O estu ­do de M ariza C orrêa (1983) é seminal e foi da discussão dele que novos estudos surgiram , alguns até com novos desenvolvim entos conceituais — com o os de G uita D eb ert e Danielle A rdaillon (1987).

O m eu estudo (G regori, 1993) vem de um a discussão sobre o atendim ento feminista, mas aparece com o um a crítica ao trata­m ento, a m eu ver, insuficiente dos estudos feministas do perío­do: em particular, indaguei sobre a validade da polarização entre vítim a e algoz para en tender a violência conjugal e, especialm en­te, no rendim ento que essa abordagem polar tinha sobre a eficá­

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cia d o atendim ento. D iscu to a vitim ização, não a cum plicidade. H eleieth Saffioti parte de um a crítica a essa posição e in tenta explicar a virtualidade da violência nas relações sociais de sexo. N essa m edida, em butir a polêm ica na abordagem talvez fosse algo revelador sobre os desenvolvim entos cognitivos que o co n ­ceito de gênero prom ove. Se existem d iscordâncks, elas devem ser apontadas, para que o balanço perm ita um m aior conheci­m ento sobre o debate.

N a última parte do texto, as autoras tratam dos estudos sobre família e sexualidade. N esse cam po tem ático, a perspectiva de gênero tem sido bastante vigorosa e tem indicado questões interessantes para pensar as transform ações dos arranjos e confi­gurações familiares pela dissem inação da ideologia fem inista, p o n ­derando sobre essas m udanças em g rupos sociais distintos, com o os das cam adas médias ou os dos setores populares. Sobre a sexualidade, a contextualização é bem feita, tom ando inclusive com o origem os estudos sobre o desvio em preendidos pela so ­ciologia e antropologia urbanas. Im portan te assinalar que no tra­tam ento dessa problem ática parece haver m aior consonância en ­tre a descrição dos estudos c os desenvolvim entos cognitivos operados ao conceito, tal com o foi desenvolvido no segm ento teórico sobre o gênero.

O com entário pára p o r aqui e gostaria de m anifestar o m eu agradecim ento p o r ter tido a oportun idade de discutir este texto, de reaproxim ar-m e do debate, esperando que, daqui em diante, eu possa m erecer ser cham ada de acadêm ica fem inista — agora, sem aspas.

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S o c io l o g ia d a Rel ig iã o

ÁREA IMPURAMENTE ACADÊMICA

Antônio Flávio Pierucci

]~i% a cama na varanda me esqueci do cobertor

deu m u vento na roseira (ai, meus cuidados!)

me cobriu todo de flor. (do folclore brasileiro)

"Ninguém a li separava. ”

(Rubem César Fernandes, entrevista, 1997)

In t r o d u ç ã o : p u r a m is t u r a x c iê n c ia p u r a

Im puram ente acadêm ica ou academ icam ente im pura?Qual deve ser o adjetivo, qual o advérbio? Q uero crer que

para expressar “ meus cu idados” pouco im porta a o rdem dos fatores, desde que passe a idéia de que para grande parte dos cientistas sociais que estudam religião no Brasil existe um a espe­cial dificuldade de decidir até onde, em seu trabalho intelectual, vai a ciência e até onde vem a religião, dificuldade séria de de­m arcar o con traste com a não-ciência, de se dem arcar reflexiva­m ente sabendo onde com eça um a c onde term ina a outra, assim com o há, da parte dos leitores, a dificuldade correlata de saber se os autores não estariam na verdade falando sobre si m esm os1.

1. “L endo sobre os pcntccostais, não pude lugir à im pressão dc cjue os au to­res escreviam tam bém sobre si m esm os” , já dizia vinte anos atrás Rubem César Fernandes (Fernandes, 1977: 58).

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Dilem as que se exponenciam quando o au to r se m ete a estudar sua própria religião. O que, aliás, costum a acontecer. (É m uita illusio junto, diria Bourdieu.)

A locução “puram ente acadêm ico” , logo que a li, pareceu- m e a mais com pleta tradução daquilo que há algum tem po ando cism ando que não é lá exatam ente o fo rte da especialidade cientí­fica que escolhi com o métier, a sociologia da religião, ram o desde as origens prestigiadíssim o pelos clássicos franceses e pela alta sociologia alemã. E sta, com o se não bastasse, lhe deu até nom e próprio — Religionsso^iologie. A propósito: à coleção mais im por­tante de seus escritos de sociologia, editada em três volum es a partir do ano de sua m orte, 1920, Max W eber deu o n o m e de Gesammelte Aufsätze %ur Religionsso^iologie (GARS, 1920-1922), E n ­saios Reunidos de Sociologia da Religião. N ão é preciso dizer mais nada.

Se, para o ofício de cientista social tout court, tem sido com pli­cado conseguir das ciências duras, as exatas e as (outras) ciências da vida, o reconhecim ento de sua legítima pretensão de cientifici- dade, o que dizer desse obscuro e marginal ofício de sociólogo da religião? D iretam ente envolvido nos cam inhos da pesquisa social sobre religiões e religiosidades no Brasil, área em que por sinal a produção só tem feito crescer quantitativam ente nos últimos anos a um a taxa superior à de diversas outras subáreas da sociologia (Aguiar, 1997), incom odado com os descam inhos e desandanças recorrentes nos a rroubos de elaboração teórica a que às vezes alguns se atrevem no interior desta especialidade disciplinar à qual tenho dedicado com muito prazer grande parte de m inha vida de sociólogo, mais de um a vez já me dei o trabalho de cham ar publi­cam ente a atenção para os riscos implicados na maciça presença entre nós, quem sabe excessiva ou quem sabe excessivamente tole­rada, de “interesses religiosos” mobilizados não m uito às claras e com escassa reflexividade por sociólogos am antíssimos do valor da religião, am orosíssim os para com as mais diversas form as de

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S o c i o l o g i a d a R k i .i g i Ao - á r i í a i m p u r a m k n t k a c a d ê m i c a 2 3 9

religiosidade e, ao m esm o tem po, desconfiados do que quer que se proponha ou se almeje com o m étodo científico, rigor científico, validade científica. Críticos, num a palavra, da “ciência pura” . E, por coerência, críticos da busca (“positivista” , vão dizer) de cienti- ficidade e objetividade na prática das “ciências” sociais em geral. A titude tantas vezes explicitamente reiterada, se não de recusa, certam ente de desapreço pela distintividade da ciência e do m éto­do científico que, convenham os, só poderia ter com o conseqüência facilmente antecipável, se bem que obviam ente não desejada por esses hom ens de boa vontade, o efeito bum erangue de atingir em cheio a credibilidade científica da sociologia da religião ou da an tro­pologia da religião2 elas mesmas, que esses “ sociólogos religiosos” continuam fazendo, autocentrados no próprio circuito estreito de interessados (500 ou 600 pessoas em todo o país, calculava Rubem César em 1997), escanteados nessa pequena nebulosa sem poder de fogo, pouco prestigiados “no m eio” , objetivam ente punidos e, no entanto, com a ilusão dc seguirem im punes p o r seu declarado desam or à “ciência pura” . Im puram ente acadêmicos, relutantes em seguir as regras do jogo do cam po científico, seguem m isturando as cartas sem saber a quem atribuir a mala saerte de sua débil institucionalidade acadêmica, a injustiça de sua posição marginal no cam po científico, com o sc o m undo acadêmico não fosse um seletivo cam po dc batalha com regras bem conhecidas ou um ni­nho de cobras criadas com copos de cólera em to rn o e em busca da definição do m érito científico stricto sensu.

A expressão que uso no sub títu lo não é de m inha lavra. C em p o r cen to feliz na tem atização que faz da pureza acadêm i­ca a p ro p ó sito dc alguns personagens da tram a, aflo rou num a

2. Antropologia da religião: estaria correta esta form a de nom ear a disciplina? Tem lógica esta classificação que encontro aqui e ali en tre antropólogos, m as não com muita freqüência, soando assim aos meus ouvidos, p o r causa justam ente dessa escassez de uso, com o se ainda não tivesse foros de plena cidadania acadêmica?

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entrev ista de R ubem César F ernandes a Regina Novaes. A en ­trevista foi dada em 1997, tendo em m ira a com em oração do 20° aniversário da revista Religião & Sociedade, cujo núm ero 1 saiu em m aio de 1977.

Vejamos o que disse Rubem César no m om ento da en tre ­vista em que, declinando uma por um a as filiações religiosas dos m em bros do prim eiro C onselho Editorial de Religião & Sociedade, descreve ao m esm o tem po um pouco do ethos que desde o início anim ou aquela iniciativa acadêm ico-editorial:

Pergunta - P e rg u n to -m e p o r que p revaleceu a idéia cie fazer urna revista acadêm ica? P o r um lado, havia um in teresse nas re lações en tre re li­g ião e sociedade, no exam e das re lações sociais, m as, p o r o u tro , n o início do ISER estava p re sen te certa trad ição a tu an te d a e sq u erd a p ro tes tan te . ( ) qu e havia em com u m en tre as p essoas que fo ram convidadas para c o m p o r o C o n se lh o de R edação?

Rubem - O lh a n d o o C o n se lh o de R edação, c laram en te po d e-se n o tar aí p a r te da rede de p esq u isad o res que se en co n trav am n o ISER . H á vários p ro tes tan tes aqui: E lte r D ias M aciel, W aldo C ésar, Jacy M araschin , Je th e r R am alho, O sw aldo E lias X idieh , C hristian Lalive D ’E pinay (de G en eb ra , q u e e n tro u p o rq u e estudava p en teco sta lism o a conv ite d o C o n se lh o M u n ­dial de Igrejas). V ocê tem um c ircu ito aqui, co m nom es bem expressivos do m u n d o ecum ên ico que fo ram para a universidade. U m a in te lectualidade p ro tes ta n te que m igrou para a universidade n os an o s da d itadura e que se o rg an izo u n o ISE R , que se reencontrava no ISE R . E n tão , era e n q u an to pesqu isadores de religião que eles estavam aí.

D ep o is tem um o u tro g ru p o , um o u tro c ircuito , que e um c ircu ito católico. E stavam : o [A fonso | G regory, q u e é b isp o , A lberto A n ton iazzi, F ran c isco C artaxo Rolim , E d u ard o H o o rn aert, E dênio Valle, Jo sé O scar B eozzo. D e m an e ira sem elhan te ao c ircu ito ecum ên ico , d e n tro da igreja católica eles são intelectuais. Pesquisadores pa ra o lado das ciências sociais e da h istó ria , não pa ra o lado d a teologia. Fauem parte do c ircu ito de in te lec tua is cató licos, no qual se destacam P ed ro R ibeiro de O liveira e T h o m a s B runeau.

(É justam ente nesta hora que lhe ocorre o sintagm a que hoje me interessa tanto:)

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E tem g en te que vem d o m undo p u ra m e n te acadêm ico: C ândido P ro có p io C am argo , René R ibeiro e Y vonne M aggie, que estava e n tra n d o na área, e s tu d an d o a u m banda e o candom blé. Ralph D ella Cava estava, tam ­bém havia in te resse cm inclu ir b rasilian istas (...) E n tão , era u m a rede, um a rede de d ife ren tes pesqu isadores que se aproxim avam pelo fato dc estu d ar religião (Fernandes, 1997).

É bem significativo o con tex to im ediato em que se insere o sintagma. E stá-se falando dos prim ódios dc um a revista sobre a qual a an tropóloga Regina N ovaes, sua coordenadora dc redação, se pergunta p o r que é que desde o início ter-se-ia definido com o um pro jeto acadêm ico. E term ina-se falando sobre “quem era quem ” no prim eiro C onselho de Redação. (3 entrevistado olha para a lista de nomes. Reconhece im ediatam ente ali três grupos que, num ato que é de análise mas tam bém dc inconfidência bem intencionada, vincula a três diferentes circuitos de intelectuais, dois desses circuitos identificados prima facie p o r vínculos dc per­tença religiosa: o circuito p ro testan te , tam bém cham ado ali de “m undo ecum ênico” |Se se acrescentam os nom es de Rubem Alves e do p róprio Rubem César, am bos da C om issão Editorial, os pro testan tes eram oito.] e o circuito católico [Tam bém eram o ito os católicos. Parece que não ocorreu ao entrevistado exam i­nar a segunda com posição do C onselho de Redação, estam pada já no segundo núm ero da revista, de novem bro do m esm o ano, com um nom e a mais no elenco dc católicos: Leonardo Boff. Ficaram sendo nove os católicos, ligeiram ente m ajoritários num C onselho de Redação com posto dc vinte nomes.]

F inalm ente, ao lado desta avantajada representação da in te­lectualidade cristã nos quadros da revista, o g rupo m en o r de todos. Q ue o entrevistado poderia ter cham ado sim plesm ente de laico (Jai'c, à m oda francesa) ou agnóstico. E ram apenas quatro no C onselho de Redação: C ândido Procópio Ferreira de Cam argo, René Ribeiro, Y vone M aggie (ainda com o nom e de Y vone Alves Velho) e Ralph Della Cava. Circuito m inoritário no primeiro Conse-

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lho de Redação, diga-se a bem da verdade, mas não na área com o um todo. |N<?í> se deve, porém, esquecer de contar entre os intelectuais não- religiosos na cúpula da revista os nomes de A lba Zaluar", antropóloga da U NICAM P, Jayme Pinsky\ historiador ligado à editora H U C ITE C , e Dug/as Teixeira Monteiro, sociólogo da USP, de passado protestante mas que há muito tempo abandonara a religião, integrantes da Comissão Edito­rial e não do Conselho de Redação.] A estes cientistas sociais o en tre ­vistado preferiu ro tu lar (m agistralm ente) de “gente que vem do m undo puram ente acadêm ico” . O u seja, da inteligência acadêm i­ca, circuito institucionalizado de intelectuais voltados para as ciên­cias e a crítica das artes, com interesses p lenam ente intelectuais e pretensões até m esm o existenciais de co rresponder ao tipo ideal da esfera intelectual autônom a.

N o uso de um sintagm a, o entrev istado rem etia os outvos dois g rupos para um a zona lusco-fusco, m isturada, em baralhada, cruzada, a twilight %one do im puram ente acadêm ico, onde intelec­to e sacrifício do intelecto, valha a expressão weberiana, ou tra coisa não fazem a não ser confundir-se m utuam ente ou , p ior ainda, lim itar-se reciprocam ente em suas lógicas específicas, não raro se m utilando em sua própria utilidade, em sua específica serventia, co rrendo o sério risco, ciência social e religião, de as­sim m utilarem irrem ediavelm ente seus próprios p rodu tos intelec­tuais. C ontra a vontade, m as irrem ediavelm ente.

Ligações perigosas, pois. Perigosas para quem ? Para a ciên­cia em si, não, m esm o que sejam relações m antidas publicam ente em nom e da ciência, em nom e de um projeto acadêmico, sob o signo do conhecim ento p ropriam ente científico; perigosas sim, antes de m ais nada para aquelas disciplinas das ciências hum anas

3. “Alba Zaluar chegando totalmente de fora do m undo religioso. Tinha uma formação secular, marxista, de cientista social. Mas tam bém se interessava pela dimensão simbólica que estava na religião. N este prism a mais acadêmico a religião interessava com o um indicador social, expressão de relações so­ciais. Esse era u quadro dc referência da Alba.” (Fernandes, 1997: 10)

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diretam ente envolvidas, mais vulneráveis que são, mais indefini­das p o r natureza; moles. Seja qual fo r a ciência hum ana enredada nisto — psicologia, antropologia, sociologia da religião — seus p rodu tos carecerão da necessária nitidez dos resultados científi­cos, am bíguos os p rodu tos tan to quanto am bíguas as relações de interesse que os produziram .

E ntrev istadora e entrevistado pretendiam a reconstituição de aspectos im portantes da história da revista que pudessem even­tualm ente inspirar-lhe novas diretrizes. In teressados no resgate, ainda que parcial, de um a determ inada m em ória institucional que c, sem dúvida, de im portância crucial para quem faz, fez ou fará ciências sociais da religião neste país, davam início ali a um a avaliação sincera da trajetória — irregular, acidentada, cheia de percalços m as tam bém perm eada de sucessos inesquecíveis, ge­nerosa em contribuições tópicas inestim áveis — da única revista científica brasileira especializada em religião, nascida do interesse científico na religião ao m esm o tem po que da convicção da im por­tância da religiosidade na cultura brasileira e do valor logístico das instituições religiosas nos “anos de chum bo” da ditadura m ilitar a partir de 1964. Um em preendim ento , po rtan to , antes de mais nada acadêm ico.4 Mas não só, não totalm ente, com o fica evidente desde logo no contex to da entrevista em que foi p ro fe ­rido o sintagm a, um rom pante providencial de R ubem César Fernandes, um tiro na mosca. C asualm ente com o surgiu, caiu com o um a luva, ajustando-se perfeitam ente ao sentim ento que

4. A apresentação do primeiro núm ero afirmava o seguinte no primeiro pará­grafo: “Religião & Sociedade é um em preendim ento novo nos círculos acadê­micos brasileiros. Revistas sobre religião têm sido m onopólio de grupos religiosos, m enos p o r conquista que por abandono. A religião, com o objeto cie interesse científico, foi praticam ente marginalizada pelos círculos univer­sitários, c apenas um grupo restrito de pesquisadores orientou os seus esfor­ços para esta área.” (Re/igião & Sociedade n. 1, maio 1977: 1). Os adjetivos científico e acadêmico para identificar o projeto da revista voltam a to rto e a direito na conversa de Rubem César a Regina Novaes (ver Fernandes, 1997).

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eu cá com igo tenho nutrido, dem ônio que me ronda insisten te­m ente, cronicam ente, e que vai perpassar de fio a pavio este balanço encom endado pela direção da A N PO C S: o sentim ento de insatisfação com a insuficiência de commitment científico na área, com tudo o que esse tipo de em penho implica.

Cabe uma ressalva: tam bém p o r causa da constância deste m eu sentim ento, m as não só p o r isto, a retrospectiva que resulta­rá deste ensaio será não apenas inevitavelm ente subjetiva, mas tam bém assum ídam ente pessoal e perspectivista. Retrospectiva a partir de um a deliberada perspectiva. O período de tem po foi definido pela A N P O C S - de 1970 aos nossos dias - c esta é a única escolha não feita apenas p o r mim. T odo o resto é m uito pessoal. N o curto lapso de tem po que m e deram e, além do mais, em jornada parcial, é evidente que não seria possível dar conta, de m odo exaustivo e objetivam ente justo, de todos os estudos sobre religião feitos p o r cientistas sociais desde os anos 1970, de toda a p rodução literária resultante da pesquisa em ciências so­ciais da religião no Brasil, nestas três produtivas décadas. Por isso devo, de saída, pedir desculpas p o r aqueles m om entos do texto em que meus com entários, p o r m enos sutis e com plexos, forem mais injustos com os m éritos dos colegas.

Sem falsa m odéstia, tenho clara consciência de que o presen­te balanço resultou muito m enos abalizado, além de m uito m enos corporativam ente solidário, do que o relato de Rubem César, cheio de dados preciosos e perm eado de lances curiosos, inéditos uns, sabidos mas esquecidos outros, puxados da memória de um dos bravos e admiráveis fundadores do 1SER e da revista Religião & Sociedade, coordenador de seu com itê editorial por 17 anos, institution bui/der respeitável, de quem tom o em prestado este fraseado — “pu­ram ente acadêm ico” — no qual identifico, à revelia do autor, o indisfarçavel sabor kantiano de que é portador o uso distintivo que faz da palavra “pu ro” — rein - em prego que se torna ainda mais forte quando escrito, no ato de o relato orai se deixar deitar em

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linhas impressas, no m om ento em que a coisa sai publicada, fazer o quê? Eu o li com força. N ão dá para ser gratuito o adjetivo puro quando o que está em causa ou cm discussão é a ciência, que não apenas pode, m as deve legitimamente pretender para si, com o ideal norm ativo, a pureza, exatamente pela dificuldade insuperável de realizá-la com nitidez, pela dificuldade de desvencilhar-se do que não é ciência. Ciência pura, por que não? Ademais, há o fato de ser o uso da palavra puro uma característica tam bém da visada weberiana, neokantiana, por conseguinte, do processo de form ação dos con­ceitos na teoria social, perspectiva da qual sou particularm ente devedor cm m inha form ação de sociólogo e em m inha vocação de cientista.

Assim , à vontade nesta usurpação léxica que opero na bela entrevista dc R ubem César, quem sabe traindo-lhe o espírito com os intencionais deslizam entos sem ânticos que in troduzo, quero já no início deste re trospecto deixar o meu p o n to de vista clara­m ente estam pado na seguinte afirm ação: as ciências sociais da religião no Brasil nunca foram , nem jamais chegaram a ser, um a área puramente acadêmica. N ão o foram nos anos 1970, p o r onde com eça este balanço, nem vieram a ser com o passar do tem po. Q uase trinta anos se passaram e os sociólogos da religião no Brasil, assim com o seus parceiros de em preitada, antropólogos em sua m aioria m as tam bém cientistas políticos e historiadores voltados para o estudo das religiões, continuam os todos a inte­grar ainda hoje um a área academicamente impura. E de esperar que um dia venham os a aceitar m enos esgarçadam ente, mais coletiva­m ente, este desafio.

E s t a r e p r o s p e c t iv a e s u a c h a v e

Ao cham ar a atenção para este encavalam ento de lealdades existenciais, não é nada pequeno, conform e se pode ver, o servi­

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ç o que este lance da conversa en tre Regina N ovaes e R ubem César acabou p restando a todos os que, para além das diferenças de orientação teórica, de preferência tem ática, de m étodos e p ro ­cedim entos de pesquisa, consideram útil se não salutar para o desenvolvim ento deste cam po disciplinar um exercício periódico de sociologia da sociologia da religião apenas cientificam ente in teressa­do, não obstan te os num erosos desestím ulos e inevitáveis limites que acom panham sem elhante exercício.

N ão há dúvida, portan to : a locução “ im puram ente acadêm i­co ” encaixa-se no dom ínio brasileiro das ciências sociais da reli­gião com o a chave na fechadura.

Pondo as cartas na mesa: sabem os que entre os sociólogos, an tropó logos e cientistas políticos que estudaram ou estudam religião no Brasil, há religiosos confessos; sabem os tam bém que m uitas vezes as m otivações que os levam a “ fazer ciência” são de ordem religiosa, quando não claram ente pastoral; sabem os, a in ­da, que p o r trás das m otivações de ordem prática que presidem à realização das pesquisas e que geralm ente se atribuem às agênci­as eclesiásticas ou afins que as encom endam , os pesquisadores eles m esm os são portadores de interesses ideais que não são cienti­ficam ente orientados, mas, sim, religiosam ente orientados. Interes­ses religiosos, d igam os as palavras. O ra, se assim com o a descrevo, a coisa já é problem ática e acarreta diversos m al-entendidos, to r­na-se problem ática ao extrem o quando os riscos gnosiológicos trazidos para a área das ciências sociais da religião p o r esses interesses ideais não são encarados com a devida abertura e de ter­m inação autocrítica, quando falta aos seus portadores a cham ada vigilância epistem ológica.

“H á religiosos entre nós” , dizia um editorial da revista Reli­gião & Sociedade em 1979. Vinte anos depois continua havendo, só que, penso eu, sem a mesma abertura à consideração. C onvém por isso distinguir: 1) H á m uitos religiosos praticantes, dos quais, não poucos, são profissionais da religião propriam ente ditos, convicta-

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m ente religiosos, alguns deles até m esm o virtuoses da religiosida­de e que, não obstante, praticam com petentem ente e em alto nível quer a antropologia, quer a sociologia da religião. 2) Há, por outro lado, muitos religiosos praticantes, dos quais, não poucos, são pro ­fissionais da religião propriam ente ditos, religiosos fu ll time, alguns deles até m esm o virtuoses da religiosidade, e que, não sabendo separar as esferas, praticam p o r causa disto de m odo acrítico - sem a devida com petência do especialista num a ciência e sem a indispensável vigilância epistemólogica que deve exercitar e prezar o verdadeiro cientista cientificam ente orientado - um a coisa híbri­da e indefinida que alegam ser antropologia ou sociologia da reli­gião. 3) Mas há, m no male, um terceiro grupo, felizmente tão num e­roso quanto os outros dois ou mais até, constituído p o r pesquisa­dores “puram ente acadêm icos”. São profissionais da ciência exclu­sivamente vocacionados para a ciência, seriam ente apaixonados pelo valor da ciência, em penhados fu ll time em dedicar suas vidas acadêmicas cientificam ente orientadas no sentido de fazer avançar a sociologia e a antropologia, em quaisquer de suas subáreas, com o ciências sistemáticas da sociedade.

Esses últim os, é bom que se diga, têm convivido fraternal­m ente com seus colegas “im puram ente acadêm icos” , entre al­guns tapas e m uitos beijos. N o exercício honesto de sua profis­são de cientistas, contudo, não costum am mais atentar, p o r inad­vertência ou ingenuidade, ou m esm o p o r com odidade, para os riscos desta espécie de contam inação religiosa de um a prática intelectual que, a rigor, deveria estar profissionalm ente im une àquele “ sacrifício do in telecto” que toda religião implica e re­quer. E ra de esperar, de todo m odo, que ao m enos alertassem aos jovens, aos pesquisadores em form ação e aos quadros em er­gentes, da existência deste handicap da área. (Handicap congênito tem cura?) N o decorrer da elaboração desta avaliação retrospecti­va, ficou claro que já houve nessa pequena história m om entos de m aior sinceridade, nos quais as cartas eram postas na m esa aber-

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tam ente, “de tal m aneira que as tensões e os m al-entendidos inevitáveis deste processo não fossem escam oteados” (Religião <& Sociedade n. 4, 1979: 8).

Para esses, a m istura é conscientem ente enfrentada e as ten ­sões resultantes reflexivamente problematizadas. O u pelo m enos assim o foi no passado, quando as coisas neste país estavam com e­çando a engrenar para a sociologia da religião, quando os bons ventos pareciam com eçar a soprar a seu favor. A experiência do g rupo de intelectuais acadêmicos que encararam o desafio de co ­m eçar a produzir, na segunda m etade dos anos 70, uma revista de ciências sociais da religião assum indo explicitamente a relação es­treita de colaboração e intercâm bio intelectual com religiosos p ro ­fissionais, m elhor dizendo, com uma certa intelectualidade clerical, parece-m e o caso mais ilustrativo de cnfrentam ento às claras de tensões que em última análise são reconhecidam ente insolúveis. À gu isa de exem plo, vejam os um m o m en to , en tre o u tro s , de reflexividade pública cm to rno dessas tensões. Por ocasião da m or­te de Duglas Teixeira M onteiro em 1978, a revista Religião & Socie­dade prestou-lhe as devidas hom enagens (cf. o n. 4, ou tubro de 1979). N a oportunidade, os responsáveis pela revista, de cuja co ­m issão de editores Duglas Teixeira M onteiro fazia parte desde a p rim e ira hora, reso lveram escrever um ed ito ria l de tom calculadamente program ático - intitulado “As marcas de Religião & Sociedade” — no qual afirmavam estar retom ando de form a mais decidida, mais clara e com passos firmes [sic] depois do abalo em ocional provocado pela m orte prem atura do colega, seus p ro ­pósitos científicos. D epois de declarações dc intenção genéricas e anódinas do tipo “ fazem os aqui ciência da religião”'7 (...)” situam o-

5. E bem verdade que hoje, no final dos anos 1990, depois da oficialização dos cursos de pós-graduação em Ciências da Religião em m uitas universi­dades brasileiras, poderíam os multiplicar indefinidam ente a lista de agentes religiosos que se autoproclam am cientistas sim plesm ente porque fazem “ ciência da religião” . D urm a-se com um barulho desses!

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nos portan to no cam po das ciências sociais” , os editores conse­guem se autodem arcar por contraste: “esperam os poder apresentar aqui uma perspectiva de conhecim ento que as pessoas religiosas não encontrariam em seu próprio m eio” . À tarefa, contudo, se lhes afigurava difícil. Justam ente pela dificudade de separar as esferas da religião e da ciência num círculo intelectual de com posição assum idam ente mista. “Há religiosos entre nós e m uitos dos que aqui escrevem estão engajados nas disputas ideológicas que divi­dem o cam po religioso brasileiro; mas ao entrarem no terreno das ciências, eles se subm etem a regras de com unicação que são dife­rentes daquelas que prevalecem nas organizações eclesiásticas.” A convivência entre os puram ente acadêmicos e os religiosos, com o se vê, era duplam ente tensa e escorregadia: tensão, antes de mais nada, entre duas form as legítimas mas distintas de conhecim ento (“Sem dúvida, o processo de conhecim ento ocorre em todos os níveis da sociedade, mas os meios científicos têm um a contribui­ção específica, com valores e limitações que lhe são próprios.”); em segundo lugar, porque as adesões religiosas ali presentes eram diversas, o que levava os editores a terem que enfrentar de perto as dificuldades de um ecum enism o religioso, que p o r sinal estava em voga nos anos 70 entre progressistas católicos e protestantes, mas um ecum enism o alargado, expandido para os não-cristãos e por co n seg u in te com plex ificado , com base naquela perspec tiva relativizadora trazida pelos antropólogos participantes do projeto, agora reafirm ada com força: “Assim, em bora tratando de religião, não nos identificam os com qualquer grupam ento confessional. Em Ke/igião <& Sociedade, o cristianismo, as religiões afro-brasileiras, as religiões indígenas, ou ainda outras com o a islâmica, são conside­radas em pé de igualdade, com o sistemas de crença e de prática ritual cm princípio igualmente valiosas. E ste tipo de abertura con­traria as norm as internas das religiões, atribuindo-lhes um a relati­vidade que não concide com suas convicções mais profundas.” O desiderato do g rupo não estava em resolver as tensões entre as

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esferas axiológicas, mas em proceder de m odo a não escam oteá- las: “G ostaríam os que Religião & Sociedade fosse utilizada com o um dos instrum entos para o aprofundam ento deste intercâm bio e, de tal maneira, que nela as tensões e os m al-entendidos inevitáveis deste processo não fossem escamoteados.”

O balanço bibliográfico que ora apresen to dos estudos an­tropológicos e sociológicos sobre religião no Brasil é, até onde eu sei, o terceiro do gênero a ser p roduzido com o peça au tô n o ­ma. E m teses de dou to rado e livre-docência, sói haver um capítu­lo em que os autores, p o r cacoete ou p o r seguir um padrão, com etem p o r dever de ofício e às vezes a contragosto aventura similar. Mas estes não com põem o “gênero literário” dos ensaios de balanço, valha a expressão. D e m odo que os balanços que realm ente contam , do tados de vida própria e caráter m onográfi­co, visando a um reassessment crítico e a um a mise en perspective da p rodução literária brasileira em ciências sociais da religião, eram dois até o ano passado: o de Rubem Alves (Alves, 1978) e o de Rubem César F ernandes (Fernandes, 1984). Se considerarm os com o um balanço de área a citada entrevista deste últim o, chega­m os a um m inguado núm ero três.

Mas certam ente há mais desses trabalhos p o r aí, que p o r enquan to desconheço. T am bém sem o caráter de ensaio, mas sem dúvida com resultados altam ente satisfatórios em term os de in­form ação básica para os estudiosos da área, o levantam ento que S olange dos S an tos R odrigues realizou p ara d isse rtação de m estrado pelo IF C S /U F R J dos papers apresentados na A N P O C S de 1980 a 1997, no G T Religião e Sociedade, saiu publicado em boa hora pela revista Religião <& Sociedade, no m esm o fascículo, aliás, que traz a entrevista de Rubem C ésar (Rodrigues, 1997). São quatro, portan to , os apanhados bibliográficos que antecedem o m eu e dos quais vou aqui lançar m ão fartam ente.

Boa prova experim ental dos danos causados pelos p róprios “ so c ió lo g o s -d a -re lig iã o -re lig io sa m e n te -c o m p ro m e tid o s” à

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cientifidade de suas próprias pesquisas e teorizações (prova aliás facilm ente replicável tal a quantidade de textos que a isto se prestam ) pode ser encontrada sem grande esforço justam ente aí: na im possibilidade de o leitor identificar, de form a blind, isto é, ocu lto o nom e do au to r e com base exclusivam ente no texto, seja no con teúdo ou na form a do texto, em seu teor ou no seu tom , se um a determ inada frase de constatação alegadam ente isenta mas incontidam ente jubilosa e celebrativa do “ re to rno do sagra­d o ” pertence a um profissional da ciência ou da religião, a um sociólogo ou a um padre ou pastor, a um an tropólogo ou a um teólogo, a um cientista político ou a um pastoralista. E já que se tra ta aqui de fazer re tro spec tiva , cu m p re reg istrar que essa (pseudo)em piria com vistas a valorizar a religião vem sendo pra­ticada cm nosso país há pelo m enos vinte anos, com o dem onstra este artigo-balanço que Rubem Alves publicou no n. 3 de Religião & Sociedade, em o u tub ro de 1978.

“N inguém ali separava” , disse R ubem César a respeito do pessoal da revista (Fernandes, 1997: 23).

N o levantam ento que fez do G T sobre religião da A N PO C S até 1997, Solange R odrigues tam bém toca no assunto . E v itando falar de m istura , contam inação, fron teiras borradas, im pureza acadêm ica ou coisa que o valha, fala dc “ in terfaces” e “ trânsito singular” . Mais tím ida nas palavras, acaba sendo m ais respeito ­sa com os envolvidos. Vejamos. D epo is de analisar os tem as e os au to res dos papers ap resen tados du ran te m ais de quinze anos no G T Religião e Sociedade da A N PO C S, conclui pela “ existência de inúm eras in terfaces en tre o cam po religioso, o cam po políti­co e o cam p o da p ro d u ção de c o n h e c im e n to [acadêm ico]. In terfaces que possibilitam um trânsito singular de a tores so ­ciais, idéias, padrões de organização, análises, tem as e questões en tre estes cam pos do espaço social” (Rodrigues, 1997: 161- 162). M esm o com to d o esse co n tid o e cu idadoso linguajar de pesqu isador júnior, de quem se co m p o rta com o quem adentra

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pela prim eira vez um recin to reservado, m esm o pisando em ovos, há um m om en to do tex to em que ela não se co n tém c põe a nu isso que ela cham a de “ canal d ire to ” en tre religiosos e acadêm icos. É quando relata que, em 1981, na terceira sessão do G T Religião e Sociedade, dedicada a um a m esa redonda sobre igreja católica e m ovim entos populares, os textos d iscu tidos foram três artigos p rep arad o s a p ro p ó s ito do IV E n c o n tro In tereclcsial de C om unidades Eclesiais dc Base (CEBs) realiza­do no m esm o ano. O s três trabalhos, conta ela, eram “ de au to ­ria de cientistas sociais ligados à Igreja” ; a saber: Luiz A lberto G o m ez de Souza, do C en tro João X X III, Luiz G onzaga de Souza Lima, da PUC-RJ, e Luiz E duardo W anderley, da PU C - SP (os três catolicíssim os Luízcs, diria eu). E ela conclui: “ Isso evidencia o estabelecim ento de um canal d ire to de circulação de conhecim en to sobre as C EB s, envolvendo intelectuais liga­dos à Igreja C atólica e estud iosos sem v ínculos com aquela instituição. (...) N ão é m era coincidência que, no m esm o ano, o jesuíta C láudio Perani tenha ap resen tado um a com unicação so­b re as C EB s num a m esa redonda sobre C idade e C idadania, du ran te a 33a reunião da SB PC ” (Rodrigues, 1997: 161).

S o c io l o g ia d a r e l i g i ã o , c iê n c ia s s o c ia is d a r e l ig iã o ?

A pesquisa científica no Brasil, den tro c fora das universi­dades, assiste hoje a um im portan te e perceptível avanço quanti­tativo de estudos em ciências sociais versando sobre religião e magia, religiões e religiosidade, crenças e instituições religiosas, com unidades e m ovim entos religiosos etc. Vou cham á-los aqui, o mais das vezes, de de sociologia da religião. Indistintam ente. Todos sabem os, entretanto , que não são apenas os sociólogos os que se têm interessado, em pesquisas de cam po e considerações teóri­cas, discussões e ensaios, pelo fenôm eno religioso no Brasil. O s

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an tropó logos e os historiadores tam bém , com m aior freqüência e não m enor entusiasm o do que antigam ente, exatam ente com o os sociólogos e antropólogos. O s cientistas políticos, no Brasil, tam ­bém entraram na dança a partir dos anos 70, com o verem os adiante, mas depois voltaram a se retrair, dc m odo que continua sendo intrigante o fato de os cientistas políticos, sabe-se lá por quê, serem aqueles dentre os cientistas sociais que mais raram en­te se ocupam de religião. Mas em antropologia e sociologia, his­tória e geografia, não pára de crescer o núm ero dos intelectual­m ente interessados em religião, em form ações religiosas, em fo r­mas de vida religiosas. Para não falar dos acadêm icos e cientistas ('hé/as!) eventualm ente interessados nas próprias soluções religio­sas dc problem as nem tanto.

A fim , pois, de não ficar en redando m eu com en tário nas sutilezas das d istinções e indistinções de fron te iras en tre áreas e subáreas do conhecim ento científico, sem pre que eu falar em soció logos da religião, em sociologia da religião, estarei me re­ferindo a to d o s os bravos colegas que se dedicam às ciências sociais da religião. N ão sei p o r quê, sin to certo incô m o d o em usar sem pre o te rm o “cientistas sociais da religião” . P or isso, todas as vezes que eu quiser me referir aos diversos cientistas sociais da religião e à sua p rodução intelectual, m uitas vezes escreve­rei, p o r brevidade, sociólogos da religião. C onheço m uitos a n tro p ó ­logos que estudam religião, m uitos são m eus am igos e eu ver­dadeiram ente os aprecio com o intelectuais e pesquisadores, mas, não sei p o r quê, não se usa no dia-a dia considerá-los “ a n tro p ó ­logos da religião” do m esm o m odo que se faz com os soció lo ­gos da religião , pace D r. E. E. E vans-P ritchard . Já sociologia da religião, sociologia de la religión, sociology of religion, s ocio/ogie de la religion, to d o o m undo fala. A nom inação existe e o lugar da d iscip lina é de h o n ra desde os Pais F undadores. O p ró p rio nom e p ró p rio da disciplina, que fez h istória, ainda faz to d o o sen ti d o : Religionssofçiologie.

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A n o s 50 e 60 : u m a s o c io l o g ia r e l ig io s a d o

DECLÍNIO DA RELIGIÃO HEGEMÔNICA

N ão faz parte do projeto A N PO C S retom ar o que se p ro ­duzia antes de 1970. Mas com eçar do com eço, ab ovo, m esm o de soslaio, m esm o de raspão, é im prescindível quando o com eço é eloqüente, quando ele diz m uito do resto do percurso, quando a prim eira fase é um m om ento fundador no sentido pleno desta palavra que evoca ao m esm o tem po a fundação, as fundações e os fundam entos. Im possível evocar e avaliar os interesses e os objetivos visados pela pesquisa social em religião, nos últim os 25 anos, sem escavar as orientações que presidiram , nos anos 50 e 60, à constitu ição da pesquisa em ciências sociais da religião com o cam po disciplinar específico no contex to brasileiro.

Se os anos 70 assistiram à constituição de um a significativa e prom issora institucionalidade material desse cam po de in teres­se tem ático no in terior da com unidade brasileira de cientistas sociais, foi nas décadas anteriores a I 970 que os grandes nom es de autores em sociologia da religião iniciaram seu renom e acadê­m ico na base de pesquisas pioneiras de am pla visada científica sobre o que mais tarde, por influência de P ierre Bourdieu, ficararia sendo cham ado de “cam po religioso” . O qual, nessa época, di- versificava-se a olhos vistos em nosso país m ercê da m odern iza­ção socioeconôm ica cujo passo acelerado já então fazia sentir seu im pacto sobre o cam po religioso, m om ento em que, por ou tro lado, um a certa “sociologia pastoral” levada a cabo pelos quadros técnicos de um a ala m odern izante da igreja católica pas­sava a cham ar a atenção, com dados e m edidas de alardeado caráter científico, para o declínio estatístico dos “católicos prati­can tes” . M orm ente da prática dom inical. Exem plo consum ado desse enfoque é o trabalho do então frei dom inicano, F rancisco Cartaxo Rolim , “A spects de la pratique dom inicale au Brésil” , artigo que apareceu em 1967 na revista belga de sociologia da

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religião Social Compass (Rolim, 1967) e, três anos depois, em ver­são brasileira com o título Católicos e catolicism o, na Revista Eclesiástica Brasileira de junho de 1970 (Rolim, 1970). Em itiam -se assim sinais claros e novos, im pactantes e a tordoantes p o r sua aura científica, de um a crise sem precedentes daquilo que alguns recentem ente passaram a cham ar de “civilização paroquial” e que, na época, não se sabia bem com o nom ear porque ainda não era possível, po r falta de perspectiva histórica, avaliar-lhe o alcance real, de longa duração6. H oje está claro que se tratava de um declínio não apenas sem precedentes, mas tam bém sem retorno.

N ão há tem po para repassar no detalhe a h istória deste prim eiro desenvolvim ento. L im ito-m e a com entar o fato de que este prim eiro m om ento da produção de sociologia da religião no Brasil parece que correspondia com perfeição ao m om ento por que passava o catolicism o brasileiro. Forte e pesado p o r seu enraizam ento histórico desde a chegada das caravelas, religião oficial na Colônia e no Im pério e semi-oficial na República N ova (Delia Cava, 1975) mas bastante abalado pelas m udanças sociais que no pós-guerra marcavam a entrada tardia m as acelerada do Brasil na m odern idade econôm ica e política, e ao m esm o tem po redinam izado, desde o final dos anos 40 e início dos 50, pela intensa atividade “apostólica” dos m ovim entos de juventude da Ação Católica especializada, que Procópio C am argo passaria a cham ar de “catolicism o in ternalizado” p o r con traste ideal-típico com o “catolicism o tradicional” (Camargo, 1967), e pela nova form a de organização coletiva e centralizada do episcopado des­de a fundação da CN BB — que é de 1952 — em planos de “pasto ­ral de con jun to” periodicam ente avaliados e reatualizados, o ca­tolicism o brasileiro tom ava consciência, com a ajuda da sociolo­gia, do esboroam ento daquela “ civilização paroquial” que havia constitu ído sua arm adura organizacional, seu suporte ideológico

6. Para o uso recente da idéia de “ civilização paroquial” , ver Voyé (1996).

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e a rede física de referência de todos os seus em preendim entos pastorais desde priscas eras.

D e ro ldão com a crise da paróquia, com eçavam já nos anos 50 a dar sinais de aguda dram aticidade a crise do (baixo) clero e a falta de vocações sacerdotais. O u tro foco de preocupação dos pastoralistas nos anos 60, ou tro foco de atenção dos sociólogos m obilizados para a p rodução de dados em píricos e estudos analí­ticos. A crise do clero não apenas se aprofundaria a partir dos anos 60, com a abertura de m entalidade e a legitim ação sem precedentes da busca do novo nas hostes e currais católicos, num a espécie dc “ destape” geral desencadeado pela convocação do concílio Vaticano U pelo papa Jo ão X X III em 1962, com o ainda se cristalizaria pelas décadas seguintes, se é que é possível cristalizar-se um a crise, feito um destino. N ão foi à toa que em 1965 saiu publicado sob os auspícios do C entro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), órgão de sociologia religiosa da CNBB, um livro repleto de “dados sociológicos” [sic] d ispostos em num erosos quadros e tabelas, da autoria de G ustavo Pérez, A lfonso G regory e François Lepargneur, todos sacerdotes com treinam ento em Ciências Sociais, intitulado O problema sacerdotal no Brasil (Pérez et alii, 1965).

Há um depo im ento do Pe. A lberto A ntoniazzi, pastoralista vinculado à igreja católica de Belo H orizon te (MG), publicado em 1989 pelos Cadernos do ISE R (n. 21), com um trecho particu­larm ente po rm enorizado no que tange aos anos 60, que m e p are­ce de extrem a pertinência reproduzir agora:

Q u an d o cheguei ao Brasil, em 1963, n ão m e interessei de im ediato p e lo m u n d o das ciências sociais. E n tre i num sem inário cató lico tradicional, n o cu rso de teologia. N aquela época p red om inava , no am bien te católico, um a pesquisa sócio-relig iosa insp irada p a rticu la rm en te p o r L ovaina (basta lem b rar o n o m e d o Prof. H o u ta rt [cônego, na época]) e vo ltada pa ra levan­tam en to s estatísticos e m edição da p rá tica religiosa. Para d a r um exem plo: recen tem en te , ten te i e stu d ar o p rob lem a d os sem inários e a ú ltim a pesq u i­

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sa im p o rtan te que en co n tre i, dessa época , foi um a pesquisa am pla, sob re to d o s o s sem inários m aio res no B rasil, realizada em 1960 e p u b licada em 1965 (cf. P érez et alii, 1965). E m 1967, saiu um livro de G o d o frc d o D eelen [tam bém padre], ch am ad o Sociologia epastoral’ em dois volum es: um , a títu lo de in trodução , m ais teórico, e o o u tro , um a ten ta tiva dc sín tese d os levanta­m en to s so b re a p rá tica religiosa do m in ical d o s cató licos. D e p o is disso, creio , desapareceram lev an tam en to s desse tipo. Poder-se-ia a inda lem b rar o trabalho do C E R IS naquela época. 12 significativo tam bém que o P lano de Pastoral de C o n ju n to aprovado pelos b ispos para o p eríodo 1966-70, veio aco m p an h ad o - pela prim eira e últim a vez — de um am plo e am bicioso p rogram a dc pesquisas sobre a prática religiosa e outras, mais sofisticadas, so b re m otivação, socialização religiosa, catequese etc. Parte d os resultados dessas pesquisas foi publicada p o r C.A. de M edina e Pedro A. R ibeiro de O liveira (M edina & Oliveira, 1973). O fato de que o P lano de Pastoral [da CNBB] incluísse um program a de pesquisas sócio-rcligiosas traz algum a luz sob re o u tro d ad o im p o rtan te da época. H avia um a concepção do planeja­m en to pastoral que, salvo engano e com algum as ressalvas, poderia se r consi­derada, no fundo, dc tipo tecnocrático. Pensava-se que alguns especialistas na igreja poderiam d ita r o con ju n to de idéias e linhas dc traba lho e que precisavam de o u tro s especialistas [a saber, soció logos] para fazer pesquisas e fo rn ecer os dados. E sse co n tex to e esse ob jetivo d o p lan e jam en to m arca­vam a esco lha das pesqu isas e da m eto d o lo g ia ad o tad a (A n ton iazzi, 1989).

Crise da estru tu ra paroquial, clero em debandada: eis o quadro que curiosam ente, mas com preensivelm ente, acabou p ro ­piciando a em ergência e constitu ição de um a postu ra favorável à pesquisa sociológica en tre os novos “ p lanejadores” católicos. E foi assim que a socio logia da religião no Brasil assum iu, m ajo ritariam ente em seus com eços, as feições de um a sociologia do catolicismo.

E u diria que a sociologia da religião em seu prim eiro desen­volvim ento no Brasil é m ajoritariam ente sociologia do catolicis­mo, não porque o catolicism o seja a religião m ajoritária, mas porque nesse m om ento suas elites têm necessidade pastoral de sociologia. D aí essa cara indisfarçável de sociologia religiosa que tem a sociologia da religião praticada nesse período tam bém pe-

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los sociólogos não-religiosos (Labbens, 1962); daí, quem sabe, essa im p o s ta ç ã o que ela deixa tra n sp a re c e r a té h o je , essa m alform ação congênita, essa héxis constitucional, esse p o n to de vista que é, com todo o peso da expressão, seu standpoint. N os anos 60, m om ento forte em que se dissipava o sonho, o velho sonho da velha elite eclesiástica recém -nascida na República Ve­lha, projeto acalentado desde então por seus multiplicados hierarcas em dioceses multiplicadas pelo Vaticano em todo o território nacional (Miceli, 1988; Pierucci, 1990) - a saber, o sonho de um a nação católica territorialm ente unificada em to rn o de seus vigári­os, unidos p o r sua vez em to rn o de um bispo, pon tuada de cam ­panários e supervisionada p o r atentas cúrias diocesanas a um só tem po aliadas dos poderes locais e ultram ontanas — a elite do clero m odern izan te dos anos 60 descobre que os sociólogos, sim , eles, os soció logos, bem que poderiam ajudar o cato licism o declinante a explicar as causas dessa decadência oxalá reversível se eles fizessem d o catolicism o o objeto de suas investigações e levantam entos. Assim foi.

E assim ocorreu porque o catolicism o, tom ado com o ob jeto central de interesse dos sociólogos da religião, nesse m esm o m o ­vim ento de se fazer objeto dos esforços e das estatísticas dos sociólogos, descobria-se com o um objeto em corrosão num a so­ciedade em processo irreversível de m odernização social e cu ltu­ral, inescapavelm ente enredada num m acroprocesso de seculari- zação. O ra, se se acrescentar nesta consideração o fato de que a grande teoria sociológica então dom inante ainda não havia sido alcançada nem de longe peias suspeitas hoje correntes das crises de paradigm a, ter-se-á reconstituído sem m aiores anacronism os a atm osfera católica favorável, naquele m om ento , tan to à pesquisa sociológica em pírica, quantitativa inclusive, quanto à teorização m acro-sociológica na qual prevalecia, em m atéria de religião na m odernidade, a teoria da seculari%afão. A situação social do catoli­cism o institucional, em ritm o acelerado de perda de espaço, de

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prestígio, de certezas e de rum os, não podia ser mais própria, mais adequada, mais encaixável na teoria. O declínio da prática religiosa hegem ônica tinha tudo, portan to , para funcionar com o poderoso atrativo para bons sociólogos em busca de um bom objeto de estudos. Situação altam ente legitim adora, vale dizer, portadora de legitimação científica para um a área de investigação— a sociologia do fato religioso — que no Brasil apenas começava a dar sinais de vida.

Q uem diria? Ao declinar em piricam ente a prática religiosa dom inante pari. pass// com a m odernização da sociedade brasilei­ra, o estudo sociológico dos dados religiosos m ostrava aos círcu­los pastoralístas católicos sua utilidade prática, ao m esm o tem po que d em o n strav a aos m eios acadêm icos sua p o ten c ia lid ad e m acroteórica e sua validade científica. O con tex to era mais do que propício a um a verificação em pírica m ediante enquêtes, sondeos, surveys quantitativos e qualititativos, que com eçaram a p ipocar aqui e ali pelo Brasil (ver SPES, 1966)7, bem com o m ediante pro jetos de pesquisa mais am biciosos na com binação de p rocedi­m entos m etodológicos diversos e na p retensão explicativa, resul­tando assim, da parte dos que a tan to se sentiam vocacionados naquele m om ento, valiosos e originais ap rofundam entos da teo ­ria da modernização-í7/;;/-secularização.

N o bojo dessa problem ática de declínio católico, específica de um a confissão religiosa determ inada e a um só tem po geral, com preensiva, all-encompassing p o r se tra tar de perdas para a reli­gião h istoricam ente m ajoritária e culturalm ente hegem ônica, per­das que nos anos 50 e 60 com eçaram a to rnar o estudo sociológi­co da religião tout court palatável e cabível no espaço secularizado— para não dizer secularista — do circuito acadêm ico-universitá-

7. Um exemplo, sacado ao acaso, do que ocorria em m atéria de pesquisa em sociologia religiosa é o estudo intitulado delude de Tupi Paulista: aspectos sócio-religiosos (SPES, 1966).

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rio, estava-se abrindo espaço tam bém para os interessados no estudo das m inorias protestantes, espíritas e afro-brasileiras. M u­dança social, logo m udança religiosa — ou sócio-religiosa, com o se convencionou cham ar naquela conjuntura — cuja resultante desde logo era um a sociedade de cultura plural, “onde há alter­nativas de escolha e o indivíduo depara freqüentem ente com si­tuações novas e inéditas” (Camargo, 1961). Com este m ote, esta­va definitivam ente aberto na academia o cam inho, estreito em bo­ra, que os anos 70 alargariam e pavim entariam , para a pesquisa científica em sociologia da religião, que, p o r se caracterizar com o um a sociologia do catolicism o em declínio, assumia precocem en- te a fisionom ia de um a sociologia das religiões, no plural.

Logo no início dos anos 60, mais precisam ente em 1961, sai publicado o estudo Kardecismo e Umbanda: uma interpretação socioló­gica,, de C ândido P rocóp io Ferreira de Cam argo, p ro fesso r da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, resultado de um a pesquisa de p o rte internacional com financiam ento da M omeland Foundation e da FE R E S (Fédération In ternationale des Institu ts de R echerches Sociales) com sedes em Friburgo (Suíça) e Bogotá (Colôm bia), realizada sim ultaneam ente em diversos países de cul­tura católica en tre 1958 e 1961 sob a direção de um sacerdote belga, o cônego François H ou tart, d ire to r do CRSR (Centre de R echerches Socio-religieuses) de B ruxelas/L ovaina (Bélgica). In s­piração e financiam ento católicos para um a pesquisa acadêmica so ­bre espiritism o (kardecista e um bandista), levada a cabo no in te­rior de um a universidade laica p o r um ex-católico agnóstico-, eis a constelação de interesses que presidiu à largada, prefigurando a fu tura fisionom ia do recém -nascido.

Fechando a década de 60, publica-se em 1969 a tese de dou­torado de Beatriz M uniz de Souza sobre o pentecostalismo, defen­dida em 1967 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP) e redigida sob a orientação de Cândido Procopio Ferreira de Camargo. Trazendo um título sugestivo (e ainda hoje atualíssimo),

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A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo, o livro procurava dar conta, a partir do “extraordinário crescim ento num érico dos fiéis pentecostais, atualm ente representando no Brasil mais de 60% da população pro testan te”, de um quebra-cabeças que até hoje surpreende e não raro perturba, quando não desorienta teorica­m ente, m uitos dos que se m etem a estudar com o cientistas sociais o cam po religioso no Brasil; a saber: a crescente secularização de um a sociedade cm que no entanto persistem e se renovam form as religiosas fortem ente sacrais de orientação da vida. N o prefácio ao livro de M uniz de Souza, Procópio Cam argo fez questão de cha­m ar a atenção para as aparentes contradições do processo de m o­dernização social e religiosa nos seguintes term os: “ ... com o bem m ostra a realidade contem porânea, as funções sociais das religiões assum em sentidos contraditórios: por um lado as religiões limitam o seu conteúdo, pois participam do processo dc secularização do m undo m oderno e abandonam áreas de influência anteriorm ente a ela atribuídas; p o r ou tro lado, especialmente nos países subdesen­volvidos e nas categorias sociais desprivilegiadas, vem os surgir novo ‘reavivam ento’ religioso, cujas funções se m ostram crescen­tes e diretam ente relacionadas com a situação de dependência dos países ou com a sujeição de minorias e classes sociais” (apud Sou­za, 1969: 7-8). D esde o início, com o se vê, e este texto foi escrito em setem bro de 1968, a sociologia da religião no Brasil dava sinais inequívocos de vida inteligente c sofisticação intelectual. D esde o início a coisa teve que ser posta em term os não-simples de "oui, mais... ”, ou seja: secularização sim, mas com mobilização religiosa acrescida; efervescência religiosa sim, mas por causa do aprofun­dam ento da secularização. D esde o início a com plexidade dos p ro ­cessos repelia, nas teorizações mais aguçadas, a ingenuidade das fórmulas simples que, hoje em dia, têm im pedido um bom núm ero de antropólogos e sociólogos da religião que a elas se aferram de captar os processos mais intricados, m enos unívocos em seus de­senvolvimentos.

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Im pulso dccisivo para despertar no Brasil da segunda m etade dos anos 60 o interesse por estudar sociologicamente os pentecos- tais, essa exótica m inoria religiosa no seio da respeitável m inoria protestante, foi dado sem dúvida pelas pesquisas realizadas no Chile p o r Christian La live D ’Epinay, entre os anos de 1965-1966 (D ’Epinay, 1966 e 1970). Originalm ente escrito em francês e ap re­sentado com o tese de doutorado na área de sociologia da Universi­dade de Genebra, seu essa/daprocbe sociologiqm [sic\ do pentecostalismo na sociedade chilena foi editado em espanhol com o título E l refugio de las n/asas, em 1968. E foi editado em português pela Paz e T erra em 1970, encerrando assim nossa primeira década (D ’Epinay, 1970). O livro de Lalive D ’Epinay foi um verdadeiro turning point, um acontecim ento decisivo pela influência que teve e pelo “bem sucedido” da dualidade de filiação que representava: um a obra de sociologia feita, e bem , a um só tem po nos contextos eclesiástico e universitários, com o que dem onstrando a viabilidade de harm oni­zar numa só pessoa o sociólogo e o teólogo. Rubem César Fernandes, no balanço que fez em 1977 do debate entre sociólogos a propósito dos pentecostais, depois de esclarecer que o livro de Lalive tinha sido encom endado pelo Conselho Mundial de Igrejas “ tendo cm vista um a estratégia religiosa” e que, isto não obstante isto, se tornou uma peça-chave para o sólido reconhecim ento acadêmico que anga­riou com o docente e pesquisador na cátedra de sociologia da Uni­versidade de Genebra, entrega-nos sob a form a de hipótese o arre­mate que procurávam os para esta seção da presente retrospectiva: “E provável que esta dualidade institucional esteja inscrita na maioria dos currículos dos cientistas sociais da religião, na América Latina daquele período” (Fernandes, 1977: 58).

A n o s 70: o r e t o r n o d o s r e l ig io s o s ( e d o s a g r a d o ) à a c a d e m ia

E sta idéia, eu a consigo ler claram ente em Rubem Alves, quando ele escreve sobre a volta do sagrado (Alves, 1978).

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Trata-se do prim eiro balanço que se fez da p rodução na área, de R ubem Alves, filósofo e teólogo presbiteriano, envolvido ativam ente desde o início dos anos 70 num pro jeto institucional de ciências sociais da religião na U N ICA M P. O títu lo que ele deu a esse texto era em si m esm o um a bandeira: a volta do sagrado. Sintom aticam ente celebrativo, ostentava escandaradam ente as es­perançosas entranhas dos círculos brasileiros de intelectuais que eram acadêm icos, sim, m as antes de mais nada religiosos. Im pu- ram enle acadêm icos, portan to , m as alçados naquele m om ento h istórico ao status de “ inteligência acadêm ica” , lugar institucio­nal em que a sociologia da religião, let alone a própria religião, sabidam ente não gozava de grande prestígio com o tem a de in te­resse intelectual. O re to rno do sagrado era um a idéia que já na segunda m etade dos anos 70, em plena ditadura militar, se ensai­ava com o um dos m otes preferidos dos estudiosos da religião e desde então, no decorrer dos anos, se tornaria um a espécie de m arca registrada da área. O dedo do gigante: a exaltação da volta do sagrado. Seu mshful thi.nk.ing. a revanche do sagrado, o re to rno do religioso, o regresso da religiosidade. “A inda bem!” “Q ue bom !” “B om pra nós, bom pra todos!” ...

A solidariedade, mais que sim ples conivência, com o tri­unfo da religião nem bem ele passe a esboçar seus prim eiros sinais m ergulha suas raízes, po rtan to , no início do p e río d o que a A N P O C S delim itou para a p resen te retrospectiva, N o s v io­len tos anos c inzen tos do regim e m ilitar brasileiro, dos soció lo­gos (religiosos) da religião podia-se d izer tudo, m enos que eram pessim istas q u an to ao fu turo da religião. O núm ero 1 de Reli­gião & Sociedade (m aio de 1977) não só estam pava no editorial de apresen tação da revista as duas verten tes dessa euforia: 1) “ as prev isões acerca do fim da religião parecem hoje cada vez mais prob lem áticas” ; 2) “ deve-se n o ta r que os m eios universitá­rios estão desp ertan d o para estes assu n to s” , com o ainda dedi­cava cerca de trin ta páginas a um a sessão de debate ten d o p o r

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base um tex to u ltraconservado r da fase mais conservadora do filósofo p o lonês Leszek K olakow ski, cujo títu lo era o p róprio em blem a desse estado de ânim o: a revanche do sagrado na cultura profana (K olakow ski, 1977).

Faz mais de vinte anos, portan to , que os cientistas sociais da religião conseguem ler, nos m enores sinais que repon tam de sobrevivência do espírito religioso ou de persistência do sagrado, presságios benevolentes de ressurgência antes de mais nada da própria religião que professam , que via de regra costum a ser um a das v a rian tes do c ris tian ism o , m as tam b ém das o u tra s indiferenciadam ente. Parecem não se dar conta de que um bom futuro para todas as religiões implica, logicam ente, alguma dim i­nuição do valor de cada uma. Para eles, o que im porta é que a religião tout court está em alta nos dias de hoje. N ão im porta qual a religião, não im porta com o. É o sagrado que está em alta e p on to final, p o n to final para a não-relígíão. P on to final to rnado p on to de partida. Claro que esta não é uma atitude geral, m as se encon tra suficientem ente difundida en tre nós e tem durado já um as boas décadas para continuar m erecendo um insistente caveat da parte dos pares. Afinal, envolvim entos afetivo-existenciais com o objeto de pesquisa podem afetar seriam ente, não só os resulta­dos da pesquisa científica, m as tam bém seus objetivos e p re ten ­sões de pesquisa científica qua científica.

A ntes de prossegu ir nesta linha de argum entação, cabe des­tacar que os anos 70 assistiram à im plantação em terras b rasi­leiras e mais especificam ente paulistas de um a institucionalidade física sem p receden tes para a pesquisa em ciências sociais da religião. O s anos 70 foram p ród igos de novidades para a área. Essa institucionalidade de que falo tom ou corpo : 1) na criação, em 1970, sob a liderança de C ând ido P rocóp io F erre ira de C am argo , do ch am ad o Seto r de R eligião no recém -n ascid o C E B R A P (C entro Brasileiro de A nálise e P lanejam ento); 2) com a fundação do 1SER na U N IC A M P no início da década de

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1970, sob a liderança de Rubem Alves; e 3) do C ER , na USP, sob a liderança de D uglas Teixeira M onteiro , estas duas últim as organizações desem bocando g lo riosam ente 4) na criação, em 1977, da revista Religião <& Sociedade, ligada in stitucionalm ente tan to ao 1SER quan to ao C ER , am pliando um espaço editorial para publicação de artigos que o ISER já ab rira anos antes com os cham ados Cadernos do ISE R , cujo n. 1 saiu em 1974, espaço que an tes deles não existia. G raças aos Cadernos do IS E R e à revista Religião & Sociedade aum enta eno rm em en te a p rodução da área em núm ero de publicações, divulgam -se os nom es e os achados dos pesquisadores especializados em religião para um público m aior (se bem que sem pre restrito , m esm o com o pas­sar dos anos, a algum as cen tenas de envolvidos cm todo o país) e, efeito ainda mais alen tador, diversificam -se as tem áticas e os enfoques.

D ian te dessa nova rede física de organism os especializados que in troduzia alteração significativa no quadro institucional de construção do interesse científico no ob jeto religião, entende-se a razão do o tim ism o com que passava a se expressar, na segunda m etade dos anos 70, a autoconsciência de um crescim ento quan­titativo e de um fortalecim ento da produtiv idade da área que en tão se verificavam . E stá lá, escrito no editorial do n. 1 de Religião & Sociedade: “ Há um núm ero cada vez m aior de pesqui­sas, teses, sem inários, organizações, com o objetivo de canalizar recursos e esforços intelectuais para o esclarecim ento do que se passa no cam po religioso” (p. 1). E ra o sagrado que voltava aos m eios acadêm icos e aí se articulava, com m uito esforço e poucos recursos, desenhando para si, com o seu objeto de interesse in te­lectual, tem atização c investigação, sua própria volta à relevância social e política. A o investigar a nova relevância da religião no contex to brasileiro dos anos 70, o cientista social fazia-o cons­tru indo a relevância de sua própria especialização tem ática, a sociologia da religião. Só que, ao em baralhar seus interesses cien-

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tíficos com interesses religiosos incontinentes, agora desrecalcados e em balados num certo estado de exaltação, solapava com um a das m ãos o que a ou tra a duras penas tentava erguer, im pedindo- se assim de alcançar de fato o mainstream onde rolava o m elhor do prestígio acadêm ico que se pode conceder às hum anidades. O qual, p o r sua vez, excusado lem brar, não é lá o suprem o status do qual possa desfru tar um cientista em nossa contem poraneida- de. E m sã consciência, ninguém vai dizer que o setor de religião do C E B R A P fosse a parte mais nob re daquela instituição, nem naqueles anos nem depois. E m sã consciência, ninguém pode dizer que o 1SER e o C E R tenham nalgum m om ento gozado de tan to prestígio intelectual quanto outros centros de pesquisa em ciências sociais, com o o CEBRAP, o lU PER J, o C E D E C , o ID E SP etc. O m esm o se poderia dizer do G T sobre Religião no con jun­to dos ou tros G T s da A N PO C S. E assim p o r diante, p o r m elhor que fosse a qualidade individual dos seus produtos e p o r m aior que fosse o seu em penho em valorizar a religião — “ Por que fazer a Revista? Bom , havia claram ente um interesse em valorizar a reli­gião...” , declarou R ubem César Fernandes (1997: 8) — a sociolo­gia da religião continuou tendo im portância secundária. C onti­nuou exilada do cen tro das atenções da cena científica. N ão ne­cessariam ente os seus praticantes, mas as suas teses e achados. N ão necessariam ente nós, mas as nossas teses e achados. Regras do jogo.

D e todo m odo, a religião surpreendia à m edida que avança­va a sociedade brasileira nos anos 70. M elhor dizendo, as igrejas surpreendiam p o r sua capacidade de renovação doutrinária e de influência em suas bases populares rem otivadas para a ação polí­tica e, surpresa m aior, pelo influxo renovador destas bases em suas elites. E seduziam pelo esforço de redefinição corajosa do seu papel na sociedade, pela descoberta de um a inusitada rele­vância sócio-política longe do Estado, m uitas vezes contra o E s­tado, circunscrita ao nível da “nação” , àquele nível que nos anos

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de autoritarism o estatal e repressão político-ideológica se desco­bria no jargão intelectual, à luz de Hegel mas sobretudo de Gramsci (Krischke, 1977; D ória, 1978), com o sociedade civil. Parcelas cada vez mais vocais do alto clero das igrejas cristãs, tan to da católica quanto das protestantes, politizavam seu com prom isso religioso e faziam valer logisticam ente em favor dos perseguidos, presos e torturados, das famílias dos m ortos e desaparecidos, sua posição de relativa im unidade em relação aos órgãos da repressão, to r­nando-se assim efetivos tribunos dos que não tinham voz. E nesse reelaborado papel de “voz dos que não têm voz” , nessa função tribun/cia, que as instituições eclesiásticas passam a atrair, juntam ente com a sim patia da opinião pública inform ada, o in te­resse intelectual daquele setor dos cientistas sociais que antes dos anos 70 não conseguiam ver no m undo religioso nenhum objeto de pesquisa que valesse a pena: os cientistas políticos.

Os cientistas políticos agora entram no assunto. E entram em cena com seu prestígio profissional e sua com unicação mais direta com jornalistas da mídia impressa, fazendo com isto crescer um pouco mais o prestígio acadêmico do assunto religião. Escrevem - se e publicam -se livros m arcantes e artigos às vezes instigantes. “E p o r que não a igreja na política?” foi um título do tado de força legitimadora que Francisco W effort deu a um texto seu publicado no n. 2 de Religião & Sociedade (Weffort, 1977). O tem a que se privilegiava, aliás o grande tema da hora entre os estudiosos da religião, eram as relações Estado-igreja(s) no Brasil, com destaque para a igreja católica. O tem a vinha trabalhado freqüentem ente em perspectiva histórica no intuito de dar conta da grande m udança em curso nos meios eclesiásticos e que resultava na (bem vinda!, este era o tom ) politização-esquerdização das minorias ativas das igrejas cristãs, aliadas das forças dem ocráticas nas mais diferentes form as de luta contra a ditadura. Artigos: Delia Cava, 1975; E stê­vão e Ramalho, 1976; Araújo, 1977; Azzi, 1977; Kliewer, 1977; K rischke, 1977; Oliveira, 1977; Sodré, 1977; Wanderley, 1978;

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Beozzo, 1979; Botas, 1979; Krischke, 1979; Ramalho e Esterci, 1979; Souza N etto , 1979. E ntre os artigos, o destaque vai sem dúvida para o de Delia Cava, publicado em 1975 pela prestigiada revista Estudos CEBRAP, cujo com itê editorial contava com os nom es de Juarez Rubens Brandão Lopes (diretor), José A rthur G iannotti (presidente), Carlos Estevam M artins e Francisco de O li­veira. O artigo de Delia Cava se tornaria um a referência obrigató­ria para os estudiosos da área, um a vez que, com base em sete m onografias de brasilianistas que haviam sido recentem ente publi­cadas fora do Brasil tratando do catolicismo brasileiro, reconstituía cronologicam ente a história das relações Igreja-Estado ao longo de meio século do período republicano (de 1916 a 1964), no pro ­pósito de avaliar projetivam ente até onde chegaria a capacidade do catolicismo latino-am ericano com o agente de m udança social e de conquistas democráticas. Livros: Cam argo, 1971 e 1973; Alves, 1974 [1979]; Bruneau, 1974; H oornaert, 1974; Prandi, 1975; Villaça, 1975; Delia Cava, 1976; Azevedo, 1978; Pierucci, 1978; Lima, 1979; Krischke, 1979; Rom ano, 1979.

Relações Igreja-Estado: os cientistas sociais da religião esta­vam finalmente diante de um grande tema. O s graves atritos do regime burocrático-autoritário im posto pelos militares brasileiros a partir de 1964 com a igreja católica no Brasil, mais uma vez apeada a co n trag o sto de sua função trad ic ional de leg itim adora do ordenam ento político, haviam trazido consigo para os cientistas sociais — brasileiros e tam bém brasilianistas — problem as em si m esm os de alto interesse intelectual e inusitada exigência teórica. C om efeito, estavam em jogo na política brasileira, mais um a vez e desta vez com a radicalidade própria dos tem pos de capitalismo tardio, nada mais nada m enos que os problem as que envolvem no plano jurídico-político da norm atividade societária o inseparável par conceituai legitimação/seculari\ação da ordem social.

O u tro tem a bastan te afim aos interesses intelectuais dos cientistas políticos que já começava no final dos anos 70 a des­

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po n tar na literatura acadêm ica, em bora predom inantem ente de autoria de teólogos (Leonardo Boff, 1977; Clodovis Boff, 1979), foi a m obilização das bases eclesiais no bojo dos m ovim entos sociais urbanos, do m ovim ento operário, do m ovim ento sindical, das grandes m anifestações de massa pela volta da dem ocracia, na m obilização popular, em suma. O tem a explodirá, na década se­guinte, num a verdadeira profusão de análises propriam ente so ­ciológicas ou politológicas oriundas dc diferentes démarches m eto ­dológicas e orientações teóricas.

M erecem especial atenção aqui dois livros publicados já no início da década, em 1973: Para uma sociologia do protestantismo brasileiro, de W aldo A. C ésar (César, 1973), e Católicos, protestantes e espíritas, organizado p o r C ândido Procopio Ferreira de Cam argo (Camargo, 1973), am bos editados pela Vozes, uma editora católi­ca en tão em fase risonha e franca de secularização de seus títu ­los. O prim eiro, resultante de um a pesquisa encom endada ao au tor pelo 1SET (Instituto Superior de E studos Teológicos); o segundo, resultante de pesquisa bem mais am pla e am biciosa realizada pelo se to r de sociologia da religião do C EB R A P sob a coordenação dc Procopio Cam argo, de cuja execução e redação participaram Beatriz M uniz de Souza, Melanie Berezowski Singer, Reginaldo Prandi e Renata Raffaelli N ascim ento. Tour de force coletivo, “esta obra tem o grande m érito de ser, se não m e equi­voco, a única tentativa de oferecer um a interpretação global das relações entre religiões e sociedade brasileira, buscando encon­trar ‘as funções contraditórias desem penhadas pelas religiões’ e se ‘há indícios de que potencialidades das religiões venham a exercer influência significativa no processo de m udança social brasileiro’ (p.16)” . Assim avaliou Rubem Alves, em seu balanço, esta obra do CEBRAP, cujo título dispunha à guisa de um painel tripartido as diferentes famílias religiosas no Brasil, Católicos, pro­testantes, espíritas, ecoando assim , deliberadam ente e “para bom en tendedor” dos não-ditos, o título do fam oso livro de coleta e

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balanço dos achados em sociologia da religião nos EUA, Protestant- Catholic-Jeiv, de Will H erberg (H erberg, 1955). “G ostaria de subli­nhar” — prosseguia Rubem Alves e aqui eu rep ito a observação dele com ênfase ainda m aior — “a identidade entre o enfoque adotado e os p ressupostos mais gerais da inteligência universitá­ria brasileira sobre as relações entre religião e m odernização. N as linhas de W eber, aceita-se que m odernização implica seculariza- ção” (Alves, 1978: 125).

O livro de W aldo César, Para uma sociologia do protestantismo brasileiro (1973), é de grande utilidade em seu pequeno tam anho (48 páginas). Precioso na m edida em que pode ser m anuseado com o fonte secundária p o r quem se interessa em reconstitu ir o passado da perspectiva de uma sociologia da sociologia da reli­gião, portador que é o livrinho de inform ações tópicas valiosíssimas sobre quem eram os sociólogos que produziam a sociologia do pro testan tism o no Brasil, revelando um certo Zeitgeist que tam ­bém presidia ao livro do CEBRAP publicado no m esm o ano. A bibliografia “brasileira” que Waldo César levantou sobre p ro tes­tantism o em geral e m ais quatro igrejas protestantes históricas (batistas, congregacionais, m etodistas e presbiterianos, incluindo aí os presbiterianos independentes) excluía por razões alegadamente m etodológicas a literatura sobre os pentecostais, precisam ente p o r ser o g rupo mais estudado sociologicam ente (como, aliás, o é até hoje), assim com o excluía os luteranos. N o esforço de exam i­nar a evolução dos estudos sociológicos do protestantism o, o au to r sugere três períodos. N o prim eiro (1930-1940), que rep re­senta a passagem da pura polêm ica para a obra histórica (ainda) polem icam ente orientada, os autores escrevem na qualidade de m em bros filiados a um a ou outra das denom inações p ro tes tan ­tes. N o segundo (1940-1955), m arcado pelo aparecim ento das prim eiras obras e pesquisas sociológicas, surgem autores já vin­culados ao meio universitário, principalm ente estrangeiros. O ter­ceiro (a partir de 1955), m arcado pelo aprofundam ento do foco

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igreja-sociedade, é o mais prolífico em obras de caráter mais definidam ente sociológico, realizadas entretanto em dupla filiação: os autores estão o tem po todo com um pé no contex to eclesiásti­co e o outro no acadêmico. E neste período que o pentecostalism o surge com o um cam po de interesse especial para a pesquisa so­ciológica, o que não deixa de ser significativo, pois se trata, ago­ra, de estudar o “o u tro ” , um a vez que não surge nenhum soció­logo pentecostal entre os pro testan tes to rnados sociólogos. Valha a frase de W aldo César, de teo r conclusivo e abrangente. A César o que é de César: “O estudo do protestantism o, m esm o atual­m ente, parece lim itado a pro testan tes que se to rnaram sociólogos- o que não seria difícil de explicar” (César, 1973: 10). Remember que quem nestes precisos term os registra a m istura no início dos anos 70 é, tam bém ele, de duplo métier.

C o n c l u s ã o : f r o n t e ir a s b o r r a d a s e j o g o d u p l o

Já que com eçam os falando de m isturas e fronteiras mal re­cortadas en tre disciplinas científicas e crenças religiosas nos p ro ­dutos de sociologia da religião, m eu com entário final tam bém tem a ver com isto, com fronteiras. R etom o o pon to , agora, fa­zendo um a pergunta an terior sobre o p róprio ob jeto nosso que é o cam po religioso: no Brasil de hoje, quando é que se en tra e quando é que sai do cam po religioso? N outras palavras, o que é o cam po religioso, onde ele com eça e onde acaba? O s limites foram um dia demarcados? As fronteiras continuam definidas? Parece que não, ou pelo m enos, não da m esm a form a.

Q uem p o r prim eiro levantou a questão nestes term os foi o “pai da m atéria” , P ierre B ourd ieu , o m esm o que cu n h o u a em pregadíssim a expressão “cam po religioso” ; o m esm o au to r da expressão “boa vontade cultural” , tão útil m e parece agora para qualificar o encontradiço deslum bram ento e em bevecim ento que

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nossa área dem onstra, um certo “encan tam ento” diante do bem - sucedido exercício do poder religioso pelas elites religiosas do Brasil de agora, cujos resultados palpáveis têm sido justam ente aquilo que nos assom bra nesse efervescente cam po religioso que observam os p o r dever de ofício, aquilo que tem seduzido (além da conta!) nosso intelecto de “pesquisadores da realidade” su­postam ente com “ fom e de realidade” ( Wirklichkeitshunger, dizia W eber). Penso que um pouco mais de B ourdieu, do m odo com o B ourdieu olha a religião, um pouco mais daquele rigor científico radicalmente desencantado que disseca o ob jeto enquanto critica a p rópria disciplina que o indaga, faria m uito bem a todos nós.

Para esta conclusão, vou buscar em B ourdieu o curto texto da conferência que fez num congresso da A ssociação Francesa de Sociologia da Religião, em 1982, cujo título p o r si só reco­m enda que se retom e o conteúdo crítico do texto num balanço de avaliação da área de sociologia da religião no Brasil, ecoando- o com a m erecida ênfase. O título é m oderadam ente provocativo: “Sociólogos da crença e crenças de sociólogos” (Bourdieu, 1990).

N a palestra, B ourdieu mexe num p on to que é da m aior im portância levar em conta na in terpretação que se faz do fenô­m eno religioso no Brasil contem porâneo: qual é a fronteira da instituição religiosa, daquela que organizando a crença no reli­gioso organiza tam bém a crença na instituição que organiza a crença? C om o se definem as fronteiras de um a organização reli­giosa? E quem as define? O s deputados constituintes? O s tribu­nais pressionados pelas partes? Q uando um com portam ento é religioso e quando nao é, ou quando deixa de ser?

O que sabem os disto? C om o estam os lidando com isto em nossas pesquisas e teorizações? E u, pessoalm ente, só cheguei a d e sc o b rir a localização estra tég ica deste n ó e sua saliência epistem ológica três anos atrás, quando fui convidado a refletir sobre o conflito público que eclodiu en tre católicos e evangéli­cos, em rede nacional de televisão, desencadeado pelo episódio

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do chute de um pasto r neopentecostal na im agem da Senhora A parecida, padroeira do Brasil católico, em 12 de o u tu b ro de 1995, seu dia festivo e “por isto” feriado nacional.

N aquela ocasião, tivem os que encarar um conflito religioso, em tudo e p o r tudo religioso, nos personagens, no objeto da agressão, nas instituições im ediatem ente envolvidas. N a própria alcunha midiática que passou a osten tar - “guerra santa” — era um conflito que parecia o p o r nas arenas da esfera pública insti­tuições religiosas poderosas e concorren tes, mas na verdade punha em jogo e em confron to um elenco m uito diversificado de atores sociais não religiosos, e atores sociais de m onta. C ham ou-m e a atenção o fato de que no Brasil contem porâneo os conflitos entre as religiões e com as religiões ocorrem de um m odo im preciso. E bem isto m esm o: de m odo im preciso. São explosões de conflito envolvendo alteridades cada vez mais imprecisas. D e lim ites elás­ticos e borrados. Assim os conflitos religiosos tendem hoje a eclod ir nas sociedades de cap ita lism o tard io e em ritm o de globalização econôm ica e cultural. T udo se passa com o se o p ró ­prio conceito de atividade religiosa entrasse em parafuso, cada vez mais “ flexibilizado” nas m ãos e na fala dos próprios agentes profano-religiosos das igrejas-em presas — grandes, pequenas e m icro-em presas de serviços religiosos - que oferecem respostas efetivas à dem anda básica dos adep tos/c lien tes p o r resultados efetivos aqui e agora (Pierucci, 1996).

O atual panoram a cultural brasileiro, em m atéria de religião, está mais ou m enos assim: em prim eiro lugar, a conflitualidade aum entada, reforçada com a possibilidade crescente de adesões voluntárias, defecções e conversões, reconversões, desconversões, de trânsito religioso enfim banalizado, sem escândalo, sem ver­gonha; em segundo lugar, o conflito redesenhado em nível m acro, redim ensionado. As religiões estão diversificando suas atividades e funções: escolas, rádios, em issoras de televisão, editoras, livra­rias, jornais e revistas, lojas de disco e vídeo, p rodução e com er­

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cialização de ob jetos religiosos e souvenirs, instituições financei­ras, instituições de saúde, serviços de terapia religiosa, de aconse­lham ento psicoterápico, de atendim ento param édico, creches, o r­fanatos, hospitais, estru turas imobiliárias, constru toras, prédios de apartam entos e de escritórios, propriedades fundiárias de todo tipo e tam anho, O N G s, lobbies, em presas de marketing etc.), m ui­tas delas, atividades econôm icas sob o guarda-chuva da isenção fiscal p o r se tratar de organizações religiosas.

Pois bem , esses desenvolvim entos todos têm tudo a ver com a borradura das fronteiras do cam po religioso e, ev idente­m ente, com toda a seqüela de im plicações para os sociólogos da religião que podem os imaginar. E justam ente nisto que B ourdieu agora m e vale, especialm ente quando ele invoca com o p o n to de apoio em pírico de sua reflexão sobre a dificuldade de se fazer um a sociologia da religião verdadeiram ente científica o fato de ser praticada “p o r p rodutores que participam em graus diversos do cam po religioso” (Bourdieu, 1990: 108). E m palavras m uito diretas e claras B ourdieu afirm a que a ciência específica que m uitos sociólogos da religião praticam está na verdade enraizada num a espécie de “ relação de m á fé” com a ciência p ropriam ente dita e num a relação de “ cum plicidade” com a religião. C hega a dizer que alguns experim entam nisto “um prazer cúm plice” ildenr. 110), atitude criticável na m edida em que é aí precisam ente que se configura a dita m á fé. Má fé, de um lado, para com a ciência tout court, a ciência científica, e, de ou tro , m á fé tam bém para com os consum idores da sociologia da religião que se p roduz, os consum idores diretos mas tam bém os indiretos, ainda m enos crí­ticos do que os produtores.

Pode um a sociologia dessas ser um a verdadeira sociologia científica? - pergunta, seco, Bourdieu. “D ificilm ente” — respon­de. E pondera: “ Isto é, som ente se acom panhada de um a sociolo­gia científica do cam po religioso.” Tal sociologia, porém , é um a em presa m uito difícil. “N ão que o cam po religioso seja mais

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difícil de analisar do que um ou tro (em bora aqueles que estão envolvidos nele tenham interesse em fazer com que se acredite nisso), m as porque, quando se faz parte dele, participa-se da crença inerente ao fato de se pertencer a um cam po, qualquer que seja ele (religioso, universitário etc.), e porque, quando não se faz parte dele, corre-se em prim eiro lugar o risco de deixar de inscrever a crença no m odelo etc., e, em segundo lugar, de ser privado de um a parte da inform ação útil” (ídenr. 108).

N ão se trata de saber se as pessoas que fazem sociologia da religião têm fé ou não, nem m esm o se pertencem ou não a uma form ação religiosa determ inada. O problem a não reside aí, são ou tros os verdadeiros term os da questão. “A questão é a crença vinculada ao fato de se pertencer ao cam po religioso, o que cha­mo de i/lusio, investim ento no jogo ligado a interesses e vanta­gens específicos, característicos desse cam po e dos alvos particu­lares que estão em jogo nele” . Se o problem a se põe de form a ainda mais aguda no caso do cam po religioso, “é porque o cam ­po religioso é, com o todos os cam pos, um universo de crença, m as no qual o assunto é a crença. A crença que a instituição organiza (crença em D eus, crença no dogm a etc.) tende a m asca­rar a crença na instituição, o obsequium, c todos os interesses ligados à reprodução da instituição. E isso mais ainda na medida em que a fronteira do cam po religioso se to rn o u im precisa (te­m os bispos sociólogos) e que é possível acreditar que se saiu do cam po sem ter realm ente saído dele” (Idem: 109). E , porque hoje esta fronteira ficou ainda mais borrada, é possível que m uitos dos sociólogos da religião leitores deste ensaio acreditem \sic\ que estão inseridos plenam ente no cam po científico e fora do cam po religioso, quando na verdade de lá nunca saíram episte- m ologicam ente falando.

“N a m edida em que a fronteira do cam po religioso se to r­nou im precisa” — form ulação mais clara que esta, com perdão do trocadilho com rima, não precisa. A França tem bispos sociólo­

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gos: “ tem os bispos sociólogos”, observa B ourdieu. Basta p o n tu ­ar com um exem plo desses para que venha à tona, com clareza m eridiana, a realidade nebulosa das fronteiras borradas en tre ciên­cia e religião, en tre o cam po universitário e o cam po religioso num país com o a França, e não só lá. B ourdieu usa a este p ro p ó ­sito o nom e “sociólogo original” , por analogia com Hegel e seu “h isto riador original” , que, “vivendo no espírito do acontecim en­to” , assum e os p ressupostos daqueles cuja história ele está con ­tando (Idem: 111).

C om o proceder para não acabar fazendo, p o r excessiva com ­placência ou relaxam ento, um “ jogo d up lo”? O que fazer, para não acabar caindo na “ tentação do jogo duplo e da dupla vanta­gem ” , tentação que, segundo B ourdieu, “am eaça especialm ente os especialistas das grandes religiões universais, católicos que estudam o catolicism o, protestantes, o protestantism o, judeus, o judaísm o (ninguém observou com o são raros os estudos cruza­dos — católicos estudando o judaísm o ou vice-versa — ou com pa­rativos): nesse caso, é g rande o perigo de se produzir um a espé­cie de ciência edificante, destinada a servir de fundam ento a um a religiosidade científica, perm itindo acum ular as vantagens da lu­cidez científica e as vantagens da fidelidade religiosa” (Idem 112- 113). E p o r causa desses riscos que me interessa de frente o fato da sim ultaneidade de duas ocorrências m uito freqüentes no Bra­sil; a saber: 1) m uitos dos pesquisadores da religião hoje no Bra­sil p rofessam ou praticam crenças religiosas; 2) parte significativa do que se p roduz em sociologia da religião no Brasil, desde os anos 70, faz o “elogio da religião” e aplaude com incontida eufo ­ria o “ reto rno do sagrado” . C om o saber se num a hora dessas é o cientista que fala ou não será o religioso, o crente, o místico praticando ventroloquia?

Já pensaram nisto? O que fazer para ficar com as vantagens e evitar as desvantagens anticientíficas do jogo duplo? A resposta de Bourdieu vai ser: assumir bem -analisadam ente a própria pertença

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religiosa, caso haja. Objetivá-la, torná-la objeto, submetê-la a um esforço de objetivação reflexiva sem complacência. Para o sociólo­go da religião, esta é a única tom ada de posição cientificamente conseqüente. Tem que assumir. Porque, quando se torna auto- rcflexiva, “a pertença pode se tornar, de obstáculo à objetivação, num adjuvante da objetivação dos limites da objetivação, contanto que ela m esm a seja objetivada e controlada” . Fazer parte do cam ­po científico implica não abrir mão dos controles de cientificidade. Por conseguinte, “é com a condição de saber que se pertence ao cam po religioso, com os interesses aferentes, que se pode contro lar os efeitos dessa inserção no cam po e retirar daí as experiências e inform ações necessárias para p roduzir um a objetivação não re­dutora, capaz de superar a alternativa do in terior e do exterior, da vinculação cega e da lucidez parcial. Mas essa superação supõe um a objetivação sem com placência (...) de todos os vínculos, de todas as form as de participação, dc pertenças objetivas ou subje­tivas, m esm o as m ais tênues. (...) O corte epistem ológico, nesse caso, passa p o r um co rte social, que supõe ele p róp rio um a objetivação (dolorosa) dos vínculos e das vinculações” (Idem: 112). B ourdieu p ropõe p o rtan to com o única saída digna para os soció­logos que crêem o avançar na direção de m aior soeioiogização da própria prática sociológica. P ropõe com o meio regenerador o exercício da “sociologia dos sociólogos” . Q ue não se inspira num a intenção polêm ica, m uito m enos jurídica. Mas visa tão-som ente a to rnar visíveis alguns dos mais poderosos obstáculos sociais à produção científica. “Recusar a objetivação das adesões, e a dolo­rosa am putação que ela implica, significa condenar-se a jogar o jogo duplo, social e psicologicamente vantajoso, que perm ite acum u­lar as vantagens da cientificidade (aparente) e da religiosidade” (Idem: 112).

A última frase da conferência de B ourdieu sublinha esta sua p roposta de saída, qual seja, a sociologia da sociologia da reli­gião: “Finalizando, a sociologia dos determ inantes sociais da prá-

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tica sociológica aparece com o o único m eio de acumular, d iferen­tem ente das conciliações fictícias do jogo duplo, as vantagens de se pertencer a um cam po, de se participar dele, e as vantagens da exterioridade, do co rte e da distância obje ti van te” (Idem: 113, grifo meu).

N ão é preciso dizer mais nada. O u talvez sim. Q ue a socio­logia da religião só é possível porque tem na crítica m oderna da religião sua condição pós-tradicional de possibilidade enquan to ciência moderna, enquanto ciência científica.

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E s t u d o s s o b re P r o f i s s õ e s n o B r a s i l

Maria da d o r ia Vionclli

IN TRODUÇÃO

A temática profissional aparece nos estudos das Ciências Sociais brasileiras de quatro formas. A primeira delas é identificada com o Sociologia das Profissões e insere-se no debate de modelos

analíticos reconhecidos com o centrais a esta especialização. A segunda form a é mais influenciada pela profissionalização na

sociedade do que pela bibliografia da área. São trabalhos que recorrem ao argumento profissional com o um aspecto relevante para o entendim ento da problemática que estão estudando. A terceira form a utiliza esse enfoque para analisar fenôm enos so­ciais distintos do profissional, que se constituem de maneira se­melhante a ele através de ‘carreiras’. A última form a não distin­gue o uso acadêmico do term o profissão daquele cunhado pelo senso comum, utilizando-o para se referir a todas as experiências ocupacionais no mercado de trabalho.1

1. Há uma vasta bibliografia que, ao investigar as relações cle trabalho ou a qualificação do trabalhador na indústria, na agricultura ou nos serviços,

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288 M a r i a d a G l o r i a B o n k i . i . i

Este trabalho vai focalizar a produção sobre as profissões brasileiras nas Ciências Sociais, nos últimos 30 anos, tomando com o referência as linhas apontadas acima.2 Vai ater-se às duas primeiras form as de lidar com a temática por serem centrais para a constituição e expansão do cam po acadêmico da Sociologia das Profissões no país, procurando relacionar esta produção com o debate internacional. O s estudos que lidam com o fenôm eno profissional sem serem identificados com o vinculados à especia­lização, além de trazerem contribuições relevantes para ampliar o conhecim ento sobre as profissões no Brasil, apontam as limita­ções que esta literatura precisa superar.

As duas últimas formas são apenas indicadas aqui, deline­ando uma área para onde esta perspectiva se expandiu e outra onde ela enfrenta dificuldades. Em uma delas, sobressai as con­tribuições teóricas da Sociologia das Profissões e sua aplicabilidade

para a com preensão de objetos que não se situam no âm bito da estru tu ra o cu p a cio n a l.3 Na outra , ev id en cia-se a falta de interlocução com a Sociologia do Trabalho no Brasil, trocas inte­lectuais que precisam ser cultivadas.

O total de títulos levantados foi de 170 e estão organizados no final do texto segundo a profissão.4 D este conjunto, foram

toma a terminologia das profissões no seu uso cotidiano para analisar a situação dos m enores no mercado, a força de trabalho com instrução ele­mentar, o processo de inclusão e expansão feminina no emprego remune­rado, entre outros.

2. N ão foram incluídos neste balanço as pesquisas que tomam os militares e o clero com o profissão. As Forças Armadas e a Igreja são instituições que promovem um tipo de socialização de seus m em bros com alto grau de isolamento, se comparado às demais profissões. Isto exige uma análise diferenciada, impossível de ser feita dentro dos limites deste artigo.

3. Exem plos desta influência são os estudos que focalizam a “ profissionaliza­ção” e as carreiras no cam po das atividades de assistencialismo, como também nas O N G ’s.

4. Baseia-se em levantamento realizado nas bibliotecas da Faculdade de Filoso­fia, Letras e Ciências Humanas da USP , na Escola de Administração de

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l i S T U D O S S O B R Iv P R O F I S S Õ K S N O B R A S I l . 2 8 9

selecionados 40 títulos para análise, que revelam alguma sintonia com a bibliografia internacional, no m om ento em que foram escritos. O argumento central do balanço sobre a Sociologia das Profissões no Brasil procurará mostrar com o os trabalhos que lidavam com a inserção das profissões no m ercado e que as concebiam com o comunidades predominaram aqui, seguindo o padrão identificado na bibliografia anglo-saxã até a década de 80. A partir daí, tal tendência com eçou a ser criticada e revista por estudos que investigaram a temática profissional numa perspecti­va histórico-com parada, ampliando este escopo para além dos limites do m ercado1, diferenciando-se das vertentes que não iden­tificavam a autonomia relativa das profissões cm relações à or­dem econôm ica e às classes sociais. A literatura internacional também já vinha problematixando as concepções tradicionais so­bre a estrutura comunitária das profissões.6

Num balanço da produção sobre os advogados em diversos países, Halliday (1995) identificou quatro esferas onde se inseri­am os estudos, refletindo a trajetória do enfoque profissional.

Empresas da FG V-SP c na UFSCar. O levantamento da produção dc teses e dissertações refere-se aos dados registrados no IB IC T - Instituto Brasileiro dc Inform ações em Ciência c Tecnologia para as áreas de Sociologia, Ciência Política e Antropologia, até janeiro de 1998. O s periódicos pesquisados fo­ram: Revista Brasileira de Ciências Sociais (A N PO C S), Dados (IU PERJ) B IB - Revista Informativa e Bibliográfica em Ciências Sociais (A N PO C S), Ciências Sociais H oje (A N PO C S), Lua Nova (C E D E C ), N ovos Estudos (C EBRA P), Revista de Administração de Empresas (FG V ), Tem po Social (USP), Cadernos dc Pesquisa (Pundação Carlos Chagas), História, Ciência e Saúde - Manguinhos (Fundação Oswaldo Cruz), Revista de Ciências Sociais (UFCeará), Sociedade e Estado (UnB), Cadernos de Estudos Sociais (Funda­ção Joaquim N abuco), Cadernos de Sociologia (U FRG S), Teoria & Pesquisa (UFSCar) e Latin American Research Review (LASA).

5. Ver Joh nson (1982), Geison (1984), Rueschemeyer (1986), Siegrist (1986), Halliday (1987), Karpik (1988), Burrage (1990), Burrage e Torstendahl (1990), Cocks e Jarausch (1990), Dezalay e Garth (1995) e Freidson (1996).

6. Ver o estudo de Freidson sobre a Medicina, publicado pela primeira vez em 1970 com nova edição em 1986 e o de Larson (1977).

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29 0 M a r i a d a G l o r i a B o n h u .i

Essas esferas são: mercado, Estado, sociedade civil e comunida­de. E m seu levantamento sobre profissão e mercado observou que os olhares partiram da análise do controle e do m onopólio profissional chegando ã perspectiva de com o esses mercados são socialm ente construídos. Sobre o Estado, a literatura foi da co n ­cepção onde os profissionais eram vistos com o cooptados por ele, até a que investiga o papel que os advogados desem penha­

ram com o construtores e/ou legitimadores do Estado. Sobre a sociedacie civil, a Sociologia das Profissões cam inhou da visão onde as profissões refletem a ordem estratificada para aquela onde elas são criadoras da sociedade civil. Sobre a comunidade, as análises partiram da perspectiva que identifica profissão com o comunidade introduzindo depois a abordagem das profissões na comunidade.

Levando em consideração as especificidades da produção local, procurarei apontar os caminhos percorridos pelos estudos sobre profissões no Brasil, tomando com o referência o prisma que Halliday construiu.

AS O R IG EN S DA PR O BLEM Á T IC A PRO FISS IO N A L NA PRO D U ÇÃ O A C A D Ê M IC A BRA SILE IRA

O s estudos pioneiros sobre profissões no Brasil foram de­senvolvidos entre os anos 60 e 70. N este contexto, já identifica­m os trabalhos que analisaram os profissionais no Estado, que investigaram as profissões no mercado, que as conceberam com o comunidades e que as viram com o reflexos da ordem social. Entre os primeiros, predominam análises de pesquisadores que hoje estão associados à Ciência Política, à História e à A ntropo­logia, revelando fronteiras mais tênues na delimitação de objetos, enfoques e especializações. São eles: Carlos Estevam Martins (1968

e 1974), que focalizou os profissionais em organizações e recor­

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E s t u d o s s o b r k P r o h s s O k s n o B r a s i i . 2 9 1

reu ao con teú d o do p ro fissio n alism o para d iferenciar os tecnocratas7dos burocratas com o elites de poder, em seu livro Tecnocracia e capitalismo: A política dos técnicos no Brasil; Stuart Schwartz (1973), que pesquisou a magistratura da Suprema Corte da Bahia, entre 1609 e 1751, analisando suas relações com a metrópole e as elites locais, reconhecendo um perfil profissional entre os juizes que os distinguia dos demais grupos dominantes, criticando as visões que reduziam as relações dos desembargadores com a Coroa à mera condição de cooptação; c Anthony Leeds (1965), que desenvolveu um estudo antropológico sobre estrutura de carreiras, v inculando-a às redes sociais entre os in teresses oligárquicos, a burocracia pública, a cúpula do Estado e a Igreja,

apontando com o as panelinhas eram a sistemática de recruta­mento para estas posições. Enquanto o trabalho de Schwartz introduziu a questão da profissão com o comunidade, focalizan­do a corporação dos juizes e sua homogeneidade ideológica, a análise de Leeds trouxe a abordagem das carreiras com o reflexo da estrutura social estratificada.

Entre os autores que priorizaram a análise das profissões no mercado, destacam-se seus vínculos com a Sociologia e a consti­tuição da especialização. O s trabalhos que se inserem nesta classi­ficação são: a) a tese de livre-docência de Oracy Nogueira (1967), onde assinalava a perda da condição liberal das profissões no mer­cado de trabalho, decorrente do processo de ‘institucionalização”8

7. Segundo a definição do autor, os tecnocratas são especialistas insubstituíveis em função de sua alta qualificação técnica, tornando-se detentores de poder devido ao monopólio do saber técnico-científico. Seu poder vem de fora da organização c é assim, autônomo, enquanto que o poder dos burocratas vem da própria organização, o que possibilita que eles sejam substituídos.

8. O autor referia-se à perda da condição liberal no exercício profissional. Na Sociologia das Profissões este processo é chamado também de desprofis- sionalização, de burocratização e de proletarização, dependendo das carac­terísticas desta mudança e do olhar do pesquisador. Proletarização associa- se ao assalariamento, falta de autonomia para realizar diagnósticos basea-

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292 M a r i a d a G l o r i a B o n k i .i . i

das profissões de nível superior; b) o livro de Luis Pereira (1969) sobre o magistério primário, analisando com o esta ocupação femi­nina de classe m édia assalariada entrara em processo de proletarização a partir da segunda metade dos anos 50; c) o douto­

ramento de Maria Cecília Donnangelo (1972) sobre os médicos e o mercado de trabalho, onde indicava a perda de autonomia do pro­fissional no mercado, devido a uma progressiva burocratização, com assalariamento e ausência de controle sobre seu trabalho. As

relações com o Estado foram focalizadas através da criação do sistema previdenciário que atuava na direção de restringir a auto­nomia e diversificar as ideologias profissionais classificadas com o liberal, empresarial e estatizante; d) o mestrado de José Carlos Durand sobre os arquitetos (1972), investigando a situação da pro­fissão no mercado, identificava a tendência à burocratização, com

o assalariamento dos profissionais empregados nas grandes e mé­dias empresas e a falência do modelo liberal de profissão. Em 1975, Durand publicou um artigo crítico tanto da Sociologia das Profissões norte-americana, apresentada com o predominantemen­te ideológica, quanto da produção sobre o tema no Brasil, que ele via polarizada entre as explicações funcionalistas e marxistas; e f) o mestrado de Lili Kawamura (1978) sobre os engenheiros, que apon­tava a bipolarização desse grupo profissional cm intelectuais orgâ­nicos da burguesia e os engenheiros que ocupavam posições su­

balterna, com funções rotineiras e sem caráter de mando, identifi­cando uma acentuada tendência â proletarização da profissão.

E n tre estes trabalhos percebem os também a visão de pro­fissão com o um reflexo da sociedade, tanto quando ela era con-

dos no conhecim ento especializado c perda dc controle sobre o processo de trabalho. A burocratização tende a vincular-se com à inserção no E sta­do, em bora seja também usada para o assalariamento em empresas priva­das. A desprofissionalização indica que a profissão mantém sua autonomia em diagnosticar, o que caracteriza a preservação do poder apoiado no

saber abstrato.

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R S T U D O S S O B R K P R O l - I S S Õ l i S N O B R A S I L 2 9 3

cebida com o uma estrutura de classes quanto com o estratificação social. O utros estudos tomaram o caminho de utilizar os enfoques da questão profissional com o uma ideologia, para apoiar proces­sos de profissionalização em atividades com o a Enferm agem , procurando m elhorar seu prestígio no mercado ocupacional. E s­tas abordagens recorreram à concepção de profissão com o co ­munidade, procurando criar as condições para profissionalização e para a mobilidade coletiva de seus m embros. E m geral, esses estudos foram realizados por pesquisadores vinculados às disci­

plinas sob investigação, com o o caso da tese de cátedra de G lete Alcântara (1966), na Escola de Enferm agem da USP/Ribeirão Preto, e a tese de doutorado de Silvia Leser de M. Pereira (1972),

no Instituto de Psicologia/ USP. E ste último trabalho enfatizava o aspecto da missão profissional, priorizando práticas que resul­tassem em benefícios públicos em vez do predomínio da clínica privada. A proposta da autora tentava redirecionar a profissão com o comunidade para a profissão dirigida à sociedade, baseada no “ideal de serviço” .

A consolidação das fronteiras entre disciplinas e a disputa

entre especializações marcou a Sociologia das Profissões com o aquela que prioriza as profissões no mercado. Na maior parte das vezes em que as relações com o Estado foram consideradas, o rótulo classificatório do estudo deixou de ser o da Sociologia das Profissões.9 Nesta área, quando se registrava referência ao Estado, ela aparecia com o algo desqualificador do profissionalis­

9. O argumento de Maria Rita Loureiro (1997) esclarecendo porque seu livro, Os economistas e o governo, não c um estudo afeto à Sociologia das Profissões ilustra esta visão. “ (•■■) Cabe explicitar ainda que a análise efetuada não se orienta pelo enfoque do grupo profissional, não sendo abordadas questões com o mercado de trabalho, situação salarial etc., cujo exame exigiria refe­rência obrigatória ao conjunto de portadores de diploma universitário. Ao contrário, as análises referem -se basicamente ao segmento específico dos economistas que participam do sistema decisório governamental em fun­ção de sua com petência técnica especializada.”, p. 19.

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29 4 M a r i a d a G i .o r i a B o n h i .i . i

mo, com o uma ameaça à autonomia profissional, à livre organi­zação da profissão e a perda de controle sobre o trabalho e sobre o m onopólio do mercado. Sob esta perspectiva, o Estado era visto com o um mal que danificava as profissões. A ideologia

liberal característica das profissões liberais acabou perm eando a análise sociológica do fenômeno, inclusive sob o olhar marxista.

E sta tendência é decorrente da sintonia com as vertentes da produção internacional, que relacionaram o profissionalism o com o processo associativo autônom o de grupos e de com uni­dades profissionais no mercado, protegidos tanto das regras da livre-concorrência quanto da intervenção do Estado. O s m ode­los da burguesia e da burocracia aparecem com o as form as de estruturar a vida social que os profissionais rejeitam ao propo­

rem o exercício liberal com o sua alternativa. A m aior parte dos estudos da Sociologia das Profissões no Brasil vincula-se a este debate. Analisam as profissões no m ercado criticando o predo­mínio do m odelo burguês, quando diagnosticam o processo de proletarização. Condenam o Estado e as em presas quando iden­tificam a burocratização, a perda da condição liberal e a despro- fissionalização.

A crítica feita ao enfoque da Sociologia das Profissões ini­

cialmente formulada por Durand também reflete a sintonia com a produção internacional, mas de origem francesa, onde a socie­dade foi menos marcada pelo tipo de profissionalização que ca­racterizou a Inglaterra e os Estados Unidos. A ideologia do pro­fissionalismo é denunciada com o recurso de poder para favore­cer os m onopólios profissionais e os projetos de ascensão social coletivos. Sem pre que o olhar predominante nos estudos recorre ao conhecim ento especializado para promover o profissionalis­mo, a temática em si se transform a no objeto de crítica. E la passa a ser vista com o um instrum ento para m elhor posicionar o grupo profissional nas hierarquias do mercado. Em bora dentro de uma

perspectiva crítica, o debate manteve-se dentro desse âmbito.

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I i S T U D O S S O U R l i P R O N S S Ô K S N O B r a s i i . 295

E ntre os estudos que focalizaram as profissões e o Estado, foi o trabalho de Martins que efetivamente recorreu aos concei­tos mais debatidos na Sociologia das Profissões para proceder sua análise. A proposta que o autor formulou para qualificar os tecnocratas incorporava a definição de profissionalism o (a auto­nomia e o poder profissionais baseados no saber abstrato) para distingui-los dos burocratas e do conceito de burocracia. Tanto o trabalho de Leeds quanto o de Schwartz não trazem tal preocu­

pação, muitas vezes usando o term o burocracia com o equivalen­te à profissão.

Já para esta primeira geração de estudos foi possível perce­ber as quatro perspectivas que Halliday apontou para se conceber a problem ática profissional. O bserva-se com o esses trabalhos li­dam com algumas das questões levantadas por ele, sem se ‘encai­xarem ’ exclusivamente em uma única esfera. Tais investigações buscaram com preender seus respectivos objetos de estudo e não

a trajetória dc uma temática, tarefa que será desenvolvida aqui assemelhando-se àquela de Halliday. Focalizaremos, a seguir, cada uma destas esferas na literatura sobre as profissões no Brasil.

PRO FISSÕ ES E ESTADO

N a década de 80, alguns trabalhos analisaram as relações entre profissões e Estado sem estruturar a investigação desta forma. O estudo de Carvalho (1980) sobre as elites políticas e a construção da ordem imperial deu destaque ao papel que os magistrados desempenharam nesse processo. A socialização co ­mum em Coim bra e a homogeneidade ideológica deste corpo profissional seriam fatores decisivos para explicar a constituição desses juizes com o elite política unificada dando coesão ao E sta­do. Uma de suas conseqüências seria a manutenção da integrida­de territorial brasileira frente a um contexto onde predominou o

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2 9 6 M a r i a d a G l o r i a B o n k i .l i

fracionam ento das ex-colônias espanholas na América do Sul. O peso dos valores com uns partilhados na carreira dos magistrados tam bém introduzia no argumento do autor a esfera da profissão com o comunidade.'0

Miceli (1981) segue na vertente interpretativa que identifi­cou o Estado brasileiro com o prom otor da cooptação profissio­nal, na investigação que fez sobre a elite política pós-1930 e os advogados com o porta-vòzes na esfera da política, dos interesses de grupos econôm icos dominantes. Seu estudo baseia-se no exa­me das bancadas do PSD e da UDN na Constituinte de 1946. D etendo-se sobre as trajetórias de carreira desses parlamentares, ele reconhece um padrão de apadrinhamento e cooptação pelo Estado entre os pessedistas e o elo entre profissão (bacharéis), família, setor privado e poder entre os udenistas. N este aspecto seu trabalho também lida com a visão de profissão com o reflexo das relações na sociedade.

A análise de A dorno (1988) sobre os bacharéis da Faculda­de de D ireito do Largo de São Francisco no período imperial

articula Estado e profissionalização. E le mostra com o o processo de socialização que os bacharéis viveram no desempenho da ati­vidade de publicista, redigindo jornais acadêmicos, form ou a iden­

tidade dos advogados com a tarefa de construir o Estado e a sociedade civilizada no Brasil, partilhando valores comuns basea­dos numa adaptação local do ideário liberal. A estrutura de seu argumento situa os advogados tanto na esfera da política, com o construtores do Estado, quanto na esfera da sociedade, onde eles se viam civilizando-a de cima para baixo.

Schneider (1994) focalizou a burocracia pública e a política industrial no Brasil destacando o sucesso que o Estado obteve na

10. N o sentido contrário ao argumento de Carvalho, Graham (1997) procura descaracterizar a conduta mais profissional da magistratura enfatizando o predom ínio das práticas clientelistas entre os juizes, tal com o identificava nos demais grupos dominantes.

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industrialização, apesar de ter percorrido cam inhos distintos dos que a literatura tradicional reconhecia com o eficazes. N esses ca­sos, a im portância da identificação dos burocratas com a organi­

zação aparece com o padrão, já que é necessário encontrar entre estes dirigentes a mesma vontade dos governantes para dar co e­rência ao processo de industrialização. Aqui, a rotatividade frag­

mentava os laços com os órgãos, além das práticas clientelistas predom inarem nas nom eações para o preenchimento de inúme­ros postos. O autor introduz a abordagem da análise de carreiras para entender a dinâmica de circulação desses burocratas na sua trajetória no Estado, relacionando-a com a explicação de uma política industrial bem sucedida. E le aponta quatro tipos de car­reiras construídas pelos dirigentes das estatais pesquisadas: polí­tica, militar, técnica e técnica política, sendo nestas duas últimas que a abordagem profissional se destaca. Profissões e Estado são

analisados sob a perspectiva das carreiras, examinando-se tam­bém a socialização e os valores partilhados na profissão com o diferenciadores entre os técnicos e os técnicos-políticos, por um lado, e os dem ais burocratas, por outro.

G om es (1994) organiza um livro onde os autores investi­gam as relações dos engenheiros c dos econom istas com o E sta­do, num a perspectiva histórica, mostrando com o eles constituí­ram as novas elites burocráticas, em substituição ao predomínio dos b ach aréis . E la relaciona esta passagem com co n tex to s

intervencionistas e autoritários, onde o “profissional da política” foi preterido pela ideologia da com petência técnica, imagem com a qual os engenheiros e econom istas se identificaram. N o capítu­

lo sobre os engenheiros, Dias retoma os processos de profissio­nalização e d e construção do Estado mostrando com o um influ­enciou o outro. D estaca o papel do governo em facilitar o con­trole dos engenheiros sobre seu mercado e com o eles foram conqu istand o posições técnica no aparelho estatal. N o capítulo

sobre os econom istas, M otta destaca a identidade intelectual na

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2 9 8 M a r i a d a G l o r i a B o n k l l i

inserção burocrática desses profissionais, buscando se legitima­

rem com o donos de um saber indispensável, ao mesmo tempo em que davam legitimidade a um Estado supostamente pautado em d ecisões técn icas, no lugar do p red om ínio da política clientelista. O olhar que dá unidade ao livro lida com os técnicos com o elites burocráticas, que paulatinamente vão extraindo maiores ganhos nas relações com o Estado. A visão de profissão que fundamenta esta percepção privilegia aquela onde os grupos pro­fissionais se organizam para a conquista de interesses específi­cos, sem associá-los a projetos de conteúdo público.

Loureiro (1997) concentra sua investigação nos econom istas que ocuparam posições dirigentes no governo. Em contraste com as interpretações precedentes sobre a participação desta profissão no Estado, ela evita denominá-los de burocratas, enfatizando a condição de dirigentes políticos marcados pela identificação com a experti.se e a carreira acadêmica. Sua análise compara a experiência brasileira com a de outros países, buscando descaracterizar a atua­ção destes d irigentes com o uma con seqü ên cia com um do intervencionismo estatal. A autora soma-se à vertente que relacio­na a grande participação destes profissionais com o dirigentes com

a necessidade de legitimação política do governo, que obtém credibilidade para seus programas e propostas, apoiados no respei­to e na autoridade do conhecimento econôm ico. A competência técnica é também a base de legitimidade para que eles possam decidir sem contar com mandato eleitoral. Loureiro identifica um padrão na participação dos economistas no governo que está rela­cionado com o tipo de sistema político. Nas democracias estáveis, eles são menos autônomos do que nas democracias não consolida­

das. N o caso brasileiro, os economistas-dirigentes possuem relati­va autonomia das pressões vindas das diversas forças sociais, mas, para isso, atrelam-se aos líderes de governo. Trata-se de uma visão onde a profissão legitima o Estado e onde a elite profissional é uma comunidade voltada para si e para sua visão de mundo.

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O conjunto dos trabalhos que enfocaram as relações das profissões com o Estado priorizaram a concepção de profissão com o comunidade, organizada para a prom oção de seus interes­ses. O debate não perpassou o cam po profissional, mas o tipo de elo com o Estado. Profissão foi tomada com o um conceito es­tanque e o mutável era a visão sobre o que ela fazia no Estado.

Elas foram percebidas tanto com o cooptadas por ele quanto com o

construtoras ou legitimadoras dele, independente de que profis­são estava sendo estudada. Em geral, o Estado era o personagem principal do recorte analítico e a profissão aparecia num papel secundário, menos exposta às problematizações teóricas.

PRO FISSÕ ES E M ER C A D O

A década de 80 consolidou a abordagem profissional dentro da hierarquia ocupacional. Esta dimensão concentrou a Sociologia das Profissões nos problemas de monopólio de mercado e no maior ou m enor controle sobre o trabalho desenvolvido. O debate priorizou as análises sobre o que estava acontecendo com os pro­cessos de profissionalização em termos de tendências à desprofis- sionalização, proletarização e burocratízação das profissões.

Nesta vertente, Prandi (1982) estudou as relações entre ensi­

no superior e profissões universitárias, apresentando o dilema en­

tre a posição social favorecida das parcelas com acesso à universi­dade e a situação degradada que tinham de enfrentar no mercado de trabalho depois de formados, onde se difundia a desprofissio- nalização e a proletarização das profissões. O autor se baseava nos trabalhos de Donnangelo, Nogueira e Kawamura apresentados aci­ma para caracterizar as condições de exercício profissional.

Falcão (1984) estuda os advogados examinando o ensino jurídico e o m ercado de trabalho. Sua preocupação seguia na

direção da pesquisa que Lim a Jr ., K lein e M artins (1970) reali-

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3 0 0 M a r i a d a G i .o r i a B o n k i .u

zaram no IU P E R J, apontando as deficiências na form ação tra­dicional e generalista dos advogados para a realidade de m erca­do, ensino que precisava diversificar-se e m odernizar-se para atender as novas áreas especializadas. Falcão retom a o processo de criação dos cursos jurídicos voltados para form ar a elite político-burocrática do Estado, onde os bacharéis exerciam ati­vidades não-jurídicas, e m ostra com o este padrão de form ação perdurou. Com a expansão do ensino superior e a m anutenção do estilo bacharelesco teve-se o desequilíbrio no m ercado de trabalho, com oferta m aior que a demanda. O perfil ocupacio- nal indicava o predom ínio da burocratização e o assalariamento dos advogados, com retraim ento no exercício liberal da p rofis­

são. O E stad o seguia sendo um grande em pregador, mas para as atividades não-jurídicas.

Marinho (1985) focaliza o processo de profissionalização da Medicina, Engenharia, Advocacia, Enferm agem , Farmácia, Aná­lise de Sistemas e da Sociologia m ostrando o peso da intervenção do Estado brasileiro na regulamentação do mercado e das dispu­

tas entre as profissões. Seu olhar relaciona o sucesso ou o fracas­

so em completar a profissionalização da ocupação no mercado à posse ou não das seguintes características: saber abstrato especi­alizado, organização e condições ambientais (natureza do servi­ço, tipo de mercado, clientela e produção dos produtores). O autor também constata a burocratização do mercado de trabalho. Se em Falcão a intervenção do Estado na criação das faculdades aparece com o um desvio do modelo tradicional de profissão li­beral, em Marinho ele é o garantidor do sucesso para o controle de mercado. E m ambos, está ausente uma via de mão-dupla na

relação entre Estado e profissões. Trata-se de um processo visto

com o vindo de cima para baixo."

11. C o n ceito extraíd o de H annes Sieg rist (1 9 8 6 ), que cham ou de “professionalization from above” os processos de profissionalização apoia­dos pelo Estado, ao comparar os casos da Suíça, França e Alemanha.

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Coelho (1988) focaliza as form as de organização da produ­ção da ciência, recorrendo ao debate profissional para criticar o m odelo contem porâneo de organização da atividade científica. E m sua visão, este m odelo apóia-se no excessivo credencialismo praticado no mundo acadêmico. E le vincula a inflação de títulos com a lógica de consum o do produto ofertado pelas universida­

des, que em vez de resultar na eficiência da comunidade científi­ca, acaba legitimando as sinecuras acadêmicas. O autor critica também o uso da autonomia — conceito indissociável do saber profissional na definição dos conteúdos do conhecim ento — com o ideologia para m onopolizar capital cultural e prestígio. Este tra­balho insere-se na vertente que vincula profissão à hierarquia ocupacional, condenando as reservas de m ercado e os usos ideo­lógicos desses m onopólios.

Schwartzman e Balbachevsky (1992) examinam a docência superior sob o prisma profissional, estratificando os professores universitários de acordo com suas atividades, qualificações e/ou identidades e com os tipos de estabelecimentos onde trabalham. A primeira tipologia construída classificava com o proletariado acadê­mico os profissionais nas instituições privadas e estaduais fora de São Paulo. O s profissionais nas instituições públicas federais fo­ram considerados com o um tipo intermediário, polarizando-se en­tre o sindicato de ofício e a profissão liberal, e os professores das universidades públicas paulistas e de algumas outras instituições adequavam-se mais plenamente ao modelo acadêmico. A análise que enfatiza a heterogeneidade desta profissão segundo as posi­

ções de prestígio no mercado universitário foi depois aprofundada por Balbachevsky (1995) em sua tese de doutorado. Entre as con­tribuições que fez à abordagem acima, ela refinou a classificação proposta anteriormente, mas manteve seu argumento na esfera do

mercado, ao atribuir aos profissionais identidades que tipificam principalmente as instituições onde eles trabalham. Aos contextos institucionais semi-acadêmicos corresponderia uma sub-cultura que

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ela detectou com o sendo a do professor pesquisador, aos contex­

tos semi-corporativos ela vincula a sub-cultura do professor-pro- fissional e aos contextos semi-empresariais a autora associa a sub- cultura do docente do ensino superior.

G rün insere-se no debate profissional em dois momentos distintos da situação do mercado de trabalho dos gerentes. N o primeiro (1992), focaliza um contexto de disputas simbólicas pelo cetro da modernidade no campo gerencial, título que legitima e impulsiona as carreiras. Apoiando-se em dados coletados em 1987/

1988 analisa os executivos ligados a associações cujos membros não possuíam diplomas superiores de escolas de primeira linha. E le examina as estratégias discursivas desse grupo frente aos desa­fios que o prestígio destes diplomas representam. Aponta com o a ideologia do profissionalismo e da competência técnica é a vence­dora nesses embates, sobrepondo-se inclusive à propriedade priva­da. Para ele, a valorização deste tipo de conhecim ento se imporia às famílias burguesas, atribuindo legitimidade aos sucessores que detinham as credenciais para administrar os negócios. Numa or­dem associada ao neoliberalismo e ao predomínio da reestrutura­ção organizacional seguida de desemprego gerencial, o autor (1996) retoma a problemática discutindo os limites do profissionalismo neste contexto c as mudanças no universo simbólico dos executi­vos. E le assinala com o a expansão das franquias representa uma retomada no padrão que caracterizou o espírito empreendedor dos pequenos comerciantes, agora reelaborado pela ideologia da com ­petência administrativa que valoriza a form ação superior. Num mercado onde G rün identifica o avanço da lógica desprofissionali-

zante, homogeneizando o setor moderno dos gerentes com o setor

tradicional dos pequenos negociantes, é no universo simbólico que se realimentariam as distinções entre os dois grupos: os possuidores da competência obtida na universidade relacionam o título com a condição de empreendedores modernos, diferenciando-se dos pe­quenos comerciantes tradicionais.

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Machado (1997) faz um retrato da situação presente dos médicos tanto no mercado de trabalho c na form ação profissio­nal quanto na com posição social do grupo e na sua participação política e sindical. A pesquisa assemelha-se ao survey realizado

por D onnangelo, estabelecendo paralelos e com parações entre os dois períodos enfocados. A autora utiliza esta investigação para retom ar o debate profissional no cam po da saúde e segue a ver­tente que diagnostica a burocradzação da Medicina no mercado de trabalho, o re ju venescim ento do co rp o p rofissional e a fem inização nas especialidades que perm item às médicas concili­ar o papel dom éstico e o profissional.

Diniz (1998) e Barbosa (1998) discutem o profissionalismo a partir de uma visão que diagnostica a forte presença desta forma de organizar a divisão social do trabalho, na hierarquia ocupacio- nal brasileira. Participando do mesmo debate, diferenciam-se dos olhares que apontam os fracassos no processo de profissionaliza­ção, com o a tendência à proletarização. N o argumento de Diniz é a força das profissões que se destaca, configurando aos profissionais a condição de donos do saber, com o os novos mandarins da socie­dade contemporânea. O desempenho de atividades onde eles estão sujeitos ao assalariamento ou à inserção nas burocracias públicas e privadas não lhes impede de preservar “suas qualificações técni­cas, o controle do conhecim ento altamente especializado e sobre o processo de trabalho” (p. 165), mantendo sua autonomia, o que

diferencia-os da proletarização. Barbosa retoma m omentos da his­tória da profissionalização no Brasil para assinalar a permanência de oportunidades para a classe média no modelo do profissionalis­mo, tanto sob o assalariamento como sob o exercício liberal. Aponta o predorqínio do saber profissional instituindo laços de dependên­cia da sociedade em relação ao conhecim ento científico, e com o esta forma de representar o mundo social tende a tornar-se domi­nante na atualidade. Segundo ela, o ponto central para se avaliar o sucesso ou fracasso da estratégia profissional não se resume ao

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conteúdo da atividade ou à relação de trabalho, já que as profis­sões construíram “formas sociais de controle do trabalho” (p. 140).

As pesquisas apresentadas acima ilustram diversas maneiras de se focar as profissões na hierarquia ocupacional. Alguns estu­dos lidam com as estratégias de ascensão pela profissionalização, mas a maioria assinala as conseqüências da deterioração do merca­do de trabalho para as profissões. A partir do final dos anos 80, as

novas formas de se interpretar o profissionalismo enfatizam a for­ça deste projeto na sociedade brasileira, apontando com o o fenô­meno é reelaborado e se consolida, apesar do pessimismo que predominara na literatura na década anterior. Nesta perspectiva registramos tanto as críticas ao credencialismo das profissões, que assinalam o conteúdo ideológico, as conseqüências nefastas das reservas de mercado para a qualidade dos serviços e a difusão do corporativismo, com o também os olhares que destacam o sucesso da estratégia de profissionalização e seus resultados para a coletivi­dade. Estes trabalhos recorrem à Sociologia das Profissões para analisá-las no mercado. Elas não são vistas com o grupos congela­dos numa estrutura ocupacional. Até nas concepções menos flexí­veis sobre profissões, os autores assinalam com o elas se movimen­tam reagindo às condições adversas no mercado, mesmo que sen­do vítimas do capital ou do Estado. Há uma historicidade própria às profissões, até quando elas estão respondendo às bordoadas vindas do meio onde estão sendo focalizadas. Esta dinâmica não caracterizou a maioria dos estudos apresentados na seção sobre o Estado, onde as elites profissionais foram vistas com o comunida­

des congeladas passando pelos eventos históricos, perdendo a di­mensão de profissão com o processo.

PRO FISSÕ ES E SO CIED A D E

Alguns estudos nesta esfera viam a situação das profissões

com o reflexo da ordem social ou determ inadas pelas relações

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sociais vigentes na sociedade.12 O utros enfatizaram o papel dos profissionais com o construtores da sociedade civil, recorrendo ao conhecim ento especializado de sua profissão, tanto para “dar” à coletividade m elhores condições de vida quanto para consti­tuir uma esfera pública de discussão dos direitos sociais e da cidadania.13

Para ilustrar o primeiro tipo, foram selecionados três for­mas de analisar as profissões com o reflexos da sociedade: os trabalhos de Bruschini (1978), Loyola (1984) e Sim ões (1992). Exem plificando o segundo tipo, tem -se a pesquisa de Lessa e Linhares (1990).

Segundo o estudo de Bruschini (1978) das enferm eiras,

engenheiras e professoras, os valores dominantes na sociedade sobre o papel da mulher reproduziam-se nas profissões. C onstru­íam-se socialm ente estereótipos sobre as carreiras mais adequa­das a elas, que na prática se configuravam com o inadequadas. Assim, porque as mulheres assumem na família as atividades ligadas ã educação e à saúde, na profissionalização elas se con­centravam nestas áreas. Entretanto, o estudo realizado pela auto­ra constatou que as jornadas e as condições de trabalho da E n ­fermagem geravam incompatibilidade com os papéis domésticos, no cotidiano da vida das enfermeiras, com o esquema de horário

variável, com plantões em fins-de-semana e noturnos. Para elas, era mais difícil desempenhar os papéis familiares (casar e ter

12. Há análises sobre as profissões no mercado que possuem elos com esta form a de abordar o problema profissional, com o c o caso dos estudos sobre proletarização das profissões (Kawamura, 1978) ou sobre a estratifi­cação das profissões (Schwartzman e Balbachevsky, 1992). Entretanto, o foco central dos trabalhos classificados lá é o mercado.

13. O estudo de Adorno (1988), além de focalizar a auto-imagem dos bacha­réis com o construtores do Estado, deu relevância à form a com o eles parti­ciparam da construção de uma esfera pública, onde debatiam tanto suas propostas políticas liberais centradas nos direitos individuais quanto seus projetos para civilizar a sociedade.

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filhos) do que para as engenheiras entrevistadas, apesar da identi­

ficação masculina desta profissão. Estas engenheiras tinham m e­nos dificuldades em acumular os dois papéis, já que a jornada e as condições de trabalho interferiam m enos na organização do dia-a-dia da família.

Loyola (1984) analisa os conflitos entre os diversos especia­listas da cura do corpo e do espírito e suas relações com sua clientela, inserindo tanto os profissionais e praticantes quanto os clientes na estrutura de classes. As disputas entre as perspectivas

cientificas e religiosas e os em bates internos a cada um desses cam pos refletem os conflitos sociais existentes na sociedade. A busca que a população faz a diferentes formas de cura do corpo e do espírito decorre da não aceitação do domínio dos médicos e de sua visão de mundo sobre sua identidade, reafirmando a pos­sessão de si mesma c de seu saber sobre o corpo e a doença.

Sim ões (1992) toma o caso dos engenheiros para debater os modelos de classe e de estratificação no estudo das classes médi­as profissionais. Ela rejeita as visões que identificam um proces­so hom ogêneo em curso no mercado de trabalho dos engenhei­ros. Assim, contrapõe-se à “concepção linear” de Kawamura que indica a tendência à proletarização. Sim ões mantém-se sob o prisma marxista, mas enfatiza a heterogeneidade ao destacar as divisões de classe dentro das categorias ocupacionais e entre os engenhei­ros assalariados. Através da realização de um survey, ela detecta a predominância das ‘posições contraditórias de classe’ entre os engenheiros e analisa estas posições em relação às opiniões polí­ticas e ideológicas desses profissionais. Conclui que em bora haja tendência à proletarização, ela não transform a os engenheiros em

proletários.O trabalho de Lessa e Linhares (1990) sobre a O A B — RJ

reconstitui a trajetória da associação através de depoim entos das lideranças. O s autores examinam a construção da organização, seus elos com as questões político-institucionais e a consolidação

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da identidade do grupo com o uma dimensão do mundo institu­erions] brasileiro , expressa em três fases d istin tas (reativa, demiúrgica e otdinária). Segundo esta classificação, na fase reativa a O A B se caracteriza com o uma instituição da sociedade brasilei­ra, ao reagir às quebras nas ordens constitucionais e na defesa do

estado de direito em contextos históricos quando eles foram vio­lados. Na fase demiúrgica, a O A B formula “propostas de confi­

guração do mundo público brasileiro (...) operando no processo de fabricação das condições necessárias para a existência da pró­pria política” (p. 134). Na fase ordinária, que corresponde à vida democrática regular, a O A B volta-se para o aperfeiçoam ento da nova ordem, exercendo um papel fiscalizador sobre as institui­

ções democráticas.Em bora vários estudos tenham enfocado as profissões na

sociedade, eles passaram distante da literatura da Sociologia das

Profissões. O s trabalhos que enfatizaram as relações profissio­nais entre pares, entre com petidores ou com clientes com o deter­minadas pelas lutas de classe ou com o reflexos diretos da estru­tura da sociedade, não deixaram espaço para a concepção de profissão predominante naquela literatura. A profissão era ape­nas um instrum ento para sc argumentar a favor de algum deter­minismo, o que não dava relevância ao fenôm eno profissional em si e nem o reconhecia com alguma autonomia. Essa rigidez

distanciava os estudos acima daqueles norm alm ente associados à temática. O s trabalhos que analisaram o papel que as profissões desempenharam na constituição da sociedade civil e da esfera pública olhavam este fenôm eno sob um prisma identificado na literatura com o o do “ideal de serviço” . Tal concepção — relacio­nada à ênfase altruísta que Parsons atribuía às profissões servin­do seus clientes — tem sido alvo de muitas críticas na Sociologia das Profissões. Elas aparecem com o denúncia da ideologia do profissionalismo, mas não com o investigação de seu im pacto na

ação dos grupos profissionais que as incorporam , acreditam, de­

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fendem e se guiam por ela, dando vida real ao ideal, nas disputas internas de suas associações. N o Brasil dos anos 70, as organiza­ções dos advogados, dos arquitetos e dos jornalistas estiveram à frente dos m ovim entos de resistência aos governos militares. Já nos anos 30, os engenheiros-arquitetos sonhavam com a constru­ção da casa própria popular, projeto que não se restringiu a ser

um sonho só do povo.14 A relação entre as profissões e a socieda­de civil precisa ser investigada sob a perspectiva profissional, seja na fabricação da esfera pública ou na ampliação da cidadania, seja na crença em ofertar serviços que m elhorem a vida da cole­tividade. Num país com o o Brasil, com um sistema político mar­cado pela m enor estabilidade, as organizações profissionais ocu ­param um espaço de representação da sociedade, que foi além das fronteiras do contingente efetivo de seus membros.

PRO FISSÕ ES E COM UN IDAD E

Ao contrário da tendência apontada acima, sob a classifica­ção de profissões e comunidade há uma produção relevante na Sociologia das Profissões no Brasil. Foram agrupados neste tópi­co os estudos que focalizaram as profissões: a) com o comunida­des, b) que se propuseram a desconstruir ou problematizar esta abordagem, e c) que inserem as profissões em comunidades exa-

minando-as neste contexto.A concepção de profissão com o comunidade apresentada

no tópico sobre Estado destaca a homogeneidade do grupo, vis­to com o uma elite que partilha socialização e valores comuns.

14. Ver a tese de Marques (1995) que, analisando a trajetória da profissionaliza­ção do urbanismo no Brasil, apresenta a atuação de grupos profissionais e do IA B voltada para a sociedade. Ver também o livro de Carpintéro, A construção de ti»i sonho (1997), sobre a relação dos engenheiros-arquitetos com a formulação de uma política habitacional para o Brasil nos anos 30.

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Uma outra form a de vê-la assim é crítica do poder que elas m onopolizam, instituindo o corporativism o das profissões. Com o essas perspectivas foram introduzidas anteriorm ente, apresenta­remos a seguir a análise de uma tentativa recente de profissiona­lização, recorrendo à construção da comunidade (Russo, 1993), além de trabalhos que problematizam as profissões com o com u­nidades (Bonelli, 1995), (Barbosa,1993) e de estudos que inserem a profissão em comunidades, com o as redes familiares (Coradini, 1996), a etnia (Salles, 1997) e a cidade do interior (Bonelli, 1998).

Russo (1993) acompanha o m ovim ento das terapias corp o­rais no cam po psicológico analisando a expansão desta prática

no Rio de Janeiro e as estratégias de profissionalização adotadas a partir dos anos 80. E la vincula este crescim ento com as ideolo­gias dos estratos médios relacionadas, por um lado, com a mu­dança representada pela ascensão social e, por outro, com a tradi­ção e a estabilidade do prestígio. A autora focaliza as formas simbólicas com o este novo grupo de terapeutas, de origem social distinta dos psicanalistas realiza a mobilidade social coletiva. Ela m ostra a diferenciação através do estilo alternativo, seguida da

busca para consolidar posições de prestígio, com o ecletism o dos b ioen erg éticos sendo su bstitu íd o pelo rigor c ien tífico dos organoterapeutas. Russo acompanha as disputas pelo poder de nom eação para estabelecer quem faz ou não parte da comunida­de, concebendo-as com o processo de transform ação do cam po

profissional em corpo profissional.Barbosa (1993) investiga os engenheiros e a constituição

dos grupos sociais, analisando o processo de profissionalização com o uma form a de hierarquização social e de exclusão dos não credenciados. Seu argum ento de que as profissões são gru­

pos sociais que constroem sua coesão é desenvolvido através da trajetória histórica dos engenheiros, e de com o eles alcan­

çam sucesso no seu coesionam ento, apesar das diferenças de origem social, de gênero, de especialização e de carreiras. Se­

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gundo ela, m esm o com esta diversidade, os engenheiros p reser­vam -se com o grupo social devido à “existência de representa­ções coerentes do mundo social e do grupo profissional que são partilhadas pelos seus m em bros e validadas pela sociedade em geral” (p. 279). O s em bates com outros grupos tam bém atuam para coesionar os engenheiros.

Bonelli (1995) problem atiza a noção hom ogênea de com u ­nidade profissional, investigando a estratificação das atividades ocupacionais e as disputas intraprofissionais pelo poder de n o ­m eação nas Ciências Sociais. A análise qualitativa centra-se nas posições que os form ados em Ciências Sociais ocupam no sis­tema das profissões, e com o eles lutam entre si para serem incluídos ou excluídos no grupo dos cientistas sociais, através das identidades profissionais. A definição de quais atividades

fazem parte da profissão e com o elas se hierarquizam interna­m ente é apresentada com o a versão dom inante, relacionada à força dos grupos que a im põe aos demais. Estes reagem a tais classificações procurando deslegitim á-las, seja quando visam entrar no grupo e enfrentam resistências, seja quando o o b jeti­vo é diferenciar-se dos cientistas sociais e seguem sendo trata­dos com o internos.

Ao analisar a trajetória de três m em bros da Academia N a­cional de Medicina, entre o Império e República, e focalizá-los no contexto de suas famílias e nas relações sociais centradas na reciprocidade, Coradini (1996) toma o problem a das profissões na comunidade pelo lado da desconstrução da visão de que há um ethos profissional para esta elite médica. As práticas de reci­

procidade da comunidade de origem (famílias im portantes) esta­riam justapostas ao modelo do profissionalism o centrado no mé­rito, caracterizando a situação no Brasil com o híbrida. Segundo o autor, a im portação de filosofias e tecnologias médicas para o

país m o foi acompanhada da transposição para cá das condições

onde esse ethos profissional foi gerado, predom inando aqui as

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relações de amizade e inimizade, que são típicas do pólo oposto ao da racionalidade científica.

Salles (1997) examina a inserção dos médicos italianos na estrutura social paulista entre 1890 e 1930, apontando o sucesso deste projeto im igratório com o grupo realizando mobilidade social conjuntam ente com a afirm ação da M edicina paulista. A autora relaciona a concentração destes médicos em São Paulo com o atendimento à comunidade italiana e com a criação das

sociedades de mútuo socorro e de beneficiência. Ela aponta com o a construção da identidade do grupo se deu em contraste com

seus pares paulistas e com o conjunto dos imigrantes italianos, prática de distinção que teria atuado também na fabricação de uma identidade italiana para toda a comunidade.

Bonelli (1998) aborda as profissões do D ireito em uma ci­dade de médio porte do interior de São Paulo, captando a dinâ­

mica da interação dos juizes, prom otores, advogados e delegados de polícia entre si e na form a com o se vêem na comunidade local. D iferente das pesquisas de cam po realizadas na capital do Estado, no interior a presença da comunidade na vida cotidiana desses profissionais chama a atenção tanto pelo tipo de visibili­dade e im portância social que eles adquirem nessas localidades quanto pela fiscalização inform al a que eles se vêem sujeitos, não usufruindo do anonimato das metrópoles. Na cidade estudada, a rede de relações locais, com destaque para a família, era a princi­pal fonte que o advogado tinha para a inserção no mercado pro­fissional e para a obtenção de clientela, o que diferenciava esta carreira daquelas desempenhadas no Estado (juizes, prom otores

e delegados).Esses trabalhos ilustram a diversidade de perspectivas sobre

profissão e comunidade na literatura da Sociologia das Profis­sões. As pesquisas etnográficas resumidas acima recorreram às abordagens desta temática para a com preensão de seus objetos de estudo, ao m esm o tempo que trouxeram colaborações rele-

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vantes pata a área, que vêm problematizando o conceito de pro­fissão com o comunidade. N este sentido, registramos argumenta­ções que questionaram tanto o aspecto profissional quanto o aspecto comunitário desta relação.

As novas formas com o profissões e comunidade vêm sendo investigadas, deixam claro o contraste com a mera reprodução da ideologia do profissionalismo e com as visões que tomavam a hom ogeneidade e a coesão dos grupos com o realidades dadas, sem submetê-las ao crivo da pesquisa e da análise especializada.

NOVAS PERSPECTIVAS NA SO C IO LO G IA DAS PRO FISSÕ ES

NO BRASIL

N os dois tópicos onde esta temática manteve-se retraída, ou seja, no âmbito das relações com o Estado e com a sociedade, já se registram estudos orientados pelo olhar da Sociologia das P ro­fissões. São abordagens histórico-com paradas que dão transpa­rência à dinâmica daquelas relações, em m om entos distintos da trajetória do grupo profissional.

A tese de doutorado de Marques (1995) sobre as profissões do urbanismo aponta nesta direção. Ela investiga a história da constituição, o desenvolvimento e a desprofissionalização do urba­nismo no Brasil. O momento constitutivo está relacionado ao E s­

tado Novo e a regulamentação do mercado de trabalho que favore­ceu a demarcação de jurisdições estabelecendo monopólios. A pro­fissão é examinada sob uma perspectiva que vincula sua situação no mercado à ação do Estado em todos os contextos de mudança política que o país viveu a partir de 1930. Segundo a autora, são as políticas governamentais com o o desenvolvimentismo e as refor­mas urbanas que impulsionam o prestígio profissional e a consoli­

dação do meio científico, com o é o fim desta ‘época de ouro’ que

traz o retraimento do mercado de trabalho, a desprofissionalização

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e a crise de identidade profissional. Ela vincula os problemas de mercado ao processo de expansão dos cursos superiores e ao redirecionamento das relações profissionais. Partindo de uma inte­ração passiva com o Estado, os urbanistas tornaram-se oposição ao regime militar, voltando-se para a sociedade tanto através da cultura participacionista quanto pela ação do IA B na defesa dos direitos humanos e nas lutas pela redemocratização.

Coelho (1999) analisa a origem das profissões no Brasil imperial e as relações dos médicos, advogados e engenheiros com o Estado até 1930. Seu relato desta história tem a estrutura de uma tragédia clássica que ilustra sua visão sobre o resultado do profissionalism o entre nós. O autor argumenta que essas pro­fissões não dominavam uma autoridade do saber que sustentasse o privilégio de obter o m onopólio do mercado, através do reco­nhecim ento público de sua expcr/ise. Para tanto, elas precisaram recorrer ao Estado pata garantir o credencialismo, já que não possuíam mais com petência do que os praticantes sem diploma de curso superior em Medicina, D ireito ou Engenharia. Em bora

as associações profissionais buscassem se aproximar cio Estado, Coelho sugere que, durante o Império e a Primeira República, eles não tiveram sucesso nesta estratégia, despertando pouco in­teresse no imperador, nos presidentes da República e na grande maioria dos m em bros dos G abinetes e dos Ministérios.

Bonelli (1999) pesquisou a trajetória histórica do Instituto dos Advogados Brasileiros e seus laços com o Estado e a socie­

dade civil durante o Im pério e a República. Este trabalho focali­za o processo de profissionalização da advocacia a partir de 1843,

com a criação deste instituto, movim ento que é impulsionado em 1933 com a organização da OAB. O argumento dá destaque à mobilização dos advogados para obter o controle do mercado de trabalho e a fiscalização do desempenho profissional, apresenta­

dos com o a garantia de um serviço de qualidade à coletividade, bem antes da chegada da OAB, criada por G etúlio Vargas. O que

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se questiona com isso e a visão que submete as profissões no

Brasil à subserviência ou ao domínio do Estado, vinculando sua regulamentação à iniciativa corporativista do Estado Novo, sem reconhecer com o elas já vinham interagindo neste processo, em busca de seu profissionalismo. A pesquisa focaliza também com o o IA B, perm anentem ente envolvido pelos conflitos entre os gru­pos que defendiam a função técnico-jurídica do instituto e aque­les que queriam dirigi-lo para um papel político sintonizado com a sociedade, sobrevive a essas disputas, hoje incorporadas com o constitutivas da organização e de sua identidade.

C O N C LU SÕ ES

D os seis trabalhos classificados sob a rubrica profissões e Estado, a metade deles (Carvalho, Miceli e Schneider) enfatizou principalmente o Estado e secundariamente as profissões. N o conjunto, o olhar predominante via essas elites com o comunida­des, mas atribuíam sua coesão a fatores distintos, que se polari­zavam entre a defesa dc interesses específicos e o partilhar da visão de mundo com um centrada nos valores profissionais.

Entre os nove estudos sobre profissões e mercado, poucos deram relevância a tal questão. A maioria pareceu aceitar os es­treitos laços entre profissões, mercado e interesses preferindo inserir o debate no leque de posições que vai desde a visão destes grupos com o vítimas do capital até a de poderosos m onopoliza­dores de mercado e de credenciais. G rün e Barbosa ampliaram este tópico para incluir a dimensão sim bólica e as representações

sociais na análise dos profissionais no mercado.N o âmbito das profissões e sociedade, foram examinados

quatro trabalhos e apenas um (Lessa e Linhares) tinha a profissão

com o foco central. O s demais tomavam-nas com o unidades m e­nores onde se reproduziam valores, conflitos sociais e relações

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de classe. Só no olhar desses dois autores a visão de mundo dos advogados foi enfocada com o própria e relevante para a consti­tuição de uma identidade diferenciada do grupo.

D as seis investigações sobre profissões e comunidade, to ­das elas elegeram com o mais relevante focalizar um grupo ou uma elite profissional. O recorte em si favoreceu o destaque da

dimensão simbólica do pertencimento, o que ocorreu tanto quando os pesquisadores analisaram os processos de profissionalização ou enfatizaram as disputas profissionais, com o quando questio­naram as bases da socialização dessas elites frente aos valores m eritocráticos das profissões.

H oje, a Sociologia das Profissões possui um acervo de estu­dos em torno da problemática do mercado e da comunidade com mais acúmulo de conhecim ento do que para a sociedade e o Estado. A maioria dos trabalhos produzidos aqui se insere nas vertentes críticas da abordagem funcionalista das profissões, des­tacando com o esses grupos organizaram-se cm torno da defesa

de seus interesses específicos. Foram pouco exploradas as abor­dagens sobre as relações entre profissionalismo, E stado e socie­dade, principalmente no veio investigativo do papel que as pro­fissões desempenharam para além dos benefícios próprios. Esta dimensão é particularmente im portante se recapitularmos a his­tória recente de oposição ao autoritarismo, época em que se re­gistrou reações terroristas contra organizações profissionais. Não foi por ter sido percebida com o uma entidade voltada para si

mesmo que, em 1980, a O A B-R J sofreu um atentado à bom ba vitimando uma funcionária.

A trajetória percorrida pela produção brasileira apresenta sin­

tonia com a bibliografia internacional sobre profissões, mas com um tipo de relação onde predomina a interlocução local sobre aqueles modelos analíticos. A estrutura típica destes estudos ba­seia-se em pesquisas empíricas para reforçar uma vertente, ao mes­

mo tempo em que procura descartar com o equivocadas as aborda-

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gens sob crítica, que costumam estar representadas em estudos de­senvolvidos no país. Em bora a interlocução seja predominantemen­te feita com os pares no âmbito nacional, o acesso a tal literatura processa uma diferenciação interna, elevando aqueles que a usa a um patamar simbólico de diálogo com a bibliografia estrangeira.

O caminho percorrido nesses 30 anos revela a consolidação da Sociologia das Profissões com o a área que, ao focalizar as profissões no mercado e problematizar profissões e comunidade, construiu bases analíticas mais flexíveis para captar as formas com o

as profissões interagem na sociedade e no Estado. A história das profissões no Brasil dá transparência aos elos que elas desenvolve­ram nestas duas esferas. Analisar tais fenômenos sob esta perspec­tiva pode representar um diferencial tanto para a compreensão das

experiências nacionais com o para a participação no debate interna­cional, que hoje busca construir uma teoria das profissões capaz de dar conta de toda essa diversidade. Neste sentido, é fundamen­tal que se investigue as relações entre profissionalismo, Estado e sociedade utilizando os instrumentais que a Sociologia das Profis­sões já desenvolveu, c o conhecim ento acumulado pelos trabalhos que focalizaram a temática sob outras perspectivas. Esta alternati­va representa uma mudança substantiva para a Sociologia das Pro­

fissões no Brasil, na virada do século.

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O Que Ler na Ciência Social Brasileira (1970-1995)

Volume I Antropologia

Al ba Zaluar Violência e Crime

Eduardo Viveiros de Castro Etnologia Brasileira

Mariza G. S. Peirano Antropologia no Brasil (alteridade contextualizada)

Lilia K. Moritz Schwarcz Questão Racial e Etnicidadc

Paula MonteroReligiões e Dilemas da Sociedade Brasileira

Volume III Ciência Política

Ola vo Brasil de Lima Jr.Partidos, Eleições e Poder Legislativo

Marcus André MeloEstado, Governo c Políticas Publicas

Fernando Limongi Institucionalização Política

Fábio Wanderley Reis Institucionalização Política (com en­tário crítico)

Paulo Roberto de Almeida Relações Internacionais

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Classes e Mobilidade

Intelectuais e Pensamento Social

Relações de Gênero

Sociologia da Religião

Sociologia das Profissões

C A P E S ANPOCS

ISBN 8S-BS40S-S9- 4

8 8 5 8 5 4 0 8 2 9 9